forensic accounting: perspetivas e desenvolvimentos (2009-2013) (relatório)
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Mestrado em Economia e Administração de Empresas
Contabilidade, Controlo Orçamental e Auditoria
Forensic accounting: perspetivas e desenvolvimentos (2009‐2013)
Cláudio Carvalho ‐ n.º mecanográfico 200500442
João Laranjeira ‐ n.º mecanográfico 200402049
Pedro Leitão ‐ n.º mecanográfico 200601504
Porto, outubro de 2013
2
Resumo
A forensic accounting tem um profundo enraizamento histórico, tendo‐se desenvolvido
inicialmente numa vertente de contabilidade forense e, posteriormente, numa segunda vertente,
denominada de auditoria da fraude. As crises do setor vêm mostrando a natureza cíclica das
problemáticas associadas à fraude ocupacional, pelo que este setor merece uma preocupação
sistemática das empresas e autoridades.
Considerando os recentes desenvolvimentos e discussões na comunidade científica, analisaram‐se
sete temáticas: (i) os benefícios do raciocínio estratégico e do brainstorming na identificação da fraude;
(ii) o contributo da tecnologia; (iii) o impacto dos processos de fraude no valor de mercado da empresa;
(iv) a forensic accounting no setor público; (v) a condição de independência dos auditores internos; (vi)
as competências exigidas pelo mercado da forensic accounting e a oferta educativa e formativa; (vii)
regulação e o reconhecimento socioprofissional.
A evidência mostra que o “raciocínio criativo ou estratégico” e o brainstorming promovem
melhorias nos procedimentos de auditoria elaborados por peritos forenses e que a tecnologia
informática tem tido um papel importante no processo de análise de fraude e no combate a esta.
Simultaneamente, verifica‐se uma maior preocupação com as questões da fraude e o seu potencial
impacto económico. Quanto aos objetivos de independência dos auditores internos relativamente aos
órgãos de gestão e de implementação da forensic accounting com reconhecimento da sua mais‐valia,
tardam a ser alcançados, o que pode justificar a maior incidência de fraude registada nas empresas
privadas e de menor dimensão. Identificaram‐se algumas competências‐chave para os profissionais do
setor que se formam e apontou‐se a necessidade de se definirem padrões oficiais com um caráter mais
universal. Finalmente, apresentou‐se uma solução apontada para mitigar alguma entropia no setor de
certificação e formação de competências, que foi a regulação pública do setor a um nível estadual mas
de uma forma menos intrusiva, isto é recorrendo‐se à aprovação de legislação que limite as certificações
emitidas pelas empresas, às que cumpram determinados requisitos mínimos.
3
Índice
Resumo ......................................................................................................................................................... 2
Índice ............................................................................................................................................................. 3
Introdução ..................................................................................................................................................... 4
Contextualização histórica ............................................................................................................................ 6
Benefícios do raciocínio estratégico e do brainstorming na identificação da fraude .................................. 7
O contributo da tecnologia informática ....................................................................................................... 8
Impacto dos processos de fraude no valor de mercado da empresa ........................................................... 9
A forensic accounting no setor público: alguns casos .................................................................................. 9
A condição de independência dos auditores internos................................................................................ 10
As competências exigidas pelo mercado da forensic accounting e a (in)adequação da oferta educativa e
formativa ..................................................................................................................................................... 11
Regulação e reconhecimento socioprofissional do setor ........................................................................... 12
Conclusões .................................................................................................................................................. 14
Referências Bibliográficas ........................................................................................................................... 16
4
Introdução
A fraude de cariz económico em que é cometido um ato doloso contra uma determinada entidade,
denominada por "fraude ocupacional", segundo a "árvore da fraude"1 da Association of Certified Fraud
Examiners (ACFE), reveste‐se por três tipologias, a saber:
Apropriação indevida de ativos – ato de fraude ocupacional mais frequente, segundo o estudo
Report to The nations on occupational fraud and abuse 2012 da ACFE;
Corrupção;
Fraude nas Demonstrações Financeiras ‐ que origina mais perdas financeiras, segundo o estudo
anteriormente elencado.
