juventudes e suas resistÊncias sÓciopolÍticas: … · do sentido superficial, frisando sua...
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JUVENTUDES E SUAS RESISTÊNCIAS SÓCIOPOLÍTICAS: uma breve explanação sobre
a complexa forma de ser. Jamille Rodrigues Braga 1
Benedita Beatriz Elias Dias 2 Lívia Kelly da Silva3
Francisco Marcio Almeida Maciel 4 Rayanne Rodrigues Valentim5
Resumo Este artigo, composto por pesquisa bibliográfica e documental, problematiza as práticas de resistências juvenis e sua atuação no campo político. Resistências que se mostram na contemporaneidade, na luta pela sobrevivência, em atos coletivos pela consciência política com expressões artísticas-culturais, na qual jovens buscam alternativas de viver nas margens. Apesar do crescimento das ações voltadas para as juventudes, eles continuam invisibilizados com uma sensação de que faltam espaços acolhedores. Pois, os grupos juvenis que atuam na esfera da cultura não têm sido considerados como possíveis interlocutores face a outros atores políticos. Por esse motivo, tem-se como objetivo as atuações juvenis transformadoras. Palavras-chaves: Juventudes; Resistência; Política.
Abstract This article, composed by bibliographical and documentary research, problematizes the practices of youth resistance and its performance in the political field. Resistances that show themselves in contemporaneity, in the struggle for survival, in collective acts by political consciousness with artistic-cultural expressions, in which young people seek alternatives to live on the margins. Despite the growth of youth-oriented actions, they remain invisible with a sense of lacking welcoming spaces. For the youth groups that work in the sphere of culture have not been considered as possible interlocutors vis-à-vis other political actors. For this reason, the objective is to transform youthful performances. Keywords: Youth; Resistance; Politics.
1 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Bolsista IC/UECE do
Laboratório de Estudos e Pesquisa em Afrobrasilidade, Gênero e Família – NUAFRO. Email: jamille.braga@aluno.uece.br. 2 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Bolsista Voluntária do
Laboratório de Estudos e Pesquisa em Afrobrasilidade, Gênero e Família – NUAFRO. Email: bbeatriz.dias@aluno.uece.br. 3 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Bolsista Voluntária do
Laboratório de Estudos e Pesquisa em Afrobrasilidade, Gênero e Família – NUAFRO. Email: liviake4@gmail.com. 4 Graduando em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Bolsista PBEPU do
Laboratório de Estudos e Pesquisa em Afrobrasilidade, Gênero e Família – NUAFRO. Email: mc_logam@hotmail.com. 5 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará – UECE. Bolsista PBEPU do
Laboratório de Estudos e Pesquisa em Afrobrasilidade, Gênero e Família – NUAFRO. Email: rayanne_valentim@hotmail.com.
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1. INTRODUÇÃO
Até o momento, muitos estudos sociológicos debruçaram-se sobre a temática e
sobre as motivações dos jovens em produzir práticas político-culturais em prol do “direito à
juventude”. Mannheim (1982) diz que a juventude é uma criação dos grupos sociais, de
caráter simbólico, em prol de empregar significados a determinadas ações atribuídas às
vivências juvenis, marcadas pela partilha de experiências. Desse modo, as vivências se
vinculam à juventude que a exerce, caracterizando os jovens segundo os espaços no qual
ocupam e fazem morada. Mas afinal, o que motiva nossos jovens a trilhar os caminhos mais
organizativos em nome de dada causa?
Esta é uma questão que aflige os mais profundos estudiosos da temática. Vale,
inicialmente, levantar que ser jovem demonstra-se como um projeto para ser construído,
ampliado em todas as práticas, com base na diferença. (MAYORGA, CASTRO, PRADO,
2012). E por essas vias, é necessário esclarecer porque compreendemos as juventudes em
meio à diferença e a pluralidade. Seus modos de vivências, resistências e existências
determinam movimento na sociedade e em seu meio, formam e delimitam grupos sociais
que se unem em nome das semelhanças. Assim, usar “juventudes” no plural mostra-se
como uma forma de afirmar suas distintas formas de viver. Enfoco com esse
desdobramento, torna-se possível observar as juventudes como segmento social
diferenciado, considerando tanto a condição juvenil, como as múltiplas situações sociais
quais os jovens vivenciam. Assim, reafirmamos que as juventudes não devem ser
encaradas por meio da homogeneidade, já que esta é composta por experiências plurais e
particularidades.
