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FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA ASSOCIAÇÃO
CRISTÃ DE MOÇOS DE SOROCABA
APRENDIZAGEM MOTORA PELA FILOSOFIA DA DIFERENÇA:
POSSIBILIDADES E DESLOCAMENTOS
PAULO HENRIQUE OLIVEIRA LOPES
Sorocaba
2020
PAULO HENRIQUE OLIVEIRA LOPES
APRENDIZAGEM MOTORA PELA FILOSOFIA DA DIFERENÇA:
POSSIBILIDADES E DESLOCAMENTOS
Pesquisa apresentada ao programa de
iniciação científica da Faculdade de Educação
Física de Sorocaba.
Orientador: Prof. Dr. Rubens Antonio Gurgel
Vieira.
Sorocaba
2020
O essencial neles não é que eles querem “voltar”: mas que eles querem –
afastar-se. Um pouco mais de energia, voo, senso artístico: e eles quereriam ir
adiante – e não de volta!
- Nietzsche
DEDICATÓRIA
Dedico as próximas palavras aos encontros e desencontros que me
fizeram apaixonar pelo problema aqui levantado. Bem como as pessoas que
sempre estiveram a me incentivar das diversas formas possíveis.
AGRADECIMENTOS
Aproveito esse espaço para lembrar a importância de meus familiares e amigos
que influenciaram a minha permanência nesse projeto, sempre me apoiando e
aconselhando em minhas decisões.
Aos meu professor e orientador Rubens Gurgel que por muitas vezes via em
mim uma capacidade de envolvimento e criação, sempre me convidando a
movimentar o pensamento; ao diretor Mauricio Massari sempre apoiando os trabalhos
e pesquisas de nosso grupo das diversas forma possíveis, e a outrxs professores (as)
que abrigaram em meu universo uma imensa constelação de conhecimentos
Ao Grupo de Estudos em Pedagogia da Educação Física e o Grupo de Leituras
e Debates, que me possibilitaram amizades de pesquisa e grandes aprendizagens,
especialmente os amigos (as): Elder José, Gabriela Andreotti e João Góes. Para todos
os momentos, horários, espaços e situações agradeço tê-los ao meu lado.
A instituição de ensino FEFISO, que me dera a oportunidade de conhecer
excelentes experiências e profissionais. A academia Wfit, na qual trabalhei e
desenvolvi uma enorme rede de conhecimento com diversos e singulares alunos (as).
Aos problemas diários- dores, paixões, responsabilidades, preocupações e
felicidades- que cortaram meu corpo e me fizeram degustar o tempo das melhores e
piores formas possíveis.
A vocês todos (as), que citei e que passaram despercebidos (as), lhes dou o
nome de vida!
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 8
CAPÍTULO 1 - CAMINHOS MUITOS: PROBLEMA E PESQUISA ..................... 13
CAPÍTULO 2 - APRENDIZAGEM MOTORA: INQUIETAÇÕES E CONVITES .. 15
2.1. A aprendizagem motora .............................................................................. 16
CAPÍTULO 3 - FILOSOFIA(S) DA(S) DIFERENÇA(S): DESLOCAMENTOS .... 22
3.1. A questão do tempo .................................................................................... 24
3.2. Aprendizagem motora e abordagens .......................................................... 28
3.3. Caos: Os mergulhos científicos e filosóficos ............................................... 30
3.4. Os novos paradigmas: mudança, ciência e filosofia .................................... 31
CAPÍTULO 4 - A INVENÇÃO DOS PROBLEMAS: EXPERIMENTAÇÃO DO
TEMPO COMO DEVIR NO PENSAMENTO ...................................................... 34
4.1. Pensamento e produção singular ................................................................ 37
CAPÍTULO 5 - OS AFECTOS: CORPO E PENSAMENTO NA PRODUÇÃO DO
MOVIMENTO ..................................................................................................... 39
5.1. A dimensão motriz da motricidade .............................................................. 40
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 43
RESUMO
O presente trabalho busca aproximar a literatura da (s) filosofia (s) da (s) diferença (s) às discussões sobre aprendizagem motora. Tenho como método de pesquisa a proposta de “método como acontecimento” desenvolvida por Ribeiro (2016), na qual a autora considera importante a experiência do pensamento para além dos confrontos epistemológicos e aquém das dimensões ético-políticas. A pesquisa baseia-se em leituras de estudiosos do comportamento motor como: Go Tani (2005) e Richard A. Schmidt (2010); e os filósofos/psicólogos (as) Gilles Deleuze (2018), Henri Bergson (2006), Silvio Gallo (2008/2017), e Virginia Kastrup (2001/2007). Relata-se ao final desta pesquisa a possibilidade de pensar a invenção no relacionamento sensório-motor; reivindicando uma dimensão analítica dos afectos neste intermeio.
Palavras chaves: Aprendizagem; Motricidade; Diferença.
ABSTRACT
This study aims to analyze the discussions on motor learning in the light of the philosophy of difference. The research methodology utilized in this paper draws on the “method as an event" proposal, developed by Ribeiro (2016), in which the author considers the thought experience to be an important ethical-political construction that stretches beyond epistemological arguments. The research is based on readings by scholars of motor behavior such as: Go Tani (2005) and Richard A. Schmidt (2010); and the philosophers / psychologists Gilles Deleuze (2018),Henri Bergson (2006) , Silvio Gallo (2008/2017), and Virginia Kastrup (2001/2007). The final part of this paper states the possibility of invention in the sensorimotor relationship, claiming an analytical dimension of the affects in the interim.
Kay words: Learn; Motricity; Difference.
8
INTRODUÇÃO
Começo esta pesquisa desenvolvendo uma breve apresentação dos
caminhos que me levaram ao problema que proponho. Como um iniciante
científico e estudante de graduação, não me vejo desatrelado dos inúmeros
espaços que atravesso na minha vida cotidiana bem como das relações das
quais crio e sou criado e suas importâncias para a produção deste trabalho.
Esta pesquisa abre espaço para relacionamentos que desde junho de
2019 venho me dedicando e, como em quase tudo na vida, este engajamento
não poderia ser reduzido a uma simples história. Estar em experiência com o
corpo- pesquisador é uma prática de abertura do pensamento e de reformulação
daquilo que vinha tomando como prioridade na vida. Então, posso dizer que não
se tratou de uma escolha de ganho de status, mas sim, em uma mudança na
forma de composição de minha própria relação com o que me faz bem- uma
afirmação.
O interesse em estudar os pensadores da (s) diferença (s) desenvolveu-
se em uma ruptura no meu entendimento sobre o que seria o “conhecimento”.
Recordando-me dos anos no Ensino Médio (2014-2017), na qual havia uma
cobrança muito grande em saber e tirar notas máximas, vivia para reproduzir
aquilo que o programa escolar moderno nos propõe: estudar para ser bom aluno
e bom profissional e bom filho e com um bom emprego... de certo modo, estava
ali para manter a “posição” de bom aluno e a bolsa que mantinha.
Na escola, desenvolvi grande proximidade com as matérias que exigiam
uma reflexão social e encaravam problemas de ordem cultural, gerando
discussões e debates entre os alunos. Todavia, diminuir tais discussões e
resumi-las em provas alternativas, desvalorizando o poder de mudança que elas
podem proporcionam no pensamento faz parte daquilo que um dia ouvi chamar
de: “vestibularização”. A discussão era dada, mas, com outro objetivo: produzir
boas redações e saber identificar as questões corretas nos exames finais.
Apesar de tudo isso, os professores que fugiam do ensino fortemente
embasado no apostilado estão marcados em minha memória. O prazer em
discutir literatura, geografia, história e filosofia faziam-me aproximar das
humanidades e querer um dia poder lecionar. De início, tinha interesse em seguir
9
graduação em História, entretanto, a voz de meu pai ecoava em minhas escolhas
com um: “ser professor não dá dinheiro!”.
Em dezembro de 2017, logo após ter finalizado o Ensino Médio, dava
início a minha graduação em Bacharelado em Educação Física na Faculdade de
Educação Física da A.C.M Sorocaba (FEFISO). E qual seria minha relação com
esta área do conhecimento? De certa forma, sempre estive cercado de
profissionais. Tive exemplos na minha família, entre os quais o mais próximo é a
própria figura do meu pai.
Na escola pude experimentar dois profissionais que encaravam a
educação física escolar de maneiras diferentes. No fundamental I a educação
física resumia-se na “hora do lazer”, momento em que os alunos eram liberados
das fatídicas horas em sala de aula e, sob a supervisão de uma pedagoga, eram
liberados para brincar.
No fundamental II, pude experimentar a interação com uma professora
que conseguia oferecer diversas vivências voltadas para as práticas esportivas,
gímnicas e dança.
Já no Ensino Médio, participei da relação básica vôlei-futebol na qual:
meninas jogavam vôlei e meninos futebol, sem espaço para discussões e
abertura para outras perspectivas. Fora da escola, cheguei a participar em
escolas de iniciação esportiva, que gerou uma paixão pelo futebol, ou, melhor
dizendo, pela prática de defender o gol.
Então, adentro os primeiros semestres de Bacharelado em Educação
Física com o mesmo pensamento, estar sempre preparado, saber tudo, tirar boas
notas e estar no controle para, enfim, poder ter tudo aquilo que possa se ter
quando se formar. Desenvolvia-me bem em todas as matérias, entre humanas,
exatas e biológicas. Mas, essa inclinação à conquista ainda me posicionava em
uma relação muito individualista e impossível de sentir as possibilidades que o
Outro possa oferecer além da grande rivalidade das propostas que a maquinaria
política dominante finda, melhor dizendo, é preciso ter o Outro como um inimigo,
aquele que roubará sua vaga, seu respeito, sua importante chance de ser alguém
na vida.
A ruptura com tal ideia que se esboçava em minhas ações se desenvolveu
com o tempo e com o convívio com amigos (as) e colegas no ambiente da
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Faculdade. Como uma ruptura, movimentaram-se em meu pensamento
turbulentas relações com as escolhas que fazia.