Considerando os sucessivos escândalos relacionados com a fraude ocupacional e as inerentes
consequências sociais, económicas e financeiras, atentando à crescente valorização pública do combate
a esta problemática e visto que o “combate” à fraude ocupacional pela auditoria interna e externa é tido
como uma responsabilidade secundária, ganha cada vez mais importância a forensic accounting e os
profissionais que nela trabalham.
Não existe uma definição uniforme para forensic accounting, pelo que adotamos a mesma definição
que foi acolhida preferencialmente em Moreira (2010) e Akkeren, Buckby et al. (2013): «forensic
accounting é a aplicação de competências financeiras e de uma mentalidade de investigador a
problemas ainda não resolvidos, dentro de um contexto de regras de evidência de um país»
Ao nível do enquadramento conceptual, sumariamo‐lo através da tabela abaixo disposta, transcrita
na sua plenitude de (Moreira 2010).
1 vd. http://www.acfe.com/fraud‐tree.aspx
5
1ª Vertente
Contabilidade Forense
(Litigation Support)
Suporte pericial ou testemunhal em processos
judiciais, sobretudo de âmbito cível, que envolvam
questões de natureza contabilística e/ou económico‐
financeira.
2º Vertente
Auditoria da Fraude
(Fraud Examination)
Ótica proativa
Auditoria da Fraude
Auditoria e consultoria, perspetivando a dissuasão
e/ou prevenção da fraude. Desenvolvida fora do
ambiente judicial/forense, apoiando diretamente as
empresas/organizações.
Ótica reativa
Auditoria Forense
Investigação em ambiente forense, quase sempre
relacionada com situações de suspeita de fraude ou
em que a fraude já é um ato consumado, em que
falta muitas vezes conhecer e apurar a sua dimensão.
Esta atuação é desenvolvida quase sempre na esfera
criminal.
(Moreira 2010)
Não estando a profissão reconhecida em Portugal, também segundo o mesmo estudo, pode
considerar‐se que os administradores de insolvência estão associados profissionalmente à vertente da
contabilidade forense, os auditores internos à vertente da auditoria da fraude e os elementos da polícia
judiciária trabalham frequentemente em domínios associados à auditoria forense.
Este trabalho de cariz académico no âmbito da unidade curricular de Contabilidade, Controlo
Orçamental e Auditoria do Mestrado em Economia e Administração de Empresas, visa, após esta
introdução e a contextualização histórica sumária que se lhe segue, analisar algumas das temáticas mais
discutidas pela comunidade científica desde o ano de 2009. Assim, este relatório analisa os benefícios do
raciocínio estratégico e do brainstorming na identificação da fraude, o contributo da tecnologia
informática, alguns casos relativos à importância da forensic accounting no setor público, a
independência dos auditores internos, as competências exigidas pelo mercado e a adequação da oferta
educativa e formativa, analisa o atual modelo de funcionamento do mercado, as suas falhas e possíveis
incrementos e, ainda se aborda o reconhecimento socioprofissional. Findamos com as conclusões e
algumas considerações finais sobre o objeto de estudo.
6
Contextualização histórica
A forensic accounting, nas suas diversas denominações e expressões menos contemporâneas, é
uma profissão antiquíssima, remontando ao Antigo Egito, em que o forensic accountant trabalhava ao
serviço do Faraó e, sendo uma pessoa de confiança deste, supervisionava os registos de determinados
bens, entre os quais cereais e ouro (Singleton and Singleton 2010). Como evidenciam Singleton,
Singleton et al. (2006), mais tarde, surgem referências históricas relativas à Índia entre o século II e o IV
d.C., mas a expansão assinalável da preocupação sobre as questões da fraude surge apenas como
consequência da revolução industrial no reino britânico.