Os (as) jovens podem construir alianças a partir das opressões sofridas e da
necessidade de afirmar identidades de grupos juvenis, carregando suas equivalências,
movidos por uma necessidade de reconhecimento e de pertencimento sociais. Desse modo,
estes se engajam e constroem identidades culturais e sociais. Participam. E no ato de
participar, de exercer práticas coletivas, salientam-se como forças sociais capazes de
mostrarem suas vozes, artes, ideologias, em nome da significação, de uma revolta ou
delação. (MAYORGA, CASTRO, PRADO, 2012). Os laços entre o individual e a
necessidade política coletiva determinam e parecem alicerçar novas vivências em tempos
contemporâneos.
2. DESENVOLVIMENTO
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2.1 Juventudes: reflexões históricas
Nestes anos 1990 e 2000, a atenção dirigida aos jovens tem crescido no Brasil,
tanto a partir da visão pública, como também por parte dos acadêmicos. Os meios de
comunicação de massa, atores políticos e de instituições, governamentais e não
governamentais, têm dialogado de alguma forma com esses atores sociais. Nos meios de
comunicação, destacam-se discursos estigmatizantes sobre os jovens, com noticiários
acerca das múltiplas expressões da questão social, como homicídios, exploração sexual,
tráfico de drogas, que enfatizam as formas de violência. Poucos são os conteúdos que
enfocam o segmento juvenil como suas principais vivências e/ou protagonismo. Só
recentemente essa temática vem ganhando espaço, com estudos voltados para as
considerações dos próprios jovens. Desta maneira, é necessário considerar os jovens além
do sentido superficial, frisando sua diversidade de etnia, gênero, cultural e território,
caracterizada pelas suas identidades construídas nos seus próprios percursos juvenis.
Com relação às políticas públicas, nota-se que não é uma pauta corriqueira no
Brasil, nunca existiu uma tradição de políticas especificamente destinadas aos jovens,
contudo como sujeitos de direitos. Na América Latina, essa pauta só chegou a partir dos
anos 80, principalmente estimulado por organismos como a Comissão Econômica para
América Latina (CEPAL), Organização das Nações Unidas (ONU) e o governo da Espanha.
Apenas nos anos 1990, a passos largos o Brasil vem se aproximando de políticas voltadas
para as juventudes. Porém, em um âmbito ainda muito restrito, trabalhado por algumas
prefeituras e governos estaduais, envolvendo programas de formação profissional e de
oferecimento de serviços especiais de saúde, cultura e lazer.
Contudo, problematizar-se que em parte considerável desses programas
voltados para os jovens é contida uma visão arcaica, no qual são colocados sob um papel
de vulneralidade social. Identifica-se uma visão funcionalista6 que toma os jovens como
“problemas” sobre quais é necessário intervir, para salvá-los e reintegrá-los a uma
determinada ordem social. A concepção genérica de juventude corrente nesta sociologia
funcionalista é difundida, como um processo de socialização e ajustes aos papéis adultos,
corrigindo supostas falhas nesse desenvolvimento e ajuste que se constituem em temas de
preocupação social, por Abramo (1997). A juventude, emergiu como objeto para sociedade
6Nos anos 50, segundo explanações de Groppo (2010), o conceito funcionalista de integração social e das categorias explicativas como função e disfunção social, onde o comportamento de um jovem ou grupo fora dos padrões “normais” era observado como “anormalidade”. Desse modo, a rebeldia juvenil era analisada como uma disfunção, caracterizada principalmente pela delinquência.
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quando representa uma ameaça de ruptura da continuidade social, seja porque se desviou
do caminho da integração social, ou seja por anomalia da própria ordem social.