Foi no evento MAPA1-2018 que tomei conhecimento dos horizontes da(s)
filosofia (s) da (s) diferença (s), mais especificamente os filósofos Friedrich
Nietzsche e Michel Foucault; sendo nesse mesmo evento convidado pelo
professor Rubens Gurgel a participar do GEPEF-FEFISO2 no qual, por
impossibilidades de conciliação dos horários dos encontros com o trabalho, não
pudera comparecer até então.
As indagações propostas naquele evento não foram fáceis de digerir. Me
inclinavam sempre a duvidar das minhas escolhas e principalmente quando
essas envolviam outras pessoas.
Chegando ao quarto semestre, em uma disciplina optativa3 do curso,
lecionada pelo mesmo professor que me convidara para participar do grupo de
estudos, deparo novamente com as leituras incertas e provocadoras dos textos
desta “perspectiva” filosófica. Com o foco em discutir aprendizagem e diferença
pelo viés “pós-estruturalista’ dos pensadores franceses Gilles Deleuze e Felix
Guattari e os brasileiros Silvio Gallo e Virgínia Kastrup, catabolizou-se em meu
pensar um movimento de vazão; dentre muitas outras propostas, tínhamos como
exercício pensar a descentralização do processo de aprendizagem de um
caminho resumido em “não-saber – saber”, digo - aprender, como estávamos
discutindo, não seria somente a experiência de captar as formas das coisas
como se faz entender nas teorias clássicas e no senso comum; como também,
invoca um choque com a realidade, com o novo, que não se pode resumir às
técnicas e pressuposições morais de uma vida dada ou ainda transcendente
(igualmente designadas a todos os corpos). Uma filosofia que luta pelo mínimo
de possível num mundo que entrega máximos estranguladores – Diria Deleuze.
Foi por essas aulas e com minhas diversas questões que agarrei um
segundo convite. Este agora consistia em participar do PIBIC4 e, se interessado
estivesse, dar início a um projeto de pesquisa.
1 Evento Mostra Anual de Produções Acadêmicas que ocorre na FEFISO. 2 Grupo de Estudos em Pedagogia da Educação Física que ocorre na FEFISO. Link para acompanhamento de trabalhos: http://gepeffefiso.blogspot.com/ 3 A disciplina era optativa pois envolvia questões relacionadas à graduação em Licenciatura em Educação Física, ou seja, que estivessem relacionadas as teorizações escolares. 4 Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica.
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Foi neste grupo, constituído por poucas pessoas, que fiz amizades de
pesquisa e de muitos outros lugares. Com eles que venho traçando cada vez
mais meu interesse em seguir pesquisando. Com essas amizades vieram
também outros espaços, novas experiências, pude participar dos congressos XV
Seminário de Educação Física Escolar-USP, VII Seminário Conexões: Deleuze
e Corpo e Cena e Máquina e ... - Unicamp e Mostra Anual de Produção
Acadêmica -FEFISO/2019. Participei também da criação e utilização de
espações virtuais para conexões de conhecimentos e discussões textuais,
destacando aqui o pequeno Grupo de Leituras e Debates 5 constituído por
encontros semanais via Skype durante o período de férias e a finais de semana.
Nos primeiros dias de PIBIC me via perdido com as leituras; o foco
naquele momento era compor encontros que visassem discutir a aprendizagem
nas perspectivas deleuze-guattarianas e movimentar as pesquisas dos iniciantes
e aspirantes. Como um grupo voltado a produzir pesquisa, todos (as) que entram
recebem o convite a participarem e desenvolverem um projeto. Depois de certo
tempo como membro-ouvinte, aceitei ao convite e comecei a escrever. O tema a
ser proposto em meu projeto seria as possíveis conexões entre aprendizagem
motora e filosofia (s) da (s) diferença (s); vi-me sobrevoado um vasto campo
carregado de autores e perspectivas, dentre ciências e filosofias.
Quando terminado o projeto e aceito, uma das impressões que tinha era:
mergulhar minhas leituras em aprendizagem motora como campo do
Comportamento Motor utilizando como referência os teóricos apresentados no
curso de Educação Física e dali formular uma pesquisa centrada em apresentar
os limites e possíveis relações para com a filosofia. Entretanto, entrar em contato
com essas teorias me empurrava ainda mais para um aprofundamento “nômade”
de pesquisa, quase uma viagem sem ideia de onde pararia; impulsionado por
meu interesse singular de conhecimento. Estudar motricidade, comportamento,
diferença e aprendizagem, como veremos a seguir, não coincidiu em um
movimento puramente filosófico, mas ainda, múltiplo e, em pequenos momentos,
inventivos.
5 Grupo de Leituras e Debate- formado em meados de 2019 para discussões potencializadas pela literatura pós-estruturalista. Segue link dos registros dos encontros: https://www.youtube.com/channel/UCm6r0_0wzme_S3BmJMdXwtg
12
Como será possível observar nas próximas seções, entenderemos as
práticas cientificas e filosóficas em dois movimentos: analítica da verdade, da
qual têm-se a busca incessante pelo domínio do tempo, tomando-o como espaço
percorrido, o materializando em leis, traduzindo-o em fases, estruturas e metas;
e a ontologia do presente, em que o tempo é tomado como diferença, como
produção de transformações tão dinâmicas que escapam às representações.
Trazer essas palavras para o texto não é uma mera justificativa, mas sim
uma abertura, de como a produção não pode ser desvinculada das
transformações das quais fui e sou ocorrido. Acredito que, além da proximidade
que proporciona, tal descrição auxilia na desfiguração de uma pesquisa
desvinculada do corpo, ou seja, dos prazeres e dores que nela possam ocorrer.
O leitor pode perceber que por muitas vezes opto por manter minha escrita no
plural e poucas vezes pelas frases singulares, de modo a considerar os diversos
ambientes e pessoas que acima dediquei em apresentar.
Com isso, tomamos sob a leitura das vertentes que constituem as análises
da aprendizagem motora e de sua conceitualização como arraigadas aos
pretextos da analítica da verdade, não possibilitando espaço para pensar o
tempo como diferenciador e sua dimensão afectiva. Quando pensada, retornam
a um processo que afirma o âmbito transcendental dos métodos de aquisição de
habilidades motoras. Por esses caminhos, nos debruçaremos a apontar os
limites de tal prática tendo como questão: Como pensar a diferença na
aprendizagem motora com a filosofia da diferença?
13
CAPÍTULO 1 - CAMINHOS MUITOS: PROBLEMA E PESQUISA
A presente pesquisa tenta aproximar, ciente das complexidades, os
estudos de aprendizagem motora aos da filosofia da(s) diferença (s). Para isso,
consideramos como via de pesquisa a proposta colocada por Ribeiro (2016)
como: método- acontecimento. Para a autora, a escolha consegue abordar uma
dinâmica ético-político do problema; desenvolve-se não somente num único
âmbito de circulação discursiva, mas também, empenhando-se a propor
mudanças levando em conta os dinâmicos e intensivos encontros dos corpos em
suas diversas realidades:
Ao evocarmos essa imagem do método como acontecimento, buscamos enfatizar um trabalho analítico de experimentação do pensamento que somente se efetua na imanência. Nesse ato, sequestramos as discussões metodológicas da zona de conforto epistemológico e arremessamos à arena-ético político. (RIBEIRO, 2016, p. 75).
Aproximados aos pensadores franceses Gilles Deleuze, Félix Guattari e
Michel Foucault (e outros (as) que trouxeram à tona a discussão sobre a
diferença no ambiente acadêmico, literário, científico e filosófico), nos
desafiamos a provocar possibilidades as teorias do comportamento motor aqui
consideradas.
Reconhecendo a importância de pesquisadores (as) como: Richard
Schimidt, Crain Wrisberg, Richard Magill, David Gallahue, John Ozmun, Jackie
Goodway e, especialmente, Go Tani6 (uma das principais referências de
pesquisas em Comportamento Motor no Brasil) na composição deste campo
científico. Reconhecemos que tratar de tal assunto sem referenciá-los ou até
mesmo rejeitar seus textos e conceitos nos aproximaria de uma prática comum à
modernidade.
Este trabalho opera com "convites insuspeitáveis” que são encontrados
em nossa jornada (não só por leitura dos artigos presentes na bibliografia como
também nos encontros da vida) e, como nos apresenta Gallo (2017):
possibilitamos mudanças menores, sem perspectivas emancipatórias. Lançamo-
6 Go Tani é um dos pioneiros dos estudos do Comportamento Motor no Brasil, será aqui nossa principal referência.
14
nos a problematizar a literatura da aprendizagem motora com a (s) filosofia (s)
da (s) diferença (s). Mas exatamente o que se problematiza nesta pesquisa? De
certo o que está parado, ou seja, aquilo que se encontra sob controle.
Como pode ser visto a aprendizagem motora como campo do
Comportamento Motor possui uma vasta literatura que busca compreender e
analisar através do comportamento observável e, mais recentemente,
aproximasse de estudos dos comportamentos não observáveis. Entretanto,
como ressaltado por Tani (2005), a tentativa de estabilizar o processo de
aprendizagem gera paradigmas que a neutralizam.
Já quando em leitura das observações referentes a aprendizagem
inventiva proposta por Kastrup (2001, p.18), vemos que:
[...] se por um lado a aprendizagem é reconhecida como um processo de transformação, seja do comportamento, seja da cognição, o que aponta para sua dimensão temporal, por outro a empresa científica busca as leis e os princípios invariantes que regulam este processo de transformação temporal.
