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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Kátia Aparecida Mangone
Prequestionamento e Questões de Ordem Pública
no Recurso Extraordinário e no Recurso Especial
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2010
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Kátia Aparecida Mangone
Prequestionamento e Questões de Ordem Pública
no Recurso Extraordinário e no Recurso Especial
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Processual Civil, sob a orientação do Professor Doutor Cassio Scarpinella Bueno
SÃO PAULO
2010
Banca Examinadora
_________________________________
_________________________________
_________________________________
Ao Professor
Dr. Cassio Scarpinella Bueno, por
toda a atenção dedicada na
elaboração deste trabalho.
Agradecimentos:
Ao Senhor Deus, porque “é o meu
pastor, nada me faltará” e “guia-
me pelas veredas da justiça, por
amor do seu nome” (Sl 23: 1 e 3).
Aos Professores Dra. Teresa
Arruda Alvim Wambier e Dr.
William Santos Ferreira pelas
sugestões na qualificação.
À minha família, pela dedicação,
paciência, educação, cooperação e
amor em todos os momentos.
Ao pequeno João Vitor, sobrinho e
afilhado querido e tão esperado,
pela alegria de seu sorriso.
Aos meus Professores, com a
minha gratidão pela minha
formação.
À CAPES, pela bolsa flexibilizada
concedida durante a elaboração do
presente trabalho.
“(...)
Cuando se ha tenido
a la vista la larga serie
de apuntos y estudios de artistas
como Leonardo, como Durero,
como Rodin;
o cuando se sigue el extenso
derrotero de ciertas fórmulas
de laboratorio,
se comprende la profunda
intimidad esencial de la
ciencia y del arte.
El estudio o apunte del artista
y del científico,
constituyen otras tantas
instancias de su propia vida.”
(Eduardo J. Couture, 1947)
VII
Kátia Aparecida Mangone
Prequestionamento e questões de ordem pública
no Recurso Extraordinário e no Recurso Especial
RESUMO
O presente trabalho examina o prequestionamento e,
principalmente, analisa se questões de ordem pública poderiam ser conhecidas no
julgamento de Recursos Extraordinários para o Supremo Tribunal Federal e Recursos
Especiais para o Superior Tribunal de Justiça.
Primeiramente, é estudado o Modelo Constitucional desses
Recursos Extraordinário e Especial, falando sobre a história dos Tribunais Superiores e
como esses recursos surgiram e foram definidos pelas Constituições Federais
Brasileiras.
A teoria geral dos Recursos Extraordinários é analisada com
seus requisitos de admissibilidade. Os efeitos devolutivo e translativo são estudados
para mostrar que Recursos Extraordinário e Especial não possuem este último.
A idéia da motivação completa da decisão é um tópico
importante do trabalho. O recurso de Embargos de Declaração é estudado neste
contexto. A preclusão, definição e exemplos de questões de ordem pública também são
examinados.
Foi possível, depois deste trabalho, verificar que as regras
constitucionais devem ser observadas e elas determinam que deve existir “causa
decidida” sobre o tema na decisão recorrida. O conhecimento das questões de ordem
pública pelos Tribunais Superiores depende disso, porque a Constituição não faz
exceções.
A função e a finalidade do Supremo Tribunal Federal e do
Superior Tribunal de Justiça, os objetivos do Recurso Extraordinário e do Recurso
Especial, seus requisitos e a importância da interpretação uniforme da Constituição
Federal e das Leis Federais são tópicos aos quais especial enfoque foi dado.
PALAVRAS-CHAVE: prequestionamento; causa decidida; questões de ordem
pública; Recurso Extraordinário; Recurso Especial; Supremo Tribunal Federal;
Superior Tribunal de Justiça.
VIII
Kátia Aparecida Mangone
“Prequestionamento” and matters of public order at the Extraordinary Appeal
and the Special Appeal
ABSTRACT
The present work examines the “prequestionamento” and,
principally, analyses if matters of public order could be known in the judgement of
Extraordinary Appeals to the Supreme Court and Special Appeals to the Superior Court
of Justice.
Firstly, it is studied the Constitutional Model of these
Extraordinary and Special Appeals, talking about the history of the High Courts and
how these appeals came out and were defined by the Brazilian Federal Constitutions.
The general theory of the Extraordinary Appeals is analysed
with its requirements of admissibility. The devolutive and transferable effects are
studied to show that Extraordinary and Special Appeals do not have the last one.
The idea of the complete motivation of the decision is an
important topic of the work. The appeal of requesting clarification of a decision is
studied in this context. The preclusion, definition and examples of matters of public
order are examined too.
It was possible, after this work, to verify that the constitutional
rules must be observed and they determine that it must exist “decided cause” about the
issue at the appealed decision. The knowledge of matters of public order by the High
Courts depends on it, because the Constitution does not make exceptions.
The function and the purpose of the Supreme Court and the
Superior Court of Justice, the objectives of the Extraordinary Appeal and the Special
Appeal, their requirements and the importance of the uniform interpretation of the
Federal Constitution and the Federal Laws are topics to which special focus was given.
KEYWORDS: “prequestionamento”; decided cause; matters of public order;
Extraordinary Appeal; Special Appeal; Supreme Court; Superior Court of Justice.
IX
ABREVIATURAS
AgRg – Agravo regimental
AI – Agravo de instrumento
ampl. – ampliada
art. – artigo
arts. – artigos
atual. - atualizada
CC – Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de
11/09/1990)
CE – Corte Especial
CF – Constituição Federal
CPC – Código de Processo Civil (Lei n. 5.869, de 11 de janeiro
de 1973)
Des. – Desembargador
DJ – Diário da Justiça
DJe – Diário da Justiça Eletrônico
EC – Emenda Constitucional
EDcl – Embargos de Declaração
EREsp – Embargos de Divergência em Recurso Especial
ed. – edição
inc. – inciso
j. – julgado
LC – Lei Complementar
Min. – Ministro
n. – número
org. – organizador
X
p. – página
RE – Recurso Extraordinário
reform. – reformulada
rel. – relator
REsp – Recurso Especial
rev. – revista
RISTF – Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
RISTJ – Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
Súm. – Súmula
TJ – Tribunal de Justiça
TRF – Tribunal Regional Federal
v. – volume
v.u. – votação unânime
tir. – tiragem
XI
SUMÁRIO
RESUMO VII
ABSTRACT VIII
ABREVIATURAS IX
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO I – MODELO CONSTITUCIONAL DOS RECURSOS
EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL 5
1. O recurso extraordinário 5
2. O recurso especial 17
3. As Cortes de Cassação, o STF e o STJ 23
CAPÍTULO II – TEORIA GERAL DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS 35
1. Considerações iniciais 35
2. Juízo de admissibilidade 41
3. Juízo de mérito 49
4. Efeitos dos recursos extraordinários 52
4.1. Efeito devolutivo 52
XII
4.1.1. Extensão e profundidade do efeito devolutivo 58
4.2. Efeito translativo 62
4.3. Efeito suspensivo 66
4.4. Efeito expansivo 67
4.5. Efeito substitutivo 69
4.6. Interposição do recurso: conseqüências 69
CAPÍTULO III – PREQUESTIONAMENTO 71
1. Considerações iniciais 71
2. Conceito 79
3. Existem graus de prequestionamento? O prequestionamento explícito,
implícito e ficto 91
4. Prequestionamento e embargos de declaração 103
4.1. Error in judicando e error in procedendo 118
5. Prequestionamento e terceiro recorrente 123
CAPÍTULO IV – QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA 127
1. Considerações iniciais 127
2. Questões de ordem pública precluem após serem analisadas pelo juiz?
135
2.1. Preclusão 139
3. O contraditório e as questões de ordem pública 145
4. Questões de ordem pública de direito processual 153
5. Questões de ordem pública de direito material 158
XIII
CAPÍTULO V – QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO E NO RECURSO ESPECIAL 163
1. Considerações iniciais 163
2. Entendimento jurisprudencial do STF e do STJ 164
2.1. Panorama jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal 164
2.1.1. Primeira Turma 165
2.1.2. Segunda Turma 167
2.2. Panorama jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça 169
2.2.1. Primeira Turma 170
2.2.2. Segunda Turma 177
2.2.3. Terceira Turma 183
2.2.4. Quarta Turma 184
2.2.5. Quinta Turma 187
2.2.6. Sexta Turma 189
3. Panorama doutrinário 191
4. Considerações críticas 207
5. Súmula 456 do Supremo Tribunal Federal 211
5.1. Estudo dos precedentes 211
5.2. Aplicação da Súmula 456 do STF 213
5.2.1. Súmula 456 do STF, regras constitucionais e
princípios 228
CONCLUSÃO 235
REFERÊNCIAS 239
SITES CONSULTADOS 254
1
INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre a necessidade ou não do
prequestionamento, exigido como requisito para o cabimento do recurso extraordinário
e do recurso especial, de questão de ordem pública, temática sobre a qual não há
orientação unânime na doutrina e na jurisprudência.
Analisar-se-á o modelo constitucional dos recursos
extraordinário e especial a partir de um breve histórico sobre o Supremo Tribunal
Federal e o Superior Tribunal de Justiça. A “causa decidida” (questão do
prequestionamento) será estudada, assim como o fato de o Supremo Tribunal Federal e
o Superior Tribunal de Justiça não serem órgãos de revisão, mas de sobreposição.
Previamente à discussão central do trabalho, serão examinados
a teoria geral dos recursos focada aos recursos extraordinário e especial, a questão da
fundamentação vinculada e livre dos recursos e os efeitos dos recursos extraordinários,
em especial os efeitos devolutivo e translativo. Abordar-se-ão os efeitos dos recursos,
suas hipóteses de cabimento e, de uma forma geral, os pressupostos recursais atinentes
ao tema, tanto os genéricos quanto os específicos, de aplicação restrita a esses recursos.
Dentre os pressupostos, o prequestionamento será enfocado. O prequestionamento de
matérias que já tenham sido decididas que versem sobre lei federal ou a Constituição
Federal é requisito para a interposição dos recursos especial e extraordinário,
respectivamente.
2
Será analisada a importância dos embargos de declaração para
que a decisão esteja completamente fundamentada e, desta forma, evitar a ausência de
prequestionamento de determinada matéria.
A pesquisa envolverá o enfoque de trabalhos doutrinários
nacionais e estrangeiros, bem como a orientação de Tribunais Superiores acerca dos
temas abordados. É necessário observar o entendimento jurisprudencial do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça para robustecer o estudo dos
recursos destinados aos Tribunais Superiores do Brasil.
A proposta do trabalho é a verificação da necessidade de que a
matéria esteja decidida pela decisão recorrida para o conhecimento do recurso especial
e do recurso extraordinário e a sua exigência ainda que os recursos versem sobre
questões de ordem pública. O contexto do presente trabalho refere-se apenas ao
julgamento de recursos extraordinário e especial, tendo em vista que o Supremo
Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça têm competências mais amplas, como
se extrai da Constituição Federal.
Será examinado o instituto da preclusão, bem como o
contraditório e a sua implicação quanto às matérias de ordem pública. Além disso,
estudar-se-á a Súmula 456 do STF, com base em seus precedentes e analisando a sua
aplicação, inclusive frente a regras constitucionais e princípios.
A dissertação abrangerá diversos temas cujo núcleo central
refere-se ao prequestionamento nos recursos excepcionais. O objetivo dessa pesquisa é
verificar as situações e como os recursos devem ser manejados, a partir do estudo das
teorias existentes e o entendimento jurisprudencial sobre a matéria, demonstrando a
importância do tema em apreço. Demonstra-se a relevância do estudo pela ausência de
posição pacífica sobre a matéria tanto doutrinária, quanto jurisprudencial.
3
Toda ciência tem objeto e métodos (formas de visualizar-se um
objeto de estudo, de investigação). São necessárias objetividade e exatidão no estudo
em voga. O Direito será concebido como sistema, conferindo-lhe coerência em sua
totalidade para uma pretensão de cientificidade. Propõe-se a visão do sistema jurídico
como um todo, em que deve haver coerência, retro-integração. Deve ser interpretado,
possui utilidade para ter aplicação, integrando o ramo do campo de conhecimento de
Ciência Social aplicada.
5
CAPÍTULO I
MODELO CONSTITUCIONAL
DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL
Em todos os Estados civilizados, representa problema de política constitucional e problema de técnica legislativa constitucional, da mais alta importância, ligado a outros tantos problemas de política e de legislação administrativa, o de eficaz e correta administração da justiça. Para se assegurar a exata aplicação do direito objetivo, não basta conjunto de boas regras de direito processual; é de mister a criação de certas vias de recursos, que permitam a apreciação da lei pelos tribunais (Pontes de Miranda).1 2
1. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO
O regime federativo foi adotado com a implantação da
República em 1889. Como conseqüência da federação, tornou-se necessário criar um
recurso com a finalidade de preservar a legislação federal em sua inteireza e
uniformidade na aplicabilidade no território nacional. No Brasil, foi sempre conhecido
1 MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a emenda n. I, de 1969. 2. ed. rev. São Paulo: RT. 1970. Tomo IV, p. 91. 2 Conforme Nelson Nery Junior, quando se estabelece nova ordem jurídica em determinada sociedade, a preocupação dos que assumem o poder é extirpar todo e qualquer resquício restante da ordem jurídica anterior. Após a Revolução Francesa, os então detentores do poder viam no recurso forma de elitismo, onde os juízes dos tribunais superiores seriam uma espécie de casta com poderes de mando sobre os magistrados de primeiro grau. Os opositores do duplo grau já assim se manifestavam quando da Assembléia nacional Constituinte, instalada logo em seguida da Revolução Francesa. Foram os próprios romanos que, sentindo a necessidade de haver novo julgamento sobre a causa já decidida, instituíram o duplo grau no principado, após o período inicial do procedimento no direito romano clássico, em que era negado o exercício do direito de recorrer (Teoria geral dos recursos. 6. ed. atual., ampl. e reform. São Paulo: RT. 2004, p. 37-38). A Constituição Federal de 1988 prevê no art. 5º, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
6
como recurso extraordinário, não constando a nomenclatura na Constituição de 1891,
porém surgindo via Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, de 1891.3
Constava do Regimento Interno de 1891 da Corte Suprema, no
Capítulo VII “Dos Recursos Extraordinarios das sentenças definitivas das Justiças dos
Estados e do Distrito Federal”, art. 102: “No julgamento destes recursos, o Tribunal
verificará preliminarmente si o julgado recorrido se comprehende em alguma das
espécies definidas nos artigos da Constituição e do Decr. n. 848 a que se refere o art. 99
deste capítulo (...).”4
Carlos Maximiliano, ao fixar os limites do direito ao recurso
extraordinário, cita que, antes de se reunir a Constituinte, o Governo Provisório
organizou a Justiça Federal, por meio do Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890. Ao
comparar o teor do parágrafo único do art. 9º do Decreto n. 8485 com o art. 59, § 1º, do
estatuto fundamental, concluiu-se que a letra c daquele não foi aproveitada neste
último.6
3 LIMA, Alcides de Mendonça. Recurso extraordinário e recurso especial. Revista de Processo, n. 57/132, Jan.-Março 1990, p. 132. É interessante citar observação de Alcides Mendonça de Lima em outro trabalho, no qual menciona, quando da origem do recurso extraordinário na Constituição Federal de 1891, que se tratava de época “em que era ampla a competência legislativa dos Estados, inclusive para elaborarem os Códigos de Processo – Civil e Comercial, e Penal, como vários o fizeram” (O recurso extraordinário na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo, n. 56/21, Out.-Dez. 1989, p. 34). 4 Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/biblioteca/RegimentoInterno/RI1891/1891.pdf>. Acesso em: 24 de Julho de 2009, 19:00. 5 Decreto n. 848/1890: “Art. 9º Compete ao Tribunal: Paragrapho único. Haverá tambem recurso para o Supremo Tribunal Federal das sentenças definitivas proferidas pelos tribunaes e juizes dos Estados: a) quando a decisão houver sido contraria á validade de um tratado ou convenção, á applicabilidade de uma lei do Congresso Federal, finalmente, á legitimidade do exercicio de qualquer autoridade que haja obrado em nome da União - qualquer que seja a alçada; b) quando a validade de uma lei ou acto de qualquer Estado seja posta em questão como contrario á Constituição, aos tratados e ás leis federaes e a decisão tenha sido em favor da validade da lei ou acto; c) quando a interpretação de um preceito constitucional ou de lei federal, ou da clausula de um tratado ou convenção, seja posta em questão, e a decisão final tenha sido contraria, á validade do titulo, direito e privilegio ou isenção, derivado do preceito ou clausula.” Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1851-1899/D848.htm>. Acesso em: 26 de Novembro de 2009, 15:40.6 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição Brasileira. 4. ed. atual. Rio de Janeiro: Livraria Editora Freitas Bastos. 1948. v. II. p. 358.
7
Conforme o Conselheiro Cândido de Oliveira, quando a
Constituição de 1891 determinou no art. 59, n. 3, § 1º, que as sentenças proferidas pelas
autoridades judiciais dos Estados ficariam sujeitas à reforma pelo Supremo Tribunal
Federal, sempre que se questionasse sobre a validade ou aplicação das leis federais e a
decisão local fosse contra ela, o legislador teve em vista precaver-se contra as demasias
do regime federativo, cujas primeiras manifestações iam quase comprometendo a
unidade nacional.7
A Lei 221, de 1894, denominou esse recurso de apelação,
tendo, posteriormente, a Lei n. 1939, de 1907, alterado seu nome para recurso
extraordinário. Esse nome foi definitiva e constitucionalmente adotado a partir da
Constituição de 1934 (art. 76, “2”, III).8
Pontes de Miranda aduz que o recurso extraordinário penetrou
no direito brasileiro com a República federativa. Prende-se à necessidade de se
assegurar, em todo o território e em todas as dimensões do ambiente jurídico nacional, a
7 Conforme o Conselheiro Cândido de Oliveira: “Cabe, entre nós, a funcção moderadora ao Supremo Tribunal Federal. Si a alta Corte não póde, como outr’ora o Tribunal do Imperio, por meio de revista, derruir os julgamentos eivados de injustiça notoria ou manifesta nullidade, - cumpre-lhe, todavia, manter a integridade da these da lei nacional, revogando opportunamento as decisões judiciaes em que a mesma lei tenha sido violada ou não applicada. O recurso extraordinario é a formula, mediante a qual se manifesta a salutar intervenção. A caracteristica do instituto advem da sua propria noção. Se, de acôrdo com o art. Iº do Regulamento n. 9, de II de Fevereiro de I838, outr’ora ‘as Relações revisoras se consideravam plena e perfeitamente substituidas ás outras Relações, tribunaes, corpos collegiaes e juizes singulares – para o fim de julgarem as causas, á vista do que achassem allegado e provado nos autos, como se por taes Relações, tribunaes, corpos collegiaes e juizes singulares nunca tivessem sido julgadas’, se ainda os casos de manifesta nullidade só obedeciam ao criterio affirmado na carta de lei de 3 de Novembro de I769, §§ 2º e 3º, actualmente a attribuição funccional vem diversamente apontada na Constituição, no Regimento do Supremo Tribunal e nas leis complementares, votadas depois do Estatuto Fundamental”. (...) “Instituto novo, ainda não direitamente aclimado em nosso meio judiciario, o recurso extraordinario se é uma poderosa valvula de segurança da União contra os desvarios da excessiva descentralização, seria, por sua vez, fonte de grandes perigos, se longe de representar uma fórmula de defesa, se tornasse um instrumento de oppressão” (Algumas notas sobre o Recurso Extraordinário. Rio de Janeiro: Livraria Jurídica da Associação Defensora dos Proprietários. 1910, p. 5-7 e 44, grifos próprios do autor). 8 PINTO, Nelson Luiz. Recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (Teoria geral e admissibilidade). 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros. 1996, p. 43. A citação da previsão do recurso extraordinário nas diversas Constituições Brasileiras encontra-se no item 1, Considerações iniciais, do Capítulo III, que trata do prequestionamento.
8
aplicação uniforme da lei federal. Afirma não ser possível dizer que seja inerente ao
regime federativo, porque não é impossível o Estado federal com unidade de Justiça,
nem tampouco o Estado unitário com a Justiça múltipla. Ele nos veio dos Estados
Unidos da América, onde o criou o Judiciary Act de 1789. Ingressou no Brasil como
recurso “constitucionalizado”, independente de qualquer legislação ordinária. As leis
processuais somente podem regular a forma, assim como o pressuposto de tempo para o
recurso.9
Em conformidade com José Afonso da Silva, controverteu-se a
respeito da origem do recurso extraordinário. Diz que alguns viram sua fonte mais
remota na Suplicação do Direito antigo português e sua fonte próxima na Revista, a
qual, no Direito brasileiro pré-republicano, interpunha-se em caso de nulidade ou
injustiça notória, para o então Supremo Tribunal de Justiça (foi extinto pelo Decreto n.
1.030, de 14/11/1890). Afirma que não se pode negar certa afinidade entre o recurso
extraordinário e aqueles recursos e poderia ser uma evolução deles. Entretanto, assim
não se deu. O autor sustenta que nos termos em que o recurso extraordinário entrou na
legislação nacional, reconhece-se, nitidamente, sua filiação ao Direito saxônico, através
do writ of error dos americanos. Na época, complementa o autor, as instituições
americanas constituíram-se em modelo para as brasileiras. “Transplantou-se o recurso,
mas não se podia transplantar uma tradição jurisprudencial e doutrinária que, na
América do Norte, lhe dera base segura e aprimorada para a Federação americana”.
Conclui que, como sempre acontece quando se adota técnica existente em sistema
cultural diferente, o recurso sofreu os “azares da incompreensão” o que não ocorreria se
proviesse de uma evolução da revista. Houve transporte mecânico e material das normas
9 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit., p. 82-83.
9
do recurso extraordinário, do writ of error, sem a adaptação natural e reelaboração
psicológica “por se ter esquecido de que o Direito é um fenômeno de cultura”.10
Pedro Lessa aduz que, na essência, o recurso extraordinário
brasileiro é idêntico ao writ of error dos norte-americanos. Afirma que a diferença de
um e outro consistia na competência pela Constituição norte-americana aos Estados
legislar sobre o direito civil, comercial, penal, enquanto que essa atribuição entre nós é
conferida ao Congresso Nacional. Assim, maior há de ser necessariamente, para o autor,
o número de casos em que tal recurso pode e deve ser interposto, pois sua função no
Brasil consiste em manter a autoridade da Constituição e de algumas leis federais –
competência do Supremo à época em que o autor escreveu – e conseqüentemente a
unidade do direito civil, comercial, penal em todo o território da União.11
Carlos Maximiliano, em 1948, ao comentar a Constituição da
época, afirma que o Recurso Extraordinário muito se assemelha ao norte-americano writ
of error, posto que tenha maior amplitude em se tratando de causas oriundas de foro
regional. Esclarece que lá os Estados decretam o Direito Substantivo, em relação a eles
o remédio judiciário assegura a exegese uniforme da Constituição apenas; aqui ele
10 Conforme José Afonso da Silva, “Com efeito, no Direito inglês havia vários recursos que se interpunham para vários graus de jurisdição, à busca sempre da verdade jurídica real. Entre esses recursos, havia o recurso de erro (Writ of error) destinado a corrigir erros de direito de uma côrte inferior; o Writ of error era um ato do rei, ordenando a revisão de um julgamento por causa de um êrro; depois, tornou-se um recurso contra qualquer alegado êrro nos processos de uma côrte de record (côrtes que registravam os autos do processo). Para corrigir êrro de fato, havia, no direito inglês, o Writ of attaint,com que se pleiteava novo exame da causa. (...) o Writ of error entrou na legislação americana, onde, com a organização da Federação em 1787, se transformou em instrumento de unidade do Direito federal e, sobretudo, de manutenção da supremacia da Constituição Federal americana. (...) Assim é que o Writ of error dos inglêses, que tinha como função primordial corrigir erros de direito em favor da parte prejudicada, obteve nos Estados Unidos, nova missão – a de sustentar a supremacia da Constituição e a autoridade das leis federais, em face das justiças dos Estados-membros” (Do Recurso Extraordinário no Direito Processual Brasileiro. São Paulo: RT. 1963, p. 26-31).11 De acordo com Pedro Lessa: “Eis o recurso, denominado extraordinario, denominação que, depois de algumas objecções e resistencias, foi geralmente acceita, e actualmente está consagrada (1), e se justifica; porquanto, revela bem a principal differença entre este recurso, que se interpõe de uma justiça para a outra e em casos especiaes e muito limitados, e os recursos ordinarios de que na mesma justiça, e num grande numero de casos, se utilisam os litigantes para o fim de obter a reforma das decisões da instancia inferior pela superior.” “(1) Artigo 24 da lei nº 221, de 1894” (Do Poder Judiciário. 2º milheiro. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves. 1915, p. 103 e 104, in Coleção História Constitucional Brasileira. Prefácio de Roberto Rosas. ed. fac-similar. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial. 2003).
10
colima a unidade da jurisprudência em geral. Com relação ao direito francês, o autor
expõe que, na França, o recurso é denominado de Cassação, porque o tribunal cassa a
decisão inferior e ordena que, no mesmo pretório ou em outro, decida-se novamente o
feito. Afirma que a Itália importou da França, ampliado pela jurisprudência liberal e
progressista, o recurso extraordinário de Cassação. O recurso em questão não pode
versar sobre questão de fato, porém sobre questão de direito. “Portanto, alí, como no
Brasil, não há soberania das decisões locais senão em matéria de fato; quanto ao Direito,
todos os tribunais do país se acham subordinados ao Supremo, e êste á magestade única
da lei.”12
Conforme Pontes de Miranda, no sistema francês de cassação,
veda-se a cognição do fundo dos litígios, de forma que o exame dos fatos (ainda mais: o
exame do fundo) volta aos tribunais, que dele devem conhecer. Aduz que, no sistema
britânico, à época, o reexame é in facto e in iure, muito embora haja casos em que,
excepcionalmente, a apreciação seja só de direito. Leciona que a Constituição dos
Estados Unidos da América não cogitou do recurso extraordinário, do writ of error, no
tocante às decisões das Justiças locais e à competência da Supreme Court. Foi o
Judiciary Act de 1789, legislação ordinária, art. 25, com modificações constantes das
leis posteriores (1867 e 1875), que estabeleceu o recurso para a Corte Suprema,
conforme se verifica na consolidação das leis americanas e na prática dos tribunais. O
legislador norte-americano resolveu o problema técnico de se limitar a Supreme Court
ao exame de direito ou de se lhe permitir o exame in iure e in facto, no sentido de haver
certa discrição por parte da própria Supreme Court: “‘pode’ ela reformar, modificar, ou
12 MAXIMILIANO, Carlos. Op. Cit., p. 376 e 378.
11
confirmar a sentença, ou decisão do tribunal estadual, e abrir a execução, ou ordenar a
volta do processo ao tribunal recorrido”.13
É interessante mencionar que o writ of error, que vinha do
common law, foi retirado da Lei Orgânica do Judiciário federal norte-americano em
1928.14
Leda Boechat Rodrigues afirma que com a transplantação, para
o Brasil, do regime federativo e do princípio da supremacia do poder judiciário pela
prerrogativa concedida a este de declarar a inconstitucionalidade das leis e dos atos do
executivo, nasceu e floresceu no Brasil o prestígio incomparável da mais típica e
original das instituições americanas: a Corte Suprema dos Estados Unidos e sua
influência nas decisões do Supremo Tribunal Federal. Cita o art. 387 do Decreto n. 848,
de 11 de outubro de 189015.16
Quanto à interpretação da Constituição norte-americana pela
Suprema Corte dos Estados Unidos da América, as tendências ideológicas da Suprema
Corte, na visão de Charles A. Beard, têm sido um dos grandes problemas de cada
geração norte-americana. O autor se concentra em apurar porque o debate sobre a
13 “ ‘The Supreme Court may reverse, modify, or affirm the judgement or decree of such state court, and may, at their discretion, award execution, remand the same to the court from which it was removed by the writ’ ”. Conforme Pontes de Miranda: “A Supreme Court tem sido assaz prudente, evitando, de regra, passar, no exame dos fatos. Observe-se que o texto norte-americano deixou claro que o interêsse não era só o da perfeita interpretação da Constituição federal e das leis federais, ou da salvaguarda da autoridade da legislatura federal, constituinte ou ordinária; porque, se êsse fôsse o interêsse único, bastaria o exame in iure, segundo o sistema da Cassação francesa. No choque entre a tradição inglêsa, filtrada no cérebro dos antigos colonos inglêses, e as exigências de construção apriorística que atendesse à dualidade das justiças, o legislador norte-americano de 1789 cedeu àquela. Não parou no exame in iure” (Op. Cit., p. 92-94). 14 Segundo Adhemar Ferreira Maciel “Se a federal question não chegasse à Suprema Corte por meio de writ of appeal, poderia, quando considerada de imperative public importance pela Corte, ser excepcionalmente guindada por meio do writ of certiorari” (Recurso extraordinário: raízes. Revista de Direito Renovar, n. 1/2, Set.-Dez 1995, p. 8).15 “Os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regem as relações jurídicas na República dos Estados Unidos da América do Norte, os casos de common law e equity, serão também subsidiários da jurisprudência e processo federal.” 16 RODRIGUES, Leda Boechat. O Direito Constitucional Americano. Rio de Janeiro: Forense. 1958, p. 11 e 13.
12
competência “revisionista” do Judiciário (no plano federal e estadual) é um debate
crônico do diálogo político, observando que, em cada geração, não é o mesmo debate.17
Alcides Mendonça de Lima afirma que para o fim de cúpula do
Poder Judiciário, teve de ser instituído juízo próprio e especial para julgar o recurso
extraordinário. Assim, surgiu o Supremo Tribunal Federal que difere do Supremo
Tribunal de Justiça do Império, cuja competência principal era a de “‘conceder ou
denegar revista nas causas e pela maneira que a lei determinar’ (Const. Política do
Império, art. 164, I).18 A ‘revista’ mencionada não era o recurso com igual nome do
Código de Processo Civil de 1939 e cancelado pelo de 1973”. A respeito dos recursos
extraordinário e especial afirma que ambos se completam no fim de resguardar a ordem
jurídica, “o extraordinário, em plano mais elevado, e o especial, restrito à legislação
federal”.19
17 BEARD, Charles A. A Suprema Côrte e a Constituição. Tradução de Paulo Moreira da Silva. Traduzido de The Supreme Court and the Constitution. Rio de Janeiro: Forense. 1965, p. 20. 18 Constituição do Império de 1824: “Art. 163. Na Capital do Imperio, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Provincias, haverá tambem um Tribunal com a denominação de - Supremo Tribunal de Justiça - composto de Juizes Letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o Titulo do Conselho. Na primeira organisação poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daquelles, que se houverem de abolir. Art. 164. A este Tribunal Compete: I. Conceder, ou denegar Revistas nas Causas, e pela maneira, que a Lei determinar.”19 LIMA, Alcides de Mendonça. Recurso extraordinário e recurso especial. Revista de Processo, n. 57/132, Jan.-Março 1990, p. 133 e 139. Em outra oportunidade, lecionou Alcides de Mendonça Lima, “Dos julgamentos (recursos e competência originária – ação rescisória e alguns mandados de segurança) dos Tribunais de Justiça ou, onde houver, dos Tribunais de Alçada (fixando apenas a Justiça Estadual comum, como exemplo), tradicionalmente, desde a Constituição de 1891, cabia o chamado recurso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal. Seu fim era o de preservar a integridade da Constituição Federal e da legislação federal, nos casos mais comuns de sua pertinência. Mas a crise ascencional do Supremo, paulatinamente, foi determinando normas restritivas ao cabimento, a partir da Emenda 7, de abril/77, ao texto da Constituição Federal de 1977. Foi outorgada esdrúxula competência ao Pretório Excelso para, no seu Regimento Interno, legislar sobre direito processual. Usada a faculdade da inusitada regra, o Supremo alterou seu Regimento Interno e, sucessivamente, passou a admitir somente aquele recurso, precipuamente, ‘nos casos de ofensa à Constituição Federal’, nas causas em geral, salvo nas expressamente arroladas naquele texto (art. 325, I a XI). O antigo requisito, ‘negar vigência a tratado ou lei federal’, até então muito invocado, foi excluído. A tendência era tornar o Supremo apenas corte constitucional, como seu padrão norte-americano, ponto de vista que sustentamos em artigo escrito, a convite, ao ensejo dos 150 anos de Corte, pela OAB do Distrito Federal (1980). A criação, em 1947, do Tribunal Federal de Recursos não aliviou a tarefa conspícua do Supremo, embora a diminuísse. Mas não havia, desde então, Tribunal intermediário entre as justiças estaduais e o Supremo, drenando a remessa dos casos à Altíssima Corte.
13
A respeito da Emenda Constitucional n. 1/69, que deferiu ao
STF o poder de indicar, em seu Regimento, as causas que comportassem recurso
extraordinário em virtude de sua natureza, espécie ou valor, Ilmar Nascimento Galvão
afirma que se recorreu, uma vez mais, ao modelo estadunidense. Neste modelo, uma lei
de 1925 permitiu à Suprema Corte escolher, os casos considerados dignos de sua
apreciação sob o caminho processual da carta requisitória (writ of certiorari), assim se
lhe permitiu uma maior liberdade para moldar seu próprio campo de atividade e,
conseqüentemente, o seu papel como elaboradora de políticas.20
E quanto às restrições para os recursos extraordinários, analisa-
se, brevemente, a argüição de relevância.
Conforme leciona Arruda Alvim, a argüição de relevância
representou um sistema de inclusão em face do sistema de exclusão de cabimento de
recursos extraordinários concretizado regimentalmente, autorizado pela Constituição
Federal então vigente porque a) quando o sistema adotado era o de listar as causas
destituídas de relevância, a argüição operava para incluir causa excluída, mas que, no
A Constituição Federal atual, entretanto, procurou solver o problema, com a instituição do Superior Tribunal de Justiça, mas que será instalado em 1989, juntamente com os Tribunais Regionais Federais (arts. 104 e ss., e 107 e ss.). Estabeleceu, assim, que ao Supremo cabe competência originária em causas raras indicadas, recurso ordinário, em poucas situações expressas; e, finalmente, em recurso extraordinário. Mas esse foi restringido ainda mais, restando, apenas, ‘precipuamente a guarda da Constituição’, fator básico do órgão, como menciona o caput do art. 102 da Lei Magna. Os antigos casos foram transferidos para o Superior Tribunal de Justiça, com o nome inédito de ‘recurso especial’ (art. 105, III ‘a’, ‘b’, e ‘c’) que ficou com a grande carga no âmbito processual de qualquer natureza” (Recurso extraordinário e recurso especial.Revista de Processo, n. 57/94, Jan.-Março 1990, p. 94). Ainda em outro trabalho, sustenta Alcides de Mendonça Lima “O recurso extraordinário – como o recurso especial, previstos expressamente na Constituição Federal de 1988, cada um com pressupostos diferentes e com órgão diverso para julgá-los – assume relevantíssimo papel na defesa da ordem jurídica, máxime dos direitos assegurados diretamente pela Lei Magna. A legislação ordinária poderá ser alterada e revogada, cancelando os recursos que se originam em seus respectivos diplomas. Mas os chamados ‘recursos constitucionais’, esses são intocáveis e imutáveis, salvo via reforma da própria Constituição, como agora aconteceu com o recurso extraordinário. A parte que tiver seu direito violado ou a justiça pleiteada negada, sabe que sempre contará com um dos recursos daquela natureza, com ou sem legislação ordinária que os regule, se chegássemos a esse absurdo” (O recurso extraordinário na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo, n. 56/21, Out.-Dez. 1989, p. 34). 20 GALVÃO, Ilmar Nascimento. Poder Judiciário. Reforma de 1988. O recurso especial no Superior Tribunal de Justiça, in TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Recursos no Superior Tribunal de Justiça. São Paulo: Saraiva. 1991, p. 85.
14
caso concreto, apresentava relevância; b) quando o sistema se modificou, passando o
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal a listar as causas das quais cabia
recurso extraordinário, a argüição se destinou a incluir como relevante, à luz do caso
concreto, causa em relação à qual não havia previsão regimental para o cabimento de
recurso extraordinário, à luz das peculiaridades dessa causa, evidenciadoras da sua
relevância. A argüição de relevância desempenhou, seja no sistema de exclusão de
causas havidas como irrelevantes, nominalmente indicadas, seja no sistema em que se
relacionavam somente as causas tidas como relevantes, também nominalmente
indicadas, função neutralizadora da hipótese ser havida como irrelevante e por isso ter
sido excluída ou, sucessivamente, não estar incluída, com a mudança do sistema, dentre
as que comportavam regimentalmente recurso extraordinário. Ressalta que o Supremo
Tribunal Federal era o próprio legislador, porque à época a norma regimental valia
como lei processual. Diferentemente, hoje, o § 3º do art. 102 da Constituição Federal
refere-se a lei, a qual se trata da Lei n. 11.418/2006.21
21 Afirma Arruda Alvim que, em essência, o sistema da argüição de relevância era um sistema igual ao da repercussão geral, mas com um mecanismo diferente, o qual consistiria em válvula respiratória do sistema do Recurso Extraordinário. Hoje, em face da Emenda Constitucional 45/04, trata-se de critério selecionador ou aglutinador de questões que merecem ser julgadas por um Tribunal superior. O texto constitucional de 1969 previa três critérios ao legislador ordinário (que era o próprio STF): 1. natureza (da causa), 2. espécie (da causa) e 3. valor pecuniário (da causa), art. 119, § 1º, CF/69. Na hipótese do § 3º do art. 102 há dois termos – repercussão geral, formando um único significado fundamental. Em relação ao critério quantitativo para deliberar, para admitir ou recusar a repercussão geral, é ele similar àquele que existiu em relação à argüição de relevância. Era preciso um número de votos maior do que sete para ser rejeitada a argüição. Hoje, há referência à recusa por 2/3 (dois terços) dos membros da Corte, parecendo ao professor que esse número é o de sete. Não pode o Supremo Tribunal Federal criar Súmula dispondo que, algumas hipóteses pré-determinadas, inexistiria repercussão geral, autorizando a presidência do tribunal local a negar seguimento ao recurso extraordinário. Verifica-se o disposto no art. 543-A, caput, do Código de Processo Civil que determina que o próprio Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos do dispositivo. Não é possível a delegação de tal competência, ainda que por meio de Súmula. Arruda Alvim entende que falece competência ao Presidente do Tribunal local para manifestar-se a respeito do recurso extraordinário, no particular da alegação de repercussão geral (A Emenda Constitucional 45/04 e a repercussão geral. Revista Autônoma de Processo, n. 1/223. Curitiba: Juruá. n. 1. Out.-Dez. 2006, p. 279). Assim, o instituto da repercussão geral não equivale à antiga argüição de relevância, possuindo diferenças.
15
O § 3º, c, do art. 119 da Constituição de 1969, parágrafo
incluído pela Emenda Constitucional n. 7 de 1977, dispôs que “§ 3º O regimento interno
estabelecerá: (...) c) o processo e o julgamento dos feitos de sua competência originária
ou recursal e da argüição de relevância da questão federal”.22
22 Constava do Regimento Interno do STF de 1970 (incluídas as alterações de Emendas Regimentais): “Art. 308 — Salvo nos casos de ofensa à Constituição ou relevância da questão federal, não caberá o recurso extraordinário, a que alude o seu art. 119, parágrafo único, das decisões proferidas: I — nos processos por crime ou contravenção a que sejam cominadas penas de multa, prisão simples ou detenção, isoladas, alternadas ou acumuladas, bem como as medidas de segurança com eles relacionadas; II — nos habeas corpus, quando não trancarem a ação penal, não lhe impedirem a instauração ou a renovação, nem declararem a extinção da punibilidade; III — nos mandados de segurança, quando não julgarem o mérito; IV — nos litígios decorrentes: a) de acidente do trabalho; b) das relações de trabalho mencionadas no art. 110 da Constituição; e) da previdência social; d) da relação estatutária de serviço público, quando não for discutido o direito à Constituição ou subsistência da própria relação jurídica fundamental; V — nas ações possessórias, nas de consignação em pagamento, nas relativas à locação, nos procedimentos sumaríssimos e nos processos cautelares; VI — nas execuções por título judicial; VII — sobre extinção do processo, sem julgamento do mérito, quando não obstarem a que o autor intente de novo a ação; VIII — nas causas cujo valor, declarado na petição inicial, ainda que para efeitos fiscais, ou determinado pelo juiz, se aquele for inexato ou desobediente aos critérios legais, não exceda de 100 vezes o maior salário mínimo vigente no País, na data do seu ajuizamento, quando uniformes as decisões das instâncias ordinárias; e de 50, quando entre elas tenha havido divergência, ou se trate de ação sujeita a instância única. § 1° — Para os fins do inciso VIII, quando a decisão contiver partes autônomas e o recurso for parcial, considerar-se-á valor da causa, relativamente às questões nele versadas, o benefício patrimonial que o recorrente teria com o seu provimento. § 2° — Caberá ao Presidente do Tribunal de origem, com agravo do despacho denegatório para o Supremo Tribunal Federal (art. 294), o exame da ocorrência das hipóteses ressalvadas nos incisos II, III, IV, letra d e VII, bem como de argüição razoável de ofensa à Constituição. § 3° — Caberá privativamente ao Supremo Tribunal Federal o exame da argüição de relevância da questão federal. § 4° — A argüição de relevância da questão federal processar-se-á por instrumento, da seguinte forma: I — na petição de recurso extraordinário (arts. 304 e 305), o recorrente deduzirá, sucinta mas fundamentadamente, em capítulo específico e destacado, a demonstração da relevância da questão suscitada, pedirá a formação do instrumento e indicará, além das enumeradas no inciso seguinte, outras peças essenciais cuja reprodução deva integrá-lo; II — juntada aos autos a petição, o Presidente do Tribunal de origem mandará formar instrumento do qual constarão, por fotocópia ou processo equivalente de reprodução, a sentença de primeira instância, o acórdão recorrido, a petição de recurso extraordinário e, no caso do § 5°, o despacho que o houver admitido ou inadmitido, bem como as peças indicadas na forma do inciso anterior; III — o recorrido será intimado para responder à argüição no prazo de cinco dias; IV — formado o instrumento, com a resposta do recorrido ou sem ela, intimar-se-á o recorrente para, em quinze dias, promover sua reprodução, por fotocópia ou processo equivalente, em mais um exemplar, e pagar as custas devidas ao Supremo Tribunal Federal (art. 111 e §§ 1°, 2° e 3°), iguais às taxadas para o caso de agravo de instrumento; V — correrão à conta do recorrente, no Tribunal de origem, as despesas com a formação, reprodução e remessa do instrumento; VI — formado, reproduzido e preparado o instrumento, o Presidente do Tribunal mandará remetê-lo, em dois exemplares, ao Supremo Tribunal Federal;
16
Na seqüência cronológica, a respeito da restrição do raio de
ação do recurso extraordinário, expõe Carlos Mário da Silva Velloso, que foi legítima
tanto jurídica quanto sociologicamente. Afirma a respeito da Emenda Regimental n. 2,
com vigência a partir de 1º/2/1986 que, na linha da exigência da relevância da questão
federal como condição de conhecimento do recurso extraordinário, reduziu o raio de
ação deste:
“Sob o ponto de vista jurídico, a legitimidade da Emenda Regimental defluía da delegação legislativa conferida ao STF pela Constituição; e, sob o aspecto sociológico, porque estava evidente que apenas 11 ministros, não obstante doutos, sábios e infastigáveis no trabalho, não tinham condições materiais de conhecer de todos os recursos extraordinários interpostos das decisões dos tribunais federais e estaduais, num País cujo povo é judiciarista. Tornava-se necessário, pois, estabelecer óbices a esse recurso, sob pena de a Corte sucumbir diante da pletora de processos” (destaques em negrito).23
VII — no Supremo Tribunal Federal, o instrumento será registrado como Argüição de Relevância (art. 60, VI), que prescindirá de relator, processando-se pela seguinte forma: a) preparar-se-á extrato para reprodução em cópias e distribuição a todos os Ministros, com indicação da sessão de Conselho, designada para sua apreciação; b) um dos exemplares do instrumento permanecerá à disposição dos Ministros; c) ao Presidente caberá apresentar a argüição à apreciação do Conselho; VIII — da ata da sessão do Conselho, que se publicará para ciência dos interessados, constará apenas a relação das argüições acolhidas e rejeitadas; IX — a apreciação em Conselho não comportará pedido de vista, dispensará motivação e será irrecorrível; X — o acolhimento da argüição de relevância será comunicado ao Presidente do Tribunal de origem, para que faça processar o recurso extraordinário, mas não implicará o ulterior Conhecimento deste, pela Turma ou pelo Plenário. (...)”. Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaRI/anexo/RegimentoInterno1970ConsolidadoAtualizado.pdf> Acesso em: 24 de Julho de 2009, 19:02. 23 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. O Superior Tribunal de Justiça na Constituição de 1988. Revistados Tribunais, n. 638/15, Dez. 1988, p. 16. A respeito da cultura judiciarista, cita-se Rodolfo de Camargo Mancuso, “Embora hoje se vá gradualmente reconhecendo o anacronismo de qualquer idéia de ‘monopólio estatal’ na distribuição da justiça, não há negar que ainda assim a cultura demandista ou judiciarista ainda grassa entre nós, fazendo com que o serviço judiciário estatal seja ainda muito procurado, num crescente e incessante aumento da demanda, a que se tem tentado (equivocadamente) responder com o crescimento desmesurado do Judiciário, tudo ao final resultando na oferta de uma justiça de massa, prenhe de carências e deficiências diversas” (A resolução dos conflitos e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito (nota introdutória). Revista dos Tribunais, n. 888/9, Out. 2009, p. 10). Rodolfo de Camargo Mancuso, a respeito da crise do Judiciário, ressalta a existência da cultura demandista; excessiva quantidade e déficit na qualidade de normas legais; e carência, oferta insuficiente de fontes de custeio para a estruturação da Justiça Estatal. Em sua obra, dentre outras temáticas, enfrenta a tendência à deformalização dos procedimentos e à desjudicialização dos conflitos, assim como o direito sumular como instrumento aceleratório e elemento de contenção de processos (A resolução dos conflitos
17
A argüição de relevância, o primeiro grande filtro dos recursos
extraordinários, não foi mantida na Constituição Federal de 1988. Inclusive, consta
atualmente do Regimento do STF, art. 55, inc. VI, “Argüição de Relevância; Norma não
prevista na CF/88”.24
A Emenda Constitucional 45/2004 acrescentou o § 3º no art.
102 da CF/88, “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão
geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o
Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação
de dois terços de seus membros”, assim, permitindo novo filtro dos recursos
extraordinários, regulamentado pela Lei n. 11.418/2006.25
2. O RECURSO ESPECIAL
e a função judicial no contemporâneo Estado de Direito. São Paulo: RT. 2009, p. 152, 160 e 703 e seguintes). 24 Disponível em:
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_mar_2009.pdf> Acesso em: 24 de Julho de 2009, 19:00. 25 Cassio Scarpinella Bueno leciona que “A ‘repercussão geral’ é questão relacionada à admissibilidadedo recurso extraordinário, no que são claros o caput e o § 2º do art. 543-A. É difícil, contudo, estabelecer se ela deve ser apreciada antes da verificação das demais hipóteses, gerais ou específicas, de cabimento do recurso extraordinário (...). Isto porque é mister, antes, a identificação de que haja ‘questão constitucional’ apta a ser reexaminada pelo Supremo Tribunal Federal, e somente depois da constatação de que aquela mesma ‘questão constitucional’ oferece repercussão geral para os fins do § 3º do art. 102 da Constituição Federal. Ocorre, contudo, que, uma vez indicadas pelo Supremo Tribunal Federal quais as hipóteses que ele entende para tal finalidade, a operação mental será invertida: tratando-se de decisão que oferece ‘repercussão geral’, já reconhecida por aquele Tribunal, importa verificar se os demais pressupostos recursais, genéricos e específicos, estão presentes.” (...) “De acordo com o texto constitucional, a rejeição do recurso extraordinário, à míngua da demonstração de que a decisão não oferece repercussão geral, deve dar-se por dois terços de seus membros, isto é, por oito Ministros. O § 4º do art. 543-A, ao dispor que ‘se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário’, atende a exigência constitucional porque garante, de antemão, a inviabilidade de haver votos suficientes para rejeitar o recurso extraordinário por este fundamento” (Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 294-295).
18
Na Constituição Federal de 1988, dentre outras mudanças,
houve o surgimento do recurso especial e a criação do Superior Tribunal de Justiça.
Carlos Mário da Silva Velloso, então Ministro do Tribunal
Federal de Recursos, explica que o Superior Tribunal de Justiça tinha “sabor de
novidade”, mas tinha sido imaginado há mais de vinte anos antes de sua criação por
notáveis juristas deste país. A partir dos anos 60, um grande número de processos que
davam entrada na Secretaria do STF, originou o fenômeno que se denominou de “crise
do Supremo Tribunal”. Apesar do esforço pelos seus magistrados, a Corte Suprema não
conseguia dar vazão à quantidade de causas e de recursos. Uma das alternativas foi a
adoção do requisito da relevância da questão de Direito federal discutida, como
condição para admissibilidade do recurso extraordinário, idéia inspirada na experiência
da Suprema Corte americana, que passou a praticá-la a partir da reforma de 1925. O
Direito regimental foi ampliado com a Constituição de 1967 e com a Emenda
Constitucional 1/69. O Regimento Interno do STF passou a indicar os casos de
cabimento do recurso extraordinário, tendo em vista a natureza, espécie e valor
pecuniário da causa. Tal reforma regimental foi alvo de críticas, especialmente em razão
de fixar a alçada para efeito de recurso extraordinário. A criação do Superior Tribunal
de Justiça, por vontade da Assembléia Nacional Constituinte, constituiu, na verdade,
aspiração dos juristas brasileiros. Foi instituído como um Tribunal da Federação, como
Corte superior da justiça comum federal e estadual, sendo o guardião do Direito federal
comum no Estado Federal brasileiro.26
Rodolfo de Camargo Mancuso informa que, em 1965, foi
formada uma mesa redonda na Fundação Getúlio Vargas presidida pelo Ministro
Themístocles Brandão Cavalcanti e integrada por notáveis juristas que discutiram acerca
26 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Op. Cit., p. 15, 16 e 19.
19
da viabilidade da criação de um Tribunal Superior para julgar recursos extraordinários
relativos ao direito federal comum. Alguns tópicos que constituíram a “idéia-mãe” na
criação do Superior Tribunal de Justiça foram: a) um tribunal Superior na linha da
justiça comum, de última instância no plano do direito federal não-constitucional; b)
havia consenso em se evitar qualquer capitis diminutio com relação ao Supremo
Tribunal Federal, que seria mantido como a Corte Constitucional. E conclui “É dizer,
sem jogo de palavras, o ‘Tribunal da Federação’ são dois: um, o STF, soberano em
matéria constitucional; outro, o STJ, soberano no direito federal stricto sensu”.27
Theotonio Negrão, em palestra proferida em 06/10/1989,
ressalta que o problema do recurso extraordinário entrosa-se com um velho problema
jurídico, qual seja, a crise das instituições judiciárias nacionais. Há uma crise de todo o
Poder Judiciário em geral e essa crise sempre foi muito aguda na cúpula do Poder
Judiciário, que é o Supremo Tribunal Federal. Tece uma visão da evolução histórica do
Supremo Tribunal Federal. Afirma que o STF foi organizado inicialmente com algumas
atribuições que, por assim dizer, não eram tão fundamentais para sua posição no Poder
Judiciário nacional. Uma delas era o de ser o Tribunal de recursos da União; a outra era
a de julgar recursos ordinários em mandados de segurança e habeas corpus. Após algum
tempo, isso acarretou a impossibilidade para o Supremo dar conta do serviço que lhe era
atribuído (especialmente a partir do Código de Processo Civil de 1939, que unificou a
legislação processual em todo o País e aumentou a quantidade de recursos
extraordinários).
Assim, Theotonio Negrão destaca que foi criado o Tribunal
Federal de Recursos; foi suprimido o recurso ordinário em mandados de segurança e
habeas corpus; e foi criada a chamada argüição de relevância, necessária, mas
27 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 107 e 108.
20
desastrosa para as instituições judiciárias brasileiras porque, praticamente, desapareceu
a possibilidade de uniformização do Direito federal. Com a nova Constituição e a
criação do Superior Tribunal de Justiça, foi extinta a argüição de relevância e se tem um
Tribunal encarregado de unificar o Direito federal, ou seja a legislação federal ordinária
e as matérias infraconstitucionais, sendo atribuído ao Supremo Tribunal Federal – o que
passou a ser sua exclusiva função – a interpretação do Direito Constitucional
brasileiro.28
“Com a nova ordem constitucional, o Supremo quase atingiu o
patamar olímpico de Corte Constitucional de países europeus”, conforme Alcides de
Mendonça Lima.29
Athos Gusmão Carneiro, a respeito dos motivos que levaram o
constituinte federal de 1988 à criação do Superior Tribunal de Justiça e à extinção do
Tribunal Federal de Recursos, afirma que, em última análise, decorreu da chamada crise
do Supremo Tribunal Federal. A par da matéria, em competência originária, derivada do
exercício de sua função de Corte constitucional, “também uma multiplicidade de
recursos provenientes de todas as partes de um país sob alto incremento demográfico e
com várias regiões em acelerado processo de industrialização e de aumento do setor
terciário da economia, acarretando sempre maiores índices de litigiosidade”. Óbices
jurisprudenciais e regimentais à admissão do recurso extraordinário foram de proveito
limitado e, de certa maneira, transitório, já que o elevado número de processos
“reavivou a crise”. E sustenta:
A instituição do Superior Tribunal de Justiça atendeu a tais reclamos. A uma, liberando o Supremo Tribunal Federal para
28 NEGRÃO, Theotonio. O novo Recurso Extraordinário: Perspectivas na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, n. 656/239, Junho 1990, p. 239 e 240. 29 LIMA, Alcides de Mendonça. O recurso extraordinário na Constituição Federal de 1988. Revista de Processo, n. 56/21, Out.-Dez. 1989, p. 30.
21
um menos atribulado exercício de sua missão maior, de custódia da Constituição Federal e órgão tutelar dos direitos e garantias individuais. A duas, com a substituição do Tribunal Federal de Recursos, até então principalmente tribunal de 2.º grau da Justiça Federal, por cinco Tribunais Regionais Federais, melhor aparelhados para servir como instância recursal ordinária das decisões dos juízes federais. (...)O recurso especial, já o frisamos, é um recurso extraordinário,com diferente denominação a fim de distingui-lo em função da matéria (infraconstitucional) e do tribunal de destino.30
De acordo com José Carlos Barbosa Moreira, a bipartição do
antigo recurso extraordinário, perfeitamente explicável diante da reestruturação da
cúpula do Poder Judiciário, não deixou de causar problemas de ordem prática. Há dois
recursos em vez de um só, interponíveis ambos, em largas medidas, contra as mesmas
decisões. Assim, há a necessidade de articulá-los. “É inegável que o novo regime
acarreta, muitas vezes, aumento considerável na duração do processo”.31
Nelson Luiz Pinto afirma que coube ao Superior Tribunal de
Justiça a função de absorver parte da competência que até então era afeta ao Supremo
Tribunal Federal em matéria de recurso extraordinário. Aduz que, no sistema jurídico
brasileiro, a competência legislativa da União é muito ampla, restando um campo muito
pequeno para os Estados-membros legislarem. Desta forma, e os tribunais estaduais
aplicando as leis federais, a quantidade de questões federais surgidas e que
possibilitavam, em tese, a interposição de recurso extraordinário era imensurável. Ao
longo do tempo, foi tornando-se necessário, decorrente do aumento em proporções
30 CARNEIRO, Athos Gusmão. Requisitos específicos de admissibilidade do Recurso Especial. Revista Forense, n. 347/29, Jul., Ago. e Set. 1999, p. 30. 31 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2008. v. V, p. 586.
22
assustadoras do número de recursos extraordinários ao Supremo Tribunal Federal,
estabelecer-se inúmeras restrições às hipóteses de cabimento desse recurso.32
Cassio Scarpinella Bueno leciona que, com a criação do
Superior Tribunal de Justiça e a implantação do novo sistema judiciário, defendeu-se,
em uma perspectiva que parecia real, o fim de tantos óbices e dificuldades que
caracterizaram, desde sempre, a atuação do Supremo Tribunal Federal enquanto corte
de julgamento de recursos extraordinários. Aos poucos, segundo o professor, a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça começou
a afastar, expressamente, alguns dos óbices sumulares derivados do sistema anterior a
1988, citando como exemplos a Súmula 400 do Supremo Tribunal Federal 33 e a
interpretação razoável, e assim como a reafirmar outros. Quanto ao prequestionamento,
o autor afirma que, apesar de vozes discordantes, “nunca se deixou de entender
imanente a estes recursos extraordinários e especiais, variando, apenas, o grau de
intensidade ou a forma de sua configuração”.34
Em outra oportunidade, Cassio Scarpinella Bueno cita que a
partição de competências trazida pela Constituição Federal de 1988 é importante de ser
32 De acordo com Nelson Luiz Pinto, “É que a criação do nosso sistema federativo foi fruto de um processo radicalmente diferente daquele que ocorreu nos Estados Unidos da América. A criação da Federação americana deveu-se a um movimento das colônias, que, abdicando de sua soberania, transferiram-na ao Governo Central. Coube, então, a esse Governo Central legislar sobre certas e determinadas matérias através de lei federal. Entretanto, essas colônias abdicaram apenas de uma parte de suas respectivas competências legislativas, conservando a competência para a maior parte das matérias. (...) Assim, enquanto nos Estados Unidos da América era mínima a competência da lei federal e amplíssima a dos Estados, no Brasil ocorreu exatamente o inverso. Explica-se, pois, o porquê da inevitável sobrecarga de trabalho que em pouco tempo assoberbou o Supremo Tribunal Federal, exigindo a adoção de medidas restritivas ao cabimento do recurso extraordinário. (...) É interessante notar, entretanto, que, apesar de serem evidentes as causas que levaram ao ‘entupimento’ da via do recurso extraordinário, jamais se discutiu, como proposta para a solução da permanente crise em que viveu o Supremo Tribunal Federal, uma revisão constitucional a respeito da competência legislativa da União e dos estados, de forma a que certas matérias deixassem de ser reguladas por lei federal, passando para a competências dos Estados, o que, obviamente, reduziria enormemente o número de questões federais cujo controle da legalidade competiria ao Supremo Tribunal Federal” [Recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (Teoria geral e admissibilidade). 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros. 1996, p. 38, 44 e 45].33 Súmula 400 do STF “Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da Constituição Federal”. 34 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Quem tem medo do prequestionamento? Revista Dialética de Direito Processual, n. 1/23, Abril 2003, p. 24 e 25.
23
evidenciada porque auxilia na compreensão das hipóteses de cabimento dos recursos
extraordinário e especial, inclusive quando a decisão recorrida impõe que os recursos
sejam apresentados, de maneira concomitante, e no seu processamento, ou seja, na
análise das regras a respeito de sua interposição, sua tramitação perante o órgão a quo e
ad quem e seu julgamento.35
Maria Stella Villela Souto Lopes Rodrigues aduz que, hoje,
cresce a importância do recurso especial, já que, via de regra, as questões debatidas nas
causas em geral versam, quase sempre, sobre a lei federal, “ficando muito poucas se
ocupando do tema constitucional mantido no extraordinário”. Além disso, as questões
solucionadas pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial, podem ensejar
também questão constitucional a possibilitar a interposição do recurso extraordinário
para o Supremo Tribunal Federal.36
Após a leitura da doutrina, infere-se a importância do estudo e
do enquadramento histórico desde o surgimento do recurso extraordinário, na
Constituição de 1891, cujo nome se assentou no art. 102 do Regimento Interno de 1891
da Corte Suprema, observando-se o regime federativo do Brasil, assim como o
surgimento do recurso especial na Carta de 1988. Nesse diapasão, segue o estudo
comparativo sobre as Cortes de Cassação de outros países e os Tribunais Superiores
brasileiros ora em análise.
3. AS CORTES DE CASSAÇÃO, O STF E O STJ
35 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos Tribunais. Sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 272. 36 RODRIGUES, Maria Stella Villela Souto Lopes. Recursos da nova Constituição: extraordinário, especial e ordinário constitucional em mandado de segurança. 2. ed. rev. e ampl. 2. tiragem. São Paulo: RT. 1992, p. 52 e 54.