Essa dificuldade em aceitar os jovens como protagonistas pode ser percebida
pela discussão a respeito da questão de “cidadania”, no qual este termo é compreendido
relativamente à questão de direitos e da participação de diferentes sujeitos sociais. De
acordo com Abramo (1997), os jovens só são relacionados ao tema da cidadania enquanto
privação e mote de denúncia, não como sujeitos capazes de participar dos processos de
definição, invenção e negociação de seus direitos. A instituição de novos direitos, ou o
direito a ter direitos, aciona uma ideia de cidadania alinhada com a construção de uma
cultura participativa por atores sociais até então excluídos pela democracia representativa
tradicional. (MENEZES, COSTA, 2012).
Assim, segundo Menezes, Costa (2012), existem duas vertentes que trabalham
a cidadania, uma que trabalha nos moldes convencionais e que vigora uma lógica de
encerramento, que significa manter a ordem social atual, mantendo os jovens fora dos
“riscos” que ameaçam o previsto. A outra é a lógica de abertura, que entende a cidadania
como estratégia política, como produção de direitos e não concessão, na visão de criar
convergências, articulações que gerem força sociopolítica o suficiente para uma
transformação significativa do real.
Os “novos sujeitos” da cidadania nos permitem trabalhar com a ideia de
democracia como abrangendo não só o sistema político, mas também a futura erradicação
de desigualdades sociais associadas às discriminações étnicas e de gênero, moldadas por
práticas culturais e sociais. É no espaço entre a inspiração raciais e a realização dos direitos
sociais que a cidadania se coloca como estratégia política (DAGNINO apud MENEZES,
COSTA, 2012). Quando compreendemos “cidadania” como estratégia política, a afirmamos
como um processo de construção da transformação social, justamente por ser permeável à
luta social. Por esse motivo, as reinvindicações buscam pela efetivação dos direitos
conquistados, mas também pela invenção de novos direitos. Entendemos que os direitos
são um campo de invocação e inovação.
Logo, essa problemática exposta está muito além e é bem mais complexa, pois
está ligada diretamente a fatores específicos à formulação de direitos sociais na sociedade
brasileira, em que os direitos sociais estão ligados a ideia de dádiva e favores, não a
concreticidade de luta e conquista.
Nos anos 1960 e parte dos anos 1970, o problema apareceu como sendo o de
toda uma geração de jovens ameaçando a ordem social. É nesse momento em que as
juventudes aparecem como categoria portadora da possibilidade de transformação e
revolução. No Brasil, esse movimento ganha maior visibilidade, principalmente pelo
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engajamento de jovens de classe média e universitários, na luta contra o regime autoritário.
O que vale ressaltar é que os jovens foram perseguidos e torturados pelo Estado autoritário,
utilizando-se de justificativas relacionadas ao comportamento dos jovens (ligado ao uso de
drogas), o modo de se vestir, como por suas ideias e ações políticas. Mesmo para os
setores que os jovens não foram repreendidos, eles apareciam como uma fonte de energia
utópica, interpretadas como pequenas ações burguesas inconsequentes, sem a finalidade
de transformação. Ao Generalizar a ótica da minoria7, conceito utilizado por Lazzarato
(2006), neles depositavam diferentes tipos de esperança, a imagem de uma geração
idealista, fixando, assim, um modelo ideal de juventude, transformando a rebeldia, o
idealismo, a inovação e a utopia em características essenciais dessa categoria.
Um marco importante para a discussão da democracia e das formas de
participação social no Brasil é a abertura político-democrática instaurada no período pós-
ditatorial. Tal processo repercute na cultura política nacional, fortemente marcada pelo
assistencialismo, pelo paternalismo, pelo clientelismo e com raiz no autoritarismo. São
contrastes com a imagem que a juventude dos anos 1980 vai aparecer, oposta a juventude
dos anos 1960 e 1970, tematizada como individualista, consumista, conservadora e
indiferente aos assuntos públicos, tornando-se assim grupos juvenis apáticos. Uma geração
que se recusa assumir o papel transformador. Nos anos 90, já não é mais apatia e
desmobilização que chama a atenção, mas sim a presença de inúmeras figuras juvenis nas
ruas, envolvidas em diversos tipos de ações individuais e coletivas. Para Helena Abramo
(1997), as figuras mais evidentes são os jovens pobres que aparecem nas ruas, divididos
entre o hedonismo e a violência: meninos de rua, jovens infratores, gangues, galeras, tribos,
jovens em “situação de risco”, diferente dos jovens em evidência nos anos 60, que eram
jovens de classe média, empenhados em propostas de mudança, tanto mudanças políticas
como comportamentais e de valores.