Entendemos que: se aprender escapa às tentativas ambiciosas de
controle e exatidão, resistir torna-se uma possibilidade (GALLO, 2017). Estamos
em busca dessas possibilidades, resistir pode nos levar a diferentes caminhos e
novas realidades sobre a aprendizagem motora, assim podemos deslocá-las em
novos ambientes. Todo este intenso movimento pode ser observado nos estudos
da (s) filosofia (s) da (s) diferença (s), entretanto, é um caso que evoca a
produção de controle aos estudos da aprendizagem motora - um registro desta
situação pode ser observado pela acentuada existência de: sistemas, metas,
desempenho, fases, feedbacks, alvos, etc. As palavras a seguir pretendem
introduzir algumas inquietações deste encontro.
15
CAPÍTULO 2 - APRENDIZAGEM MOTORA: INQUIETAÇÕES E CONVITES
Para compressão mínima de aprendizagem motora alguns conceitos
serão abordados. Entenderemos inicialmente as dimensões do Comportamento
Motor (CM). Para Tani (2008), o CM pode ser explicado como uma área de
investigação científico-acadêmica composta por três campos denominados:
Desenvolvimento Motor, Aprendizagem Motora e Controle Motor. Essas áreas
buscam assim compreender o significado, mecanismo e processo de mudanças
referentes ao comportamento motor humano. Os estudos sobre o CM datam de
um longo tempo. Pesquisas em Aprendizagem Motora remontam ao final do Séc.
XIX provenientes da Psicologia, o que demonstra a consolides desta área do
conhecimento, tendo mais de cem anos de produção e com presença nos
diversos cursos de Educação Física e afins.
Em uma compreensão histórica desta área de pesquisa Fairbrother (2012,
p.18) cita que:
O campo do comportamento motor emergiu em grande parte da psicologia experimental em razão dos esforços para solucionar e treinar eficientemente os pilotos da Segunda Guerra Mundial. Hoje em dia, o comportamento motor se relaciona a uma ampla variedade de campos que também envolvem os estudos do desempenho humano. Estes incluem os fatores humanos, a terapia ocupacional, a educação física, o treinamento, a ciência do exercício e a fisioterapia.
Já segundo Tani (2006), existem três problemas que norteiam os estudos
do CM, são eles: os mecanismos responsáveis pela produção do movimento,
objeto de estudo do Controle Motor; a compressão dos processos subjacentes
resultantes da prática que influenciam no comportamento motor, abordado pelas
pesquisas em aprendizagem motora; as mudanças motoras ocorrentes no
indivíduo ao longo do ciclo da vida, objeto de investigação de pesquisas em
Desenvolvimento Motor.
No Brasil, o campo ganha visibilidade com a chegada da obra “Educação
física escolar: Fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista”, do qual
Tani (2008) apresenta como uma relevante colaboração frente a um cenário de
escassez teórica da Educação Física Escolar.
16
A abordagem desenvolvimentista se preocupou em apresentar, tendo
como base os estudos sobre o comportamento motor, vias de compreensão da
“[...] criança em movimento, diagnosticar suas capacidades e definir linhas de
ação em programas de atividades motoras com fins educacionais” (TANI, 2008,
p. 313). Nesse sentido, a abordagem fornece material para a prática pedagógica
distanciando-se da abordagem anterior, afeita as demandas esportivas e de
condicionamento físico.
Faz-se relevante ressaltar que ao falarmos de aprendizagem motora
estamos conversando com uma área do conhecimento com mais de cem anos de
existência e com significativa participação nos cursos de Educação Física,
fisioterapia, entre outros. Portanto, seu processo de colaboração ao
desenvolvimento dos sentidos e objetivos da Educação Física possui uma
concreta e estável posição.
Opto então por percorrer alguns sentidos que o conceito de aprendizagem
motora perpassou. Estando ciente das possíveis limitações encaradas,
entretanto, com olhar atento as diferentes abordagens deste “fenômeno”,
encarando o percurso com curiosidade e interesse pelas mudanças.
2.1. A aprendizagem motora
Ao nos direcionarmos ao Dicionário de etimológico Nova Fronteira da
língua portuguesa (1994) vemos que a palavra “aprendizagem” provém do latim:
apprehendere, que por sua vez significa “apanhar”; enquanto “motor”, advém,
também do latim, de: motor- oris, ou seja: o que faz mover. Assim podemos
entender de maneira introdutória e simplista, que, qualquer campo do
conhecimento que se dedique a comentar sobre a aprendizagem motora, passe
a construir sentidos que expliquem como os seres vivos podem apanhar, ou
ainda, apreender, o que faz, ou o que produz, o movimento.
Em Magill (2000, p.136), o conceito de aprendizagem é definido como: Uma alteração na capacidade de uma pessoa em desempenhar uma habilidade, que deve ser inferida como uma melhoria relativa permanente no desempenho, devido à prática ou a experiência.
17
Para o autor, a avaliação dos níveis de aprendizagem ocorre pelo
comportamento observável - desempenho. Sendo assim, a aprendizagem não é
passível de uma análise direta dependendo sempre das características
observáveis desempenhadas pelo indivíduo (MAGILL, 2000).
Já a Aprendizagem Motora é explicada por Schmidt e Wrisberg (2008,
p.213) como “as mudanças, associadas às práticas ou experiências, em
processos internos que determinam a capacidade de um indivíduo para executar
uma habilidade motora”.
Em leitura dos apontamentos anteriores, vemos que a aprendizagem
motora se desdobra em razão do tornar-se habilidoso, ou seja, um processo
identificado na transformação do comportamento observável, processo esse da
consideração de seus estudos como campo do comportamento motor como visto
em Fairbrother (2012) e Tani (2006 e 2008). Ora, talvez aqui encontremos um
convite - como pensar a Aprendizagem Motora fora da ordem “causa” e “efeito”
concretizada pelo reconhecimento dela como processo temporário que se leva
na aquisição de habilidades motoras?7
Magill (2000) definirá habilidade como uma forma de resposta a tarefa que
por sua vez possui uma finalidade específica a ser atingida. Já as habilidades
motoras são vistas pelo autor como habilidades que exigem a movimentação
consciente do corpo e/ou de seus membros para atingir objetivos com maior
destreza. Devido à existência de diversas habilidades motoras diferentes o autor
considera a necessidade da sistematização como forma de encontrar suas
semelhanças, sendo assim, as categoriza em: habilidades grossas e finas, de
acordo com o número de grupos musculares envolvidos nos movimentos;
habilidades discretas e contínuas, pela a existência de pontos iniciais e finais de
movimento; habilidades abertas e fechadas, de acordo com a estabilidade do
ambiente.
Já quanto à experiência de aprendizagem, Schmidt e Wrisberg (2010, p.
213) a definem como: “situações nas quais as pessoas fazem tentativas
deliberadas para aumentar sua performance em um movimento ou ação
particular”. Os autores destacam ainda que esta experiência pode envolver a um
ou mais aprendizes e que nem sempre conta com a orientação de um instrutor,
7 Esses convites serão retomados e problematizados com o decorrer do trabalho.
18
terapeuta ou técnico. Evidenciam quão importantes é aqui identificado como
“profissional do movimento,” estar ciente de que a experiência de aprendizagem
pertence ao aprendiz. Afirmam que:
Todo aprendiz aborda uma nova situação de aprendizagem de habilidades com alguma ideia que quer realizar. A experiência de aprendizagem é uma interação entre o instrutor e o aprendiz que deveria focar no alcance de metas do aprendiz (SCHMIDT; WRISBERG, 2010, p.213).
Seguindo esta linha de raciocínio, esclarecem que a produção de metas
de aprendizagem (pelo aprendiz) é um importante requisito para a veracidade
deste processo. Assim nos é apresentado uma sequência de metas, sendo elas:
metas de resultado, metas de performance, metas de processo, habilidades-
alvo, comportamento-alvo e contexto-alvo (SCHMDT; WRISBERG, 2008).
Aqui, outro convite nos é colocado- a quem pertence a experiência de
aprendizagem motora? Este convite é provocado pela incerteza do
pertencimento que interessa aos estudos da aprendizagem motora quanto
campo do Comportamento Motor. Vemos um jogo entre “aprendiz” e “aprendiz-
instrutor”, que resultam em estabelecimento de metas em função das já
apontadas “melhoras de performance” e “habilidades motoras”. Temos que: a
aprendizagem motora está para o aprendiz, assim como o aprendiz (visto aqui
como “o que quer aprender”) está para as metas e as formas de alcançá-las está
para a atenção dos instrutores quanto ao interesse dos aprendizes. O que se
nota é uma situação paradigmática quando a experiência de aprendizagem em
função da ordem dos fatos e identificações. Como então conseguiríamos
deslocar essa manipulação do pertencimento?
Em uma outra perspectiva Tani (2005) compreende o homem como um
“sistema aberto” por estabelecer relações de mudança com o meio ambiente,
sendo assim, é importante que tenha a capacidade de se adaptar a essas
mudanças. Descreve ainda que quando um sistema aberto é perturbado existem
duas formas de resposta - a) tentar neutralizar a perturbação ou b) fazer da
perturbação uma fonte de ordem em direção a estados mais elevados de
complexidade. Nesta concepção, a aprendizagem motora ganha a compreensão
de “... processo de solução de problemas motores” (BERNSTEIN apud TANI,
2005, p.65).
19
Tani (2005) ainda observa que a formação de habilidades motoras possui
uma complexidade, aponta que as teorias correntes em aprendizagem motora
se debruçam em explicar o processo de estabilização da performance, sendo
incapazes de produzirem novas estruturas. A automatização do movimento é
dado pelo autor como um exemplo de neutralização do processo de
aprendizagem. Ainda, acrescenta que estes desencontros produzem
paradigmas que, por sua vez, trazem novas questões aos estudos de
aprendizagem motora; dessa maneira a concepção do processo de
aprendizagem motora como “processo adaptativo” parece primordial para
transpassar as situações paradigmáticas, cambiando a atenção de suas
pesquisas à desordem e aos inúmeros fatores que afetam a aquisição de
habilidades motoras, gerando assim um paradoxo.