Dois marcos são o facto de, em 1817, pela primeira vez ter sido utilizada a vertente da
contabilidade forense (1º vertente da forensic accounting) numa decisão judicial e, em 1824, na Escócia,
uma empresa ter iniciado a prestação de serviços em contabilidade forense. De acordo com Moreira
(2010), até ao início do século XX, «a auditoria (...) teve um papel primário na deteção da fraude», sendo
que «a partir daí, esta responsabilidade primária foi‐se esbatendo gradualmente». Por conseguinte,
importa salientar a publicação de diversos artigos associados à segunda vertente da forensic accounting
(i.e. auditoria da fraude), na primeira metade do século XX, que originou, consequentemente, múltiplos
processos judiciais. Na década 90 surgem escândalos associados a empresas dos setores da energia e
das telecomunicações, mas o culminar – pelo menos, devido às repercussões no mediatismo público ‐
foi, indubitavelmente, o que levou à falência da Enron, no início do século XXI. Importa, de igual forma,
destacar outros casos fraudulentos tornados públicos como são os da WorldCom, Adelphia, Fannie Mae,
Health South, Waste Management, Phar‐mor e Sunbeam (Singleton and Singleton 2010). Em
consequência, o Congresso dos EUA aprovou o Sarbanes‐Oxley Act (SOX) em 2002, com os objetivos de
evitar (novas) fraudes, reduzir os riscos de gestão, aumentar a accountability das empresas, restaurar a
confiança dos investidores e reduzir a preocupação pública, focando‐se na criação, manutenção e
melhoramento dos controlos internos das diferentes empresas (nomeadamente, as registadas na
Securities and Exchange Commission) e dos procedimentos de reporte financeiro. Esta lei criou alguma
controvérsia, visto que uns consideraram o custo de implementação elevado face aos benefícios e
outros assumiram que o aumento das garantias sobre o reporte financeiro e o processo de auditoria
tornaram os gastos despendidos como mais‐valias (Giles 2012). Não obstante a crise imobiliária e
financeira de 2007‐08, voltou a mostrar a natureza cíclica desta problemática e que merece, portanto,
uma preocupação sistemática das empresas e autoridades.
7
Benefícios do raciocínio estratégico e do brainstorming na identificação da
fraude
Hoffman e Zimbelman (2009), evidenciam como matéria para o desenvolvimento do seu estudo
que, embora os auditores sejam normalmente capazes de diagnosticar o risco de fraude, estes não
conseguem vincular de forma efetiva a avaliação do risco de fraude aos seus procedimentos de
auditoria, nem realizar as adaptações necessárias. A existência de planos de auditoria padrão faz com
que os auditores sejam menos estimulados a adaptá‐los a cenários de risco de fraude, assim como os
executores de fraude veem o procedimento de auditoria como um processo repetitivo e controlável e,
por isso, facilmente contornável.
O estudo de Hoffman e Zimbelman incide sobre os efeitos, e principalmente sobre os potenciais
benefícios da comunicação interna entre os auditores, através do debate de ideias (brainstorming) e do
raciocínio estratégico sobre a auditoria da draude na sua ótica proativa. Este processo de deteção de
fraude divide‐se em várias etapas:
1. Os auditores devem estar sensíveis ao risco da fraude;
2. O plano e orçamento da auditoria devem contemplar procedimentos de deteção de fraude;
3. Os auditores devem ter conhecimento e saber interpretar os resultados obtidos;
4. Os auditores devem dar a resposta adequada, no caso de deteção de fraude, na conclusão da
auditoria.
Os benefícios potenciais de brainstorming são transversais a todas as etapas. Quando a tarefa é de
difícil execução, como é o caso do planeamento de procedimentos de deteção de fraudes, o
brainstorming favorece as decisões de planeamento dos auditores, reduzindo a sua carga cognitiva (ou
seja, mais cabeças pensam melhor que uma). Por outro lado, o pensamento estratégico torna os
procedimentos mais criativos e, por isso, com um nível de segurança mais elevado. Segundo Hoffman e
Zimbelman, o raciocínio estratégico num contexto de auditoria ocorre quando um auditor considera as
três questões seguintes: (1) Qual a probabilidade de terem ocorrido fraudes? (2) Como poderia a gestão
esconder as possíveis fraudes, a partir do plano de auditoria padrão? (3) Como é que o plano de
auditoria pode ser modificado para detetar as fraudes ocultas?
