ideologia discursiva de lula fragmentos de... · ideológicas presentes em alguns fragmentos do...
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FACULDADE ALFREDO NASSER INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO
CURSO DE LETRAS
ALGUNS FRAGMENTOS DE PRONUNCIAMENTOS DE LULA SOB UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA
Francisca Jarlene Antunes Silva
APARECIDA DE GOIÂNIA
2010
FRANCISCA JARLENE ANTUNES SILVA
ALGUNS FRAGMENTOS DE PRONUNCIAMENTOS DE LULA SOB
UMA PERSPECTIVA DISCURSIVA
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Instituto Superior de
Educação da Faculdade Alfredo Nasser
como pré-requisito para obtenção do título
de licenciada em Letras, sob orientação
da Prof. Odália Bispo.
APARECIDA DE GOIÂNIA
2010
ALGUNS FRAGMENTOS DE PRONUNCIAMENTOS DE LULA SOB UMA
PERSPECTIVA DISCURSIVA
Francisca Jarlene Antunes Silva1
RESUMO: O presente artigo pretende analisar as manifestações ideológicas presentes em alguns fragmentos do discurso de Luiz Inácio Lula da Silva, levando em consideração as respectivas condições de produção, as ações do sujeito que estão associadas ao contexto histórico e social, os efeitos de sentido provocados pelos elementos discursivos selecionados e a interferência das formações ideológicas nas formações discursivas. Para isso, adotaremos autores da Análise do Discurso – AD de linha francesa, como Michel Pêcheux (2009), José Luiz Fiorin (2007), Helena H. Nagamine Brandão (2009) dentre outros. Adotaremos também, a questão do enunciado e a polifonia em Bakhtin que defende a multiplicidade de vozes, e o sujeito, que reproduz as diversas vozes sociais no discurso que profere. Além disso, analisaremos o corpus com base na noção de ethos conforme a perspectiva de Dominique Maingueneau (1997), Ruthy Amossy (2008) e Patrick Charaudeau (2008).
PALAVRAS-CHAVE: Discurso. Ideologia. Político. Enunciado. Ethos.
INTRODUÇÃO
Os estudos de linguagem são hoje tributários de Saussure, seja indo de
acordo com suas teorias ou rejeitando-as. Depois de Saussure, esses estudos foram
tomando dimensões diferentes, ou seja, foram surgindo diversas outras disciplinas
no campo da linguagem, por isso Saussure é considerado o precursor da linguística.
Além de contribuir para o surgimento de uma nova ciência, seus postulados teóricos
deram origem ao estruturalismo, como também contribuíram para instigar muitos
questionamentos a respeito da linguística do século XX e, consequentemente, de
suas obras.
1 Estudante do 8º período do Curso de Letras da Faculdade Alfredo Nasser, sob orientação da
Professora Odália Bispo.
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Nesse sentido, os elementos excluídos por Saussure como: a fala, o sujeito, a
ideologia e a história foram trazidos posteriormente para os embates linguísticos.
Surgem, a partir dos anos 50, várias teorias que rompem com o
conceito de linguagem de Saussure e sugerem uma análise subjetiva e que
transcende os limites da frase. E essa estância da linguagem que operará a ligação
entre o nível linguístico e o extralinguístico é o discurso, o qual constitui-se como
objeto de estudo do nosso trabalho.
A opção escolhida entre os diversos tipos de discurso, para análise nesse
estudo, foi pelo discurso político por julgarmos relevante analisá-lo no seu caráter
dinâmico, mediante às condições de produção e suas influências ideológicas. A
nossa opção também foi baseada no fato de que na oratória política há a construção
de dizeres direcionados para a população, carregados de argumentos que revelam
uma preocupação (mesmo que aparente) com os assuntos e problemas sociais,
utilizados com a finalidade de garantir ao político a credibilidade enquanto
representante do poder e do partido do qual faz parte.
Dessa forma, nosso objetivo principal consiste em identificar os possíveis
efeitos de sentido provocados pelos fragmentos dos discursos analisados. Objetiva-
se ainda: reconhecer a maneira como as formações ideológicas (FI) interferem nas
formações discursivas (FD); compreender que, de acordo com a análise de discurso
de linha francesa (AD) o sujeito fala assujeitado a questões ideológicas (sociais,
religiosas, políticas); perceber que o sujeito discursa conforme a imagem que tem de
si e dos outros; verificar que o discurso é permeado pelo discurso de outrem; inferir
que o discurso político é uma representação, uma articulação linguística e, ainda,
que há um forte assujeitamento do povo em relação ao poder representado pelos
políticos.
Na primeira parte deste trabalho, trataremos da Análise de discurso de linha
francesa (AD), das formações ideológicas (FI) e das formações discursivas (FD), e
sua aplicação nos fragmentos discursivos do corpus. Em um segundo momento,
trabalharemos os fragmentos discursivos com base na Teoria do Discurso,
Enunciação e polifonia de Bakhtin, assim como a ideologia da qual ele trata.
Posteriormente, estudaremos os fragmentos, percebendo como o Discurso Político
de Patrick Charaudeau e a persuasão, elemento constitutivo desse discurso, são
vistos nos pronunciamentos de Lula. E por fim, colocaremos em pauta a questão do
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ethos discursivo na visão de Maingueneau e do ethos discursivo político na visão de
Charaudeau, observando a imagem criada pelo político através do discurso.
1 - APRESENTAÇÃO DO CORPUS DE ANÁLISE
O corpus que constituirá instrumento de análise neste artigo será composto
de fragmentos dos discursos de Luiz Inácio Lula da Silva, que foram retirados da
Folha .Com, do Blog “acerto de contas” e do site da Prefeitura de Diadema - SP. (O
conteúdo integral do corpus se encontra em anexo). Alguns desses fragmentos
terão, além de sua análise, comentários de jornalistas sobre os mesmos. Esses
fragmentos foram pronunciados durante inauguração de obras importantes do
governo Lula em alguns estados do Brasil, incluindo a região Nordeste que é
considerada a região mais pobre do país, e por se tratar da região onde Lula
nasceu.
A escolha que fizemos desse material de análise se justifica pelo fato de que
comumente os discursos de Lula são caracterizados por apresentar um caráter
diferenciado. Há o entendimento de que com esse modo diferente de ser e de fazer
política, ele consegue conquistar tanto as camadas mais pobres da sociedade, como
a classe alta e outros segmentos da sociedade civil. Isso nos leva a entender que
esse jeito diferente faz com que ele seja mais popular e mais cidadãos sejam seus
“seguidores”.