Como prerrogativa desta mudança, acrescenta novas questões que,
segundo o autor, guiam as preocupações no Laboratório de Comportamento
Motor (LACOM), sendo algumas delas: “como explicar os resultados paradoxais?
Como explicar que outro fator relacionado à desordem, qual seja o ruído ou
perturbação, facilita a aprendizagem além de prejudicá-la?” (TANI, 2005, p. 66).
Para a organização desse percurso teórico da aprendizagem motora
Pereira (2010) e Gonzalez (2015) esboçam uma interessante visão histórica.
Para Pereira (2010), é possível dividir as abordagens teóricas em
aprendizagem motora em “Teorias Clássicas” e “Teorias baseadas em sistemas
dinâmicos”. Sobre suas diferença temos que: a primeira considera que a
realimentação sensorial, ou seja, a informação recebida pelo efetor da resposta
dada pelo receptor, como fonte principal de seu desenvolver; a segunda, por sua
vez, considera que os movimentos são resultantes de uma complexa relação
entre o ambiente e o indivíduo (PEREIRA, 2010).
Já Gonzalez (2015) pontua-nos três “áreas” do conhecimento que se
dedicam a explicara a aprendizagem, tornando-se relevantes também aos
estudos dos fatores que afetam a aprendizagem motora, são elas: o
behaviorismo, que considera a aprendizagem como resultado e uma mudança
no comportamento; o cognitivismo, que considera a aprendizagem como um
processo onde os conhecimento já adquiridos se relacionam com as novas
informações já existentes, produzindo assim um significado; e o construtivismo,
20
na qual a aprendizagem é vista como um processo de relação professor-aluno,
“[...] Fatores como experiência de vida, clima psicológico do ambiente, interação
professor/aluno, são importantes para a aprendizagem” (GONZALÉZ, 2015, p.1).
Entretanto, a autora ainda pontua que, apesar destas se dedicarem a
explicar os fatores que afetam a aprendizagem motora, existiria uma limitação
no que se refere aos processos internos de efetuação de movimentos. Desse
modo, ainda por Gonzalez (2015), vemos a aprendizagem motora não somente
como um campo científico, como também, um campo de investigação que tem
por objetivo averiguar: “primeiro, as alterações cognitivas que ocorrem em
decorrência da prática, ou seja, como as pessoas partem de um estado que não
dominam uma habilidade e, após um período de prática, passam a executá-la
com grande proficiência; segundo, quais os fatores que afetam a aquisição dessas
habilidades.” (GONZALEZ, 2015, p. 1).
Assim sendo, das teorias clássicas as teorias mais recentes em
aprendizagem motora vemos uma mudança das maneiras pela qual se acessava
este fenômeno. Um salto que, primeiramente, evidencia um “abandono” da ideia
de aprendizagem motora como um processo de estabilidade do movimento,
passando a uma aprendizagem motora que se interessa em abordar além do
processo de estabilização o processo de adaptação, interligando-se a um sistema
dinâmico, com uma intensa interação entre indivíduo e ambiente.
A maioria das teorias da aprendizagem motora compreendem a aquisição de habilidades à partir de um modelo de equilíbrio. A partir disso, um modelo de não-equilíbrio em aprendizagem motora tem sido proposto, que envolve duas fases: estabilização e adaptação. A estabilização ou automatização, sugerida como fase final da aprendizagem nos modelos de equilíbrio, nesse modelo representa apenas um estágio dentro de um processo contínuo de mudança, atingida por meio do feedback negativo, que resulta na padronização espaço-temporal da ação. A inconsistência inicial e a falta de coordenação dos movimentos são gradualmente eliminadas, dando lugar a movimentos coordenados e precisos. Nesse momento a função estabiliza e infere-se que uma estrutura foi formada. Contudo, em uma perspectiva de não equilíbrio, a aprendizagem motora não se encerra com a estabilização ou automatização, mas é vista como um processo contínuo, pois quando uma estrutura já existente é perturbada, se modifica, e a sua reorganização leva e um aumento de complexidade, quando ocorre a segunda fase: adaptação. (GONZÁLEZ, 2015, p.1)
21
O artigo produzido por Choshi (2000) evidencia esse fator em uma
interessante “análise”. O autor se propõe a pensar a aprendizagem motora como
um “problema mal – definido ”, ou seja, em suas palavras: “ A solução de
problemas na aprendizagem motora apresenta as seguintes características: não
possuem uma solução a priori, há várias soluções para o mesmo problema e as
mudanças nas soluções são descontinuas.” (CHOSHI, 200, p. 16).
Portanto, o que pode ser observado nas seções a seguir será uma tentativa
de aproximação entre esta concepção de aprendizagem motora e os estudos
organizados pela pesquisadora Virginia Kastrup, tendo enfoque para suas
produções ligadas a filosofia (s) da (s)diferença (s)8.
8 Cabe ressaltar que esse estudo é uma experiência, portanto, quando “inauguro” esse encontro tenho por consciência que as fontes teóricas da aprendizagem motora podem divergir com as fontes teóricas da aprendizagem inventiva (conceito forjado pela Virginia Kastrup). O que está “em jogo” então é um possível contato entre estranhos que pode agradar ou não a quem lê. Acrescento também a aparição de alguns “pensadores comuns” as duas perspectivas, como Georges Canguillem, Humberto Maturana e Francisco Varela; isso, por sua vez, não significa um paralelismo, mas, uma possibilidade de composição mútua em minha pesquisa.
22
CAPÍTULO 3 - FILOSOFIA(S) DA(S) DIFERENÇA(S): DESLOCAMENTOS
Traremos nesta seção uma outra maneira de se entender a
aprendizagem. Deve ser observado pelo leitor que o desenvolvimento desta não
corresponde, ou ainda, não pertence a evolução teórica da aprendizagem
motora. Veremos uma diferente maneira de se tratar a aprendizagem que não
pertence a nenhuma instância elencada acima (behaviorismo, cognitivismo ou
construtivismo) embora, por muitas vezes é usada como fonte de crítica a estas.
Em leitura de Gallo (2008) somos propostos a pensar sobre duas
perspectivas filosóficas distintas em relação as abordagens e construção do
conhecimento. O autor nos apresenta essas suas vias de composição pela
“maneira” que cada uma tematiza o “outro” (ou Outro). Então, temos que, na
história da filosofia, ou ainda na filosofia da educação, existem pelo menos duas
maneiras de se tratar as relações para com o Outro. São elas:
• O outro tomado como representação, que redunda que o outro nada mais é do que o mesmo; • O outro tomado enquanto tal, por si mesmo o que significa pensar o outro como diferença (GALLO, 2008, p.02).
A primeira se desenrola pela preferência da imagem do pensamento, ou
seja, um modo rígido de se conceder o mundo. Sobre isso, ainda Gallo (2008,
p.2) considera que isso “[...] significa dizer que penso, tematizo, concebo o outro
sempre na interioridade de meu ser, na interioridade de meu pensamento. O outro
é um conceito, um efeito do pensamento”.
Essa construção do outro pelo meu “eu” é marcada como condução da
ciência moderna e da filosofia da representação que objetiva a busca do absoluto
(essencialidade e verdade) sobre a natureza e as operações humanas. Para este
movimento, as mudanças ocorrentes ao outro estão sob efeitos do domínio
racional, assim sendo, uma alteridade planificada, passível de previsão.
Já a segunda, tem-se como principal expoente a filosofia de Friedrich
Nietzsche. Com ele temos que:
23
No “em si” não há nada de associações causais, “necessidades”, de “não liberdade psicológica”, aí não segue o “efeito à causa”, não rege nenhuma “lei”. Fomos nós somente que inventamos as causas, as sucessões, a procidade, o motivo, a finalidade (NIETZSCHE 2017, p.43).
Inspirado em Nietzsche, ocorre na França uma grande produção filosófica
em meados dos anos 1960. Podemos nos referir aqui a Gilles Deleuze e Félix
Guattari, (GALLO, 2017) importantes pensadores para o decorrer deste trabalho.
Seguindo por Schérer (2005), observamos uma “crítica” ao Uno construído em
torno do “eu” - seguridade de si. Com o “eu” constrói-se o mundo da certeza,
“mundo verdadeiro” que, para o autor, sedentariza e dogmatiza possibilitando a
desconsideração dos múltiplos caminhos. Esse sedentarismo colocado pelo
autor é enfrentado pelo deslocamento do ser deste entorno exatificado.
Esta intensa produção filosófica nos provoca a refletir sobre um mundo
múltiplo, recusando a idealização do Uno, onde se pretende pressupor uma
verdade. Assim podemos pensar nas diferenças que esses múltiplos mundos
nos propõem, estamos aqui nos aproximando da “filosofia da diferença”. Diante
disso, aqui nos debruçamos a nos afastar do “pensamento por imagem”, que
resulta nas reflexões, estagnação e sedentarismo do pensamento como já
exposto aqui.
Por essa via a “aprendizagem” também é tematizada. Para Deleuze
(2018), a aprendizagem não se resume em uma passagem entre dois estados,
o que resumiria o processo em uma mera “aquisição” ou “causalidade”, mas,
corresponde a passem vivenciada, o intermediário experimentado.
Na esteira desta proposta, a pesquisadora e psicóloga Virginia Kastrup
(2001; 2007) desenvolve um trabalho conjecturando uma proposta que possibilite
pensar uma aprendizagem para além da disposição do “inteligível”. Nesse
sentido, somos convidados a pensar com o conceito de “invenção”, ou ainda,
“aprendizagem inventiva”; na qual a cognição depara-se com aquilo que a diverge
de suas funções imediatas, “obrigando -a” a experiência com um tempo em
diferença, “Tal aprendizagem não se esgota na solução dos problemas imediatos,
mas prolonga seu efeitos e sua potência de problematização.” (KASTRUP, 2001,
p.17).