O estudo conclui que são óbvias as vantagens do raciocínio criativo e do brainstorming na melhoria
da eficiência dos procedimentos de auditoria elaborados por peritos forenses, não sendo no entanto
significativo o efeito combinado de ambas as operações.
8
O contributo da tecnologia informática
Robert Newman (2009) encontra na tecnologia informática um método eficiente de detetar
atividades impróprias nas corporações em que se suspeita de fraude. De facto, a maior parte da
informação criada nas organizações é gerida eletronicamente, pelo que as investigações têm que estar
preparadas para isso.
A computação forense permite que os investigadores de fraudes recolham, tratem, identifiquem,
analisem e protejam grandes quantidades de dados e evidências, usando ferramentas sofisticadas e
laboratórios para conduzir uma investigação completa e precisa. Assim, a computação veio reduzir uma
das dificuldades da auditoria, no que diz respeito ao tratamento de informação por amostragem,
aumentando razoavelmente a quantidade de dados tratados. Tornou‐se mais difícil esconder indícios de
fraude e qualquer tentativa de fazê‐lo irá criar evidência adicional apontando para uma tentativa de
ocultação.
Técnicas de computação forense podem ser utilizadas nas várias situações em que um dispositivo
digital está envolvido ou é acessório em algum tipo de crime, usado como um meio através do qual a
atividade ilegal é cometida, ou é o alvo de alguma atividade ilegal. Incluem‐se aqui crimes financeiros e
atividades contabilísticas ilegais, incluindo o roubo de identidade e incidentes de fraude. As técnicas e
procedimentos de investigação podem identificar a localização das contas financeiras e outros ativos,
provar a origem e destino de verbas, dissimular a verdadeira natureza das transações fraudulentas e
identificar receitas ilegais.
Os avanços tecnológicos mudaram, de facto, a forma como a auditoria está a ser feita (John Wang e
James Yang 2009). Enquanto a auditoria financeira tradicional é realizada periodicamente, os dados
financeiros estão continuamente a fluir através do circuito eletrónico. Em resposta, a auditoria contínua
é possível através do Data Mining, que processa quantidades de dados massiva de uma forma rápida e
simples.
São utilizadas duas aplicações de data mining no processo de análise de fraude:
Outlier Analysis – verifica e analisa a ocorrência de resultados diferentes de um determinado
padrão, senso que estes podem ou não significar um caso de fraude;
Benford’s Law Analysis – é possível encontrar um padrão logarítmico (padrão de Benford)
através da compilação e tratamento de uma grande quantidade de dados. Se os dados não
seguirem o padrão de Benford, então algo de irregular se passa, podendo ser um caso de
fraude.
9
Impacto dos processos de fraude no valor de mercado da empresa
Christensen, Paik e Williams (2010) estudaram a forma como, assumindo um modelo que reflete de
imediato novos dados relevantes no preço das ações no mercado, o anúncio da prossecução de
processos oficiais de investigação por fraude usualmente espoleta uma forte quebra nos preços. Para a
realidade americana, esse impacto foi estimado em 29% no conjunto dos três dias que envolvem a
descoberta pelos investidores do processo de investigação (o precedente, o dia efetivo da descoberta e
o dia seguinte). Os tipos de fraude com impacto mais relevante na baixa do preço relacionam‐se com o
princípio de revenue recognition, a sobrevalorização de ativos e alegações de inside trading. Conclui‐se
ainda que os investidores reagem tão prontamente a descobertas públicas de fraude como ao anúncio
oficial de investigações conduzidas pelas autoridades. No entanto, por mais tardiamente promovidas,
este segundo tipo de iniciativas provoca uma quebra menos acentuada no preço de mercado das ações
que no primeiro caso.
Grove e Basilico (2011) partem precisamente das situações de fraude supra referidas,
nomeadamente aquelas mais mediatizadas na opinião pública americana na primeira década do século
XXI. Consideram os autores que, a montante, a complexidade da informação financeira produzida não
permitiu a plena compreensão da real situação financeira das empresas pelos investidores e acionistas.