24
Conforme José Afonso da Silva:
Cada instituto jurídico, frise-se mais uma vez, é sempre o reflexo de determinado sistema de cultura. Mesmo que tenha forma legislativa idêntica, muito se diferencia quanto ao conteúdo. Prova que o Direito escrito não é o Direito, mas o seu esquema. (...)Direito é fenômeno de cultura, reflete, pois, o espírito nacional. Por isso, não há, em dois povos, normas jurídicas idênticas; ainda que a forma de expressão, as palavras sejam idênticas, traduzidas ipsis litteris, o substractum, o conteúdo há-de ter profundas diferenças.37
Mauro Cappelletti leciona que o instituto da Cassação nasceu
na França com a Revolução. O verdadeiro ato de nascimento de Cassação moderna se
tem tão-somente com a legislação e com as ideologias da revolução, aquelas teorizadas
nos escritos de Rousseau e de Montesquieu, da onipotência da lei, da igualdade dos
cidadãos perante a lei e da rígida separação dos poderes. O Tribunal de Cassation foi
instituído para evitar que os órgãos judiciários, no exercício de suas funções, invadissem
a esfera do poder legislativo, subtraindo-se à estreita e textual observância das leis. Não
obstante o nome de Tribunal – que será transformado posteriormente em Cour – o
Tribunal de Cassation teve, no entanto, na origem, natureza essencialmente legislativa e
política e, de qualquer forma, com certeza não judicial. Já no início do século XIX, com
o atenuar do rigor das ideologias revolucionárias, o Tribunal de Cassation francês
denominado depois de Cour de Cassation foi radicalmente se transformando, e é assim
transformado que ele ingressou na Itália e em outros países, dentre os quais, Bélgica,
Holanda, Grécia. Reconhecido aos juízes, com o Código de Napoleão, o poder de
interpretação das leis, a Cour de Cassation tornou-se, na realidade, o supremo órgão
judiciário de controle de erros de direito cometidos pelos juízes inferiores. Conclui o
37 SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 46 e 57.
25
autor “ela se tornou a Corte que exercita o controle de legalidade que, ainda agora,
óbvia e profundamente, se distingue, e por isto não se contrapõe, nem é, de modo
algum, idealmente inconciliável também com um controle da constitucionalidade das
leis”.38
José Afonso da Silva afirma que a Corte de Cassação limita-se
a cassar a sentença recorrida, quando provê o recurso, como a Corte de cassação
italiana. Não é um terceiro grau de jurisdição. Depois de cassar a decisão, reenvia o caso
a um juízo idêntico àquele que o decidiu. Como o Supremo Tribunal Federal brasileiro,
não se isola dos fatos, entretanto, não revê as apreciações desses fatos, tratando-se de
um julgamento restrito a uma questão de direito. Já o recurso de cassação espanhola não
possui o juízo de reenvio, o que se aproxima do recurso extraordinário brasileiro.
Conhecendo do recurso, cassar-se-á, na Espanha, a sentença recorrida, se também for
provido, e ditará decisão que corresponda à questão objeto do pleito. Nesse ponto, a
cassação do Direito espanhol se afasta fundamentalmente dos outros recursos de
cassação europeus. No Direito português, o Tribunal não se limita, em regra, a cassar o
julgado, mas decide a questão de Direito, aos fatos materiais fixados pelo Tribunal
recorrido, aplicará definitivamente o regime jurídico que julgar adequado. Conclui que
os vários recursos de cassação dos países europeus, embora de origem comum e mesma
destinação, guardam entre si bastante diferença.39
Rodolfo de Camargo Mancuso leciona que, ainda dentre os
países da família romano-germânica, de vocação codicística, não há uniformidade no
regime de controle (prevenção/correção) dos dissídios jurisprudenciais por meio de
órgãos colegiados de segundo grau. Segundo o autor, esses ora aparecem como: 1)
38 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no Direito Comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves e José Carlos Barbosa Moreira. 2. ed. reimpressão. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1992. Reimpresso 1999, p. 39-44. 39 SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 52, 54, 55 e 58.
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Cortes de Cassação, encarregadas de apenas contrastar objetivamente a tese constante
no julgado recorrido sobre a exegese de um texto legal e aquela predominante no âmbito
do Tribunal, sem formulação de juízo de valor sobre o mérito, isto é, a respeito do
acerto ou não da decisão recorrida; Cortes de Revisão, entendendo-se como tais os
chamados Tribunais “de grande instância”, ou Cortes de Apelação, que, ao conhecer de
impugnações fundadas em divergência jurisprudencial, reexaminam o próprio
fundamento da controvérsia, portanto, rejulgando a causa, em segundo grau. “Ambos os
sistemas preveem instrumentos e remédios voltados à ideia nuclear de um controle da
divergência jurisprudencial, seja no plano preventivo (dissídio virtual) ou corretivo
(dissídio ocorrente)”. Cita-se explanação do autor:
Vários países albergam aquelas duas modalidades de CorteSuperior (ex., Itália, Alemanha, França), como também os há que, sem contarem, propriamente, com uma Corte de Cassação, preveem recursos cuja fundamentação e natureza faz com que o tribunal ad quem opere (também) com tal finalidade. No Brasil, conquanto nossos Tribunais da Federação – STF e STJ – se preordenem, em princípio, para atuarem como Cortes de revisão (competência recursal: CF, arts. 102, II e III; 105, II e III), podem, eventualmente, cassar a decisão recorrida – em casos de graves e insanáveis errores in procedendo (ex., vício de incompetência absoluta do órgão prolator da decisão recorrida), casos em que fazem retornar o processo para que outra decisão seja prolatada, escoimada do vício que antes a inquinava, inclusive em ordem a preservar o duplo grau de jurisdição. (Há, todavia, uma exceção a esse regime nos TJ’s e TRF’s, no julgamento da apelação: §§ 3.º e 4.º do art. 515 do CPC, tendo sido o § 4.º acrescido pela Lei 11.276/2006.) Com o advento da EC 45/2004, o exemplo emblemático da atuação do STF como órgão de cassação reside na hipótese de o acórdão recorrido ter desatendido o enunciado de súmula vinculante ou tê-la aplicado indevidamente, caso em que o STF “cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso” (§ 3.º do art. 103-A, acrescido pela EC 45/2004; § 2.º do art. 7.º da Lei 11.417/2006.)40
40 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2010, p. 238 e 239.
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A respeito do Tribunal Supremo da Espanha, a atual
Constituição de 1978 dedica seu Livro VI ao Poder Judiciário e seu artigo 123 ao
Tribunal Supremo reconhecendo-lhe como o órgão jurisdicional superior em todas as
ordens, com jurisdição em toda a Espanha, sendo seu Presidente nomeado pelo Rei, a
proposta do Conselho Geral do Poder Judiciário, na forma que a lei determinar.41
Recurso de cassação para Eladio Escusol Barra, então
magistrado do Tribunal Supremo da Espanha, é aquele instrumento extraordinário por
meio do qual se recorre ao Tribunal Supremo, com a finalidade de que se revise a
aplicação da lei substantiva e da lei processual, buscando a tutela judicial efetiva.
Ressalta que a doutrina, ao mencionar o caráter extraordinário do recurso de cassação,
De acordo com Rodolfo de Camargo Mancuso, “No modelo jurídico-político brasileiro nossos órgãos judiciais colegiados operam, em princípio, como Cortes de revisão, podendo, em certos casos, atuar como instâncias de cassação; nesta última hipótese, agindo numa sorte de custos legis, procedem a um contraste objetivo de legalidade acerca da estrutura formal do processo e da validade técnico-jurídica do julgado, delibação essa que pode levar ao descarte da decisão recorrida, reenviando-se os autos ao juízo aquo. Aliás, bem por isso, os aspectos concernentes à existência e validade do processo, e às condições da ação, são cognoscíveis de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição (CPC, arts. 243 a 250; 267, § 3.º; 475, § 3.º; 515, §§ 3.º e 4.º), não se lhes aplicando, pois, a preclusão pro judicato.É dizer: enquanto a reforma do julgado recorrido, ao fundamento de divergência jurisprudencial, concorre para a desejável uniformidade na interpretação dos textos e, conseqüentemente, para o tratamento isonômico aos jurisdicionados, já a cassação do julgado, no modelo brasileiro, responde à necessidade de ser preservada a higidez técnico-processual. O pano de fundo, nos dois casos, é a busca de uma resposta judiciária de melhor qualidade, e não a eliminação pura e simples da divergência.” A respeito da constitucionalização da súmula vinculante, Rodolfo de Camargo Mancuso leciona “Parece-nos que a filiação jurídica do Brasil tornou-se híbrida ou eclética, a meio caminho entre a common law (o binding precedent, sistema do stare decisis) e a civil law (direitos codicísticos) ou seja, a fonte de direitos e obrigações dentre nós deixou de ser apenas a norma, para também incluir a súmula vinculante. Essa rota de aproximação entre as duas famílias jurídicas é reconhecida pela doutrina, sendo exemplos emblemáticos o advento do Código de Processo Civil inglês, em 1999, e o prestígio, nos Estados Unidos, do Uniform Commercial Code; ainda, neste país, registre-se o advento, em 2005, do Class Action Fairness Act” (Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2007, p. 212, 213, 227 e 365). 41 “La actual Constitución de 1978 dedica su Título VI al Poder Judicial y su articulo 123 al Tribunal Supremo reconociéndole como el órgano jurisdiccional superior en todos los ordenes, con jurisdicción en toda España, siendo su Presidente nombrado por el Rey, a propuesta del Consejo General del Poder Judicial, en la forma que determine la Ley”. Disponível em: http://www.poderjudicial.es/eversuite/GetRecords?Template=cgpj/ts/principal.htm> Acesso em: 17 de Junho de 2009, 19:00.
28
aduz que neste recurso se destaca o interesse dos recorrentes, que não podem ficar
indefesos, e o fim público que o recurso tem.42
A respeito do panorama argentino, Augusto Mario Morello
afirma que as finalidades do recurso extraordinário são fazer certa a supremacia
constitucional; garantir a efetividade da defesa em juízo e a tutela dos direitos
constitucionais; exercer o controle de cassação constitucional e, fora dos limites legais,
pela generosa trilha que recorrem as causas de arbitrariedade de sentença, assumir
ademais tarefas de cassação geral (por controle da sentença arbitrária). É interessante a
leitura do sistema recursal brasileiro por Augusto Mario Morello, em sua visão
comparada brasileira e argentina sobre recursos extraordinários, afirmando que tanto o
recurso extraordinário quanto o recurso especial brasileiros se abrem para o
conhecimento de questões jurídicas e, dentro delas, próprias ou circunscritas ao Direito
Federal, o que é dizer um controle de cassação constitucional federal, ressaltando o
autor que, no Brasil, não está regulamentado o recurso de cassação.43
Em decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça de
Portugal, afirma-se a respeito da natureza do Supremo Tribunal de Justiça, sendo
Tribunal de revista, que “ao determinar o reenvio para que seja suprida a nulidade
arguida deve, sempre que, para tal, disponha de elementos, definir o regime jurídico que
42 “(...) el recurso de casación diciendo que es aquel instrumento extraordinario a través del cual se acude al Tribunal Supremo, con la finalidad de que se revise la aplicación de la ley sustantiva y de la ley procesal, en aras de la tutela judicial efectiva.” “La doctrina científica, al señalar el carácter extraordinario del recurso de casación, puntualiza que en este recurso destaca el interés de los recurrentes, que no pueden quedar indefensos, y el fin público al que el recurso tiende” (BARRA, Eladio Escusol. Laincongruencia de la sentencia: su análisis como motivo de casación en la jurisdicción civil y en la contencioso-administrativa. Madrid: Editorial Colex. 1998, p. 47). 43 “¿Cuál es el rol y para qué sirve el recurso extraordinario?; la respuesta: - hacer cierta la supremacía constitucional; - garantizar la efectividad de la defensa en juicio y la tutela de los derechos constitucionales; - ejercer el control de casación constitucional, y, extramuros legales, por el generoso sendero que recorren las causales de arbitrariedad de sentencia, asumir además tareas de casación general (por control de la sentencia arbitraria)”. “(...) tanto el recurso extraordinario como en el Brasil el nuevo follaje del recurso especial, se abren para el conocimiento de cuestiones jurídicas y, dentro de ellas, propias o circunscriptas al Derecho Federal, es decir un control de casación constitucional federal (sabemos, por lo demás, que en el Brasil no está reglamentado el recurso de casación)” (MORELLO, Augusto Mario. Recursos extraordinários: visión comparada brasileña y argentina. Revista de Processo, n. 79/10, Jul.-Set. 1995, p. 12 e 16).
29
julgue adequado e como devem ser aplicadas e interpretadas as respectivas normas
legais”.44
44 Segue trecho da decisão (destaques em negrito): “No primeiro recurso este Supremo Tribunal usou da faculdade do n.º 2 do artigo 731.º do Código de Processo Civil, determinando o reenvio do processo à Relação, para que fosse conhecida matéria de facto relevante para decidir o pedido reconvencional, sobre a qual a 2.ª instância omitira pronúncia. Isto é, verificada a nulidade da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, que não pode ser suprida em sede de recurso, a solução foi determinar a reforma no Tribunal ‘a quo’, se possível pelos mesmos juízes. Esta regra supõe que a nulidade – vício de limite – arguida não possa ser suprida pelo Supremo Tribunal de Justiça que, contudo, considera essencial para a decisão o segmento sobre o qual não houve pronúncia. (cf. v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1995 – CJ/S.T.J III, I, 126; de 12 de Março de 1996 – CJ – IV – 1, 143 e de 15 de Março de 2005 – 04B3876). Se, contudo, concluir que tal omissão é irrelevante para a sorte da lide, deve considerá-la prejudicada não determinando o reenvio. O segundo ponto é resultante da natureza do Tribunal de revista, que é o Supremo Tribunal de Justiça (ao contrário da Relação que, nestes casos, julga segundo o sistema da cassação). Daí que será também de aplicar também a estes casos a disciplina dos artigos 729.º e 730.º da lei processual. É que, o Supremo Tribunal ao determinar o reenvio para que seja suprida a nulidade arguida deve, sempre que, para tal, disponha de elementos, definir o regime jurídico que julgue adequado e como devem ser aplicadas e interpretadas as respectivas normas legais.O que, obviamente, só é possível relativamente aos pontos concretos não abrangidos pela omissão de pronúncia. Ou seja, e com mais detalhe: 1.2 O Supremo Tribunal de Justiça pode reenviar o processo ao tribunal recorrido em dois casos: - quando ‘entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.’ (n.º 3 do artigo 729.º Código Processo Civil); - quando proceder alguma das nulidades que não possa suprir (no que, aqui, releva a omissão de pronúncia) para ‘reforma da decisão anulada’ (n.º 2 do artigo 731.º do Código de Processo Civil). No primeira situação a lei é expressa ao determinar que o Supremo deve desde logo definir o direito aplicável e mandar ‘julgar novamente a causa, em harmonia com a decisão de direito’ sempre e, se possível, com as mesmos juízes do primeiro julgamento (n.º 1 do artigo 730.º). Se, porém, ‘por falta ou contradição dos elementos de facto’ o direito não possa ser, precisamente fixado, ‘a nova decisão admitirá recurso de revista, nos mesmos termos que a primeira.’ (n.º 2 do citado artigo 730.º). Tratando-se de procedência de nulidade o n.º 2 do artigo 731.º determina que ‘mandar-se-á baixar o processo, a fim de se fazer reforma da decisão anulada’, também, e se possível, pelos mesmos juízes. E o n.º 3 deste preceito diz, à semelhança do n.º 2 do artigo 730.º, que a nova decisão ‘admite recurso de revista nos mesmos termos que a primeira.’ Da precisa letra dos preceitos pode parecer, ‘prima facie’, que no caso de reenvio para suprimento de nulidades, o Supremo Tribunal não tem que definir o direito aplicável, sempre tudo se passando como se não o pudesse fazer por se encontrar em situação homóloga à do n.º 2 do artigo 730.º. Daí que quer esta norma, quer o n.º 3 do artigo 731.º se reportem à nova revista com a mesma amplitude (‘mesmos termos’) da ‘primeira’. Mas não pode assim ser em todas as situações. Se, como é o caso vertente, a nulidade a suprir se traduziu em omissão de pronúncia consistente, apenas, na reapreciação de certos factos que terão de ser novamente julgados, não se vê razão para distinguir dos casos em que a decisão de facto deva ser ampliada ou contenha contradições. É que, quer a ampliação, quer a superação das contradições, implicam um eventual elencar de novos factos, tal como acontece se reapreciados os já assentes. Não se vê, assim, razão para no caso de não conhecimento da impugnação da matéria de facto – e a não ser que ocorra impossibilidade de o fixar com precisão – o Supremo não possa, desde logo, definir o direito aplicável à parte não afectada por aquele desconhecimento.
30
Conforme a doutrina italiana, o juízo de cassação é tipicamente
“rescindente”, ou seja, elimina a sentença do juiz de mérito (logicamente, se o recurso é
acolhido), de maneira a tornar possível um novo exame da controvérsia (“giudizio
rescissorio”).45 O recurso de cassação é um meio de impugnação que não dá lugar,
A coerência do sistema e a economia processual, sugerem que se conclua pela definição, ou não, do direito, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 730.º do Código de Processo Civil, nos casos do n.º 2 do artigo 731.º, quando a nulidade seja de omissão de pronúncia.” (Supremo Tribunal de Justiça, meio processual: revista, 305/09 5YFLSB, Relator Sebastião Póvoas, 16/06/2009, unanimidade). Disponível em: <http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/31079d768a5a8109802575d70048f724?OpenDocument&Highlight=0,cassa%C3%A7%C3%A3o> Acesso em: 19/06/2009, 15:30.
Ainda, a título ilustrativo, segue decisão do Tribunal da Relação de Lisboa: “1. O recurso extraordinário de revisão é um meio processual que faculta a quem tenha ficado vencido num processo anteriormente terminado a sua reabertura, mediante a invocação de certos fundamentos taxativamente enunciados nas alíneas a), b), c), d), e) e f) do art. 771º do CPC. 2. Se o recurso for admitido será notificada pessoalmente a parte contrária para responder e após essa resposta ou decorrido o respectivo prazo entra-se na fase do julgamento ou da apreciação do fundamento do recurso (fase rescindente), na qual o tribunal examina as provas oferecidas e verifica se o fundamento do recurso procede ou improcede; se o fundamento do recurso proceder, a sentença impugnada é revogada e o processo prossegue, seguindo-se a fase rescisória, na qual a causa vai ser novamente instruída e julgada; se pelo contrário, o tribunal decidir que o fundamento do recurso improcede, a sentença a rever subsiste e o recurso finda. 3. Para o recurso de revisão proceder com fundamento em falsidade dos depoimentos de testemunhas é necessário demonstrar a falsidade dos depoimentos dessas testemunhas e a existência de nexo de causalidade entre essa falsidade e a sentença a rever, ou seja, que a falsidade dos depoimentos dessas testemunhas tinha determinado a decisão que se pretende destruir. 4. A resposta negativa a um quesito ou a um facto controvertido, não significa a prova do facto contrário; significa tão-somente que esse facto controvertido não se provou, ou porque nenhuma prova foi produzida, ou porque a prova produzida se mostrou insuficiente para convencer o tribunal da veracidade desse facto.” (sumário elaborado pelo Relator) (Tribunal da Relação de Lisboa, Secção Social, RECURSO DE REVISÃO 397/04.3TTBAR.A.L1 – 4, Relator Ferreira Marques, Data do acórdão: 13/05/2009, unanimidade). Disponível em: <http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/350b2a83ded6930d802575d0003bde30?OpenDocument> Acesso em: 22/06/2009, 16:00. 45 “Il giudizio di cassazione è tipicamente rescindente ossia elimina la sentenza del giudice di merito (ovviamente se il ricorso è accolto), in modo da rendere possibile un nuovo esame della controversia (c.d. giudizio rescissorio)” (PETRUCCI, Rossana. Compendio di Diritto Processuale Civile. Napoli: Edizioni Simone. 2006, p. 197, grifos da autora). Citam-se dois artigos do Código de Processo Civil italiano: Art. 382. – Decisões das questões de jurisdição e de competência A Corte, quando decide uma questão de jurisdição, delibera sobre esta, determinando, quando necessário, o juiz competente. Quando cassa por violação das normas sobre competência, delibera sobre esta. Se reconhece que o juiz da qual se impugna a medida e qualquer outro juiz são ausentes de jurisdição, cassa sem reenvio. Igualmente, providencia em qualquer outro caso no qual considera que a causa não podia ser proposta ou o processo ter prosseguido. Art. 383. – Cassação com reenvio A Corte, quando recebe o recurso por motivos diferentes dos quais citados no artigo precedente, reenvia a causa a outro juiz de mesmo grau daquele que pronunciou a sentença cassada. No caso previsto no artigo 360, segundo parágrafo, a causa pode ser reenviada ao juiz que deveria ter se pronunciado sobre o apelo ao qual as partes renunciaram.
31
diferenciando-se da apelação, a uma nova avaliação do mérito da causa, mas apenas a
uma revisão das atividades processuais que culminaram na sentença recorrida (a Corte
de Cassação é apenas juiz de direito).46
Valerio de Gioia, magistrado da Itália, afirma que a estrutura do
recurso de cassação se ressente fortemente da função que é delegada ao órgão judiciário
chamado a decidir sobre essa questão: à corte de cassação, órgão único de vértice no
âmbito da função jurisdicional, é imputada a função de uma perfeita e uniforme
interpretação da lei, cabendo garantir a unidade e a racionalização da criação
jurisprudencial do direito; por essa razão, o recurso face ao juiz de segundo grau,
mesmo mantendo a sua conotação de meio de impugnação que a parte sucumbente pode
utilizar para modificar o êxito do juízo, pode ser proposto somente por motivos “de
interesse público”, ou seja pertinentes a erros de direito (em particular de direito
substancial).47
A Corte, se deparar uma nulidade do juízo de primeiro grau pela qual o juiz de apelação deveria ter remetido as partes ao primeiro juiz, reenvia a causa a este último. “Art. 382. - Decisione delle questioni di giurisdizione e di competenza La Corte, quando decide una questione di giurisdizione, statuisce su questa, determinando, quando occorre, il giudice competente. Quando cassa per violazione delle norme sulla competenza, statuisce su questa. Se riconosce che il giudice del quale si impugna il provvedimento e ogni altro giudice difettano di giurisdizione, cassa senza rinvio. Egualmente provvede in ogni altro caso in cui ritiene che la causa non poteva essere proposta o il processo proseguito”. “Art. 383. – Cassazione con rinvio La Corte, quando accoglie il ricorso per motivi diversi da quelli richiamati nell’articolo precedente, rinvia la causa ad altro giudice di grado pari a quello che ha pronunciato la sentenza cassata. Nel caso previsto nell’articolo 360 secondo comma, la causa può essere rinviata al giudice che avrebbe dovuto pronunciare sull’appello al quale le parti hanno rinunciato. La Corte, se riscontra una nullità del giudizio di primo grado per la quale il giudice d’appello avrebbe dovuto rimettere le parti al primo giudice, rinvia la causa a quest’ultimo” (COMITE, Antonella e LIGUORI, Stefano. Codice di Procedura Civile esplicato minor: con commento essenziale articolo per aticolo e schemi a lettura guidata. Napoli: Edizioni Simone. 2009, p. 296 e 297). 46 “Il ricorso per Cassazione è um mezzo di impugnazione che non dà luogo – a differenza dell’appello – ad una nuova valutazione del merito della causa, ma soltanto ad una revisione delle attività processualiche hanno portato alla sentenza denunziata nonché del giudizio di diritto reso con la sentenza stessa (la Corte di Cassazione è giudice della sola legittimità ovvero è solo giudice del diritto)” (PETRUCCI, Rossana (Coord.). Diritto Processuale Civile. XIX ed. Napoli: Edizioni Simone. 2009, p. 505). 47 “La struttura del ricorso in cassazione risente fortemente della funzione cui è preposto l’organo giudiziario chiamato a decidere su di esso: alla corte di cassazione, organo unico di vertice nell’ambito della funzione giurisdizionale, va ascritta la c.d. funzione di nomofilachia, essendo volta a garantire l’unità e la razionalizzazione della creazione giurisprudenziale del diritto; per questa ragione, il ricorso davanti al giudice di legittimità, pur mantenendo la sua connotazione di mezzo d’impugnazione che la
32
De acordo com Serge Guinchard, doutrinador francês, a
jurisdição de reenvio é suscetível de ver sua decisão deferida à Corte de Cassação, ela
deve ademais contar com a intervenção prévia da alta jurisdição. Sobre o litígio que é
submetido à jurisdição de reenvio, e sob reserva de uma evolução da qual diante dela, a
Corte de Cassação já deu sua palavra: ela se delimita estritamente, ela disse o que deve
se decidir, ela disse como convém de se decidir, tanto que as indicações que fizeram da
jurisdição de reenvio uma jurisdição particularmente moldurada. O estudo das decisões
mais recentes da Corte de Cassação revela que o entendimento dos poderes
tradicionalmente apresentados à jurisdição de reenvio se reduziam de fato a uma
pequena ilha de liberdade.48
Ainda sobre a doutrina francesa, vale acrescentar que, na
França, se a cassação é total, todos os julgamentos recorridos são retroativamente
anulados. Se a cassação é parcial, ela não anula outra coisa que não o julgamento a que
ela se refere, e é limitada ao que é levado pelo instrumento que constitui a base da
cassação.49
A respeito da Cassação francesa, Rodolfo de Camargo Mancuso
leciona que se trata de um Tribunal que, em boa medida, sobrepaira aos demais órgãos
jurisdicionais singulares e colegiados, não se destinando a operar como “mais um grau
judiciário” e, menos ainda, como uma instância para revisão de matéria de fato ou para
parte soccombente può utilizzare per modificare l’esito del giudizio, può essere proposto solo per motivi ‘d’interesse pubblico’, ossia attinenti ad errori di diritto (in particolare di diritto sostanziale)” (GIOIA, Valério de. Diritto Processuale Civile. Experta Edizioni: Forlì. 2009, p. 217, grifos do autor). 48 “(...) la juridiction de renvoi est susceptible de voir sa décision déférée à la Cour de cassation, elle doit en outre compter avec l’intervention préalable de la haute juridiction. Sur le litige qui est soumis à la juridiction de renvoi, et sous réserve d’une évolution de celui-ci devant elle, la Cour de cassation a déja dit son mot: elle l’a strictement délimité, elle a dit qui doit le trancher, elle a dit comment il convient de le trancher... autant d’indications qui font de la juridiction de renvoi une juridiction particulièrement encadrée. L’étude des décisions les plus récentes de la Cour de cassation révèle que l’étendue des pouvoirs traditionnellement prêtés à la juridiction de renvoi se réduit, en fait, à un petit îlot de liberté” (GUINCHARD, Serge. Droit et pratique de la Procédure Civile. Paris: Dalloz. 2004, p. 1179 e 1180). 49 “Si la cassation est totale, tous les chefs du jugement attaqué sont rétroactivement anéantis. Si la cassation est partielle, elle n’anéantit que les chefs du la cassation (art. 623 et 624, NCPC)” (FRICERO, Natalie. Procédure civile. 4. ed. Paris: Gualino éditeur. 2006, p. 181).
33
correção de eventual injustiça decorrente da decisão a quo. É um Tribunal encarregado
de zelar, no plano nacional, “pela inteireza positiva, validade, eficácia e unidade
interpretativa da lei; para tanto, a cassação se volta para a aferição da higidez técnico-
formal da decisão recorrida, frente ao contexto jurídico-institucional do país, não
estando vocacionada à prolação de juízo de valor acerca do thema decidendum, tal como
veio resolvido pelo juízo a quo”.50
O estudo sobre o Supremo Tribunal Federal e o Superior
Tribunal de Justiça, que não são cortes de cassação, será realizado no Capítulo V desta
dissertação, analisando a Súmula 456 do Supremo Tribunal Federal.
No Recurso Especial e no Recurso Extraordinário, há o
rejulgamento da causa. No Brasil, não há Tribunais de Cassação como existe na Itália e
em outros países. Entretanto, há que se destacar os limites típicos destes recursos,
trazidos pela própria Carta Magna, observando-se que possuem efeito devolutivo
restrito, sendo recursos de fundamentação vinculada, não podendo ser revistos fatos ou
reexaminadas provas em sua sede (Súmulas 279 do STF e 7 do STJ). Ressalta-se a
existência de pressuposto diferenciado (prequestionamento), a natureza do órgão ad
quem e a sua finalidade no sistema.
A função do Supremo Tribunal Federal é, precipuamente, ser o
fiel guardião da Constituição Federal (art. 102, caput, da Constituição Federal). Trata-se
da máxima instância de superposição em relação a todos os órgãos de jurisdição. Sua
competência está expressamente tratada na Carta Magna.
50 Rodolfo de Camargo Mancuso estabelece uma similaridade com o STF e o STJ, Tribunais da Federação, postados na cúpula da organização judiciária brasileira: “também eles não se constituem em mais uma instância jurisdicional (a rigor, não cabe falar em terceiro ou quarto grau de jurisdição), visto que neles se concentra o julgamento de matéria estritamente jurídica – a questão constitucional ou federal, respectivamente – como aliás se colhe das súmulas que trancam o acesso àquelas Cortes Superiores aos recursos que almejam revolver a matéria de fato, buscam nova interpretação de cláusula contratual ou, enfim, pretendem a revisão de afirmada injustiça decorrente do julgado recorrido (Súmulas: STJ, 5 e 7; STF, 279 e 454)” (Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2010, p. 247).
34
O recurso extraordinário trata-se de recurso de competência
exclusiva do STF, órgão de cúpula do Poder Judiciário, que tem a função de guardião
das normas constitucionais, zelando por sua obediência em todos os níveis do Poder
Judiciário e em toda a Federação.51
Possui papel extremamente relevante com a finalidade de
assegurar o regime federativo por meio do controle da aplicação da Constituição Federal
ao caso concreto.
A função primordial do Superior Tribunal de Justiça é
uniformizar a jurisprudência relativa à interpretação e aplicação da legislação federal
infraconstitucional.
É extremamente interessante a análise dos estudiosos
contemporâneos ao surgimento e desenvolvimento dos recursos extraordinário e
especial, diante da mudança de Constituições, momentos políticos distintos e,
principalmente, com o enfrentamento da situação crítica do Supremo Tribunal Federal e
a necessidade de criação de um novo Tribunal para o julgamento de recursos
envolvendo matéria federal, qual seja o Superior Tribunal de Justiça. São tribunais que
rejulgam a causa, são órgãos de sobreposição, diferentemente dos Tribunais de
Cassação de outros países.
A seguir, será realizado estudo sobre a teoria geral dos recursos,
analisando-se os requisitos e os pressupostos de cabimento dos recursos extraordinário e
especial. A partir desse contexto, será estudado o requisito do prequestionamento,
evidenciado na expressão “causas decididas”, prevista tanto no art. 102 quanto no art.
105 da Constituição Federal, assim como demais questões que envolvem o tema.
51 PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros. 2002, p. 224.
35
CAPÍTULO II
TEORIA GERAL DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Antes de enfrentar o tema nuclear de discussão do presente
trabalho, há que se mencionar, brevemente, o estudo da teoria geral dos recursos focado
aos recursos especial e extraordinário.
Indagam-se quais são os requisitos para a análise desses
recursos excepcionais e a forma de atuação das Cortes Superiores.
Os recursos extraordinário e especial podem ser classificados
como recursos extraordinários.
De acordo com José Carlos Barbosa Moreira, a distinção entre
recursos ordinários e recursos extraordinários, a que faz referência o art. 467, in fine, do
Código de Processo Civil não possui no ordenamento brasileiro relevância teórica nem
prática. Segundo o doutrinador, a rigor, não há entre nós uma classe de recursos a que se
possa aplicar a denominação genérica de extraordinários; existe, sim, um recurso assim
denominado, que tem, como todos, as suas peculiaridades, mas insuficientes para
fundamentar uma classificação de valor científico. À semelhança de outros, o recurso
extraordinário obsta, quando admissível, ao trânsito em julgado da decisão, consoante
resulta da disposição expressa do próprio art. 467. É desprovido de efeito suspensivo,
mas essa característica também se depara, por exemplo, na apelação interponível contra
36
qualquer das sentenças arroladas no art. 520, 2ª parte. A circunstância de interpor-se
para o Supremo Tribunal Federal não singulariza o recurso extraordinário: abstração
feita de recursos admissíveis contra acórdãos já proferidos por aquele órgão é para ele,
igualmente, que se interpõe o “recurso ordinário” previsto no art. 102, II, “a”, da
Constituição Federal.52
Quanto à classificação dos recursos em ordinários e
extraordinários, de acordo com Teresa Arruda Alvim Wambier, por meio dos primeiros,
busca-se a correção da decisão tendo como objetivo corrigir-se ofensa ao direito
subjetivo da parte, enquanto que por meio dos recursos extraordinários a finalidade seria
alterar-se decisão que ofendesse direito objetivo.53
Em função do objeto tutelado pelos recursos, pode-se classificá-
los em recursos ordinários e extraordinários. Nos primeiros, pretende a parte ver
reapreciado pelo Poder Judiciário um direito seu, subjetivo. Na formulação desses
recursos, avulta a situação concreta e específica de um direito que teria sido violado e
cuja reparação, lato sensu, foi pleiteada. Já nos recursos extraordinários, esse objetivo
não é atingido, senão indiretamente. O que se tutela por meio desse tipo de recurso é o
sistema jurídico, o direito objetivo. Na formulação desses recursos, desempenha papel
bastante importante a demonstração de que, se mantida a decisão, corre risco a
integridade do sistema.54
O recurso de apelação é recurso ordinário por excelência,
devolvendo-se ao Tribunal o conhecimento de toda matéria alegada pelo apelante em
suas razões.
52 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 22. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2005, p. 116. 53 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. reform. e atual. São Paulo: RT. 2008, p. 245-247. 54 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2003. v. 1, p. 574 e 635.
37
Teresa Arruda Alvim Wambier leciona que cumprem duas
funções os recursos chamados extraordinários: zelar pelo cumprimento da ordem
jurídica e pela uniformidade da jurisprudência. De maneira geral, são cabíveis na
medida em que seu resultado seja transcendente à situação das partes, desempenhando
função paradigmática ou exemplificadora.55
A professora Teresa Arruda Alvim Wambier ressalva, em outra
oportunidade, a existência de autores que preferem chamar os recursos extraordinários
lato sensu de recursos “excepcionais”, tendo em vista que, em certas legislações,
extraordinários são os recursos interponíveis contra decisão transitada em julgado.56
Em conformidade com Cassio Scarpinella Bueno, a distinção
entre recursos ordinários e extraordinários, no sistema processual civil brasileiro, é útil
para diferenciar os recursos que viabilizam o total e amplo reexame da causa, inclusive
com o reexame de provas e os que não o admitem, pois são voltados à uniformização da
interpretação do direito constitucional federal e do direito infraconstitucional federal em
todo o território brasileiro. Conforme o professor, são recursos extraordinários o recurso
extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, o recurso especial para o Superior
Tribunal de Justiça e os embargos de divergência, os quais são cabíveis somente de
alguns acórdãos proferidos por aqueles mesmos Tribunais. Todos os demais, na esteira
de tal critério classificatório, são recursos ordinários.57
Para José Miguel Garcia Medina, a distinção entre recursos
ordinários e extraordinários revela-se interessante sob o prisma didático e também em
relação à utilização prática de tais recursos. Os requisitos para interposição, o âmbito de
55 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Questões de fato, conceito vago e sua controlabilidade através de recurso especial, in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: RT. 1998, p. 460 e 461. 56 Idem. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. reform. e atual. São Paulo: RT. 2008, p. 245, nota 7. 57 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 39.
38
aplicação, o modo por meio do qual se realizam os juízos de admissibilidade e de
mérito, a aplicação dos princípios recursais, assim como dos efeitos relativos aos
recursos devem ser estudados e aplicados de maneira diferenciada ao tratar-se dos
recursos especial e extraordinário.58
Deve haver um tratamento diferenciado aos recursos ditos
ordinários e os extraordinários lato sensu, com a devida vênia ao entendimento
esposado pelos que criticam a classificação dos recursos em ordinários e
extraordinários.
Rodolfo de Camargo Mancuso apresenta como características
comuns aos recursos extraordinário e especial:
a) exigem o prévio esgotamento das instâncias ordinárias; b) não são vocacionados à correção da injustiça do julgado recorrido; c) não servem para a mera revisão da matéria de fato; d) apresentam sistema de admissibilidade desdobrado ou bipartido, com uma fase perante o Tribunal a quo (TJ, TRF) e outra perante o ad quem (STF, STJ); e) os fundamentos específicos de sua admissibilidade estão na CF e não no CPC; f) a execução que se faça na sua pendência é provisória.59
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal
não são terceiro ou quarto grau de jurisdição. Os pressupostos de que dependem, a
natureza do órgão ad quem e a finalidade a que se destinam devem ser analisados para
que seja bem interpretada a distinção entre esses recursos e os demais. “O objetivo
destes recursos (especial e extraordinário) é o de garantir a efetividade e a uniformidade
58 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento no contexto dos recursos extraordinário e especial. Dissertação de Mestrado. São Paulo. PUC. 1997, p. 60. 59 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 127 e seguintes.
39
de interpretação do direito objetivo, e de aplicação em todo território nacional, ou seja,
da Constituição Federal e a da Lei Federal”.60
Os recursos extraordinário e especial são recursos de
fundamentação vinculada, que somente serão admitidos se forem alegadas determinadas
matérias sobre as quais a lei é expressa, tutelando o sistema, o direito objetivo. Possuem
efeito devolutivo restrito.
De acordo com Rodolfo de Camargo Mancuso, os planos da
fixação do ius in thesi e o da resolução prática da controvérsia, explicam-se a partir do
âmbito devolutivo restrito, próprio dos recursos excepcionais, até porque, de outro
modo, as Cortes Superiores se converteriam em mais uma instância revisora,
“exacerbando desmesuradamente o que se deva, tecnicamente, compreender por duplo
grau de jurisdição”.61
Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier, “os recursos
extraordinário e especial são recursos de direito estrito”. Não se trata de 3º e 4º grau de
jurisdição. O âmbito do que pode ser trazido nesses recursos é bem mais restrito do que
o âmbito do que pode ser levantado em um recurso de apelação, porque a cognição
exercida ou exercível pelo juízo ad quem na apelação é bem mais extensa. O que se
examina fundamentalmente nesses recursos são aspectos exclusivamente jurídicos da
decisão de que se recorreu.62
Rodolfo de Camargo Mancuso afirma que o âmbito de
devolutividade que se opera no recurso extraordinário não pode apresentar largo
espectro propiciado pelos recursos ordinários, como a apelação. Do contrário, verificar-
60 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 280. 61 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 159. 62 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. reform. e atual. São Paulo: RT. 2008, p. 245.
40
se-ia um bis in idem, uma renovação, em plena instância excepcional, de aspectos já
submetidos à apreciação dos graus judiciários anteriores. Os pontos (prequestionados)
ficam devolvidos ao Supremo Tribunal Federal concernentes à querela constitucional.63
Cassio Scarpinella Bueno aduz que os recursos de
fundamentação vinculada, quais sejam, embargos de declaração, recurso extraordinário
e recurso especial, impõem ao recorrente demonstrar, além do (genérico) interesse
recursal, um prejuízo específico, que é previamente valorado pelo legislador, sem o qual
não há abertura para a via recursal. Menciona que a característica de buscar reparar
prejuízos previamente idealizados pelo legislador acarreta interessante questão quanto à
superação do juízo de admissibilidade desses recursos e à sua interferência no juízo de
mérito. Para o professor, são recursos que possuem como fim a correção de específicos
vícios de atividade ou de julgamento, que, se ausentes, não dão margem ao contraste da
decisão.64
É recurso de fundamentação vinculada aquele em que a lei só
permite que seja baseado em determinados fundamentos sobre os quais dispõe
expressamente. Já o de fundamentação livre é aquele em que a parte pode alegar,
respeitadas as preclusões, uma série infinita de razões, conforme Luiz Rodrigues
Wambier, para provocar a alteração da decisão que lhe desfavoreceu, como a apelação,
por exemplo.65
De acordo com Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz
Arenhart, cabe ao Supremo Tribunal Federal a guarda das regras da Carta Magna; “é a
ele dirigido o recurso extraordinário, que tem por objeto precisamente a aferição da
63 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: RT. 1998, p. 120 e 121. 64 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 38 e 39. 65 WAMBIER, Luiz Rodrigues. Teoria Geral dos Recursos. Revista de Processo, n. 164/333, Out. 2008, p. 340.
41
correta aplicação e hermenêutica das regras da Constituição Federal”. O recurso
extraordinário só permite a discussão de determinadas situações e possui âmbito restrito,
por isso é chamado de recurso de fundamentação vinculada, exigindo a presença, na
decisão recorrida, de alguma controvérsia sobre aplicação ou interpretação de
dispositivo da Constituição Federal.66
José Carlos Vasconcellos dos Reis afirma que os recursos
especial e extraordinário são recursos de fundamentação vinculada, imposta e limitada
pela própria Constituição: não são recursos de fundamentação livre, em que o recorrente
pode alegar quaisquer questões, inclusive de fato, porém são recursos destinados a
veicular tão-somente questões de direito.67
2. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Conforme José Carlos Barbosa Moreira, o objeto do juízo de
admissibilidade são os requisitos necessários para que se possa apreciar legitimamente o
mérito do recurso, dando-lhe ou lhe negando provimento. São classificados em dois
grupos: intrínsecos (atinentes à própria existência do direito de recorrer) e extrínsecos
(concernentes ao exercício daquele direito). São requisitos intrínsecos, além do que for
estabelecido por norma no que se refere a hipótese especial (cita como exemplo o art.
538, parágrafo único, fine, na redação da Lei n. 8.950): 1) cabimento – para que o
recurso seja cabível, é necessário que o ato recorrido seja, em tese, suscetível de ataque
por meio dele; 2) legitimação para recorrer, citando o art. 499 do CPC, legitimando-se a
parte – autor, réu, litisconsorte, interveniente (que, desde a intervenção, tornou-se
66 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 3. ed. rev., atual., e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 600 e 601. 67 REIS, José Carlos Vasconcellos dos. Apontamentos sobre o novo perfil do recurso extraordinário no direito brasileiro. Revista de Processo, n. 164/57, Out. 2008, p. 61 e 62.
42
parte), o assistente, litisconsorcial ou simples (com a ressalva do art. 53 do CPC), e
alguém que haja assumido posição postulatória em algum incidente (por exemplo, o
arrematante); o terceiro juridicamente prejudicado; e o Ministério Público, atuando
como parte ou como fiscal da lei; 3) interesse em recorrer, que se verifica quando o
recorrente possa esperar do julgamento do recurso, em tese, situação mais vantajosa do
que aquela recorrida (utilidade do recurso) e que necessite das vias recursais para
alcançar esse objetivo (necessidade do recurso); 4) inexistência de fato impeditivo ou
extintivo do poder de recorrer, é impeditivo o ato de que diretamente haja resultado a
decisão desfavorável àquele que, depois, pretende impugná-la; o professor cita o
instituto da preclusão lógica, que consiste na perda de um direito ou de uma faculdade
processual por quem tenha realizado atividade incompatível com o respectivo exercício.
São fatos extintivos a renúncia ao direito de recorrer e a aceitação da decisão
(aquiescência). O art. 503 do CPC contempla duas modalidades de aceitação: a expressa
e a tácita.
São requisitos extrínsecos, de acordo com José Carlos Barbosa
Moreira: 1) tempestividade, todo recurso deve ser interposto dentro do prazo fixado em
lei, observando as regras gerais de contagem de prazo processual (arts. 506 e 184 e
parágrafos); 2) regularidade formal, a interposição de recursos deve observar
determinados preceitos de forma: forma escrita (exceção: art. 523, § 3º) e o da
fundamentação do recurso na petição de interposição, que se deve considerar implícito
nos poucos casos em que a lei não o formula expressamente; 3) preparo, que consiste no
pagamento prévio das despesas relativas ao processamento do recurso; com a falta do
preparo oportuno, ocorre a deserção, se houver apenas insuficiência do valor pago, só se
43
consumará a deserção quando o recorrente, intimado, não complementar o preparo no
prazo de cinco dias (art. 511, § 2º).68
Nelson Nery Junior adota para a classificação dos pressupostos
referentes ao juízo de admissibilidade dos recursos a decisão judicial, a qual é objeto de
recurso, nominando os pressupostos de intrínsecos e extrínsecos, se se referem à própria
decisão recorrida (intrínsecos: cabimento, legitimação para recorrer e o interesse em
recorrer) ou se respeitam a fatores externos à decisão (extrínsecos: tempestividade,
regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e
o preparo).69
Os requisitos de admissibilidade dos recursos extraordinário e
especial estão previstos na Constituição Federal e no Código de Processo Civil.
Possuem sistema de admissibilidade bipartido, perante o juízo a
quo e o juízo ad quem (arts. 541 e seguintes do CPC).
Para a sua interposição, é necessário o esgotamento das
instâncias ordinárias, já que a própria Constituição determina nos arts. 102, III, e 105,
III, o cabimento de recurso extraordinário e de recurso especial, respectivamente, das
“causas decididas em única ou última instância”.70
O recurso especial é cabível apenas de “causas decididas” pelos
Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e
Territórios (art. 105, III, CF). Diferentemente, não há tal ressalva quanto ao cabimento
recurso extraordinário no art. 102, III, CF, sendo cabível não apenas de julgados de
Tribunais.
68 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2007, p. 116-119. 69 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. atual., ampl. e reform. São Paulo: RT. 2004, p. 273 e 274. 70 A respeito do esgotamento das instâncias ordinárias, citam-se as Súmulas 281 do STF “É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem, recurso ordinário da decisão impugnada” e 207 do STJ “É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o acórdão proferido no tribunal de origem”.
44
Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, para fins de recurso
extraordinário, a locução “causa decidida” (art. 102, III, da CF) significa uma ação
julgada extinta, com ou sem julgamento de mérito, ordinariamente revista por Tribunal,
não se podendo descartar a hipótese de que o recurso extraordinário venha manejado em
face de ação julgada extinta em única instância – causa de alçada, executivo fiscal,
decisão colegiada nos Juizados Especiais. Para fins de recurso especial, a Constituição
Federal atrelou o qualificativo “Tribunal” à “causa decidida” (art. 105, III). Assim,
“causa decidida” terá sido julgada, em instância única ou última, por Tribunal (órgão
judiciário de segundo grau).71
O requisito das “causas decididas” será analisado no próximo
capítulo.
Conforme José Carlos Barbosa Moreira, o juízo de
admissibilidade, positivo ou negativo, é essencialmente declaratório. A procedência não
é requisito de admissibilidade. Além disso, de ordinário, reconhece-se ao órgão perante
o qual se interpõe o recurso competência para verificar-lhe a admissibilidade; ao
contrário, nega-se-lhe competência para examinar-lhe o mérito, salvo quando a lei
“expressis verbis” preceitue de maneira diferente.72
Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que, quando se trata de
recursos de fundamentação vinculada, o juízo de inadmissibilidade é muito
freqüentemente um juízo de não provimento do recurso, proferido como resultado de
cognição exauriente (certeza) quanto à inexistência do fundamento invocado na decisão.
“O juízo de inadmissibilidade é um juízo definitivo, de certeza quanto à inviabilidade
do provimento do recurso, muitas vezes por razões de mérito; já o juízo de
71 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 140. 72 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 25. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2007, p. 119 e 120.
45
admissibilidade envolve sempre um juízo de viabilidade – possibilidade, não em tese,
mas diante do caso – de que àquele recurso se dê provimento”.73
Cabe recurso extraordinário quando a decisão recorrida: a)
contrariar dispositivo da Constituição Federal; b) declarar a inconstitucionalidade de
tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da
Constituição; e d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Após a EC 45/2004, a repercussão geral da questão
constitucional é exigida no conhecimento de referido recurso (art. 543-A do CPC),
instituto que foi tratado brevemente no capítulo anterior. A repercussão geral somente
poderá ser aferida pelo STF (art. 543-A, § 2º, CPC). O STF poderá recusar a existência
da repercussão geral por dois terços de seus membros (art. 102, § 3º, CF).74
73 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. reform. e atual. São Paulo: RT. 2008, p. 249. 74 Conforme o art. 543-A, § 3º, do Código de Processo Civil, haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. É interessante citar que no sistema da argüição de relevância, decisões que contrariassem súmula eram havidas como relevantes (Emenda Regimental 2/85, do RISTF). Entretanto, atualmente, de acordo com Arruda Alvim, o desrespeito à súmula vinculante enseja reclamação perante o Supremo Tribunal Federal, porque a matéria de direito constitucional já foi decidida por referido Tribunal Superior em decisão vinculantemente aplicável (A Emenda Constitucional 45/04 e a repercussão geral. Revista Autônoma de Processo 1/223. Curitiba: Juruá. n. 1. Out.-Dez. 2006, p. 270-275). Sobre as súmulas vinculantes do STF, Rodolfo de Camargo Mancuso leciona que o contexto sinaliza para “o gênero de litígio onde a divergência ao interno do Judiciário ou entre este e a Administração Pública se revela nefasta, justamente por envolver contingente bastante expressivo e às vezes até indeterminado de pessoas, as quais, à míngua de um precedente jurisprudencial estável e constante, acabam envolvidas na chamada loteria judiciária. Por esse diagnóstico é possível prever que as súmulas vinculantes incidirão sobre matéria tributária, previdenciária, consumerista, de servidores públicos, de conflitos de massa e outros temas de larga repercussão, onde a questão jurídica predomina sobre a matéria de fato e diga respeito a um número importante de sujeitos ou de situações replicadas ao interno da coletividade. Aliás, essa transcendência das questões submetidas ao STF já constitui pré-requisito no juízo de admissibilidade do recurso extraordinário (§ 3.º do art. 102, redação da EC 45/2004; CPC, arts. 543-A e 543-B, com redação da Lei 11.418/2006) e, também, vem indicada para a admissibilidade do recurso de revista ao TST (CLT, § 6.º, do art. 896, cf. Med. Prov. 2.226/2001). Não por acaso, presume-se a citada repercussão geral nos casos em que a discussão envolve o direito sumular ou a jurisprudência dominante (CPC, § 3.º do art. 543-A, cf. Lei 11.418/2006)” (Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2010, p. 418 e 419). A respeito do art. 543-B e parágrafos, Cassio Scarpinella Bueno aduz que são as situações, muito freqüentes na prática, de multiplicidade de recursos com fundamento em controvérsia idêntica. Representam a mesma situação que a Lei 11.672/2008 tratou, para o STJ, como casos de “recursos repetitivos”. Na visão do professor, tal procedimento deve ensejar “uma ainda mais ampla e préviaparticipação da sociedade civil e do próprio Estado no estabelecimento dos casos que, a final, serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal por oferecerem repercussão geral” (Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de
46
É cabível o recurso especial quando a decisão recorrida: a)
contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo
local contestado em face de lei federal; e c) der a lei federal interpretação divergente da
que lhe haja atribuído outro tribunal, podendo se apontar divergência com julgado de
outro Tribunal (paradigma), o que poderá ser comprovado inclusive por cópia obtida na
internet (art. 541, parágrafo único, do CPC).
Rodolfo de Camargo Mancuso sustenta que a divergência
jurisprudencial não pode ser considerada um mal em si mesma, enquanto fenômeno
jurídico visto isoladamente. Em primeiro lugar, a interpretação dos textos trata-se de
uma tarefa imanente à praxe do Direito, a qual, “sendo ciência nomotética (expressa-se
através de normas)”, pressupõe uma indagação prévia sobre o real significado dos
textos, por mais evidentes que sejam; em segundo lugar, toda norma é um extrato dos
valores prevalecentes em um determinado momento histórico, em uma dada
coletividade, o que coloca para o aplicador a necessidade de anterior aferição quanto à
atualidade da norma “(vigência temporal e espacial; eficácia social)”, importando ter
conhecimento se ela comporta simples subsunção literal aos fatos, ou se exige operação
hermenêutica mais complexa, invocando-se outros critérios, como o histórico, o
teleológico e o sistemático. O professor cita o art. 5º da Lei de Introdução ao Código
controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 299 e 300). Os arts. 543-B e 543-C do CPC estabelecem que, na existência de multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais que tratem de idênticas questões jurídicas, o órgão a quo deverá selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e os encaminhar ao Tribunal superior, STF ou STJ, conforme o caso, sobrestando os demais até o julgamento final dos recursos selecionados. De acordo com José Miguel Garcia Medina, “Os recursos que serão selecionados e encaminhados ao STJ deverão conter, de modo completo, todos os fundamentos necessários à compreensão integral da questão do direito. Além disso, os recursos devem ser relacionados a um determinado problema jurídico, não se exigindo que tenham sido todos interpostos para que se acolha uma mesma tese. É importante, no entanto, que, havendo recursos em sentido favorável ou contrário a uma dada orientação, sejam selecionados recursos que exponham, por inteiro, ambos os ponto de vista” (Prequestionamento e repercussão geral: e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: RT. 2009, p. 105 e 106).
47
Civil “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum”.75
Conforme Cassio Scarpinella Bueno, a jurisprudência
vencedora do STJ dá interpretação ampliativa ao que seja “lei federal” para os fins do
recurso especial da letra “a”, compreendendo-se não só as leis provenientes no
Congresso Nacional (leis em sentido formal e substancial), mas também leis que o são
somente em sentido substancial, como se dá com as medidas provisórias, com os
decretos autônomos e mesmo com os regulamentares editados pelo Presidente da
República. Estão excluídos da locução os atos normativos secundários, produzidos a
partir da lei preexistente, dentre os quais os regimentos internos de Tribunais,
equiparáveis a leis locais. Quanto à alínea b, o professor ressalta que a questão a ser
enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça é eminentemente de direito federal e não
de direito local. A Emenda Constitucional n. 45/2004 limitou a competência do STJ aos
casos em que o confronto se dá entre ato de governo local e lei federal, deixando o
confronto entre duas leis de pessoas federadas diversas reservado ao recurso
extraordinário e, conseqüentemente, ao STF. Dessa forma, o ato a que se refere o
dispositivo constitucional não pode ser lei, mas sim, necessariamente, ato infralegal.
Com relação à alínea c, a divergência jurisprudencial precisa ocorrer no âmbito de
Tribunais diversos, tendo em vista que não existe, a não ser pelo próprio recurso
especial, meio de uniformizar a jurisprudência. Segundo o autor, tal hipótese de
75 Rodolfo de Camargo Mancuso destaca que “É sempre útil ter presente que a purgação da divergência jurisprudencial não implica, minimamente, em qualquer conotação censória ou repressiva em face do órgão a quo, mas tão somente significa o necessário reequilíbrio de uma delicada equação cujos termos são, de um lado, o respeito à livre persuasão racional do magistrado e, de outro, a preservação da instrumentalidade do processo, tudo assim preordenado à busca da ordem jurídica justa. E esse valor justiça fica maltratado ou desatendido quando casos análogos vêm, contemporaneamente, decididos em modo diverso, sem que uma relevante alteração nas fontes substanciais do Direito Positivo, ou a superveniência de jus novum, justifique a discrepância das respostas judiciárias. O processo, instrumentando a aplicação do Direito no caso concreto, e o Judiciário, a seu turno, viabilizando aquela função, devem ambos se irmanar na consecução de uma justiça de boa qualidade, a saber: justa, jurídica, econômica, tempestiva e razoavelmente previsível” (Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2010, p. 252 e 426).
48
cabimento não deixa de ser um reforço para os outros casos. A constatação de que existe
divergência jurisprudencial entre dois ou mais Tribunais é, por si só, suficiente para
demonstrar que, em pelo menos um dos casos, há “contrariedade” ou, o que é o mesmo,
“negativa de vigência” a lei federal. A demonstração de que a decisão viola a lei federal
é objetivamente constatável, impondo o legislador uma específica forma para
demonstração da existência e da ocorrência da divergência.76
Conforme Nelson Luiz Pinto, a expressão “contrariar” é muito
mais ampla e abrangente que “negar vigência”. “Contrariar” supõe toda e qualquer
forma de ofensa ao texto legal, quer deixando de aplicá-lo às hipóteses que a ele devem
subsumir-se, quer aplicando-o de forma errônea ou, ainda, interpretando-o de maneira
não adequada e diferente da interpretação correta, no sentir do órgão responsável pelo
controle ao respeito e pela uniformização do direito federal, que é o STJ. “Negar
vigência” é a não-aplicação, de forma expressa, de determinada lei ao caso concreto dos
autos, a ignorância da existência do preceito legal ou, ainda, a sua interpretação de
modo totalmente absurdo e contrário ao seu texto expresso. “Julgar válida” significa dar
pela validade do ato de governo local (art. 105, III, “b”, CF), aplicá-lo porque foi
considerado não-contrário à lei federal. Basta que o ato tenha sido contestado frente a
uma lei federal para que seja cabível o recurso. Diante da possibilidade de ter havido
ofensa à lei federal em razão da aplicação do ato de governo local, exatamente para que
o STJ possa apreciar e reparar essa possível violação à lei federal.77
Mantovanni Colares Cavalcante afirma que lhe parece correto
deixar o conceito de contrariar para o julgado em que a afronta ao tratado ou lei federal
dá-se de maneira explícita, direta; e negar vigência consistiria na verificação de que se
76 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 307-310. 77 PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros. 2002, p. 196 e 197.
49
afetou o direito federal, em virtude da decisão ter ignorado a lei que obrigatoriamente
teria que ser aplicada ao caso concreto. Para o autor, há negativa de vigência quando se
oculta o julgador em apreciar o caso à luz da regra de direito federal que deveria estar
presente em sua decisão, seria não admitir a existência do tratado ou da lei federal.78
Conforme Pedro Miranda de Oliveira, o que há em comum
entre as hipóteses de cabimento do recurso especial é o fato de, em todas elas, discutir-
se a aplicação/interpretação de lei infraconstitucional (art. 105, inc. III, da Constituição
Federal).79
Os recursos extraordinário e especial são interpostos no prazo
de quinze dias (art. 508 do CPC), observando-se as regras processuais para contagem do
prazo, como a possibilidade de contagem em dobro (arts. 188 e 191 do CPC).
É necessário o preparo de ambos, à exceção de beneficiário da
assistência judiciária gratuita (Lei 1.050/60) e o previsto no art. 18 da Lei 7.347/85
(salvo comprovada má-fé)80 devendo haver o pagamento de custas para o STF e STJ,
além do porte de remessa e retorno dos autos.
3. JUÍZO DE MÉRITO
O juízo de admissibilidade trata-se da verificação se estão
satisfeitas as condições impostas pela lei para que se possa apreciar o conteúdo da
postulação: o cabimento, a legitimação para recorrer, o interesse em recorrer, a
78 CAVALCANTE, Mantovanni Colares. A intervenção de terceiros nos recursos especial e extraordinário e o prequestionamento, in DIDIER JR., Fredie e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: RT. 2004, p. 664 e 665. 79 OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Recurso excepcional adesivo cruzado, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de Outros Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. São Paulo: RT. 2005. v. 8, p. 628. 80 “Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais.”
50
inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer, a tempestividade, a
regularidade formal, o preparo e o prequestionamento. Já o juízo de mérito, após a
verificação de admissibilidade do recurso, trata-se da decisão quanto à matéria
impugnada através deste para acolher ou rejeitar a impugnação. Conforme Nelson Nery
Junior, a efetiva violação da Constituição Federal, um dos casos de recurso
extraordinário (art. 102, III, a), é o próprio mérito do recurso. Para o professor, “a tão
somente alegação da inconstitucionalidade já preenche o requisito de admissibilidade do
recurso extraordinário. Basta, portanto, haver mera alegação de ofensa à Constituição
para que seja vedado ao tribunal federal ou estadual proferir juízo de admissibilidade
negativo ao apelo extremo”.81
José Carlos Barbosa Moreira afirma que o Supremo Tribunal
Federal não está investido de cognição quanto à matéria de fato, a qual não comporta
reexame, nem quanto a outras quaestiones iuris que não se contenham no âmbito
demarcado pela Constituição. Afirma, de acordo com alguns julgados da Corte, ser
possível conhecer-se de recurso extraordinário por fundamento diverso do invocado,
desde que seja enquadrável também na moldura constitucional.82
Assim, a efetiva violação da Constituição Federal ou da lei
federal é o mérito dos recursos excepcionais. Entretanto, é muito comum no âmbito de
tribunais superiores, o julgamento de mérito negando provimento ao recurso, mas que
vem declarado no acórdão como se fosse de não conhecimento. Esse acórdão que
essencialmente conheceu do recurso substituiu (art. 512 CPC) o acórdão recorrido,
ainda que formalmente haja declarado erroneamente que não conheceu do recurso.83
81 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. atual., ampl. e reform. São Paulo: RT. 2004, p. 257 e 258. 82 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 22. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2005, p. 162. 83 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT. 2003, p. 908.
51
Conforme Rodolfo de Camargo Mancuso, os recursos
extraordinário e especial “não se prestam para o reexame da matéria de fato,
presumindo-se ter esta sido dirimida pelas instâncias ordinárias, quando procederam à
subsunção do fato à norma de regência”. O autor afirma que, caso ainda nesse ponto
fossem cabíveis tais recursos, ter-se-ia o STF e o STJ convertidos em novas instâncias
ordinárias e se teria despojado aqueles recursos da sua característica de
excepcionalidade, observando que são vocacionados à preservação do direito federal,
constitucional ou comum.84
Cassio Scarpinella Bueno aduz que o juízo de mérito deve ser
entendido como o pedido que faz o recorrente ao órgão competente para o julgamento
do recurso. Não se trata de um pedido de tutela jurisdicional, porém de um pedido de
reexame de quaisquer decisões proferidas pelos órgãos jurisdicionais, para verificar em
qual medida elas foram proferidas corretamente do ponto de vista processual e, ainda,
mais especificamente, procedimental, e também material.85
O exame de mérito de recurso extraordinário ou de recurso
especial não pode implicar em necessidade de reexame das provas, em si mesmas, o que
incidirá na aplicação das Súmulas 279 do STF, “Para simples reexame de prova não
cabe recurso extraordinário” e 7 do STJ “A pretensão de simples reexame de prova não
enseja recurso especial”.