24
3.1. A questão do tempo
Como forma a investigar esta situação estagnada produzida na filosofia e
ciência moderna, Kastrup (2007) traz deslocamentos a fim de descobrir o cerne
destas formulações na psicologia cognitiva. A autora nos apresenta o escrito
“Qu’est-ce que les Lumières?” - O que é o iluminismo? (1984) – no qual Foucault
comenta uma obra de Kant (de mesmo título na tradução). Nela Kant teria
apresentado uma reflexão distinta até então formuladas em seus escritos
maiores, em que a “filosofia é afetada e levada a pensar por questões do seu
próprio tempo” (KASTRUP, 2007, p. 29). Assim o filósofo francês observa:
Mas existe na filosofia moderna e contemporânea um outro tipo de questão, um outro modo de interrogação crítica: é esta que se viu nascer justamente na questão da Aufklärung ou no texto sobre a revolução; “O que é nossa atualidade? Qual é o campo atual das experiências possíveis?”. Não se trata de uma analítica da verdade, consistiria em algo que se poderia chamar de analítica do presente, uma ontologia de nós mesmos e, me parece que a escolha filosófica na qual nos encontramos confrontados atualmente é a seguinte: pode-se optar por uma filosofia crítica que se apresenta como uma filosofia analítica da verdade em geral, ou bem se pode optar por um pensamento crítico que toma a forma de uma ontologia de nós mesmos, de uma ontologia da atualidade (FOUCAULT, 1984, p. 08).
Kastrup (em leitura de Foucault) nos apresenta Kant como ponto de
inauguração e bifurcação de linhas distintas na filosofia- a analítica da verdade
e a ontologia do presente. A primeira anuncia o término da metafísica,
valorizando a articulação argumentativa e o seu desenvolvimento inter-
relacionado. Este movimento é destacado por Comte que cita a ciência como
substituta da filosofia. Desta forma, Kastrup (2007) entende a psicologia como
analítica da verdade em busca não de prová-la, mas sim, de reconhecer as vias
que levam a cognição. Este movimento na psicologia a caracteriza como ciência
da cognição já que: sempre está em busca de processos invariáveis tendo como
norteamento de sua problemática científica- o que é verdadeiro e o erro; sendo
herdeira do positivismo de Comte e a analítica da verdade, buscará na cognição
o que ela tem de ordem da necessidade e de repetição. Kastrup (2007, p.36,
p.40) destaca que:
25
Nesse caminho, busca determinar as condições do conhecimento verdadeiro que aí se confunde com o emprego de procedimentos e métodos da ciência. A analítica da verdade estuda as representações e suas condições, encontradas no domínio do sujeito, do método ou da linguagem. Para sustentar as representações, essas condições devem ser invariantes, universais e necessárias, à maneira da ciência.
A segunda é denominada por Foucault como ontologia do presente, na
qual se encontramos como problema central: o tempo - seja como investigação
histórica (Marx, Hegel e a Escola de Frankfurt) ou como imprevisibilidade.
(Nietzsche, Bergson). Conectando às palavras de Foucault, Kastrup aprofunda-
se trazendo os pensamentos do filosofo Henry Bergson, apresentando-o como
um filósofo do devir, não como uma característica que o identifica, mas como
quem conduzia suas teses paralelas às descobertas científicas, tomando como
base o tempo extemporâneo. Kastrup (2007) nos apresenta o pensamento
bergsoniano como restaurador da aproximação entre ciência e a filosofia a fim
de que a primeira ultrapasse seus limites e sua dependência dos quadros
referência traçados pela inteligência. A autora aponta que: “... a ontologia do
presente constitui-se como crítica de todas as categorias invariantes
“(KASTRUP, 2007, p.40), e em seguida:
Procurando explicar o que seria o ultrapassamento dos limites da ciência, indica que o principal limite é transpor o cientificismo ou intelectualismo. Este se revela no encaminhamento do trabalho científico a partir de problemas já colocados, como se estes, formulados pela linguagem e traduzidos em conceitos de inteligência, correspondem ao real. (KASTRUP, 2007, p.42)
Bergson problematiza a linguagem intelectiva, nos apresentando um
método que esteja atento à fluidez da própria vida, sendo a intuição o que
possibilita o acesso ao que é real. Nesta ideia, o tempo está tomado pela sua
duração e não com espaço percorrido (VILHENA, 2017).
Assim, se observa que a teoria bergsoniana consiste em eregir um novo método pera a filosofia, isto é, uma nova metafísica capaz de abordar questões mais significativas decorrentes da existência: a vitalidade e seu brotar, sua fluidez, o movimento impregnado ao ser. (VILHENA, 2017, p. 191).
E seguida, outros fenômenos da modernidade nos é apresentado pela
autora, agora com Latour. O primeiro deslocamento nos diz respeito ao que
26
Latour conceitua como práticas de purificação, onde se privilegia separações por
identificação do sujeito e de um objeto “... homens e coisas, agora reunidos sobre
o signos de representação, pois podem ser purificados e circunscritos em suas
identidades” (KASTRUP, 2007, p. 46).
A segunda é colocada como “hibridização”, esta ocorre em aversão à
modernidade, sendo “seres que furtam à representação, que resistem a redução
das formas puras” (KASTRUP, 2007, p. 46). Desta forma, vivem em uma
constante guerra dentro a modernidade e seus híbridos que, por sua vez, fogem
de suas categorizações criando assim o chamado aqui por Latour como
“paradoxo da modernidade” (KASTRUP, 2007).
O paradoxo moderno consiste na sua criação relativista, onde ora se
intenta a pensar os híbridos ora se guia a evitá-los e reduzi-los a fato um regime
das representações. Sobre esta questão Deleuze (1983) pontua que a revolução
da “relatividade”, apesar da tentativa de inverter a ordem de análise, que não
dependem mais de instantes privilegiados (poses) mas sim de instantes
quaisquer (cortes da realidade) podendo assim interpretar o tempo como uma
“variável independente”, retornando o tempo a um instante qualquer para que
possa ser analisado. Ainda sobre tal inversão, cita que:
Qual o interesse de um tal sistema? Do ponto de vista da ciência, muito superficial. Pois a revolução científica era de análise. E se era necessário reportar o movimento ao instante qualquer para poder analisá-lo, não se percebia o interesse de uma síntese ou de uma reconstituição fundada no mesmo princípio, a não ser um vago interesse de confirmação. (DELEUZE, 1983, p.11).
Aproximados aos deslocamentos de Kastrup, observamos os preceitos da
psicologia comportamental que se utiliza da análise experimental do
comportamento, ou seja, o que se é observável9. A mesma encontra-se em
busca da “identificação das contingências” e funcionalidades na relação homem-
ambiente, por isso, observamos que esta psicologia, assim como a psicologia da
9 Fui alertado sobre meu desconhecimento para com uma parte das teorias do Behaviorismo. A crítica recebida propunha considerações do pensador norte-americano Skinner e suas reflexões sobre comportamentos não observáveis. Admito a falta, entretanto não me limito a ela. Tratar este campo de pesquisa como “inimigo” fora, boa parte do trabalho, um motivo. Acrescento que, com o tempo, aprendi os perigos de tal exposição. Mas, acrescento que a proposta deste trabalho continua interessante a medida que nos movimentamos a pensar conexões. Recomendo aos leitores o acesso ao site Razão Inadequada, da qual comentam as possíveis conexões entre Espinoza e Skinner. Link para acesso: https://razaoinadequada.com/2016/07/10/espinosa-e-skinner-corpo-organismo-conatus/
27
cognição, abraça-se na analítica da verdade já que procura nestas relações
humanas a criação de teorias funcionais- úteis- a fim de tornar perceptíveis os
acontecimentos (TODOROV, 2007). Desta forma o que será reconhecido como
conhecimento científico é o que funciona.
Como visto, a psicologia experimental exerce influência sobre o
desenrolar acadêmico do Comportamento Motor que, por sua vez, herda as
concepções analíticas desta ciência especialmente quanto a aspectos do
desempenho, percepção e aprendizado (FAIRBROTHER, 2012). Entretanto, o
objeto de estudos do Comportamento Motor é regido pela busca da clarificação
do movimento humano. Fairbrother (2012) cita ainda que as disciplinas
subjacentes condizem com esse objeto de estudo e que as três (controle motor,
desenvolvimento motor e aprendizagem motora) interessam-se pela
especialidade dos movimentos e clarificação dos aqui chamados de distúrbios
do movimento.
Como “filha” de ciência analítica moderna, os estudos correntes em
aprendizagem motora exploram em suas próprias concepções- ou melhor, nas
concepções científicas dos estudos do comportamento motor humano - a fim de
operar na realidade, entretanto, como já observado por nós e pelos próprios
estudiosos do comportamento motor, essas estruturas não dão conta de explica-
la. Como vemos em Gallahue, Ozmum e Goodway (2013, p.22) neste trecho que
condensam os objetivos das pesquisas em desenvolvimento motor:
O desenvolvimento motor é um processo contínuo que começa na concepção e cessa com a morte. Ele envolve todos os aspectos do comportamento motor humano, em consequência, só pode ser separado em “domínios”, “estágios” e “faixas etárias” de forma artificial.
Assim como Kastrup, que encontra na psicologia cognitiva formas
invariáveis de interpretação dos processos cognitivos que por sua vez descartam
o tempo como “duração” - tomando-o como espaço, formulando leis invariantes,
rejeitando as possibilidades e a invenção do ser, em prol da inteligibilidade e
cientificismo - encontramos nos estudos da aprendizagem motora sua
concepção como processo do inabilidoso ao habilidoso, generalizando sua
ocorrência. Entretanto, estas formulações são abaladas ou, como Tani (2005)
28
verifica: desequilíbrios que, de forma insistente, instigam a formação de outras
estruturas. Assim, aqueles que queiram se identificar como “profissionais do
movimento” devem dominar estes caminhos ou aplicá-los na prática.