2 - ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA E FORMAÇÕES
DISCURSIVAS
A escola francesa de análise do discurso – AD surgiu na década de 60 - tendo
como figura marcante Michel Pêcheux (2009) - opondo-se à perspectiva de análise
do discurso americana, que seria uma extensão da linguística e que considera a
intenção dos sujeitos numa interação verbal como um dos pilares que a sustenta. A
perspectiva francesa considera que os sujeitos são condicionados por uma ideologia
que pré-determina o que poderão ou não dizer em determinadas conjunturas
históricas e sociais. Há uma “relação necessária entre o dizer e as condições de
produção desse dizer, ou seja, a exterioridade é colocada como marca fundamental”
nessa tendência. (BRANDÃO, 2009, p. 15).
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Michel Pêcheux (2009) coloca em destaque o discurso como objeto de
estudo. Na visão de Pêcheux, a AD prioriza outros elementos que vão além do ato
comunicativo, isto é, a língua não quer apenas transmitir informações, não quer
apenas anunciar algo, mas leva em consideração o contexto social, histórico e
ideológico em que um determinado enunciado foi produzido. Portanto, pode-se
inferir que o discurso transpassa uma exterioridade da linguagem e abarca
elementos ideológicos e sociais.
Para Brandão (2009, p. 17), a linguagem “é um fenômeno que deve ser
estudado não só em relação ao seu sistema interno, mas também enquanto
formações ideológicas, que se manifesta através de uma competência
socioideológica”. Compreendemos então que o discurso é a materialização da
linguagem e carrega consigo as manifestações ideológicas enunciadas pelos
sujeitos do discurso.
É no discurso que a ideologia se concretiza, sendo governado por formações
ideológicas – FI. Atentemos para o conceito de ideologia.
Segundo Brandão (2009, p. 20), Marx e Engels definem ideologia como sendo
“a separação que se faz entre a produção de ideias e as condições sociais e
históricas em que são produzidas”. Com isso, ela parece estar ligada a uma
categoria filosófica de ilusão da realidade social.
Segundo Chauí (2008, p. 95), a ideologia organiza- se “como um sistema
lógico e coerente de representações (ideias e valores) e de normas (de conduta)”.
São essas regras que dizem o que o sujeito deve ou não deve pensar, dizer,
valorizar e fazer.
De acordo com Ricoeur (apud BRANDÃO, 2009 p. 27), a ideologia “é
dinâmica e motivadora. A ideologia argumenta e estimula uma práxis social que a
concretiza”.
Para a descrição do funcionamento da ideologia, Althusser (apud BRANDÃO
2009, p. 24) apresenta três opções:
a) A ideologia representa a relação imaginária de indivíduos com suas reais condições de existência; b) A ideologia tem uma existência porque existe sempre num aparelho e na sua prática ou suas práticas e; c) A ideologia interpela os indivíduos como sujeitos.
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Assim a ideologia exprime sempre, seja qual for a sua forma (religiosa,
política, jurídica) posições de classe. Foi com base nessa concepção Althusseriana
de ideologia que Pêcheux elaborou a sua teoria do discurso.
A ideologia se resume, em sentido mais amplo, à visão de mundo de uma
determinada classe social a respeito da realidade. Dessa forma, podemos afirmar
que há várias visões de mundo, cada uma de acordo com sua classe social, com o
modo de pensar de seus integrantes. Assim as ideologias constituem as formações
ideológicas (FI).
No discurso político, que é o foco do nosso trabalho, o político faz questão,
mesmo que inconscientemente, de mostrar sua ideologia, sua forma de pensar e de
“ver o mundo”, isto é, já estão previstos os valores veiculados pelos discursos sob a
forma de assujeitamento, de acordo com o contexto em que ele se encontra. Assim
o discurso está relacionado com o contexto, ou seja, com as condições de produção.
Vinculado às formações ideológicas surge o conceito de Formações
Discursivas2, cunhado por Foucault e também utilizado pelas teorias do discurso de
linha francesa. Nesse caso, considera-se que, para cada formação ideológica há
uma ou várias formações discursivas que servem para materializar uma visão de
mundo.
Um dos temas mais pulsantes desenvolvidos no interior da chamada Análise
do Discurso de linha francesa é, sem duvida, a questão da formação discursiva,
visto que este conceito está diretamente relacionado com a problemática do Sujeito,
em seu duplo aspecto de constituição: linguístico e sócio-histórico.
Dessa forma, FD é marcada por regularidades, como forma de determinar o
que pertence e o que não pertence a uma formação discursiva. Uma FD sempre
será invadida por elementos que vêm de outras formações discursivas, ou seja, por
discursos que vieram de outro lugar.
Uma FD, apesar de heterogênea, sofre as coerções da FI em que está
inserida. Sendo assim as sequências linguísticas possíveis de serem enunciadas por
2 No caso em que se puder descrever, entre um certo número de enunciados, semelhante sistema de
dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e funcionamentos, transformações), diremos por convenção, que se trata de uma formação discursiva. (FOUCAULT, 2008, p. 43)
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um sujeito já estão previstas, porque o espaço do interdiscurso3 se caracteriza pela
defasagem entre uma e outra FD. Assim é preciso definir uma formação discursiva a
partir de seu interdiscurso.
Para a AD, o caráter interativo do discurso é constitutivo de seu sentido, isto
é, que o sentido de uma FD depende da relação que ela estabelece com as
formações discursivas no interior do espaço interdiscursivo. Isso nos leva a entender
que o interdiscurso é um campo de encontros e confrontos de sentidos, ou seja, o
sujeito, para dar sentido e legitimizar o que está enunciando, faz surgir nas
formações discursivas, outros discursos historicamente utilizados ou os rejeitam em
outros contextos discursivos.
O sentido de um enunciado está sujeito à uma determinada formação
discursiva variando de acordo com a formação ideológica e a posição ocupada pelo
sujeito numa dada condição de produção. Assim, entendemos que a formação
discursiva pode ser definida como aquilo que pode ou deve ser dito num
determinado enunciado e espaço. Vemos, dessa forma, que as formações
discursivas não devem ser consideradas isoladamente, mas partindo da visão de
que elas interagem entre si, já que o discurso é produzido mediante a sua relação
com o outro e a partir das posições ideológicas daqueles que o produzem.