Repercute tal questão no momento exato do trânsito em julgado
da decisão recorrida, no prazo decadencial para o ajuizamento de ação rescisória, bem
como na competência do ajuizamento e julgamento desta.
84 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 162. 85 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 97 e 98.
52
A Súmula 249 do STF dispõe que “É competente o Supremo
Tribunal Federal para a ação rescisória, quando, embora não tendo conhecido do recurso
extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão
federal controvertida”. Ao observar a Súmula 249, caso não fosse conhecido o recurso
excepcional (à exceção de ser intempestivo), mas, na essência, houvesse sido
examinado o mérito do recurso, teria ocorrido o efeito substitutivo (art. 512 do CPC),
motivo pelo qual o STF seria competente para a ação rescisória desse acórdão de mérito
que transitasse em julgado. Esse enunciado foi complementado pela Súmula 515 do
STF, 86 segundo a qual “A competência para a ação rescisória não é do Supremo
Tribunal Federal, quando a questão federal, apreciada no recurso extraordinário ou no
agravo de instrumento, seja diversa da que foi suscitada no pedido rescisório”.
4. EFEITOS DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS
Também devem ser estudados os efeitos dos recursos
extraordinários, em especial os efeitos devolutivo e translativo, em razão dessa pesquisa
ser essencial na compreensão da devolução da matéria com a interposição de recurso ao
Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.
4.1. EFEITO DEVOLUTIVO
O princípio dispositivo é aplicável à esfera dos recursos. Há que
se atentar para o conceito de recurso, definido por Nelson Nery Junior:
86 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 1614 e 1623.
53
Recurso é o meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o aclaramento da decisão judicial impugnada.
O recurso é a continuação do procedimento, funcionando como
continuação do exercício do direito de ação.87
Lecionam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery
que o efeito devolutivo é manifestação do princípio dispositivo, citando os artigos 128 e
460 do Código de Processo Civil, impedindo que o tribunal conheça de matéria que não
foi objeto de pedido do recorrente, só podendo julgar o que estiver nas razões de recurso
nos limites do pedido de nova decisão (tantum devolutum quantum appellatum).88
Todos os recursos têm efeito devolutivo. Trata-se de
manifestação do princípio dispositivo, impedindo que o tribunal conheça de matéria que
não foi objeto do pedido do recorrente (arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil).
“Há devolutividade, ainda que seja para o mesmo órgão, como os embargos de
declaração ou agravo, quando há o juízo de retratação”.89
Em atenção ao princípio da inércia da jurisdição (art. 2º do
Código de Processo Civil) e ao conceito de recurso, infere-se que o princípio dispositivo
aplica-se aos recursos. Na apresentação de recurso, exige-se do recorrente a iniciativa de
ser legitimado a recorrer, voluntariedade, interesse recursal, que são algumas
características próprias dos recursos.90
87 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed, atual., ampl. e reform. São Paulo: RT. 2004, p. 198-218. 88 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 814. 89 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2003. v. 1, p. 573. 90 A título ilustrativo, cita-se Neil Andrews, em estudo acerca do atual direito inglês. Destaca que quase todos os recursos exigem que o tribunal conceda permissão (permission) (antigamente conhecida como leave), em resposta à petição do recorrente em tribunal de primeira instância. Se a primeira instância (lower court) recusar-se a permitir o recurso, novo requerimento de permissão pode ser realizado ao
54
O efeito devolutivo trata-se de manifestação do princípio
dispositivo, impedindo que o tribunal conheça de matéria que não foi objeto do pedido
do recorrente (arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil). O art. 515, caput, do
Código de Processo Civil dispõe que “A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento
da matéria impugnada”.
No presente trabalho, será utilizado o termo devolução, apesar
de haver na doutrina quem entenda por outra definição. Alcides Mendonça de Lima
prefere a nomenclatura “efeito de transferência”.91
Conforme Nelson Nery Junior, o princípio tantum devolutum
quantum appellatum deve ser respeitado, não se admitindo apelação genérica, ou seja,
mero protesto ou declaração de insatisfação com a decisão atacada pelo recorrente, o
que feriria ao princípio constitucional da paridade de tratamento entre as partes (artigo
5º, caput, da Constituição Federal). O recurso interposto devolve ao Tribunal ad quem o
conhecimento da matéria impugnada. O juízo destinatário do recurso somente pode
julgar o que o recorrente tiver requerido em suas razões, encerradas com pedido de nova
decisão, “que fixa os limites e o âmbito de devolutividade de todo e qualquer recurso
(tantum devolutum quantum appellatum)”. Segundo o autor, o poder conferido pela lei
ao juiz para, na instância recursal, examinar de ofício as questões de ordem pública não
tribunal de recursos. Em geral, um recurso segue para a instância superior de juízo cível. Ressalva que existem regras especiais que permitem a determinados recursos “pular” um nível de recurso e ser encaminhados rapidamente à Court of Appeal, ou até mesmo à House of Lords. A segunda ou ainda a terceira instância de recurso vai da Court of Appeal para a House of Lords. “A House of Lords, entretanto, controla diretamente o fluxo dos casos que serão encaminhados à instância superior. Esta dará permissão para o recurso final somente se os integrantes do tribunal estiverem convencidos de que o caso envolve uma questão pública ou tenha outra importância especial. (...) O tribunal dá a permissão para o recurso quando conclui que a decisão da instância inferior foi ‘equivocada’ ou ‘injusta devido a irregularidade grave no processo ou no procedimento do tribunal de instância inferior’ (...). Em questões de direito, os tribunais estão totalmente preparados – na verdade, são obrigados – para fazer correções. Entretanto, em geral, os tribunais são bastante relutantes quanto a conhecer de recursos de fundo ‘acadêmico’ ou ‘hipotético’, principalmente aqueles que não são do interesse imediato e direto das partes. Porém, há uma exceção a essa regra, que pode ocorrer quando a questão de direito for de interesse público” (O moderno Processo Civil: formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na Inglaterra. Orientação e revisão da tradução por Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT. 2009, p. 193-195 e nota 53). 91 LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos recursos cíveis. 2. ed. São Paulo: RT. 1976, p. 287.
55
argüidas pelas partes não se insere no conceito de efeito devolutivo em sentido estrito,
tendo em vista que isso ocorre pela atuação do princípio inquisitório e não pela sua
antítese, que é o princípio dispositivo, de que é corolário o efeito devolutivo dos
recursos. Conclui que “Mesmo porque, efeito devolutivo pressupõe ato comissivo de
interposição do recurso, não podendo ser caracterizado quando há omissão da parte ou
interessado sobre determinada questão não referida nas razões ou contra-razões do
recurso”.92
Nelson Luiz Pinto afirma que consiste o efeito devolutivo do
recurso na possibilidade de que se abre à parte para que a decisão que lhe fora
desfavorável seja reapreciada pelo Poder Judiciário, normalmente, mas não
necessariamente, por um órgão superior àquele que prolatou a decisão impugnada. O
autor afirma que tal efeito é da essência do recurso, encontra-se em seu próprio
conceito.93
De acordo com Cassio Scarpinella Bueno, o efeito devolutivo
do recurso extraordinário e do recurso especial (art. 542, § 2º, do Código de Processo
Civil), significa a transferência da “questão constitucional” ou da “questão federal”, tal
como decidida para exame pelo Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de
Justiça, conforme o caso. Ainda, o julgamento por eles proferido, quando conhecido o
recurso, tem efeito substitutivo. De acordo com o professor, por efeito substitutivo deve
ser entendida a possibilidade de a decisão que julgar o recurso, desde que seja
conhecido, prevalecer sobre a decisão anterior, a decisão recorrida, tomando o seu lugar,
92 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: RT. 1997, p. 315, 316, 362, 411 e 412.93 PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. ampl. e atual. 2. tir. São Paulo: Malheiros. 2003, p. 39.
56
independentemente do conteúdo. Ele é referido expressamente no artigo 512 do Código
de Processo Civil94.95
Para José Miguel Garcia Medina, em relação aos recursos de
cabimento delimitado, o efeito devolutivo é restrito, assim manifestando-se: a) o objeto
do recurso deve ter sido matéria decidida pelo juízo a quo; b) da matéria decidida,
somente poderá ser impugnada pelo recurso a matéria delimitada no âmbito de
cabimento do recurso em questão.96
Nesse diapasão, é interessante mencionar a doutrina de Cassio
Scarpinella Bueno, segundo a qual a aplicação do § 3º do art. 515 deve ser afastada em
sede de recurso extraordinário e recurso especial, já que os Tribunais Superiores não
podem reavaliar, em si e por si só, o substrato fático firmado, com ânimo de
definitividade perante os Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça. Cita as
Súmulas 279 do Supremo Tribunal Federal e 7 do Superior Tribunal de Justiça, já que
saber se a hipótese é “exclusivamente de direito” ou se ela está em “condições de
imediato julgamento” é uma questão de fato, de prova, o que escapa da apreciação dos
Tribunais Superiores. “Assim, a anulação da decisão proferida pelo Tribunal a quo em
sede de recurso extraordinário e recurso especial, quando ela não tiver apreciado o
mérito, deve conduzir ao reenvio dos autos à instância inferior para que outra seja
proferida, enfrentando o mérito como lhe parecer mais adequado”.97
A máxima tantum devolutum quantum appellatum compreende
que somente se devolve ao conhecimento do Judiciário a matéria contra a qual se
94 “Art. 512. O julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso.” 95 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 117 e 330. 96 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento no contexto dos recursos extraordinário e especial. Dissertação de Mestrado. São Paulo. PUC. 1997, p. 51. 97 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 116 e 117.
57
insurgiu o recorrente. Flávio Cheim Jorge pondera que o efeito devolutivo assume um
papel relevante para a formação do trânsito em julgado. “Se pensássemos que o
Judiciário pudesse rever toda a matéria decidida com a simples interposição do recurso,
seríamos forçados a aceitar que o trânsito em julgado, de toda a decisão, somente seria
alcançado como julgamento do recurso respectivo”. Menciona o § 3º, do artigo 515, do
Código de Processo Civil, por meio do qual é permitido que o juiz aprecie diretamente o
mérito da causa, em manifesta ampliação à extensão do efeito devolutivo do recurso de
apelação.98
Segundo Nelson Juliano Schaefer Martins, o princípio
dispositivo diz respeito aos poderes das partes com referência a uma certa causa
colocada sob julgamento. Estabelece os limites para o juiz no cumprimento de sua
função jurisdicional, na condução da causa e na busca e produção do material probatório
correspondente. Faz uma correlação com o princípio da demanda, que limita o juiz aos
pedidos formulados pelas partes. Já o princípio dispositivo limita o juiz no que se refere
às iniciativas das partes na condução da causa e na busca e produção do material
probatório correspondente. Visa salvaguardar a imparcialidade do juiz.99
Gleydson Kleber Lopes de Oliveira afirma que a sistemática do
Código contemplou, no que se refere à apelação, o princípio do tantum devolutum
quantum appellatum, desdobramento do princípio dispositivo, segundo o qual a
extensão do recurso é proporcional à matéria impugnada pelo recorrente, ressalvadas,
98 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. Rio de Janeiro: Forense. 2003, p. 262, 266, 267 e 269. 99 MARTINS, Nelson Juliano Shaefer. Poderes do juiz no processo civil. São Paulo: Dialética. 2004, p. 187.
58
entretanto, as matérias de ordem pública que podem ser suscitadas de ofício pelo juiz
em face do efeito translativo.100
Por meio do recurso, a parte apresenta o seu inconformismo,
submetendo as questões impugnadas ao órgão ad quem, evitando a formação de coisa
julgada e a preclusão da matéria, que ainda está sub judice. A expressão tantum
devolutum quantum appellatum refere-se à restrição do conhecimento pelo tribunal da
matéria efetivamente impugnada pelo recorrente, nos limites do pedido da parte. O
efeito devolutivo, segundo o qual o tribunal está impedido de conhecer de matéria que
não foi submetida a pedido do recorrente, decorre do princípio dispositivo.
4.1.1. EXTENSÃO E PROFUNDIDADE DO EFEITO DEVOLUTIVO
Kazuo Watanabe leciona que a cognição pode ser vista em dois
planos diferentes, quais sejam, horizontal (extensão, amplitude) e vertical
(profundidade). No plano horizontal, o limite da cognição são os elementos objetivos do
processo (trinômio: questões processuais, condições da ação e mérito, inclusive
questões de mérito; para alguns: binômio, com exclusão das condições da ação). No
plano vertical, a cognição pode ser classificada, segundo o grau de sua profundidade,
em exauriente (completa) e sumária (incompleta).101
100 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Carência da ação e efeito devolutivo da apelação, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 221-223. 101 Kazuo Watanabe leva em consideração a distinção da cognição conforme dois planos distintos: o da extensão (horizontal) e o da profundidade (vertical). De acordo com o professor, “se a cognição se estabelece sobre todas as questões, ela é horizontalmente ilimitada, mas se a cognição dessas questões é superficial, ela é sumária quanto à profundidade. Seria, então, cognição ampla, em extensão, mas sumária em profundidade. Porém, se a cognição é eliminada ‘de uma área toda de questões’, seria limitada quanto à extensão, mas se quanto ao objeto cognoscível a perquirição do juiz não sofre limitação, ela é exauriente quanto à profundidade. Ter-se-ia, na hipótese, cognição limitada em extensão e exauriente em profundidade. Reservamos somente àquela (...) a expressão cognição sumária” (Da cognição no processo civil. 2. ed. atual. São Paulo: Central de Publicações Jurídicas: Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais. 1999, p. 111-113).
59
Ao estudar o efeito devolutivo, há doutrinadores que destacam
a extensão e a profundidade de referido efeito, também denominados como dimensão
horizontal e vertical do efeito devolutivo, respectivamente.
Conforme José Carlos Barbosa Moreira, a dimensão vertical do
efeito devolutivo abrange as questões examináveis de ofício e as que foram suscitadas e
discutidas pelas partes, não tendo sido objeto de decisão. Afirma que o recurso
extraordinário e o especial possuem efeito devolutivo limitado. O recurso extraordinário
(como o especial, ramificação dele) não dá ensejo a novo reexame da causa, análogo ao
que propicia a apelação. Em seu âmbito, discutem-se unicamente quaestiones iuris.102
Rodolfo de Camargo Mancuso afirma que os recursos
excepcionais possuem restrita devolutividade, devendo conter-se nos limites das
quaestiones juris antes debatidas e decididas “(= prequestionadas)”, sob pena de se
converterem em recursos de tipo comum. Essa devolutividade, sob o prisma horizontal,
não é ampla, tendo em vista que não tem como abranger todos os tópicos do julgado
recorrido, devendo confinar-se aos pontos jurídicos nele prequestionados. Tal limitação
horizontal acaba por repercutir na perspectiva vertical (a profundidade da cognição),
havendo autorizada doutrina que nega a devolutividade sob a dimensão vertical.103
A extensão do efeito devolutivo confunde-se com o brocardo
tantum devolutum quantum appellatum, devolvendo-se ao Judiciário o que se
102 José Carlos Barbosa Moreira afirma “Nem o recurso extraordinário, nem o especial investe o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça de cognição quanto à matéria de fato, no sentido de que – conforme rezam os nºs 279 e 7 da Súmula da Jurisprudência Predominante daquele e deste, respectivamente – nenhum dos dois abre ensejo ao reexame de provas (e menos ainda à colheita de outras), para apurar-se a exatidão daquilo que, em tal plano, assentou a decisão impugnada. É claro que, se o recorrente alega error in procedendo supostamente cometido pelo órgão a quo – por exemplo: infração da regra que só permite a declaração da inconstitucionalidade da lei por determinado quorum(Carta da República, art. 97) –, é mister averiguar a ocorrência ou não do fato alegado, isto é, verificar, à vista das peças dos autos, quantos julgadores reconheceram a inconstitucionalidade, e que fração do colégio representavam, para poder formar juízo sobre a existência ou inexistência da alegada ofensa à Constituição. Mas nem mesmo aí se trata de reexaminar acertamento de fatos que o tribunal inferior haja tomado como base da decisão recorrida” (Comentários ao Código de Processo Civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2008. v. V, p. 446, 585 e 600). 103 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 174.
60
impugnou, na decisão de que se recorreu. Conforme Teresa Arruda Alvim Wambier, o
efeito devolutivo tem, ou pode ter, outra dimensão diferente da horizontal. Trata-se de
sua profundidade. A profundidade do efeito devolutivo vincula-se, de certa maneira, à
sua dimensão horizontal. A partir do que terá sido impugnado na decisão é que se pode
determinar dentro de quais limites a cognição do Juízo ad quem poderá incursionar
naquilo que tenha ocorrido durante o processo e que não esteja refletido na sentença.
Exemplifica que pode ocorrer que a decisão impugnada tenha realmente examinado
todas essas questões e que, assim, tudo conste da própria sentença, ou não. Leciona:
A dimensão vertical do efeito devolutivo possibilita que o tribunal venha a conhecer destas questões, e a dimensão horizontal influi nestes limites. (...) Esta dimensão vertical do efeito devolutivo açambarca também questões não apreciadas no primeiro grau, não cognoscíveis de ofício e que hajam sido suscitadas e discutidas.
No tocante aos recursos de fundamentação vinculada, Teresa
Arruda Alvim Wambier afirma que o que se devolve ao Judiciário são exclusivamente
os pontos ou aspectos da decisão que podem ser impugnados pela parte. Apenas o que
estiver no corpo do acórdão é que pode ser objeto de impugnação por recurso especial
ou extraordinário, podendo-se somente levantar os vícios de ilegalidade e
inconstitucionalidade (se a questão apresentar repercussão geral), respectivamente. Tais
são os limites do efeito devolutivo desses recursos ditos excepcionais. A dimensão
vertical do efeito devolutivo está limitada nos recursos excepcionais pela
impossibilidade de se reverem fatos e de se reexaminarem provas. Os recursos
extraordinário e especial, segundo a autora, não geram efeito translativo ou não tem o
efeito devolutivo que deles decorre a dimensão vertical.104
104 Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que “Estes recursos não abrem o acesso a outra matéria, que não a decidida e impugnada, chegar à cognição do STF e do STJ” (Recurso especial, recurso
61
Cassio Scarpinella Bueno afirma que a extensão do efeito
devolutivo refere-se à idéia do que é e do que não é impugnado pelo recorrente. Trata-se
da quantidade de matéria questionada em sede recursal e que será, conseqüentemente,
apreciada pelo órgão ad quem. O autor menciona que o caput do art. 515 e seu § 1º, do
Código de Processo Civil,105 apesar de inseridos como regras da apelação, dão a exata
compreensão da extensão do efeito devolutivo para todos os recursos. Quanto à
profundidade do efeito devolutivo, relaciona-se aos fundamentos e às questões que
foram, ou não, analisados pela decisão recorrida e que viabilizam seu contraste em sede
recursal, referindo-se à qualidade da matéria impugnada em sede de recurso e que
poderá ser reapreciada pelo órgão ad quem. O art. 515, § 2º, do Código de Processo
Civil trata da matéria, apesar de sua localização no diploma, não se restringe ao recurso
de apelação.106
Segundo Paulo Henrique dos Santos Lucon “o termo efeito de
transferência (ou translativo) reflete de melhor forma o tradicionalmente denominado
efeito devolutivo)”. E explana que esse efeito comporta análise a partir de dois prismas
diferentes, quais sejam: 1) objetivo, representado pela extensão (sentido horizontal),
sendo a extensão delimitada por aquilo que é submetido ao órgão ad quem a partir do
que foi pedido no recurso, e profundidade (sentido vertical), que é medida pelo material
extraordinário e ação rescisória. 2. ed. reform. e atual. São Paulo: RT. 2008, p. 346, 347, 350, 358 e 359). 105 “Art. 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 1o Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. § 2o Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais. § 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. § 4o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação.”106 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 109.
62
fático e jurídico com que o órgão ad quem poderá trabalhar; 2) subjetivo, representado
pelos efeitos benéficos ou maléficos determinados pelo novo julgamento que foi
propiciado pelo meio de impugnação.107
Para Clara Moreira Azzoni, a dimensão vertical, embora
limitada, manifesta-se no efeito devolutivo dos recursos extraordinários. A
profundidade do efeito devolutivo desses meios de impugnação permite apenas o
reexame das questões de direito e da violação à legislação federal, no caso do recurso
especial, e afronta à Constituição Federal, no caso do recurso extraordinário.108
4.2. EFEITO TRANSLATIVO
Diferentemente do efeito devolutivo, o efeito translativo é
manifestação do princípio inquisitório.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam
que o sistema recursal do processo civil brasileiro não admite a reformatio in pejus
quando a questão depender de alegação da parte para que possa ser apreciada:
O recurso devolve ao órgão ad quem o conhecimento da matéria impugnada. Não poderá o tribunal decidir mais do que lhe foi pedido pelo recorrente (CPC 515). (...) Quando houver questão de ordem pública a ser analisada no juízo recursal, pode o tribunal resolvê-la contrariamente aos interesses do recorrente, ocorrendo, assim, reformatio in pejus permitida.
107 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil, ordem pública e prequestionamento, in MEDINA, José Miguel Garcia, CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo, CERQUEIRA, Luís Otávio Sequeira de, GOMES JUNIOR, Luiz Manoel (Coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT. 2008, p. 37 e 39. 108 AZZONI, Clara Moreira. Efeitos dos recursos especial e extraordinário no Direito Processual Civil.Dissertação de Mestrado. São Paulo. USP. 2008, p. 195.
63
Com relação ao efeito translativo, Nelson Nery Junior e Rosa
Maria de Andrade Nery aduzem que o sistema autoriza o tribunal a julgar fora do que
consta das razões ou contra-razões do recurso, com relação a recursos ordinários, não se
podendo falar em julgamento ultra, extra ou citra petita, o que ocorre normalmente com
as questões de ordem pública, as quais devem ser conhecidas de ofício pelo juiz e a
respeito das quais não se opera a preclusão (artigos 267, § 3º e 301, § 4º), que está
permitido pelo disposto nos artigos 515, §§ 1º a 3º e 516 do Diploma Processual Civil.
O exame, por exemplo, das condições da ação deve ser feito ex officio, não
caracterizando proibição da reformatio in pejus, incidente com relação apenas às
questões de direito dispositivo. Afirmam que o efeito translativo existe na remessa
necessária (artigo 475), permitindo ao tribunal analisar amplamente a causa, “inclusive
agravando a situação da Fazenda Pública, sem que isso constitua ofensa ao princípio
dispositivo, que não atua na remessa necessária”. Em sentido diverso: Súmula 45 do
STJ: “No reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta à
Fazenda Pública”. Todavia, com relação aos recursos excepcionais, que não
configuram, para os professores, terceiro ou quarto grau de jurisdição, não pode ser
invocada a ordem pública de que se revestem algumas questões para que possam ser
apreciadas ex officio e pela primeira vez.109
De acordo com Nelson Nery Junior, a remessa necessária tem a
natureza jurídica de “condição de eficácia da sentença”. Por esse motivo, “tem
translatividade plena, submetendo ao tribunal toda a matéria levantada e discutida no
juízo inferior, mesmo que a sentença não a haja apreciado por inteiro”. O autor sustenta
que não há o efeito translativo nos recursos excepcionais (extraordinário, especial e
embargos de divergência), tendo em vista que seus regimes jurídicos estão no texto
109 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT. 2003, p. 205, 848, 851 e 852.
64
constitucional, que diz serem cabíveis das causas decididas pelos tribunais inferiores
(arts. 102, III, e 105, III, CF). Conforme o professor, se o tribunal não se manifestar
sobre questão de ordem pública, o acórdão apenas poderá ser impugnado por ação
autônoma (ação rescisória), porque incidem as Súmulas n. 282 e 356 do STF, que
exigem o prequestionamento da questão constitucional ou federal suscitada para que
seja conhecido o recurso constitucional excepcional. A lei autoriza o exame de ofício
das questões de ordem pública a qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 267, § 3º,
CPC). A instância dos recursos extraordinário e especial não é ordinária, mas
excepcional, não se aplicando o referido texto legal.110
Em conformidade com Teresa Arruda Alvim Wambier, a
possibilidade de o órgão ad quem examinar as questões de ordem pública não é
decorrência do efeito devolutivo dos recursos em sentido estrito, nem pela atuação do
princípio dispositivo, mas sim em decorrência do efeito translativo.111
Cassio Scarpinella Bueno afirma que pelas próprias
características dos recursos extraordinários, extraídas das hipóteses de cabimento
taxativamente previstas pela Carta Magna, o efeito translativo não se aplica a esses
recursos.112
Para Gisele Santos Fernandes Góes, o efeito translativo é a
devolução do juízo de admissibilidade do processo referente às questões de ordem
pública. E aduz que “a carga do efeito translativo é a sua nítida feição inquisitiva,
110 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: RT. 1997, p. 59 e 415. 111 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 240 e 241. 112 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 330.
65
irradiando para o juízo o poder-dever de atuar com responsabilidade sempre revendo a
pauta de ordem pública no processo”.113
Segundo Gleydson Kleber Lopes de Oliveira, o efeito
translativo relaciona-se com o princípio inquisitório e autoriza o juiz ou tribunal a julgar
fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso. Refere-se ao conhecimento
de questão de ordem pública, que deve ser examinada de ofício pelo juiz e é insuscetível
de preclusão, nos termos do artigo 267, § 3º, do Código de Processo Civil. A finalidade
desse dispositivo reside no fato de o juiz ou tribunal analisar de ofício, em qualquer
tempo e grau de jurisdição, matéria de ordem pública que tem, justamente, o condão de
viciar o processo. Posição contrária a esta romperia com a tendência publicista do
processo, de acordo com o autor. “Ademais, a referência a sentença de mérito por si só
não inibe a possibilidade da análise de ofício de questão de ordem pública pelo tribunal,
uma vez que o acórdão, desde que o mérito do recurso seja apreciado, substitui a
sentença”.114
Rodrigo Barioni entende que o efeito devolutivo do recurso fixa
os limites da cognição do órgão julgador do recurso, sendo tudo o que é transferido à
apreciação do órgão julgador em razão do recurso interposto, seja relativo à matéria
impugnada, seja ex officio, o é por força do efeito devolutivo do recurso. Para o autor, o
efeito translativo nada mais é do que uma espécie do gênero efeito devolutivo. Aparece
113 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Recursos especial, extraordinário e embargos de divergência: efeito translativo ou correlação recursal? Revista Dialética de Direito Processual, n. 22/58, Jan. 2005, p. 60. 114 Gleydson Kleber Lopes de Oliveira aduz ser controvertida a fundamentação em função da qual deve o órgão jurisdicional competente, em sede de recurso, analisar de ofício questão de ordem pública. Para parte da doutrina, como José Carlos Barbosa Moreira, Machado Guimarães e José Frederico Marques, tal possibilidade advém do efeito devolutivo, mais precisamente na sua profundidade, que, na situação da apelação é totalmente ampla. Outra parcela defende que tal é possível em razão do princípio translativo, defendida por Nelson Nery Junior. “Razão assiste ao exposto por Nelson Nery Junior, pois a possibilidade de o juiz ou tribunal, na instância recursal, analisar de ofício questão de ordem pública não argüida pelas partes não se fundamenta no efeito devolutivo, ante à ausência do princípio, mas, sim, no efeito translativo diante da inquisitoriedade” [Recursos de efeito devolutivo restrito e a possibilidade de decisão acerca de questão de ordem pública sem que se trate de matéria impugnada, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 236 e 243-246].
66
esse efeito da divisão do efeito devolutivo: de um lado, surgem as matérias cognoscíveis
ex officio, por força do denominado efeito translativo, que decorre do princípio
inquisitivo; de outro, as matérias cuja apreciação está vinculada à manifestação de
vontade do recorrente, em razão do efeito devolutivo em sentido estrito, que é
decorrência do princípio dispositivo. Segundo Rodrigo Barioni, são dois
desdobramentos do próprio efeito devolutivo do recurso. E conclui “a cognição do
órgão destinatário do recurso, em relação a qualquer matéria, ocorre por conta do efeito
devolutivo”.115
Desta forma, o efeito translativo refere-se às matérias de ordem
pública. Neste passo, citam-se os arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, ambos do Código de
Processo Civil.116
A análise da matéria referente à possibilidade de conhecimento
de questões de ordem pública em sede dos recursos extraordinários lato sensu, núcleo
central do trabalho, será enfrentada no Capítulo V desta dissertação.
4.3. EFEITO SUSPENSIVO
Ainda quanto aos efeitos dos recursos extraordinários, em
conformidade com o artigo 542, § 3º, do Código de Processo Civil, os recursos
extraordinário e especial não possuem efeito suspensivo. Isso quer dizer que o
115 BARIONI, Rodrigo. Efeito devolutivo da apelação civil. São Paulo: RT. 2007, p. 42. 116 Art. 267, “§ 3º O juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI; todavia, o réu que a não alegar, na primeira oportunidade em que lhe caiba falar nos autos, responderá pelas custas de retardamento”. Art. 301, “§ 4º Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo”.
67
cumprimento do julgado pode dar-se de maneira imediata, mas provisória (art. 475-O do
Código de Processo Civil117).
O efeito suspensivo consiste em qualidade que adia a produção
de efeitos da decisão, assim que impugnável, perdurando até que transite em julgado a
decisão ou o próprio recurso dela interposto.118
O efeito suspensivo tem o condão não de suspender, mas de
obstar o início da execução. Não havendo este efeito, a execução provisória tem
início.119
4.4. EFEITO EXPANSIVO
117 “Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido; II – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento; III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos. § 1o No caso do inciso II do caput deste artigo, se a sentença provisória for modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução. § 2o A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada: I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade; II – nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação. § 3o Ao requerer a execução provisória, o exeqüente instruirá a petição com cópias autenticadas das seguintes peças do processo, podendo o advogado valer-se do disposto na parte final do art. 544, § 1o:I – sentença ou acórdão exeqüendo; II – certidão de interposição do recurso não dotado de efeito suspensivo; III – procurações outorgadas pelas partes; IV – decisão de habilitação, se for o caso; V – facultativamente, outras peças processuais que o exeqüente considere necessárias.” 118 Conforme Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery “A suspensividade é atributo da recorribilidade e não propriamente do recurso. O efeito suspensivo tem início com a publicação da decisão impugnável por recurso para o qual a lei prevê efeito suspensivo, e termina com a publicação da decisão que julga o recurso. As eficácias do efeito suspensivo se direcionam para a não executoriedade da decisão impugnada. O efeito suspensivo é dado como regra aos recursos, exceto quando a lei expressamente dispuser em contrário” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 936). 119 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2003. v. 1, p. 574.
68
Além dos efeitos devolutivo e suspensivo, identificados pela
doutrina nacional, que leva em consideração apenas a interposição do recurso e suas
conseqüências quanto à decisão recorrida, há outros fenômenos relacionados com: a)
eficácia da decisão recorrida; b) com o julgamento do próprio recurso, que são efeitos
dos recursos e não se enquadram naquela dicotomia clássica. São os efeitos expansivo,
translativo e substitutivo dos recursos, de acordo com Nelson Nery Junior e Rosa Maria
de Andrade Nery.120 Há que se mencionar, brevemente, o efeito expansivo no rol dos
efeitos dos recursos relacionado pela doutrina.
Conforme Cassio Scarpinella Bueno, referido efeito deve ser
entendido como as conseqüências que o julgamento do recurso tem aptidão de acarretar
à própria decisão recorrida, a outros atos ou decisões do processo e, ainda, a eventuais
outros sujeitos processuais, que não o recorrente. Haverá “efeito expansivo objetivo”,
quando os efeitos acarretados pelo julgamento do recurso – e não pela sua interposição
– fazem-se sentir no plano processual, interferindo na manutenção de determinados atos
processuais. Haverá efeito expansivo “interno” quando o julgamento acarretar
modificação da própria decisão recorrida, sendo a nova decisão incompatível com a
anterior. Será efeito expansivo “externo” quando os efeitos decorrentes do julgamento
atingirem outros atos do processo que não a própria decisão recorrida (por exemplo, art.
475-O, II, do CPC). Com relação ao “efeito expansivo subjetivo”, as conseqüências do
provimento do recurso referem-se às pessoas (sujeitos) e não aos atos processuais
propriamente ditos (como o art. 509, caput, do CPC)121.122
120 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 936. 121 “Art. 509. O recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses”. 122 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 112-114.
69
4.5. EFEITO SUBSTITUTIVO
A respeito do efeito substitutivo, o art. 512 do Código de
Processo Civil é expresso ao dizer que o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a
sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso. Nelson Nery Junior
analisa tal dispositivo afirmando que a decisão a respeito do mérito do recurso substitui
integralmente a decisão recorrida. Aduz que o efeito substitutivo se opera em todos os
recursos, situando-se referido artigo nas disposições gerais aplicáveis a todas as espécies
de recurso. “A substitutividade, entretanto, tem a sua incidência nos limites da
peculiaridade de cada recurso per se”.123
4.6. INTERPOSIÇÃO DO RECURSO: CONSEQÜÊNCIAS
Os recursos têm o efeito de obstar a formação da coisa julgada,
pelo menos com relação à parte da decisão de que se está recorrendo. A interposição de
recurso também obsta a ocorrência de preclusão.124 Nas palavras de Nelson Nery Junior,
“o recurso retarda a formação da coisa julgada recorrida. Reputa-se essa assertiva como
correta, desde que lhe seja acrescentada a ressalva de que o recurso interposto deva ser
conhecido”.125
Cândido Rangel Dinamarco afirma que é tradicional na
doutrina a afirmação de que a interposição de recursos tem o efeito de impedir a
preclusão, evitando que ela se consume, ressalvando opinião em contrário, como a de
123 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: RT. 1997, p. 416. 124 WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2003. v. 1, p. 573. 125 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed, atual., ampl. e reform. São Paulo: RT. 2004, p. 268.
70
Nelson Nery Junior, que sustenta ter somente o efeito de adiar ou retardar a preclusão,
não o de impedi-la.126
Após essa análise preliminar, a abordagem quanto à incidência
de referidos efeitos nos recursos especial e extraordinário será enfocada quando da
análise comparativa dos julgados trazidos do STF e do STJ no presente trabalho. Antes
disso, será examinado o requisito do prequestionamento, exigido pela Carta Magna para
tais recursos, tópico de extrema importância para estabelecimento de premissas prévias
ao estudo da jurisprudência dos Tribunais Superiores quanto à necessidade do
prequestionamento de questão de ordem pública.
126 DINAMARCO, Cândido Rangel. Efeitos dos recursos, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT. 2002. v. 5. p. 27.
71
CAPÍTULO III
PREQUESTIONAMENTO
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição
Federal de 1988 dispõem que ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de
Justiça cabe o julgamento, respectivamente, mediante os recursos extraordinário e
especial das “causas decididas ...” na instância inferior (destaques em negrito):
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da
Constituição, cabendo-lhe:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal” (incluída pela Emenda
Constitucional n. 45, de 2004).
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
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III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância,
pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e
Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; (redação dada
pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004)
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”
As diversas Constituições Brasileiras previram, desde 1891, o
recurso extraordinário e traçaram as suas hipóteses de cabimento (destaques em
negrito):
1891: “Art. 59 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
III - rever os processos, findos, nos termos do art. 81.
§ 1º - Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o
Supremo Tribunal Federal:
a) quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a
decisão do Tribunal do Estado for contra ela;
b) quando se contestar a validade de leis ou de atos dos Governos dos Estados em face
da Constituição, ou das leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado considerar
válidos esses atos, ou essas leis impugnadas.”
1934: “Art. 76 - A Corte Suprema compete:
2) julgar:
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III - em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou
última instância:
a) quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sôbre cuja
aplicação se haja questionado;
b) quando se questionar sobre a vigência ou validade de lei federal em face da
Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos Governos locais em face da
Constituição, ou de lei federal, e a decisão do Tribunal local julgar válido o ato ou a lei
impugnada;
d) quando ocorrer diversidade de interpretação definitiva da lei federal entre Cortes de
Apelação de Estados diferentes, inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou
entre um destes Tribunais e a Corte Suprema, ou outro Tribunal federal.”
1937: “Art. 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
III - julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em
única ou última instâncias:
a) quando a decisão for contra a letra de tratado ou lei federal, sôbre cuja aplicação se
haja questionado;
b) quando se questionar sobre a vigência ou validade da lei federal em face da
Constituição, e a decisão do Tribunal local negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato dos Governos locais em face da
Constituição, ou de lei federal, e a decisão do Tribunal local julgar válida a lei ou o ato
impugnado;
d) quando decisões definitivas dos Tribunais de Apelação de Estados diferentes,
inclusive do Distrito Federal ou dos Territórios, ou decisões definitivas de um destes
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Tribunais e do Supremo Tribunal Federal derem à mesma lei federal inteligência
diversa.”
1946: “Art. 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
III - julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância
por outros Tribunais ou Juízes:
a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado
ou lei federal;
b) quando se questionar sobre a validade de lei federal em face desta Constituição, e a
decisão recorrida negar aplicação à lei impugnada;
c) quando se contestar a validade de lei ou ato de governo local em face desta
Constituição ou de lei federal, e a decisão recorrida julgar válida a lei ou o ato;
d) quando na decisão recorrida a interpretação da lei federal invocada for diversa da que
lhe haja dado qualquer dos outros Tribunais ou o próprio Supremo Tribunal Federal.”
1967: “Art. 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas, em única ou última
instância, por outros Tribunais, quando a decisão recorrida: (redação dada pelo Ato
Institucional n. 6, de 1969)
a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência a tratado ou lei federal;
(redação dada pelo Ato Institucional n. 6, de 1969)
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; (redação dada pelo Ato
Institucional n. 6, de 1969)
c) julgar válida lei ou ato do Governo local, contestado em face da Constituição ou de
lei federal; (redação dada pelo Ato Institucional n. 6, de 1969)
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d) dar à lei federal interpretação divergente da que lhe haja dado outro Tribunal ou o
próprio Supremo Tribunal Federal” (redação dada pelo Ato Institucional n. 6, de 1969).
1969: “Art. 119. Compete ao Supremo Tribunal Federal:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última
instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição ou negar vigência de tratado ou lei federal;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato do govêrno local contestado em face da Constituição ou de lei
federal; ou
d) der à lei federal interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Tribunal ou o
próprio Supremo Tribunal Federal.”
Em razão da importância do tema em voga, transcrevem-se
algumas Súmulas a respeito do tema: do Supremo Tribunal Federal: 282 “É
inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a
questão federal suscitada” (Súmula 282, Sessão Plenária de 13/12/1963, Súmula da
Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal – Anexo ao Regimento
Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 128, referência legislativa: Constituição
Federal de 1946, art. 101, III);127 356 “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não
foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário,
por faltar o requisito do prequestionamento” (Súmula 356, Sessão Plenária de
13/12/1963, Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal –
Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 154, referência
127 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_201_300>.
Acesso em: 13 de Julho de 2009, 19:06.
76
legislativa: Constituição Federal de 1946, art. 101, caput, III);128 do Superior Tribunal
de Justiça: 98 “Embargos de declaração manifestamente com notório propósito de
prequestionamento não têm caráter protelatório” (Súmula 98, Corte Especial, julgado
em 14/04/1994, DJ 25/04/1994 p. 9284); 211 “Inadmissível recurso especial quanto à
questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo
tribunal a quo” (Súmula 211, Corte Especial, julgado em 01/07/1998, DJ 03/08/1998 p.
366).129
Em 1963, José Afonso da Silva, a respeito da eliminação do
texto da Constituição Federal de 1946 da expressão “sôbre cuja aplicação se haja
questionado” existente nas Constituições de 1934 e 1937, entendeu que não se exigiria
mais o pré-questionamento sobre a aplicação da lei federal, para interpor-se o remédio
constitucional, bastando que a decisão a tivesse vulnerado. “Significa, pois, que não
importa ser a lei malferida a invocada, mas qualquer uma existente na ordem jurídico-
positiva estatal; do mesmo modo, pouco importa que a lei aplicada seja a invocada ou
outra qualquer, desde que dominadora da espécie, eliminada estará a legitimidade do
remédio extremo constitucional”. Sustenta que o dispositivo não visa proteger, em
princípio, o direito subjetivo das partes, porém a inteireza da ordem jurídica objetiva.
Aduz que a aplicação de uma norma qualquer, desde que pertinente, satisfaz a
exigência de certeza e segurança que o remédio postula no caso. Ao contrário,
conforme o autor, dará ensejo ao remédio constitucional se qualquer norma jurídico-
objetiva for vulnerada, ainda que não a invocada pela parte. Entretanto, nesse caso, a
ofensa à lei deve trazer prejuízo à parte para que se legitime o seu interesse em recorrer,
128 Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_301_400>.
Acesso em: 13 de Julho de 2009, 19:05. 129 Disponível em: http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp>. Acesso em: 13 de Julho de 2009, 19:00.
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porque não há na legislação brasileira, como em outras legislações, a interposição do
recurso no interesse exclusivo da lei.130
Em conformidade com Pontes de Miranda, a Constituição de
1967 atendeu à sua crítica e retirou qualquer alusão à controvérsia, ressaltando: o que se
exige é tão-somente ter havido, na decisão recorrida, enunciado de
inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal. Segundo o autor, não se fala de se ter
questionado, nem de se questionar.131
Após analisar o histórico do prequestionamento nas
Constituições brasileiras, em exposição sobre “A nova lei de recursos (Lei 8.038/90)”,
José Ignácio Botelho de Mesquita afirma que a exigência do prequestionamento que
havia, na história das Constituições, ou por disposição expressa, ou por disposição
implícita, de negar vigência à norma, “acaba cedendo por completo em matéria de
Recurso Especial”. Entretanto, prevê, em razão do sistema jurídico nacional, dentro de
prazo não muito grande, o aumento do número de Recursos Especiais e um
“exacerbamento novo da exigência do prequestionamento”.132
Segundo Galeno Lacerda, até o advento da Constituição de
1946, seria admissível o prequestionamento, porque os textos usavam o verbo
130 SILVA, José Afonso da. Op. Cit., p. 198 e 199. 131 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit., p. 155. 132 “E, se não for outra razão, pelo menos pela interpretação histórica eu seria levado a entender que o Superior Tribunal de Justiça não poderia mais exigir – pelo menos não teria apoio constitucional para exigir – o prequestionamento ou o questionamento, se quiser, como condição de admissibilidade do Recurso Especial. Mas, notem os Senhores, e embora pareça-me claro que a intenção do constituinte tenha sido exatamente de abrir o recurso – que antes era o Recurso Extraordinário e agora é o Recurso Especial – estendê-lo de uma forma mais liberal, de forma a quase que tornar mais acessível a instância última e superior aos jurisdicionados – intenção esta que se revela também pelo fato de que se criou um Tribunal de composição mais numerosa para a decisão dos Recursos Especiais – embora isto tudo seja verdade, o fato é que, dado o nosso sistema jurídico, o número de Recursos Especiais acabará – a meu ver, dentro de um prazo não muito grande – a causar, mesmo ao Superior Tribunal de Justiça, com o tamanho que ele tem, problemas sérios, se é que isso não está ocorrendo agora. E isto então fará não só com que a tendência, que hoje se observa em algumas decisões, em abrandar o requisito do prequestionamento no Superior Tribunal de Justiça acabe descambando num exacerbamento novo da exigência do prequestionamento, como é bem possível que provoque o surgimento de algumas questões em matéria de cabimento de Recurso Extraordinário que, de um certo modo, já estavam ultrapassadas há muito tempo” (MESQUITA, José Ignácio Botelho de. Teses, estudos e pareceres de Processo Civil. São Paulo: RT. 2005. v. 2, p. 192 e 193).
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“questionar”, suprimido a partir da Constituição de 1967. “Desaparecida a condição,
sua exigência, depois da vigência da Constituição de 1967, passou a ser
inconstitucional”. Não cabe atualmente, conforme o autor, ao interpretar a Constituição
de 1988, em nenhuma hipótese, submeter o poder soberano de julgar, confiado ao
Judiciário, em especial à Corte Suprema, por imperativo constitucional, ao requisito
prévio do prequestionamento, de iniciativa das partes ou de juízes e tribunais de
gradação inferior.133
Já Alcides de Mendonça Lima, em palestra proferida em
setembro de 1989, reproduzida na Revista de Processo n. 57/132, logo após a instituição
do recurso especial pela Carta Magna de 1988, afirmou que:
O prequestionamento, porém, continua, porque não é exigência descabida, mas serve para pôr freio a situações sem sentido processualmente, pois, se assim não for, a controvérsia não fica circunscrita à propositura da ação e à contestação, alargando-se, assim, de modo sem limite, para surgirem questões novas apenas no final da causa, em verdadeira surpresa para o adversário, tumultuando o processo. O mesmo requisito serve para o recurso especial pelo objetivo similar ao recurso extraordinário.134
Ora, a atual Carta Magna traça como requisito a causa estar
decidida para que seja levada a conhecimento via recurso extraordinário ou recurso
especial. Desta forma, urge saber o que a expressão “causa decidida” significa. Assim,
esclarecer-se-á o conceito de prequestionamento, assim como a controvérsia existente
133 LACERDA, Galeno. Considerações críticas sobre o prequestionamento. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, n. 29/251, Out.-Dez. 1999, p. 262-264. Galeno Lacerda observa “No que diz com o prequestionamento, trata-se de erro enorme, de ofensa mortal à Constituição, porque sujeita a aplicação de todas as leis, inclusive da Lei Maior, à condição resolutivado ‘princípio dispositivo’, do falso poder de disposição das partes, ou ao arbítrio de juízes e tribunais inferiores. Nesta perspectiva forte e realista, que sepulta o tão decantado ‘ativismo judicial’, não cabe cogitar sequer de embargos declaratórios inoperantes. Cabe, sim, proclamar, com desassombro e coragem, o gravíssimo e insuportável equívoco dessa postura” (Prequestionamento. Revista Forense, n. 346/199, Abril-Junho/1999, p. 209 e 210). 134 LIMA, Alcides de Mendonça. Recurso extraordinário e recurso especial. Revista de Processo, n. 57/132, Jan.-Março 1990, p. 135.
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sobre o mesmo – se é algo que depende das partes, do órgão judicial recorrido ou de
ambos.
2. CONCEITO
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam
que o conceito de causa para efeito de impugnabilidade “é toda questão decidida por
meio de atividade jurisdicional, em última ou única instância. Questões administrativas,
ainda que decididas por órgão do Poder Judiciário, não configuram causa para fins de
RE”. Apenas quando tiver sido decidida a causa é que, em tese, cabe o recurso
excepcional. O que não foi decidido, não pode ser revisto. “Daí por que tem razão o
STF quando exige o prequestionamento da questão constitucional, para que possa
conhecer do RE (STF 282 e 356)”.135
Em outra oportunidade, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de
Andrade Nery lecionam:
A expressão prequestionamento é equívoca, porque pode dar a entender que bastaria ao recorrente “suscitar” (prequestionar) a matéria para o cabimento do REsp. A CF 105 III não fala em suscitar nem em prequestionar, mas em “causa decidida”, para que seja cabível o REsp. Portanto, para o sistema constitucional brasileiro, prequestionar significa provocar o tribunal inferior a pronunciar-se efetivamente sobre a questão legal, previamente à interposição do REsp.136
135 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal comentada e legislação constitucional. São Paulo: RT. 2006, p. 279 e 280. 136 Com relação ao recurso extraordinário, de acordo com Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery “Prequestionar significa provocar o tribunal inferior a pronunciar-se sobre a questão constitucional, previamente à interposição do RE” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 924 e 925).
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Nelson Nery Junior aduz que o prequestionamento é apenas um
meio para instar-se o juízo ou tribunal de origem a decidir a questão constitucional ou
federal que se quer ver apreciada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior
Tribunal de Justiça, no julgamento do recurso extraordinário e do recurso especial.
Causa “decidida” é manifestação específica do requisito genérico de admissibilidade
denominado cabimento do recurso, sendo o prequestionamento somente meio para
chegar-se a essa finalidade. O verdadeiro requisito de admissibilidade do recurso
extraordinário e do recurso especial é o cabimento, que apenas ocorrerá quanto às
matérias que tenham sido efetivamente “decididas” pelas instâncias ordinárias (CF 102
III e 105 III).137
Athos Gusmão Carneiro ressalta que, para que uma
determinada questão seja considerada prequestionada, não basta que tenha sido
suscitada pela parte no curso do contraditório, de preferência com expressa menção à
norma de lei em que a mesma questão esteja regulamentada. “É necessário, mais, que
no aresto recorrido a matéria tenha sido decidida, e decidida manifestamente (não
obstante se possa considerar prescindível a expressa menção ao artigo de lei)”. Não é
necessária, para configurar o prequestionamento, a expressa menção aos textos de lei
ditos contrariados, basta que a matéria, regida pela norma, tenha sido objeto de
apreciação.138
Rodolfo de Camargo Mancuso sustenta que, atualmente, o
prequestionamento da matéria devolvida ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior
Tribunal de Justiça por meio dos recursos extraordinário e especial tem que ser
entendido com temperamento, afirmando o doutrinador não mais se justificar o rigor das
137 NERY JUNIOR, Nelson. Ainda sobre o prequestionamento – os embargos de declaração prequestionadores, in DIDIER JUNIOR, Fredie. Leituras complementares de Processo Civil. 5. ed. rev. e ampl. Salvador: Edições PODIVM. 2007, p. 66 e 67.138 CARNEIRO, Athos de Gusmão. Recurso especial, agravo e agravo interno. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003, p. 31 e 43.
81
Súmulas 282, 317 e 356. Se for possível, sem esforço, saber no caso concreto que o
objeto do recurso está de maneira razoável demarcado nas instâncias precedentes, o
autor entende que é o bastante para satisfazer essa exigência que é própria dos recursos
de tipo excepcional, não sendo excrescente, malgrado não conste, expressamente, nos
permissivos constitucionais que os regem. Os Tribunais Superiores não se constituem
em “3.ª ou 4.ª instâncias”, apenas conhecem da matéria jurídica delineada na extensão e
compreensão do que lhes foi devolvido pelo recurso de tipo excepcional. Não se
aplicam a eles os brocardos iuria novit curia e da mihi factum, dabo tibi jus, que são
próprios dos juízes singulares e dos Tribunais de Apelação (Justiças, Regionais
Federais), que conhecem da matéria jurídica e da de fato. Entende o autor que, “desde
que o tema federal ou constitucional tenha sido agitado, discutido, tornando-se res dubia
ou res controversa (RTJ 109/371), cremos que ele estará prequestionado”.139
Eduardo Ribeiro de Oliveira afirma que há dissenso quanto ao
verdadeiro significado do prequestionamento, levantando a questão se esse está no fato
de o tema que se discute no recurso haver sido objeto da decisão ou de debate pelas
partes. Entende que, embora o termo possa sugerir o contrário, o prequestionamento não
consiste no debate anterior ao julgamento. O que se tem como indispensável é o exame
da questão pela decisão recorrida, assim, deflui da natureza do especial e do
extraordinário e resulta do texto constitucional. Para o autor, o prequestionamento,
entendido como a necessidade de o tema, objeto do recurso, haver sido examinado pela
decisão atacada, constitui conseqüência inafastável da própria previsão constitucional,
ao estabelecer os casos em que os recursos extraordinário e especial são cabíveis. Não
139 Conforme Rodolfo de Camargo Mancuso, “No caso do RE e do REsp, ante a exigência de que se trate de causa decidida, é necessário que o tribunal a quo tenha se pronunciado sobre os pontos que se pretende sejam revistos pelo STF ou pelo STJ, no que se convencionou chamar prequestionamento.Como regra, trata-se de diligência precípua do recorrente, nas suas razões (ou via embargos declaratórios, ditos prequestionadores – Súmula STJ 98)” (Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 314, 315 e 326).
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há amparo legal ou constitucional para sustentar que a admissibilidade de tais meios de
impugnação se vincule à provocação da parte, antes do julgamento.140
Araken de Assis entende que o prequestionamento não se
vincula, absolutamente, à iniciativa das partes. Ao invés, distingue-se de modo
irretorquível, segundo o autor, das alegações das partes, contra ou a favor do ato
decisório recorrido, já que o novo pronunciamento talvez nelas não se baseie, provendo
o julgador de ofício. E conclui “as várias exceções à regra desmoralizam o vínculo
artificial entre a atividade das partes e o prequestionamento”. Cabem os recursos
especial e extraordinário quando há questão decidida no pronunciamento impugnado,
seja a decisão produzida pela iniciativa das partes ou não; não cabem tais recursos, ao
invés, se o órgão judiciário se omitiu acerca de qualquer questão.141
Teresa Arruda Alvim Wambier aduz que a noção de
prequestionamento, como o próprio vocábulo sugere, nasceu como sendo fenômeno que
dizia respeito à atividade das partes. As partes é que “questionam”, discutem ao longo
do processo sobre a questão constitucional ou federal. A importância dessa atividade
das partes sempre foi uma constante na evolução do instituto. Assim como ocorreu com
as Constituições que lhe antecederam (a partir da de 1946), a Constituição Federal de
1988 não mencionou expressamente o termo “questionar”. “A noção de
prequestionamento passou a referir-se, ao longo do tempo, à necessidade de que
constasse da decisão impugnada a questão federal ou constitucional”. Prevaleceu o
entendimento jurisprudencial de que o prequestionamento, como a presença da questão
na decisão recorrida, é imprescindível ao cabimento dos recursos extraordinário e
especial. Segundo a autora, a postulação das partes perante o juízo a quo, embora não
140 OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Prequestionamento. Revista de Processo, n. 97/161, Jan.-Mar. 2000, p. 161 e 164. 141 ASSIS, Araken de. Prequestionamento e embargos de declaração. Revista Jurídica, n. 288/5, Out. 2001, p. 14 e 19.
83
constitua requisito do recurso especial ou do recurso extraordinário é mecanismo muitas
vezes imprescindível para viabilizar o cabimento dos referidos recursos para as
instâncias superiores. “A exigência do prequestionamento decorre da circunstância de
que os recursos especial e extraordinário são recursos de revisão. Revisa-se o que já se
decidiu”. São recursos que reformam as decisões impugnadas, em princípio, com base
no que consta das próprias decisões impugnadas.142
Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier, “... A expressão
prequestionamento que originariamente dizia respeito à atividade das partes, pois são as
partes que ‘questionam’, passou a significar a exigência de que DA DECISÃO conste
esta discussão que houve entre as partes sobre a questão federal”. Os recursos especial e
extraordinário não abrem o acesso a outra matéria, que não a decidida e impugnada,
para chegar à cognição do STF e do STJ.143
Não se pode confundir o prequestionamento com a invocação
prévia de pontos pelas partes. Teresa Arruda Alvim Wambier utiliza o termo “questão”
como ponto controvertido. É mero ponto uma afirmação que não é rebatida pela outra
parte.144 Em outra oportunidade, a autora sustenta “Exercendo o direito ao contraditório,
transformam as partes pontos em questões”.145 Segundo Cândido Rangel Dinamarco, a
questão é o ponto duvidoso.146
142 Para Teresa Arruda Alvim Wambier, o prequestionamento se presta a fazer com que conste da decisão recorrida a questão federal ou a questão constitucional, o que, quando se trata de provocar os Tribunais Superiores a fazer um reexame da subsunção, isto é, a reavaliar o processo subjuntivo, em sentido lato, feito pelo tribunal a quo, pode significar pleitear para que integrem expressamente a decisão aspectos do quadro fático em que se estribou a decisão impugnada (Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. reform. e atual. São Paulo: RT. 2008, p. 353 e 397-401). 143 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: RT. 2005, p. 239, 284 e 285. 144 Idem. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 112 e 114. 145 Idem. A influência do contraditório na convicção do juiz: fundamentação de sentença e de acórdão.Revista de Processo, n. 168/53, Fev. 2009, p. 56. 146 Conforme Cândido Rangel Dinamarco, “Há questões de fato, correspondentes à dúvida quanto a uma assertiva de fato contida nas razões de alguma das partes; e de direito, que correspondem à dúvida quanto à pertinência de alguma norma ao caso concreto, à interpretação de textos, legitimidade perante norma
84
Humberto Theodoro Júnior observa que a atual Constituição,
como a de 1967, silencia-se a respeito do prequestionamento. Entretanto, o silêncio
constitucional não deve ser interpretado como afastamento do importante e clássico
requisito. Quanto ao recurso especial, é necessário, além da prévia argüição nos autos da
questão federal, que tenha sido enfrentada e dirimida pelo tribunal de origem,
ressaltando a importância dos embargos de declaração. Além disso, conforme o autor, o
recurso especial, por sua própria natureza constitucional, “continua submisso às antigas
súmulas instituídas pelo STF, ao tempo em que sua competência extraordinária abrangia
tanto a matéria constitucional como a infraconstitucional”, dentre as quais, STF
Súmulas 382, 356, 279 e 454 (5 e 7 do STJ), 283 e 284.147
Cassio Scarpinella Bueno leciona que a palavra “causa” sempre
recebeu interpretação ampla, sendo indiferente, para o cabimento de recurso
extraordinário e recurso especial, que as decisões recorridas tenham ou não apreciado o
mérito ou que elas sejam, em sua origem, decisões interlocutórias (Súmula 86 do STJ)
ou sentenças. Entretanto, não basta que se trate de uma “causa” para o cabimento de
recurso extraordinário e recurso especial, ela deve ser decidida. Para o professor,
“causas decididas” querem significar, antes de tudo, que a decisão que se submete a
referidos recursos são decisões que não comportam mais quaisquer outros recursos
perante os órgãos jurisdicionais, pressupondo-se “exaurimento de instância”. A
expressão “causa decidida” desempenha a mesma função que tradicionalmente exerceu
a palavra “prequestionamento”, cunhada, ao que tudo indica, a partir das previsões
constantes das Constituições Federais de 1891 a 1946, tendo sido sob a égide da
hierarquicamente superior etc” (Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. e atual. por Antônio Rulli Neto. São Paulo: Malheiros. 2002. Tomo I, p. 240 e 241). 147 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Recurso Especial – Prequestionamento. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 34/131, Mar.-Abr. 2005, p. 134, 137 e 139.
85
Constituição de 1946 que as Súmulas 282 e 356 do STF, importantes para o assunto,
foram editadas.
O “prequestionamento”, para Cassio Scarpinella Bueno, deve
ser entendido, para todos os fins, como sinônimo de “causa decidida”, a despeito de a
expressão não ser empregada na Constituição Federal, desde a de 1967. Com o fim de
que “o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça desempenhem
adequadamente a sua missão constitucional, de uniformizar a interpretação e aplicação
do direito federal em todo o território brasileiro, é mister que eles julguem, em sede de
recurso extraordinário e em sede de recurso especial, o que já foi decidido”.
Diferentemente do que insinua o seu nome, o prequestionamento, segundo o autor,
caracteriza-se pelo enfrentamento de uma determinada tese de direito constitucional ou
de direito infraconstitucional federal na decisão a ser recorrida e não pelo debate ou pela
suscitação da questão antes de seu proferimento. “A palavra deve ser compreendida
como a necessidade de o tema objeto do recurso haver sido examinado, enfrentado,
decidido, pela decisão atacada”.148
Paulo Henrique dos Santos Lucon afirma que o
prequestionamento insere-se nos pressupostos de admissibilidade dos recursos
endereçados aos tribunais de superposição brasileiros. Aduz que, na seara dos recursos
especial e extraordinário, não há espaço para aplicação dos brocardos da mihi facto,
dabo tibi jus ou iuria novit curia, próprios das instâncias ordinárias. Isso em razão de
que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não representam
terceiro ou quarto grau de jurisdição.149
148 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 274 e 275. 149 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Repercussão geral (ausência). Prequestionamento (ausência). Ofensa indireta à Constituição Federal. Má-fé e ignorância. Danos decorrentes da demora do processo.Revista de Processo, n. 157/345, Março 2008, p. 357 e 358.
86
Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim utilizam a
palavra prequestionamento como sinônimo de manifestação do tribunal local acerca de
determinada questão federal, em estudo a respeito do recurso especial. Notam,
entretanto, que a manifestação da instância local nem sempre decorre de provocação das
partes. O preenchimento do requisito do prequestionamento pode restar configurado
quando o tribunal local decretar de ofício a carência da ação, abrindo a via para
interposição do recurso especial, sem que a falta de qualquer das condições da ação
tenha sido debatida pelas partes nas instâncias ordinárias. Ou seja, “independentemente
de ter havido prévio debate das partes sobre a matéria de ordem pública, caberá recurso
especial, porque o acórdão percutiu questão federal, adequando-se, a hipótese concreta,
à fattispecie do inciso III do art. 105 da Constituição”.150
José Miguel Garcia Medina sustenta que o prequestionamento é
um dos institutos controversos e multifacetados, sobre o qual pendem divergências.