3.2. Aprendizagem motora e abordagens
A abordagem sistemática deste campo é então descrita como:
Retornando o pressuposto de que é essencial a qualquer pesquisador estar consciente e em sintonia com as mudanças paradigmáticas, cremos que, hoje, o grande desafio do Desenvolvimento Motor como um sistema aberto hierárquico. Contudo, conscientizar, questionar e avaliar as implicações da mudança de paradigma na ciência não é um processo fácil- requer muito esforço. (TANI, CORRÊA, BENDA; MANOEL, 2005, p. 57).
As divergências dos resultados obtidos nos laboratórios em relação às
pesquisas de campo geram resultados paradoxais, encaminhando novas
pesquisas e a compreensão de que o campo possa necessitar de novas
metodologias (UGRINOWITSCH; MANOEL, 2005, p.219).
Apesar das pesquisas sobre as situações caóticas da realidade serem o
motor para esta área, a formação de novas perspectivas teóricas sobre a
aprendizagem motora provém da relatividade, ou seja, outras especulações
sobre a natureza da realidade que, por sua vez, são ultrapassadas por uma
natureza que, como apresenta Bergson, encontra-se em perpétuo devir radical
(BERGSON, 2005, p. 297). Os métodos utilizados pelos cientistas encontram-se
muitas vezes picotados pelos retornos que as pesquisas de campo fornecem e
pouco se questionam sobre as intensões e sentidos dados pelos próprios
pesquisadores.
Para isso, Bergson (idem, p.296,297) nos adverte:
Aliás, a irrealidade da qual se trata aqui é puramente relativa à direção na qual se engajou nossa atenção, pois estamos imersos em realidades e delas não podemos sair; só que, quando a realidade presente não é aquela que procurávamos, falamos da ausência da segunda ali onde constatamos a presença da primeira [...] A ideia de desordem, portanto, é inteiramente prática. Corresponde a uma decepção determinada de uma expectativa determinada e não designa a ausência de toda
29
ordem, mas apenas a presença de uma ordem que não oferece interesse atual.
O caos, aparece como o “algo” anterior ao momento de adaptação, que,
por sua vez vira um instante de mensuração quando se presume perguntar
“como este pode facilitar o processo de aprendizagem motora?”. Os abalos não
são desconsiderados desse processo, entretanto, o fato de suas pesquisas se
debruçarem em comprovar a natureza dos desequilíbrios dentro de testes
laboratoriais, acabam por restringir os abalos à momentos pressupostos e
delimitados por quem observa e os testa. Ou seja, o que é equilibro (ou o que
equilibra) e o que é desequilíbrio (ou o que desequilibra) ainda se encontra
restrito àquele que constrói o ambiente em que se pesquisa.
Apesar de tal inversão compreender a importância dos desequilíbrios no
processo de aprendizagem motora, ainda é de interesse comprovativo quando
se questionam: como explicar que outro fator relacionado à desordem, qual seja
o ruído ou perturbação, facilita a aprendizagem ao invés de prejudicá-la?
O caos, os distúrbios, a diferença sempre estiveram representados em
suas pesquisas, entretanto há uma necessidade também de comprová-las,
representá-las ou então testá-las. A busca agora é outra- a natureza da
perturbação e, como aponta Bergson (2005, p. 296): “Mas quando, especulado
sobre a natureza do real, ainda olhamos do modo pelo qual nosso interesse
prático nos pedia para olhá-lo, tornando-nos incapazes de ver a evolução
verdadeira, o devir radical”.
Compreendemos que os estudos em aprendizagem motora se
apresentam por não entender seu processo como uma experiência pautada pela
busca da estabilidade, mas como um processo contínuo. Entretanto
consideramos que as dimensões em que suas pesquisas devem ser produzidas
não dão conta das multiplicidades que por muitas vezes escapam (faltam) aos
testes laboratoriais ou as pesquisas de campo. O acúmulo dessas realidades
não consideradas leva assim às mudanças paradigmáticas que por sua vez são
apresentadas pela contestação de métodos e organização de novas questões.
30
3.3. Caos: Os mergulhos científicos e filosóficos
Para Deleuze e Guattari (2010), umas das diferenças da escrita filosófica
e científica se dão pelos seus relacionamentos com o caos. Os pensadores
compreendem o caos como: “um vazio, que não é um nada, mas um virtual,
contendo todas as partículas possíveis e suscitando todas as formas do possível
que surgem para desaparecer logo em seguida” (idem, 2010, p 139). Assim o
filósofo mergulha no caos para retirar dele os movimentos plurais, num devir
criador de conceitos nunca exatos ou Universais, sempre múltiplos e mais
rápidos que a própria consciência.
A ciência, por sua vez, aprofunda-se no caos para dali retirar “referencias
capazes de atualizar o virtual”. Nas palavras de Deleuze e Guattari:
Guardando o infinito, a filosofia dá uma consistência ao virtual por conceitos; renunciando ao infinito, a ciência dá ao virtual uma referência que o atualiza, por funções. No caso da ciência, é como uma parada da imagem. É uma fantástica desaceleração, é e por desacelerações que a matéria se atualiza, como também o pensamento científico, capaz de penetrá-la por proposições (Idem, 2010, p.140).
A escrita filosófica, ao abrir-se ao infinito, encontra-se em uma não
linearidade, em desapego com a utilidade, um nomadismo que por muitas vezes
se descompromissa com a referenciação e constrói para si um plano de combate
e invenção; a ciência, por sua vez, constrói para um si um “eu” (um estado), que
se resume ora por “sujeito” ora por “objeto”, ora por “interno” ora “externo” e etc.
em um complexo plano repleto de referências, de coordenadas.
A reflexão comporta-se como exercício da ciência que vê nos
observadores parciais sua confirmação, uma autorreferencia, autoconhecimento;
enquanto o filosofo povoa sua escrita por personagens conceituais10 que
coabitam uma escrita com as sensibilidades.
Os questionamentos sobre o que é o caos e suas implicações à
composição de uma teoria da aprendizagem motora são diversos. As pesquisas
encontradas na ciência da aprendizagem motora e do desenvolvimento motor já
6- Os personagens conceituais são um acontecimento na escrita filosófica. São enunciadores do plano em que o Filósofo se inscreve e se deleita; portanto, o personagem conceitual não é o filósofo, mas sim a criação afetada pelo plano habitado pelo mesmo- o que o provoca a pensar.
31
demonstram uma longa consideração das situações caóticas no processo de
aprendizagem. As direções das teorias mais tradicionais que consideravam
essas situações algo a ser aniquilado já são contestadas e, o conceito de
adaptação por eles usado já considera essas complicações.
Assim, para Tani (2005), a diferença no comportamento motor está
quando uma execução sofre alterações do meio, sendo obrigado a se adaptar às
novas situações. A diferença então é a resposta que se dá às perturbações do
ambiente. Sendo assim cria-se uma necessidade de pesquisar como os ruídos
podem facilitar esse processo aprendizagem.
Enquanto isso, a diferença é vista por Deleuze (2018) em “Nietzsche e a
Filosofia” como a vontade de potência, afirmação do gozo, sendo esta o elemento
diferencial das forças que perpassam o corpo no plano da experiência, ou seja,
a maneira como qualificamos as diferentes forças que perpassam nosso corpo.
Tendo essa diferença “metodológica”, ou seja, de como se aborda na
ciência e na filosofia a questão da, ou ainda, do que pode causar a diferença;
tentaremos nas próximas sessões apresentar conexões entre indagações feitas
por cientistas e perspectivas criadas por filósofos,
3.4. Os novos paradigmas: mudança, ciência e filosofia
A escrita cientifica e filosófica fomentam diferentes maneiras de
perspectivação, que por sua vez, implicam em diferentes relações e produção de
multiplicidades. A insuficiência referencial de um plano de funções implica nas
ciências as mudanças de paradigmas, essas mudanças decorrem dos acúmulos
de situações não explicadas, provocando uma crise, uma busca por novos
campos de referenciamento, uma mudança na “imagem” do sujeito/objeto de
pesquisa, um novo “referenciável” (DELEUZE, 2010).
Para Santos (2008), as pesquisas científicas contemporâneas encaram
novas características de operação, distinguindo- se das aspirações e métodos
estruturalistas que um dia vigoraram na distinção do natural e do social,
ocasionando o abalamento do paradigma moderno. Para o autor as ciências hoje
tendem aproximar o que um dia foi separado. A escrita cientifica emergente visa
32
borrar as hierarquias entre conhecimento científico e conhecimento vulgar-
abrindo espaço para, em seu dizer, uma “filosofia da prática” (idem, 2008, p.20).
As transformações científicas destacadas por Santos (2008) também são
preocupações à escrita das pesquisas em Comportamento Motor. A
compreensão de que o homem é um sistema aberto, ou seja, estabelece
relações com o ambiente, aproxima-se de uma tentativa de não distinção entre o
indivíduo e as influências ao seu redor. Como já colocado, ao abrir os horizontes
para um mundo de conturbações, questões referentes a situações caóticas que
ocorrem no comportamento motor são mais frequentes e fontes importantes de
investigações. A aprendizagem abordada como um processo adaptativo ressalta
bem que as relações dos sistemas dinâmicos com o meio externo são essenciais
na formação de estados mais complexos do sistema que se conturba.
Cattuzzo e Tani (2016) propõem que o processo de aprendizagem faz
referência às mudanças contínuas no comportamento motor e, para um método
que esteja engajado em explicar o processo de aquisição de habilidades
motoras, deve-se “investigar a mudança de desempenho do sistema perceptivo-
motor para além da estabilização caracterizando um sistema como um que se
encontra afastado do equilíbrio” (CATTUZA; TANI, 2016, p. 56).
Já para Choshi (2000), o problema existente nos estudos em
aprendizagem motora se apresenta como mal- definidos. Em sua concepção, as
dificuldades para com a formulação dos problemas nos estudos da aprendizagem
motora ocorrem pelas seguintes características:
[...] a primeira é que não existe solução a priori, a segunda é que a solução do problema não é determinada de forma única, a terceira é que as mudanças nas soluções são descontinuadas (CHOSHI, 2000, p.17).