É muito presente a imagem de jovens que assustam e ameaçam a integridade
social. Vítimas dos processos de exclusão social profunda que marcam a sociedade
capitalista, e ao mesmo tempo, do aprofundamento das tendências do individualismo e do
hedonismo. Dificilmente visto como sujeitos capazes de qualquer tipo de ação propositiva,
7O conceito do par maioria/minorias define-se através de dois movimentos heterogêneos: a constituição da multiplicidade em maioria e a constituição de minorias como formas de resistência e de recriação desta multiplicidade. Estamos diante de dois processos de subjetivação diferentes: uma majoritária, que remete a um modelo de poder estabelecido historicamente; e uma minoritária, que não cessa de transbordar o limiar representativo do padrão majoritário, nas democracias modernas. No entanto, este “são para todos” supostamente “democrático” é dito de duas maneiras diferentes, uma que determina a integração das minorias no padrão majoritário, uma exclusão pura e simples. E, em um segundo caso, o “para todos” não significa nem integração, nem exclusão, posto que todo mundo torna-se minoria. Na realidade, é somente no devir que podemos encontrar o “todos”, que está no fundamento da democracia, porque o devir minoritário consiste em subtrair-se das designações do poder. (LAZZARATO, 2006).
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como interlocutores para decifrar a conjuntura, mesmo que conflituoso, o significado das
tendências sociais do nosso presente, das saídas e soluções para elas.
A partir dos anos 2000 e nos mandatos do governo Lula (2003-2010), foram
implantados vários mecanismos institucionais para garantia de direitos à juventude, com
destaque para a Secretária Nacional de Juventude e o Conselho Nacional de Juventude, em
2005. Por meio da PEC 42/08, o termo Juventude foi incluso na Constituição Federal no art.
227, na seção de direitos, o que garantiu avanços significativos na construção de políticas
públicas para este segmento social. Assim, com os conjuntos de programas e projetos
entrando em vigor, para ser uma cidadania regulada, em uma proposta com o discurso
liberal e social-democrata. Seguindo essa lógica liberal, não se dialoga com as
especificidades das juventudes, concebida como um conjunto social necessariamente
diversificado, perfilando, desta forma, diferentes culturas, situadas em distintas situações
sociais. Diferentemente da perspectiva da Política Nacional de Juventude dos anos 2000,
que tentava dialogar com as especificidades.
Enquadrando os jovens em padrões específicos, numa ação educativa que não
contribui para reflexão da realidade, fortalecendo a adesão do sistema, uma vez que não se
problematiza o real. Ao mesmo tempo, enfraquece sua condição como cidadão. Ao
contrário, para os movimentos juvenis no campo da luta social, tem que se valorizar a
autonomia dos sujeitos político-sociais, em uma ação educativa que deve ser operada com
os jovens e não para os jovens, legitimando suas reinvindicações. Na visão de abertura, a
cidadania está ligada ao universo cultural que, como concepção de mundo, liberando os
jovens para outras oportunidades de trajetos e para conquistar novos direitos, em vez de
uma cidadania abstrata e estática, sugere-se uma cidadania fluida e empática (PAIS, 2005).
Os jovens enfrentam desafios para o engajamento na vida pública, porque há
diferentes visões nas relações intergeracionais, por ser um cenário político dominado por
“adultos” e regras impostas. Ora há um incentivo dessa participação, ora uma restrição, o
que colabora com a desvalorização do envolvimento em diferentes espaços. Segundo
Menezes e Costa (2012), podemos identificar certa ambiguidade de política no trato
geracional. Com isso, se quer dizer que a tradição representativa põe em questão ora uma
relação de rejeição do jovem como sujeito político significativo, ora uma relação de manejo
estratégico da identidade juvenil como capaz de agregar valor e potência ao candidato a
cargos eletivos. O próximo tópico faz esse diálogo sobre as práticas utilizadas como
resistência pelos grupos juvenis e como isso se dá na contemporaneidade.