Afirma ser importante a uniformização dos entendimentos jurisprudenciais existentes
sobre os requisitos de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário e em
especial sobre a configuração do prequestionamento, em todos os seus aspectos:
A persistência do desacordo jurisprudencial a respeito, segundo pensamos, constitui, para aqueles que pretendem interpor recurso extraordinário ou especial, obstáculo de mais difícil superação que os próprios requisitos constitucionais dos referidos recursos. Prejudica-se, com isto, a realização de tão relevante função desempenhada no sistema jurídico pelos recursos extraordinário e especial e, conseqüentemente, a razão de ser das Cortes Superiores.151
150 ALVIM, Eduardo Arruda e ALVIM, Angélica Arruda. Aspectos atinentes ao prequestionamento no recurso especial. Revista Forense, n. 397/3, Maio-Junho 2008, p. 5 e 6. 151 MEDINA, José Miguel Garcia. Variações jurisprudenciais recentes sobre a dispensa do prequestionamento, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de Outros Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. São Paulo: RT. 2005. v. 8, p. 281-287.
87
Entende José Miguel Garcia Medina que o prequestionamento
seria ato privativo da parte, que deveria questionar previamente a matéria, isto é,
invocá-la antes do julgamento. Já a questão federal ou constitucional decidida
constituiria ato privativo do tribunal, prescindindo de atividade prévia da parte. Para o
doutrinador, a Constituição Federal exige apenas, para os recursos extraordinário e
especial, que tenha havido questão federal ou constitucional decidida pelo tribunal,
sendo desnecessário o prequestionamento, ou seja, sendo dispensável a discussão ou
controvérsia prévia da matéria. José Miguel Garcia Medina aduz que, apesar de a
Constituição Federal não mencionar, expressamente, o termo “questionar” como
algumas das anteriores o faziam, isso não quer dizer que não há necessidade da presença
da questão na decisão recorrida. Entretanto, segundo o autor, a exigência do
prequestionamento não se encontra expressa na Constituição Federal. Conceitua o
prequestionamento como sendo “a atividade postulatória das partes, decorrente da
manifestação do princípio dispositivo, tendente a provocar a manifestação do órgão
julgador (juiz ou tribunal) acerca da questão constitucional ou federal determinada em
suas razões, em virtude do qual fica o órgão julgador vinculado, devendo manifestar-se
sobre a questão prequestionada”. Para o autor, o prequestionamento é constitucional
porque não vai contra as normas constitucionais, servindo para instrumentalizar o
conhecimento da questão constitucional ou federal pela decisão recorrida, decorrente de
manifestação do princípio dispositivo e do efeito devolutivo perante a instância
inferior.152
Com o devido respeito, ousa-se discordar do entendimento do
professor José Miguel Garcia Medina, já que se entende no presente trabalho que o
prequestionamento ocorre na decisão recorrida, sendo a questão federal ou
152 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento nos recursos extraordinário e especial: e outras questões relativas a sua admissibilidade e ao seu processamento. 3. ed. São Paulo: RT. 2002, p. 200-210 e 407-409.
88
constitucional decidida pelo tribunal, estando atrelado ao requisito “causa decidida”
previsto na Constituição Federal.153
Para Antônio Carlos Amaral Leão, o prequestionamento deve
ser suscitado no recurso de apelação cível, criminal, agravo de instrumento, recurso de
revista. No recurso, todas as questões de direito federal ou constitucional devem constar
expressamente da petição, com o fim de que o tribunal local, tomando conhecimento
direto das matérias, discuta, debata e as decida. “Essa decisão expressa sobre a matéria
prequestionada, é o que se chama de ventilar a questão federal”.154
Em conformidade com Luiz Guilherme Marinoni e Sergio Cruz
Arenhart, exige-se para a interposição dos recursos especial e extraordinário o requisito
do prequestionamento, sendo necessário que a questão legal ou constitucional já esteja
presente nos autos, tendo sido decidida pelo tribunal (ou juízo, no caso de recurso
extraordinário) a quo, ou pelo menos debatida pelas partes e submetida ao crivo judicial
previamente à interposição do recurso (Súmulas 282 do Supremo Tribunal Federal e
211 do Superior Tribunal de Justiça).155
Conforme Luís Eduardo Simardi Fernandes, o
prequestionamento é da própria essência desses recursos excepcionais, o que ocorre em
razão de os dispositivos constitucionais que tratam do recurso extraordinário (art. 102,
III) e especial (art. 105, III) falarem em “causas decididas” e porque, para a ocorrência
153 Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim afirmam que “A conceituação adotada neste trabalho refoge, de certo modo, da etimologia do termo ‘prequestionamento’. Com efeito, a partir de uma análise dos preceitos constitucionais disciplinadores do recurso extraordinário nas Constituições Federais de 1934 e 1937, notamos que os mesmos eram expressos no sentido de exigir o prévio questionamento das partes,para que o mesmo tivesse cabimento. Se assim entendêssemos, teríamos de concluir, como quer José Miguel Garcia Medina, que o prequestionamento não é da essência do recurso especial”. Sustentam que a exigência do prequestionamento deflui da disciplina constitucional do recurso especial, em especial da menção a que o inciso III do art. 105 faz a “causas decididas” (Aspectos atinentes ao prequestionamento no recurso especial. Revista Forense, n. 397/3, Maio-Junho 2008, p. 11 e 13). 154 LEÃO, Antônio Carlos Amaral. O prequestionamento para a admissibilidade do Recurso Especial. Revista dos Tribunais, n. 650/236, Dez. 1989, p. 237.155 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sergio Cruz. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 603 e 604.
89
de uma das situações previstas nas alíneas dos arts. 102, III, e 105, III, é necessário que
haja manifestação do órgão a quo sobre a questão.156
Segundo Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol, o
prequestionamento implica na obrigatoriedade do debate sobre a alegação contida no
recurso, sendo imperioso que a matéria reste “‘suficientemente discutida a ponto de se
construir tese sobre ela’” (AI 181.091-SP, DJU 02/05/96, p. 13.782, Seção I). Justifica-
se o requisito do prequestionamento em razão da Carta Magna exigir que a causa esteja
decidida (artigos 102, inciso III, e 105, inciso III).157
Eduardo Cambi e Paulo Nalin aduzem que a expressão
constitucional “causas decididas” traz uma explícita limitação à atividade cognitiva dos
Tribunais Superiores, consistente na necessidade do prequestionamento ou na ausência
do efeito devolutivo em sentido vertical. As regras contidas nos arts. 515, §§ 1º e 2º, e
516158 do Código de Processo Civil, não se aplicam a estes recursos. São devolvidas aos
Tribunais Superiores somente as matérias que foram impugnadas. Tal entendimento
decorre do requisito constitucional do prequestionamento, contido nos arts. 102, III, e
105, III, da Constituição Federal, que se referem ao cabimento dos recursos
extraordinário e especial, em relação às causas decididas. Os Tribunais Superiores, no
bojo desses recursos, não podem decidir algum aspecto da causa, pela primeira vez,
conforme se pode depreender das Súmulas 282 e 356 do STF, que confirmam a
necessidade do prequestionamento.159
156 FERNANDES, Luís Eduardo Simardi. Embargos de declaração: efeitos infringentes, prequestionamento e outros aspectos polêmicos. São Paulo: RT. 2003, p. 212 e 213. 157 MIRANDA, Gilson Delgado e PIZZOL, Patrícia Miranda. Algumas considerações sobre os recursos especial e extraordinário – requisitos de admissibilidade e recursos retidos, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 176-178. 158 “Art. 516. Ficam também submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas.” 159 CAMBI, Eduardo e NALIN, Paulo. O controle da boa-fé contratual por meio dos recursos de estrito direito, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos dos Recursos Cíveis e de Outros Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. São Paulo: RT. 2003. v. 7,
90
Para José Theophilo Fleury, o entendimento consubstanciado
na Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça é mais condizente com a natureza dos
recursos extraordinários, já que, tratando-se de recursos de fundamentação vinculada,
estão adstritos às questões jurídicas de direito federal e constitucional de que as partes
previamente e oportunamente se ocuparam, e sobre as quais tenha havido expressa
decisão do tribunal local, “vem ao encontro da orientação preconizada nas Súmulas 282
e 356 do Supremo Tribunal Federal”. Pondera que “Prequestionamento não significa,
assim, o mero questionamento prévio pelas partes de questões federais e constitucionais
para futura interposição de recursos especial e extraordinário, mas, sim, o próprio
questionamento (decisão) pelo acórdão recorrido, sobre as questões invocadas. A prévia
invocação da questão jurídica pelas partes é essencial para que o Tribunal sobre ela
decida, no entanto, não é suficiente para caracterizar o prequestionamento, este, aferível
na decisão recorrida”. Diz ser possível o prequestionamento tão-somente de questões
invocadas previamente pelas partes (com exceção das questões cognoscíveis ex officio),
sem que se confunda o prequestionamento com a invocação prévia de questões pelas
partes. Conclui que cabe ao Supremo Tribunal Federal colocar fim aos posicionamentos
antagônicos entre suas Primeira e Segunda Turmas, pacificando-se o entendimento
sobre o requisito do prequestionamento.160
O prequestionamento é requisito para a interposição dos
recursos especial e extraordinário de matérias que já tenham sido decididas que versem
sobre lei federal ou a Constituição Federal, respectivamente.161
p. 55-57. 160 FLEURY, José Theophilo. Do prequestionamento nos recursos especial e extraordinário Súmula 356/STF x Súmula 211/STJ?, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 425-427 e 435-440. 161 Seguem decisões acerca do tema em voga: “Diz-se prequestionada determinada matéria quando o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito, incumbindo à parte sequiosa de ver a controvérsia guindada à sede extraordinária instá-lo a fazê-lo (STF, Ag. 143.242-0/SP, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 3/8/93, p. 14445)”, decisão
91
Assim, o prequestionamento é a necessidade de que o tema
objeto do recurso haja sido examinado pela decisão atacada. É requisito inafastável ao
conhecimento do recurso excepcional, ainda que se trate de nulidade absoluta, a não ser
que decorrente do próprio julgamento (STJ, AgRg no Ag 454001/RJ, Terceira Turma,
DJ 10/03/2003; AgRg no Ag 316.486/SP, Segunda Turma, DJ 17/09/2001; REsp
199312/RJ, Quinta Turma, DJ 29/05/2000; REsp 144605/SP, Quinta Turma, DJ
17/08/1998). Portanto, a caracterização do prequestionamento é aferível na decisão
recorrida.
Desta forma, tratando-se de causa decidida, havendo
controvérsia sobre a questão durante o processo, deve constar da decisão recorrida a
matéria para que se caracterize o prequestionamento. O conceito do prequestionamento
está atrelado à “causa decidida”, requisito previsto na Constituição Federal para os
recursos extraordinário e especial.
3. EXISTEM GRAUS DE PREQUESTIONAMENTO? O
PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO, IMPLÍCITO E FICTO
Discute-se na doutrina e na jurisprudência a respeito de uma
certa “classificação” de graus de prequestionamento. Há quem entenda haver
prequestionamento explícito em razão de constar expressamente o número do artigo
constitucional ou de lei federal na decisão recorrida, sendo implícito por constar na
citada na obra de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT. 2003, p. 205). “Não enseja interposição de recurso especial matéria não ventilada no julgado atacado e sobre a qual está deficiente a fundamentação da parte recorrente. Incidência das Súmulas 356 e 284 do STF” (STJ, REsp 744.620/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 23/08/2005, v.u., DJ 12.09.2005 p. 344). “Nos termos das Súmulas 282 e 356/STF, é inviável em sede de recurso especial a apreciação de matéria cujo tema não fora objeto de discussão no acórdão recorrido, uma vez que cabe ao tribunal a quomanifestar-se sobre o tema, tendo em vista a exigência do indispensável prequestionamento” (STJ, AgRg no REsp 510.930/SP, 5ª Turma, Rel. Min.Gilson Dipp, j. 18/08/2005, v.u., DJ 19.09.2005 p. 364).
92
decisão a matéria decidida, sem fazer menção expressa ao artigo numérico. Para outros,
seria explícito porque a matéria constou expressamente decidida. Prequestionamento
ficto seria a ausência de menção expressa da matéria, embora trazida em sede de
embargos de declaração pela parte interessada, como uma forma de interpretação da
Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal. Não há uniformidade a respeito do conceito
de cada um desses graus. Para aprimoramento do estudo, serão feitos breves
comentários a respeito do que seria prequestionamento explícito, implícito e ficto.
Rodolfo de Camargo Mancuso leciona que, na vigência da
Constituição Federal precedente, caudalosa jurisprudência exigia um prequestionamento
“expresso, claro, induvidoso” (RTJ 99/1.189) e “inequívoco” (DJU 14/9/84, p. 14.920,
1ª col., ementa). Em uma linha moderada, que parece para Rodolfo de Camargo
Mancuso o melhor caminho, há diversas decisões do Superior Tribunal de Justiça,
citando Athos Gusmão Carneiro, Sálvio de Figueiredo Teixeira e Eliana Calmon, pela
desnecessidade de prequestionamento explícito, ou seja, se a tese defendida no especial
tenha sido apreciada no Tribunal recorrido à luz da legislação federal, sem a menção
expressa da lei federal tida por violada. Já no âmbito do Supremo Tribunal Federal,
aduz que tem sido exigido o prequestionamento explícito da matéria constitucional
controvertida. Entende que, em razão do âmbito de devolutividade do recurso
extraordinário e do recurso especial só poder ficar restrito às questões de direito que
tenham sido enfrentadas e decididas no acórdão recorrido, “a rigor nem seria imperioso
falar em prequestionamento, bastando ter presente o fato de que o STF e o STJ só
podem mesmo atuar como instância final, em face de uma causa decidida seja no plano
da revisão (errores in judicando), seja no de cassação (errores in procedendo
insanáveis/ insupríveis)”.162
162 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 315, 317 e 318.
93
E. D. Moniz de Aragão afirma que “mesmo as questões
surgidas (tanto faz que direta ou indiretamente) no próprio julgamento, contra o qual é
interposto o recurso, estão questionadas. Do contrário, o processo voltará a ser o campo
minado que a doutrina moderna proscreve, no qual a realização do Direito nem sempre
era o objetivo primordial”. Ressalta que pode e deve ser exigido do impugnante opor
embargos de declaração, para que o órgão julgador confronte a decisão adotada com a
infração nela cometida. Conclui que não há sentido trancar o acesso ao recurso porque o
litigante deveria ter previsto o desfecho anormal do julgamento.163
Nelson Nery Junior destaca que a visão dicotômica do
prequestionamento em implícito e explícito é irrelevante para a caracterização do
cabimento do recurso excepcional. “O problema não existe: haja ou não o
prequestionamento, implícito ou explícito, pouco importa, o RE ou REsp só será
admissível se a matéria tiver sido efetivamente “decidida”, vale dizer, se estiver contida
“dentro” do acórdão que se pretende impugnar.” Além disso, leciona não existir
necessidade de a decisão recorrida mencionar expressamente o dispositivo da
Constituição Federal ou da lei para haver-se caracterizado o prequestionamento. Basta
que o ato judicial tenha decidido a questão constitucional ou federal.164
Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa, a respeito
do prequestionamento explícito, aduzem que o prequestionamento exige que a decisão
recorrida tenha se manifestado de maneira clara sobre a matéria constitucional objeto do
recurso extraordinário. Entretanto, a exigência do prequestionamento não significa que
o artigo da Constituição Federal tenha sido expressamente referido na decisão recorrida.
163 ARAGÃO, E. D. Moniz de. Pré-questionamento. Revista Forense, n. 328/37, Out., Nov. e Dez. 1994, p. 44. 164 NERY JUNIOR, Nelson. Ainda sobre o prequestionamento – os embargos de declaração prequestionadores, in DIDIER JUNIOR, Fredie. Leituras complementares de Processo Civil. 5. ed. rev. e ampl. Salvador: Edições PODIVM. 2007, p. 67.
94
O prequestionamento deve ser explícito quanto à matéria objeto do preceito
constitucional.165
Segundo Teresa Arruda Alvim Wambier, controverte-se, na
doutrina e na jurisprudência, o que deve ser entendido como prequestionamento
explícito e implícito. Para uma concepção, prequestionamento implícito ocorre quando,
apesar de mencionar a tese jurídica, a decisão recorrida não menciona a norma jurídica
violada e prequestionamento explícito quando a norma jurídica violada tiver sido
mencionada pela decisão recorrida. Para outro entendimento, há prequestionamento
implícito quando a questão foi posta à discussão na primeira instância, mas não
mencionada no acórdão, que, apesar disso, a recusa implicitamente. Seria explícito o
prequestionamento quando houvesse decisão expressa acerca da matéria no acórdão. Há
quem denomine prequestionamento implícito enquanto atividade das partes, o que
ocorre em relação às matérias que, por força de lei, devem ser conhecidas de ofício pelo
juiz.166
Teresa Arruda Alvim Wambier afirma dever ser aplicado o
princípio da fungibilidade a respeito do que seja o prequestionamento. Ainda hoje,
conforme a autora, há certa divergência quanto ao que se deva entender como sendo
prequestionamento, o que gera certa insegurança das partes quanto a estar ou não
preenchido um dos requisitos de admissibilidade daqueles recursos: cabimento. O STF
tem entendido que, opostos embargos de declaração, a questão suscitada está
prequestionada, independentemente do provimento ou não dos embargos. Já o Superior
Tribunal de Justiça considera “inadmissível o recurso especial quanto à questão que, a
165 NEGRÃO, Theotonio e GOUVÊA, José Roberto Ferreira, com a colaboração de BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 40 ed. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 2089 e 2090, RISTF 321, nota 2. 166 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: RT. 2005, p. 278 e 279.
95
despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo”.
Em conformidade com a autora:
O que se entende conveniente é que, como se trata de uma zona cinzenta, haja certa dose de tolerância de um órgão com relação àquilo que o outro entende como sendo prequestionamento. Sugere-se, portanto, que, à falta de unanimidade a respeito do que seja efetivamente o prequestionamento, um órgão aceite o entendimento de outro, e considere ter havido prequestionamento, se o que ocorreu, no caso, foi o que outro órgão teria considerado como prequestionamento. Esta sugestão, no fundo, consiste em que haja fungibilidade de “entendimentos” para que a parte não acabe por ficar sujeita a uma espécie de “loteria” ou não tenha de se inteirar do entendimento pessoal de cada um dos Ministros dos Tribunais Superiores.(...) A aplicação ou a incidência deste princípio favorece a que se compreendam os recursos excepcionais dentro de um sentido maior e mais útil da idéia de acesso à justiça.167
Para Cassio Scarpinella Bueno, o conceito de
prequestionamento bifurcou-se: para o Supremo Tribunal Federal, tendo em vista a sua
Súmula 356, prequestionamento é aquilo que nega o seja o Superior Tribunal de Justiça,
por intermédio de sua Súmula 211. O que para o Supremo Tribunal Federal é chamado
de prequestionamento (ficto), é para o Superior Tribunal de Justiça, diante das
considerações enfocadas no seu trabalho, chamado de “ritual” e “cerimonial”.
Prequestionamento é coisa diversa, justamente o que falta na decisão recorrida e o que não pode ser suprido pela “ficção” criada e implementada pela Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal. Daí, ao contrário do que enuncia a Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal, fazer diferença, para os fins da Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça, o resultado dos
167 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. reform. e atual. São Paulo: RT. 2008, p. 416-419.
96
embargos declaratórios interpostos do acórdão a ser recorrido especialmente.168
O autor Cassio Scarpinella Bueno, em outra oportunidade,
pondera que parece lícita a conclusão de que o Superior Tribunal de Justiça tem se
afastado da orientação constante originariamente da Súmula 356 do Supremo Tribunal
Federal, interpretando-a à luz da exigência do prequestionamento explícito, no sentido
de que a rejeição dos embargos opostos para o fim de suprir a omissão (falta de
prequestionamento explícito) deve implicar a interposição de recurso fundamentado na
violação ao art. 535 do CPC porque a omissão não foi suprida quando deveria ser. À luz
desse entendimento, “não se pode mais afirmar que é indiferente a sorte que venha a ter
o julgamento destes embargos para fins de ser declarada aberta a instância
extraordinária (prequestionamento ficto)”.169
O prequestionamento implícito, de acordo com Cassio
Scarpinella Bueno, nada mais é do que uma forma menos clara de ver aquilo que foi
decidido e qual a tese jurídica a ele correspondente. “Não se trata de decidir aquilo que
não foi decidido, mas sim de se referir àquilo que, de uma maneira menos clara, quiçá
menos correta, foi efetivamente tratado”. Trata-se, para o professor, mais de um
raciocínio diverso ou de um argumento diferente para dar supedâneo à mesma tese e
não, propriamente, de um fundamento autônomo que bastaria, por ele mesmo, para
manter ou invalidar a decisão recorrida. Utiliza a expressão fundamento autônomo no
168 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Prequestionamento – reflexões sobre a Súmula 211 do STJ, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 77 e 78.169 Idem. Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação pelos Tribunais Superiores, in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: RT. 1997, p. 147.
97
sentido de questão a ser resolvida e não de mera retórica usada pelo juiz ou pelas partes
para convencer alguém do acerto ou desacerto de uma determinada tese jurídica.170
Conforme Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim,
não se deve confundir o requisito do prequestionamento com a necessidade de que tenha
havido expressa menção ao dispositivo de lei federal dado por ofendido. E concluem
que “a distinção entre prequestionamento explícito e implícito carece de sentido para
aqueles que, como nós, utilizam a expressão prequestionamento com o significado de
que deve haver decisão do tribunal local sobre a questão federal que se pretende discutir
no especial. Com efeito, só se deve nominar dois institutos de forma diferente, se a elas
correspondem realidades distintas”.171
José Theophilo Fleury aborda a questão do prequestionamento
implícito e explícito. Não concorda com a denominação “prequestionameno implícito”
nas situações em que não há menção expressa, na decisão recorrida, do dispositivo legal
ou constitucional, cuja questão jurídica haja sido objeto do acórdão, como vem sendo
destacado por grande setor da jurisprudência e doutrina, que entende que há
prequestionamento expresso apenas quando a questão jurídica e o número do
dispositivo legal ou constitucional constem do decisum. Para o autor, não há que se
170 SCARPINELLA BUENO, Cassio. De volta ao preqüestionamento: duas reflexões sobre o RE 298.695-SP, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT. 2005. v. 8, p. 74. 171 Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim afirmam que “o prequestionamento explícito resta configurado se a matéria foi tratada no acórdão recorrido. De outro lado, o prequestionamento implícito decorreria do conjunto de alegações das partes, ainda que matéria não tivesse sido decidida. Houve até mesmo julgados reputando o prequestionamento implícito nesse sentido como suficiente ao conhecimento do recurso especial. Vale ressaltar, entretanto, que não houve consolidação dessa tendência, predominando hoje, no STJ, o entendimento no sentido de ser necessário ao conhecimento do recurso especial que a matéria tenha sido tratada pelo acórdão recorrido, ainda que isso não signifique a menção ao dispositivo supostamente violado no acórdão recorrido. Assim, tomando por base essa distinção, tem-se que apenas o prequestionamento explícito ensejaria o conhecimento do recurso especial, haja vista a necessidade de pronunciamento do tribunal local sobre a questão federal objeto do recurso especial. Se a omissão não for suprida, a despeito da oposição dos denominados embargos de declaração ‘prequestionadores’, então o recurso especial deverá pleitear a anulação do julgado, por infringência ao art. 535, II, do CPC, segundo se extrai do Enunciado sumular nº 211 do STJ” (Aspectos atinentes ao prequestionamento no recurso especial. Revista Forense, n. 397/3, Maio-Junho 2008, p. 17, 21 e 22).
98
exigir que conste o número do dispositivo que trata da questão invocada, sendo o
prequestionamento explícito o que versa sobre a questão jurídica. Se houver
pronunciamento sobre a questão jurídica, o prequestionamento é explícito,
independentemente da menção expressa ao número do dispositivo legal ou
constitucional. “O verdadeiro prequestionamento implícito é aquele delineado por
Sálvio Figueiredo Teixeira, Athos Gusmão Carneiro e Carlos Velloso, ou seja, que se
verifica quando há invocação e debate, pelas partes, da questão jurídica legal ou
constitucional, e sobre ela não se manifesta o acórdão recorrido. Na ausência de
pronunciamento do Tribunal, entende-se haverem sido apreciadas as questões debatidas
implicitamente, seja para afastá-las, seja para aplicá-las. Este prequestionamento, no
entanto, não vem sendo admitido pelo Superior Tribunal de Justiça”.172
Para Miguel Francisco Urbano Nagib, o prequestionamento
ficto seria o de “Embora não exista no acórdão recorrido, tem-no a Suprema Corte por
satisfeito, enquanto pressuposto recursal, se a parte procurou obter a explicação dos
temas debatidos no extraordinário, através da pertinente oposição de embargos
declaratórios”.173
Rodrigo da Cunha Lima Freire afirma que o prequestionamento
resulta do enfrentamento explícito, pelo acórdão recorrido, ao comando da lei federal.
Não basta para caracterizar o requisito do prequestionamento a simples referência ao
dispositivo legal tido por violado ou à matéria federal controvertida. Para o autor, há
prequestionamento implícito quando o tribunal de origem não menciona explicitamente
172 FLEURY, José Theophilo. Do prequestionamento nos recursos especial e extraordinário Súmula 356/STF x Súmula 211/STJ?, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 425-427 e 435-440. 173 NAGIB, Miguel Francisco Urbano. Prequestionamento: análise de uma inovação introduzida pelo STF e pelo STJ. Boletim do Centro de Estudos da PGE-SP, n. 19, Abril 1995, p. 11.
99
o texto ou a referência numérica ao dispositivo legal tido como afrontado, embora tenha
se pronunciado explicitamente sobre a questão federal controvertida.174
Segundo Daniel Aquino Schneider, resta configurado o
prequestionamento ficto quando a parte recorrente suscita a matéria constitucional ou
concernente à lei federal, mas a decisão não se manifesta acerca da matéria suscitada.175
Quanto ao prequestionamento da matéria argüida no recurso
quando o acórdão do Tribunal de segunda instância confirma a sentença por seus
próprios fundamentos e nesta houve emissão de juízo explícito sobre a questão jurídica
veiculada na via excepcional, Alexandre Moreira Tavares dos Santos visualiza duas
situações. Se o acórdão somente confirma a sentença por seus próprios fundamentos e
não há nos votos a transcrição dos trechos da sentença que serviram para formar a
convicção dos julgadores, não houve debate explícito sobre o tema, não existindo
prequestionamento, devendo a parte opor embargos de declaração. Para o autor, a única
exceção ocorre nos juizados especiais, em que é permitido à Turma Recursal confirmar
a sentença por seus próprios fundamentos, servindo a súmula do julgamento como
acórdão. “Portanto, o prequestionamento é feito indiretamente pela análise da matéria
ventilada na sentença.” Hipótese diferente é aquela em que o tribunal confirma a
sentença por seus próprios fundamentos, estando transcrito nos votos do acórdão os
pontos da decisão monocrática que serviram para formar a convicção dos julgadores.
Existe nessa situação o prequestionamento explícito e direto, tendo em vista que a
matéria foi debatida e decididas as questões jurídicas. O autor aduz não haver restrição
legal que impeça o julgador de reportar-se à sentença ou ao parecer do Ministério
174 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Prequestionamento implícito em recurso especial, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT. 2001. v. 4, p. 972 e 976.175 SCHNEIDER, Daniel Aquino. A divergência jurisprudencial acerca do prequestionamento ficto no âmbito dos Tribunais Superiores. Informativo Jurídico Consulex, n. 3/11, v. 20, 23 Jan. 2006, p. 11.
100
Público como fundamentação exclusiva do julgado. “Neste caso, o juiz faz suas as
palavras de terceiros”.176
Analucia Graziano afirma que a conseqüência da divergência
quanto à classificação do grau de prequestionamento é a insegurança jurídica e o
comprometimento do ideal de acesso à justiça, o que traz prejuízo aos jurisdicionados,
em razão da falta de unanimidade quanto a um requisito essencial dos recursos
excepcionais. Conclui que a possível solução para a divergência é a manifestação clara,
inequívoca e uniforme do STF no sentido de afastar a Súmula 211 do STJ com o fim de
garantir não apenas o real acesso à justiça, como também “afastar que as partes
assumam falhas do Poder Judiciário”.177
Neste estudo, é interessante analisar decisão do Superior
Tribunal de Justiça, em sede de Embargos de Divergência no Recurso Especial
505183/RS, no sentido da fixação de diferentes critérios pelo Supremo Tribunal Federal
e pelo Superior Tribunal de Justiça para a identificação do prequestionamento:
PROCESSO CIVIL. DIREITO À PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça fixaram critérios diferentes para a identificação do prequestionamento; para o primeiro, basta a oposição de embargos de declaração para caracterizar o prequestionamento em relação ao recurso extraordinário (Súmula nº 356); para o segundo, o prequestionamento só é reconhecido se o tribunal a quo tiver enfrentado a questão articulada no recurso especial (Súmula nº 211). Não obstante isso, se o tribunal local deixa de enfrentar a questão constitucional suscitada, a parte prejudicada tem direito à prestação jurisdicional completa, e pode pedir a anulação do acórdão proferido nos embargos de declaração com base no art. 535, II, do Código de Processo Civil, nada importando que tivesse condições de interpor recurso extraordinário para o
176 SANTOS, Alexandre Moreira Tavares dos. Prequestionamento. Revista Jurídica, n. 295/72, Maio 2002, p. 74 e 75. 177 GRAZIANO, Analucia. Quais as repercussões da divergência jurisprudencial quanto à classificação dos graus de prequestionamento – ficto, implícito ou explícito – nos embargos de declaração para fins de interposição de recursos excepcionais? Revista de Processo, n. 154/115, Dez. 2007, p. 133.
101
Supremo Tribunal Federal; todos os órgãos do Poder Judiciário, e não apenas o Supremo Tribunal Federal, devem exaurir a jurisdição provocada pelas partes. (EREsp 505183/RS, Relator Ari Pargendler, Corte Especial, julgado em 01/08/2006, por maioria, DJe 06/03/2008).
A jurisprudência do STF encaminha-se no sentido de apenas
considerar prequestionada a matéria quando a decisão haja emitido juízo explícito sobre
o tema.178 Os julgados do STJ, com base no enunciado de sua Súmula 211, entendem
que a matéria trazida nas razões do recurso especial e não abordada no acórdão
recorrido, embora haja a oposição de embargos declaratórios, não merece ser conhecida
por ausência de prequestionamento.179
178 “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 2. Prequestionamento implícito. Inadmissibilidade. Diz-se prequestionada a matéria quando a decisão impugnada haja emitido juízo explícito a respeito do tema, inclusive mencionando o preceito constitucional previamente suscitado nas razões do recurso submetido à sua apreciação. Incidência da Súmula 282 do STF. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 288929 AgR, Relator: Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 26/02/2008, v.u., DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008 EMENT VOL-02313-04 PP-00696).
“E M E N T A: AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALEGADA VIOLAÇÃO A PRECEITOS INSCRITOS NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO EXPLÍCITO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL - RECURSO IMPROVIDO. - A ausência de efetiva apreciação do litígio constitucional, por parte do Tribunal de que emanou o acórdão impugnado, não autoriza - ante a falta de prequestionamento explícito da controvérsia jurídica - a utilização do recurso extraordinário. - As alegações de desrespeito aos postulados da inafastabilidade do controle jurisdicional, do devido processo legal, da motivação dos atos decisórios e da plenitude de defesa, por dependerem de exame prévio e necessário da legislação comum, podem configurar, quando muito, situações caracterizadoras de ofensa meramente reflexa ao texto da Constituição, o que não basta, só por si, para viabilizar o acesso à via recursal extraordinária. Precedentes.” (AI 413963 AgR, Relator: Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 22/02/2005, v.u., DJ 01-04-2005 PP-00053 EMENT VOL-02185-04 PP-00809).
Nesse sentido: RE 449137 AgR, Relator: Min. Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 26/02/2008, v.u., DJe-060 DIVULG 03-04-2008 PUBLIC 04-04-2008 EMENT VOL-02313-04 PP-00779; RE 355847 AgR, Relator: Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, julgado em 27/05/2003, v.u., DJ 14-11-2003 PP-00030 EMENT VOL-02132-15 PP-02877. 179 “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO QUANTO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. 1. Alegações genéricas quanto às prefaciais de afronta ao artigo 535 do Código de Processo Civil não bastam à abertura da via especial pela alínea ‘a’ do permissivo constitucional, a teor do que dispõe a Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. O Supremo Tribunal Federal, diferentemente do Superior Tribunal de Justiça, adota o chamado ‘prequestionamento ficto’, de modo que a mera oposição dos embargos declaratórios, por si só, já preenche o requisito do prequestionamento para fins de interposição de recurso extraordinário, não havendo prejuízos à parte pela rejeição dos aclaratórios, em face do disposto na Súmula 356/STF.
102
A partir da fixação do conceito do prequestionamento, analisa-
se que a divisão entre prequestionamento explícito, implícito, ficto é desnecessária, pois
o que realmente importa é se a matéria restou decidida na decisão recorrida. Nesta
dissertação, o prequestionamento é tratado como sendo uno, configurando-se o requisito
constitucional “causa decidida” na decisão recorrida. Ou seja, ou a matéria restou
decidida pelo juízo a quo, configurando a “causa decidida” e, assim, o
prequestionamento, ou se não configurada a “causa decidida”, o prequestionamento
também não restará configurado. A diferenciação de classificação do
prequestionamento, com o devido respeito aos que a defendem, não é prevista na
3. Inexiste violação ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem analisa todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia de modo suficiente e integral. 4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 1113494/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 19/05/2009, v.u., DJe 29/05/2009).
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. INDICAÇÃO DE PRECATÓRIO À PENHORA. 1. A matéria suscitada nas razões de recurso especial e não abordada no acórdão recorrido, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não merece ser conhecida por esta Corte, ante a ausência do indispensável prequestionamento (Súmula 211/STJ). 2. Esta Corte não admite o prequestionamento ficto, por meio da simples oposição dos embargos declaratórios, tanto que foi editada a Súmula 211/STJ, que preconiza a impossibilidade de conhecimento do recurso especial quando a questão, mesmo que tenha sido levantada em embargos de declaração, não tenha sido efetivamente debatida. 3. ‘É inadmissível o recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário’ (Súmula 126/STJ). 4.Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1079931/SP, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 21/10/2008, DJe 12/11/2008).
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCABIMENTO. PRECEDENTES. 1. O acórdão embargado está suficientemente fundamentado na falta do prequestionamento, quer explícito, quer implícito, dos artigos 6º e 7º da Lei nº 5.194/66, a inviabilizar o recurso especial, que deveria ter sido interposto pela violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, atraindo-se, assim, a incidência do enunciado nº 211 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 2. ‘Impõe-se a rejeição de embargos declaratórios que têm o único propósito de prequestionar a matéria objeto de recurso extraordinário a ser interposto.’ (EDclEDclEREsp nº 579.833/BA, Corte Especial, Relator Ministro Luiz Fux, in DJ 22/10/2007). 3. ‘O prequestionamento para o RE não reclama que o preceito constitucional invocado pelo recorrente tenha sido explicitamente referido pelo acórdão, mas, sim, que este tenha versado inequivocamente a matéria objeto da norma que nele se contenha.’ (RE nº 141.788/CE, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, in DJ 18/6/93). 4. Embargos de declaração rejeitados.” (EDcl no AgRg no REsp 1037556/RJ, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, julgado em 19/08/2008, DJe 01/09/2008).
103
Constituição Federal que, tão-somente, prevê como requisito para os recursos
extraordinário e especial que a “causa” esteja “decidida”.
Assim, no presente trabalho, concorda-se com as colocações de
Cassio Scarpinella Bueno:
(...) o que realmente importa para o acesso ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal é o conteúdo, aí incluída a correção procedimental, da decisão recorrida – a causa decidida –, convenço-me cada vez mais de que os adjetivos usualmente apostos ao prequestionamento são falsos problemas. Prequestionamento explícito, implícito, ficto ounumérico são, apenas e tão-somente, formas de apresentação – mera materialização, portanto – do que foi ou não decidido pela instância a quo e que, na exata proporção do que se decidiu ou se deixou erradamente de decidir, poderá ser impugnado pela via especial ou extraordinária fundamentando-se em error in judicando ou error in procedendo,respectivamente. O que importa, pois, é o que foi objeto de decisão e não a forma pela qual ela se apresenta.180
4. PREQUESTIONAMENTO E EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Considera-se de extrema importância a utilização dos embargos
declaratórios para que as decisões estejam completamente fundamentadas e, desta
forma, evitar a ausência de prequestionamento de determinada matéria. Trata-se, aqui,
também do problema da Súmula 356 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula 211 do
Superior Tribunal de Justiça, previamente citadas no início deste capítulo, diante da não
uniformidade de entendimento desses Tribunais Superiores a respeito da configuração
do prequestionamento com os declaratórios.
Os embargos de declaração estão previstos nos artigos 535 a
538 do Código de Processo Civil. Os incisos do artigo 535 dispõem que são cabíveis
180 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Quem tem medo do prequestionamento? Revista Dialética de Direito Processual, n. 1/23, Abril 2003, p. 50 e 51.
104
quando houver omissão, obscuridade ou contradição181 na sentença ou no acórdão,
sendo que se estende tal cabimento às decisões interlocutórias, conforme entendimento
jurisprudencial182 e doutrinário; ainda, há o entendimento que, de maneira excepcional,
possam ter efeito modificativo da decisão embargada.183
181 É interessante mencionar que a Lei n. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, prevê, ainda, o cabimento dos embargos de declaração, além das hipóteses acima mencionadas, pela de dúvida em seu art. 48, caput.O Código de Processo Civil de 1973 previa o cabimento dos embargos de declaração pela hipótese de dúvida nos artigos 464, inc. I, com relação a sentença, e 535, inc. I, com relação a acórdão. Os artigos 464 e 465 foram revogados pela Lei n. 8.950, de 13/12/1994. Referida lei também alterou a redação do artigo 535 do Código de Processo Civil, prevendo que os embargos de declaração são cabíveis em face de sentença ou acórdão apenas nas hipóteses de omissão, obscuridade ou contradição. 182 “PROCESSUAL CIVIL – DECISÃO INTERLOCUTÓRIA – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO: CABIMENTO – AGRAVO DE INSTRUMENTO TEMPESTIVO – ART. 165 DO CPC NÃO PREQUESTIONADO – SÚMULA 211/STJ. 1. Aplica-se o enunciado da Súmula 211/STJ se, não obstante a oposição de embargos declaratórios, o Tribunal deixa de manifestar-se especificamente sobre a tese defendida. 2. Segundo a jurisprudência do STJ, são cabíveis embargos declaratórios contra qualquer decisão judicial, ficando, conseqüentemente, interrompido o prazo para interposição de outros recursos, exceto se aviados intempestivamente (art. 538 do CPC). 3. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.” (STJ, REsp 768.526/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 20/03/2007, v.u., DJ 11/04/2007 p. 230, destaques em negrito). 183 Teresa Arruda Alvim Wambier sustenta que são cabíveis de pronunciamentos judiciais e não exclusivamente de decisões, porque entende que, em tese, até os despachos (pronunciamentos desprovidos de conteúdo decisório relevante) são impugnáveis por meio dos embargos de declaração. Ainda, conforme Teresa Arruda Alvim Wambier, os embargos podem ter, excepcionalissimamente, efeito modificativo do julgado embargado, desde que esta modificação ocorra como conseqüência necessária do preenchimento da lacuna ou da resolução da contradição ou, pelo menos em tese, do esclarecimento da obscuridade. Também se admite o efeito modificativo para a correção de erro material e, para a professora, também da percepção e correlata correção de vício relativo a matéria de ordem pública. Erro é o perceptível por qualquer homo medius e que não possua, evidentemente, correspondido à intenção do juiz. “Evidentemente, em nosso entender pode e deve o Judiciário corrigir erros materiais por ocasião da interposição dos embargos de declaração, ainda que a correção destes enganos gere alteração substancial da decisão. Isto não significa que os embargos de declaração possam ter efeito modificativo, indiscriminadamente”. Entende que os embargos de declaração podem ter efeito modificativo ou infringente em três circunstâncias: (1) quando este efeito decorrer das hipóteses “normais” de cabimento deste recurso, como efeito secundário. Menciona que a situação mais comum é o de suprimento de lacuna do decisum, cujo preenchimento torne inviável a subsistência do resto do julgado; (2) quando houver correção de erro material; (3) quando se tratar de decretar de ofício ou a requerimento das partes, formulado nos próprios embargos de declaração, nulidade absoluta. Argumenta que o Superior Tribunal de Justiça consolidou orientação de que os embargos declaratórios podem ter efeitos modificativos ou infringentes nessas hipóteses indicadas. No entanto, afirma que a jurisprudência é dividida e a maioria dos tribunais se inclina por não permitir que se arguam nulidades absolutas nos embargos de declaração, se elas não estiverem ligadas à omissão, à contradição ou à obscuridade (Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 275-278). De acordo com Luiz Rodrigues Wambier, a finalidade dos embargos de declaração é a revelação do verdadeiro sentido da decisão, não se prestando a corrigir uma decisão errada, gerando, portanto, efeito modificativo da decisão impugnada. Entretanto, pode ocorrer que, como efeito colateral e secundário da interposição dos embargos, ocorra este efeito infringente, como na hipótese de suprir uma omissão. Outra situação é a utilização dos embargos declaratórios como veículo acidental para a provocação do Poder Judiciário no sentido de corrigir erro material. “Sabe-se que os erros materiais (enganos perceptíveis a olho nu) podem e devem ser corrigidos a qualquer tempo e de ofício, pelo Judiciário, não ficando nem mesmo acobertados pelo trânsito em julgado. Portanto, os embargos de declaração podem bem se prestar,
105
Os embargos de declaração não se prestam para modificar o
julgamento, salvo se, de forma excepcional, seja conseqüência necessária e efeito
colateral da sua oposição, podendo ocorrer o efeito modificativo, também chamado pela
doutrina de efeito infringente. Ressalte-se que a finalidade precípua dos embargos não
pode ser a infringência, esta se encontra na conseqüência decorrente daquilo que já foi
julgado, decorrendo do suprimento da omissão ou da resolução de obscuridade ou
contradição, bem como de outras hipóteses trazidas pela doutrina e jurisprudência,
como no caso de correção de erro material e questões de ordem pública.
José Carlos Barbosa Moreira afirma que, a rigor, o eventual
provimento dos embargos de declaração não poderá resultar, no julgado, qualquer
modificação além do esclarecimento, da eliminação da contradição ou do suprimento da
omissão, com as repercussões acaso necessárias na matéria restante. “Na prática
embora não seja esse o seu objetivo precípuo, a veicular um pedido de correção de erro material, e assim gerar uma decisão diferente daquela de que se recorreu” (Curso avançado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2003. v. 1, p. 628). Luiz Orione Neto leciona que o posicionamento que postula a não modificação do julgado pelos embargos de declaração merece reparos porque não corresponde estritamente à posição adotada pelo legislador, bem como porque pode resultar em graves distorções e injustiças na prática. Todavia, tal ruptura com a doutrina tradicional não pode conduzir ao extremo oposto de tolerar-se a utilização indiscriminada de verdadeira retratação no juízo dos embargos declaratórios. “A finalidade dos embargos de declaração não é a de substituto do recurso de apelação, do recurso especial, do recurso extraordinário etc. Para esse fim, à evidência, não se prestam os declaratórios. O caráter inovador dos embargos somente é de admitir-se em casos excepcionais”. Afirma que, prima facie, o vício de obscuridade não parece comportar o efeito infringente, tendo em vista que o objetivo dos embargos nesta situação se restringe a aclarar o ponto obscuro. Entretanto, com relação aos vícios de contradição e omissão é perfeitamente cabível a natureza infringente nos embargos declaratórios. Em havendo contradição no julgado, ao adaptar ou eliminar alguma das proposições constantes da parte decisória, a nova decisão altera a anterior em certa maneira. Quando se trata de suprir omissão, a decisão que acolhe os embargos inova abertamente, dizendo mais que a outra. Cita o antigo Código baiano (artigo 1.341), o provimento dos embargos se dá “sem outra mudança no julgado”, além daquela consistente no esclarecimento, na solução da contradição ou no suprimento da omissão. É possível também pensar em ocorrência de embargos de declaração com efeito infringente nos casos de tratar-se de matéria de ordem pública, quando versar sobre fato novo ocorrido após a propositura do recurso e se se tratar de erro evidente [Embargos de declaração,in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT. 2002. v. 5. p. 374-381]. Marcos Afonso Borges afirma que a interposição dos embargos de declaração não constitui uma capite deminutus para quem proferiu o ato decisório embargado. Ao contrário, propicia a eliminação de contradição, o esclarecimento de obscuridade e a supressão da omissão se existente, caso não haja a confirmação da certeza do julgador sobre o que houvera decidido, entendendo que não possuem razão os que pensam que a utilização de tais embargos tenha a finalidade de procrastinação do feito (Os embargos de declaração e a Súm. 317 do STF. Revista de Processo, n. 110/181, Abril-Junho 2003, p. 183).
106
judiciária, todavia, observa-se aqui certa tendência à flexibilidade, transpondo-se não
raro esses limites”.184
A respeito do tema prequestionamento e embargos de
declaração, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam:
Prequestionar significa provocar o tribunal inferior a pronunciar-se sobre a questão constitucional, previamente à interposição do RE. Não havendo sido decidida a questão, se efetivamente alegada anteriormente, a parte terá de opor embargos de declaração (STF 356), para provocar o julgamento do tribunal inferior sobre a questão por ela argüida. Mesmo com a oposição dos EDcl, caso o tribunal permaneça sem julgar a questão, entende-se que houve decisão negativa por omissão e, portanto, admite-se o RE.185
Conforme Nelson Nery Junior, se o tribunal não se manifesta
sobre determinada matéria, essa questão não foi por ele decidida. Logo, não se
implementou a condição imposta pelo texto constitucional para a admissibilidade dos
recursos excepcionais: “a questão não foi ‘decidida’, a questão não se encontra ‘dentro’
do acórdão”. Persistindo este vício e transitado em julgado o decisum, o acórdão ou a
decisão pode até ser passível de impugnação por ação rescisória, mas não por recurso
extraordinário ou recurso especial. Entretanto, se a decisão ainda não transitou em
julgado, surge a necessidade, então, de fazer com que o tribunal pronuncie-se sobre a
questão, com o fim de que possa ser decidida. Somente assim será admissível recurso
excepcional. Para tanto há o expediente dos embargos de declaração (CPC 535), com
fundamento na omissão: o tribunal tinha o dever de pronunciar-se sobre a matéria – quer
porque o apelante a alegou em razões, quer porque o apelado suscitou-a em contra-
razões, quer porque o tribunal tinha o dever de ofício de assim agir, por tratar-se questão
184 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 22. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2005, p. 157. 185 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT. 2003, p. 205.
107
de ordem pública, mas não o fez. Em face da omissão, os embargos de declaração são
cabíveis para que seja suprida.186
Em outra oportunidade, Nelson Nery Junior aduz que os
embargos de declaração fundados na omissão somente serão admissíveis, com caráter
prequestionador, com relação à matéria a respeito da qual o tribunal tinha o dever de se
pronunciar, seja porque foi argüida, seja porque é de ordem pública, mas não o fez. Não
se pode ter como prequestionada a matéria objeto de embargos de declaração, quando o
tribunal não a decide ao julgar os embargos. A questão foi agitada (ventilada), mas não
“decidida”. Ao persistir a omissão, mesmo após a oposição dos embargos declaratórios,
o autor afirma que não são cabíveis os recursos excepcionais quanto à matéria omissa,
que não foi decidida e assim não consta do acórdão (STJ 211). “Contra esses dois
acórdãos – o que foi embargado e o que decidiu os embargos –, caberá REsp por
negativa de vigência do CPC 535”.187
A propósito dos embargos de declaração chamados
prequestionadores, Rodolfo de Camargo Mancuso afirma que não visam propriamente a
integração do julgado (casos de omissão, contradição, obscuridade), porém servem de
propósito para prequestionar o ponto a ser alegado no recurso excepcional.188
Athos Gusmão Carneiro observa que é atualmente tranqüilo que
na oposição dos embargos de declaração com o fim de prequestionamento “os
embargos só se prestam se, antes de proferido o acórdão embargado, o recorrente já
suscitara a questão federal, e a respeito manteve-se todavia omisso o aresto; não se
186 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. atual., ampl. e reform. São Paulo: RT. 2004, p. 294 e 295. 187 Idem. Ainda sobre o prequestionamento – os embargos de declaração prequestionadores, in DIDIER JUNIOR, Fredie. Leituras complementares de Processo Civil. 5. ed. rev. e ampl. Salvador: Edições PODIVM. 2007, p. 67.188 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 319.
108
prestam os embargos, portanto, para suscitá-la originalmente, para inovar na
matéria”.189
Araken de Assis entende que os embargos de declaração não
servem para reiterar o já decidido e também descabem para obter julgamento de questão
nova. Servem para suprir omissão, no que se refere às questões alegadas ou passíveis de
conhecimento de ofício, ainda que não alegadas anteriormente, e obter decisão sobre
errores in procedendo, ocorridos no próprio julgamento (Súmula 282 do STF). A
rejeição dos embargos de declaração, quando cabíveis e necessários à afloração das
questões constitucional e federal, infringe à lei processual para o autor e, conforme a
jurisprudência do STJ, rende recurso especial sob tal fundamento – “apesar de não
existir decisão expressa acerca dos pressupostos de cabimento dos embargos
declaratórios, arrolados no art. 535 do CPC –, cujo provimento implicará a anulação do
seu julgamento e a necessidade de o órgão judiciário examinar a questão omitida”.
Adverte Araken de Assis, a respeito das Súmulas 356 do STF e
211 do STJ, haver embaraçosa divergência de critérios. Do ponto de vista das partes,
considerando a possibilidade de aflorar, simultaneamente, questões federal e
constitucional no mesmo julgado, revela-se a diferença potencialmente desorientadora,
ao mesmo tempo tornando admissível o recurso extraordinário, porque opôs embargos
de declaração, embora rejeitados, e inadmissível o recurso especial, porque rejeitados os
embargos opostos. E conclui:
Em princípio, competirá ao STF resolver o imbróglio, porquanto o requisito de admissibilidade do recurso especial, posto na alínea a do inc. III do art. 105 da CF/88, cria questão constitucional. No entanto, a Corte Constitucional, até o presente momento, demitiu-se da intruncada e urgente tarefa, entendendo inviável o exame dos pressupostos de cabimento do
189 CARNEIRO, Athos Gusmão. Requisitos específicos de admissibilidade do Recurso Especial. Revista Forense, n. 347/29, Jul., Ago. e Set. 1999, p. 38.
109
recurso especial, porque indireta ou oblíqua a ofensa à Carta Política.190 Em outro julgado, o STF rejeitou infração àquele dispositivo “se a decisão proferida pelo STJ não afirma a desnecessidade do prequestionamento para o conhecimento do recurso especial”.191 A vingar a tese, o STJ assume, no tocante à admissibilidade do recurso especial, a exegese soberana do texto da Carta Política.192
A respeito da Súmula 356 do STF, Roberto Rosas afirma que os
embargos de declaração visam a requerer ao juiz ou aos juízes prolatores da decisão que
espanquem dúvidas, supram omissões ou eliminem contradições. Caso esse possível
ponto omisso não seja aventado, não há que se alegar posteriormente no recurso
extraordinário. Falta o prequestionamento da matéria. Sobre a Súmula 98 do STJ,
manifesta-se que o pressuposto dos embargos declaratórios está na omissão,
obscuridade ou contradição. Tais circunstâncias ou decorrem de matéria suscitada e não
apreciada no acórdão (omissa) ou surgem do próprio acórdão. Os embargos não servem
para discutir matéria não questionada anteriormente. Entretanto, se da contradição ou da
obscuridade surge qualquer negativa de vigência da lei, não há necessidade dos
embargos, porque a controvérsia surge do próprio acórdão.
Ao comentar a Súmula 211 do STJ, Roberto Rosas aduz que o
cabimento dos declaratórios tem como fim aclarar e não preencher vazio de questões
não suscitadas anteriormente. O problema surge com a persistência da omissão, quando
o tribunal não aprecia o ponto omisso, ainda que suscitado nos embargos. Há
necessidade da reiteração dos embargos, a qual pode tornar-se infinita. “Há a
interposição, o tribunal não examina, com Recurso Especial, com apoio no art. 535 do
CPC, acolhido pelo STJ, devolvendo ao tribunal a quo o exame da omissão. E o tribunal
novamente não o aprecia... O STF entende diferentemente, aceitando o
190 “2ª Turma do STF, Agrag 220.740-GO, 03.08.99, Rel. Min. Nelson Jobim, DJU 10.09.99, p. 3.” 191 “1ª Turma do STF, RE 209.140-SP, 08.08.00, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 29.09.00, p. 97.” 192 ASSIS, Araken de. Op. Cit., p. 19-25.
110
prequestionamento quando interpostos os embargos de declaração, ainda que o tribunal
não examine o ponto”.193
Eduardo Ribeiro de Oliveira sustenta que da aceitação de que
pode o acolhimento dos embargos declaratórios conduzir alteração do julgamento
extrai-se um argumento a mais para justificar sejam necessários a propiciar a via
extraordinária. “Se a decisão era suscetível de ser reformada na instância ordinária,
nessa haveria de sê-lo. Enquanto não esgotados os recursos, a decisão não é
definitiva.194 E não o sendo, não há lugar para extraordinário ou especial, como de
tranqüilo entendimento”. Acrescenta que há um proveito didático em cassar a decisão
que rejeitou os declaratórios, porque se fará ver o erro em que se terá incorrido,
desestimulando se persista na prática.195
Para Cassio Scarpinella Bueno, parece que a diretriz
motivadora da Súmula 211 do STJ e, anteriormente a ela, a da Súmula 282 do STF é a
que melhor atende ao “modelo constitucional do direito processual civil”. Para tal
modelo, é irrecusável que haja causas decididas e, portanto, eventuais embargos de
declaração devem ser previamente julgados pelo órgão a quo até mesmo para
exaurimento de instância. Recorre-se do que efetivamente foi decidido e não do que,
apesar de ter sido pedido, não o foi. Conforme o autor, só se concebe recurso nesta
última situação quando a razão pela qual não se decidiu o que foi pleiteado é
processualmente errada, quando a decisão incidir em error in procedendo. “Mesmo
nesse caso, todavia, recorre-se do que efetivamente foi decidido, posto de forma errada,
e não do que, não fosse o erro, deveria ter sido decidido.”
193 ROSAS, Roberto. Direito Sumular: comentários às Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros. 2006, p. 155, 378 e 418. 194 O autor explicita que “Definitiva, aqui, não significa decisão de mérito, em oposição às terminativas, mas aquela de que não cabe recurso na instância ordinária.” 195 OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Op. Cit., p. 166 e 170.
111
De acordo com Cassio Scarpinella Bueno, os embargos de
declaração não devem ser apresentados em quaisquer situações como se eles criassem
condições de admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial, como se
fossem eles que “prequestionassem” a matéria. Faz menção a três hipóteses distintas. A
primeira pressupõe que não houve decisão sobre “questão constitucional” e/ou sobre
“questão federal”. Nessas condições, o caso não é de recurso extraordinário nem de
recurso especial, para o autor, tendo em vista a falta do que os arts. 102, III, e 105, III,
da Constituição Federal impõem. É indiferente que a parte apresente embargos de
declaração porque não existe qualquer contrariedade, obscuridade ou omissão na
decisão quanto a teses de direito constitucional ou infraconstitucional federal. A
segunda situação pressupõe que a decisão deveria pronunciar-se sobre “questão
constitucional” e/ou sobre “questão federal”, porém não o fez. Nesse caso, o uso dos
declaratórios é indispensável para que as teses sejam devidamente enfrentadas. A
terceira e última hipótese pressupõe que a decisão revele o enfrentamento suficiente de
uma dada tese de direito constitucional e/ ou de direito infraconstitucional federal.
Nesse caso, não há necessidade de qualquer outra providência, sendo cabíveis o recurso
extraordinário e o recurso especial, cabendo ao recorrente apenas “evidenciar a
específica perspectiva de que a decisão enfrentou a ‘questão constitucional’ e/ou a
‘questão federal’”.
Cassio Scarpinella Bueno observa que a prática forense,
entretanto, em razão da extremamente rígida jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal e do Superior Tribunal de Justiça e da sua concepção de “prequestionamento
explícito”, em geral, desconsidera a substancial diferença entre essas três situações e o
que se constata é a utilização dos embargos de declaração com nítido propósito
“prequestionador”, existindo até mesmo os que o denominam de “embargos de
112
declaração prequestionadores” , por força das Súmulas 356 do STF, 98 e 211 do STJ,
com o que não concorda o autor.196
Em outro trabalho, afirma Cassio Scarpinella Bueno:
Os declaratórios, para tal finalidade – prequestionar a matéria – são, verdadeiramente, inócuos. Com esta conclusão não pode ser confundida hipótese diversa (...) que é a de os declaratórios serem opostos para, efetivamente, sanar os vícios que ensejam sua oposição. Assim, se a Câmara ou Turma julgadora não esclarece obscuridade ou contraditoriedade existentes no acórdão e rejeita embargos de declaração opostos para tal finalidade, viola o comando do inc. I do art. 535 do CPC; se omite-se no julgamento de determinada questão e insiste na omissão a par dos embargos, há violação ao art. 535, inc. II, do mesmo Código.197
Nelson Luiz Pinto, em tese de doutorado, sustenta que não se
prestam os embargos de declaração para que a questão federal seja suscitada pela
primeira vez no processo. Apesar de ser admitido o prequestionamento implícito, a
exigência do prequestionamento da questão federal nas instâncias ordinárias é da
própria essência e da natureza da via recursal extraordinária.198
Segundo Paulo Henrique dos Santos Lucon, os Tribunais de
Superposição não se prestam à análise de matérias inéditas, mas nas situações em que a
violação à Constituição Federal ou à lei federal surge com o próprio julgamento do
recurso no Tribunal Estadual, não há que se falar em invocação prévia da violação,
simplesmente porque ela sequer existia; trata-se de exceção plausível, ainda objeto de
muito controvérsia. Não obstante isso, afirma o autor ser imprescindível a oposição de
196 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 279-282. 197 Idem. Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação pelos Tribunais Superiores, in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: RT. 1997, p. 142. 198 PINTO, Nelson Luiz. Juízo de admissibilidade do recurso especial. Tese de Doutorado. São Paulo. PUC. 1991, p. 288.
113
embargos de declaração com o fim precípuo de prequestionar o tema objeto de ulterior
recurso, evitando assim decisões prontas de indeferimento de recursos especiais e
extraordinários.199
Para Eduardo Arruda Alvim, o entendimento do Supremo
Tribunal Federal, “reputando presente o requisito do prequestionamento pela simples
oposição dos declaratórios, ainda que a deficiência não tenha restado suprida”,
apresenta-se mais correto, porque não há como obrigar o tribunal local a enfrentar a
questão que se pretenda devolver por intermédio do recurso especial ou extraordinário.
Ressalta que o Superior Tribunal de Justiça firmou o posicionamento de que a parte
deverá interpor recurso especial pleiteando a anulação do acórdão local e, sendo provido
o recurso, o tribunal local deve proferir nova decisão e só então seria cabível outro
recurso especial sobre a matéria de fato, citando o professor a Súmula 211 do Superior
Tribunal de Justiça.200
Leonardo José Carneiro da Cunha aduz que não há embargos de
declaração “prequestionadores”. O que existe é uma omissão quanto a um ponto, não
havendo, por causa dessa omissão, a configuração do prequestionamento. “Os embargos
cabem não para obter o prequestionamento, mas sim para suprir a omissão. Suprida a
omissão, obtém-se, por conseqüência, o prequestionamento”.201
Pedro Miranda de Oliveira observa que a Súmula 211 do STJ
vem se constituindo em uma verdadeira “barreira” ao acesso às instâncias superiores.
Além de trazer consigo a exigência de que os embargos de declaração efetivamente
suprem eventual omissão, na realidade, é a operação para se chegar à sua aplicação que
199 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Repercussão geral (ausência). Prequestionamento (ausência). Ofensa indireta à Constituição Federal. Má-fé e ignorância. Danos decorrentes da demora do processo.Revista de Processo, n. 157/345, Março 2008, p. 359.200 ALVIM, Eduardo Arruda. Recurso especial e recurso extraordinário, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT. 2002. v. 5, p. 158 e 159.201 CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Prequestionamento e voto vencido. Revista Dialética de Direito Processual, n. 17/39, Ago. 2004, p. 41.