O estudo do discurso para a AD, inscreve-se num terreno em que intervém
questões teóricas relativas à ideologia e ao sujeito. Um dos interesses centrais do
discurso é o de conceber os textos como produtos de um trabalho ideológico não-
consciente. Assim a AD concebe o discurso como uma manifestação da ideologia, já
que o sujeito é levado a dizer algo sem que tenha consciência disso. Nessa
perspectiva, o sujeito não é um indivíduo fonte do seu próprio discurso, ele é
assujeitado a questões históricas e sociais.
Visto dessa forma, pode-se afirmar que o sujeito trabalhado nesta pesquisa
(Lula) é assujeitado pela sua ideologia e a do seu partido político, como podemos
perceber neste fragmento de seu discurso.
Mudar a história deste país não é escrever um novo livro. É escrever, na verdade, uma nova história deste país, incluindo os pobres como cidadãos brasileiros. (EXTRAÍDO DA FOLHA ONLINE EM 06/09/2010)
3 O interdiscurso consiste em um processo de reconfiguração incessante no qual uma formação
discursiva é levada a incorporar elementos pré-construídos, produzidos fora dela. (MAINGUENEAU, 1997, p. 113).
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Como podemos perceber através da história, do modelo de política social e
econômica, o partido de Lula foca muito em suas propostas, o povo pobre do país,
dizendo que eles são esquecidos pelos outros partidos. Nesse fragmento, podemos
verificar que a prática discursiva vai ao encontro dos anseios do povo, já que este
público ouvinte acredita e espera que essa promessa se converta em prática durante
o governo do presidente Lula.
Neste outro fragmento, podemos notar as condições de produção como
elementos determinantes para os efeitos de sentido provocados pelo discurso do
Presidente.
Eu não quero saber se o João Castelo é do PSDB, eu não quero saber se o outro é do PFL, não quero saber se é do PT. Quero saber se o povo está na merda e eu quero tirar o povo da merda em que ele se encontra. Esse é o dado concreto. E tenho consciência de como é que vive o povo pobre deste país. (EXTRAÍDO DA FOLHA ONLINE EM 06/09/2010)
Percebe-se, com esse pronunciamento, típico do partido de Lula, que ele
afirma para os ouvintes que ele não faz parte de uma cultura do individualismo, do
egoísmo. O presidente deixa claro que as obras nos municípios têm de ser feitas
para melhorar a vida da população, independentemente do partido do prefeito. Essa
visão da contextualidade se torna cada vez mais evidente quando nos voltamos para
as condições de produção, do contexto-histórico em que o discurso foi produzido,
considerando que a governadora do Maranhão é de partido político diferente de Lula
e o prefeito de São Luís (onde ocorreu o evento) João Castelo, também é de outro
partido. Nessa época, o Maranhão estava passando por situações difíceis como
enchente, saneamento precário entre outros.
3 - DISCURSO EM BAKHTIN – ENUNCIADO E POLIFONIA
Diferente de Pêcheux, Bakhtin considera o sujeito como ativo, autocentrado e
com o domínio de si, sendo de certa forma livre para escolher as vozes que
aparecerão em seu discurso. Para Bakhtin (2009), a produção do sentido do
discurso é formada nas esferas das relações interindividuais, e também em relações
sociais.
Quando falamos sobre Bakhtin não podemos deixar de citar o círculo de
Bakhtin, que era formado por intelectuais e artistas. Esse círculo tornou-se
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conhecido e era como uma “mina” de ideias inovadoras. (Bakhtin Conceitos-Chave,
2007).
Vemos nas obras de Bakhtin, em especial em Marxismo e filosofia da
linguagem, que ele destaca a necessidade de uma abordagem marxista da filosofia
da linguagem, possuindo como base a enunciação, que se caracteriza como
realidade da língua. O pensamento de Bakhtin representa uma grande contribuição
para os estudos da linguagem, por isso existe hoje uma “análise/teoria dialógica do
discurso”, seguindo as perspectivas desse estudioso e seu círculo. Segundo Beth
Brait, a teoria discursiva do círculo de Bakhtin pode ser definida da seguinte forma:
A abordagem do discurso não pode se dar somente a partir de um ponto de vista interno ou, ao contrário, de uma perspectiva exclusivamente externa. Excluir um dos pólos é destruir o ponto de vista dialógico, proposto e explicitado pela teoria e pela análise, e dado como constitutivo da linguagem. (2010, p. 13).
Dessa forma, infere-se que a proposta de Bakhtin se concentra no caráter
dialógico da enunciação. O discurso interior a que Brait se refere seria o diálogo
consigo mesmo e o discurso exterior seria com o outro, ambos de natureza social.
Tendo em vista que a língua é utilizada sob formas de enunciados, sejam eles
orais ou escritos, é fundamental destacar que o enunciado reflete as condições
específicas e as finalidades dos diferentes contextos culturais onde ocorrem as
várias e múltiplas atividades de comunicação humana.
A respeito da enunciação, podemos afirmar que é uma unidade delimitada
pela alternância dos sujeitos falantes e isso ocorre de modo mais direto no diálogo
real, no cotidiano. Pode-se afirmar também que a palavra está carregada de um
sentido ideológico. Desse modo, os signos surgem através do processo de interação
de uma pessoa com a outra, e não existe signo sem ideologia e nem ideologia sem
signo. Cada época e cada grupo social têm sua ideologia que se manifesta nos
enunciados proferidos.
Segundo Bakhtin (1999, p. 290), “a compreensão de uma fala viva, de um
enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa”. Isso quer
dizer que, ao se apropriar de um determinado discurso, o sujeito se posiciona em
relação a ele, por meio de atitudes distintas: pode concordar ou não, pode adaptá-lo,
exaltá-lo, pode acrescentar ou retirar informações. Sua reação consiste numa
resposta, caracterizando assim uma “compreensão responsiva ativa”.
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Podemos dizer ainda que os discursos variam de acordo com as
circunstâncias, a posição social e o relacionamento pessoal que os sujeitos
estabelecem entre si. Por isso, ora utiliza um gênero do discurso totalmente formal,
ou ora usa o estilo familiar de acordo com o grau de intimidade. A forma como os
indivíduos falam, ou seja, a entonação também depende do contexto em que o
discurso está sendo proferido.
O político, por exemplo, faz seus discursos de acordo com o lugar em que
está. Se estiver em uma favela, não é recomendável que insista em falar sobre
economia, ou seja, seu discurso será mais voltado para os problemas daquela
comunidade, como água tratada, asfalto, transporte público. O político “objeto” do
nosso estudo usa muito desse recurso, pois fala a “língua” das pessoas que estão
ouvindo e produz sentido com seu enunciado. Dessa forma, os ouvintes sentem-se
representados pelo seu discurso, como podemos observar no fragmento a seguir.