2.2 Práticas de resistência: para além do convencional
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A relação da juventude com a política constitui-se num universo axiológico
marcado por uma multiplicidade de sentidos e estratégias, a partir disso apontamos uma
postura estética para compreender as práticas políticas juvenis. Estética aqui trabalhada a
partir do conhecimento sensorial, experiência sensível, sensibilidade, desvinculando-se da
estética como disciplina da filosofia ou do estudo do belo (CHAUÍ, 2006). Uma ação
específica só terá a forma política se ela tiver como proposta uma nova organização do
mundo sensível, em suas implicações da reconfiguração.
Compreendemos que as práticas políticas assumem lugares e formas múltiplas e
polimorfas na contemporaneidade que extrapolam os limites da política institucional,
entendemos que essas práticas caracterizam-se por ações que buscam instaurar o litígio na
tentativa de desnaturalizar as relações sociais no campo dos direitos humanos. A política é
trabalhada de forma dissenso, uma perturbação do sensível, uma modificação singular do
que é visível. O desnaturalizar as lógicas de dominação. Por meio do dissenso, a própria
ordem social que possibilita a dominação passa a ser colocada à prova.
O conceito de apropriação em Vygotsky apud Maheirie (2012), também auxilia
em nossa discussão, pois os processos psicológicos complexos constituem-se na medida
em que o sujeito se apropria de suas experiências e atribui sentido as práticas. Na
experiência, o sujeito se relaciona emocionalmente e interpreta um acontecimento que
ocorreu em seu contexto. Na experiência estética, o sujeito se envolve emocionalmente de
forma intensa com a situação pelo sentido que a mesma possui para ele, marcando sua
memória. Por meio da possibilidade de ser afetado pela dor e escassez, a estética dialoga
com a política na medida em que, por meio dela é possível abrir-se a novas sensibilidades.
Logo, podemos pensar que os jovens se engajam politicamente a partir da maneira de como
ele é afetado e vivencia os contextos coletivos, que os afetam nos âmbitos privados e
públicos. Os movimentos sociais utilizam bastante da estética de suas práticas, por meio de
linguagens, como expressam suas reivindicações, proporcionando, dessa forma, novos
modos de subjetivação.
O cenário contemporâneo tem se configurado por profundas transformações
econômicas, culturais e políticas, no entanto, tal atuação política tem se mostrado
diferenciada, principalmente, pelo modo como reivindicam as transformações. Ao longo da
última década (2000 – 2010), uma das principais contribuições dos “estudos da juventude”
foi ter ressaltado que os jovens não são apenas “cidadãos do amanhã em formação”, papel
esse a eles relegado pela instituição escolar, políticas da juventude e organizações da
sociedade civil, eles são atores importantes de nossas democracias, das sociedades e do
mundo. O ano de 2011 demonstrou em visão mundial a que ponto os jovens são atores
importantes de nossas sociedades. Eles tiveram um papel primordial nas revoluções árabes,
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iniciaram o movimento de 15 de maio na Espanha para denunciar uma “democracia sem
escolha”, ocuparam praças públicas na Europas e nas Américas. Do Chile ao Canadá,
organizaram mobilizações de estudantes. No México eles se opuseram à violência. Na
China fizeram greves para obter melhores condições de trabalho (MAHEIRIE, 2012).
Para isso, eles utilizaram formas de engajamento inspiradas no
altermundialismo, ou seja, com a disposição de pôr em prática uma democracia
participativa; o engajamento atrelado à subjetividade, à criatividade e à transformação de si,
à experiência e à experimentação. Segundo Pleyers (2012), a promoção de ocupações que
são ao mesmo tempo lugares de troca, resistência, expressão e experimentações de uma
democracia direta e horizontal.