Choshi (2000) desenvolve uma questão primordial a oque estamos
tentando propor. Avalia que os estudos da aprendizagem motora poderiam
desenvolver uma preocupação maior no que diz respeito ao cotidiano.
Aproximando de indagações sobre como se constroem as “restrições atuantes no
nível mental” (idem, p.18) que, segundo ele, se diferencia das restrições de nível
físico e biológico. Choshi entende a aprendizagem motora como uma organização
em nível hierárquico.
33
A hierarquia, tal qual concedida pelo pesquisador, designa três níveis: o
primeiro se trata da aprendizagem por “feedback”, na qual a detecção e resolução
do erro torna-se mais importante; a segunda, a aprendizagem pela adaptação,
esta diz respeito a como usamos as habilidades adquiridas em diferentes
contextos da nossa vida; e o terceiro, explicita a existência de um último nível de
aprendizagem, este, já mais complicado, é denominando como: nível auto-
organizacional. Compreende que tal nível implicaria em “[...] uma maneira
completamente diferente de realizar o movimento, tentando, com essas
mudanças, buscar o menor gasto energético” (ibidem, p. 19).
Um pensamento aproximado ao apresentado por Choshi pode ser
observado por um estudo produzido por Henri Bergson em 1902, denominado “O
esforço intelectual”. Neste artigo, Bergson (2006) desenvolve uma caminhada
sobre os planos de composição da inteligência e é importante fonte para
apresentarmos as propostas de conexões com as questões propostas
anteriormente.
34
CAPÍTULO 4 - A INVENÇÃO DOS PROBLEMAS: EXPERIMENTAÇÃO DO
TEMPO COMO DEVIR NO PENSAMENTO
O problema não é uma forma percebida, não é uma imagem, é, antes uma potência de chegar a imagem, mas sem ter em princípio sua forma exterior e aparente (KASTRUP, 2011, p. 117).
Como produzimos novos movimentos? Como as transformações em uma
estrutura podem estar relacionadas à própria estrutura e ao meio externo ao
mesmo tempo? Seria a formulação mental de um novo movimento totalmente
motora? Como o pensamento torna-se movimento? O leque aberto por Choshi
no artigo nos coloca novas questões e, pelos caminhos que fomos passando,
uma linha de intercruzamento que aguça a escrita desta pesquisa.
Vemos duas instâncias: (1) Choshi se preocupa em questionar a
formulação auto organizacional que, para o autor, pode ser entendida em uma
busca do sistema por uma menor “gasto energético” (2) para Kastrup (2007) à
resolução de um problema só é possível por uma potência criadora, ou seja, de
forma resumida: uma inclinação da percepção àquilo que gera algum “incomodo”
para quem experiência. Os autores apresentam diferentes formas de tratar aquilo
que poderíamos chamar de: “motivo” de/para aprendizagem. Dedicarei nesta
sessão expor um pouco mais as vias tratadas pela filosofia (s) da (s) diferença
(s) e como a o conceito de “aprendizagem inventiva” desenvolve sua relação com
este.
Aprender seria, na perspectiva da (s) filosofia (s) da (s) diferença (s) um
ato de desgaste, antes de tudo a um incomodo inesperado. Por essa via, Kastrup
prossegue tratando o tema da a invenção como efeito de uma força que afeta.
Kastrup encontra no conceito de emoção criadora forjado por Bergson a potência
sua explicação do que se passa:
O conceito de emoção criadora toca na verdadeira zona de divergência do pensamento, ponto que havia deixado de fora no texto anterior. Trinta anos mais tarde, Bergson não evita falar do que há de não intelectual na invenção, e encontra na emoção aquilo que toma contato com uma força que lhe afeta, mas que está para além da representação, pois é por maio da afecção ou da emoção que Bergson fala do contato com o que, vindo do objeto, não é objetivável nem capturável pelos esquemas da recognição, com o que chamamos- com Deleuze- o diferencial do objeto. (KASTRUP; 2007, 122).
35
Como coloca Bergson (2006) - estamos falando de um movimento vertical
em diferenciação com um movimento horizontal, pois, enquanto o movimento
horizontal nos revela uma similaridade entre o apresentado e o percebido,
conectando, com pouco um esforço, pensamento e ação; o movimento vertical
nos revela uma descida nas hierarquias das forças.
Segundo Bergson (2006):
Se, no primeiro caso, associando imagens a imagens, nos movemos com um movimento que chamaremos, por exemplo, horizontal, num plano único, devemos dizer que no segundo caso o movimento é vertical, e que ele nos faz passar de um plano para outro. No primeiro caso, as imagens são homogêneas entre si, mas representativas de objetos diferentes. No segundo, um único e mesmo objeto é representado em todos os momentos da operação, mas ele o é diferentemente, pelos estados intelectuais heterogêneos entre si, ora esquemas ora imagens, o esquema tendendo para a imagem na medida em que o movimento de descida se acentua. Enfim, cada um de nós tem o sentimento muito nítido de uma operação que prosseguiria em extensão e em superfície em um caso e, em intensidade e profundidade, no outro (idem, p.18)
Na passagem acima, Bergson nos apresenta a experiência singular que a
problematização/ invenção; a invenção implicaria numa viajem degustativa das
sensações, ou seja, nas palavras de Kastrup (idem, 116): “A invenção implica
tateamentos [...]”. É então que a experiência de criação torna-se complexa e, ao
mesmo tempo, singular (Kastrup, 2007); complexa pois se desenrola em uma
rede gigante de possibilidades e singular porquê está sempre se remetendo ao
corpo que experiência.
Entendemos que assim a aprendizagem motora pode ser vista como um
processo além da “aquisição de habilidades motoras” - ou seja, levando em
consideração as relações singulares que envolvem o pensamento e a ação de
um corpo. Eis o que pensamos ser um ponto de oportunidade em ralação ao
proposto por Choshi: ele levanta o fato de que a aprendizagem motora não se
dá por soluções a priori, entretanto, não considera que o aprendiz possa criar os
próprios motivos além do: querer diminuir os gastos calóricos, ou então, querer
aprender uma habilidade (um conjunto de movimentos eficientes) o que – com
teorias que trazemos para tencionar a questão - já é suficiente para se considerar
uma solução a priori.
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Expressando-me melhor, quando Choshi propõe que a aprendizagem
motora como um “problema mal definido”, entende que este possui inúmeras
maneiras de resolver. Vemos isso quando o relaciona a aprendizagem motora a
sistemas abertos, “[...]ou seja, sistemas distantes do equilíbrio termodinâmico.
Existe uma certa coerência nas condições iniciais, mas com a passagem do
tempo o sistema vai se bifurcando, se distribuindo” (CHOSHI, 2000, p. 2).
Entretanto, mesmo que isso ocorra, ainda é uma incógnita aos estudos em
aprendizagem motora como “restrições” ocorrem em nível interior. Vemos um
relato de Choshi em um experimento de interação entre robôs e humanos numa
tarefa que envolvia a interação da “passada”:
Os dois, homem e robô, interagem emocionalmente, como amigos. Isso e muito importante, pois antes de começar cada um tinha o seu critério de ritmo de passadas, mas essa interação não foi especificada e um estabelece restrições sobre o outro; no final, porém, chega-se a um estado de sincronização. Eu vejo esse tipo de interação como uma interação na representação de ambos. Até agora, nas pesquisas em aprendizagem motora, as restrições são colocadas pelo experimentador de fora para dentro. Entretanto, as restrições que surgem internamente são muito pouco investigadas. Julgo que esse e um aspecto fundamental a ser investigado em aprendizagem motora. Os dados que temos a respeito mostram que, no início, o robô e o ser humano são completamente diferentes no que diz respeito ao ciclo de passadas, mas depois da comunicação entre eles, ocorre uma modificação. Eu estou usando o conceito de coerência física para explicar esse fenômeno, ainda que eu esteja me referindo a construção de restrições internas. (CHOSHI, 2000, p.23)
O que para a Choshi essa interação se dá pela interação entre
representações desenvolvidas nos níveis particulares das operações do robô e
do humano; acredito que, para Kastrup, essa experimento seria resultado de uma
ação coletiva onde o andar estabelecido, ou ainda, o andar robô-humano se dá
por uma experimentação mútua da cognição, onde não se sabe onde se terminas
os efeitos de um sobre o outro, mas sim, que ambos se compõe.
Com estas considerações, conduzo as próximas seções a explorar mais
os contextos da filosofia (s) da (s) diferença (s) para com a aprendizagem.
37
4.1. Pensamento e produção singular
Colocando-nos neste embate, voltemos nossos olhares a um ponto
primordial à filosofia (s) da (s) diferença (s) – o próprio pensar. Vemos que:
quando nos distanciamos do cartesianismo clássico e de perspectivas
representativas, já somos provocados a um acontecimento corpo e ambiente,
onde a experiência de um não se sobrepõe as operações do outro. O
pensamento então é fruto de uma complexa relação entre ambos.
Schérer (2005, p.1185) comenta que:
[...] parece-me que esta impregnação sensível e afectiva – que esta repetição na diferença atualiza – ilustra uma da vias deleuzianas, uma das grandes ideias sobre um aprendizado que nunca se encerrará na aquisição de um saber, mas que consiste em um processo a ser incessantemente recomeçado.
O autor, que fora aluno de Deleuze, constrói a ideia de aprendizagem
como uma experiência de um pensamento aberto ao infinito, e que não há
aprendizagem sem antes um desprendimento, uma afecção com o fora, com o
exterior ao corpo. Tal posição também é explorada por Oliveira (2013), para o
autor: “apenas pensamos quando o objeto apresentado nos causa
estranhamento, perplexidade, ou até mesmo uma impotência motora”
(OLIVEIRA, 2013, p. 174), ou seja, aprender é antes um desvio nas relações
habituais entre pensar e agir, nos levando a hesitações, a instantes onde nossos
gestos e movimentos são transitados pelo trânsito intenso do pensamento que,
por sua vez, revoga a “ordem” o nascimento de uma nova relação.