Não vamos nos deslumbrar e sair por aí, como novos ricos, torrando dinheiro em bobagens. O pré-sal é um passaporte para o futuro. Vamos investir seus recursos naquilo que temos de mais precioso e promissor: nossos filhos, nossos netos, nosso futuro. (EXTRAÍDO DA FOLHA ONLINE EM 06/09/2010)
Nesse trecho, Lula utiliza-se das vozes inerentes aos discursos familiares,
colocando em pauta o desejo dos brasileiros de dar um futuro melhor para os filhos.
Conforme Bakhtin (1999), um enunciado, ao ser isolado do seu processo de
enunciação e transformado numa abstração linguística, perde o que tem de
essencial, a sua natureza dialógica, pois a realidade fundamental da linguagem é o
dialogismo. Esse conceito tem como base o movimento de dupla constituição entre a
linguagem e o fenômeno da interação sócio-verbal, isto é, a linguagem se instaura a
partir do processo de interação e este, por sua vez, só se constrói na linguagem e
através dela. Porém, o dialogismo não se reduz às relações entre os sujeitos nos
processos discursivos; pelo contrário, se refere também ao permanente diálogo
entre os diversos discursos que configuram uma sociedade. É esta dupla dimensão
que nos permite considerar o dialogismo como o princípio que determina a natureza
interdiscursiva da linguagem.
Estreitamente ligada ao dialogismo, outra noção bakhtiniana importante é a
polifonia, que nos leva a perceber a impossibilidade de contar com as palavras como
se fossem signos neutros, transparentes, já que elas são afetadas pelos conflitos
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históricos e sociais que sofrem os falantes de uma língua e, por isso, permanecem
impregnados de suas vozes, seus valores, seus desejos. Assim, a polifonia se refere
às outras vozes que condicionam o discurso do sujeito
Os diálogos sociais, segundo Bakhtin (1999), não são de tudo novos nem tão
pouco se repetem de maneira absoluta, eles remetem a marcas históricas e sociais,
caracterizando uma cultura, uma sociedade. Essa repetição, encontrada nos
diálogos e nos textos, podemos chamá-la, de acordo com Bakhtin, de
interdiscursividade. Isso significa que o sujeito não cria seu próprio discurso, ele
recria outros discursos.
Nesse caso, podemos compreender o diálogo e o texto como uma forma de
expressar uma ideologia. Bakhtin não trata a ideologia como uma “falsa consciência”
ou como expressão de ideia, mas como expressão de uma determinada tomada de
posição. Beth Brait (2007, p. 171) caracteriza ideologia “como a expressão, a
organização e a regulação das relações histórico-materiais dos homens”.
A ideologia, em Bakhtin, comporta “várias esferas ideológicas, que identificam
áreas da produção intelectual humana: uma arte, uma ciência, uma moral, uma
ética, uma filosofia, uma religião” (BAKHTIN, 1999, p. 46).
Assim a ideologia é o sistema de representações de uma sociedade de um
mundo construído pela troca de interações desenvolvidas por determinados grupos
sociais, levando-se em consideração os signos emitidos pelos sujeitos do diálogo ou
texto. Esses signos não fazem referência só a algo, mas também comportam
diferentes interpretações, recriações daquilo a que se referem. Sem os signos não
há ideologia, porque os signos por si só são apenas signos, ou seja, continuam
ideológicos.
O estudo de Bakhtin também refere-se à questão do contexto em que o
discurso foi proferido. Podemos ainda complementar que o sentido da palavra é
totalmente determinado por seu contexto e há diversas significações da palavra
como há também diversos contextos. Isso não quer dizer que os contextos são
indiferentes uns aos outros, mas encontram-se numa posição de interação e de
conflito tenso e ininterrupto.
Sugere-se que, se o discurso do Presidente, destacado a seguir, fosse
proferido em um contexto diferente teria sentido contrário, mas por estar se tratando
de um discurso sobre a greve de fome de um Padre, em relação à obra no Rio São
Francisco, compreendemos o porquê de seu uso. É interessante ressaltarmos
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também que há nesse discurso um conflito entre os dois pilares da perspectiva da
esquerda, já que Lula assim como o Padre se declarou esquerdista.
Tem barulho? Tem. Tem greve de fome? Tem. Não tem problema, eu nasci na luta. Se as pessoas fazem greve, eu já fiz greve. Se as pessoas fazem greve de fome, eu já fiz, fiz por seis dias. Fiz seis dias de greve de fome e quando a lombriga maior estava comendo a menor, eu fiquei pedindo a Deus para alguém me mandar parar com a greve de fome, porque eu já não agüentava mais. A vontade que eu tinha de comer um taco de rapadura, um taco de carne-de-sol. (EXTRAÍDO DO BLOG ACERTO DE CONTAS EM 06/09/2010)
Podemos observar, também, que mesmo o Lula falando sobre o protesto, ele
consegue, ao final, criar uma ligação com o povo, expressando seu desejo de
melhorar a vida das pessoas, fazendo com que elas fiquem mais próximas dele.
4 - DISCURSO POLÍTICO E ETHOS DISCURSIVO
Segundo Charaudeau (2008, p. 32), todo discurso político é por definição “um
fato social” e qualquer enunciado, por mais inocente que seja, pode ter um sentido
político a partir do momento em que a situação o autorizar. Mas é verdade também
que qualquer discurso político pode, segundo a situação, servir de pretexto para
dizer outra coisa que não é política, a ponto de neutralizar seu sentido.
Portanto, não é o conteúdo do discurso que é político, mas sim a situação de
comunicação que assim o torna. A produção do sentido é uma questão de interação
e é, portanto, segundo os modos de interação a identidade dos participantes
implicados no discurso que se elabora o pensamento político.
Segundo Charaudeau (2008, p. 40), o discurso político pode ser dividido em
três tópicos:
“O discurso político como sistema de pensamento” é o resultado de uma
atividade discursiva que procura fundar um ideal político em função de certos
princípios que devem servir de referência para a construção das opiniões e dos
posicionamentos. É em nome desse sistema que se determinam as filiações
ideológicas.