Paralelamente, os especialistas no tratamento da informação financeira — auditores externos, analistas,
reguladores governamentais — terão igualmente falhado no seu trabalho de desmontar a complexidade
da informação, de forma a torná‐la inteligível aos olhos dos investidores, detetando mais facilmente
eventuais situações de fraude.
A forensic accounting no setor público: alguns casos
Huefner (2010) introduz a questão da pertinência da auditoria forense no setor público. Quatro
anos depois do escândalo Enron, em 2001, foi descoberto um esquema fraudulento de desvio de fundos
destinados a um conjunto de escolas públicas do estado de Nova Iorque, num valor total de 11 milhões
de dólares.
Esta atividade foi detetada pelo Comptroller (a autoridade estadual de controlo fiscal), a partir de
algumas denúncias vagas de más práticas financeiras. Logo este organismo promoveu dois processos de
auditoria: um ao auditor externo encarregue da supervisão das contas declaradas como corruptas; outro
10
para determinar a real dimensão da fraude. Os documentos resultantes desta investigação são, como
defende Huefner, exemplares na prática da auditoria forense no setor público. O seu impacto logo se fez
sentir, com a aprovação de legislação que veio aumentar o controlo financeiro das direções de
educação, em particular, e o alerta para este tipo de ocorrências no setor público, em geral.
Posteriormente, em 2011, Huefner volta a alargar o âmbito deste tema. De acordo com dados da
ACFE, citados pelo autor, entre 2008 e 2009, as organizações vítimas de fraudes distribuíam‐se da
seguinte forma: 42,1% de empresas privadas; 32,1% de empresas públicas; 16,3% na administração
pública e 9,6% em organizações sem fins lucrativos. Outro dado curioso: cerca de um terço dos casos de
fraude ocorriam em organizações relativamente pequenas (menos de 100 trabalhadores), contrastando
com a ocorrência de 20% na categoria para as maiores empresas (mais de 10.000 trabalhadores). A
investigação de Huefner corroborou estes dados no que toca à administração pública. Pequenas cidades
e vilas estão particularmente sujeitas ao risco de fraude já que, nas organizações públicas de pequena
dimensão, a responsabilidade de controlo e prevenção destes riscos cabe a oficiais com fraca
preparação técnica, experiência e interesse na aplicação de modelos de controlo interno. Huefner,
estudando a realidade do Estado de Nova Iorque, concluiu que em 25% deste tipo de organizações há
fortes indícios da ocorrência de algum tipo de fraude.
A condição de independência dos auditores internos
Barnes (2011) estudou a possibilidade da independência dos auditores internos perante a
administração. Faz a revisão da literatura produzida sobre a matéria e conclui haver sérias ameaças a
essa condição, sobretudo quando é percecionado que os processos de auditoria poderão prejudicar o
valor de mercado da empresa. São estudados os incentivos de o auditor conformar o seu trabalho à
vontade da administração, tendo sempre em consideração a punição legal como fator dissuasor de tais
práticas. Noutro ponto, são analisadas duas situações de informação assimétrica que criam
oportunidades para a fraude: 1) como a informação dos relatórios de auditoria são conhecidos em
detalhe apenas pelo auditor e pela administração, qualquer oclusão deliberada ou deturpação de
informação dificilmente será percecionada por agentes externos; 2) o auditor é colocado perante um
cenário em que o seu conhecimento sobre a situação financeira da empresa é limitado, pelo que terá de
recorrer à administração para preencher essa lacuna de informação. Tal missão torna‐se difícil quando
há uma clara tentativa da gestão de veicular falsas informações sobre a situação da empresa.
11
As competências exigidas pelo mercado da forensic accounting e a
(in)adequação da oferta educativa e formativa
As sucessivas fraudes criaram uma procura elevada por capacidades associadas à forensic
accounting, pelo que existe, atualmente, a necessidade de formar forensic accountants que possuam os
seguintes elementos centrais: mentalidade, método e experiência (Prabowo 2013).
Mentalidade tida como uma capacidade, no sentido ético‐moral, de diferenciar o correto do errado
e, ainda, de lidar com a pressão e de resolver problemas.