114
é eivada de inconstitucionalidades, afirmando que: a) ofende o princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional pelo Poder Judiciário a negativa do tribunal
local de suprir a omissão com relação ao argumento devidamente prequestionado pelas
partes ou quanto à presença no relatório de fatos que as partes reputem importantes para
a interposição de futuro recurso excpecional; b) viola o princípio da motivação a
decisão de rejeitar os embargos de declaração sob o fundamento de que o Poder
Judiciário não é órgão de consulta etc; c) uma vez verificada a omissão, cabe aos
Tribunais Superiores o julgamento da matéria de fundo. Assim, o recurso deve ter
fundamentação dupla (art. 535 do CPC e a matéria principal). “Exigir-se que os autos
retornem à origem para que o juízo a quo expressamente supra a anomalia contida na
decisão impugnada significa afronta ao princípio da economia processual e à própria
lógica do sistema jurídico”. Conclui o autor “Oxalá o STJ reveja sua posição”, para que
adote a interpretação trintenária do STF, afastando a aplicação da Súmula 211 e
pacificando-se como deve ser cumprido o requisito do prequestionamento.202
Os embargos de declaração são veículo de grande relevância no
presente estudo para que seja possível o suprimento do requisito do prequestionamento
de matérias de ordem pública, permitindo o conhecimento dos recursos excepcionais
pelos Tribunais Superiores. Caso permaneça o vício apontado, a parte deve interpor
recurso especial, alegando ofensa ao artigo 535, inciso II, do Código de Processo Civil,
em razão da omissão do Tribunal a quo.
A Relatora Laurita Vaz destacou em voto proferido no
julgamento do AgRg no Ag 811433/RJ:
Com efeito, para o atendimento do requisito de admissibilidade do prequestionamento, não basta a simples citação dos artigos
202 OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Ainda sobre o prequestionamento, os embargos de declaração e a Súm. 211 do STJ. Revista de Processo, n. 113/281, Jan.-Fev. 2004, p. 300 e 301.
115
tidos como vulnerados no relatório do acórdão recorrido. É necessária a efetiva discussão do tema pelo Tribunal a quo,ainda que em sede de embargos de declaração, o que não ocorreu no caso. (...) Ressalte-se, ainda, que é pacífico nesta Corte Superior de Justiça o entendimento no sentido de que, ocorrendo omissão de questão fundamental ao deslinde da causa, deve a parte, no recurso especial, alegar ofensa ao art. 535, inciso II, do Código de Processo Civil,demonstrando, de forma objetiva, a imprescindibilidade da manifestação sobre a matéria impugnada e em que consistiria o vício apontado, e não interpor o recurso contra a questão federal não prequestionada, como ocorreu na presente hipótese (STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 811433/RJ, DJ 12.03.2007 p. 321, grifos constantes da própria decisão).
Citam-se decisões do Superior Tribunal de Justiça, a título
ilustrativo, para exemplificar a alegação de violação ao artigo 535 do Código de
Processo Civil, julgadas pela Primeira Seção e pelas Turmas desse Tribunal.203
203 “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IPI. CRÉDITO-PRÊMIO. DECRETOS-LEIS 491/69, 1.724/79, 1.722/79, 1.658/79 E 1.894/81. EXTINÇÃO DO BENEFÍCIO. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. VIGÊNCIA DO ESTÍMULO FISCAL ATÉ 04 DE OUTUBRO DE 1990. RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO RELATOR. 1. O crédito-prêmio do IPI, previsto no artigo 1º, do Decreto-Lei 491/69, restou extinto em 05.10.1990, à luz do disposto no artigo 41, § 1º, do ADCT, razão pela qual somente poderia ter sido usufruído até 04.10.1990 (Precedente do Supremo Tribunal Federal, submetido ao regime do artigo 543-B, do CPC: RE 577.348/RS, Rel. Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 13.8.2009). (...) 6. Entrementes, verifica-se a ausência de prequestionamento do tema atinente à prescrição, sendo mister o retorno dos autos à instância ordinária, não obstante a índole de matéria de ordem pública da quaestio iuris (cujo exame restara prejudicado na origem), porquanto não pode o E. STJ, pela vez primeira, em sede de sua competência extraordinária, manifestar-se sobre a observância do prazo prescricional. 7. Embargos de declaração acolhidos para esclarecer que a extinção do crédito-prêmio do IPI em 05.10.1990 implicou na possibilidade de sua fruição tão somente até 04.10.1990 e para determinar a remessa dos autos à origem para manifestação acerca da prescrição da pretensão deduzida no mandado de segurança, matéria de ordem pública apreciável de ofício na instância ordinária.” (EDcl no AgRg nos EREsp 695.177/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 26/08/2009, v.u., DJe 14/09/2009).
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. IMPLANTAÇÃO DE CERCA DIVISÓRIA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL PERMANENTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DO JULGADO. VIOLAÇÃO AO ART. 535, II, DO CPC CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. ART. 258 DO REGIMENTO INTERNO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INTEMPESTIVIDADE. 1. O art. 535, II, do CPC resta violado quando o órgão julgador, instado a emitir pronunciamento acerca dos pontos tidos como omissos, contraditórios ou obscuros e relevantes ao desate da causa, não enfrenta a questão oportunamente suscitada pela parte. 2. In casu, a despeito da oposição de embargos de declaração, no qual a parte, ora Recorrente, aponta a existência de omissão quanto à exegese dos arts. 4º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 4.771/65, com redação alterada
116
pela MP nº 2.166/67, notadamente no que pertine à competência do órgão ambiental estadual, para fins de autorização de construção de cerca em área de preservação ambiental permanente, o Tribunal a quo permaneceu inerte, consoante de infere do voto condutor dos Embargos de Declaração às fls. 158, verbis: ‘À vista do acórdão de fls. 706/712, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais aviou embargos declaratórios (fls. 716/720), dizendo-os genericamente sustentados no artigo 535 do Código de Processo Civil, e afirmando que a decisão embargada deixou de debater e aplicar dispositivo de lei federal pertinente à competência do organismo estatal para emitir autorizações que causem impacto ambiental; sendo certo que, carente do beneplácito estadual, não havia como a autoridade municipal autorizar a realização da cerca, restando nulo o ato por falta da implementação de condição legal. Nada há a acrescentar no acórdão, na medida em que ali restou clara a observação de que, independente da verificação da legalidade do ato administrativo que concedeu a questionada autorização, não há, nos autos, prova de que a construção da cerca tenha causado o mínimo dano ambiental. Em suma, se o resultado prático não revela dano ambiental, irrelevante que a construção tenha se realizado com ou sem autorização judicial. Rejeito os embargos.’ 3. O retorno dos autos é mister, porquanto não pode o E. STJ pela vez primeira analisar a suposta violação de dispositivos infraconstitucionais que não foram enfrentados em última instância local. Esta, aliás, a ratio da Súmula 211 do STJ, que dispõe: ‘Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.’ 4. A tempestividade constitui requisito indispensável à admissibilidade dos recursos, devendo o recorrente, em se tratando de Agravo Regimental, obedecer o prazo de 05 (cinco) dias para sua interposição, contados estes em dobro, quando se tratar da Fazenda Pública, ensejando o prazo de 10 (dez) dias para recorrer, nos termos do art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. 5. In casu, realizada a intimação em 19.03.2009, o prazo recursal, in casu, de 05 dias, iniciou-se no primeiro dia útil seguinte, ou seja, em 20.03.2009, encerrando-se em 24.03.2009. Contudo, o recurso sub examine foi protocolizado em 01.04.2009 (fl. 850), portanto, após após o transcurso do prazo legal, consoante se infere da certidão de fl. 860. 6. Agravo Regimental interposto por CIAL - COMÉRCIO INDÚSTRIA E ADMINISTRAÇÃO LTDA não conhecido. Agravo Regimental interposto pelo MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE desprovido.” (AgRg no REsp 982.969/MG, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 28/04/2009, v.u., DJe 28/05/2009).
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS INFRINGENTES AOS ACLARATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. ERRO MATERIAL NÃO CARACTERIZADO. ANÁLISE DO RECURSO ESPECIAL. ARTIGO 535, II, CPC. VIOLAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO. NÃO MANIFESTAÇÃO SOBRE QUESTÃO FUNDAMENTAL AO DESLINDE DA CONTROVÉRSIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tendo a decisão singular expressamente se manifestado sobre a existência de contrato vinculativo das partes e tendo a concessionária Apelante insurgido-se expressamente sobre os fundamentos pelos quais o magistrado singular reconheceu o direito à indenização, entre eles a assinatura do contrato Horo-Sazonal nº 023- HS, celebrado em 15 de outubro de 1997, não há que se falar em configuração de erro material por não observância do princípio do tantum devolutum quantum appellatum. 2. A Corte local rejeitou os aclaratórios, sem abordar o argumento jurídico fundamental da CEPISA, levantado desde o início de sua defesa, qual seja: o de que, na ausência de liame contratual a unir ambas as partes, não tinha ela obrigação de fornecer 450 KVA, dever esse que só surgiria a partir da assinatura do contrato firmado em outubro de 1997. 3. Evidencia-se a violação do disposto no artigo 535, inciso II, do CPC, fazendo-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Piauí para que seja proferida nova decisão, desta vez elucidando a omissão quanto à possibilidade de condenação por danos sofridos pela Recorrida nas safras de 1995, 1996 e maio de 1997, anteriores ao contrato celebrado em 15 de outubro de 1997, data em que a CEPISA se obrigou a fornecer 450 KVA de energia elétrica. 4. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para dar provimento ao recurso especial.” (EDcl nos EDcl no REsp 825.866/PI, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 23/04/2009, v.u., DJe 13/05/2009).
“TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – FUNDAÇÃO COM PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO – DECRETO N. 60.466/67 – ISENÇÃO – VIOLAÇÃO DO ART. 535 CONFIGURADA.
117
1. A análise de suposta violação de dispositivos constitucionais é de competência exclusiva do Pretório Excelso, conforme prevê o artigo 102, inciso III, da Carta Magna, pela via do recurso extraordinário, sendo defeso a esta Corte fazê-lo, ainda que para fins de prequestionamento. 2. Há omissão no acórdão recorrido, porquanto, mesmo provocado por meio dos aclaratórios, o Tribunal de origem não se manifestou sobre ponto essencial para a resolução da controvérsia, qual seja, a realização equivocada da penhora, como afirmado pelo próprio recorrido. 3. Violação do art. 535, II, do CPC detectada, razão pela qual impõe-se o parcial provimento do recurso e o retorno dos autos à origem para manifestação sobre a matéria infraconstitucional omissa. Embargos de declaração acolhidos parcialmente, com efeitos infringentes, para dar parcial provimento ao recurso especial.” (EDcl no AgRg no REsp 845.109/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 19/03/2009, v.u., DJe 14/04/2009).
“RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. OCORRÊNCIA. ANULAÇÃO DO ACÓRDÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. I - Há omissão, com ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil, no julgado que deixa de examinar as questões versadas nas razões de apelação, cuja apreciação era relevante para o deslinde da controvérsia. II - Recurso Especial parcialmente provido.” (REsp 1061726/RS, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 16/12/2008, v.u., DJe 17/02/2009).
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC. OCORRÊNCIA. AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO DE POSSE. 1. Viola o art. 535, II, do CPC acórdão que, a despeito da omissão verificada e ante a oposição dos embargos declaratórios, nega-se ao julgamento das questões devolvidas na apelação. 2. Se a ação de reintegração de posse está vinculada ao domínio do imóvel, e informando a parte adversa que esse domínio não mais existe em razão da perda da propriedade em hasta pública para outrem, certo que deve o julgador manifestar-se sobre tais aspectos, pois fundamentais ao deslinde da lide. 3. Feita a análise dos elementos aos quais a controvérsia se circunscreve, notadamente das razões e do propósito delineado nos embargos de declaração, e verificada a presença de omissão no julgado, tanto que se acolhe o recurso especial por reconhecer a vulneração das disposições do art. 535, II, do CPC, há de ser acolhido o pleito do recorrente para que seja afastada a multa de 1% sobre o valor da causa. 4. Recurso especial provido.” (REsp 931.311/GO, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10/02/2009, v.u., DJe 26/02/2009).
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. INTERPOSIÇÃO DO APELO NOBRE ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO TRIBUNAL A QUO. AUSÊNCIA DE POSTERIOR RATIFICAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 458, INCISO II E 535, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. QUESTÃO RELATIVA À COMPROVAÇÃO DA IMPLANTAÇÃO DO REAJUSTE DE 28,86%. NÃO ABORDADA PELA CORTE DE ORIGEM. RETORNO DOS AUTOS. NECESSIDADE. 1. O recurso especial é considerado intempestivo quando interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, sem a indispensável ratificação posterior. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal. 2. Tendo sido opostos os cabíveis embargos de declaração visando provocar a manifestação do Tribunal a quo, que, ainda assim, se manteve silente, e tendo o presente especial trazido a indicação precisa da matéria não examinada, o reconhecimento da existência de omissão no acórdão recorrido com o envio dos autos à Corte de origem é medida que se impõe. 3. Recurso Especial da União não conhecido. Recurso especial dos Autores conhecido e provido.” (REsp 673.601/RS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17/12/2007, v.u., DJ 07/02/2008 p. 1).
“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. LOCAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. OMISSÃO. ARTIGO 436 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 211/STJ. REVISÃO DE CÁLCULOS PERICIAIS. SÚMULA Nº 7/STJ.
118
Deve ser ressaltada, a importância dos embargos declaratórios
para que a decisão impugnada reste completamente fundamentada para que a “causa
decidida” seja analisada pelos Tribunais Superiores, cumprindo-se o requisito do
prequestionamento. E, na continuidade do estudo, enfoca-se o que se trata de error in
judicando e error in procedendo.
4.1. ERROR IN JUDICANDO E ERROR IN PROCEDENDO
Tendo em vista que o Supremo Tribunal Federal e o Superior
Tribunal de Justiça rejulgam a causa, não sendo Cortes de Cassação, é interessante o
exame a respeito do error in judicando e do error in procedendo. Observa-se que a
Súmula 456 do Supremo Tribunal Federal será analisada no Capítulo V deste trabalho.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam
que a sentença pode padecer de vícios de duas espécies, de julgamento (error in
judicando), de aplicação incorreta do direito à espécie (vício de fundo) e vício de
procedimento (error in procedendo), aplicação equivocada da regra processual (vício de
forma). Em qualquer dos casos, cabe recurso para correção do vício. No primeiro, se
provido e corrigido o error in judicando, haverá a reforma da sentença; caso seja
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme em que a parte deve vincular a interposição do recurso especial à violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, quando, mesmo após a oposição de embargos declaratórios, o tribunal a quo persiste em não decidir questões que lhe foram submetidas a julgamento, por força do princípio tantum devolutum quantum appellatum ou, ainda, quando persista desconhecendo obscuridade ou contradição argüidas como existentes no decisum. 2. Não há falar em violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, por decidida a matéria com fundamento diverso do pretendido. 3. ‘Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo.’ (Súmula do STJ, Enunciado nº 211). 4. Reconhecida no acórdão impugnado que houve a correta fixação dos alugueres, nos termos do laudo pericial, a alegação em sentido contrário, a motivar insurgência especial, requisita exame do acervo fático-probatório, vedado na instância excepcional. 5. Agravo regimental improvido.” (AgRg no Ag 828.501/RJ, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, julgado em 15/05/2008, v.u., DJe 18/08/2008).
119
provida a apelação para corrigir o error in procedendo, ocorre a anulação da
sentença.204
De acordo com Nelson Nery Junior, há o vício de atividade
quando o juiz desrespeita norma de procedimento determinada pelo ordenamento
jurídico como um todo, provocando prejuízo à parte. Não é necessário que o magistrado
viole texto expresso de lei, basta que descumpra a regra jurídica aplicável ao caso
concreto. O vício é de natureza formal, invalidando o ato judicial, não se referindo ao
conteúdo deste ato. Verifica-se o error in procedendo quando é infringida qualquer
norma procedimental pelo juiz encarregado de dirigir o processo. O erro do juiz deve
ser tal que comprometa a forma ou o conteúdo dos atos processuais, interferindo na
higidez da relação jurídica processual, acarretando a nulidade do processo.
Compreendem-se no conceito de errores in procedendo, os atos das partes que não
forem corrigidos pelo magistrado. Assim, esses erros provocam a invalidade do ato
judicial.
Já os errores in judicando são vícios de natureza substancial, de
conteúdo, de fundo, provocando a injustiça do ato judicial. Na maioria das vezes, o erro
de juízo refere-se ao próprio mérito da causa. Se o mérito da causa for questão
processual, o erro que o juiz, eventualmente, incidir ao julgar será in judicando. Nelson
Nery Junior entende ser de evidente importância a distinção entre essas duas espécies de
vícios dos atos decisórios do juiz, tendo em vista a análise das hipóteses de cabimento
do recurso extraordinário, do recurso especial e da ação rescisória. Exemplifica ser erro
de atividade as hipóteses de ação rescisória dos incisos II e IV do artigo 485 do Código
de Processo Civil, quando a sentença for proferida por juiz impedido ou absolutamente
incompetente ou quando ofender a coisa julgada. E erro de juízo os incisos V e IX do
204 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT. 2003, p. 918 e 919.
120
artigo 485 supra mencionado, quando a sentença violar literal disposição de lei ou
incidir em erro de fato. Discute-se na doutrina nacional se a ação rescisória seria cabível
para rescindir sentença eivada de error in procedendo, haja vista o artigo 4º da Lei de
Introdução ao Código Civil, em específico quando o juiz errar ao julgar com base na
analogia, costume e princípios gerais de direito. Alguns entendem que somente o erro in
judicando enseja a propositura da ação rescisória com base no artigo 485, inciso V, do
Código de Processo Civil. Tal posição é criticada por autorizada parte da doutrina que,
fazendo menção expressa ao caso de violação ao artigo 4º da Lei de Introdução ao
Código Civil, entende ser rescindível a sentença eivada de erro in procedendo.205
Teresa Arruda Alvim Wambier leciona que se o apelante alegar
circunstâncias de ambas as espécies, o órgão ad quem deve examinar em primeiro lugar
os errores in procedendo, tendo em vista que antes de passar ao exame dos errores in
judicando, o tribunal deve decretar nulidades, sobre as quais deve se manifestar de
ofício, ainda que não tenham sido alegadas pelas partes.206
Segundo Flávio Cheim Jorge, desde os tempos romanos os
erros ou vícios das decisões foram classificados em errores in procedendo, ligados a
vício de natureza formal, ou em errores in judicando, relacionados a vício de natureza
substancial. Haverá erro de juízo quando o magistrado avaliar mal o fato, quando
aplicar equivocadamente o direito ou quando interpretar erroneamente a norma abstrata.
Existirá erro in procedendo (ou vício de atividade), quando “não existir observância (ou
mesmo descumprimento) às normas que regulamentam a forma e a modalidade do
ofício prestado pelo juiz”. Pode-se dizer, nesse último caso, que o vício ocorre pela falta
ou violação de um elemento indispensável para o julgamento da causa, relacionado a
205 NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: RT. 1997, p. 214-219. 206 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 240.
121
pressupostos processuais, condições da ação ou qualquer outro elemento que provoque
defeito na prestação da tutela jurisdicional. A importância da distinção reside no fato de
que o tipo de defeito alegado pelo recorrente influenciará diretamente na pretensão
recursal. Diante de erro in judicando, quando o vício for representado pela má
apreciação do juiz no tocante ao pedido e à causa de pedir, ou seja, no julgamento
propriamente dito, o seu pedido deverá ser de reforma da decisão; enquanto que se
estiver diante de erro in procedendo, quando o vício for capaz de levar à invalidade
(nulidade) da decisão, deverá ser pleiteada a anulação da decisão.207
Conforme Flávio Cheim Jorge e Marcelo Abelha Rodrigues, há
erro in procedendo quando o vício for capaz de levar à invalidade (nulidade) da decisão,
enquanto que o erro in judicando quando o defeito for representado pela má apreciação
do juiz, no tocante ao pedido e à causa de pedir, no julgamento propriamente dito. Após
reverem seu posicionamento, concluem que a distinção entre erro in procedendo e erro
in judicando não possui muita relevância para a função substitutiva ou rescindente dos
recursos. Aduzem que existem algumas regras que, devido a várias exceções, não
podem ser consideradas premissas (citam, por exemplo, a Lei n. 10.352/01 que
introduziu o § 3º ao artigo 515 do Código de Processo Civil), ressaltando que isso
também não se trata de uma sistematização do tema, tendo em vista que é possível
identificar situações que acabam por definir as funções substitutivas ou rescindentes dos
recursos, sem se esgotar o assunto.208
José Miguel Garcia Medina afirma que pode ser distinguido, no
pronunciamento judicial, o ato em si considerado e seu conteúdo. Quando o
pronunciamento é acometido de invalidade em razão de vício na atividade judicial, diz-
207 JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. Rio de Janeiro: Forense. 2003, p. 56-58.208 JORGE, Flávio Cheim e RODRIGUES, Marcelo Abelha. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito,in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT. 2002. v. 5, p. 244-246.
122
se que há error in procedendo, como no momento em que o órgão judicante não
observa as normas que regula, as formas e modalidades de sua atuação, violando lei
processual e ensejando defeitos na construção do ato. Com relação a seu conteúdo, há
error in judicando quando o órgão julgador profere decisão injusta, assim tida por
aquela em que o juiz tenha se manifestado de modo diferente da verdade, ou a tenha
valorado juridicamente de maneira equivocada. “No caso de error in procedendo,
busca-se a invalidação da decisão recorrida, cingindo-se o órgão ad quem a anulá-la,
para que se profira, em grau inferior, nova decisão. Na hipótese de error in judicando, o
resultado da atividade do órgão ad quem será a reforma da decisão recorrida”.209
Para Rodrigo Mazzei, da existência de error in procedendo
(omissão de questão que deveria ter sido examinada no julgamento) irá decorrer o
reclame por um exame de conteúdo (error in judicando) quanto à matéria não decidida
(ou mesmo não observada quando era dever de ofício, hipótese que o autor denomina de
omissão indireta). Aduz que, quando por meio de embargos de declaração, permite-se a
solução de questões de fato e de direito, não se pode dizer que se esteja corrigindo error
in judicando, “até porque, a ocorrência do vício de omissão pressupõe que a questão não
tenha sido apreciada. O que se tem é a estréia da atividade julgadora na apreciação da
matéria desgarrada como conseqüência secundária e inexorável à resolução do error in
procedendo”.210
De acordo com Clara Moreira Azzoni, o STJ e o STF são
Tribunais de Revisão, os quais, assim como os Tribunais de Cassação, exercem a
fundamental atividade de controle da interpretação e da aplicação do direito objetivo em
209 MEDINA, José Miguel Garcia. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito dos recursos na nova sistemática recursal e sua compreensão jurisprudencial, de acordo com as Leis 9.756/98 e 9.800/99, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 365-366. 210 MAZZEI, Rodrigo. Embargos de declaração e a omissão indireta (matérias que devem ser resolvidas de ofício, independentemente de argüição prévia pelo interessado). Revista Forense, n. 399/157, Set.-Out. 2008, p. 165.
123
todo o território nacional (função nomofilácica). Entretanto, reconhecida a violação à lei
federal ou à Constituição, se for a situação de error in iudicando, eles estão autorizados,
dentro dos limites de sua cognição, a prolatar nova decisão, a qual substituirá a decisão
recorrida (função substitutiva).211
Andréa Metne Arnaut afirma que se o prequestionamento
enseja decisão (pronunciamento judicial) das instâncias ordinárias e este não se
verificou em decorrência da deficiência na prestação jurisdicional, a análise de eventual
error in judicando, sem preliminar saneamento do error in procedendo, subverteria a
ordem processual. Somente com a questão de fundo decidida pela instância a quo
(prequestionada), permite-se o conhecimento de recurso extraordinário.212
Tal estudo é importante na análise dos recursos especiais em
que se alega violação ao art. 535, inc. II, do Código de Processo Civil, requerendo que
os autos sejam devolvidos ao Tribunal de origem para que se supra omissão, na maioria
dos casos, o prequestionamento da matéria. Desta forma, anula-se a decisão e os autos
retornam ao Tribunal a quo para que haja nova decisão, ocorrendo na hipótese error in
procedendo.
5. PREQUESTIONAMENTO E TERCEIRO RECORRENTE
211 Clara Moreira Azzoni afirma que “nossas Cortes Superiores, muito embora se aproximem significativamente dos Tribunais de Cassação, na medida em que não constituem terceiro grau de jurisdição e tampouco se prestam a analisar o conjunto fático-probatório dos autos, são marcadas pela característica de possuírem competência para exercer também o juízo de revisão, aplicando o direito à espécie”. Ressalta que “os Tribunais Superiores não constituem terceiro grau de jurisdição, mas sim Tribunais de Superposição, destinados a exercer o controle da legalidade da decisão proferida pela instância inferior (função nomofilácica) e a uniformização da jurisprudência” (Recurso especial e extraordinário: aspectos gerais e efeitos. São Paulo: Atlas. 2009, p. 38 e 148). 212 ARNAUT, Andrea Metne. Recursos extraordinários: prequestionamento e prestação jurisdicional incompleta, in AQUINO, Marcelo de e AZEVEDO, Pedro Ubiratan Escorel de (Organizadores). Regularização imobiliária de áreas protegidas. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado. 1999, p. 94-95.
124
Interessante questionamento é se o terceiro recorrente precisa
prequestionar. Entende-se que sim neste trabalho, porque o terceiro recorrente (art. 499
do Código de Processo Civil) deve cumprir todos os requisitos necessários à
interposição dos recursos como as partes e o Ministério Público. O prequestionamento é
indispensável, tendo em vista que não pode haver violação a lei federal ou divergência
em sua interpretação, assim como violação à Constituição Federal, se as questões não
foram enfrentadas de forma explícita pela decisão a quo.
Eduardo Ribeiro de Oliveira, revendo ponto de vista anterior,
sustenta que não se dispensará o prequestionamento, tratando-se de recurso de terceiro
que intente sustentar nulidade, oriunda de não haver figurado como parte. Se o acórdão
não se cuidou disso, haverá de preceder ao recurso pedido de declaração.213
Para Mantovanni Colares Cavalcante, a posição mais razoável
quando se fala em prequestionamento nos recursos especial e extraordinário na hipótese
em que o recurso seja interposto por terceiro é a de que prevaleça, em regra, o mesmo
critério adotado quanto às partes, o de enfrentamento da matéria pelo tribunal recorrido,
seja de maneira espontânea ou provocada, inclusive por meio de embargos de
declaração. Ressalva, todavia, que jamais se deveria afastar situações em que tal
prequestionamento não se mostre possível diante da peculiaridade do caso porque se
está diante de uma impossibilidade de natureza processual.214
Foram localizados julgados em pesquisa no Supremo Tribunal
Federal e no Superior Tribunal de Justiça acerca do tema em voga, verificando-se que o
entendimento sobre a temática não é unânime.215
213 OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Op. Cit., p. 166 e 167. 214 CAVALCANTE, Mantovanni Colares. Op. Cit., p. 664-672. 215 Decisões do Supremo Tribunal Federal: “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INTERPOSIÇÃO. TERCEIRO PREJUDICADO. PREQUESTIONAMENTO. INEXIGIBILIDADE. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. MATÉRIA
125
PROCESSUAL. PRECEDENTES. OFENSA REFLEXA A CONSTITUIÇÃO. INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES PREVISTAS NOS INCISOS I A XI DO ART. 325 DO RISTF. AGRG IMPROVIDO.” (AI 123699 AgR, Relator Min. Celio Borja, Segunda Turma, julgado em 12/04/1988, DJ 06-05-1988 PP-10639 EMENT VOL-01500-05 PP-00988).
“Ação rescisória de sentença proferida em ação de usucapião, proposta por quem se intitula proprietário do imóvel e não foi citado para os termos do processo. Improcedência na instância originária. Recurso extraordinário com alegação de negativa de vigência dos artigos 153, parágrafos 3. e 22, da Constituição Federal, 467, 468, 471, 485, v e 942, II, do C.P.C e dissídio com outros julgados. Inocorrência de hipótese prevista nos incisos II a XI do art. 325 do R.I.S.T.F., na redação dada pela ER n. 2/85. Inapreciabilidade, por isso, das questões infraconstitucionais, seja pela letra 'a', seja pela 'd'. Temas constitucionais que não poderiam ter sido suscitados antes do acórdão recorrido e cujo prequestionamento, por essa razão, é dispensado, no caso. Inexistência, porém, de ofensa direta e frontal às normas constitucionais focalizadas. R.E. não conhecido, com ressalva de ação própria das recorrentes para defesa do alegado direito de propriedade.” (RE 111771, Relator Min. Sydney Sanches, Primeira Turma, julgado em 29/09/1987, DJ 30-10-1987 PP-23814 EMENT VOL-01480-03 PP-00633).
“- FALÊNCIA. DESTITUIÇÃO DE SÍNDICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO POR TERCEIRO PREJUDICADO. - O terceiro prejudicado tem legitimidade para interpor recurso extraordinário, estando, porém, adstrito às mesmas limitações das partes, inclusive no que diz respeito ao prequestionamento das questões federais invocadas no recurso extraordinário. - Falta de prequestionamento das questões relativas aos artigos 14, parágrafo único, IV, 60, parágrafo 2., 66 e seu parágrafo primeiro, todos da Lei de Falências, e 263 e 472 do C.P.C. Sumulas 282 e 356. Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 98817, Relator Min. Moreira Alves, Segunda Turma, julgado em 16/11/1982, DJ 25-03-1983 PP-03467 EMENT VOL-01288-02 PP-00493 RTJ VOL-00106-02 PP-00813).
“AÇÃO RESCISÓRIA. LEGITIMIDADE PARA PROPÔ-LA. Alegação de que os autores seriam terceiros juridicamente prejudicados. Omissão do acórdão sobre as questões de fato e de direito que teriam de ser solvidas por ele para a afirmação, ou a negativa, de serem os autores terceiros juridicamente prejudicados. Falta de prequestionamento, portanto, de questões sem cuja apreciação não se pode aferir a ocorrência, ou não, de violação ao inciso II do artigo 487 do C.P.C. Aplicação, à espécie, das Súmulas 282 e 356. Dissídio de jurisprudência inexistente. Recurso extraordinário não conhecido.” (RE 94846, Relator Min. Moreira Alves, Segunda Turma, julgado em 03/09/1982, DJ 25-02-1983 PP-01540 EMENT VOL-01284-02 PP-00423).
“AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO. ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO. - No que concerne ao primeiro recurso extraordinário, aplicam-se as Súmulas 282, 156 e 279. Inexistência de demonstração de dissídio de jurisprudência. - Quanto ao segundo recurso extraordinário, se é certo que o terceiro prejudicado pode interpô-lo, também é certo que a questão que constitui seu objeto deverá ter sido ventilada no acórdão recorrido, sob pena de não haver o indispensável prequestionamento (Súmula 282 e 356). Por isso, não é ele meio hábil para alegar-se, em primeira mão, nulidade do processo por falta de citação de litisconsorte necessário. Recursos extraordinários não conhecidos.” (RE 86382, Relator Min. Moreira Alves, Segunda Turma, julgado em 01/06/1979, DJ 14-09-1979 PP-06844 EMENT VOL-01144-02 PP-00365 RTJ VOL-00094-01 PP-00255).
Decisões do Superior Tribunal de Justiça:
“CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. INGRESSO DE TERCEIRO PREJUDICADO. PREQUESTIONAMENTO. DESNECESSIDADE. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. AÇÃO DE NULIDADE E RESCISÃO DO CONTRATO. ACUSAÇÃO FEITA PELA AUTORA AO EX-MARIDO, DE FRAUDE NA ALIENAÇÃO. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL ESTADUAL. DEMANDA MOVIDA EXCLUSIVAMENTE CONTRA OS ADQUIRENTES DO BEM. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO DO EX-ESPOSO CARACTERIZADO. CPC, ARTS. 499 E 47, PARÁGRAFO ÚNICO. NULIDADE PROCESSUAL DECRETADA.
126
I. Dispensável, excepcionalmente, o prequestionamento da questão federal, se o recurso especial é interposto por terceiro prejudicado na demanda, caso dos autos. II. Proposta ação pela autora objetivando a decretação da nulidade da escritura de compra e venda de imóvel alienado por seu ex-esposo, este, que também figurou no contrato como co-vendedor, deve integrar obrigatoriamente a demanda, como litisconsorte passivo necessário, ao teor do art. 47 e seu parágrafo único, do CPC, sob pena de ineficácia da decisão, que deve ser uniforme para todas as partes envolvidas na avença a ser desconstituída. III. Recurso especial conhecido e provido, nulificado o processo a partir da contestação dos réus já figurantes na lide, para que seja a ela integrado o ora recorrente, daí seguindo o seu curso em 1o grau.” (REsp 116.879/RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 27/09/2005, DJ 17/10/2005 p. 295).
“RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE PARA MANIFESTÁ-LO DO LITISCONSORTE NECESSÁRIO QUE NÃO PARTICIPOU DA CAUSA. DESNECESSIDADE, EM TAL CASO, DE PREQUESTIONAMENTO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À ARREMATAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DA PRESENÇA DO ARREMATANTE COMO LITISCONSORTE NECESSÁRIO (C.P.C., ART. 47, PARÁGRAFO ÚNICO). NULIDADE DO PROCESSO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COTEJO ANALÍTICO NÃO REALIZADO. I - O litisconsorte necessário pode manifestar recurso especial, mesmo que não tenha participado da causa, fazendo-o na qualidade de terceiro prejudicado (C.P.C., art. 499, caput e § 1º). II - Na hipótese mencionada, é dispensável o prequestionamento, pois o recorrente só entrou nos autos após a prolação do acórdão, para insurgir-se contra ausência da sua citação como litisconsorte necessário. III - É indispensável a presença do arrematante, na qualidade de litisconsorte necessário, na ação de embargos à arrematação, porquanto o seu direito será discutido e decidido pela sentença. IV - É pacífica a jurisprudência no sentido de que a falta de citação do litisconsorte necessário implica a nulidade do processo. V - Para a caracterização do dissídio jurisprudencial, é necessária a indicação de circunstâncias que assemelhem os casos confrontados. Em regra, a mera transcrição de ementas não basta para a demonstração da divergência. VI - Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” (REsp 316.441/RJ, Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 25/05/2004, DJ 21/06/2004 p. 214).
“Recurso especial. Prequestionamento. Terceiro prejudicado. O prequestionamento constitui requisito indispensável, para que se possa conhecer do especial, por não ser possível violar a lei ou configurar-se o dissídio em relação a tema não examinado. Trata-se de exigência que deriva da própria previsão constitucional desse recurso. Também o terceiro, que se considere juridicamente atingido pela decisão, haverá de apresentar pedido de declaração, se o tema que o pretende versar não houver sido examinado pelo acórdão.” (REsp 248089/PR, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Rel. p/ Acórdão Ministro Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 06/06/2000, por maioria, DJ 28/05/2001 p. 196).
127
CAPÍTULO IV
QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Neste momento, enfoca-se a questão de ordem pública, tendo
em vista ser necessária a análise de referida temática antes de enfrentar o requisito
prequestionamento dos recursos extraordinários lato sensu e as matérias de ordem
pública. Em primeiro lugar, ressalta-se a dificuldade em sua conceituação. Verifica-se
que a doutrina não apresenta unanimidade quanto à sua definição.
Norma 216 de ordem pública processual é aquela que visa
assegurar o correto exercício da Jurisdição, sem atenção destinada de modo direto aos
interesses das partes da lide.
Cândido Rangel Dinamarco afirma que:
São de ordem pública todas as normas (processuais ou substanciais) referentes a relações que transcendam a esfera de interesses dos sujeitos privados, disciplinando relações que os envolvam mas fazendo-o com atenção ao interesse da sociedade como um todo, ou ao interesse público. Existem normas processuais de ordem pública e outras, também processuais, que não o são.
216 Ensina Miguel Reale sobre a estrutura tridimensional do Direito, a demonstração de três aspectos básicos sobre os diversos sentidos da palavra Direito: um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade histórica e social); e um sociológico (o Direito como valor de Justiça). O autor adverte que existe em toda regra um juízo de valor, cuja estrutura principal é esclarecer, estando no cerne da atividade do juiz ou do advogado. Fatos, valores e normas se implicam e se exigem reciprocamente, coexistindo em uma unidade concreta, refletindo na interpretação de uma norma para dar-lhe aplicação (Lições preliminares de Direito. 24. ed. 2. tiragem. São Paulo: Saraiva. 1999, p. 34 e 64-66).
128
Não é possível traçar conceitos muito rígidos ou critérios apriorísticos bem nítidos para a distinção entre umas e outras. Como critério geral, são de ordem pública as normas processuais destinadas a assegurar o correto exercício da jurisdição (que é uma função pública, expressão do poder estatal), sem a atenção centrada de modo direto ou primário nos interesses das partes conflitantes. Não o são aquelas que têm em conta os interesses das partes em primeiro plano, sendo relativamente indiferente ao correto exercício da jurisdição a submissão destas ou eventual disposição que venham a fazer em sentido diferente.217
Conforme Teresa Arruda Alvim Wambier, toda matéria de
ordem pública é examinável de ofício, todavia, nem tudo o que pode ser examinado de
ofício trata-se de matéria de ordem pública. Segundo a professora, o conjunto de
matérias examináveis de ofício é maior do que o das matérias de ordem pública.
Exemplifica com as hipóteses de conexão e a usual correlata providência de mandar
reunir as causas no juízo em que tiver havido prevenção, suspeição ou matéria
probatória, considerada do ponto de vista genérico, das quais são excetuadas hipóteses
como a da prova legal ou indisponível.218
217 Para Cândido Rangel Dinamarco, “Há normas processuais sobre competência que se relacionam intimamente com a estrutura do Poder Judiciário e cujo cumprimento é reputado essencial para a manutenção da ordem idealizada pelo constituinte e pelo legislador; tais normas estabelecem a competência absoluta, que não deve ser violada em hipótese alguma (v.g., competência da justiça federal ou das estaduais comuns: Const., art. 109). Mas há também normas sobre competência que correspondem a meros critérios pragmáticos, às vezes visando a facilitar a defesa de uma das partes e que, se violadas, nem por isso se compromete a qualidade do serviço jurisdicional ou a estrutura judiciária (v.g., a competência do foro em que o réu tem domicílio: CPC, art. 94); é por isso que a competência, nesses casos, diz-se relativa e em certas circunstâncias pode ser alterada pela vontade das partes. Outro exemplo são as nulidades, que se dividem em absolutas e relativas segundo critérios substancialmente coincidentes com esses descritos (CPC, arts. 84, 246, 398 etc.)” (Instituições de direito processual civil.4. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros. 2004. v. I, p. 69-70). O autor Cândido Rangel Dinamarco leciona que “Há sempre uma relação de legítima adequação entre as diversas situações jurídicas que levam o sujeito a valer-se do Poder Judiciário e as técnicas mediante as quais, segundo a ordem jurídico-processual, o serviço jurisdicional deve ser realizado. Essa relação tem forte conotação de ordem pública, porque as inúmeras variáveis processuais são instituídas também com a finalidade de propiciar ao Estado-juiz a possibilidade de exercer seu mister de modo eficiente e em benefício da comunidade em geral – e não somente para beneficiar o sujeito concretamente necessitado da tutela jurisdicional” (Instituições de direito processual civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros. 2004. v. II, p. 39). 218 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 173.
129
De acordo com Paulo Henrique dos Santos Lucon, as chamadas
matérias de ordem pública estão relacionadas com o amplo espectro dos requisitos de
admissibilidade da tutela jurisdicional. Podem e devem ser conhecidas de ofício pelo
órgão jurisdicional, não se operando a preclusão (arts. 301, § 4º, e 303, inc. II, do CPC).
Para o autor, afastar a ocorrência de preclusão em determinadas situações é, em síntese,
tutelar o resultado do processo. “Na verdade, a razão de ser da possibilidade legal de o
julgador conhecer das matérias de ordem pública nos diversos graus de jurisdição vai
muito além do simples imperativo legal: diz respeito a uma diretiva superior,
relacionada com o papel do juiz no processo civil moderno”. Em função da importância
que tais matérias representam, o Estado-juiz está autorizado a declarar não estar
disposto a exercer a função jurisdicional.219
As características da ordem pública, em conformidade com
Gisele Santos Fernandes Góes, são substância ética singular, complexa e hierarquizada,
onipresença conceitual, relatividade espacial, dinamismo, transcendência e versatilidade
instrumental. “A ordem pública é o estatuto axiológico do Estado Democrático de
Direito, enquanto que os interesses públicos constituem a faceta da ordem pública e ela
concretiza o mais adequado aos seus ditames.”220
Maurício Giannico aduz que, ao atribuir ao juiz o dever-poder
de conhecer e apreciar de ofício determinadas matérias, o legislador considerou a
grande relevância de determinadas questões no desenvolvimento válido e regular do
219 Paulo Henrique dos Santos Lucon afirma que “exatamente para que isso não se torne regra e impeça a solução final do processo, para que o fenômeno da preclusão para as partes não ocorra é preciso que haja expressa previsão legal. Daí a razão, eminentemente de caráter metodológico, que justifica a existência do parágrafo 3º do artigo 267 do Código de Processo Civil. Para o juiz, a preclusão não pode ser causa de perpetuação de injustiças. Em determinadas situações excepcionais, e dentro dos poderes que lhe são conferidos, torna-se imperativo afastar a preclusão. (...) Devido à não-ocorrência de preclusão quanto às assim denominadas matérias de ordem pública, também conhecidas por objeções, autoriza-se a sua análise a qualquer tempo e grau de jurisdição ordinários” (Recurso especial: ordem pública e prequestionamento. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. especial: 30 anos do Código de Processo Civil, Jan.-Dez. 2003, p. 315-318). 220 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial. Tese de Doutorado. São Paulo. PUC. 2007, p. 259.
130
processo. Assim, levou em consideração muito mais do que o interesse particular das
partes, mas, acima de tudo, o interesse do próprio Estado na composição dos litígios e
na tarefa de pacificar com justiça. Ainda, afirma que o Código de Processo Civil
brasileiro não se preocupou em sistematizar ou indicar, com precisão, quais matérias
efetivamente foram erigidas à categoria de matéria de ordem pública:
Na realidade, por uma opção política do legislador – às vezes ditada por razões de ordem pública, mas outras vezes voltada pura e simplesmente à funcionalidade do procedimento e à economia de tempo e de dinheiro público –, determinadas matérias (que, como visto, não obrigatoriamente revelam um caráter público) foram destacadas pela lei processual, autorizando sua análise judicial, ainda que sem prévia manifestação dos litigantes.221
Heitor Vitor Mendonça Sica, em estudo sobre preclusão,
menciona que o direito positivo jamais se preocupou em delimitar que matérias seriam
de “ordem pública” e quais não. Trata-se de conceito extremamente vago e impreciso,
tendo sido utilizado em algumas vezes por regimes ditatoriais com o fim de justificar
supressão de direitos dos cidadãos.222
Gisele Santos Fernandes Góes, em tese de doutorado, sustenta
que a ordem pública encontra-se subdividida em absoluta e relativa. A primeira tem
como características principais a imperatividade e a irrenunciabilidade, enquanto que,
221 Esclarece, ainda, Maurício Giannico “Como é cediço, a manutenção, no processo, de certos atos processuais viciados pode trazer prejuízos irremediáveis ao andamento regular do processo, comprometendo irreversivelmente o normal desempenho da função jurisdicional. Neste sentido, ainda que em substância os atos viciados sejam revestidos do caráter de ordem eminentemente privada, é perfeitamente possível que, na prática, sua permanência no processo venha a causar prejuízos tão ou até mais graves do que aqueles concernentes à ordem pública” (A preclusão no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2005, p. 157, 159, 161 e 162). 222 Heitor Vitor Mendonça Sica cita o ditador espanhol Franco que editou a “Ley de Orden Publico” em 30/07/1959, que estipulava julgamentos sumários de atos que se consideravam atentatórios da “ordem pública”. Em 1978, a ditadura salvadorenha editou a “Ley de defensa y garantia del orden publico”, igualmente com o fim de suprimir direitos civis. “A versão brasileira desse tipo de diploma baseava-se em outro conceito vago, que outorgava amplos poderes ao estado em detrimento de garantias individuais, qual seja o de ‘segurança nacional’ (vide arts. 89-91 da Constituição Federal de 1967 e o Decreto-lei nº 314/67)” (Preclusão processual civil. 2. ed. São Paulo: Atlas. 2008, p. 252 e nota 216).
131
na segunda, é marcante a imperatividade, porém não a irrenunciabilidade, podendo a
parte exercer a sua vontade como bem lhe aprouver. Em um fator de causalidade, ser de
ordem pública dependerá de como a sociedade influenciará o legislador para conceber
certo instituto como tal, publicizando-o. Segundo a autora:
A causa de ordem pública é algo que gravita no patamar axiológico e, uma vez alinhavado no seio jurídico, demonstra como a questão de direito deve ser enfrentada no mundo fático, diante da realidade social. Não é, portanto, sempre que, se a questão for de ordem pública, apresentará as mesmas conseqüências. (...)Significa dizer que, em função do próprio paradigma admitido – ordem pública absoluta e relativa – apenas na primeira pode-se afirmar peremptoriamente que a questão de ordem pública deve ser apreciada de ofício.223
De acordo com Rodrigo Mazzei, em estudo sobre os embargos
de declaração e matérias que devem ser resolvidas de ofício, independentemente de
argüição prévia pelo interessado, a possibilidade de conhecimento de ofício, é, na
realidade, mero desdobramento processual que se atribui a determinadas matérias,
existindo algumas que, muito embora possam ser pronunciadas de ofício, não são de
ordem pública. Afirma que existem vários exemplos em que o julgador deve se
pronunciar de ofício, conquanto tais questões não possam ser tratadas como de ordem
pública, em seu conceito mais ortodoxo. Nessa linha, nos atos decisórios algumas
questões deverão ser resolvidas de ofício, mesmo sem requerimento expresso do
beneficiário, apesar de não se tratar de matérias de ordem pública, ao menos em formato
que habitualmente é relacionado (sinônimo de questão indisponível). Cita como
223 Gisele Santos Fernandes Góes cita que o CPC e o CC contêm questões de ordem pública que não são decretáveis de ofício, como a suspeição (art. 135 do CPC) e o pressuposto de admissibilidade recursal de comunicação de interposição do agravo de instrumento ao juízo de primeiro grau (art. 526 do CPC). Já o impedimento é de ordem pública absoluta, não gerando preclusão para a parte, devendo o magistrado pronunciar-se de ofício (Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial. Tese de Doutorado. São Paulo. PUC. 2007, p. 155-157).
132
exemplos de matérias que o julgador deve resolver, ainda que não invocadas pelas
partes: a) aplicação de juros e correção (com toda a extensão do art. 293 do CPC); b)
honorários de advogado (art. 20 do CPC); c) prestações periódicas (art. 290 do CPC); d)
fato superveniente (art. 462 do CPC); e) fixação de multa diária e/ou medidas de apoio
(art. 461, § 5º, do CPC); f) saneamento dos erros materiais (art. 463 do CPC).
Ainda, conforme Rodrigo Mazzei, o Judiciário é obrigado a
decidir mesmo sem pedido expresso do recorrente, estando fixada no material que é
levado pelo efeito devolutivo do apelante, nos termos do art. 515, § 2º, do CPC, citando
também a prescrição que, depois da remodelação introduzida pela Lei n. 11.280/2006
no art. 219, § 5º, do CPC,224 deve ser pronunciada de ofício.225
Maurício Giannico menciona, analisando a substância
(essência) de cada ato processual, não ser difícil constatar que inexiste uma correlação
224 Art. 219. “§ 5o O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição” (redação dada pela Lei n. 11.280, de 2006). Há Projeto de Lei, tramitando na Câmara dos Deputados, que tem por objetivo vedar ao juiz que pronuncie, de ofício, a prescrição quando se tratar de direito disponível. Trata-se do Projeto de Lei 5484/2009, com data de apresentação de 24/06/2009 e com último andamento naquela Casa Legislativa, em 11/08/2009, não tendo sido apresentadas emendas ao projeto na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, até a data de pesquisa de 08/02/2010. Consta da justificação do Projeto: “Não somente o direito pátrio, mas praticamente todos os ordenamentos jurídicos vedam, categoricamente, o reconhecimento de ofício da prescrição. Como exemplo, mencione-se o art. 2.938 do Código Civil italiano, o art. 2.223 do Código Civil francês, o art. 142 do Código de Obrigações suíço, o art. 3.964 do Código Civil argentino e o art. 303 do Código Civil português. Tenha-se que a prescrição é um instituto jurídico de ordem pública, cujos efeitos reverberam na esfera privada das partes, eis que extingue ações que tutelam direitos privados. Apesar do caráter de ordem pública, a lei permite que aquele a quem a prescrição aproveita a renuncie. Com essa possibilidade, coloca a prescrição como um benefício a favor do prescribente, do qual ele pode abrir mão. Assim sendo, diante da possibilidade de renúncia da prescrição, afigura-se incompatível com a liberdade da parte em renunciá-la o poder conferido ao juiz de a pronunciar, de ofício, contra a vontade do beneficiário. Diga-se, ainda, que, da forma em que delineada, a declaração de ofício da prescrição é inconstitucional, eis que viola o princípio constitucional do contraditório ao retirar da parte o direito de prévia manifestação antes de pronunciá-la, mormente considerando o direito que tem à renúncia do benefício.” Disponível em: http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em: 08 de Fevereiro de 2010, 17:30. 225 Conforme Rodrigo Mazzei, “Ao se verificar que existe a possibilidade de caracterização da omissão indireta, conclui-se que o inc. II do art. 535 do CPC permite o manejo dos declaratórios sempre que ocorrer error in procedendo de natureza omissiva. Nessa trilha, todas as questões que deveriam ter sido resolvidas no julgamento e cuja apreciação poderia se dar de ofício pelo julgador (ou julgadores, em caso de decisão plúrima) antes de aperfeiçoada a decisão, poderão ser alvo de embargos de declaração, uma vez que estará caracterizada omissão, por não ter sido levado a cabo o dever de ofício do magistrado” [Embargos de declaração e a omissão indireta (matérias que devem ser resolvidas de ofício, independentemente de argüição prévia pelo interessado). Revista Forense, n. 399/157, Set.-Out. 2008, p. 177-180].
133
necessária entre as matérias trazidas pelo legislador como cognoscíveis de ofício e
aquelas consideradas como matéria de ordem pública. Nem todas as matérias
apreciáveis de ofício são necessariamente matérias de ordem pública. Sustenta que até
há tal correlação em parte da legislação processual brasileira, mas está longe de ser uma
regra fixa ou absoluta.226
Para Edson Ribas Malachini, as alegações imprecluíveis, que
estão previstas basicamente no art. 303, II e III, do Código de Processo Civil,227 são as
que podem ser feitas a qualquer tempo (salvo as restrições legais), no primeiro ou no
segundo grau de jurisdição, em razão de ser questões das quais o juiz tem o dever de
conhecer ex officio, ou excepcionalmente porque, por expressa autorização legal, podem
ser argüidas naquelas condições, não ficando sujeitas à preclusão temporal, como a
prescrição (que, atualmente, também cognoscível de ofício – art. 219, § 5º, do Código
de Processo Civil, revogando o art. 194 do Código Civil228). Segundo o autor, isso se
explica, fundamentalmente, pelo fato de que, em existindo o dever judicial de cognição
ex officio, sua alegação pela parte é apenas uma lembrança para o cumprimento de tal
dever.229
Eliane Proscurcin Quintella, em dissertação de mestrado, aduz
que não seria exagero afirmar que a noção de ordem pública é mutante, adaptando-se às
diferentes realidades sociais. A identificação da ordem pública em determinada
sociedade é de extrema importância, em razão de que com ela é possível constatar os
limites à liberdade dos particulares, as características (estruturais, culturais, sociais,
226 GIANNICO, Maurício. Op. Cit., p. 160. 227 “Art. 303. Depois da contestação, só é lícito deduzir novas alegações quando: I - relativas a direito superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de ofício; III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo.” 228 A prescrição pode ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 193 do CC/02). Segundo o artigo 194 do Código Civil, que foi revogado pela Lei n. 11.280/2006, a prescrição dependia da alegação da parte, salvo se beneficiasse absolutamente incapaz. 229 MALACHINI, Edson Ribas. Alegações imprecluíveis e dever judicial de cognição ex officio. Revista Forense, n. 395/67, Jan.-Fev. 2008, p. 67 e 77.
134
econômicas, políticas etc) da sociedade e também os problemas que a aflige, pois é a
própria compreensão da ordem pública que possibilita constatar e definir as causas
desses problemas.230
Serge Guinchard, da doutrina francesa, a respeito de invocação
de uma regra de ordem pública, afirma que o juiz tem a obrigação de conhecer de ofício
a exceção de nulidade fundada sobre uma não observação de uma regra de mérito
relativa a um ato de procedimento desde que ela tenha uma característica de ordem
pública.231
Considera-se difícil a definição do que seja questão de ordem
pública, pois ela não é estática e difere em cada ordenamento. A depender dos interesses
da sociedade, cujos representantes estão no Poder Legislativo, haverá a determinação se
uma matéria trata-se ou não de ordem pública.
No presente trabalho, adota-se a conceituação de que questão
de ordem pública é toda aquela que, apesar de não especificada em rol taxativo pelo
legislador, apresenta características de interesse público, visando a proteção do sistema
e da coletividade, e não especificamente aos interesses individuais das partes, devendo
ser analisada de ofício pelo juiz em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinário (arts.
245, parágrafo único,232 267, § 3º, 301, § 4º, e 303, inc. II, do CPC).
A temática sobre a possibilidade ou não de questões de ordem
pública serem levadas a conhecimento aos Tribunais Superiores sem constituírem
“causas decididas” será analisada no próximo Capítulo.
230 QUINTELLA, Eliane Proscurcin. Matérias de ordem pública no âmbito do Direito Processual Civil.Dissertação de Mestrado. São Paulo. PUC. 2004, p. 23. 231 “Le juge a l’obligation de relever d’office l’exception de nullité fondée sur une inobservation d’une règle de fond relative à un acte de procédure lorsqu’elle a un caractère d’ordre public” (GUINCHARD, Serge. Op. Cit., p. 332). 232 “Art. 245. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão. Parágrafo único. Não se aplica esta disposição às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão, provando a parte legítimo impedimento.”
135
2. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA PRECLUEM APÓS
SEREM ANALISADAS PELO JUIZ?
Questionamento interessante é o de saber se as questões de
ordem pública precluem após serem analisadas pelo juiz.
Conforme os ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira:
O despacho saneador produz a preclusão: a) de todas as questões decididas, ex officio ou mediante provocação da parte, pelo juiz, com ressalva da possibilidade, que sempre lhe fica, de determinar a realização de prova indeferida mas que lhe venha a parecer, mais tarde, necessária à instrução do feito (art. 130); e também b) das questões não decididas – desde que antes suscitadas ou simplesmente suscitáveis, ou apreciáveis de ofício – cuja solução cabia no despacho saneador, excetuadas apenas aquelas que, à luz de regra geral específica ou do sistema do Código, possam ser resolvidas posteriormente.233
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery aduzem que
se a decisão recorrível tiver por objeto matéria de ordem pública ou de direito
indisponível e dela não se interpuser agravo, não haverá incidência da preclusão (arts.
267, § 3º, e 471, II). “O limite final para a apreciação das questões de ordem pública e
de direitos indisponíveis é a preclusão máxima, denominada impropriamente de ‘coisa
julgada formal’ (nas instâncias ordinárias) ou, em se tratando do juiz de primeiro grau, a
prolação da sentença de mérito).”234
José Frederico Marques, a respeito do art. 267, § 3º, do Código
de Processo Civil – o “juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição,
233 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. 24. ed. Forense: Rio de Janeiro. 2006, p. 54. 234 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 708.
136
enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos ns. IV, V e VI” –,
afirma que referido artigo não retirou, para esses casos, os efeitos da preclusão pro
iudicato. Há que ser colocado em confronto com o art. 516 – “Ficam também
submetidas ao tribunal as questões anteriores à sentença, ainda não decididas”. “Donde
concluir-se que o conhecimento ex officio da mencionada matéria persistirá até a
sentença sobre o mérito, se dela não se decidiu, explícita ou implicitamente. Existindo
pronunciamento, ainda que implícito, a preclusão pro iudicato torna irrevogável a
decisão e impede o reexame da matéria em que incidiu”. Entretanto, o autor afirma
inexistir preclusão quando o pronunciamento do juízo a quo possa restringir poderes
imanentes ao juízo ad quem para o controle jurisdicional sobre sua própria atividade no
processo.235
Para Humberto Theodoro Júnior, “matéria de ordem pública, as
condições da ação e os pressupostos processuais são indisponíveis e insuscetíveis de
preclusão, mesmo quando a questão já tenha sido objeto de decisão sem oportuno
recurso da parte”.236
João Batista Lopes pondera que a preclusão pro judicato, em
verdade, não constitui verdadeira preclusão, porém uma proibição de o magistrado
decidir novamente as questões já decididas, salvo se a lei expressamente o permitir.
“Trata-se da vedação do bis in idem, princípio implícito no sistema”.237
De acordo com Cassio Scarpinella Bueno, “nada há de
equivocado em entender que o magistrado fica sujeito a determinadas estabilizações
expressas na lei para determinadas decisões judiciais proferidas a partir do legítimo
235 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. 2. ed. atual. Campinas: Millennium. 2001. v. II, p. 250 e 251. 236 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Liquidação de Sentença – Desvio do Procedimento Legal – Nulidade do Julgado por Ofensa à Condição de Procedibilidade – Questão de Ordem Pública Insuscetível de Preclusão. Revista Dialética de Direito Processual, n. l 73/141, Abril 2009, p. 147.237 LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas. 2005. v. 1, p. 179.
137
exercício jurisdicional”. Leciona que a maior parte da doutrina nega que o fenômeno da
preclusão possa dizer respeito à prática de atos processuais pelo juiz. Amplamente, é
negada a ocorrência da chamada “preclusão pro iudicato” (preclusão para o juiz). O
professor menciona que o magistrado fica sujeito a determinadas estabilizações
expressas na lei para certas decisões judiciais proferias a partir do legítimo exercício
jurisdicional – arts. 471 e 473; de forma menos clara nos arts. 267, § 4º, 807 e até
mesmo no art. 810 –, “que se justificam pelo princípio do devido processo legal, do
contraditório e da ampla defesa e, superiormente, pelo princípio da segurança jurídica.
Chamar tais estabilizações de preclusão pro iudicato é o menos importante; o que não é
possível de ser negado é que elas existem e são aceitas pela doutrina em geral”.238
Heitor Vitor Mendonça Sica aduz que, na vigência do Código
de Processo Civil de 1973, tanto os doutrinadores, quanto os tribunais, tendo em vista as
disposições dos arts. 267, § 3º, 301, § 4º e 303, inc. II, são praticamente unânimes em
afirmar que tais matérias, ainda que tenham sido objeto de decisão judicial, podem ser
revistas de ofício e a qualquer momento do processo. Cuida-se de rol de questões
expressamente colocado a salvo da preclusão “por contar com matérias cognoscíveis de
ofício, que são comumente entendidas como sendo de ordem pública e que, pela sua
relevância, a lei faculta ao juiz voltar a apreciá-las mesmo se sobre elas já tenha se
pronunciado anteriormente”. O autor ressalta a diferença se a matéria for decidida em
sede de decisão interlocutória e de sentença. No primeiro caso, a falta do recurso não
implica a preclusão e a questão pode ser revista pelo juiz (de ofício ou a pedido da
parte) depois. Todavia, se decidida por sentença, na fluência do prazo recursal, há
238 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 1, p. 435 e 436.
138
preclusão. Esgotado o prazo recursal, a decisão passa em julgado e a matéria não pode
mais ser discutida no mesmo processo.239
Gisele Santos Fernandes Góes sustenta que, uma vez debatidas,
as questões de ordem pública precluem, não podendo haver reexame. Nesse sentido, cita
a Súmula 424 do Supremo Tribunal Federal,240 destacando que o enunciado não fez
distinção para as questões de ordem pública.241
Eliane Proscurcin Quintella ressalta que aos juízes é dado
sempre apreciar ou reapreciar a matéria de ordem pública, não importando quantas
vezes já o tenham feito, ou se a parte interpôs recurso da decisão que apreciou referida
matéria. Aduz que não há preclusão pro judicato sobre a matéria de ordem pública,
estando essa sempre aberta à análise judicial; também não há preclusão para as partes,
que estão sempre livres para apresentar as matérias de ordem pública ao juízo,
respondendo, entretanto, pelas custas de retardamento (art. 267, § 3º, do CPC).242
Com o devido respeito às vozes contrárias, entende-se que se
opera a preclusão para as questões de ordem pública que forem decididas no curso do
processo, de cuja decisão não se recorreu nos autos, destacando-se, assim, a segurança
do sistema. A respeito da preclusão pro judicato, o juiz não pode decidir de novo
questões já decididas no processo, a cujo respeito se operou a preclusão (art. 473 do
Código de Processo Civil).