“O discurso político como ato de comunicação” concerne mais diretamente
aos atores que participam da cena de comunicação política, cujo desafio consiste
em influenciar as opiniões a fim de obter adesões, rejeições ou consensos. Ele
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resulta de aglomerações como: comícios, debates, apresentação de slogans,
reuniões, ajuntamentos, marchas, cerimônias e declarações televisivas. Aqui o
discurso político dedica-se a construir imagens de atores e usar estratégias de
persuasão e sedução.
“O discurso político como comentário” esse tipo de discurso não está
necessariamente voltado para um fim político. O propósito é o conceito político, mas
o discurso pode ocorrer em uma situação que está fora do campo da ação política.
Nesse caso, o discurso pode ser a opinião do sujeito que fala, por exemplo,
em uma “roda” de amigos, cada sujeito dá sua opinião sobre determinado assunto. A
característica fundamental do discurso político é que este necessita impor a sua
verdade a respeito de um tema específico, a muitos e, ao mesmo tempo.
Há no discurso político uma questão de assujeitamento, fundamental para sua
construção, pois ao mesmo tempo em que constroem sujeitos, enfrenta-se sujeitos
já construídos. No Brasil, devido às desigualdades sociais, uma parcela significativa
da população não se constitui de fato como portadora de direitos. São sujeitos que
encontram acolhida em discursos políticos como de Lula, que aprofundam a questão
da desigualdade.
Nós queremos todo mundo bem, mas não podemos vacilar, é que o estado brasileiro não tem que cuidar dos mais ricos, ele tem que cuidar dos mais pobres, que precisam dele... Por que pobre neste País, só é valorizado em épocas de eleições... Na hora que estão na fila para votar, mesmo que os pobres estejam esfarrapados, é capaz de o candidato chamá-los de doutores. (EXTRAÍDO DO BLOG ACERTO DE CONTAS EM 06/09/2010)
Esse fragmento mostra o tratamento dado aos pobres, que geralmente não
têm vez nem voz, só são lembrados em época de eleição. Compreende-se que Lula
tenta se aproximar o máximo possível dessas pessoas, para que eles se tornem
seus aliados.
Para o estudo proposto, a noção de discurso mais adequada é o discurso
político como sistema de pensamento, já que esse refere-se à noção de ideologia
que está sendo trabalhada no discurso de Luiz Inácio Lula da Silva. Vale ressaltar
também que os discursos que fazem parte do corpus deste trabalho foram
pronunciados em palanques, ou seja, sob o olhar da multidão - numa relação de
proximidade - que assiste à performance do político e a sua forma de tentar
persuadir seus ouvintes.
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Segundo Valeriano Costa4 “Lula tem discursos fortemente emocionais,
voltados para o reconhecimento da valorização da população mais pobre, do resgate
da dignidade, da integração na sociedade, do aumento da renda e do consumo”.
O discurso pode ser utilizado para tentar seduzir, (como é o caso desse
discurso de Lula) ameaçar, aterrorizar ou atrair um interlocutor, mas esse discurso
impregnado de afeto só terá sentido para o ouvinte, caso ele já tenha passado por
alguma experiência parecida. Por exemplo: o locutor pode falar de uma situação que
lhe causou dor e tristeza, uma separação, um acidente, uma perda, no entanto se o
interlocutor nunca passou por essa situação esse discurso não produzirá o mesmo
efeito nele, como pode produzir em outro que já teve essa experiência.
A respeito disso Charaudeau afirma:
O sujeito que fala deve saber escolher universos de crença específicos, tematizá-los de determinada maneira e proceder à determinada encenação, tudo em função do modo como ele imagina seu interlocutor ou seu público e em função do efeito que espera produzir nele (2008, p. 90)
Ainda assim teremos reações diversas, pois os ouvintes são diferentes uns
dos outros, suas emoções consequentemente não serão as mesmas, pois suas
experiências também não são.
Compreende-se que é assim que o político trabalha. Ele, antes de tudo,
estuda as condições de vida de cada comunidade, para ao chegar ao palanque,
dizer aquilo que interessa àquelas pessoas, fazendo-as acreditar em seu discurso e
a participar da mesma ideologia. No caso de Lula, verifica-se que ele propõe
medidas que serão usadas para reparar o “mal” existente, tornando-se persuasivo e
construindo para si uma imagem forte como o “salvador” dos problemas que as
pessoas enfrentam. Isso mostra a que ponto a construção dessa imagem (ethos5) é
importante no discurso político.
No entanto esse discurso, com a intenção de persuadir ou seduzir alguém ou
alguma comunidade, não faz sentido se não temos uma ideologia, um conhecimento
da realidade, que podem ser múltiplos e variados, dependendo da sociedade em
que se vive, constituindo assim uma ideologia.
4 Professor, pesquisador do centro de estudos de opinião pública e cientista político da Unicamp.
5 “São os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importando sua
sinceridade) para causar boa impressão: é o seu jeito. O orador enuncia uma informação e, ao mesmo tempo, ele diz: sou isto, não sou aquilo.” (BARTHES, apud AMOSSY, 2005, p. 10).
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Tendo em vista o discurso político como sistema de pensamento, e seguindo
a perspectiva da AD Francesa, podemos dizer que esses sistemas resultam de
determinados saberes em sistemas de conhecimento e de crença, com o objetivo de
fornecer uma explicação sobre o mundo e as pessoas. Desse modo, poderemos
distinguir teorias, doutrinas e ideologias.
O político encontra-se em dupla posição. Por um lado deve convencer todos
da pertinência de seu projeto político e, por outro lado, deve fazer o maior número
de cidadãos aderirem aos seus valores, à sua ideologia. Para que o político consiga
atrair as pessoas, ele precisa saber o que dizer em determinado lugar, levando em
consideração as reivindicações daquela comunidade, impondo de forma implícita
suas ideias.
Ligado ao discurso político temos o ethos como um meio discursivo voltado
para o orador, destaca-se que ele é o que permite ao orador parecer digno de fé,
mostrar-se verdadeiro ao fazer prova de ponderação, de simplicidade e de
amabilidade. Através dele o orador pode mostrar seus traços de personalidade para
quem ele está falando.
Porém, não é necessário que o locutor se mostre de forma explícita, nem
detalhe suas qualidades. Seu estilo, suas crenças mostradas de forma implícita,
constroem a representação de sua pessoa, a maneira de falar induz a uma imagem,
haja vista que o locutor efetua em seu discurso uma apresentação de si. Como
explica Ducrot:
Não se trata de afirmações auto-elogiosas que o orador pode fazer sobre sua própria pessoa no conteúdo de seu discurso, afirmações que, ao contrário, podem chocar o ouvinte, mas da aparência que lhe confere a fluência, a entonação, calorosa ou severa, a escolha das palavras, dos argumentos (apud AMOSSY, 2008, p. 71).