Estes profissionais devem, também, adquirir e compreender os diversos métodos usados na
investigação da fraude: desde a deteção da respetiva fraude, passando por todo o processo de
investigação da mesma, até à apresentação da investigação.
Ainda de acordo com Prabowo (2013) um forensic accontant deve, concomitantemente, adquirir
experiência em investigação da fraude, porque só assim aplicará o conhecimento adquirido
anteriormente.
Quanto ao elemento relativo ao método, importa destacar que a aquisição específica destes
conhecimentos e competências pode dar‐se tanto pela educação formal como por via formativa, sob
administração de instituições do ensino superior ou de outras. Na perspetiva de Prabowo (2013), apesar
da existência histórica de preocupações com matérias associadas à fraude, é recente o estudo da
forensic acconting à escala universitária, relativamente à contabilidade financeira. Ademais, apesar da
evolução no capítulo educacional, é bastante difícil dotar os futuros profissionais da forensic accounting
com as competências adequadas, pela falta de padrões oficiais de caráter universal. Akkeren, Buckby et
al. (2013), focando‐se mais na realidade australiana, corroboram que «os serviços profissionais
abrangidos pelo título de forensic accounting são diversos e complexos, exigindo diferentes tipos de
competências, habilitações literárias e experiência no setor». O mesmo estudo destaca, no domínio da
prática laboral, a importância de competências ao nível da comunicação oral e escrita, seguindo‐se o
pensamento crítico ou analítico, competências interpessoais e só depois competências técnicas no
domínio da contabilidade (vd. figura 1). Minúcia, capacidades de diagnóstico, domínio de tecnologias,
pensamento conceptual, conhecimentos jurídico‐legais e financeiros, visão comercial, capacidade de
trabalho em equipa, entre outras características também são bastante valorizadas. Contudo, no domínio
12
do conhecimento, a graduação académica em contabilidade é tida como a mais decisiva para o exercício
da atividade. Considerando o descontentamento de algumas empresas, pela ausência de algumas das
características supra citadas nos graduados, trata‐se atualmente de um enorme desafio, criar planos
curriculares mais uniformes, coerentes e alinhados com as necessidades do mercado de trabalho neste
setor.
Regulação e reconhecimento socioprofissional do setor
Com o aumento da importância do setor, bem revelada pelo aumento das formações ‐ conferentes
de grau superior ou não ‐ e de certificações associadas ao setor, surgem naturalmente questões sobre se
a forensic accounting é, ou deve ser, um nicho da auditoria ou se deve tornar‐se independente, sendo
desenvolvida por profissionais devidamente regulados (i.e. devem ser reconhecimentos
profissionalmente). Esta é uma discussão que se vem a intensificar nos EUA e, que começa a ganhar
13
expressão em Portugal, como referido por Moreira (2010), havendo ainda necessidade de desenvolver
continuamente trabalho científico nacional quanto a esta matéria.
Particularmente, no caso norte‐americano, segundo Huber (2012) «a referência da forensic
accounting como um nicho é enganosa e degrada o estatuto social da forensic accounting e dos forensic
accountants». O autor põe em evidência que a forensic accounting, além da responsabilidade pública e
social inerente à sua atividade, preenche a maioria dos requisitos para ser considerada uma profissão,
nomeadamente a existência de educação formal, formação, conhecimento especializado, competências
comprovadas por intermédio de exames, certificação, a existência de pelo menos uma entidade
formalizada, códigos de conduta ou de ética e, ainda, a verificação de independência ou de autonomia
do setor.