As palavras “problematização” e “invenção”, frequentemente aqui
apresentadas, revelam-nos como o encontro e o pensamento são falsamente
aprisionados aos problemas dados. Sendo assim, só a partir do aprisionamento
da ideia que aprender refere-se ao ato de adquirir certo saber. No Aprender,
ainda nas palavras de Oliveira (2013, p. 174) “o que importa não é o objeto
encontrado, mas o encontro contingente e inesperado com o objeto”.
Pensamento e objeto tornam-se devires, se destorcem e se produzem em uma
velocidade imensurável.
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As relações entre produção do pensamento e sensações corporais são
muito estreitas e impossíveis de apreensão. Tal qual, aquele que aprende não
desenvolve uma inteligibilidade permanente, mas sim, corporifica a própria
potência geradora que leva o corpo-pensamento a resolução. Assim, aprender a
cozinhar não se trata somente de memorizar o maior número de receitas
possíveis, mas ainda estar sensível às cores, sabores, texturas, aromas dos
alimentos, temperos, panelas, talheres; aprender a dirigir não é somente
reconhecer os possíveis ambientes em que se passa com um carro, mas também
estar sensível às mudanças do meio, as posições das marchas, ao barulho do
carro, a posição do volante. Sendo assim, aprendizagem não se dá senão por
um agenciamento das forças do corpo com as forças do meio ambiente. Como
propõe Schérer (2005), sempre com as coisas e não a partir das coisas.
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CAPÍTULO 5 - OS AFECTOS: CORPO E PENSAMENTO NA PRODUÇÃO DO
MOVIMENTO
Tudo se passa como se, nesse conjundo de imagens que chamo de universo, nada se pudesse produzir de realmente novo a não ser por intermédio de certas imagens particulares cujo modelo me é fornecido por meu corpo (BERGSON,1999, p.12).
No primeiro capitulo de Materia e Memória, Bergson descreve a
importancia do corpo na construção da novidade. Para o autor, dentre as
diversas imagens que agem e reagem sobre si numa constante da natureza, uma
tende a se prevalecer sob as demais. Essa imagem prevalecida é oriunda do
corpo. Não somente da percepção, ou seja, na medida que conheço as formas
das coisas, como também na medida que mesclo sua composipção com o de
dentro - “mediante as afecções: o corpo” (BERGSON, 1999, p.11).
Para Merques (2006), está é a manifestação da singularidade de um
corpo; melhor dizando: a afecção produz um “deley” entre a sensação e a ação
propriamente motora, interrompendo a mecâneicidade e as relações de
necessidade, podemos convergir que “[...] são os movimentos imprevisíveis do
corpo, em relação aos previsíveis e necessários da natureza, o que lhe confere
singularide” (p.52). A imprevisibilidade com aquilo que corpo se afecta inviabiliza
representações sua representação; pontuasse, por via dessa relação, o corpo
como “aparelho” de liberdade (MARQUES, 2006).
A palavra “afecção” deriva da palavra latina affecio, refere-se ao “[...]
plano de factilidade, ou seja, o que me chega, o que se impõe a mim, aquilo que
me faz, me constitui ” (ROCHA; KASTRUP, 2009, p. 387). Este vinculo, por sua
vez, não se refere a uma particularidade interior ou exterior, mas sim, ao meio –
no sentido de inexistencia de pertencimento, mas sim, acontecimentos.
Para Rocha e Katrup (2009), está capacidade de ser afctado tembém
gera um força afetiva, manifesta por dois sentidos: “ (1) Há um movimento
corporeificado que se manifesta como possuído por uma força afetiva (affect-
felling force).” e “ Tal movimento é iseparado de sua manifestação visivél:
postura, posição, mudanças na face, na respiração, batimento cardíaco,
sensações de arrepio, etc; e apresenta componentes invisíveis como mudanças
difusas: o tom da voz, a inflexão do olhar, um certo direcionamento do
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movimento, etc” (idem, p.390). As autoras consideram essas manifestações
visiveis e invisiveis como manifestações intensivas do afcto; nos alertanto, ao
contratrio do que se possa pensar, de que estas não representem um sentido
prório de tedencia, mas sim, de um interesse (ROCHA; KASTRUP, 2009 apud
VARELA & DEPRAZ. 2000).
5.1. A dimensão motriz da motricidade
O espectro alcaçado pelos autores desviam do espectro movimetado em
algumas teorias mais recentes da aprendizagem motora. Tani et al. (2011),
apresentam que, atualmente, a abordagem da aprendizagem motora busca “[...]
compreender se o nível de engajamento cognitivo do observador se assemelha
ao engajamento promovido pela prática motora em si.” (TANI et al., 2011, 400).
O movimento que optei para este trabalho, por sua vez, têm proposto uma
dimensão inventiva da cognição; em abarcando a dimensão motriz da
aprendizagem motora ou motricidade.
A palavra motricidade caracteriza-se como uma particularidade do que é
motriz (força que impulsiona) (DICIONÁRIO ONLINE, 2020). Diante dessa
perspectiva, pensar aprendizagem motora na dimensão inventiva é pensar as
forças impulsivas que reivindicam um meio da ralação sensório-motora, relações
motrizes que tomam o corpo na experiência com o presente. Aprendizagem
motriz - dimensão afetiva que germina possibilidades de agir e não agir, é
quantitativo e qualitativo ao mesmo tempo – intempestividade de si. “À medida
que o inventor realiza detalhes de sua máquina, ele renuncia a uma parte do que
queria dela obter ou obtém outra coisa” (BERGSON, 2006, p.137).
A experiência de aprendizagem cosniste então, antes de uma ação
propriamente dita, uma problematização. “Não se trata de mera ignorância, mas
de estranhamento e tensão entre o saber anterior e a experiência presente”,
“Quando viajamos somos forçados a conviver com uma certa errância, a perder
tempo, a explorar o meio com olhos atentos aos signos e a penetrar em
semióticas novas”, alerta-nos Kastrup (2001, p.17) que converge a um “exercício”
que Deleuze traz à tona me Diferença e Repetição: é preciso dar alma aos
músculos.
41
CONSIDERAÇÕES DO PROCESSO
No início de minha pesquisa, lembro de estar entusiasmado pela novidade
de aproximar esses diferentes campos teóricos. Reconheço que parte desse
entusiasmo movimentou no trabalho um “ar” de desconhecimento para com a
ciência da Aprendizagem Motora, implicando em diversos pontos que
expressavam uma insuficiência argumentativa ou de sustentação o problema aqui
apresentado. Entretanto, como destacado no campo metodológico, minha escrita
não teria por objetivo principal propor uma superação ou mudança deste campo;
visava sim arriscar um processo que permitisse uma produção experimental de
escrita tendo como base a filosofia de Gilles Deleuze, Felix Guattari e Henri
Bergson, e pelos escritos do filósofo brasileiro Silvio Gallo e a psicóloga, também
brasileira, Virginia Kastrup.
No decorrer de meu exercício, por diversas vezes fui alertado de
controvérsias e excessos em minha escrita; talvez estes fossem os primeiros
ensinamentos. Ao mesmo tempo que compunha, buscava fazer alianças que me
auxiliassem a descrever o que queria dizer, deixar um pouco mais claro o turbilhão
de pensamentos que surgiam. Todavia, acredito ter também produzido uma
espécie de pensamento disposto a entender e criar relações, indo a inúmeras
outras leituras e autores(as).
Questionar aprendizagem motora e ainda dar sentido aos movimentos
corporais gera um grande empenho e diversas teorias no curso de Educação
Física. Dentre estas teorias, escolhi adentrar pela ciência da Aprendizagem
Motora. Em sua história de composição, fora influenciada por diversas outras
ciências, como: o comportamentalismo e a psicologia experimental, estudos da
cognição etc. O que identifiquei neste processo e que sustentou minha
problematização é desamparo próprio; neste desamparo, vi como proposta
pensar a dimensão inventiva da cognição.
Os “resultados” deste trabalho me encorajam a seguir pesquisando sobre
as relações sensório-motoras que, como defendi, são acometidas de sentidos
tanto quantitativos quanto qualitativos. Muitas outras perguntas me surgiram, das
quais posso citar: quais são os discursos que sustentam o sentido de
motricidade? Quais são os pensamentos atuais em relação ao movimento
42
corporal? Mas também, muitas coisas ficaram evidentes neste processo, dentre
elas a de que: o processo de aprendizagem pode estar além do reconhecimento
de formas externas ou representação interior do mundo; a motricidade não é uma
capacidade desassociada da cognição, ou ainda, do pensamento - toda
aprendizagem é motora; o afecto corresponde a maneira singular pela qual somos
atingidos pelo fora, implica em uma experimentação de distanciamento do
habitual, assim como um experimentação das possibilidades do Outro; os
movimentos corporais são a maneira pela qual os corpos interagem com mundo;
pensar a aprendizagem motora como parte do processo inventivo da cognição é
tirar os pés das certezas, criar novas formas de agir e resistir àquelas que travam
a “vida”. Como pensei em algum momento dizer: pensar a dimensão motriz da
aprendizagem.
Foram inúmeras as aprendizagens. Mas acrescento aqui, como proposta
para pesquisas posteriores, a necessidade de explorar mais atentamente os
pontos elencados, bem como o conceito motricidade e suas significações
históricas e contemporâneas; seja na Educação Física, seja por outras culturas e
instituições. Acredito ter colaborado em algum instante, mesmo que
minimamente, abrindo um novo espaço que se possa pisar - recolocando a
pergunta com outra “música” e forçando a criação de novas “danças” de
expressar aquilo que se passa no incomodo entre o sentido e a movimento.
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