Enfatizamos que as participações política dos jovens não se reduzem apenas
em aspectos visíveis e mediatizados. É, muitas vezes, longe dos refletores das mídias, na
escola e ou na família, no bairro e na localidade, que a maior parte dos jovens se engaja e
se torna ator de sua vida e de seu mundo, que eles se constroem como sujeitos e
experimentam a democracia. É então necessário distinguir que alguns jovens são seduzidos
por práticas inovadoras que dão margem à criatividade, à subjetividade e às redes, já outros
podem adotar práticas bastante clássicas. Devemos levar em consideração as emoções, as
subjetividades e a criatividades dos grupos juvenis, eles se opõem por meio da resistência
de suas experiências singulares.
No entanto, o engajamento e a participação social e política não permanecem
unicamente no ato da arte pela arte, na estética por si mesma. Porém, sobre a arte e a
estética como lugares de expressão de subjetividade voltados à afirmação de uma vontade
de ser ator protagonista, de afirmar-se como autor da sua própria história, principalmente,
afirmar o seu papel como ator político. Dessa forma, segundo Jeanson:
Capta-se que essas resistências se referem ao confronto e ao empecilho, em relação ao que está posto ou que virá a mudar. Entretanto, as resistências se mostram a favor de mudanças e/ou em preservação do status quo. Por meio de negações e afirmações, os jovens passam por etapas constantes de resistência (2009 p. 28).
Acerca das novas formas de resistir, os jovens mostram e marcam suas
intervenções nos espaços que dominam e circulam. Seus contextos são transformados.
Novas vivências são instauradas, surgindo formas de subjetivação, de reconhecimento
social. Essas intervenções expostas no espaço público promovem níveis diferentes de
reinvenção aos que por ela foram acometidos. Práticas que vão além da clássica recusa. Os
jovens resistem aos processos que os marginalizam e os equivalem, à submissão e sujeição
impostas. A resistência juvenil na contemporaneidade advém de sua afirmação como
sujeito, elevando suas singularidades e destacando suas diferença (ZANELLA, FURTADO,
ASSIS, BUENO, LEVITAN, 2012).
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Muito se discute acerca do distanciamento versus aproximação dos jovens nos
assuntos políticos. Mostra-se importante apontar novas formas de participação juvenil, além
do convencional. Na medida em que indigita o afastamento dos jovens dos assuntos de
cunho político, é necessário considerar a atual associação dos jovens em prol de pautas
equivalentes em relance à sua rejeição às estruturas normativas de atuação política. Apesar
dos jovens vivenciarem turbulências comuns da contemporaneidade para engajar-se à
política, estes se preocupam com a voz, a vez e a verdade, almejando diferenciar o que é
real e transformar o mundo e a si mesmo na mesma medida. Essa atuação juvenil na
política perpassa além da mera governança, encontrando seu espaço na luta por
emancipação, isonomia, justiça e garantia permanente de direitos. Entende-se que pensar
jovem e política carregam consigo uma obrigatoriedade proveniente da ideologia de
juventude revolucionária utópica, dotada de valor único e simétrico, removendo a
possibilidade de diferenciações. A política seria o espaço de renomear o que é normativo e
moral. Entretanto, é necessário compreender que os grupos juvenis passam a desenvolver
intervenções diferenciadas nos espaços que ocupam, definindo rotas próprias, alternativas e
novos arranjos em relação á política. Destarte, novas ações políticas juvenis são exercidas,
perpassando para além do institucional.
Destaca-se que as intervenções artísticas e culturais se mostram como
verdadeiros atos políticos e de resistência contra a visão que demanda igualar todos os
jovens, contrariando sua diversidade. Esses atos políticos desmontam-se como um
demarcatório de existência, de afirmação, uma denuncia ao que lhes é negado. As novas
intervenções estéticas promovem ao jovem o direito de se resignificar, demonstrando as
micropolíticas e compreensões entranhadas na juventude (ZANELLA, FURTADO, ASSIS,
BUENO, LEVITAN, 2012).
Abramo (1994) compreende que essas novas formas de articulação juvenil
devem ser compreendidas como movimentos críticos em relação à atual sociedade. Nesse
novo movimento, as juventudes intervêm na sociedade com exposições nos espaços
públicos, levantando suas questões e destacando suas marcas e experiências. Por se
destacar como diferente, o modo de participação nas questões políticas evidencia uma
crítica à participação tradicional, sugerindo novas formas de inserção e organização nas
questões públicas, com teor contestatório e cultural.