239 Heitor Vitor Mendonça Sica menciona, além disso, que a doutrina afirma que não haveria coincidência absoluta entre o rol de matérias de “ordem pública” e o de matérias cognoscíveis de ofício, sendo que este último abrangeria o primeiro, entretanto, nele não se esgotaria. “Satisfaz-nos a idéia de que se a matéria é cognoscível de ofício – sendo de ordem pública ou não – a decisão judicial que a enfrenta está livre da preclusão. Vale repetir uma vez: se o sistema reputou irrelevante a inércia da parte em argüir a questão, há de consectariamente reputar irrelevante a omissão do interessado em dela recorrer. Para nossos propósitos não importa se há em jogo normas de ‘ordem pública’ ou não” (Op. Cit., p. 232-234 e 252). 240 Súmula 424 do STF “Transita em julgado o despacho saneador de que não houve recurso, excluídas as questões deixadas, explicita ou implicitamente, para a sentença”. 241 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial. Tese de Doutorado. São Paulo. PUC. 2007, p. 164. 242 QUINTELLA, Eliane Proscurcin. Op. Cit., p. 174.
139
2.1. PRECLUSÃO
Para o aprofundamento do estudo, há que se analisar o instituto
da preclusão.243
Na lição de Giuseppe Chiovenda, a preclusão refere-se à
conseqüência de que todos os processos, alguns mais, outros menos, “traçam limites ao
exercício de determinadas faculdades processuais, com a conseqüência de que, além de
tais limites, não se pode usar delas”.244
Preclusão é a perda da faculdade de praticar ato processual, nos
ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Pode ser temporal
(art. 183 do CPC), lógica ou consumativa. A preclusão tem como destinatários
principais as partes, porém também incide sobre os poderes do juiz, que não pode
decidir novamente questões já decididas (art. 473 do CPC), salvo as de ordem pública,
que não são atingidas pela preclusão. A preclusão extingue o direito de praticar certos
atos no processo e não se confunde com a coisa julgada, que decorre da sentença
(RJTJSP 55/128). A preclusão temporal ocorre quando a perda da faculdade de praticar
ato processual dá-se em virtude de haver decorrido o prazo, sem que a parte tivesse
243 Citam-se julgados: Conforme o Relator Luiz Fux “Justifica-se, pois, a preclusão pela aspiração de certeza e segurança que, em matéria de processo, muitas vezes prevalece sobre o ideal de justiça pura ou absoluta. Trata-se, porém, de um fenômeno interno, que só diz respeito ao processo em curso e às suas partes. Não atinge, obviamente, direitos de terceiros e nem sempre trará repercussões para as próprias partes em outros processos, onde a mesma questão venha a ser incidentalmente tratada. A preclusão classifica-se em temporal, lógica e consumativa, a saber: (...) Preclusão consumativa: É a de que fala o art. 473. Origina-se de ‘já ter sido realizado um ato, não importa se com mau ou bom êxito, não sendo possível tornar a realizá-lo’. Se, por exemplo, a questão preliminar sobre a pretendida revelia do demandado, ou o requerimento de perícia foi solucionado, na fase de saneamento processual, não será possível à parte reabrir discussão em torno dessa matéria, na apelação, salvo se pendente agravo tempestivamente interposto (pois, então, não terá havido preclusão).(...) (THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2003, 39ª Edição, p. 480-481)” (REsp 785823/MA, Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, j. 01/03/2007, DJ 15.03.2007 p. 272). “O instituto da preclusão, em princípio, dirige-se as partes, como expresso o art. 437 do CPC, podendo o juiz de superior instancia reexaminar decisões interlocutórias, máxime se pertinentes a prova” (STJ, EDcl no REsp 2340/SP, Rel. Ministro Athos Carneiro, Quarta Turma, j. 23/10/1990, DJ 12.11.1990 p. 12872). 244 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Saraiva: São Paulo. 1945. v. III, p. 220.
140
praticado o ato, ou o tenha praticado a destempo ou de forma incompleta ou irregular.
Preclusão lógica é a que extingue a possibilidade de praticar-se ato processual, pela
prática de outro ato com ele incompatível (art. 503 do CPC). Diz-se consumativa a
preclusão quando a perda da faculdade de praticar o ato processual decorre do fato de já
haver ocorrido a oportunidade para tanto, de o ato já haver sido praticado e não pode
tornar a sê-lo, como ocorre quando a contestação e a reconvenção devem ser
apresentadas simultaneamente (art. 299 do CPC). Normalmente, a preclusão
consumativa ocorre quando se trata de ato complexo, de mais de um ato processual que
devam ser praticados, simultaneamente, na mesma oportunidade.245
De acordo com Cândido Rangel Dinamarco, o instituto da
preclusão possui grande importância no sistema brasileiro de procedimento rígido,
dando apoio às regras que regem a ordem seqüencial de realização dos atos do
procedimento e sua distribuição em fases – fazendo-o mediante a imposição da perda de
uma faculdade ou de um poder em certas situações. O Código de Processo Civil não
apresenta uma disciplina orgânica e sistemática da preclusão, oferecendo, no entanto
duas ordens de disposições de que se pode inferir alguma conclusão. A lei processual
faz alusão a determinadas hipóteses que estão sujeitas à preclusão e a outras que,
inversamente, são insuscetíveis à ação desse instituto. Os tribunais e a doutrina
chegaram a uma fórmula muito ampla: “só a matéria sujeita à disponibilidade das
partes é suscetível de preclusão e não a que diga respeito à ordem pública”.246
245 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 647-648 e 888. 246 Cândido Rangel Dinamarco leciona: “Incompetência absoluta, carência de ação, litispendência, coisa julgada, impedimento do juiz, dolo de uma das partes em detrimento da outra etc., são temas que sem a menor sombra de dúvida pertencem à ordem pública. Não é em exclusiva consideração às partes e a seus interesses, mas sobretudo por razões ligadas ao bom exercício da jurisdição, que a Constituição e a lei restringem ou condicionam o exercício da jurisdição em certos casos ou permitem a desconstituição da coisa julgada em outros. As hipóteses tipificadas pela lei permitem que se chegue com facilidade àquela fórmula de caráter bem geral e assim, sempre que se tratar de um ato processual de interesse público, que deveria ter sido realizado em determinado momento ou fase mas não o foi, ainda assim ele deverá ser realizado – sem preclusões a impedi-lo. Nesses casos, a parte não perde o direito a sua realização e pode
141
Conforme José Roberto dos Santos Bedaque, a preclusão é uma
entre as várias técnicas destinadas a evitar a demora do processo. “A preclusão está
diretamente relacionada à necessidade de evitar o arbítrio na condução do processo,
assegurando ordem, segurança e celeridade ao instrumento”.247
João Batista Lopes entende ter a preclusão caráter sancionatório
às partes (impedimento da prática de ato), sendo, assim, estranho à atividade judicial.248
Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que “é à idéia de ônus
que se liga a de preclusão, isto é, à idéia de uma atividade que, se concretizada ou
realizada, terá (provavelmente) seus resultados revertidos em benefício daquele que a
desempenhou”. A autora observa que, por outro lado, as conseqüências danosas da
omissão relacionada à atividade consubstanciada em um ônus devem atingir aquele que
se omitiu, aquele que deveria ter realizado, mas não realizou a atividade.249
Manoel Caetano Ferreira Filho aduz que a preclusão trata-se de
um dos institutos de que se pode servir o legislador para tornar o processo mais rápido,
impondo ao procedimento uma rígida ordem entre as atividades que o compõem.250
Nos dizeres de José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda
Alvim Wambier, a preclusão trata-se da perda direito de praticar o ato processual,
também abrangendo os ônus processuais. Diversamente do que ocorre com as partes, o
órgão jurisdicional não possui ônus processuais, mas poderes e deveres processuais.
sempre fazer as respectivas alegações” (Instituições de direito processual civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros. 2004. v. II, p. 454-458).247 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. São Paulo: Malheiros. 2006, p. 126 e 127. 248 LOPES, João Batista. Considerações sobre o instituto da preclusão. Revista de Processo, n. 23/45, Julho-Setembro 1981, p. 49 e 50. 249 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2006, p. 474 e 475. 250 FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. A preclusão no Direito Processual Civil. Curitiba: Juruá. 1991, p. 14.
142
Assim, a noção de preclusão, como empregada em relação aos atos a serem realizados
pelas partes, não é adequada no que se refere aos atos do juiz.251
Cassio Scarpinella Bueno leciona que por preclusão deve se
entender a perda da possibilidade de praticar um ato processual em virtude de algum
acontecimento. “É instituto umbilicalmente ligado à noção de ônus quando relativo às
partes”.252
Uma vez praticados os ônus processuais, há benefício para
quem os praticou. Há ônus em recorrer. Existe também ônus da prova (art. 333 do
Código de Processo Civil). As conseqüências negativas da sua não realização são a
coisa julgada e a preclusão.253
251 MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo Civil Moderno: parte geral e processo de conhecimento. São Paulo: RT. 2009. v. I, p. 116. 252 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 1, p. 435 e 436. 253 Segundo Ernane Fidélis dos Santos, se a parte não se utilizar dos ônus, sofre conseqüências adversas: não contestando, torna-se revel; não apresentando rol de testemunhas, perde o direito de ouvi-las e se não recorrer, sujeita-se à preclusão do recurso (Manual de direito processual civil. 3. ed. atual. e rev. São Paulo: Saraiva. 1994. v. 1, p. 29 e 30). João Batista Lopes aduz que dever e ônus não se confundem. O dever traduz uma relação entre dois sujeitos ou entre um sujeito e a sociedade; no ônus, a parte escolhe entre duas condutas possíveis e se sujeita às conseqüências da opção exercida (Curso de Direito Processual Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas. 2005. v. 1, p. 82). Conforme Marcelo Abelha Rodrigues, “ônus é uma possibilidade e não propriamente uma obrigação, ou seja, significa que determinada pessoa possa cumprir determinado ato processual, assumindo as possíveis conseqüências do seu não cumprimento”. O ônus pode ser perfeito ou imperfeito. Perfeito quando do seu descumprimento ocorrer, necessariamente, um prejuízo para quem o possuía e não o exerceu (o que teve sentença desfavorável e não apela da mesma). Imperfeito quando o prejuízo puder ocorrer em virtude do não cumprimento do ônus (nem sempre o revel perde a demanda) (Elementos de Direito Processual Civil.2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 42). Ernane Fidélis dos Santos afirma que a parte tem o dever de agir com lealdade e não pode empregar, nas suas falas, expressões injuriosas, por exemplo (Op. Cit., p. 29 e 30). O dever processual não se esgota com o seu cumprimento, diferentemente da obrigação, que se exaure com o seu cumprimento. Gera indenização apenas pelos prejuízos ocasionados, não podendo ser convertido o dever em pecúnia. Quanto à obrigação processual, uma vez praticada, há benefício para o outro pólo. Se não cumprida, ela é exigível. Pode ser convertida em pecúnia. A obrigação se exaure com o seu cumprimento. Exemplos de obrigações processuais são o cumprimento da sentença, o cumprimento da determinação de exclusão de nome dos órgãos de cadastro de proteção de crédito etc. De acordo com Marcelo Abelha Rodrigues, “o descumprimento do preceito normativo acarreta um prejuízo não para aquele que deveria cumprir a norma, mas para outrem que se beneficiaria do cumprimento da obrigação”. A obrigação pode ser convertida em um valor ou poder. E, por isso, convertida em pecúnia. Exemplifica como obrigação processual o exercício do princípio da probidade processual (art. 14 et seq. do CPC) (Op. Cit., p. 42).Com relação à faculdade processual, o sistema é indiferente quanto à opção tomada pela parte. Não há conseqüência jurídica se não realizada. Como regra geral, as partes possuem ônus e não faculdades no
143
Segundo Daniel Amorim Assumpção Neves, a preclusão é
instrumento para evitar abusos e retrocessos e prestigia a entrega de prestação
jurisdicional de boa qualidade, atuando em prol do processo, da própria prestação
jurisdicional. Afirma que a preclusão consumativa verifica-se sempre que realizado o
ato processual; somente haverá oportunidade para realização do ato uma vez no
processo e, se consumado, o interessado não poderá realizá-lo novamente. Na preclusão
lógica, o impedimento de realização de ato processual advém da realização de ato
anterior incompatível de maneira lógica com o ato que se pretende realizar.254 Já a
preclusão temporal dá-se quando um ato não puder ser praticado em razão de ter
decorrido o prazo previsto para sua prática sem a manifestação da parte; caso a parte
interessada deixe de realizar o ato dentro do prazo previsto, ele não poderá mais ser
realizado, por ser extemporâneo.255
Conforme Heitor Vitor Mendonça Sica, a preclusão liga-se
visceralmente à idéia de ônus, no sentido de que o seu inadimplemento acarreta
conseqüências negativas ao agente que se omitiu, não porque a ordem jurídica esperava
o comportamento ativo, mas em razão de que o sujeita à disposição do interessado. E
conclui “a ordem jurídica não espera comportamento algum: simplesmente deixa o
exercício de determinado direito à disposição da parte, de modo que ela pode exercê-lo
processo. Já os direitos processuais são as garantias que as partes possuem no processo em seu desenvolvimento regular, obedecendo-se o devido processo legal, no modelo constitucional do processo civil, assegurando-se o contraditório, a ampla defesa, a fundamentação das decisões etc. Em conformidade com Ernane Fidélis dos Santos, a relação processual completa-se com a citação do réu e se desenvolve até o final, como vínculo de direitos e obrigações. “As partes têm direito à sentença” (Op. Cit., p. 29 e 30). A própria ação é um “direito subjetivo público” (SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 1, p. 331).254 “Art. 503. A parte, que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão, não poderá recorrer. Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem reserva alguma, de um ato incompatível com a vontade de recorrer.”255 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Preclusões para o juiz: preclusão pro iudicato e preclusão judicial no processo civil. São Paulo: Método. 2004, p. 30, 35 e 38.
144
(gozando, se assim proceder, da posição de vantagem dela decorrente), ou deixar de
fazê-lo (suportando, com isso, as conseqüências de sua omissão)”.256
Em dissertação de mestrado, Cláudio Cintra Zarif afirma que o
legislador brasileiro optou por estabelecer um sistema de regras rígidas, com o fim de
que o processo tenha sempre sua marcha adiante, sem correr o risco de retrocessos que
somente iriam tornar o processo mais demorado e implicariam uma intranqüilidade para
os jurisdicionados, face a ausência de seguranças que isso poderia acarretar. Portanto, o
sistema processual brasileiro estabelece a regra de que, não praticado o ato que
incumbia à parte dentro de determinado prazo, que pode estar estabelecido em lei ou
fixado pelo juiz, ou praticado o ato parcialmente, implica na perda da faculdade de
praticá-lo pela primeira vez (no caso de término do prazo) ou de repeti-lo (no caso de
ato já praticado).257
Portanto, o instituto da preclusão pode ocorrer em razão da
consumação de um ato processual (preclusão consumativa), por sua não realização no
prazo (preclusão temporal), ou pela prática de outro ato anterior incompatível (preclusão
lógica).
De acordo com o artigo 300 do Código de Processo Civil, ao
réu compete alegar, na contestação, toda matéria de defesa, expondo as razões de fato e
de direito, com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende
produzir. A apresentação da contestação, por exemplo, opera a preclusão consumativa
(princípio da concentração da defesa na contestação), à exceção das hipóteses do artigo
303 do Código de Processo Civil).258
256 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Op. Cit., p. 178 e 179. 257 ZARIF, Cláudio Cintra. Preclusão. Dissertação de Mestrado. São Paulo. PUC. 2004, p. 146 e 147. 258 “(...) deve o réu deduzir alegações sucessivas, ainda que rigorosamente incompatíveis, para o caso de, em não acolhendo a antecedente, passar o juiz à análise da subseqüente”, o que se trata do princípio da eventualidade [WAMBIER, Luiz Rodrigues (Coord.). Curso avançado de Processo Civil: teoria geral do
145
Exemplo seria o prazo para a nomeação à autoria, modalidade
de intervenção de terceiro provocada, que é o da defesa (artigo 64 do Código de
Processo Civil), sob pena de preclusão.
Para Amir José Finocchiaro Sarti, a sentença não tem que
analisar e resolver todas as questões, mas apenas aquelas necessárias e suficientes para
fundamentar suas conclusões e o tribunal, no julgamento da apelação, só pode julgar
questões que não tenham sido decididas na instância inferior, se não importar em ofensa
ao princípio do duplo grau de jurisdição ou em reabrir matéria preclusa. Nem sempre as
omissões da sentença implicam nulidade absoluta, passíveis de serem declaradas de
ofício, devendo observar-se o princípio do duplo grau de jurisdição e o instituto da
preclusão.259
Verifica-se a importância do instituto da preclusão no sistema
processual civil, especialmente objetivando a marcha do processo, a segurança e a
estabilização jurídica das decisões.
3. O CONTRADITÓRIO E AS QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA
O art. 150, § 16, da Constituição de 1969, previa que “A
instrução criminal será contraditória, observada a lei anterior quanto ao crime e à pena,
salvo quando agravar a situação do réu.” O art. 5º, inc. LV, da atual Constituição dispõe
processo e processo de conhecimento. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2003. vol. 1, p. 362 e 363]. 259 SARTI, Amir José Finocchiaro. As omissões da sentença e o efeito devolutivo da apelação, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 17 e 18.
146
que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.260
Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e
Cândido Rangel Dinamarco afirmam que, em virtude da natureza constitucional do
contraditório, ele deve ser observado não apenas formalmente, mas sobretudo pelo
aspecto substancial, devendo ser consideradas inconstitucionais as normas que não o
respeitem. O contraditório não admite exceções, ainda nos caso de urgência, em que o
juiz, para evitar o periculum in mora, provê inaudita altera parte, o demandado poderá
desenvolver sucessivamente a atividade processual plena e sempre antes que o
provimento se torne definitivo.261
O princípio do contraditório também deve ser aplicado no que
se refere às matérias de ordem pública, sendo ouvidas as partes envolvidas. Isso em
razão da hodierna forma com que referido princípio é concebido, qual seja, visando a
informação, a reação e a participação das partes e do magistrado.
A respeito do diálogo necessário e da ilicitude da extinção ex
officio, sem prévia manifestação do autor, Cândido Rangel Dinamarco aduz que toda
extinção processual deve ser precedida de um debate entre as partes, comandado pelo
260 Segundo Nelson Nery Junior, “A inovação foi profunda porque fez com que o princípio alcançasse expressamente os processos civil e administrativo, pois na carta revogada havia previsão expressa da garantia do contraditório somente para o processo penal (art. 153, § 16, CF de 1969), nada obstante houvesse a correta manifestação da doutrina de que aquele princípio se aplicava, também, ao processo civil e ao administrativo. Congruente com o texto constitucional (art. 5.º, n. LV, CF), o art. 2.º, caput, da Lei do Processo Administrativo (Lei 9.784, de 29.01.1999) estabelece, de forma expressa, que o processo administrativo é informado, entre outros, pelo princípio do contraditório. O princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório” (Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 169 e 170). 261 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 16. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros. 2000, p. 57.
147
magistrado, porque é da essência da garantia constitucional do contraditório. Cita o art.
327 do CPC.262 Leciona:
Nada diz o direito infraconstitucional quanto ao contraditório prévio à extinção processual a ser imposta de-ofício, não a tendo pedido o réu. Mas a abrupta e surpreendente decisão de extinguir o processo, sem ser precedida da manifestação do autor, é de igual modo inconstitucional porque o princípio do contraditório, em sua feição moderna, inclui a exigência de um diálogo do juiz com as partes nessa situação (...). O contraditório não é mais visto como mera oferta de oportunidades participativas às partes, mas de igual modo exigência de que participe ativamente também o juiz; no trinômio dirigir-provar-dialogar reside a fórmula sintética do ativismo judicial inerente ao perfil moderno do juiz responsável.
Cândido Rangel Dinamarco conclui que se o juiz pronunciar
logo sentença extintiva, apercebendo-se de uma causa extintiva do processo, não terá
dado à parte autora a mínima oportunidade de discutir a matéria e eventualmente
convencê-lo do contrário. Se o juiz mandar que se manifeste o autor, é possível que este
tenha fundamentos capazes de desfazer a impressão inicial do magistrado e, portanto,
evitar a extinção do processo. “Isso é contraditório”.263
Conforme Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, a efetividade do
princípio do contraditório não significa somente o debate das questões entre as partes,
262 “Art. 327. Se o réu alegar qualquer das matérias enumeradas no artigo 301, o juiz mandará ouvir o autor no prazo de 10 (dez) dias, permitindo-lhe a produção de prova documental. Verificando a existência de irregularidades ou de nulidades sanáveis, o juiz mandará supri-las, fixando à parte prazo nunca superior a 30 (trinta) dias.” 263 A respeito do significado do princípio do contraditório, em sua leitura moderna, Cândido Rangel Dinamarco afirma que “Nesse mundo de seres imperfeitos, muitas vezes o que se pensa que é certo e seguro não passa de engano ou ilusão, que o diálogo poderia dissipar. Tal é o fundamento do próprio princípio do contraditório”. O autor afirma que, antes de indeferir a petição inicial, o juiz deve despachar, por exemplo, “ ‘diga o autor sobre a possível decadência (CPC, art. 295, inc. IV)’ ”. “Pouco tempo se perde com isso e será muito mais segura e legítima a decisão que vier depois. O mal do retardamento dos processos em juízo não decorre de cuidados como esse, mas de negligências ou desatenções que o paralisam indevidamente ou impõem formalismos desnecessários. Uma providência como essa não é um formalismo” (Instituições de direito processual civil. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros. 2004. v. III, p. 182, 183 e 389-391). Em outra oportunidade, Cândido Rangel Dinamarco sustenta que tratar de contraditório amplo, efetivo e exaustivo é abrir caminho para os debates e reflexões que o caso exige (Fundamentos do Processo Civil Moderno. 5. ed. rev. e atual. por Antônio Rulli Neto. São Paulo: Malheiros. 2002. Tomo I, p. 631).
148
porém o concreto exercício do direito de defesa para a finalidade de formação do
convencimento do magistrado, atuando “como anteparo à lacunosidade ou insuficiência
da sua cognição”. É interessante citar as palavras do autor:
Demais disso, inadmissível sejam os litigantes surpreendidos por decisão que se apóie, em ponto fundamental, numa visão jurídica de que não se tenham apercebido. O tribunal deve, portanto, dar conhecimento prévio de em qual direção o direito subjetivo corre perigo, permitindo-se o aproveitamento na sentença apenas dos fatos sobre os quais as partes tenham tomado posição, possibilitando-lhes assim melhor defender seu direito e influenciar a decisão judicial. Dentro da mesma orientação, a liberdade concedida ao julgador na eleição da norma a aplicar, independentemente de sua invocação pela parte interessada, consubstanciada no brocardo iura novit curia,não dispensa a prévia ouvida das partes sobre os novos rumos a serem imprimidos ao litígio, em homenagem ao princípio do contraditório. (...) Aliás, a problemática não diz respeito apenas ao interesse das partes, mas conecta-se intimamente com o próprio interesse público, na medida em que qualquer surpresa, qualquer acontecimento inesperado, só faz diminuir a fé do cidadão na administração da justiça. O diálogo judicial torna-se, no fundo, dentro dessa perspectiva, autêntica garantia de democratização do processo, a impedir que o poder do órgão judicial e a aplicação da regra iura novit curia redundem em instrumento de opressão e autoritarismo, servindo às vezes a um mal explicado tecnicismo, com obstrução à efetiva e correta aplicação do direito e à justiça do caso.264
Teresa Arruda Alvim Wambier aduz que se tem dito hoje, com
alguma freqüência, que o juiz também participa do contraditório. É uma perspectiva um
tanto quanto nova, pois esse fenômeno normalmente é tratado pela doutrina clássica
como algo vinculado somente às partes. Contemporaneamente, de acordo com a autora,
é comum que se afirme que o contraditório tem relação mais expressiva com a atividade
do juiz. “A certeza de que terá havido esta influência decorre da análise da motivação da
sentença ou do acórdão. Mesmo para decidir matéria de ordem pública, deve o juiz
264 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 234 e 237.
149
ouvir as partes”. (...) “Esta necessidade se reveste de especial relevância quando se
pensa que se trata de um modo de se evitarem decisões ‘surpresa’”.265
Em conformidade com José Roberto dos Santos Bedaque:
Se os juízes passassem a assegurar o contraditório pleno, ouvindo previamente as partes antes de proferir qualquer decisão, ainda que sobre matéria cognoscível de ofício, seguramente, muitos recursos seriam evitados. Que mal há na prévia manifestação do autor a respeito de possível indeferimento da inicial por carência da ação, ou do recorrente sobre aparente inadmissibilidade do recurso? Adotada essa providência, teria a parte oportunidade de afastar, previamente, eventuais equívocos do julgador, convencendo-o da presença das condições da ação ou dos requisitos de admissibilidade do recurso. Daí por que não só a técnica processual deve ser dotada de maior flexibilidade quanto à forma e aos meios – o que implica concessão de maiores poderes ao juiz, para melhor adequar o processo às características da situação concreta –, como também ele deve atuar de forma mais efetiva no desenvolvimento da relação, participando ativamente e assegurando às partes real oportunidade de participação.266
Segundo Cassio Scarpinella Bueno, a doutrina brasileira mais
recente, influenciada pela estrangeira, começa a falar em “princípio da cooperação”,
uma específica faceta do princípio do contraditório, concebendo tal princípio como um
necessário e constante diálogo entre o juiz e as partes. Insta citar a doutrina do autor:
Em alguns sistemas jurídicos, a concepção do princípio da cooperação mostra-se tão intenso que se veda ao magistrado que fundamente sua decisão em ponto de vista estranho ao das partes, por elas considerado irrelevante ou por elas valorada, analisada diferentemente sem que lhe dê, antes, possibilidade de se manifestar. É dizer de forma direta: se o magistrado entende dar ao caso uma solução que, até aquele instante procedimental, não foi objeto de específica consideração, exame e reflexão pelas partes, elas têm o direito de, cientes de
265 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. A influência do contraditório na convicção do juiz: fundamentação de sentença e de acórdão. Revista de Processo, n. 168/53, Fev. 2009, p. 54 e 55. 266 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. Cit., p. 104.
150
qual a análise que o juiz pretende fazer, sobre ela se manifestar anteriormente, de forma a que possam influenciar agudamente na convicção derradeira do juiz. Importante destacar esta última observação. Esta faceta do princípio do contraditório mostra-se tão forte que impõe a sua observância mesmo naqueles casos em que, usualmente, a prévia e efetiva manifestação das partes não seria sequer concebida, vale dizer, na prática dos atos de ofício pelo magistrado.267
Conforme Paulo Henrique dos Santos Lucon, o próprio Estado
tem interesse de que sejam respeitadas as regras que disciplinam o modo pelo qual o
processo se desenvolve. O julgador está autorizado a conhecer das matérias de ordem
pública de ofício, observando sempre o contraditório legitimador de seu provimento.
Nesse sentido, o autor conclui “é imprescindível a observância do contraditório como
meio apto a legitimar o produto final judiciário. Sem a participação dos interessados,
não há como justificar a produção de efeitos da decisão na sua esfera jurídica”.268
Gisele Santos Fernandes Góes sustenta que, em que pese a
omissão da legislação infraconstitucional brasileira sobre a necessidade do contraditório
para a solução das questões de ordem pública de porte substancial e processual, trata-se
de princípio constitucional que deve ser sempre observado, “ainda que diante dessas
questões cujo exame independe de provocação”.269
José Alexandre Manzano Oliani afirma que, mesmo diante de
questões de ordem pública, as quais, “segundo o regime jurídico respectivo, são de
conhecimento oficioso em qualquer fase e grau de jurisdição”, compete ao julgador,
267 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 1, p. 108-110. 268 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Recurso especial: ordem pública e prequestionamento. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. especial: 30 anos do Código de Processo Civil, Jan.-Dez. 2003, p. 317 e 326. 269 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial. Tese de Doutorado. São Paulo. PUC. 2007, p. 261.
151
antes de pronunciar-se, provocar a manifestação das partes para assim legitimar e
legalizar sua decisão.270
Citam-se, a título ilustrativo, dispositivos do Código de
Processo Civil Francês a respeito do contraditório. O art. 15 prevê que as partes devem
dar-se ciência, mutuamente, em tempo hábil, dos meios de fato sobre os quais elas
fundamentarem suas pretensões, dos elementos de prova que elas produzirem e dos
fundamentos jurídicos que elas invocarem, a fim de que cada uma (das outras partes)
seja capaz de organizar sua defesa. O art. 16 dispõe que o juiz deve, em todas as
circunstâncias, fazer observar e ele próprio observar o princípio do contraditório. Não se
pode conter, na decisão do juiz, os fundamentos, as explicações e os documentos
invocados ou produzidos pelas partes, que não tenham sido submetidos ao crivo do
contraditório. O juiz não pode basear sua decisão nos fundamentos jurídicos que ele
tenha reconhecido de ofício, sem ter intimado previamente as partes a apresentar suas
observações.271
Ainda, o item 3 do art. 3º do Código de Processo Civil
Português determina que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o
processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir questões de direito ou
270 OLIANI, José Alexandre Manzano. O contraditório nos recursos cíveis: aspectos polêmicos.Dissertação de Mestrado. São Paulo. PUC. 2003, p. 72. 271 “Article 15. Les parties doivent se faire connaître mutuellement en temps utile les moyens de fait sur lesquels elles fondent leurs prétentions, les éléments de preuve qu'elles produisent et les moyens de droit qu'elles invoquent, afin que chacune soit à même d'organiser sa défense.” “Article 16. Le juge doit, en toutes circonstances, faire observer et observer lui-même le principe de la contradiction. Il ne peut retenir, dans sa décision, les moyens, les explications et les documents invoqués ou produits par les parties que si celles-ci ont été à même d'en débattre contradictoirement. Il ne peut fonder sa décision sur les moyens de droit qu'il a relevés d'office sans avoir au préalable invité les parties à présenter leurs observations.” Disponível em: <http://www.legifrance.gouv.fr/affichCode.do;jsessionid=C31A01D4FADFDFD3608A6ED69798C1C0.tpdjo05v_3?idSectionTA=LEGISCTA000006149639&cidTexte=LEGITEXT000006070716&dateTexte=20091126> Acesso em: 26 de Novembro de 2009, 15:45.
152
de fato, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a
possibilidade de sobre elas se pronunciarem.272
Segue recente julgado do Superior Tribunal de Justiça em que
foi dado provimento a recurso especial para que fosse aberto prazo para impugnação aos
embargos de declaração para preservação do princípio do contraditório e da ampla
defesa:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS MODIFICATIVOS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PARA IMPUGNAÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. NULIDADE ABSOLUTA. PREQUESTIONAMENTO. EFEITO TRANSLATIVO. 1. As matérias de ordem pública, ainda que desprovidas de prequestionamento, podem ser analisadas excepcionalmente em sede de recurso especial, cujo conhecimento se deu por outros fundamentos, à luz do efeito translativo dos recursos. Precedentes do STJ: REsp 801.154/TO, DJ 21.05.2008; REsp 911.520/SP, DJ 30.04.2008; REsp 869.534/SP, DJ 10.12.2007; REsp 660519/CE, DJ 07.11.2005. 2. Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, porquanto cumpre ao Tribunal ‘julgar a causa, aplicando o direito à espécie’ (Art. 257 do RISTJ; Súmula 456 do STF). 3. In casu, o Tribunal a quo atribuiu efeito modificativo aos embargos de declaração, para declarar válida intimação da penhora à execução, que no julgamento do recurso de apelação havia considerado nula, mas não intimara a parte apesar do efeito infringente conferido. 4. Conquanto inexista previsão legal expressa quanto à necessidade da intimação do embargado para impugnar embargos declaratórios, a jurisprudência dos Tribunais Superiores pacificou-se no sentido de sua exigência, nos casos de resultado modificativo, sob pena de violação do princípio do contraditório e da ampla defesa. Precedentes: REsp 686752/PA, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJ 27/06/2005; EEDAGA 314.971/ES, Relator Min. Luiz Fux, 1ª Turma, unânime, DJ de 31/05/2004; REsp 316.202/RJ, Relator Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma, unânime, DJ de 15/12/2003;
272 Disponível em: <http://www.dgpj.mj.pt/sections/leis-da-justica/pdf-ult2/lei-n-29-2009-de-29-de/downloadFile/file/Lei%2029.2009.pdf?nocache=1246263070.9> Acesso em: 16 de Dezembro de 2009, 20:00.
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5. É cediço na doutrina que: O princípio do contraditório é reflexo da legalidade democrática do processo e cumpre os postulados de todo e qualquer procedimento que o abandone. A técnica de reconstituição dos fatos através da fala de ambas as partes decorre da necessidade de o juiz prover, o quanto possível, aproximado da realidade. Trata-se de instituto inspirado no dever de colaboração entre as partes para com o juízo e na isonomia processual (FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 3ª ed., p. 254/255). 6. Recurso especial provido, para determinar o retorno dos autos à instância de origem, para que seja aberto prazo para impugnação aos embargos de declaração opostos pelo ora recorrido.(REsp 1080808/MG, Relator Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 12/05/2009, v.u., DJe 03/06/2009).
Desta forma, é necessária a aplicação do princípio do
contraditório, compreendido na concepção atual de participação e diálogo entre as
partes e o juiz, nas decisões envolvendo matérias de ordem pública, ainda que não haja
expressa disposição legal que assim o determine.
4. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA DE DIREITO PROCESSUAL
Com relação ao direito processual, Teresa Arruda Alvim
Wambier leciona que, no direito público, há princípios que, abstratamente contrários,
devem ser compatibilizados no plano prático. Exemplifica com o da conformidade com
a lei e o do atendimento ao interesse público. Isso faz com que no tocante,
principalmente, aos efeitos seja impossível aplicar-se ao direito público a teoria das
nulidades concebida na esfera do direito civil. “O processo civil integra o direito
público, porque as normas de natureza processual civil dizem respeito a uma relação
jurídica de que o Estado (no papel de Estado-juiz) necessariamente faz parte”.273
273 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 150 e 151.
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Conforme José Roberto dos Santos Bedaque, o único efeito
prático da distinção entre nulidade absoluta e relativa está na possibilidade ou não de o
juiz, pois presumido o prejuízo, poder reconhecer de ofício a irregularidade e decretar a
nulidade do ato. Segundo o autor, “Esse raciocínio é válido tanto para as chamadas
‘nulidades de fundo’ quanto para as de forma. As primeiras diriam respeito aos
pressupostos processuais e às condições da ação. As outras consistiriam em simples
defeitos formais do ato processual. Todas são regidas pelos princípios voltados à
máxima preservação possível do processo”.274
O impedimento (art. 134 do Código de Processo Civil) gera
nulidade absoluta, ensejando a propositura de ação rescisória, de acordo com o artigo
485, inciso II, do Código de Processo Civil; já a suspeição (art. 135 do Código de
Processo Civil) é causa de nulidade relativa, se não argüida no tempo e modo
adequados, gera a preclusão de sua alegação.
A título ilustrativo, exemplifica-se a temática relacionada a
questões de ordem pública de direito processual com relação ao disposto no art. 267,
incs. IV, V, VI e § 3º, do Código de Processo Civil.
Em conformidade com Humberto Theodoro Júnior, os
pressupostos processuais “são requisitos jurídicos para a validade e eficácia da relação
processual. Já as condições da ação são requisitos a observar, depois de estabelecida
regularmente a relação processual, para que o juiz possa solucionar a lide (mérito)”.
Para os que entendem que a ação não é o direito concreto a uma sentença favorável,
porém o poder jurídico de obter uma sentença de mérito, que componha o conflito de
Teresa Arruda Alvim Wambier, em sua dissertação de mestrado, aduz que as nulidades processuais não se regem pelos princípios de direito civil, principalmente porque o processo civil é ramo de direito público e o direito civil, do direito privado. As nulidades processuais têm sua mecânica de funcionamento inspiradas em um sistema formado por normas de direito positivo e uma série de princípios, tendo importância equivalente ambos os grupos de elementos reguladores (Das nulidades das sentenças de mérito típicas no Direito Processual Civil Brasileiro. Dissertação de Mestrado. São Paulo. PUC. 1985, p. 295). 274 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Op. Cit., p. 442-444.
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interesses de pretensão resistida (lide) de forma definitiva, as condições da ação são
legitimidade de parte, interesse de agir e possibilidade jurídica do pedido.275
De acordo com o artigo 267, inciso IV, do Código de Processo
Civil, o processo é extinto sem exame do mérito “quando se verificar a ausência de
pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo”.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentar referido inciso,
lecionam sobre os pressupostos processuais:
Ausente algum ou alguns deles, o processo não se encontra regular, de sorte que se impõe a sanação da irregularidade. A lei é que diz qual a conseqüência para o não preenchimento de pressuposto processual. Nem sempre a falta de pressuposto processual acarreta a extinção do processo, como, por exemplo, a incompetência absoluta, cuja declaração tem como conseqüência a anulação dos atos decisórios e o envio do processo ao juízo competente (CPC 113 § 2º).276
Podem ser classificados em pressupostos processuais de
existência e de validade (pressupostos positivos), além dos pressupostos negativos, que
obstam o regular desenvolvimento do processo.277
275 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003. v. I, p. 49-50 e 55. 276 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 502. 277 Conforme Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “São pressupostos processuais de existência da relação processual: a) jurisdição; b) citação; c) capacidade postulatória (CPC 37 par. ún.), apenas quanto ao autor; d) petição inicial. São pressupostos processuais de validade da relação processual: a) petição inicial apta (v. CPC 295); b) citação válida; c) capacidade processual (legitimatio ad processum) (CPC 7º e 8º); d) competência do juiz (inexistência de incompetência absoluta: material ou funcional); e) imparcialidade do juiz (inexistência de impedimento do juiz – CPC 134 e 136). São pressupostos processuais negativos, isto é, circunstâncias que, se verificadas no processo, ensejam sua extinção sem julgamento do mérito: litispendência, perempção ou coisa julgada (CPC 267 V)” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 502 e 503). Para Teresa Arruda Alvim Wambier, “no caso de nulidade ou ausência de citação seguida de revelia não se poderá falar em ineficácia do processo em relação ao réu, mas, mais que isso, em inexistência dos atos processuais realizados a partir do momento em que a citação deveria ter se realizado, aí incluída a sentença”. Segundo a professora, “a sentença inexistente, visto que não é, não passa em julgado”. Em outra passagem, a autora menciona “Na verdade, já que se trata de sentença juridicamente inexistente, que não tem aptidão para transitar em julgado, nada há a desconstituir-se. Há, isto sim, única e exclusivamente uma situação de inexistência jurídica a declarar-se, por meio de ação que não fica sujeita
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Há que se mencionar que existe na doutrina nacional corrente
que classifica os pressupostos processuais de forma restritiva (pedido, capacidade de
quem o formula e investidura do destinatário),278 bem como outra que os classifica em
objetivos e subjetivos. 279 Os primeiros seriam: a) intrínsecos (regularidade
procedimental, existência de citação); b) extrínsecos (ausência de impedimentos, tais
como litispendência, coisa julgada, compromisso arbitral). Os subjetivos seriam: a)
quanto ao juiz (investidura, competência, imparcialidade); b) referentes às partes
(capacidade de ser parte, de estar em juízo, capacidade postulatória).280
As causas do art. 267 do CPC, incisos IV (pressupostos
processuais), V (coisa julgada, litispendência e perempção) e VI (condições da ação)
são matérias de ordem pública e podem ser alegadas a qualquer tempo e grau de
a um lapso temporal pré definido para ser movida” (Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 218-223 e 485). Assim, a sentença de mérito proferida sem a citação do réu deve ser declarada juridicamente inexistente, não podendo ficar adstrita ao prazo do art. 495 do CPC.278 Menção abordada por CINTRA, Antonio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini e DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. Cit., p. 287. 279 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 21. ed. rev. e atual. Saraiva: São Paulo. 1999. v. 1, p. 324-325; THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.39. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003. v. I, p. 58 e 59; entre outros. 280 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 13. ed. rev. São Paulo: Saraiva. 2000. v. 2, p. 57 e 58. Os pressupostos processuais de existência compreendem a presença de petição inicial (a demanda), do órgão jurisdicional, da citação e da capacidade postulatória. Os pressupostos processuais de validade englobam os que permitem que a relação jurídica processual desenvolva-se de forma válida, devendo a petição inicial ser apta; a citação ser válida; o órgão investido de jurisdição deve ser competente, envolvendo as regras de competência, e imparcial, sendo que o impedimento gera nulidade absoluta, ensejando a propositura de Ação Rescisória, de acordo com o artigo 485, inciso II, do Código de Processo Civil (a suspeição é causa de nulidade relativa, se não argüida no tempo e modo adequados, gera a preclusão de sua alegação); deve existir legitimidade ad processum das partes, capacidade processual para estar em juízo. Existem os pressupostos processuais negativos os quais, caso presentes, impedem o julgamento do mérito do processo. Situam-se fora da relação jurídica processual em análise, assim, também são chamados de pressupostos extrínsecos ou exteriores. São a litispendência e a coisa julgada. Há parte da doutrina que relaciona a perempção (perda do direito de ação civil em razão do processo ter sido extinto por três vezes – artigo 267, inciso III, do Código de Processo Civil) como pressuposto processual negativo. Entretanto, a doutrina majoritária não a inclui no rol, porque a considera um fenômeno que somente atinge o autor. Quanto à convenção de arbitragem, conforme Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “(CPC 267 VII e 301 XI) não é pressuposto processual porque matéria de direito dispositivo, que, para ser examinada, necessita da iniciativa do réu. Caso o réu não a alegue, o processo prossegue e vai ser julgado perante a jurisdição estatal, em processo regular. A ausência de alegação do réu torna a justiça estatal competente para julgar a lide, não havendo nenhuma invalidade no processo, que não será extinto pelo CPC 267 VII” (Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 503).
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jurisdição, conforme o § 3º do art. 267, porque, nos dizeres de Nelson Nery Junior e
Rosa Maria de Andrade Nery, não são acobertadas pela preclusão e devem ser
examinadas de ofício pelo magistrado. Ocorre que a expressão “qualquer grau de
jurisdição” deve ser entendida os da instância ordinária (primeiro e segundo graus), não
se incluindo as instâncias extraordinárias do RE e do REsp, conforme os autores. As
matérias ali enumeradas não podem ser alegadas, pela primeira vez, como objeto de
recursos extraordinário e especial porque se exige que a questão tenha sido decidida (CF
102, III e 105, III), “circunstância impropriamente denominada de ‘prequestionamento’,
para a admissibilidade desses recursos excepcionais”.281
Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa, ao comentar
o art. 267, § 3º, 1ª parte, do Código de Processo Civil, mencionam julgados que
demonstram a diversidade de entendimentos quanto à possibilidade ou não e até qual
momento do conhecimento de ofício, da preclusão ou não da matéria, da possibilidade
ou não de conhecimento em instâncias extraordinárias, até que momento seja possível
sua argüição, da necessidade do prequestionamento, entre outras situações.282
281 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 505. 282 “Questão relativa à ilegitimidade de parte é passível de exame de ofício, não podendo o Tribunal ‘ad quem’ furtar-se de apreciá-la sob alegação de preclusão” (RSTJ 65/352). No mesmo sentido: RTJ 112/1.404, STJ-RT 706/193. “A sentença de mérito proferida em primeiro grau não impede que o Tribunal conheça dessas matérias (as do art. 267-IV, V e VI) ainda que ventiladas, apenas, em fase de recurso, ou mesmo de ofício” (RSTJ 89/193). “Em se tratando de condições da ação, não ocorre preclusão, mesmo existindo explícita decisão a respeito (CPC, art. 267, § 3º)” (VI ENTA-concl. 9, aprovada com 2 votos contrários). “Nas instâncias ordinárias não há preclusão para o órgão julgador, em matéria de condições da ação, enquanto não proferida por ele a decisão de mérito, podendo até mesmo apreciá-la sem provocação (CPC, arts. 267, § 3º, 301, § 4º e 463)” (RSTJ 81/308). No mesmo sentido: RSTJ 81/268. Não preclui a decisão que deixa de declarar extinto o processo, nos casos dos ns. IV, V e VI, - RTJ 94/445, RT 480/158, RT 607/141.
Em sentido contrário: “Resolvida no duplo grau de jurisdição controvérsia a dar por inexistente a carência de ação, através de acórdão transitado em julgado, não pode a questão ser rediscutida em recurso especial da decisão de mérito” (STJ – 3ª Turma, RESP 2.225/SP, Rel. Min. Cláudio Santos, j. 10/4/90, não conheceram, maioria, DJU 21/5/90, p. 4.433). “A questão sobre a legitimidade de parte, decidida em acórdão com trânsito em julgado, não mais pode ser discutida no mesmo processo, por força da preclusão. Recurso especial não conhecido” (STJ-3º Turma, RESP 2.728/SP, rel. Min. Cláudio Santos, j. 5/6/90, não conheceram, v.u., DJU 25/6/90, p. 6.038). No mesmo sentido: RTFR 134/35. “A decisão que deu pela ilegitimidade ‘ad causam’, se não recorrida, faz coisa julgada”, RT 517/01.
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5. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA DE DIREITO MATERIAL
No comentário ao artigo 2035, parágrafo único, do Código
Civil,283 Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery explicam que as cláusulas
gerais são de ordem pública, implicando seu conhecimento e aplicação de ofício,
independentemente de pedido da parte ou do interessado, bastando que haja processo
em curso, a qualquer tempo e grau ordinário de jurisdição, mencionando o artigo 303,
inciso III, do Código de Processo Civil, não estando sujeitas a preclusão.284
A título ilustrativo, é indicado exemplo emanado do Código de
Defesa do Consumidor. Conforme Nelson Nery Junior, “Como as normas do CDC são
de ordem pública e interesse social, não se empresta validade à cláusula de renúncia ou
disposição de direitos pelo consumidor, por isso enseja quebra do equilíbrio contratual.”
Segundo o professor, analisando-se o sistema do Código de Defesa do Consumidor, a
cláusula que estipular renúncia do consumidor ao exercício da exceptio non adimpleti
contractus ou da exceptio non rite adimpleti contractus é abusiva, sendo nula de pleno
Opinião intermediária: se a questão decidida era disponível e não houve recurso, transita em julgado, não mais podendo ser reapreciada; se era indisponível, pode ser reapreciada (RT 710/96). “Em se tratando de condições da ação e de pressupostos processuais, não há preclusão para o magistrado, mesmo existindo expressa decisão a respeito, por cuidar-se de matéria indisponível, inaplicável o enunciado n. 424 da Súmula/STF a matéria que deve ser apreciada de ofício” (STJ,-4ª Turma, RESP 43.138/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 19/8/97, não o conheceram, v.u., DJU 29/9/97, p. 48.208). “A preclusão no curso do processo depende, em última análise, da disponibilidade da parte em relação à matéria decidida. Se indisponível a questão, a ausência de recurso não impede o reexame pelo juiz. Se disponível, a falta de impugnação importa concordância tácita à decisão. Firma-se o efeito preclusivo não só para as partes, mas também para o juiz, no sentido de que vedada se torna a retratação” (Galeno Lacerda, citado em RTJ 100/7) (NEGRÃO, Theotonio e GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 35 ed. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 342, 343 e 1.850, RISTJ 255, nota 4). 283 Art. 2035. “Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de orem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. 284 NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado e legislação extravagante. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 851.
159
direito não obrigando o consumidor. É nula também a cláusula que impedir o
consumidor de ajuizar ação de resolução do contrato por inadimplemento.285
Eliane Proscurcin Quintella afirma que, não obstante as
matérias de ordem pública relacionarem-se ao interesse público, não possuem o mesmo
tratamento jurídico sempre. O tratamento jurídico a ser dado a determinada matéria de
ordem pública dependerá diretamente do ramo do direito em que ela está envolvida.
Desta forma, matéria de ordem pública de direito administrativo, que é do ramo do
direito público, não receberá o mesmo tratamento de matéria de ordem pública de
direito civil, que é ramo do direito privado, tendo em vista que cada ramo do direito é
influenciado por diferentes princípios. Enquanto no direito público é interessante a
preservação dos atos, especialmente se satisfazem o fim para o qual foram designados;
no direito privado, ocorre o oposto, porque os fins dos atos particulares, via de regra,
estão voltados aos interesses das partes, razão pela qual a nulidade do ato, ditada
justamente por conta de ter violado norma de ordem pública, que envolve interesse
público, deve prevalecer sobre o interesse particular das partes, assim, a nulidade nesse
caso não pode ser convalidada.286
285 GRINOVER, Ada Pellegrini... (et al.). Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2000, p. 496 e 497. Cita-se ementa de julgado do STJ sobre normas de proteção ao consumidor: “DIREITO DO CONSUMIDOR. ADMINISTRATIVO. NORMAS DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR. ORDEM PÚBLICA E INTERESSE SOCIAL. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. OBRIGAÇÃO DE SEGURANÇA. DIREITO À INFORMAÇÃO. DEVER POSITIVO DO FORNECEDOR DE INFORMAR, ADEQUADA E CLARAMENTE, SOBRE RISCOS DE PRODUTOS E SERVIÇOS. DISTINÇÃO ENTRE INFORMAÇÃO-CONTEÚDO E INFORMAÇÃO-ADVERTÊNCIA. ROTULAGEM. PROTEÇÃO DE CONSUMIDORES HIPERVULNERÁVEIS. CAMPO DE APLICAÇÃO DA LEI DO GLÚTEN (LEI 8.543/92 AB-ROGADA PELA LEI 10.674/2003) E EVENTUAL ANTINOMIA COM O ART. 31 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. JUSTO RECEIO DA IMPETRANTE DE OFENSA À SUA LIVRE INICIATIVA E À COMERCIALIZAÇÃO DE SEUS PRODUTOS. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS POR DEIXAR DE ADVERTIR SOBRE OS RISCOS DO GLÚTEN AOS DOENTES CELÍACOS. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.” (REsp 586.316/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/04/2007, v.u., DJe 19/03/2009). 286 QUINTELLA, Eliane Proscurcin. Op. Cit., p. 26-28.
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De acordo com Alberto Gosson Jorge Junior, a intervenção do
Estado nos contratos, relativizando seus efeitos, balizando a vontade das partes (art. 51
do CDC), em uma constelação de intervenções catalogadas como “dirigismo
contratual”, gerou em princípio o sentimento de extinção dessa modalidade negocial,
atualmente superada, diante da visão mais realista de que a força vinculante dos acordos
de vontade prevalece em sua inteireza, desde que não contrarie os bons costumes, a boa-
fé e as normas de ordem pública, ou conforme a linguagem do novel legislador, desde
que “se cumpra com a função social do contrato”.287
Cita-se Gisele Santos Fernandes Góes ao tratar da
aplicabilidade da ordem pública substancial brasileira em sua tese de doutorado. A
autora menciona o art. 5º do Código Civil, quando afirma a linha de pensamento do rol
de incapacidades, ao estabelecer o que é menoridade para o Brasil, isto é, abaixo de
dezoito anos atualmente, no sentido de ordem pública absoluta. Entretanto, ao adotar o
instituto da emancipação no parágrafo único, ilustrando-se com o inciso I, em razão da
concessão dos pais ou de um deles, na ausência ou por sentença do juiz, mudou para o
foco da ordem pública relativa, porque adquiriu a dose de disponibilidade, sem jamais
perder o núcleo da ordem pública.
Ainda, Gisele Santos Fernandes Góes aduz que “não é por
causa da base da relação privada que os direitos da personalidade não são parcela de
atributo de ordem pública, visto que interagem essencialmente com a Constituição de
1988, no que tange aos direitos e garantias fundamentais que se apresentam como
imperativos e indisponíveis – ordem pública absoluta a priori”.
O Código Civil, em seu art. 104, dispõe quais são os requisitos
fundamentais para a validade do negócio jurídico, inscrevendo-se como ordem pública
287 JORGE JÚNIOR, Alberto Gosson. Cláusulas Gerais no Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva. 2004, p. 91 e 92.
161
absoluta, haja vista que a ausência de quaisquer deles ocasiona a sua nulidade e, assim,
há uma regra de formatação imperativa e indisponível. Com relação aos contratos, em
função de vigorar como sua razão de ser a liberdade contratual, o art. 421 do CC
acentua tal liberdade, porém adverte Gisele Santos Fernandes Góes ser crucial que se
identifique o foco de ordem pública, porque o diploma legal de 2002 preocupou-se em
dizer que a liberdade é a tônica, entretanto está delimitada de maneira absoluta nos
limites da função social do contrato. O direito de família no Código Civil brasileiro é
um dos ramos em que há mais acentuado o contexto de ordem pública e afirma a autora
que prevalece a absoluta. O Código Civil encaminhou-se na orquestra da Constituição
de 1988. Ressalte-se que, antes da CF atual, o Código Civil de 1916 já tinha como linha,
em várias passagens, a ordem pública absoluta, como a disposição de impedimentos
matrimoniais do art. 1521 (CC anterior art. 183, incs. I a VIII); invalidade do casamento
do tipo nulidade do art. 1548 (CC anterior art. 207); legitimidade para propô-la do art.
1549 (CC anterior art. 208); dissolução da sociedade conjugal do art. 1571; e relação de
parentesco dos arts. 1591 e seguintes (CC anterior arts. 330 e seguintes).288
A seguir, será visto o tema central da dissertação acerca das
questões de ordem pública e dos recursos para os Tribunais Superiores, analisando-se a
necessidade do prequestionamento de ditas matérias relevantes para o sistema
processual rígido brasileiro, assim como se deparando com a natureza e a finalidade do
288 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Proposta de sistematização das questões de ordem pública processual e substancial. Tese de Doutorado. São Paulo. PUC. 2007, p. 178, 181, 186, 189 e 190. A respeito do culturalismo e experiência no CC de 2002, Judith Martins-Costa leciona que o Código Civil já não tem, atualmente, o caráter constitucional que tinha na experiência oitocentista, porém “retorna ao centro do sistema para cumprir a função de garantia e assumir a responsabilidade de unificar (melhor diríamos: de harmonizar) o caos irracional dos microssistemas, promovendo a comunicação, racionalmente ordenada, entre os Direitos Fundamentais e as instâncias normativas infra-constitucionais”. A autora conclui que “Na crise instaurada pela globalização – que é imposição política da (des)razão do mercado – o Código se apresenta, enfim, como continuidade da vida civil, continuidade axiológica, porém, continuidade não-linear, porque os valores que encerra – da socialidade, eticidade e operabilidade – estão em permanente referência histórica” (Culturalismo e experiência no novo Código Civil, inDIDIER JR., Fredie e MAZZEI, Rodrigo. Reflexos do novo Código Civil no Direito Processual.Salvador: Edições Podivm. 2006, p. 20).
162
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Também será estudada a
Súmula 456 do Supremo Tribunal Federal.
163
CAPÍTULO V
QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA
NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E NO RECURSO ESPECIAL
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O tema central do presente trabalho refere-se à necessidade ou
não do prequestionamento, da matéria haver sido decidida pela decisão recorrida
especial e extraordinariamente, para que seja possível o conhecimento de questão de
ordem pública no julgamento dos recursos especial e extraordinário, contexto da
dissertação.
Desta forma, não são tratadas as demais competências do
Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Ressalva-se o
conhecimento de ofício de questões de ordem pública pelo STF e pelo STJ quando de
sua competência originária e dos recursos ordinários que julgam, tais como recurso em
mandado de segurança, em que há a incidência do efeito translativo. Não se trata de
exceção ao que é tratado neste trabalho, porque, em tais situações, haverá atuação como
instância ordinária, em que existe ampla cognição. Aplicam-se a tais hipóteses os arts.
267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC.289
289 Neste estudo, cita-se, a título ilustrativo, o julgado do STJ que segue: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA E COMUNICAÇÃO. CONSUMIDORES. LEGITIMIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. 1. A Associação impetrante representa inúmeros hospitais no Estado do Rio de Janeiro que, para o exercício de suas atividades, consomem serviços de energia e comunicação.
164
Como visto, as questões de ordem pública são passíveis de
conhecimento ex officio, em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinário. O grande
núcleo do presente trabalho é o questionamento a respeito da possibilidade de exame de
tais matérias em sede dos recursos extraordinário e especial, independentemente de
terem sido objeto da decisão recorrida.
Serão estudados os panoramas jurisprudencial e doutrinário
envolvendo questões de ordem pública no recurso extraordinário e no recurso especial
para, em seguida, serem tecidas considerações críticas a respeito da temática. Após, será
feita uma breve análise sobre os precedentes da Súmula 456 do Supremo Tribunal
Federal, abordando sua atual aplicação.
2. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DO STF E DO STJ
2.1. PANORAMA JURISPRUDENCIAL
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
2. Os contribuintes do ICMS incidente sobre essas operações com energia e comunicação são as respectivas concessionárias, que destacam o valor do imposto na emissão da nota fiscal. As empresas consumidoras desses serviços não participam da relação jurídica-tributária e, portanto, não detêm legitimidade para questionar a obrigação de recolher o ICMS na espécie nem para postular eventuais créditos existentes, embora eventualmente possam suportar os reflexos econômicos da tributação. Precedentes. 3. Em face do efeito translativo dos recursos ordinários e do princípio da economia processual, deve o órgão julgador, de ofício, extinguir o processo sem resolução de mérito por ilegitimidade de parte, por se tratar de matéria de ordem pública, capaz de gerar a rescindibilidade do julgado. Precedentes. 4. O processo deve ser extinto sem resolução de mérito quando ‘não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual’, nos termos do art. 267, VI, do Código de Processo Civil. A legitimidade figura na Teoria Geral do Processo como uma das condições da ação, sem o que o autor é carecedor do direito de ação, acarretando a extinção do processo. 5. À exceção do compromisso arbitral, ‘o juiz conhecerá de ofício’ da carência de ação, consoante determina o art. 301, § 4º, do CPC. Não há dúvida, portanto, de que a legitimidade de parte é daquelas matérias que o juiz deve conhecer de ofício. 6. O STJ, ao examinar recurso em mandado de segurança, atua como instância ordinária e realiza ampla cognição, cabendo-lhe rever fatos e provas e reexaminar questões de ordem pública relacionadas às condições da ação e aos pressupostos processuais.7. Mandado de segurança extinto sem resolução de mérito. Prejudicado o recurso ordinário.” (RMS 23571/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 06/11/2007, v.u., DJ 21/11/2007 p. 321, destaques em negrito).
165
2.1.1. PRIMEIRA TURMA
A Primeira Turma do STF, por unanimidade, entendeu que “a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que, ainda que a
questão verse sobre matéria de ordem pública, é necessário o prequestionamento” (AI
733846 AgR, Relatora Cármen Lúcia, julgado em 28/04/2009).290
Cita-se julgamento, na esfera criminal, em que o recurso
extraordinário não foi conhecido, mas foi concedido habeas corpus de ofício,
declarando-se a extinção da punibilidade, com base na prescrição da pretensão punitiva
do Estado (RE 505369, Relator Menezes Direito, Primeira Turma, julgado em
02/09/2008)291.292
Em outra oportunidade, a Primeira Turma, por unanimidade,
decidiu que matéria de ordem pública não afasta a necessidade do prequestionamento
290 “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. A matéria constitucional contida no recurso extraordinário não foi objeto de debate e exame prévios no Tribunal a quo. Tampouco foi suscitada nos embargos de declaração opostos, o que não viabiliza o extraordinário por ausência do necessário prequestionamento. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que, ainda que a questão verse sobre matéria de ordem pública, é necessário o prequestionamento.” (AI 733846 AgR, Relatora: Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 28/04/2009, v.u., DJe-113 DIVULG 18-06-2009 PUBLIC 19-06-2009 EMENT VOL-02365-13 PP-02650). 291 “Penal e Processual Penal. Recurso extraordinário. Prequestionamento. Prescrição. Habeas corpus. Não-cabimento. Matéria de ordem pública. Reconhecimento de ofício. 1. Não se conhece do recurso extraordinário que suscita a violação de dispositivos constitucionais não prequestionados. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF. 2. A prescrição de direito penal é matéria de ordem pública e pode ser argüida e reconhecida a qualquer tempo, independentemente de prequestionamento. 3. Recurso extraordinário não-conhecido. Extinção da punibilidade declarada, no entanto, no habeas corpus, de ofício concedido, com base na prescrição da pretensão punitiva do Estado.” (RE 505369, Relator: Min. Menezes Direito, Primeira Turma, julgado em 02/09/2008, v.u., DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008 EMENT VOL-02342-09 PP-01642 LEXSTF v. 31, n. 362, 2009, p. 489-495).292 Interessante mencionar que a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em processo penal, entendeu que as matérias de ordem pública, apreciáveis de ofício nas instâncias ordinárias, necessitam estar prequestionadas para a abertura da instância especial (AgRg nos EAg 723222/SP, Relator Arnaldo Esteves Lima, julgado em 14/05/2008, v.u., DJe 17/06/2008).