Contudo, não obstante estes pontos positivos, há que atender aos diversos problemas de
transparência e credibilidade de determinadas empresas que atuam no setor e à multiplicidade de
fatores de dispersão e de desarticulação. Como é destacado em Huber (2013), os problemas mais sérios
são relativos às múltiplas certificações ‐ por vezes, sem exigência educacional prévia ‐, frequente
inexistência, quer de exames para efeito de certificação, quer de códigos de ética ou de conduta,
inexistência de publicações das demonstrações financeiras das ditas empresas e o facto de constituintes
dos órgãos de gestão serem, em alguns casos, não qualificados. O mesmo autor, demonstra que o
mercado foi e continuará a ser incapaz de se autorregular e que uma agência de acreditação
independente também não funcionaria, visto que teria como obstáculos principais: (i) os elevados
encargos financeiros; (ii) a hostilidade atual entre as empresas, evidenciando incapacidade de
cooperação mútua; (iii) o facto de as empresas não estarem dispostas a revelar o seu regime jurídico, a
difundir publicamente as qualificações dos membros dos seus órgãos de gestão e as suas
demonstrações financeiras. Alternativamente e considerando o pressuposto importante da natureza
específica da forensic accounting, em Huber (2013), conclui‐se que a alternativa mais realista, menos
intrusiva e desejável é a regulação pública do setor a um nível estadual, recorrendo‐se à aprovação de
legislação que limite as certificações emitidas pelas empresas, às que cumpram os seguintes requisitos:
a) Divulgação pública do seu estatuto ou regime jurídico;
b) Publicação das qualificações dos seus constituintes;
c) Adoção e aplicação de um código de ética e de um padrão de práticas;
d) Publicação das suas demonstrações financeiras devidamente auditadas.
14
Conclusões
Tendo em conta o propósito que levou à realização deste trabalho, o levantamento e análise das
temáticas mais discutidas pela comunidade científica nos últimos cinco anos no domínio da forensic
accounting, é possível concluir que ainda existem aspetos importantes em discussão, embora haja
avanços significativos em certas rubricas.
A forensic accounting, preenche a maioria dos requisitos para ser considerada uma profissão,
denotando‐se no entanto problemas de transparência e credibilidade de determinadas empresas, assim
como falhas importantes no sistema de certificação que põem em causa esta a qualidade do setor e a
confiança no mesmo. Aguarda‐se uma solução eficaz de regulação, que confronte o mercado com
legislação que limite as certificações emitidas pelas empresas. Além disso, a regulação pode vir resolver
definitivamente a discussão de enquadramento da forensic accounting como nicho da auditoria ou
como atividade profissional independente.
Por outro lado, a profissionalização do setor levanta problemas no que diz respeito à formação,
além de que se torna necessário dar resposta à crescente procura de forensic accountants. A falta de
padrões oficiais de caráter universal é identificada como uma grande dificuldade na atribuição de
competências adequadas aos formandos. Apresentaram‐se, algumas das competências técnicas e
transversais mais importantes para o forensic accountants e os elementos centrais da sua preparação
para a atividade profissional.
A atuação na regulação e formação tarda a gerar resultados, pois a responsabilidade de controlo e
prevenção de fraude continua a ser entregue a oficiais com fraca preparação técnica. No entanto, este
continua a não ser o único problema da correta implementação da forensic accounting. Os objetivos de
independência dos auditores internos relativamente aos constituintes dos órgãos de gestão e de
implementação da forensic accounting com reconhecimento da sua mais‐valia, tardam a ser alcançados,
o que pode justificar a maior incidência de fraude registada nas empresas privadas e de menor
dimensão. De facto, os mercados e os investidores estão cada vez mais sensíveis a questões ligadas à
fraude dentro das empresas, quer pelo anúncio de fraude, quer somente pela própria investigação, pelo
que estas devem estar cada vez mais disponíveis para introduzir a forensic accounting na sua
organização.
Contudo, fizeram‐se notar outros avanços no setor da forensic accounting. Assinala‐se o
desenvolvimento de ferramentas fundamentais na área informática para acompanhar o incremento de
informação criada, destacando‐se neste caso o data mining. Distingue‐se também o estudo de novas
15
técnicas, com a aplicação de conceitos como “raciocínio criativo ou estratégico” e brainstorming, com
evidências claras na melhoria da eficiência dos procedimentos de auditoria elaborados por peritos
forenses.
Como consideração final, queremos vincar que todas as temáticas aqui expostas merecem um
maior desenvolvimento científico e uma maior atenção das autoridades e das empresas que atuam ou
pretendem atuar no setor. Em Portugal, estas proposições têm um relevo ainda mais acentuado.
16
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