No entanto, não podemos afirmar que o ethos é apenas individual, pois a
identidade do sujeito passa por representações sociais, ou seja, o sujeito falante
constrói sua realidade pelas representações que circulam em dado grupo social.
Segundo Charaudeuau (2008), na medida em que o ethos está relacionado à
percepção das representações sociais que tendem a essencializar essa visão, ele
pode dizer respeito tanto a indivíduos quanto a grupos. Os grupos julgam os outros
grupos com base em um traço de sua identidade.
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Não se pode dizer que existam marcas específicas do ethos. Tanto pelos
diversos tipos de comportamento do sujeito (o tom da voz, os gestos, e as maneiras
de falar) quanto pelo conteúdo de suas propostas, ele mais transparece, do que
aparece. “Não se pode separar o ethos das idéias, pois a maneira de apresentá-las
tem o poder de construir imagens”. (CHARAUDEAU, 2008, p. 118).
Às vezes, os políticos, para explicar a derrota eleitoral de seu líder, dizem que
as ideias dele são boas, no entanto ele não tem carisma suficiente. Separar as
ideias do ethos é sempre um álibi que impede de ver que, em política aquelas não
valem senão pelo sujeito que as divulga, as exprime e as aplica.
Assim, mostrar-se emocionado, transtornado, tocado, escandalizado, exprimir
desgosto, alegria ou compaixão, parecer ouvir os outros, colocar-se acima da
massa, defender valores históricos, ser conveniente, contribuiriam para construir um
ethos de potência, de inteligência, de humanidade, com o qual o público poderia se
identificar. Essa é a concepção de ethos para a análise do discurso.
Podemos veicular o ethos à persuasão, essa consiste na busca de adesão a
uma perspectiva, um entendimento, evidenciado a partir de um ponto de vista que
deseja convencer alguém sobre a validade do que diz. A pessoa que persuade leva
o outro a aceitar determinada ideia, valor, preceito. No discurso político, é preciso
articular opiniões a fim de estabelecer um consenso entre os ouvintes, fazer com
que o maior número de cidadãos absorva seus valores, e seu posicionamento
ideológico.
Mas essa persuasão não ocorre com tanta facilidade como parece, é preciso
que o político saiba inspirar confiança, admiração, que saiba mostrar a imagem ideal
de chefe, que se encontra no imaginário dos sentimentos e emoções de seus
eleitores. Na perspectiva que adotamos neste estudo, é isso que acontece com Lula,
ele transmite para as pessoas a ideia de alguém regado de emoção, que veio do
mesmo lugar em que estão àquelas pessoas (às de baixa renda), e lutou muito para
chegar ao cargo pretendido, como podemos ver no fragmento a seguir, e agora fará
todos os esforços para resolver os problemas da população. Isso faz as pessoas
acreditarem nele e se aliarem ao seu posicionamento ideológico.
Um conjunto habitacional que certamente não é uma casa do tamanho que você sonhava. É um condomínio humilde, mas é o primeiro sinal de cidadania e dignidade desse povo. A minha primeira casa era numa ribanceira que, quando chovia, para sair de casa, se colocava uma galocha. (EXTRAÍDO DO SITE WWW.DIADEMA.SP.GOV.BR EM 06/09/2010)
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Nesse discurso, na entrega do conjunto habitacional Serraria I em Diadema –
SP, Lula compara sua experiência com o que era o cotidiano dos habitantes da
antiga Naval.
Pode-se dizer que os discursos de Lula nos mostram esse ethos
potencializado, ele, de certa forma, se mostra comovido com o tipo de vida das
pessoas e tenta com seu discurso dar-lhes força para ter uma vida melhor, como
podemos ver no fragmento a seguir.
Quando eu vejo um de vocês contar seu drama...Eu já vivi muita história ruim, mas eu nunca fiquei sentado culpando os outros pela minha desgraça, nunca. Eu ia a luta todo santo dia, eu acreditava que era possível. É isso que eu quero dizer pra vocês...nós temos que lutar como o pessoal do Jordão fez, lutar, acreditar, reivindicar, fazer. (EXTRAÍDO DO BLOG ACERTO DE CONTAS EM 06/09/2010)
Nesse fragmento Lula faz um discurso emocionado, revivendo sua história,
colocando-se no lugar do povo, nesse caso o povo cristão que andava pelo deserto
e não perdeu a esperança de chegar à terra prometida de Canaã. Ao mesmo tempo
ele pede ao povo que lute pelos seus desejos, que não espere tudo dos
governantes. Podemos notar nesse discurso que Lula utiliza-se do recurso
interdiscursivo, ou seja, usa outro discurso para completar o dele.
Há também que se pensar na relação entre o ethos prévio6 e o ethos
discursivo, isto é, a imagem desfavorável, pré-existente do locutor põe em risco a
eficácia da palavra que ele busca dizer aos seus ouvintes. O esforço deverá ser bem
maior para que ele construa o ethos discursivo pretendido. Não podemos dizer, no
entanto, que todo ethos prévio é problemático, ele também pode ser a imagem
favorável que deverá ser reafirmada através do ethos discursivo. No caso do
político, sua imagem é formada ao longo dos anos, das propagandas eleitorais e dos
trabalhos executados durante seu mandato. Se essa imagem é construída de forma
errônea, do ponto de vista da sociedade, nos seus próximos discursos, o empenho
do político será o de desfazer o ethos prévio e construir o ethos capaz de suscitar a
estima e a confiança.
No discurso de Luiz Inácio Lula da Silva, essa visão de ethos é muito
marcante, pois mostra à sociedade seus valores políticos e morais, induz as
pessoas a acreditarem no que ele fala, a seguir o mesmo ideal. Isso acontece
6 “O ethos pré-discursivo seria, portanto, a imagem que o co-enunciador faz do enunciador, antes
mesmo que este último tome a palavra para si”. (HEINE, 2008, p.181)
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porque ele “fala a língua das pessoas”, ou seja, seu discurso é voltado para o povo,
a massa populacional, as pessoas mais humildes, numa tentativa de se aproximar
deles.