166
da questão (AI 633188 AgR, Relator Ricardo Lewandowski, julgado em
02/10/2007).293
Em outro julgamento, registrou-se, em sede de Recurso
Extraordinário, segundo a jurisprudência da Corte, que a matéria de ordem pública não
dispensa o prequestionamento, apesar de passível de conhecimento de ofício nas
instâncias ordinárias, com incidência das Súmulas 282 e 356 (STF, Primeira Turma,
Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 219703-1 SP, Relator Sepúlveda
Pertence, j. 26/09/2006, v.u., DJ 20/10/2006).294
Outra decisão foi no sentido do descabimento do recurso
extraordinário pela falta de prequestionamento, exigível, conforme a jurisprudência do
STF, ainda que a matéria seja de ordem pública, com a incidência das Súmulas 282 e
356 (STF, 1ª Turma, RE 254921 AgR-ED, Relator Sepúlveda Pertence, j.
30/06/2004).295
293 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282. I - A questão constitucional impugnada no recurso extraordinário não foi objeto de apreciação do acórdão recorrido, o que atrai a incidência da Súmula 282 do STF. II - Matéria de ordem pública não afasta a necessidade do prequestionamento da questão. III - Agravo regimental improvido.” (AI 633188 AgR, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, julgado em 02/10/2007, v.u., DJe-134 DIVULG 30-10-2007 PUBLIC 31-10-2007 DJ 31-10-2007 PP-00085 EMENT VOL-02296-09 PP-01776). 294 “1. Embargos de declaração convertidos em agravo regimental. 2. Imposto de renda de pessoa jurídica: correção monetária de suas demonstrações financeiras: L. 8.200/91, com a redação dada pela L. 8.683/93 (art. 3º, I): constitucionalidade reconhecida pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RE 201.465, Jobim, Inf. STF/266, quando se firmou o entendimento de que não cabe à norma constitucional a disciplina sobre o índice que melhor reflita a inflação para os fins de indexação dos balanços das empresas, afastadas, ainda, as alegações de indevida majoração de base de cálculo de imposto de renda, de irregular instituição de empréstimo compulsório, de confisco e de violação aos princípios da anterioridade, legalidade e isonomia. 3. Recurso extraordinário e prequestionamento: não dispensa o prequestionamento, segundo a jurisprudência da Corte, que a matéria seja de ordem pública, passível de conhecimento de ofício nas instâncias ordinárias: incidência das Súmulas 282 e 356: precedentes. 4. Agravo regimental: não se presta ao exame de matéria estranha à questão constitucional objeto do RE e que não pode ser originariamente decidida nesta instância.” (RE 219703 ED, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 26/09/2006, v.u., DJ 20-10-2006 PP-00061 EMENT VOL-02252-03 PP-00521). 295 “1. Recurso extraordinário: descabimento: falta de prequestionamento, exigível, segundo a jurisprudência da Corte, ainda que a matéria seja de ordem pública, cuja declaração deva se dar de ofício: incidência das Súmulas 282 e 356: precedentes.”
167
Em outro julgado, houve a conclusão de que, em se tratando de
recurso extraordinário que exige o prequestionamento como requisito constitucional,
qualquer questão objeto dele, inclusive de ordem pública, tem de ser prequestionada
(súmulas 282 e 356) (STF, 1ª Turma, AI-AgR 308273 / PE, Relator Moreira Alves, j.
25/02/2003).296
Nesse último acórdão, urge mencionar trecho do voto do
Relator Moreira Alves “Com efeito, em se tratando de recurso extraordinário que exige
a observância do requisito prequestionamento, quaisquer questões objeto de recurso
dessa natureza, inclusive as referentes à coisa julgada e à matéria criminal, têm de ser
prequestionadas (súmulas 282 e 356)” (STF, 1ª Turma, AI-AgR 308273 / PE).
2.1.2. SEGUNDA TURMA
No mesmo sentido do entendimento da Primeira Turma, segue
julgado da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em que se determinou ser o
prequestionamento requisito de admissibilidade recursal na via extraordinária, ainda que
a questão suscitada seja de ordem pública (AI 473456 AgR, Relatora Ellen Gracie,
Segunda Turma, julgado em 26/05/2009).297
(RE 254921 AgR-ED, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 30/06/2004, v.u., DJ 13-08-2004 PP-00275 EMENT VOL-02159-01 PP-00113). 296 “Agravo regimental. - Em se tratando de recurso extraordinário que exige o prequestionamento como requisito constitucional, qualquer questão objeto dele, inclusive de ordem pública, tem de ser prequestionada (súmulas 282 e 356). - Inexistência no caso de ofensa à Constituição por falta de prestação jurisdicional ou por falta de fundamentação dos acórdãos recorridos. - O recurso extraordinário não é cabível para reexame de prova (súmula 279), nem para o exame da valorização da prova, matéria esta que exige o exame prévio da legislação infraconstitucional, caracterizando-se, assim, sua alegação como de ofensa indireta ou reflexa à Carta Magna, o que não dá margem ao cabimento do recurso extraordinário. Agravo a que se nega provimento.” (AI 308273 AgR, Relator: Min. Moreira Alves, Primeira Turma, julgado em 25/02/2003, v.u., DJ 28-03-2003 PP-00065 EMENT VOL-02104-05 PP-00837). 297 “1. Apreciação do apelo extremo que envolve análise da legislação infraconstitucional (CDC, Decreto nº 87.497/82 e Portaria 1.886/94), em que se baseou o Tribunal a quo para decidir pela ilegalidade da cobrança de estágio curricular obrigatório por universidade particular. Precedente.
168
Segundo o entendimento da Segunda Turma do STF, em se
tratando de recurso extraordinário, não prescinde do requisito do prequestionamento,
que é inerente ao cabimento do recurso de natureza extraordinária, “a circunstância de
poder a ilegitimidade ativa ad causam ser analisada em qualquer grau de jurisdição”
(RE 434420 AgRg, Relatora Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 14/06/2005).298
“Em se tratando de recurso extraordinário, qualquer questão,
inclusive de ordem pública, necessita ter sido discutida e apreciada na instância a quo”
(STF, Segunda Turma, Ag.Rg. no Agravo de Instrumento 505029-4 MS, Relator Carlos
Velloso, j. 12/04/2005).299
Conforme o voto do Relator Carlos Velloso é “incabível a
pretensão da agravante de ver reconhecidas, de ofício, as alegadas incompetência
absoluta do Juizado Especial estadual e nulidade absoluta da sentença, pois, em se
tratando de recurso extraordinário, qualquer questão, inclusive de ordem pública,
2. O prequestionamento é requisito de admissibilidade recursal na via extraordinária, ainda que a questão suscitada seja de ordem pública. 3. Agravo regimental improvido.” (AI 473456 AgR, Relatora: Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 26/05/2009, v.u., DJe-108 DIVULG 10-06-2009 PUBLIC 12-06-2009 EMENT VOL-02364-02 PP-00372).298 “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL. 1. Ao contrário do que sustenta o agravante, os embargos de declaração, para fins de prequestionamento, servem para suprir omissão do acórdão recorrido em relação à matéria suscitada no recurso cabível ou nas contra-razões e não para inovar matéria constitucional não debatida nos autos. 2. Ausente o prequestionamento do art. 129, III, da Constituição, dado como contrariado. Não prescinde desse requisito, inerente ao cabimento do recurso de natureza extraordinária, a circunstância de poder a ilegitimidade ativa ad causam ser analisada em qualquer grau de jurisdição. 3. Agravo regimental improvido.” (RE 434420 AgR, Relatora: Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 14/06/2005, v.u., DJ 05-08-2005 PP-00105 EMENT VOL-02199-10 PP-01975). 299 “CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. I. - Em se tratando de recurso extraordinário, qualquer questão, inclusive de ordem pública, necessita ter sido discutida e apreciada na instância a quo. Precedentes. II. - Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais. III. - Ao Judiciário cabe, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei, interpretando-a. Se, em tal operação, interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo da legalidade, inocorrendo o contencioso constitucional. IV. - Agravo não provido.” (AI 505029 AgR, Relator: Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 12/04/2005, v.u., DJ 06-05-2005 PP-00029 EMENT VOL-02190-08 PP-01472).
169
necessita ter sido discutida e apreciada na instância a quo” (STF, 2ª Turma, AgRg no
Agravo de Instrumento 505029-4 MS).
Nessa orientação, foi o julgamento do AI 505042 AgRg,
Relator Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 01/03/2005, v.u., DJ 01-04-2005
PP-00055 EMENT VOL-02185-08 PP-01589.300
Outro julgamento concluiu que não prescinde do requisito do
prequestionamento, inerente ao cabimento do recurso de natureza extraordinária, a
circunstância de dever a incompetência absoluta ser declarada de ofício e poder ser
alegada em qualquer grau de jurisdição (STF, 2ª Turma, AI-AgR 454544/MA, Relatora
Ellen Gracie, j. 10/02/2004).301
2.2. PANORAMA JURISPRUDENCIAL
DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em que pese a posição unânime da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal no sentido de ser necessário o prequestionamento de questão de ordem
300 “CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. MATÉRIA FÁTICA. EXAME. SÚMULAS 454 E 279-STF. I. - Em se tratando de recurso extraordinário, qualquer questão, inclusive de ordem pública, necessita ter sido discutida e apreciada na instância a quo. Precedentes. II. - Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais. III. - Ao Judiciário cabe, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei, interpretando-a. Se, em tal operação, interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo da legalidade, inocorrendo o contencioso constitucional. IV. - A interpretação de cláusulas contratuais e o reexame de matéria fática inviabilizam o processamento do recurso extraordinário. Súmulas 454 e 279-STF. V. - Agravo não provido.” (AI 505042 AgR, Relator: Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 01/03/2005, DJ 01-04-2005 PP-00055 EMENT VOL-02185-08 PP-01589). 301 “1. Ausente o prequestionamento do artigo 114, da Constituição, dado como contrariado. Não prescinde deste requisito, inerente ao cabimento do recurso de natureza extraordinária, a circunstância de dever a incompetência absoluta ser declarada de ofício e poder ser alegada em qualquer grau de jurisdição. 2. Agravo regimental improvido.” (AI 454544 AgR, Relatora: Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 10/02/2004, v.u., DJ 05-03-2004 PP-00025 EMENT VOL-02142-11 PP-02049).
170
pública para que esta seja conhecida na instância superior, no Superior Tribunal de
Justiça, não há uniformidade a respeito do tema. Em alguns julgados, decidiu-se pela
possibilidade de conhecimento de dita matéria, se o recurso for conhecido por outros
fundamentos.
A priori, cita-se o entendimento da Primeira Seção do STJ, em
julgamento de Ação Rescisória em maio/2009, por maioria, em que se aplicou o direito
à espécie (Súmula 456/STF, por analogia), reconhecendo a falta de interesse de agir da
ré na ação indenizatória originária por tratar-se de imóvel adquirido após a
implementação de restrição administrativa. Considerando que em sede de recurso
especial é admitido o conhecimento de matéria de ordem pública, desde que a instância
tenha sido aberta por outra questão, entendeu-se que esse entendimento deve ser
adotado no julgamento da Ação Rescisória, na qual o âmbito cognitivo do STJ é muito
mais amplo (AR 2.075/PR, Relatora Denise Arruda, Relator para Acórdão Humberto
Martins, julgado em 27/05/2009).302
Para o enriquecimento da discussão, as decisões serão
mencionadas conforme o entendimento de cada Turma do STJ.
2.2.1. PRIMEIRA TURMA
302 “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO RESCISÓRIA – LEGITIMIDADE – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – INSTÂNCIA ESPECIAL ABERTA POR OUTRA QUESTÃO – CONHECIMENTO – DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – IMÓVEL ADQUIRIDO APÓS LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA – INDENIZAÇÃO – DESCABIMENTO – AÇÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE. 1. É admitido o conhecimento de matéria de ordem pública, mesmo na ausência de prequestionamento, desde que a instância especial tenha sido aberta por outra questão. 2. A jurisprudência do STJ pacificou-se nos sentido da responsabilização do Estado na indenização decorrente de limitação administrativa, desde que preenchidos certos requisitos; dentre eles, que a aquisição do imóvel tenha se dado antes da ocorrência da restrição administrativa. 3. In casu, aplica-se o direito à espécie (Súmula 456/STF, por analogia), para reconhecer a falta de interesse de agir do desapropriado (ora ré) na ação indenizatória originária, tendo em conta que se trata de imóvel adquirido após a implementação da limitação administrativa. Ação rescisória procedente.” (AR 2.075/PR, Rel. Ministra Denise Arruda, Rel. p/ Acórdão Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, julgado em 27/05/2009, por maioria, DJe 23/09/2009).
171
A Primeira Turma do STJ, por unanimidade, no julgamento do
AgRg no REsp 1079258/SP, em 27/10/2009, Relator Benedito Gonçalves, entendeu
pela necessidade de prequestionamento da questão levantada pela agravante apenas em
sede de agravo regimental em recurso especial, relativa à prescrição do direito de ação,
porque estranha à matéria suscitada no próprio recurso especial, constituindo inovação
sobre a qual se operou a preclusão consumativa. 303 No sentido de que mesmo as
questões de ordem pública não prescindem do prequestionamento: AgRg no REsp
1122353/RO, Relator Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 19/11/2009.304
303 “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO. REPETIÇÃO/COMPENSAÇÃO. ÍNDICES DE ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. MANUAL DE CÁLCULOS DA JUSTIÇA FEDERAL. JUROS DE MORA. SELIC. PRESCRIÇÃO. INOVAÇÃO RECURSAL. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO. 1. Hipótese em que a agravante requer a reforma da decisão agravada quanto aos índices de correção monetária apontados para os meses de fevereiro e dezembro de 1991. Pugna ainda a reforma do entendimento do Tribunal de origem quanto à forma de contagem do prazo prescricional (tese dos ‘cinco mais cinco’), ao argumento de que, embora não tenha havido interposição de recurso especial pela Fazenda quanto ao tema, trata-se de questão de ordem pública, que pode ser analisada por esta Corte por força do efeito translativo do recurso especial do contribuinte, que foi conhecido. 2. Assiste razão à agravante quanto à questão referente aos índices de atualização monetária, porquanto esta Corte, adotando o Manual de Cálculos da Justiça Federal, já fixou entendimento segundo o qual, com relação ao mês de fevereiro de 1991, aplica-se o IPC/IBGE, ao passo que, quanto ao mês de dezembro de 1991, utiliza-se o IPCA série especial. Precedentes. 3. O Tribunal de origem reconheceu o direito da ora agravada à compensação dos tributos em discussão. Contra esse acórdão, a Fazenda Nacional não se insurgiu, tendo apenas o contribuinte interposto recurso especial (fls. 177-198) para discutir questões afetas aos juros e índices de correção monetária. A Fazenda Nacional, tão somente nesta oportunidade, em sede de agravo regimental oposto contra decisão que julgou o apelo especial do contribuinte, alega que não poderia ter sido aplicada ao caso a tese dos ‘cinco mais cinco’, requerendo o reconhecimento da prescrição dos indébitos em discussão, por se tratar de matéria de ordem pública e, portanto, dispensada do requisito do prequestionamento. 4. Observa-se que é inviável apreciar a questão ora levantada pela agravante, relativa à prescrição do direito de ação, pois é estranha à matéria suscitada no próprio recurso especial, constituindo, portanto, inovação sobre a qual se operou a preclusão consumativa. 5. Agravo regimental parcialmente provido, apenas para adequar os índices de correção monetária, nos termos da fundamentação.” (AgRg no REsp 1079258/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 27/10/2009, v.u., DJe 05/11/2009). 304 “ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. A jurisprudência desta Corte vem entendendo que, mesmo as questões de ordem pública não prescindem do pressuposto do prequestionamento. Precedentes: EDcl no AgRg no REsp 962.007/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe 28/5/2008; AgRg no Ag 820.974/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 28/6/2007, EREsp 435.835/SC, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Rel. p/acórdão Ministro José Delgado, DJ 4/6/2007 . 2. Os argumentos apresentados no agravo interno são insuficientes para infirmar o entendimento externado na decisão agravada, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos.
172
Segundo o julgamento do AgRg nos EDcl no REsp
907.417/PR, em 10/03/2009, Relator Luiz Fux “As matérias de ordem pública, como sói
ser a coisa julgada, conquanto cognoscíveis de oficio pelo juiz ou Tribunal em qualquer
tempo e grau de jurisdição (art. 267, § 3º, do CPC), carecem de prequestionamento em
sede de Recurso Especial”.305
3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 1122353/RO, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 19/11/2009, v.u., DJe 01/12/2009). 305 “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. APROVAÇÃO DE PROJETO DE LOTEAMENTO. LEI 6.766/79. EDIFICAÇÃO DE HABITAÇÕES MULTIFAMILIARES EM CONDOMÍNIO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE APROVAÇÃO PARA A CONSTRUÇÃO DE CONJUNTOS HABITACIONAIS. CLÁUSULAS CONTRATUAIS. SÚMULA N.ºS 05 E 07 DO STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. COISA JULGADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. 1. As matérias de ordem pública, como sói ser a coisa julgada, conquanto cognoscíveis de oficio pelo juiz ou Tribunal em qualquer tempo e grau de jurisdição (art. 267, § 3º, do CPC), carecem de prequestionamento em sede de Recurso Especial. Precedentes do STJ: EDcl no AgRg no REsp 962.007/SP, Primeira Turma, DJ de 28/05/2008; EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no Ag 1009546/RS, Terceira Turma, DJ de 12/12/2008; AgRg nos EDcl no Ag 1027378/SP, Terceira Turma, DJ de 18/11/2008 e AgRg no Ag 781.322/RS, Quarta Turma, DJ de 24/11/2008. 2. In casu, a ausência de manifestação acerca da aventada violação ao disposto nos arts. 1.228 e 1.314, ambos do Código Civil de 2002 (524 e 623 do CC de 1916, respectivamente) decorreu da impossibilidade de conhecimento do Recurso Especial, em razão da inarredável incidência do óbice erigido pelas Súmulas 05 e 07/STJ. 3. O Recurso Especial, consoante cediço, não é servil ao exame de questões que demandam o revolvimento de cláusulas contratuais e do contexto fático-probatório dos autos, em face do óbice erigido pelas Súmulas 05 e 07/STJ. 4. Hipótese em que a questio iuris - transmudação da finalidade e da natureza jurídicas do projeto de parcelamento urbano, aprovado sob a égide da Lei 6.766/79, decorrente da unificação de gleba e posterior subdivisão para venda de lotes em frações ideais - foi solucionada pelo Tribunal a quo à luz da análise da documentação acostada aos autos, notadamente de compromissos de compra e venda, consoante se conclui do voto condutor do acórdão hostilizado, verbis: ‘(...)Aprovado o projeto de loteamento, as empresas loteadoras passaram a construir duas casas germinadas em cada lote e alienar os lotes em frações ideais. É o que revelam os documentos que estão às fls. 116/122, 141/143 e 171/1771. Nesse ponto, registrar é preciso que a alienação de cada lote em frações ideais, a pessoas distintas, importa, indiscutivelmente, em co-propriedade, ou seja, em condomínio, o que resulta, inequivocamente, em indivisão. Tal forma de alienação faz desaparecer, portanto, a unidade autônoma, de propriedade individualizada, regida pela Lei 6.766/99. Desaparece o loteamento para dar lugar ao condomínio, com a finalidade e natureza jurídica diversas, regido por outra legislação. É o que se constata, aliás, do documento de fls. 116/122, relativo a um compromisso de compra e venda de ‘parte ideal’, do lote nº 03 da Quadra 04, situado no Loteamento denominado JARDIM DAS ANDORINHAS’, com 194,21 m2, onde o promitente comprador se obriga, na cláusula segunda, a construir um ‘condomínio’ com futuros compradores ‘das partes ideais deste lote. Vê-se, portanto, que as loteadoras, olvidando sua sujeição às restrições legais e contratuais, pretendem dar destinação diversa daquela contida no projeto do loteamento aprovado(...)’. 5. Os embargos de declaração, que enfrentam explicitamente a questão embargada, não ensejam recurso especial pela violação do artigo 535, II, do CPC. 6. Agravo Regimental desprovido.” (AgRg nos EDcl no REsp 907.417/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 10/03/2009, v.u., DJe 26/03/2009).
173
O Relator Francisco Falcão, no julgamento dos EDcl no AgRg
no REsp 962.007/SP, assim se manifestou “De se registrar que, mesmo em se tratando
de matéria de ordem pública, como no caso a referente a ser ultra petita o acórdão
recorrido, indispensável é o prequestionamento para o conhecimento do recurso em sede
extraordinária”. Houve a citação de precedentes: REsp n. 893.906/SP, Rel. Min. Castro
Meira, DJ de 23.03.2007 e REsp n. 734.904/CE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ
de 19/09/2005.306 Nesse mesmo sentido são os EDcl no AgRg no REsp 1078387/RS,
Rel. Francisco Falcão, julgado em 16/12/2008, v.u., DJe 19/12/2008.
Na orientação de que mesmo em se tratando de matéria de
ordem pública faz-se necessário o prequestionamento, com o debate da tese jurídica
pela instância a quo para que seja possível o conhecimento do recurso especial, são os
julgados da Primeira Turma do STJ: EDcl no REsp 851.865/RR, Relator Benedito
306 “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PIS. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. ARTS. 128 E 468 DO CPC. SÚMULAS NºS 282 E 356/STF. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. INCLUSÃO DE CORREÇÃO MONETÁRIA. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. I - Os embargos de declaração constituem recurso de rígidos contornos processuais, consoante disciplinamento imerso no artigo 535 do Código de Processo Civil, exigindo-se, para seu acolhimento, que estejam presentes os pressupostos legais de cabimento. II - Restou expressamente consignado que quando o acórdão recorrido citou os arts. 128 e 468 do CPC, estava tratando da correção monetária apresentada pela contadoria judicial, em contrapartida à atualização monetária adotada pelos embargados nos autos principais. Nesse sentido, não houve qualquer pronunciamento acerca da posterior juntada de documentos a alterar o quantum debeatur, conforme suscitam os agravantes. Incidência dos enunciados sumulares nºs 282 e 356/STF, no ponto. III - De se registrar que, mesmo em se tratando de matéria de ordem pública, como no caso a referente a ser ultra petita o acórdão recorrido, indispensável é o prequestionamento para o conhecimento do recurso em sede extraordinária. Precedentes: REsp nº 893.906/SP, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 23.03.2007 e REsp nº 734.904/CE, Rel. Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 19/09/2005. IV - Não se reconhece a contradição apontada, eis que a decisão agravada havia determinado que nos casos de compensação ou restituição, deve ser aplicado, desde o recolhimento indevido, o IPC, de outubro a dezembro/89 e de março/90 a janeiro/91; o INPC, de fevereiro a dezembro/91; e a UFIR, a partir de janeiro/92 a dezembro/95. Em agravo regimental a Fazenda Nacional requereu a utilização de referido índice somente no período de janeiro e fevereiro de 1989 e de março de 1990 a janeiro de 1991. O acórdão ora embargado deu parcial provimento ao pleito fazendário, determinando que o posicionamento desta Corte é no sentido de que, para os valores a serem compensados ou restituídos, a atualização inclui os expurgos inflacionários, tendo como indexador o IPC, no período de janeiro/89 e fevereiro/89, e de março/90 a fevereiro/91. V - A análise de suposta violação a dispositivo constitucional é de competência exclusiva do Pretório Excelso, conforme prevê o artigo 102, inciso III, da Carta Magna, pela via do recurso extraordinário, sendo, pois, defeso a esta colenda Corte fazê-lo, ainda que para fins de prequestionamento. VI - Embargos de declaração rejeitados.” (EDcl no AgRg no REsp 962007/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 13/05/2008, v.u., DJe 28/05/2008).
174
Gonçalves, julgado em 04/12/2008, votação unânime, DJe 15/12/2008; AgRg no Ag
862.742/MG, Relatora Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 06/12/2007, v.u., DJ
17/12/2007 p. 130; REsp 598283/PR, Relatora Denise Arruda, Relator para Acórdão
Teori Albino Zavascki, julgado em 19.04.2007, por maioria, DJ 11.06.2007 p. 263;307
AgRg no Ag 820.974/SP, Relator Teori Albino Zavascki, julgado em 19/06/2007, v.u.,
DJ 28/06/2007 p. 872; REsp 857677/RJ, Relator Francisco Falcão, julgado em
07.11.2006, votação unânime, DJ 14.12.2006 p. 311); REsp 780672/SP, Relator
Francisco Falcão, julgado em 15.08.2006, votação unânime, DJ 31.08.2006 p. 235.
Já nos EDcl nos EDcl no REsp 645.595/SC, Relator Luiz Fux,
julgado em 21/08/2008, votação unânime, DJe 22/09/2008, constou do voto do Relator
que “a hodierna jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que as matérias de
ordem pública, ainda que desprovidas de prequestionamento, podem ser analisadas em
sede de recurso especial, cujo conhecimento se deu por outros fundamentos, à luz do
efeito translativo dos recursos”. Foram citados precedentes do STJ: REsp 801.154/TO,
DJ 21.05.2008; REsp 911.520/SP, DJ 30.04.2008; REsp 869.534/SP, DJ 10.12.2007;
REsp 660519/CE, DJ 07.11.2005. Na hipótese, o recurso especial não ultrapassou o
juízo de admissibilidade, fato que obstaculizou a aplicação do efeito translativo e,
assim, a análise de prescrição.308 Nesse mesmo sentido, AgRg no REsp 791.674/MG,
Relator Luiz Fux, julgado em 21/08/2007, v.u., DJ 20/09/2007 p. 229.
307 No julgamento do REsp 598283/PR mencionado, consta o voto-vista do Ministro Teori Albino Zavascki, em que se ressalta que, pela falta do indispensável prequestionamento, não pode o recurso especial ser conhecido, incidindo a Súmula n. 282 do STF. “A referida orientação é aplicável inclusive no que toca às matérias de ordem pública, que só merecem apreciação nos casos em que o tribunal a quotenha decidido acerca do tema”. 308 “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. INADMISSÃO. EFEITO TRANSLATIVO. PREJUDICADO. 1. As matérias de ordem pública, ainda que desprovidas de prequestionamento, podem ser analisadas excepcionalmente em sede de recurso especial, cujo conhecimento se deu por outros fundamentos, à luz do efeito translativo dos recursos. Precedentes do STJ: REsp 801.154/TO, DJ 21.05.2008; REsp 911.520/SP, DJ 30.04.2008; REsp 869.534/SP, DJ 10.12.2007; REsp 660519/CE, DJ 07.11.2005. 2. O efeito translativo é inaplicável, quando a matéria refere-se ao mérito da irresignação e o recurso não é admitido.
175
No REsp 869534/SP, Relator Teori Albino Zavascki, julgado
em 27/11/2007, v.u., DJ 10/12/2007 p. 306, a Primeira Turma conheceu do Recurso
Especial para, de ofício, declarar a nulidade do acórdão recorrido. Decidiram que
“Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo
amplo”, citando o art. 257 do RISTJ e a Súmula 456 do STF. Entenderam que “cabe ao
órgão julgador, se necessário, enfrentar a matéria prevista no art. 267, § 3º e no art. 301,
§ 4º, do CPC. Em outras palavras, a devolutividade do recurso especial, em seu nível
vertical, engloba o efeito translativo, consistente na possibilidade, atribuída ao órgão
julgador, de conhecer de ofício as questões de ordem pública”.309
No AgRg no REsp 896284/RJ, Relator José Delgado, Primeira
Turma, julgado em 27/03/2007, v.u., DJ 19/04/2007 p. 250, decidiu-se que “É
pressuposto do recurso especial o prequestionamento, dispensável, no entanto, quando a
3. In casu, o recurso especial interposto pela Fazenda Nacional, ora embargante, sequer ultrapassou o juízo de admissibilidade, fato que, evidentemente, obstaculiza a aplicação do efeito translativo, e, consectariamente, a análise da prescrição. 4. Embargos de Declaração rejeitados.” (EDcl nos EDcl no REsp 645595/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 21/08/2008, v.u., DJe 22/09/2008). 309 “TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CONHECIMENTO DE OFÍCIO DE QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA (CPC, ARTS. 267, § 3º, E 301, § 4º). POSSIBILIDADE. 1. É inadmissível o exame de alegada violação a dispositivo da Constituição Federal na via do recurso especial. Todavia, conhece-se do recurso em relação à matéria infraconstitucional, que está prequestionada. 2. Superado o juízo de admissibilidade, o recurso especial comporta efeito devolutivo amplo, já que cumprirá ao Tribunal ‘julgar a causa, aplicando o direito à espécie’ (Art. 257 do RISTJ; Súmula 456 do STF). Para assim proceder cabe ao órgão julgador, se necessário, enfrentar a matéria prevista no art. 267, § 3º e no art. 301, § 4º, do CPC. Em outras palavras, a devolutividade do recurso especial, em seu nível vertical, engloba o efeito translativo, consistente na possibilidade, atribuída ao órgão julgador, de conhecer de ofício as questões de ordem pública. Precedentes. 3. No caso, provocado por agravo de instrumento para decidir sobre o cabimento de exceção de pré-executividade (que fora negado pelo juízo de primeiro grau), o Tribunal reformou a decisão e, indo além, decidiu o mérito, contra o recorrente. Houve, portanto, duplo error in procedendo: o do julgamento ultra petita e o da reformatio in pejus, o que acarreta sua nulidade. 4. Recurso especial conhecido para, de ofício, declarar a nulidade do acórdão recorrido.” (REsp 869534/SP, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 27/11/2007, v.u., DJ 10/12/2007 p. 306). Nessa orientação: “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONDIÇÕES DA AÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO, SE NÃO ADMITIDO O RECURSO POR OUTROS FUNDAMENTOS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.” (EDcl no REsp 765426/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 22/09/2009, v.u., DJe 01/10/2009).
176
questão surja no acórdão, de ofício” (REsp n. 45381/RS, 4ª Turma, DJ de 19/09/1994,
Relator Barros Monteiro). “A prestação jurisdicional há que ser entregue em sua
plenitude. É dever do magistrado apreciar as questões que lhe são impostas nos autos,
assim como à parte ter analisado os fatos postos ao exame do Poder Judiciário.” O
agravo regimental foi provido para anular, de ofício, o acórdão a quo, determinando que
os autos retornem ao Tribunal Regional para que profira novo julgamento, com o exame
da real matéria contida no processado. O recurso especial foi julgado prejudicado.310
É interessante mencionar que já se entendeu no julgamento do
REsp 109474/DF, Relator Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em
09.09.1997, votação unânime, DJ 20.10.1997 p. 52978, que ao tomar conhecimento do
recurso especial, o STJ deve apreciar, de oficio, nulidades relacionadas com os
pressupostos processuais e as condições da ação. “Não é razoável que – mesmo
enxergando vício fundamental do acórdão recorrido – o STJ nele opere modificação
cosmética, perpetuando-se a nulidade”.311
310 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA NO TRIBUNAL A QUO. ERROR IN PROCEDENDO. DISPENSA DE PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE DE EXAME DAS QUESTÕES PLEITEADAS PELA PARTE. CASSAÇÃO DE OFÍCIO. PRECEDENTES. 1. Agravo regimental contra decisão que negou seguimento a recurso especial. 2. Peça exordial com requerimento para se afastar o alargamento da base de cálculo das contribuições ao PIS e à COFINS. O Tribunal recorrido julgou matéria diversa do objeto da lide, isto é, apreciou questão referente à isenção da COFINS das sociedades civis, o que não foi suscitado pela agravante em momento algum, até porque não é ela sociedade civil. 3. ‘É pressuposto do recurso especial o prequestionamento, dispensável, no entanto, quando a questão surja no acórdão, de ofício’ (REsp nº 45381/RS, 4ª Turma, DJ de 19/09/1994, Rel. Min. BARROS MONTEIRO). 4. A prestação jurisdicional há que ser entregue em sua plenitude. É dever do magistrado apreciar as questões que lhe são impostas nos autos, assim como à parte ter analisado os fatos postos ao exame do Poder Judiciário. 5. A decisão recorrida que contém defeito, por vício de atividade, torna-a inválida, merecendo ser a mesma cassada. Evidente ocorrência de error in procedendo, em face do julgamento extra petita realizado pela Corte Regional, por ter examinado matéria totalmente diversa da constante nos autos. 6. Precedentes de todas as Turmas do STJ. 7. Agravo regimental provido para anular, de ofício, o acórdão a quo, determinando que os autos retornem ao Tribunal Regional para que profira novo julgamento, desta feita com o exame da real matéria contida no processado. Recurso especial prejudicado.” (AgRg no REsp 896284/RJ, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 27/03/2007, v.u., DJ 19/04/2007 p. 250). 311 “PROCESSUAL - AÇÃO RESCISÓRIA - LEI 7.689/88 - CONSTITUCIONALIDADE - CONTROVÉRSIA JURISPRUDENCIAL - SÚMULA 343 DO STF - NÃO INCIDÊNCIA.
177
2.2.2. SEGUNDA TURMA
É interessante citar como vem se posicionando a Segunda
Turma do Superior Tribunal de Justiça, conforme seguem as decisões abaixo.
A Segunda Turma, em 17/09/2009, Relator Mauro Campbell
Marques, REsp 765.970/RS, entendeu que, apesar da ausência de prequestionamento,
por se tratar a alegação de ilegitimidade passiva de matéria de ordem pública,
considerando que a instância especial foi aberta por outros argumentos, haverá
apreciação da controvérsia, ainda que para dela não conhecer.312
I - Ao tomar conhecimento do recurso especial, o STJ deve apreciar, de oficio, nulidades relacionadas com os pressupostos processuais e as condições da ação. Não é razoável que - mesmo enxergando vicio fundamental do acórdão recorrido - o STJ nele opere modificação cosmética, perpetuando-se a nulidade. II - Se a petição inicial, embora sintética e desacompanhada de documento que a completaria, permitiu o seguro entendimento da pretensão que anima o pedido, não é lícito considerá-la inepta.’ (STJ – 1a. Turma/ RESP 87.292/SP). III - Se o acórdão deixou de aplicar a Lei 7.689/88, afirmando sua inconstitucionalidade, é possível desconstitui-lo em ação rescisória. Nada importa a circunstância de ter sido controvertida pelos tribunais a compatibilidade entre a constituição e a lei: a restrição contida na Sumula 343 do STF incide somente, quando o acórdão enveredou pela interpretação do dispositivo legal.” (REsp 109474/DF, Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros, Primeira Turma, julgado em 09/09/1997, v.u., DJ 20/10/1997 p. 52978). 312 “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ILEGITIMIDADE ATIVA DA AUTORIDADE COATORA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. APRECIAÇÃO POR ESTA CORTE SUPERIOR. POSSIBILIDADE CONDICIONADA À ABERTURA DA INSTÂNCIA ESPECIAL POR OUTROS ARGUMENTOS. NECESSIDADE DE DISCUSSÃO QUE REQUER ANÁLISE DE LEI LOCAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 280 DO STF, POR ANALOGIA. NÃO-INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL VIOLADO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF, TAMBÉM POR ANALOGIA. TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE POR INFRAÇÃO IMPUTADA AO PROPRIETÁRIO EM RAZÃO DO QUE DISPÕE O ART. 257, § 7º, DO CTB. PRECLUSÃO TEMPORAL ADMINISTRATIVA. NECESSIDADE DE ANDAMENTO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. COMPROVAÇÃO, EM SEDE JUDICIAL, DE QUE O INFRATOR NÃO ERA O PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. RESPONSABILIDADE DO CONDUTOR. INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL. 1. Trata-se de recurso especial interposto pela Empresa Pública de Transporte e Circulação S/A - EPTC contra acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, em apelação, desconsiderou a aplicação do art. 257, § 7º, do CTB por haver nos autos prova inequívoca de que o proprietário não era o condutor que cometeu a infração. O infrator de fato, após reconhecer sua responsabilidade, pede que lhe sejam atribuídas as conseqüências da violação às normas de trânsito. 2. Alega a recorrente ter havido ofensa aos arts. 22, inc. I, do Código de Trânsito Brasileiro - CTB e 267, inc. VI, do Código de Processo Civil - CPC - ilegitimidade passiva - e 257, § 7º, do CTB - apresentação do condutor infrator depois do prazo previsto e responsabilidade do proprietário. 3. Em primeiro lugar, no que tange à alegação de ilegitimidade passiva, é de se ressaltar que, em momento algum nestes autos, tal questão foi levantada, motivo pelo qual não houve debate sobre o ponto
178
No julgamento do AgRg no AgRg no Ag 1072674/SP, em
20/08/2009, a Segunda Turma, por unanimidade, consignou-se que o prequestionamento
é requisito indispensável ao conhecimento do recurso especial. A mais recente posição
doutrinária admite sejam reconhecidas nulidades absolutas ex officio, por ser matéria de
nas instâncias ordinárias. Seria caso, portanto, de reconhecer a ausência de prequestionamento. Entretanto, por se tratar de matéria de ordem pública e, além disso, considerando que a instância especial será aberta para avaliação de suposta ofensa ao art. 257, § 7º, do CTB, creio ser dever dessa Corte Superior manifestar-se sobre a controvérsia, ainda que, como será visto, para dela não conhecer. 4. Sustentando sua ilegitimidade, a parte recorrente diz haver violação ao art. 267, inc. VI, do CPC, devendo sua análise ser cumulada com o art. 22, inc. I, do CTB. Argumenta que ‘o DETRAN-RS [é] quem notifica o proprietário do veículo, informando, na parte superior da notificação, o prazo, local, meios e os dados necessários para que o proprietário, casa não seja ele o infrator, informe quem estava conduzindo seu veículo no momento da infração’ (fl. 316). 5. Ocorre que, da leitura dos dispositivos já citados, não se extrai a tese da recorrente. O artigo do CPC já é conhecido e dispensa transcrição. O art. 22, inc. I, do CTB está assim redigido: ‘Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição: I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições;’. 6. Como se observa, em momento algum estão discriminadas nas referidas regras quais as atribuições do Detran/RS e quais as atribuições da EPTC (recorrente). 7. As competências legais da recorrente estão previstas na Lei municipal n. 8.133/98 - diploma normativo que a criou. Seria necessário, portanto, uma incursão em lei local, com comparação à lei federal, para fixar quem seria a autoridade coatora. Entretanto, esta análise é vedada ao Superior Tribunal de Justiça por aplicação da Súmula n. 280 do Supremo Tribunal Federal, por analogia. A parte recorrente deveria ter promovido esta discussão, em bom tempo, na instância ordinária, porque a Corte Superior não pode discutir ofensa a direito local. 8. Mesmo o conhecimento de ofício das matérias de ordem pública, embora dispense o prequestionamento quando a instância especial for aberta por outro motivo, depende do cumprimento de alguns requisitos, entre eles a indicação precisa de dispositivo de legislação federal infraconstitucional que permita a compreensão exata da controvérsia, o que não ocorre no caso concreto. Há incidência da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal, também por analogia. 9. Em segundo lugar, em relação à malversação do art. 257, § 7º, do CTB - que determina que ‘[n]ão sendo imediata a identificação do infrator, o proprietário do veículo terá quinze dias de prazo, após a notificação da autuação, para apresentá-lo, na forma em que dispuser o CONTRAN, ao fim do qual, não o fazendo, será considerado responsável pela infração’ -, é preciso destacar que a preclusão temporal que tal dispositivo consagra é meramente administrativa. 10. Trata-se de medida instituída unicamente para frear a busca incessante pela verdade material no âmbito administrativo e compatibilizá-la com a necessidade de andamento dos procedimentos desenvolvidos pela Administração Pública - no caso, no que tange à aplicação de sanções de trânsito. 11. Obviamente, o proprietário, em sede judicial, tem direito de demonstrar que não guiava o veículo por ocasião do cometimento da infração, mesmo que tenha perdido o prazo administrativo para tanto. Entendimento diverso resultaria em desconsideração ao que dispõe o art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República vigente. 12. No caso dos presentes autos, o acórdão combatido consignou que ‘a declaração de fl. 45 comprova a ausência de responsabilidade do apelante [ora recorrido], uma vez que, por meio dela, Jorge Antônio Silva de Souza reconhece expressamente, de forma inequívoca, ser o condutor que cometeu a infração, e requer a transferência de pontuação à sua CNH’ (fl. 306). 13. Assim sendo, a verdade dos fatos a que chegou o Judiciário é suficiente para afastar a presunção jurídica de autoria (e, conseqüentemente, de responsabilidade) criada na esfera administrativa. 14. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido.” (REsp 765970/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/09/2009, DJe 02/10/2009).
179
ordem pública, apenas se ultrapassado o juízo de conhecimento, por outros
fundamentos, abre-se a via do especial (Súmula 456/STF).313
A Segunda Turma, por unanimidade, no julgamento do AgRg
no Ag 948335/SP, Relator Mauro Campbell Marques, em 15/09/2009, entendeu por não
prosperar a alegação de que as questões referentes a interesse processual e ilegitimidade
passiva devessem ser analisadas pela Corte em razão de serem de ordem pública, pois
não houve indicação dos dispositivos de lei federal sobre os quais funda a referida
alegação (Súmula 284/STF) e porque estas não foram objeto de prequestionamento e
configuraram inovação em sede de agravo regimental em agravo de instrumento.314 Na
313 “PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DA TESE DO RECURSO ESPECIAL – NULIDADE ABSOLUTA – CONHECIMENTO EX OFFICIO – LIMITES DO RECURSO ESPECIAL. 1. Inviável análise de recurso especial cuja tese não foi objeto de debate no Tribunal de origem. Aplicação da Súmula 282/STF. 2. O prequestionamento é exigência indispensável ao conhecimento do recurso especial, fora do qual não se pode reconhecer sequer das nulidades absolutas. 3. A mais recente posição doutrinária admite sejam reconhecidas nulidades absolutas ex officio, por ser matéria de ordem pública. Assim, apenas se ultrapassado o juízo de conhecimento, por outros fundamentos, abre-se a via do especial (Súmula 456/STF). 4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AgRg no Ag 1072674/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 20/08/2009, v.u., DJe 08/09/2009). 314 “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. INOVAÇÕES EM SEDE RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. QUESTÕES DE ORDEM PÚBLICA. RECURSO ESPECIAL QUE NÃO ULTRAPASSA OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE EFEITOS TRANSLATIVOS. DESPACHANTE ADUANEIRO. REQUISITOS LEGAIS CUMPRIDOS. DECRETO N. 646/92. EXTRAPOLAÇÃO DOS LIMITES DA REGULAMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. A alegada ofensa ao art. 535 do CPC foi feita de forma genérica pela parte agravante, visto que não foram indicados, nas razões do recurso especial, os dispositivos legais sobre os quais a Corte a quo teria deixado de se manifestar, de forma que a deficiência de fundamentação nesse sentido atrai a incidência, por analogia, da Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. Ressalte-se que diversas alegações feitas pela ora agravante são verdadeiras inovações, inviáveis em sede de agravo regimental, sobre as quais já se consumou a preclusão, tendo em vista que nas razões do recurso especial nada foi ventilado a respeito. As inovações se consubstanciam nas seguintes teses: a) o óbice à apreciação do requerimento administrativo formulado pelo impetrante se deu em função de que os processos administrativos que versavam sobre o exercício de função de despachante aduaneiro estavam sobrestados; b) ilegitimidade passiva da União; c) art. 50 do Decreto n. 646/92, no que tange à demora na apreciação do requerimento administrativo formulado pelo impetrante; e d) incidência da Súmula n. 456/STF. 3. Não prospera, ainda, a alegação de que as questões referentes ao interesse processual do impetrante e à ilegitimidade passiva da União devem ser analisadas por esta Corte em razão de serem de ordem pública, uma vez que além de a ora agravante não ter indicado os dispositivos de lei federal sobre os quais funda a referida alegação, o que atrai a incidência da Súmula n. 284/STF em razão da ausência de fundação do recurso, as mesmas não foram objeto de prequestionamento e configuram inovação em sede de agravo regimental em agravo de instrumento.
180
esteira do entendimento de que as questões de ordem pública, apreciáveis de ofício nas
instâncias ordinárias, devem ser prequestionadas, ou seja, examinadas no acórdão, para
viabilizar o recurso especial: EDcl no AgRg no REsp 1019374/RS, relator Humberto
Martins, julgado em 19/06/2008, v.u., DJe 05/08/2008.
No REsp 977213/PR, Relatora Eliana Calmon, Segunda Turma,
julgado em 19/08/2008, v.u., DJe 04/11/2008, entendeu-se que “Sendo as matérias de
ordem pública isentas de preclusão e podendo, inclusive, serem conhecidas de ofício
pelo magistrado, admite-se que o tribunal possa sobre elas emitir juízo de valor, ainda
que não tenham sido trazidas nas razões de apelação”.315
Constou do julgamento do REsp 799780/DF, Relatora Eliana
Calmon, Segunda Turma, julgado em 17/05/2007, por maioria, DJ 08/06/2007 p. 241,
que o prequestionamento é exigência indispensável ao conhecimento do recurso
especial, fora do qual não se pode reconhecer sequer as nulidades absolutas. Segundo o
julgado, a mais recente posição doutrinária admite sejam reconhecidas nulidades
4. A jurisprudência desta Corte entende que cumpridos os requisitos legais para habilitação de despachante aduaneiro ao exercício do cargo, é vedado à Administração formular outras exigências por intermédio de ato administrativo, no caso o Decreto n. 646/92, extrapolando os termos de norma hierarquicamente superior. Precedentes. 5. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 948335/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 15/09/2009, v.u., DJe 28/09/2009). 315 “PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE COBRANÇA – CONTRIBUIÇÃO SINDICAL RURAL – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – EMBARGOS INFRINGENTES – SÚMULA 282/STF – NOTIFICAÇÃO DO LANÇAMENTO – MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA – NECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO DE EDITAIS – APLICAÇÃO DO ART. 605 DA CLT. 1. Ausência de prequestionamento das teses em torno dos arts. 578, 579, 583, 586, 587, e 606 da CLT, defendidas no recurso especial, envolvendo os dispositivos legais supostamente violados. Incidência da Súmula 282/STF. 2. Sendo as matérias de ordem pública isentas de preclusão e podendo, inclusive, serem conhecidas de ofício pelo magistrado, admite-se que o tribunal possa sobre elas emitir juízo de valor, ainda que não tenham sido trazidas nas razões de apelação. 3. A notificação do sujeito passivo da relação tributária constitui requisito de exigibilidade do crédito, representando, portanto, matéria de ordem pública. 4. Estão consagrados no ordenamento jurídico os princípios da anterioridade e da publicidade dos atos, formalidades legais para a eficácia do ato, devendo a publicação dos editais, prevista no art. 605 da CLT, preceder ao recolhimento da contribuição sindical. Precedentes de ambas as Turmas da Primeira Seção desta Corte. 5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.” (REsp 977213/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19/08/2008, v.u., DJe 04/11/2008).
181
absolutas ex officio, por ser matéria de ordem pública. Assim, se ultrapassado o juízo de
conhecimento, por outros fundamentos, abre-se a via do especial (Súmula 456/STF). Na
situação, conheceu-se do especial por violação do art. 265, IV, “a”, do CPC, ensejando
no seu julgamento o reconhecimento ex officio da ilegitimidade do Ministério
Público.316
Transcreve-se trecho do voto da Relatora Eliana Calmon no
REsp 799780/DF: “A rigidez da observância veio a ser flexibilidada por alguns
acórdãos que entendem possível adentrar-se o STJ em matéria de ordem pública de
ofício, após ser o especial conhecido, com o prequestionamento de tese jurídica
pertinente, depararem-se os julgadores com uma nulidade absoluta ou com matéria de
ordem pública e que pode levar à nulidade do julgamento ou a sua rescindibilidade”.
As matérias de ordem pública necessitam de
prequestionamento, exceto se instaurada a instância por qualquer outra razão. Admite-se
a orientação do conhecimento de matéria de ordem pública, mesmo na ausência de
prequestionamento, desde que a instância especial tenha sido aberta por outro motivo.
Neste sentido, são os julgados da Segunda Turma do STJ a seguir listados, sendo
pertinente destacar que neles se admitiu essa tese, mas nem em todos ela foi aplicada em
316 “PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA: LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – NULIDADE ABSOLUTA NÃO ARGÜIDA – LIMITES DO RECURSO ESPECIAL – TARE (TERMO DE ADESÃO A REGIME ESPECIAL) – MATÉRIA TRIBUTÁRIA – INTERESSE INDIVIDUAL – ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 1. O prequestionamento é exigência indispensável ao conhecimento do recurso especial, fora do qual não se pode reconhecer sequer as nulidades absolutas. 2. A mais recente posição doutrinária admite sejam reconhecidas nulidades absolutas ex officio, por ser matéria de ordem pública. Assim, se ultrapassado o juízo de conhecimento, por outros fundamentos, abre-se a via do especial (Súmula 456/STF). 3. Hipótese em que se conhece do especial por violação do art. 265, IV, ‘a’, do CPC, ensejando no seu julgamento o reconhecimento ex officio da ilegitimidade do Ministério Público. 4. Estando a matéria tributária vedada ao Ministério Público, além da impertinência subjetiva da lide, pela substituição processual inadequada do parquet, a ação civil pública para impugnar específicos Termos de Adesão a Regime Especial - TARE não se apresenta adequada, pois a índole coletiva dessa espécie de ação resta descaracterizada quando a pretensão refere-se a interesse individualizado. Precedentes. 5. Recurso especial conhecido e decretada a extinção.” (REsp 799780/DF, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 17/05/2007, por maioria, DJ 08/06/2007 p. 241).
182
razão das circunstâncias de cada caso concreto: AgRg no REsp 1077909/RJ, Relator
Humberto Martins, julgado em 25/08/2009, v.u., DJe 16/09/2009; AgRg no REsp
1049131/MT, Relator Humberto Martins, julgado em 04/06/2009, v.u., DJe 25/06/2009;
AgRg no REsp 1083768/RJ, Relator Herman Benjamin, julgado em 16/12/2008, v.u.,
DJe 17/03/2009; AgRg no REsp 644.372/AL, Relator Mauro Campbell Marques,
julgado em 09/12/2008, v.u., DJe 03/02/2009; AgRg no REsp 923534/SP, Relator
Humberto Martins, julgado em 04/12/2008, v.u., DJe 18/12/2008; AgRg no REsp
949.077/MS, Relator Humberto Martins, julgado em 04/12/2008, v.u., DJe 18/12/2008;
REsp 852.941/SC, Relator Castro Meira, julgado em 23/09/2008, v.u., DJe
23/10/2008;317 EDcl no AgRg no Ag 942.493/MG, Relatora Eliana Calmon, julgado em
09/09/2008, v.u., DJe 07/10/2008; REsp 928.643/SP, Relator Mauro Campbell
Marques, julgado em 26/08/2008, v.u., DJe 24/09/2008318; REsp 759.169/PR, Relator
Carlos Fernando Mathias (Juiz Convocado do TRF 1ª Região), julgado em 13/05/2008,
v.u., DJe 28/05/2008; EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 806727/RJ, Relator Carlos
Fernando Mathias (Juiz Convocado do TRF 1ª Região), julgado em 08/04/2008, v.u.,
DJe 02/05/2008; 319 AgRg no REsp 901946/PB, Relator Castro Meira, julgado em
317 No julgamento do REsp 852941/SC, Relator Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 23/09/2008, v.u., DJe 23/10/2008, restou decidido que “Até mesmo as questões de ordem pública, passíveis de conhecimento ex officio, em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas no âmbito do recurso especial se ausente o requisito do prequestionamento.” Entretanto, ficou expresso que a regra é excepcionada “se o recurso especial ensejar conhecimento por outros fundamentos, ante o efeito translativo dos recursos, que tem aplicação, mesmo que de forma temperada, na instância especial”. Afirmaram haver aplicação analógica da Súmula 456 do STF. Nesse sentido: EDcl nos EDcl no REsp 920334/SP, Relator Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 24/06/2008, v.u., DJe 12/08/2008. 318 No REsp 928.643/SP, constou que “que os recursos extraordinários (em sentido lato) também possuem o efeito translativo, ainda que de abrangência mais limitada, tendo em conta a necessidade de que o inconformismo seja conhecido ao menos por algum outro fundamento que não o que deixou de ser enfrentado pelo Tribunal de origem. Incidência da Súmula n. 456 do STF, aplicada por analogia, e precedentes da Segunda Turma”. 319 Constou do julgamento dos EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 806727/RJ, “A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que mesmo as chamadas questões de ordem pública, apreciáveis de ofício nas instâncias ordinárias, não prescindem do necessário prequestionamento para viabilizar o recurso especial”. Citaram como precedentes: REsp 877.700/SP, 5ª Turma, Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 10.03.2008; AgRg no Ag 862.742/MG, 1ª Turma, Min. Denise Arruda, DJ de 17.12.2007; AgRg no REsp 493.903/DF, 4ª Turma, Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 17.12.2007; AgRg no Ag 595.344/RS, 6ª Turma, Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 10.12.2007; REsp 967.385/RJ, Rel. Min. Humberto Martins, DJ de 04.10.2007; AgRg no Ag 839.160/RS, 3ª Turma, Min.
183
10.04.2007, por unanimidade, DJ 23.04.2007 p. 248; REsp 623025/SP, Relator Castro
Meira, julgado em 26.09.2006, votação unânime, DJ 05.10.2006 p. 290; REsp
701185/RS, Relator Castro Meira, j. 2/8/05, v.u., DJ 03.10.2005 p. 210.320
Segundo esse entendimento, é possível o conhecimento de
matéria de ordem pública não prequestionada desde que o recurso especial tenha sido
admitido e conhecido, para que o recurso especial mantenha suas características e
peculiaridades que lhe são inerentes.
2.2.3. TERCEIRA TURMA
A Terceira Turma do STJ, por unanimidade, no AgRg no Ag
1113394/MT, Relator Sidnei Beneti, julgado em 23/06/2009, decidiu que, embora as
questões de ordem pública sejam passíveis de conhecimento de ofício nas instâncias
ordinárias, não prescindem do requisito do prequestionamento.321 Na mesma orientação,
constou do julgamento do AgRg no Ag 1058569/GO, Relator Sidnei Beneti, em
Nancy Andrighi, DJ de 14.05.2007; AgRg no Ag 725.860/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.09.2006). No caso, o entendimento de que tais matérias devem ser conhecidas, ainda que não prequestionadas, quando o recurso especial já tenha sido admitido não se aplicava, em que o recurso especial não foi conhecido. 320 O Ministro Castro Meira aduziu ao proferir seu voto no julgamento do REsp 701185/RS que “Pelo efeito translativo dos recursos, decorrência do princípio inquisitório e assentado no art. 267, § 3 º do CPC, fica o órgão julgador autorizado a decidir fora do que consta das razões ou contra-razões do recurso, sempre que deparar com alguma questão de ordem pública, sem que incorra em julgamento extra, ultra ou citra petita. Ao passo em que, na instância ordinária, é pleno o efeito translativo, ficando as matérias de ordem pública totalmente submetidas ao tribunal, que delas deverá conhecer independentemente de provocação das partes, na instância especial deve-se buscar uma aplicação mitigada do referido efeito, pelo qual se transferirão a esta Corte as matérias de ordem pública apenas quando aberta a via do conhecimento do recurso especial por outro fundamento”. O julgado entendeu pela possibilidade do exame de matéria de ordem pública, aplicando-se a Súmula 456 do STF. 321 “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA DE TRASLADO DE PEÇA OBRIGATÓRIA. CÓPIA NÃO EXTRAÍDA DOS AUTOS ORIGINAIS. I. - Prevalece nesta Corte o entendimento de que as questões de ordem pública, embora passíveis de conhecimento de ofício nas instâncias ordinárias, não prescindem do requisito do prequestionamento. II.- O agravo de instrumento deve ser instruído com cópias extraídas dos autos originais, sem as quais ficam desatendidas as exigências legais de correta formação do instrumento. Agravo Regimental improvido.” (AgRg no Ag 1113394/MT, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 23/06/2009, v.u., DJe 26/06/2009).
184
20/11/2008, votação unânime, DJe 12/12/2008, que estava ausente o
prequestionamento, motivo pelo qual não pode ser examinada a alegação de
ilegitimidade de parte no caso concreto.322
Por unanimidade, a Terceira Turma entendeu que o recurso
especial é de fundamentação vinculada, “não sendo possível, na via especial, o
conhecimento de questões de ofício e sem prequestionamento, ainda que se trate de
matéria de ordem pública” (AgRg no Ag 839160/RS, Relatora Nancy Andrighi, julgado
em 24/04/2007).323
Nesse sentido de que as questões de ordem pública, embora
passíveis de conhecimento de ofício nas instâncias ordinárias, não prescindem do
requisito do prequestionamento são os julgados da Terceira Turma do STJ: AgRg no Ag
1072225/SC, Relator Massami Uyeda, julgado em 18/08/2009, v.u., DJe 01/09/2009;
AgRg nos EDcl no Ag 1027378/SP, Relator Massami Uyeda, julgado em 04/11/2008,
v.u., DJe 18/11/2008; EDcl no AgRg no REsp 810622/RS, Relator Sidnei Beneti,
julgado em 23/09/2008, v.u., DJe 20/10/2008.
2.2.4. QUARTA TURMA
322 “PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE - ILEGITIMIDADE DE PARTE - QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA - FALTA DE PREQUESTIONAMENTO - INVIABILIDADE. É assente a jurisprudência deste Tribunal no sentido de que a pretensão relativa a questão de ordem pública deduzida em Recurso Especial, não prescinde do requisito de prequestionamento, ausente na espécie, motivo pelo qual não pode ser examinada a alegação de ilegitimidade de parte no caso concreto. Agravo regimental improvido.” (AgRg no Ag 1058569/GO, Relator Sidnei Beneti, julgado em 20/11/2008, votação unânime, DJe 12/12/2008). 323 “Civil e processual civil. Agravo no agravo de instrumento. Ação de nulidade de compra e venda mercantil c/c compensação por danos morais. Ausência de prequestionamento. - Não se conhece de recurso especial quando ausente o prequestionamento da matéria discutida. - O recurso especial é de fundamentação vinculada, não sendo possível, na via especial, o conhecimento de questões de ofício e sem prequestionamento, ainda que se trate de matéria de ordem pública. Agravo não provido.” (AgRg no Ag 839160/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/04/2007, v.u., DJ 14/05/2007 p. 293).
185
A Quarta Turma do STJ decidiu, por unanimidade, no
julgamento do AgRg no REsp 1021435/RO, Relator João Otávio de Noronha, em
14/04/2009, DJe 27/04/2009, que as questões de ordem pública, passíveis de
conhecimento de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem
ser analisadas em recurso especial se ausente a exigência do prequestionamento.324
No AgRg nos EDcl no Ag 983453/SP, Relator Luis Felipe
Salomão, julgado em 19/03/2009, v.u., DJe 30/03/2009, a Quarta Turma, por
unanimidade, entendeu que o efeito translativo dos recursos consiste na possibilidade de
o Tribunal, ultrapassada a admissibilidade do apelo, decidir matéria de ordem pública,
sujeita a exame de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição. Entretanto, no caso,
não foi possível o reconhecimento da prescrição, porque o recurso especial foi
inadmitido na origem e o agravo não foi conhecido, em razão de traslado ilegível de
peça tida por obrigatória pelo art. 544 do CPC.325
324 “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N. 282/STF E 211/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO-REALIZAÇÃO DO COTEJO ANALÍTICO. 1. Aplica-se o óbice previsto nas Súmulas ns. 282 do STF e 211 do STJ quando a questão suscitada no recurso especial não foi apreciada pela Corte a quo. 2. Mesmo as questões de ordem pública, passíveis de conhecimento de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, não podem ser analisadas em recurso especial se ausente o requisito do prequestionamento. 3. Não há como conhecer de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial ante a não-realização do devido cotejo analítico e a conseqüente ausência de demonstração de similitude fática e jurídica entre o acórdão recorrido e o paradigma. 4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1021435/RO, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 14/04/2009, v.u., DJe 27/04/2009). 325 “AGRAVO REGIMENTAL RECEBIDO COMO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO TRANSLATIVO DO RECURSO ESPECIAL. APELO INADMITIDO NA ORIGEM. AGRAVO NÃO CONHECIDO POR ILEGIBILIDADE DE PEÇA OBRIGATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE DE SE RECONHECER A PRESCRIÇÃO. RECURSO ACOLHIDO SEM EFEITO MODIFICATIVO. 1. O efeito translativo dos recursos, consiste na possibilidade de o Tribunal, ultrapassada a admissibilidade do apelo, decidir matéria de ordem pública, sujeita a exame de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição. Porém, no caso em exame, mostra-se inviável o reconhecimento da prescrição, porquanto o recurso especial foi inadmitido na origem e o presente agravo sequer foi conhecido, em razão de traslado ilegível de peça tida por obrigatória pelo art. 544 do CPC. 2. Agravo regimental recebido como embargos de declaração, sem efeito modificativo.” (AgRg nos EDcl no Ag 983453/SP, Relator Luis Felipe Salomão, julgado em 19/03/2009, v.u., DJe 30/03/2009).