O desenvolvimento cultural dos jovens concebem a construção de um projeto
pessoal identificador, seu pertencimento e reconhecimento, na sociedade, na qual
atividades culturais determinam um laço entre o jovem e o meio social. Estreia-se um
espaço onde as problemáticas se tornam movimentos que instituem a juventude.
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Compreende-se que a cultura torna-se via de expressão de modos de resistência, vista
como caminho de problematizar e alternar as formas convencionais de vivência.
O que motiva esses jovens a atuarem em prol de bandeiras e lutas? Pode-se
destacar a necessidade da luta por espaço e manifestações públicas, a contrariedade sobre
o autoritarismo Estatal acerca das práticas juvenis, dotados de preconceitos, as
desigualdades impostas sobre o gênero e pela sociedade patriarcal em todos os espaços.
Tais contestações sociopolíticas juvenis são contrários ao modelo de sociedade no qual o
jovem não pode intervir. E dentre outras razões, os jovens se inserem nas lutas em prol de
reconhecimento acerca de suas vivências e suas culturas juvenis (PAIS, 2003).
3. CONCLUSÃO
Grupos juvenis destacam-se pelo protagonismo, novos espaços surgem para
aparições públicas e ocupações, montando uma legitimação na sociedade antes
desconhecida, elaborando novos contornos sobre ser e agir. Breves formas de resistir
estreiam maneiras de diferenciar a cidade e torná-la mais próxima, quebrando a opressão e
o silêncio, afirmando a existência. A ocupação dos jovens renova as formas de habitar e
viver a cidade, em contra posição aos mecanismos de controle. A relação dos jovens com a
cidade se demonstra como a base da atividade juvenil. Essa relação evidencia-se como
intima e inseparável, afundada no mais intrínseco dos sujeitos e dos espaços. Esses jovens
apropriam-se do espaço e remontam-se em resposta às mudanças interventoras
desenvolvidas na área (ZANELLA, FURTADO, ASSIS, BUENO, LEVITAN, 2012).
Mesmo que as políticas públicas voltadas para os jovens tenham crescido, eles
continuam invisíveis e obscurecidos por uma sensação de que faltam instrumentos e formas
de serem vistos e escutados. Não se trata apenas de uma preocupação em relação à
participação política dos jovens, mas sim de que forma essa participação é tratada e levada
adiante.
Salientando a relação ambígua do Estado com os jovens militantes políticos,
considera-se que na medida em que parcerias são traçadas, o Estado também se mostra
como um obstáculo de acessos às determinadas questões pelas quais as juventudes tanto
clamam. Por essas vias, as políticas públicas e os equipamentos dispostos nas áreas de
lazer e cultura na cidade não atingem todos (as) os (as) jovens.
Para que existam mudanças na cultura política brasileira, é imprescindível a
participação dos diferentes segmentos sociais, com ênfase nos contextos institucionais nos
quais estamos presentes desde os primeiros anos de nossas vidas, a exemplo de escolas,
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famílias, comunidades, associações civis. Ao considerar as experiências identificatórias
significativas no campo da participação social ampliada colaboram para ativar o senso de
coletividade e as decisões que são tomadas no espaço institucional/governamental. É
possível ser jovem na contemporaneidade de um modo mais livre e menos enquadrado, no
qual se questiona o roteiro traçado pelo mundo adulto e pela lógica capitalista. O direito dos
jovens expressarem-se através de diferentes linguagens e a oportunidade de conhecer
outras abordagens culturais, o incentivo em criar, produzir o novo. Nesse sentido, os
movimentos juvenis afirmam as dimensões existenciais que são cotidianamente
invisibilizadas pelo social, que valoriza apenas o roteiro capitalista, meritocrático,
individualista e disciplinador.
A teoria social vem superando a concepção de que a militância e o caráter
revolucionário nascem juntamente com a juventude. Contudo, a ideia da participação política
ainda é um imperativo na articulação juventude e sociedade.
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