Acreditamos que seja isso que o Lula faz em seus discursos políticos, ao usar
o termo companheiro variando inclusive o gênero para se referir aos seus ouvintes
e/ou colegas políticos. “Eu sei que você já foi criticado, companheiro, eu sei. Mas eu
quero te dizer e quero dizer a companheira Maria Fernanda” (extraído do blog acerto
de contas em 06/09/2010). Com isso já se constitui um sentido de proximidade com
o público, sua imagem é construída como sendo um homem do “povo”, que caminha
junto com ele, participa da mesma ideologia, que é porta-voz de milhões de
brasileiros e que está ali para resolver os problemas diversos que existem em nosso
país. Seu discurso político é fluido, conciliador e pragmático. Acredita que seu papel
é ajudar o operariado a satisfazer as coisas que sonha na vida.
Então, eu acho que os movimentos, todos, têm o direito de protestar, é legítimo, é democrático, é republicano, mas aquilo que for para melhorar a vida do povo eu vou fazer neste País. Podem ficar tranqüilos que nós vamos fazer. (EXTRAÍDO DO BLOG ACERTO DE CONTAS EM 06/09/2010)
Sobre esse discurso do Presidente, o jornalista e autor do blog “acerto de
contas” Marcos Bahé fez o seguinte comentário: “os discursos de Lula são
impagáveis, ele fala com o povo como ninguém. É um mestre nisso.”
Nessa perspectiva, ressalta-se que o sujeito antes de produzir seu enunciado,
imagina e organiza a estratégia de acordo com aquilo que o seu receptor espera
desse enunciado, já que a existência do receptor é uma condição para que o sujeito
expresse seu discurso.
Compreende-se que Lula pretende aproximar as pessoas, mostrando para
elas que ele também já esteve na situação em que elas estão e sabe exatamente
como é. Lula utiliza-se de sua experiência pessoal e consolida sua imagem através
de seu discurso.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi exposto, compreende-se que todo discurso é produzido num
determinado contexto sociocultural e é influenciado pelas ideologias vigentes da
época, logo, a ideologia se materializa na linguagem e o discurso é o objeto dessa
materialização. Assim a partir da análise do corpus que funciona como instrumento
investigativo neste estudo, infere-se que os enunciados são revestidos por uma forte
influência ideológica e por isso o sujeito representa o lugar social no qual está
inserido. Evidenciamos ainda que, de acordo com a AD, o sujeito é assujeitado por
questões ideológicas, o que diferencia dos estudos de Bakhtin, que considera o
sujeito livre para fazer suas escolhas discursivas. No corpus analisado, Lula é
submetido às duas concepções de sujeito, ele é assujeitado à certa ideologia, no
entanto, quando se faz necessário ele estuda seu ouvintes e usa o discurso para
conseguir a aprovação desejada, ou seja, escolhe o tipo de discurso, para conseguir
o objetivo.
Em relação ao discurso político, podemos afirmar que ele é uma
representação linguística que reflete a ideologia de um grupo social e/ou individual.
No corpus deste trabalho, evidenciamos que no discurso político há a presença de
um forte assujeitamento do político em relação às questões históricas e sociais, e,
ainda às ideologias do partido a que ele pertence. Comprovamos ainda que por trás
do discurso político, há um jogo de sedução através do qual o locutor procura
influenciar os ouvintes a partir da sua ideologia.
A noção de ethos foi abordada no intuito de evidenciar a construção da
imagem que o político faz de si em seus discursos, demonstrando sua
personalidade, seu estilo, suas crenças. A concepção de ethos também se relaciona
com outros elementos do discurso, como por exemplo: o tom que gera o discurso, os
traços psicológicos atribuídos pelo leitor-ouvinte à figura do enunciador e a
corporalidade.
Constatamos nos discursos de Lula que ele é assujeitado pela sua ideologia e
de seu partido, mas também usa de seus discursos para persuadir os ouvintes, para
construir sua imagem de político preocupado com o povo. Dizendo ser um político
diferente dos outros, que se iguala ao povo para mostra-lhe que é possível melhorar
de vida, construir uma história mais prospectiva e, portanto, melhor.
SOME FRAGMENTS OF PRONOUNCEMENTS SAID BY LULA FROM A DISCURSIVE PERSPECTIVE
ABSTRACT: The present essay intends to analyse the ideological manifestations presented in some discourse fragments by Luiz Inácio Lula da Silva, taking in consideration their conditions of production, the individual’s actions that are associated by historical and social context, the effects of sense provoked by selected discourse elements and the interference of discoursive ideological formation. Thus, we will adopt discourse analysis' writers – french line DA, as Michel Pêcheux (2009), José Luiz Fiorin (2007), Helena H. Nagamine Brandão (2009) and others. We will also adopt the question of enunciation and the polyphony in Bakhtin that defends the multiciplity of voices and the individual that reproduces several social voices in the discourse that is said. Besides, we will analyse the corpus based in the notion of ethos according to the perspective of Dominique Maingueneau (1997), Ruthy Amossy (2008) e Patrick Charaudeau (2008) KEYWORDS: Discourse. Ideology. Politic. Enunciation. Ethos
REFERÊNCIAS AMOSSY, Ruth. Imagens de Si no Discurso. 1ª Ed. 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2008. BAHÉ, Marco. Discursos de Lula são impagáveis. Disponível em: http://acertodecontas.blog.br/política. acesso em: 06/09/2010. BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Estética da Criação Verbal. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ______. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 9ª Ed. São Paulo: Hucitec, 1999. BRAIT, Beth. Bakhtin: Conceitos-Chave. 4ª Ed. São Paulo: Contexto, 2007. ______. Bakhtin: Outros Conceitos-Chave. 1ª Ed. 2ª reimpressão, São Paulo: Contexto, 2010. BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. 2ª Ed. 4ª reimpressão. Campinas, SP. Ed. Unicamp, 2009.
CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2008. CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político. Tradução de Dilson Ferreira da Cruz e Fabiana Komesu. 1ª Ed. 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2008. CHAUÍ, Marilena. O Que é Ideologia. 2ª Ed. São Paulo: Brasiliense, 2008. CITELLI, Adilson. Linguagem e Persuasão. São Paulo: Ática, 2005. FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. 8ª Ed. São Paulo: Ática, 2007. Folha .Com. São Paulo, 06/09/2009. Folha Mercado. Disponível em: www.folha.uol.com.br. Acesso em 06/09/2010. FOUCAULT, Michel. A Arqueologia do Saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. ______. A Ordem do Discurso. 19ª Ed. São Paulo: Loyola, 2009. HEINE, Palmira Virgínia Bahia. Considerações sobre a cena enunciativa: a construção do ethos nos blogs. Salvador, 2008, p. 176-188, disponível em: www.unisul.br MAINGUENEAU, Dominique. Novas Tendências em Análise do Discurso. Tradução de Freda Indursky. 3ª Ed. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 1997. MOTTA, Ana Raquel; SALGADO, Luciana. Ethos Discursivo. São Paulo: Contexto, 2008. MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina. Introdução à Lingüística: domínios e fronteiras. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2004. ORLANDI, Eni Puccinelli. A Linguagem e Seu Funcionamento. 4ª Ed. Campinas, SP: Pontes: Ed. Unicamp, 1996. PÊCHEUX, Michel. Semântica e Discurso. Tradução de Eni Puccinelli Orlandi. 4ª Ed. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2009.
TAMASAUSKAS, Natane. Presidente Lula faz discurso emocionado a moradores da antiga Naval. Disponível em: www.diadema.sp.gov.br. Acesso em 06/09/2010.
ANEXO
Fragmento 1 - Discurso durante a assinatura de ordem de início das obras do
PAC em Pernambuco.
“Eu sei que você já foi criticado, companheiro, eu sei. Mas eu quero te dizer e
quero dizer à companheira Maria Fernanda: o acordo que vocês fizeram restitui ao
estado de Pernambuco a grandeza que Pernambuco conquistou desde o tempo em
que lutou contra os holandeses, desde o tempo em que fez, cinco anos antes da
independência brasileira, a independência de Pernambuco, que fez a Confederação
do Equador. Companheiros e companheiras, a história do povo brasileiro é uma
história de segregação para muitos e de muitos benefícios para poucos... Porque
pobre neste País, só é valorizado em época de eleições. Eu duvido que vocês já
tenham visto, numa campanha política, um candidato falar mal dos pobres. Eles
falam mal dos ricos, falam mal dos banqueiros, falam mal dos empresários, falam
mal de qualquer coisa, mas os pobres são endeusados, porque é o único momento
em que os pobres têm o mesmo peso que os ricos. Na hora em que estão na fila
para votar, mesmo que os pobres estejam esfarrapados, é capaz de o candidato
chamá-los de doutores... Nós queremos todo mundo bem, mas não podemos vacilar
é que o Estado brasileiro não tem que cuidar dos mais ricos, ele tem que cuidar dos
mais pobres, que precisam dele. porque quando eu vejo um de vocês contar o seu
drama… Não me conte história ruim porque eu já vivi. Quando alguém me conta: “a
minha casa encheu d’água”. Eu me levantava à 1h da manhã, com rato subindo na
cama para não morrer afogado... Eu nunca fiquei sentado culpando os outros pela
minha desgraça, nunca. Eu ia à luta todo santo dia, eu acreditava que era possível.
É isso que eu quero dizer para vocês: a vida humana é muito curta, a gente vive
hoje, em média, 71 anos, a gente não pode parar para ficar reclamando a vida
inteira. Nós temos que lutar como o pessoal do Jordão fez, lutar, acreditar,
reivindicar, fazer… porque é assim que os políticos ouvem o povo. Se vocês ficam
quietinhos, todo mundo acha que está tudo muito bom... Tem barulho? Tem. Tem
greve de fome? Tem. Não tem problema, eu nasci na luta. Se as pessoas fazem
greve, eu já fiz greve. Se as pessoas fazem greve de fome, eu já fiz, fiz por seis
dias. Fiz seis dias de greve de fome e quando a lombriga maior estava comendo a
menor, eu fiquei pedindo a Deus para alguém me mandar parar com a greve de
fome, porque eu já não agüentava mais. A vontade que eu tinha de comer um taco
de rapadura, um taco de carne-de-sol. Então, eu acho que os movimentos, todos,
têm o direito de protestar, é legítimo, é democrático, é republicano, mas aquilo que
for para melhorar a vida do povo eu vou fazer neste País. Podem ficar tranqüilos que
nós vamos fazer.” In: acertodecontas.blog.br. Por: Marco Bahé.
Fragmento 2 – Discurso sobre a exploração do pré-sal em Brasília.
“Por isso, dei orientações bem claras aos ministros. Primeira: o petróleo e o
gás pertencem ao povo brasileiro. Como no pré-sal, os possíveis sócios terão
poucos riscos, eles não podem ficar com a parte da renda. Ela tem que ser do povo.
Segunda orientação: o Brasil não pode ser um mero exportador de óleo crú. Vamos
agregar valor aqui dentro, exportando derivados, como gasolina, diesel e produtos
petroquímicos, que valem muito mais. Vamos construir uma poderosa indústria de
equipamentos e serviços e gerar milhares e milhares de empregos brasileiros.
Terceira orientação: não vamos nos deslumbrar e sair por aí, como novos ricos,
torrando dinheiro em bobagens. O pré-sal é um passaporte para o futuro. Vamos
investir seus recursos naquilo que temos de mais precioso e promissor: nossos
filhos, nossos netos, nosso futuro.”
In: www.folha.uol.com.br
Fragmento 3 – Discurso sobre investimento em saneamento básico em São
Luís (MA)
“Temos consciência de que estamos fazendo no Brasil o maior investimento
da história deste país em saneamento básico, em todas as cidades brasileiras. Eu
não quero saber se o João Castelo é do PSDB, eu não quero saber se o outro é do
PFL, não quero saber se é do PT. Quero saber se o povo está na merda e eu quero
tirar o povo da merda em que ele se encontra. Esse é o dado concreto. É lógico que
eu falei um palavrão aqui. Amanhã os comentaristas dos grandes jornais vão dizer
que o Lula falou palavrão, mas eu tenho consciência de que eles falam mais
palavrão do que eu todos os dias e tenho consciência de como é que vive o povo
pobre deste país. E é por isso que queremos mudar a história deste país. Mudar a
história deste país não é escrever um novo livro. É escrever, na verdade, uma nova
história deste país, incluindo os pobres como cidadãos brasileiros.”
In: www.folha.uol.com.br
Fragmento 4 – Discurso de entrega de unidades habitacionais em Diadema-SP
“Um conjunto habitacional que certamente não é uma casa do tamanho que
você sonhava. É um condomínio humilde, mas é o primeiro sinal de cidadania e
dignidade desse povo. A minha primeira casa era numa ribanceira que, quando
chovia, para sair de casa, se colocava uma galocha.”
In: www.diadema.sp.gov.br por: Natane Tamasauskas
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