186
Na orientação de que questões de ordem pública, ainda que
passíveis de conhecimento de ofício nas instâncias ordinárias, exigem o requisito do
prequestionamento, firmaram-se os seguintes julgados da Quarta Turma do STJ: AgRg
no Ag 781322/RS, Relator Carlos Fernando Mathias (Juiz Federal Convocado do TRF
1ª Região), julgado em 11/11/2008, v.u., DJe 24/11/2008; EDcl nos EDcl no REsp
1030267/RS, Relator Fernando Gonçalves, julgado em 07/10/2008, v.u., DJe
20/10/2008;326 REsp 977269/RS, Relator Fernando Gonçalves, julgado em 09/09/2008,
v.u., DJe 22/09/2008; REsp 900680/SP, Relator Fernando Gonçalves, julgado em
01/04/2008, v.u., DJe 14/04/2008; AgRg no Ag 657962/SP, Relator Fernando
Gonçalves, julgado em 18/10/2007, v.u., DJ 29/10/2007 p. 242;327 AgRg no REsp
956030/TO, Relator Massami Uyeda, julgado em 20/11/2007, v.u., DJ 17/12/2007 p.
213; AgRg no REsp 493903/DF, Relator Aldir Passarinho Junior, julgado em
20/11/2007, v.u., DJ 17/12/2007 p. 174; AgRg no Ag 792.198/MG, Relator Aldir
Passarinho Junior, julgado em 12/06/2007, v.u., DJ 13/08/2007 p. 375; AgRg no Ag
888.221/RO, Relator Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 06/09/2007, v.u., DJ
24/09/2007 p. 320; AgRg no Ag 813687/SC, Relator Jorge Scartezzini, julgado em
05.12.2006, votação unânime, DJ 05.02.2007 p. 255.328
No REsp 94458/PR, Relator Barros Monteiro, Quarta Turma,
julgado em 15/02/2001, votação unânime, DJ 09/04/2001 p. 365, decidiu-se que, no
326 Constou do julgamento dos EDcl nos EDcl no REsp 1030267/RS que “cumpre assinalar que eventual vício existente na correta demonstração da capacidade postulatória deve ser articulado e provado no devido tempo, isto é, nas instâncias ordinárias, na primeira oportunidade que a parte teve acesso aos autos (art. 245 do Código de Processo Civil). Não tendo adotado esta providência, não é adequado fazê-lo depois de conferida à causa um resultado desfavorável à parte”. 327 Decidiram no AgRg no Ag 657962/SP “Ao recurso especial, via de índole extraordinária, com efeito devolutivo restrito e pressupostos específicos (prequestionamento), não é dado conhecer de matéria, até então, não agitada nos autos, ainda que, eventualmente, possa ser tida como de ordem pública”. 328 Cita-se trecho do voto do Relator Jorge Scartezzini no julgamento do AgRg no Ag 813687/SC “Como é cediço, o prequestionamento constitui exigência inafastável do recurso especial, impondo-se como requisito imprescindível ao seu conhecimento. Não examinada a matéria objeto do especial pela instância a quo, e não tendo sido opostos os embargos declaratórios para tal fim, ainda que se trate de matéria de ordem pública, incide o enunciado 356 da Súmula do STF” (grifos da própria decisão).
187
recurso especial, é admissível ao STJ conhecer de ofício das matérias alusivas às
condições da ação e aos pressupostos processuais, quando lhe for submetido à
apreciação o mérito da controvérsia.329
2.2.5. QUINTA TURMA
A Quinta Turma do STJ, por unanimidade, no julgamento do
AgRg no REsp 1115614/MG, em 17/09/2009, Relatora Laurita Vaz, entendeu pela
necessidade de prequestionamento das matérias de ordem pública para serem analisadas
em sede de recurso especial.330 Nessa mesma orientação, seguem os julgados da Quinta
Turma: AgRg no Ag 1155073/SP, Relatora Laurita Vaz, julgado em 22/09/2009, v.u.,
DJe 13/10/2009; EDcl no AgRg no REsp 1081650/MG, Relator Jorge Mussi, julgado
em 23/04/2009, v.u., DJe 01/06/2009; REsp 910.559/SP, Relator Arnaldo Esteves Lima,
julgado em 05/02/2009, v.u., DJe 09/03/2009; EDcl no AgRg no Ag 933.199/SP,
Relator Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 16/10/2008, v.u., DJe 17/11/2008;
REsp 897427/MG, Relator Arnaldo Esteves Lima, julgado em 18/03/2008, v.u., DJe
329 “DIREITO AUTORAL. INTERDITO PROIBITÓRIO. INADMISSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. - No recurso especial, é admissível ao STJ conhecer de ofício das matérias alusivas às condições da ação e aos pressupostos processuais, quando lhe for submetida à apreciação o mérito da controvérsia. Precedentes. - ‘É inadmissível o interdito proibitório para a proteção do direito autoral’ (súmula nº 228-STJ). Recurso especial não conhecido.” (REsp 94458/PR, Rel. Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 15/02/2001, v.u., DJ 09/04/2001 p. 365). 330 “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INTIMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE, ANTE A AUSÊNCIA DE CADASTRO NO SISCON DO PROCURADOR ESTADUAL. TEMA ANALISADO TÃO-SOMENTE PELO VOTO VENCIDO. SÚMULA N.º 320 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. 1. A matéria objeto do apelo nobre carece do indispensável prequestionamento, atraindo, à espécie, a Súmula n.o 320 desta Corte. 2. Esta Corte tem entendimento consagrado no sentido de que mesmo as matérias de ordem pública, necessitam do prequestionamento para serem analisadas em sede de recurso especial. 3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 1115614/MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17/09/2009, v.u., DJe 13/10/2009).
188
02/06/2008; AgRg no REsp 733.497/RR, Relator Arnaldo Esteves Lima, julgado em
28/02/2008, v.u., DJe 05/05/2008; EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 888.565/RS, Relator
Felix Fischer, julgado em 26/06/2008, v.u., DJe 18/08/2008; AgRg no REsp
962498/RS, Relatora Laurita Vaz, julgado em 25/10/2007, v.u., DJ 26/11/2007 p.
244331; AgRg no Ag 811433/RJ, Relatora Laurita Vaz, julgado em 15.02.2007, votação
unânime, DJ 12.03.2007 p. 321; EDcl no AgRg no REsp 768.803/RN, Relator Gilson
Dipp, julgado em 12/06/2007, DJ 06/08/2007 p. 636.332
A Quinta Turma, por unanimidade, no julgamento do AgRg no
REsp 969740/SP, Relator Arnaldo Esteves Lima, julgado em 03/03/2009, DJe
30/03/2009, entendeu que, conforme a pacífica e numerosa jurisprudência, para a
abertura da via especial, é necessário o prequestionamento, ainda que implícito, da
matéria infraconstitucional. No caso, o Tribunal de origem não emitiu nenhum juízo de
valor acerca do art. 265, IV, “a”, do CPC, restando ausente seu necessário
prequestionamento. E concluem “O disposto no art. 265, IV, ‘a’, do CPC não se
encontra elencado entre as matérias de ordem pública passíveis de ser conhecidas de
ofício pelo Magistrado em qualquer grau de jurisdição, previstas nos arts. 267, § 3º, e
301, § 4º, do CPC. Ademais, não há falar em efeitos translativos do recurso especial
quando não-superado seu juízo de admissibilidade”.333
331 No julgamento unânime do AgRg no REsp 962498/RS, restou decidido que “Não tendo sido suscitado o tema relativo ao acerto, ou não, do acórdão objurgado ao reconhecer a renúncia tácita à prescrição, nas razões do apelo raro, momento oportuno para o seu debate, opera-se a preclusão, uma vez que a análise de argumento novo é inviável em sede de agravo regimental.” 332 Conforme o entendimento no julgamento dos EDcl no AgRg no REsp 768803/RN, “o Recurso Especial é apelo extremo, cuja fundamentação é vinculada, sendo defeso o exame de qualquer matéria, inclusive de ordem pública, caso a mesma não tenha sido objeto de discussão na origem”. 333 “DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSOS EM FASES JUDICIAIS DISTINTAS. CONEXÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STJ. SUSPENSÃO DA AÇÃO DE EXECUÇÃO EM FASE DE APELAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. CONHECIMENTO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental, dado o seu caráter manifestamente infringente.
189
Constou do acórdão dos EDcl no REsp 984599/DF, Relator
Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 19/02/2009, v.u., DJe 30/03/2009,
que de acordo com a mais atualizada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
“pode-se aplicar ao recurso especial, quando ultrapassado seu juízo de admissibilidade,
o chamado efeito translativo, consistente na possibilidade, atribuída ao órgão julgador,
de conhecer de ofício as questões de ordem pública previstas nos arts. 267, § 3º, e 301,
§ 4º, do CPC”, citando a Súmula 456/STF e o art. 257 do RISTJ.334
2.2.6. SEXTA TURMA
2. É inviável a conexão de ações que se encontrem em fases judiciais distintas. Hipótese em que foi prolatada sentença julgando improcedente o pedido formulado na ação de execução de título extrajudicial, ora em fase de apelação. Precedente do STJ. 3. A teor da pacífica e numerosa jurisprudência, para a abertura da via especial, requer-se o prequestionamento, ainda que implícito, da matéria infraconstitucional. Hipótese em que o Tribunal de origem não emitiu nenhum juízo de valor acerca do art. 265, IV, ‘a’, do CPC, restando ausente seu necessário prequestionamento. Incidência das Súmulas 282/STF e 211/STJ. 4. O disposto no art. 265, IV, ‘a’, do CPC não se encontra elencado entre as matérias de ordem pública passíveis de ser conhecidas de ofício pelo Magistrado em qualquer grau de jurisdição, previstas nos arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC. Ademais, não há falar em efeitos translativos do recurso especial quando não-superado seu juízo de admissibilidade. 5. Embargos declaratórios recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento.” (AgRg no REsp 969740/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 03/03/2009, v.u., DJe 30/03/2009). 334 “DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NO RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 475, I, DO CPC. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. AFRONTA AO ART. 535, I, DO CPC. OMISSÃO, OBSCURIDADE OU CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. CONHECIMENTO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. SÚMULA 457/STF E ART. 257 DO RISTJ. PRESCRIÇÃO DO PRÓPRIO FUNDO DE DIREITO. NÃO-OCORRÊNCIA. SÚMULA 85/STJ. APLICAÇÃO. EMBARGOS ACOLHIDOS EM PARTE SEM EFEITOS INFRINGENTES. 1. Importa em indevida inovação recursal a pretensão de discutir, em sede de embargos declaratórios, matéria não-arguida nas razões do recurso especial. Precedente do STJ. 2. Não ocorre omissão no acórdão embargado quando este se pronuncia de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão. Hipótese em que a questão acerca da suposta afronta ao art. 535, I, do CPC foi apreciada de forma expressa no acórdão embargado. 3. Consoante a mais atualizada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pode-se aplicar ao recurso especial, quando ultrapassado seu juízo de admissibilidade, o chamado efeito translativo, consistente na possibilidade, atribuída ao órgão julgador, de conhecer de ofício as questões de ordem pública previstas nos arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC, nos termos da Súmula 456/STF e do art. 257 do RISTJ. 4. ‘Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do qüinqüênio anterior a propositura da ação’ (Súmula 85/STJ). 5. Embargos acolhidos em parte, sem efeitos infringentes.” (EDcl no REsp 984599/DF, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 19/02/2009, v.u., DJe 30/03/2009).
190
A Sexta Turma do STJ, no julgamento do AgRg no REsp
423.569/RJ, por unanimidade, em 13/10/2009, entendeu pela exigência do
prequestionamento da matéria, ainda que se trate de questão de ordem pública.335
Nessa mesma esteira, constou do julgamento do AgRg no
REsp 1057131/RS, datado de 06/08/2009, votação unânime, Sexta Turma, o
descabimento de preliminar de ilegitimidade passiva, tendo em vista que tal matéria,
além de não ter sido tratada no acórdão recorrido, também não foi trazida nas razões do
recurso especial, o que configura indevida inovação processual.336
Decidiram pela necessidade de prequestionamento das matérias
de ordem pública, apreciáveis de ofício nas instâncias ordinárias, para viabilizar o
recurso especial, nos seguintes julgados da Sexta Turma do STJ: AgRg no REsp
913.924/RJ, Relator Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE),
335 “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. OFENSA AO ART. 20 DA LEI N.º 4.328/64 E AO INCISO VI, DO § 10, DO ART. 178 DO CÓDIGO CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS N.os 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. 1. A ausência de particularização dos dispositivos legais do Decreto n.º 20.910/32 e do Decreto n.º 4.597/42 inviabiliza a compreensão da irresignação recursal, incidindo na espécie o enunciado da Súmula n.º 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. Em sede de recurso especial, exige-se o prequestionamento da matéria suscitada, ainda que se trate de questão de ordem pública. Precedentes. 3. No caso, o dissídio jurisprudencial não foi demonstrado conforme os requisitos elencados nos arts. 541, parágrafo único, do CPC, e 255 e parágrafos do RISTJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no REsp 423569/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 13/10/2009, v.u., DJe 03/11/2009). 336 “AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. MAGISTÉRIO FEDERAL. REAJUSTE DE 3,17%. LEI 9.678/98. CRIAÇÃO DA GRATIFICAÇÃO DE ESTÍMULO À DOCÊNCIA – GED. REESTRUTURAÇÃO E REORGANIZAÇÃO DA CARREIRA. INOCORRÊNCIA. 1. Descabe preliminar de ilegitimidade passiva, tendo em vista que tal matéria, além de não tratada no acórdão recorrido, também não foi trazida nas razões do recurso especial, o que configura, na espécie, indevida inovação processual. 2. O entendimento desta Corte é no sentido de que ‘a instituição da Gratificação de Estímulo à Docência - GED, no magistério superior, pela Lei nº 9.678/98, não importou alteração da estrutura remuneratória dos servidores integrantes do magistério federal, pelo que não constitui marco final da percepção do índice de 3,17%’. 3. Agravo Regimental a que se nega provimento.” [AgRg no REsp 1057131/RS, Rel. Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 06/08/2009, v.u., DJe 24/08/2009].
191
julgado em 13/08/2009, v.u., DJe 21/09/2009; AgRg no Ag 1106009/SP, Relator Nilson
Naves, julgado em 23/06/2009, v.u., DJe 05/10/2009; AgRg no Ag 1138304/SP, Relator
Og Fernandes, julgado em 16/06/2009, v.u., DJe 01/07/2009; AgRg no Ag 975.796/SP,
Relator Nilson Naves, julgado em 19/02/2009, v.u., DJe 04/05/2009; AgRg no REsp
661.835/PR, Relator Paulo Gallotti, julgado em 04/11/2008, v.u., DJe 24/11/2008;
AgRg no REsp 901.877/AL, Relator Nilson Naves, julgado em 14/10/2008, DJe
09/12/2008; AgRg no REsp 909.310/RN, Relator Paulo Gallotti, julgado em
22/04/2008, v.u., DJe 12/05/2008; AgRg no Ag 967.852/PE, Relatora Jane Silva
(Desembargadora Convocada do TJ/MG), julgado em 15/04/2008, v.u., DJe
28/04/2008; AgRg no REsp 850.055/RJ, Relator Paulo Gallotti, julgado em 10/05/2007,
v.u., DJ 28/05/2007 p. 408, AgRg no REsp 883.364/AP, Relator Paulo Gallotti, julgado
em 15/03/2007, v.u., DJ 02/04/2007 p. 325.
3. PANORAMA DOUTRINÁRIO
Segue o entendimento doutrinário sobre o tema questões de
ordem pública no recurso extraordinário e no recurso especial. Adianta-se que há três
orientações existentes na doutrina: 1) impossibilidade de conhecimento da questão de
ordem pública se não houver “causa decidida” na decisão recorrida; 2) possibilidade de
conhecimento de matéria de ordem pública a qualquer tempo e grau de jurisdição,
independentemente da existência de prequestionamento; 3) possibilidade de
conhecimento da questão de ordem pública, ainda que não prequestionada, desde que o
recurso seja conhecido por outro fundamento.
Athos Gusmão Carneiro afirma que o Superior Tribunal de
Justiça tem exigido o prequestionamento mesmo em se tratando de alegação de ofensa a
192
“preceitos de ordem pública”. “Em suma, a premissa de que ‘as questões de ordem
pública podem ser alegadas em qualquer tempo e juízo não se aplica às instâncias
especial e extraordinária, que delas apreciam se conhecidos os recursos derradeiros, mas
somente às instâncias ordinárias’ (STJ, 1ª Turma, Ag. Reg. Nos EREsp. Nº 85.558, rel.
Min. Eliana Calmon, ac. de 07/04/2000, DJU de 12/06/2000)”.337
Conforme Araken de Assis, é indispensável que o órgão
judiciário decida a questão apreciável ex officio. Embora seja lícito conhecer dos
pressupostos processuais e das condições “a qualquer tempo e grau de jurisdição”,
conforme o art. 267, § 3º, do CPC, “se o órgão a quo nada resolveu, expressamente,
acerca da sua presença ou inexistência no processo – e, assim, implicitamente reconhece
sua observância, pouco importa se correta ou incorretamente –, decerto não caberão
recursos especial ou extraordinário”.338
Segundo Nelson Nery Junior, para o cabimento dos recursos
excepcionais é necessário que a matéria constitucional ou federal que se quer levar aos
Tribunais Superiores tenha sido julgada, não bastando que pudesse ter sido. Caso o
juízo ou tribunal de origem não se tenha pronunciado sobre matéria de ordem pública,
não terá “decidido” essa matéria, sendo inadmissível recurso extraordinário e recurso
especial sobre essa questão não decidida.339
Inclusive nos casos de ordem pública, para Eduardo Arruda
Alvim, é necessário o prequestionamento para que a questão possa ser objeto de recurso
337 CARNEIRO, Athos Gusmão. Recurso especial, agravo e agravo interno. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2003, p. 36 e 37. 338 ASSIS, Araken de. Op. Cit., p. 15. 339 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. atual., ampl. e reform. São Paulo: RT. 2004, p. 292 e 293.
193
especial ou extraordinário, afirmando que este é o entendimento pelo qual a doutrina e a
jurisprudência vêm se inclinado.340
Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim, a respeito do
tema prequestionamento e matérias de ordem pública, analisam as funções a serem
exercidas por um tribunal superior, encarregado de uniformizar o entendimento em
matéria de lei federal e circunscrito ao que haja sido objeto de efetiva decisão. Além
disso, observam que a Constituição Federal fala em “causas decididas”, requisito
intransponível para o cabimento do recurso especial. Assim, não lhes parece possível
que o STJ, em sede de recurso especial, aprecie matérias cognoscíveis ex officio sem
que tenha havido sobre elas deliberação expressa. Exemplificam que, para que o STJ
possa conhecer e julgar a falta de determinada condição da ação em recurso especial, a
matéria deve 1) estar prequestionada e 2) ser objeto de pedido expresso no bojo do
recurso especial. Afirmam, ainda, haver a possibilidade de o tribunal local ter enfrentado
questão de ordem pública independentemente de provocação das partes, porque autorizado
pela lei, caso em que há prequestionamento, já que a matéria terá sido tratada pela
instância local. No entanto, se o tribunal local não tiver enfrentado a questão de ordem
pública que se pretende seja devolvida ao STJ, apesar de instado a fazê-lo, caberá à
parte interessada, visando à supressão da omissão, opor embargos declaratórios com a
finalidade de viabilizar o manejo adequado do recurso especial. Caso a omissão, ainda
assim não reste suprida, o recurso especial deverá pleitear a anulação do julgado local
por infringência ao art. 535, II.341
Eduardo Ribeiro de Oliveira aduz que não importa que o tema
trazido para fundamentar o recurso diga com a ordem pública. Não considerado na
340 ALVIM, Eduardo Arruda. Recurso especial e recurso extraordinário, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis. São Paulo: RT. 2002. v. 5, p. 162. 341 ALVIM, Eduardo Arruda e ALVIM, Angélica Arruda. Aspectos atinentes ao prequestionamento no recurso especial. Revista Forense, n. 397/3, Maio-Junho 2008, p. 25-27.
194
decisão recorrida, inexistirá a questão constitucional, ou simplesmente federal, capaz de
ensejar o recurso, irrelevante a circunstância de que se exponha a conhecimento de
ofício. O princípio não é aplicável aos recursos de natureza extraordinária, já que seus
pressupostos originam-se de específicas normas constitucionais. A exigência do
prequestionamento é indeclinável, possuindo razão de ser fundada no direito positivo
constitucional. “Há de sempre estar presente para que possam ter trânsito o
extraordinário ou o especial”.342
Com relação ao conhecimento de ofício de nulidade processual
de pleno direito ou a parte levantar pela primeira vez matéria de ordem pública, Teresa
Arruda Alvim Wambier leciona que a estreiteza do efeito devolutivo decorrente da
interposição dos recursos excepcionais não deixa espaço para essa aplicação, cuja
incidência se estende a todos os recursos ordinários. Cita julgados do STJ: “O
prequestionamento, entendido como tal a necessidade de o tema objeto do recurso haver
sido examinado pela decisão atacada, constitui exigência da própria previsão
constitucional do recurso especial, impondo-se como requisito inafastável ao seu
conhecimento, ainda que se trate de nulidade absoluta, a não ser que decorrente do
próprio julgamento” (STJ, 3ª T., AGA 454001-RJ, Rel. Min. Castro Filho, j.
04/02/2003, DJU 10/03/2003, p. 201. No mesmo sentido: STJ, 4ª T., REsp 327593-MG,
Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 19/12/2002, DJU 24/02/2003, p. 238).343
De acordo com Teresa Arruda Alvim Wambier, considerando
que os requisitos de cabimento dos recursos extraordinário e especial constam
expressamente na Constituição Federal, tais disposições não são atingidas por lei
inferior, ainda que seja o Código de Processo Civil (menção aos arts. 267, § 3º e 301, §
342 OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Op. Cit., p. 164. 343 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT. 2004, p. 283 e 284.
195
4º, do Diploma Processual Civil), o que decorre da aplicação do princípio da hierarquia
das normas.344
Segundo Cassio Scarpinella Bueno, o prequestionamento é da
essência dos recursos extraordinário e especial, seja ele implícito ou explicitamente
presente em cada caso concreto, assim, para que possa ser declarada aberta a via desses
recursos, é necessário que a matéria federal (constitucional ou infraconstitucional,
conforme a situação) esteja previamente debatida (existente) nos autos. Sem isso, não há
o que ser decidido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça
pela não aplicação do princípio iura novit curia nas instâncias extraordinárias.345
Em outra oportunidade, Cassio Scarpinella Bueno reflete acerca
das Súmulas 356 do STF e 211 do STJ, aduzindo a existência de divergência: existem
duas concepções de prequestionamento vigorando na jurisprudência dos Tribunais
Superiores, exigindo comportamentos processuais distintos dos litigantes. Afirma que a
divergência faz parte do Direito, especialmente no Brasil, “cuja falta de uniformização
de entendimentos faz da distribuição de qualquer ação com pedido cautelar uma
verdadeira loteria”. Entretanto, as conseqüências derivadas dessa divergência e a forma
pela qual afeta a interposição dos recursos extraordinário e especial precisam ser
salientadas e muito mais discutidas, segundo o entendimento do professor, “do que
foram antes e agora, durante, a Súmula 211 do Superior Tribunal de Justiça”.346 O autor
questiona “Estariam as Súmulas no direito brasileiro cumprindo seu papel – o único
344 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: RT. 2005, p. 213. 345 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação pelos Tribunais Superiores, in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: RT. 1997, p. 138. 346 Idem. Prequestionamento – reflexões sobre a Súmula 211 do STJ, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 72 e 73.
196
que, legitimamente, podem pretender ter –, de fornecer segurança jurídica aos
jurisdicionados”?347
O autor Cassio Scarpinella Bueno leciona que a dificuldade da
verificação do que foi decidido e por qual fundamento – se certo ou errado, se pertinente
ou impertinente – não pode ser obstáculo (geralmente intransponível) para o acesso às
Cortes Superiores. A forma pela qual se apresenta o prequestionamento, ou seja, a
própria decisão, “é muito menos importante ou relevante (se é que há relevância nisto)
do que constatar o que foi objeto de enfrentamento pela instância inferior e, a partir
disto, empreenderem, as Cortes Superiores, seu papel de guardiãs da inteireza do direito
federal”.348
Em outra obra, Cassio Scarpinella Bueno, em item refletindo se
seria o momento de o STF revisar a Súmula 211 do STJ, afirma que é lógico que o STJ
pode “(e, no sistema brasileiro, indiscutivelmente deve)” interpretar a Constituição,
porém é ao STF a quem compete contrastar essa interpretação em sede recursal. Saber o
que é “causa decidida” para fins de recurso extraordinário ou especial (CF, arts. 102, III,
e 105, III, respectivamente), por exemplo, é algo que só o STF pode interpretar em
definitivo. “A interpretação do STJ é, por assim dizer, ‘provisória’. Cabe ao STJ, sim,
submeter-se ao que o STF decidir a respeito”.349
347 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Súmulas 288, 282 e 356 do STF: uma visão crítica de sua (re)interpretação mais recente pelos Tribunais Superiores, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação às decisões judicias. São Paulo: RT. 2001. v. 4, p. 200. 348 Cassio Scarpinella Bueno conclui “O acesso à Justiça e o devido processo legal estão comprometidos por uma questão que, em última análise, é formal: se, é verdade, há, hoje, consenso doutrinário e jurisprudencial acerca da indispensabilidade do prequestionamento – até porque sua previsão constitucional parece irretorquível –, ainda se debate acerca da sua forma ou do seu modo de surgimento. Omissão quanto a este ponto é insustentável em um Estado Democrático de Direito, em que nem a lei pode excluir lesão ou ameaça a direito do Poder Judiciário” (Quem tem medo do prequestionamento?Revista Dialética de Direito Processual, n. 1/23, Abril 2003, p. 52 e 53). 349 O autor Cassio Scarpinella Bueno analisa que “talvez seja hora, pois, em função do que acabou por prevalecer nesse último julgado, o RE 298.695, de o STF rever jurisprudência remansosa no sentido de que não cabe a ele a verificação do acerto ou desacerto do juízo de admissibilidade do recurso especial pelo STJ. Não se trata, sempre com as vênias previamente invocadas, de pôr o STF a interpretar o contexto normativo subjacente à violação ou à contrariedade de uma norma de direito infraconstitucional.
197
Conforme Cassio Scarpinella Bueno:
Questões de ordem pública serão reexaminadas pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso extraordinário ou recurso especial, respectivamente, se houver “causa decidida” que diga respeito a uma “questão constitucional” ou a uma “questão federal”.350
O objeto dos recursos extraordinário e especial deve ter sido
matéria decidida pelo juízo a quo e desta só poderá ser impugnada pelo recurso a
matéria apontada como justificadora da interposição do recurso em voga. Conforme os
ensinamentos de Teresa Arruda Alvim Wambier, a dimensão vertical do efeito
devolutivo não existe, nos recursos excepcionais, não sendo possível se reverem fatos e
se reexaminarem provas, sendo que aquela regra há de ser entendida em função desta,
pois os fatos podem ser reexaminados na medida em que estiverem descritos na decisão
recorrida.351
A Constituição Federal, estipulando que tais recursos são
cabíveis quando houver, na decisão recorrida, questão constitucional ou federal,
impede que lei inferior amplie ou restrinja tal pressuposto, conforme José Miguel
Garcia Medina. A respeito da oposição de embargos de declaração na falta de
manifestação da decisão recorrida acerca da questão constitucional ou federal, em
relação à qual há omissão, entende que a exigência dos embargos não é formalismo
Trata-se, muito pelo contrário, pura e simplesmente, de pôr o STF a dizer o que pode e o que não pode, o que deve e o que não deve ser lido no inciso III do art. 105 e nas suas respectivas alíneas da Constituição Federal, porque de texto constitucional se trata e não de texto legal. Dizem, em última análise, quais as condições objetivas que definem, segundo a Constituição (e não é a lei processual civil quem diz isto) quando cabe um recurso especial ou um recurso extraordinário” [De volta ao preqüestionamento: duas reflexões sobre o RE 298.695-SP, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT. 2005. v. 8, p. 82-84]. 350 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 330. 351 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: RT. 2005, p. 212-217.
198
excessivo, neste caso. Pelo contrário, em existindo omissão na decisão recorrida, não
pode o tribunal superior, ao julgar o recurso extraordinário ou o recurso especial, julgar
questão que não tenha sido agitada.352
Luís Eduardo Simardi Fernandes posiciona-se a favor do
entendimento segundo o qual as questões de ordem pública também precisam estar
prequestionadas para efeito de admissibilidade dos recursos extraordinário e especial.
“Não se vê no texto constitucional qualquer autorização para que se dispense o
prequestionamento quando se estiver diante de questão de ordem pública”. Conclui que
as questões de ordem pública podem ser conhecidas de ofício a qualquer tempo e grau
de jurisdição, tendo em vista disposição do estatuto processual, exceto em sede de
recurso extraordinário e recurso especial, cuja admissibilidade, por imposição
constitucional, exige o preenchimento do requisito do prequestionamento.353
De acordo com Maurício Giannico, se o Tribunal inferior não
tiver se manifestado expressamente sobre dada questão de ordem pública, o Tribunal
superior estará impedido de apreciá-la, sendo obstada a translatividade em função da
própria exigência constitucional de que tenha havido efetiva decisão sobre ela. Em tal
situação incide o óbice constante das Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal,
que exigem o prequestionamento das questões constitucionais ou legais porventura
suscitadas pelas partes.354
Eduardo Cambi e Paulo Nalin mencionam que, como o efeito
devolutivo restrito é uma decorrência do princípio dispositivo, tem-se sustentado que as
matérias de ordem pública (arts. 267, § 3º, e 301, § 4º, do CPC), por força do efeito
352 MEDINA, José Miguel Garcia. O prequestionamento e os pressupostos dos recursos extraordinário e especial, in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais do recurso especial e do recurso extraordinário. São Paulo: RT. 1997, p. 308 e 309. 353 FERNANDES, Luís Eduardo Simardi. Embargos de declaração: efeitos infringentes, prequestionamento e outros aspectos polêmicos. São Paulo: RT. 2003, p. 212 e 213. 354 GIANNICO, Maurício. Op. Cit., p. 173.
199
translativo, que é um corolário do princípio inquisitório, podem ser analisadas pelos
Tribunais Superiores. Assim, desde que seja conhecido o recurso especial ou o
extraordinário, o STJ e o STF possuem condições de analisar, de ofício, as questões de
ordem pública. Tal posicionamento encontra amparo na Súmula 456 do STF. No
entanto, esse entendimento, embora encontre respaldo na jurisprudência do STJ, não é
pacífico, porque, estando os recursos extraordinários sujeitos ao regime jurídico previsto
na Carta Magna, que diz que são cabíveis de causas decididas por órgãos judiciários
hierarquicamente inferiores, o art. 267, § 3º, do Código de Processo Civil, somente se
aplica às instâncias ordinárias. Concluem que “não se pode deixar de vislumbrar a
existência de limitação na atividade cognitiva dos Tribunais Superiores, na medida em
que é da natureza jurídica dos recursos especial e extraordinário o julgamento de
questões de direito, sendo, por isto, que o STJ e o STF não constituem órgãos
jurisdicionais de terceira ou quarta instâncias”.355
Ana Beatriz Ramos Gregolin, em dissertação de mestrado a
respeito dos recursos de efeito devolutivo restrito e as matérias de ordem pública, afirma
que, independentemente de estar-se na fase de conhecimento ou de mérito do recurso
excepcional, caso não haja prequestionamento, não há como se examinar a matéria de
ordem pública.356
Os doutrinadores a seguir citados entendem pela possibilidade
de conhecimento da questão de ordem pública, ainda que sem o prequestionamento da
355 CAMBI, Eduardo; NALIN, Paulo. O controle da boa-fé contratual por meio dos recursos de estrito direito, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos dos Recursos Cíveis e de Outros Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. São Paulo: RT. 2003. v. 7, p. 55-57. 356 “Na esfera excepcional, após análise das características essências (sic) dos recursos extremos, bem como os requisitos constitucionais para seu conhecimento, em especial o prequestionamento e a menção expressa da norma tida como violada, que consideramos relevantes para o enfoque do tema, concluímos que a matéria de ordem pública somente pode ser analisada se presente o prequestionamento, em outros termos, se a questão já foi manejada na instância inferior” (GREGOLIN, Ana Beatriz. Recursos de efeito devolutivo restrito e as matérias de ordem pública. Dissertação de Mestrado. São Paulo. PUC. 2004, p. 148 e 177).
200
matéria. Parcela deles sustenta ser necessário que haja o conhecimento do recurso por
outra matéria prequestionada para que se conheça da questão de ordem pública não
prequestionada.
Ada Pellegrini Grinover, em estudo sobre litisconsórcio
necessário, leciona que, não tendo sido determinada a citação dos litisconsortes, a
nulidade do processo é medida que pode e deve ser pronunciada pelo Superior Tribunal
de Justiça, independentemente de prequestionamento, quando do julgamento do recurso
especial interposto. Aduz que seria contrário à lógica do sistema imaginar que o
Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, apesar de seu diferenciado
e relevante papel, pudessem conhecer de um recurso extraordinário ou especial, se
presentes os requisitos constitucionais para tanto e que passassem a julgar a questão
constitucional ou federal mesmo diante de óbice à existência ou validade do processo.
Não parece razoável à doutrinadora que, sendo o caso de conhecimento do recurso
extraordinário ou especial, o STF ou o STJ deixem de conhecer de matéria de ordem
pública, apenas sob o argumento de que esta não teria sido alvo da decida apreciação
pela instância inferior. “A presença dos pressupostos processuais é antecedente lógico
do julgamento do mérito e, nessa medida, tais pressupostos são também antecedente
lógico do julgamento do mérito dos recursos pelo STF e STJ.” Às condições da ação
aplica-se o mesmo raciocínio.357
357 Segundo Ada Pellegrini Grinover, o teor da Súmula 456 do STF “ ‘aplicar o direito à espécie’ significa, sem qualquer margem de dúvida, passar pelo exame de matérias de ordem pública”, observando não ser necessário o reexame de prova e não existindo qualquer óbice ao conhecimento do recurso especial. Quanto às Súmulas 528 e 292 do STF, entende que também são aplicáveis ao STJ e que reconhecem a nulidade do julgamento perante aqueles tribunais e autorizam que a admissão do extraordinário ou do especial por um fundamento, ou relativamente a uma parte autônoma do acórdão recorrido, enseje o exame do recurso pelos demais fundamentos ou com respeito aos demais capítulos do acórdão (Litisconsórcio necessário e efeito devolutivo do recurso especial, in O Processo: estudos e pareceres. São Paulo: DPJ Editora. 2006, p. 100-104).
201
Nelson Luiz Pinto já se manifestou no sentido de que haveria
sempre, ao menos, decisão implícita sobre matérias cognoscíveis ex officio.358
Para Rodolfo de Camargo Mancuso, nos casos de questões de
ordem pública que, por sua natureza, não precluem e são suscitáveis em qualquer tempo
e grau de jurisdição, além de serem cognoscíveis ex officio, o quesito do
prequestionamento “pode ter-se por inexigível, até em homenagem à lógica do processo
e à ordem jurídica justa”. Cita o binômio “instrumentalidade do processo – efetividade
da prestação jurisdicional”, registrando que em algum modo se lhe agrega “, ao menos
em espírito”, o quanto vem disposto no art. 515, § 3º, do CPC, que permite ao tribunal,
nos casos do art. 267 “julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente
de direito e estiver em condições de imediato julgamento”.359
Paulo Henrique dos Santos Lucon sustenta que dispensam o
prequestionamento as hipóteses com relação a matérias de ordem pública, que geram
nulidade absoluta do processo, decretável até mesmo de ofício a qualquer tempo e grau
de jurisdição, e às decisões proferidas nesses processos nulos.360 Em outra oportunidade,
o autor aduz que “matérias relacionadas com as nulidades absolutas, condições da ação
e pressupostos de constituição e de desenvolvimento do processo, em certos casos, vão
muito mais além do que o requisito do prequestionamento”. Conclui que a violação á
norma jurídica em razão de inobservância de matéria de ordem pública é de suma
importância e não pode ser simplesmente desconsiderada pelo julgador nas instâncias
358 PINTO, Nelson Luiz. Recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (Teoria geral e admissibilidade). 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros. 1996, p. 182. 359 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 311 e 312. 360 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Repercussão geral (ausência). Prequestionamento (ausência). Ofensa indireta à Constituição Federal. Má-fé e ignorância. Danos decorrentes da demora do processo.Revista de Processo, n. 157/345, Março 2008, p. 359.
202
especial e extraordinária. Cita as Súmulas 456 e 528 do STF.361 “Por essa linha, estando
comprovado o enfrentamento explícito dos dispositivos legais violados, nada impede
que o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, órgãos responsáveis
pela preservação da ordem legal e constitucional, apreciem as demais violações”.362
Fredie Didier Junior afirma que, se o recurso
extraordinário/especial for interposto por outro motivo e for conhecido
(examinado/admitido), poderá o STF/STJ, ao julgá-lo, conhecer ex officio ou por
provocação de todas as matérias que podem ser alegadas a qualquer tempo. Com o juízo
positivo de admissibilidade do recurso extraordinário, a jurisdição do tribunal superior é
aberta. É assim que se deve entender a menção a “qualquer tempo e grau de jurisdição”
(art. 267, § 3º, do Código de Processo Civil). Entende que a solução do problema passa
pelo correto entendimento sobre o Enunciado 456 da Súmula da jurisprudência
predominante do STF. Poderá o STF/STJ analisar matéria que não fora examinada na
instância a quo, porque o prequestionamento refere-se apenas ao juízo de
admissibilidade. Para fins de impugnação (efeito devolutivo), somente cabe recurso
extraordinário/especial se for previamente questionada determinada questão jurídica
pelo juízo recorrido. Para fins de julgamento (efeito translativo), entretanto, uma vez
conhecido o recurso extraordinário/especial, poderá o tribunal examinar todas as
matérias que possam ser examinadas a qualquer tempo.363
Gleydson Kleber Lopes de Oliveira ressalta que a questão de
ordem pública é toda matéria atinente aos requisitos de admissibilidade da tutela
361 Súmula 528 do STF “Se a decisão contiver partes autônomas, a admissão parcial, pelo presidente do tribunal a quo, de recurso extraordinário que, sobre qualquer delas se manifestar, não limitará apreciação de todas pelo Supremo Tribunal Federal, independentemente de interposição de agravo de instrumento”. 362 LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Recurso especial: ordem pública e prequestionamento. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, n. especial: 30 anos do Código de Processo Civil, Jan.-Dez. 2003, p. 326 e 327.363 DIDIER JUNIOR, Fredie. Alegação de prescrição ou decadência em recurso extraordinário: notas ao Código Civil de 2002, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT. 2005. v. 8, p. 119 e 120.
203
jurisdicional que, quando não observada, vicia o processo, tratando-se de nulidade
absoluta ou inexistência jurídica. O artigo 267, § 3º, do Código de Processo Civil dispõe
que a questão de ordem pública não está afeta ao regime da preclusão. Aduz que, nas
situações dos recursos excepcionais, em que pese a majoritária doutrina e jurisprudência
em contrário, “a questão de ordem pública pode ser analisada de ofício pelo tribunal
superior desde que o recurso seja conhecido”.364
Clara Moreira Azzoni, não obstante entenda que o juízo de
revisão dos recursos especial e extraordinário seja limitado e não dispensa o
prequestionamento, nas hipóteses de matérias de ordem pública, defende que haveria a
possibilidade de excepcionar-se tal regra para que o Tribunal Superior reconheça a
afronta de natureza pública. Em se tratando de matérias de ordem pública, o
prequestionamento poderia ser dispensado, para efeitos de conhecimento do recurso
especial (apenas): a) se o Tribunal a quo mantiver a omissão, embora tenha havido a
oposição de embargos declaratórios pelo recorrente;365 ou b) caso a nulidade surja na
própria decisão recorrida. Nas situações mencionadas, sustenta que se poderá falar em
efeito expansivo interno dos recursos especial e extraordinário decorrente do
conhecimento de matéria de ordem pública pelos Tribunais Superiores, a qual não tenha
sido objeto de prequestionamento. Para a autora, superado o juízo de admissibilidade, o
STJ e o STF estarão autorizados a conhecer a afronta à matéria de ordem pública, ao
364 OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recursos de efeito devolutivo restrito e a possibilidade de decisão acerca de questão de ordem pública sem que se trate da matéria impugnada, in ALVIM, Eduardo Pellegrini de Arruda, NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.).Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT. 2000. v. 1, p. 267-269. Em dissertação de mestrado, Gleydson Kleber Lopes de Oliveira sustenta “com o preenchimento dos requisitos gerais e específicos do recurso especial, deve o Superior Tribunal de Justiça analisar de ofício matéria de ordem pública, porquanto não é crível que, verificando a nulidade absoluta ou até a inexistência do processo, profira decisão eivada de vício, susceptível de desconstituição por meio de ação rescisória ou ação declaratória de inexistência jurídica. (...) Em virtude da ausência de incompatibilidade com a Constituição Federal, incide no recurso especial o efeito translativo, por meio do qual o Superior Tribunal de Justiça pode examinar, ex officio, questão de ordem pública, desde que o mencionado recurso seja conhecido, nos termos do § 3º do art. 267 do Código de Processo Civil” (Juízo de admissibilidade do recurso especial. Dissertação de Mestrado. São Paulo. PUC. 2001, p. 385 e 481). 365 A autora Clara Moreira Azzoni observa que essa posição é contrária ao teor da Súmula 211 do STJ.
204
julgar a causa e aplicar o direito à espécie (Súmula 456 do Supremo Tribunal Federal).
Ressalva que os capítulos independentes não impugnados, seja em primeiro grau, seja
em segundo grau, não serão atingidos pela decisão do STJ ou do STF. Os capítulos não
impugnados transitam em julgado, “não podendo ser atingidos por superveniente
decisão que reconhecer afronta à matéria de ordem pública, ainda que em sede
extraordinária”.366
Rita Dias Nolasco afirma que os recursos especial e
extraordinário possuem efeito translativo, aplicando-se o disposto no art. 267, § 3º, do
Código de Processo Civil. Ressalva que o reconhecimento de ofício da matéria de
ordem pública no âmbito dos recursos extraordinários só pode ser admitido quando
impedir o julgamento do mérito do recurso e desde que não haja necessidade de
apreciação de questões de fato e de reexame de provas para conhecê-la.367
Andréa Cherem Fabrício de Melo menciona o fato de que o
Superior Tribunal de Justiça esboçou tendência em admitir o exame de ofício das
questões de ordem pública, embora o tenha condicionado ao conhecimento do recurso
por outro fundamento. Para a autora, essa é “a tendência mais consentânea com a
efetividade e a instrumentalidade do processo, tão chamada pela moderna ordem
processual, em respeito não só ao interesse das partes em litígio, mas ao interesse de
toda a coletividade, e que, se espera, seja logo uniformizada no interior das Cortes
guardiãs do direito constitucional e infraconstitucional”.368
366 Clara Moreira Azzoni ressalta que “A viabilidade da apreciação dos preceitos de ordem pública nos recursos especial e extraordinário se respalda em outros relevantes fatores, que deveriam ser levados em consideração pelos Tribunais Superiores no dia a dia forense, ainda que tenham como conseqüência um significativo aumento no número de recursos a serem julgados” (Recurso especial e extraordinário: aspectos gerais e efeitos. São Paulo: Atlas. 2009, p. 212, 213, 214 e 272). 367 NOLASCO, Rita Dias. Possibilidade do reconhecimento de ofício de matéria de ordem pública no âmbito dos recursos de efeito devolutivo restrito, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos dos Recursos Cíveis e assuntos afins. São Paulo: RT. 2006. v. 10, p. 490 e 491. 368 MELO, Andréa Cherem Fabrício de. O prequestionamento e as matérias de ordem pública nos recursos extraordinário e especial. Revista de Processo, n. 132/7, Fev. 2006, p. 28.
205
Daniel Amorim Assumpção perfilha-se à corrente que aponta o
prequestionamento somente como um requisito especial de admissibilidade do recurso,
o qual tem como característica seu conhecimento e não o julgamento de seu mérito.
Segundo o autor, uma vez preenchido o requisito de admissibilidade, isto é,
prequestionada a matéria objeto dos recursos, o mesmo será conhecido pelos órgãos de
superposição e, após esse momento, aplica-se de forma irrestrita, o efeito translativo do
recurso. Entende que as matérias de ordem pública apenas poderão ser conhecidas,
ainda que de ofício, se o recurso for conhecido, ou seja, se o recurso especial ou
extraordinário tiver como objeto justamente a pretensa ofensa a uma matéria de ordem
pública, a qual não tenha sido discutida e decidida pelo Tribunal, o recurso não deverá
ser conhecido e tal matéria jamais chegará a ser analisada.369
Roberto Dórea Pessoa, a respeito da idéia de que as matérias de
ordem pública são cognoscíveis de ofício, aduz que, com isso, não se quer dispensar o
prequestionamento, mas, sim, atribuir-lhe a dimensão que merece, situando-o no terreno
da admissibilidade. Vencida essa etapa, passa-se, sem maiores indagações, ao mérito do
recurso e ao “rejulgamento” da causa, que compreende aquelas matérias.370
Em dissertação de mestrado, Eliane Proscurcin Quintella
conclui que a aplicabilidade ampla e imediata do princípio do acesso à justiça possibilita
às Cortes Superiores conhecerem de oficio das matérias de ordem pública, já que essas
matérias traduzem o que há de relevante no processo, constituindo a estrutura essencial
369 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Op. Cit., p. 252. 370 “Soa insensato, data venia, o tribunal ‘fechar os olhos’ a uma nulidade que aflora aos autos e, ainda assim, deixar de pronunciá-la, permitindo que o processo caminhe até seu desfecho mesmo gravemente viciado. Essa atitude atenta contra o bom senso e o princípio da economia processual, pois a decisão que eventualmente transitar em julgado será rescindível. A parte que eventualmente sucumbir decerto não hesitará em propô-la”, [PESSOA, Roberto Dórea. Juízo de mérito e grau de cognição nos recursos de estrito direito, in NERY JUNIOR, Nelson e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos Polêmicos dos Recursos Cíveis e assuntos afins. São Paulo: RT. 2006. v. 10, p. 505].
206
do processo civil a permitir o alcance do provimento jurisdicional, sendo manifestação
direta do princípio do acesso à justiça.371
Pérsio Thomaz Ferreira Rosa afirma que a posição que diz ser
impossível o conhecimento das chamadas matérias de ordem pública no âmbito dos
recursos extraordinários nega, indevidamente, o caráter inquisitório e publicista do
processo. Com esse raciocínio, afirma negar-se a existência e a aplicação dos chamados
princípios informativos do processo. Desconsidera completamente a característica que
os recursos têm de não inaugurarem uma nova relação jurídica. É dever de qualquer juiz
analisar, em todos os casos, a validade da relação processual que levou ao seu
conhecimento o recurso que está sob o crivo de seu julgamento.372
Para Mônica Martinelli Ortiz, o prequestionamento não
constitui pressuposto indeclinável para a cognição e apreciação das questões de ordem
pública por meio dos recursos especial e extraordinário, se aquelas não constituírem o
objeto destes, sendo que “as aparentes limitações impostas pelo prequestionamento à
cognição das questões de ordem pública nos tribunais superiores operam-se somente na
fase do juízo prévio de admissibilidade; e apenas no tocante ao âmbito de atuação das
partes – que não poderão invocar eficazmente tais questões sem tal pressuposto”. Não
obstam que os tribunais superiores, exercendo o poder-dever de saneamento contínuo do
processo, detectem e proclamem, de ofício, sem a provocação da parte, o que atrairia a
exigência do prequestionamento, a presença de vícios insanáveis relativos às questões
371 QUINTELLA, Eliane Proscurcin. Op. Cit., p. 283. 372 “Evita-se, ademais, que instância extraordinária seja utilizada como meio meramente consultivo, que se produza trabalho meramente inútil, facilmente inutilizável por via dos meios autônomos de se impugnar a coisa julgada, sob o falso pretexto de se respeitar o requisito do prequestionamento, que não é o único, tampouco o mais importante” (FERREIRA ROSA, Pérsio Thomaz. O efeito translativo no âmbito dos recursos extraordinários. Revista de Processo, n. 138/27, Ago. 2006, p. 54).
207
de ordem pública e promovam a necessária correção, ainda que se implique em extinção
do processo sem apreciação do mérito.373
Para ampliação do estudo, é interessante observar os
comentários de Theotonio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa, ao artigo 267, § 3º,
1ª parte, do Código de Processo Civil, sobre o tema no tocante às instâncias
extraordinárias.374
4. CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS
Concorda-se no presente trabalho com a posição de que, em se
tratando de recurso extraordinário lato sensu, qualquer questão, inclusive de ordem
pública, necessita ter sido discutida e apreciada na instância a quo, tendo em vista a
natureza do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, tratando-se de
Cortes de revisão, a função que desempenham no sistema e o pressuposto específico do
prequestionamento, observando-se o requisito das “causas decididas” existente nos
artigos 102, inciso III, e 105, inciso III, da Constituição Federal.
O prequestionamento, entendido como a presença de causa
decidida na decisão recorrida, o que foi demonstrado no item 2 do Capítulo III, é tão
373 ORTIZ, Mônica Martinelli. Âmbito da cognição das questões de ordem pública nos Tribunais Superiores e exigência de prequestionamento. Revista de Processo, n. 128/175, Out. 2005, p. 182 e 183. 374 Somente nas instâncias ordinárias, é admissível o exame de ofício pelo juiz das condições da ação (STJ – 1ª Turma, RESP 236.328-PE-AgRg-RESP, Relator Ministro Garcia Vieira, j. 16/4/02, rejeitaram os embargos, votação unânime, DJU 20/5/02, p. 101). “O art. 267, § 3º, do CPC admite que o juiz, de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, aprecie as condições de admissibilidade da ação, indicadas no art. 267, VI, do mesmo Código. Mas esta norma é circunscrita, de regra, aos recursos ordinários” (RTJ 105/1.038). “A questão relativa à legitimidade de parte só pode ser objeto de recurso especial se prequestionada (Súmulas ns. 282 e 356 do STF). Se a matéria não foi prequestionada, isso não impede o seu conhecimento de ofício por esta Corte, mas só no caso de o recurso especial ser conhecido” (STJ-2ª Turma, AI 95.597-GO-AgRg, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, j. 25/4/96, negaram provimento, v.u., DJU 13/5/96, p. 15.553). No mesmo sentido, STJ-3ª Turma, AI 65.828-7-RJ-AgRg, rel. Min. Costa Leite. J. 12/6/95, negaram provimento, v.u., DJU 13/5/96, p. 15.554 (NEGRÃO, Theotonio e GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 35 ed. São Paulo: Saraiva. 2003, p. 342, 343 e 1.850, RISTJ 255, nota 4).
208
necessário quanto os demais requisitos genéricos dos recursos, tais como
tempestividade, preparo, interesse recursal etc.
O objetivo do Supremo Tribunal Federal é zelar pela guarda da
Constituição Federal; a função primordial do Superior Tribunal de Justiça é uniformizar
a jurisprudência relativa à interpretação e aplicação da legislação federal
infraconstitucional. O STJ e o STF não podem ser considerados como terceiro ou quarto
grau de jurisdição. Desta forma, o objetivo do recurso extraordinário, assim como o do
recurso especial, é diferenciado no sistema, tutelando o direito objetivo, o que se
verifica pelo tratamento conferido pela Carta Magna a tais recursos. Como são órgãos
de sobreposição, possuem a função de uniformizar.
Entende-se que, em sede de recurso especial e recurso
extraordinário, há a necessidade de a matéria ter sido decidida pela decisão recorrida,
inclusive com relação às questões de ordem pública invocadas, a não ser que haja
nulidade absoluta decorrente do próprio julgamento, sob pena de ofensa ao duplo grau
de jurisdição.
Sustenta-se a importância da oposição dos embargos de
declaração, para o suprimento de eventual omissão na decisão recorrida e, em
persistindo a omissão, a possibilidade de interposição de recurso especial, alegando-se
violação ao art. 535, II, do CPC. Observa-se, com base no panorama jurisprudencial
acima mencionado, e especialmente com base nos enunciados das Súmulas 282 e 356
do STF e 98 e 211 do STJ, a inexistência de uniformidade a respeito da temática pelo
STF e pelo STJ.
Em que pesem as manifestações em sentido contrário, entende-
se que as questões de ordem pública não podem ser levantadas nos recursos especial e
extraordinário independentemente de haver sido decidida pelo julgado recorrido
209
especial e extraordinariamente, à exceção de quando se trate de nulidade absoluta
decorrente do próprio julgamento.375
375 “AGRAVO INTERNO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. IMPUGNAÇÃO A TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. NECESSIDADE. PREQUESTIONAMENTO. NULIDADE ABSOLUTA. NECESSIDADE. I - A parte, ao recorrer, deve buscar demonstrar o desacerto da decisão contra a qual se insurge, refutando todos os óbices por ela levantados, sob pena de vê-la mantida. Não pode, em agravo interno, contestar os fundamentos da decisão recorrida por intermédio do agravo de instrumento. II – O prequestionamento, entendido como tal a necessidade de o tema objeto do recurso haver sido examinado pela decisão atacada, constitui exigência da própria previsão constitucional do recurso especial, impondo-se como requisito inafastável ao seu conhecimento, ainda que se trate de nulidade absoluta, a não ser que decorrente do próprio julgamento. Agravo a que se nega provimento.” (AgRg no Ag 454001/RJ, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/02/2003, v.u., DJ 10/03/2003 p. 201, destaques em negrito).
“PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – NULIDADE ABSOLUTA – SÚMULAS 282 E 356 DO STF – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA – NECESSIDADE – MATÉRIA CONSTITUCIONAL – APRECIAÇÃO ADSTRITA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, POR INTERMÉDIO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO I - O prequestionamento, entendida como tal a necessidade de o tema objeto do recurso haver sido examinado pela decisão atacada, constitui exigência inafastável da própria previsão constitucional do recurso especial, impondo-se como requisito primeiro do seu conhecimento, ainda que se trate de nulidade absoluta, a não ser que decorrente do próprio julgamento. Não examinada em segunda instância a matéria objeto do especial, nem, sequer, opostos embargos declaratórios a integrar o acórdão recorrido, incidem os enunciados das Súmulas n.º 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. II - Não se conhece de recurso especial pela alínea ‘c’ do permissivo constitucional, se o dissídio jurisprudencial não estiver comprovado nos moldes exigidos pelos arts. 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil, e 255, parágrafo 2.º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, com a descrição da similitude fática e divergência de decisões. III - É vedado, em sede de recurso especial, o exame de matéria de índole constitucional, cuja competência está adstrita ao âmbito do recurso extraordinário, a ser examinado pelo Excelso Pretório. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg no Ag 316.486/SP, Rel. Ministro Castro Filho, Segunda Turma, julgado em 12/06/2001, v.u., DJ 17/09/2001 p. 158, destaques em negrito).
“RECURSO ESPECIAL. NULIDADE ABSOLUTA. PREQUESTIONAMENTO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRECATÓRIO. DECRETO-LEI 2.284/86. I - Preliminar não acolhida pois não podem ser examinadas, em sede de especial, as nulidades absolutas se a matéria pertinente, de qualquer modo, não foi cogitada no acórdão recorrido, excetuando-se aquelas que decorram do próprio julgamento.II - A atualização monetária não é um plus, mas sim, medida necessária para compensar a corrosão do valor da moeda diante da inflação. É imperioso fixá-la de maneira abrangente com vistas a impedir o enriquecimento sem causa do devedor. III - Em situações de elevados índices inflacionários, admitem-se atualizações sucessivas de cálculos precatórios. Recurso não conhecido.” (REsp 199312/RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 04/05/2000, v.u., DJ 29/05/2000 p. 170, destaques em negrito).
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. - Não podem ser examinadas, em sede de especial, as nulidades absolutas se a matéria pertinente, de qualquer modo, não foi cogitada no acórdão recorrido, excetuando-se aquelas que decorram do próprio julgamento (REsp 50.678-DF, Rel. Min. Anselmo Santiago, DJ 18.12.95). Ausente o prequestionamento explícito do dispositivo legal tido como malferido, não merece conhecimento, pela alínea a, o recurso especial interposto (Súmulas 282 e 356 do STF/ RSTJ 30/341). Precedentes. - Recurso especial não conhecido.”
210
O disposto nos artigos 267, § 3º e 301, § 4º, do Código de
Processo Civil não pode prevalecer diante da exigência de decisão expressa pela
instância a quo (causa decidida), que se trata de requisito específico dos recursos
excepcionais (CF e Súmulas 282 e 356 do STF). Ademais, tais recursos não possuem
efeito devolutivo na sua dimensão vertical, nem efeito translativo, haja vista que não
podem ser revistos fatos ou reexaminadas provas em seu bojo (Súmulas 279 do STF e 7
do STJ).
A moldura fática, nessa modalidade recursal, está encerrada no
julgado recorrido. A função do STF e do STJ é de uniformizar a interpretação da
legislação constitucional federal e da legislação infraconstitucional federal no território
nacional. Haverá a detecção do fato na medida em que estiver descrito na decisão
recorrida e não o seu reexame no recurso extraordinário e no recurso especial.
O efeito translativo, que somente é verificado após o recurso ser
admitido, não se opera nos recursos excepcionais, senão dar-se-ia o mesmo tratamento
que é dado aos recursos ordinários. Os Tribunais Superiores, como acima mencionado,
não são terceiro ou quarto grau de jurisdição, são instâncias extraordinárias, de revisão e
de sobreposição. Além disso, a questão que não tenha sido decidida pela decisão
recorrida não poderá ser objeto de recurso extraordinário ou recurso especial.
De acordo com o modelo constitucional do processo, enfocando
o Código de Processo Civil diante da Constituição Federal, o disposto nos arts. 267, §
3º, e 301, § 4º, do CPC, que determina que as matérias de ordem pública serão
conhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição e de ofício, não pode superar a
determinação da Constituição Federal, sob pena desses dispositivos serem considerados
inconstitucionais na situação ora em exame. Assim, o requisito “causas decididas”, que
(REsp 144605/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 09/06/1998, v.u., DJ 17/08/1998 p. 80, destaques em negrito).
211
vem estabelecido nos arts. 102, III, e 105, III, da Constituição Federal, não pode deixar
de ser observado.
5. SÚMULA 456 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
5.1. ESTUDO DOS PRECEDENTES
Faz-se necessário analisar os precedentes referentes à Súmula
456,376 que são, conforme o site do Supremo Tribunal Federal: RE 46988 embargos, DJ
de 20/11/1961; AI 23496, DJ de 6/9/1961; RE 35833, DJ de 11/1/1962 e RTJ 21/80; e
RE 56323, DJ de 5/11/1964.
É realizado o exame dos precedentes da Súmula 456 do STF
para verificar se é correto o entendimento generalizado de que referida Súmula (lida,
analisada e interpretada a partir dos seus precedentes) autorizaria a conclusão de que
não haveria impedimento de o STF (e o STJ) apreciar questões de ordem pública, sem
haver decisão expressa (causa decidida), em sede de recurso extraordinário (e recurso
especial).
No Recurso Extraordinário 46.988/SP (embargos), Relator
Gonçalves de Oliveira e Relator para acórdão Victor Nunes Leal, por maioria de votos,
o Tribunal Pleno rejeitou os embargos. Constou expressamente da ementa que o
Supremo Tribunal, conhecendo do recurso extraordinário, julga a causa. Tratava-se de
ação de rescisão de promessa de contrato de compra e venda, sendo julgada procedente
em primeiro grau. A sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça e o recurso
376 Segundo o teor da Súmula 456 do Supremo Tribunal Federal, “O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie”, data de aprovação da Súmula: Sessão Plenária de 01/10/1964, DJ de 8/10/1964, p. 3647; DJ de 9/10/1964, p. 3667; DJ de 12/10/1964, p. 3699, referência legislativa: Constituição Federal de 1946, art. 101, III e Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal de 1940, art. 193.
212
extraordinário pela parte autora foi conhecido e provido. Conforme o voto do Relator
para acórdão, já que o julgamento ocorreu por maioria de votos, se o Supremo Tribunal
conheceu do recurso extraordinário, o Tribunal julga a causa, “apreciando os fatos,
quando necessário”. Transposto o obstáculo do cabimento, considerou que a decisão do
Tribunal local não podia constituir impedimento a que se entendesse de modo
diferente.377
No Agravo de Instrumento 23.496/MG, Relator Victor Nunes
Leal, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos, negou
provimento ao agravo. Em conformidade com o voto do Relator, o agravante pretendia
reabrir o exame da matéria de fato. Esclareceu o Ministro que não se tratava de
qualificar juridicamente fatos admitidos pela sentença, assim como que o Supremo
Tribunal não entra no exame das provas para apreciar o cabimento do recurso, porém
tão-somente, após que conhece do recurso, para julgar a questão federal envolvida.378
No Recurso Extraordinário 35.833/RS, Relator Victor Nunes
Leal, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, conheceu do
recurso, mas lhe negou provimento. Trata-se de ação, sob o rito ordinário, para anular
transcrição, considerando celebrado em fraude de credores a promessa de venda. A
parte autora venceu em primeira instância e a sentença foi confirmada pelo Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul. Consta do voto do Relator que conheceu do recurso mas
lhe negou provimento porque lhe pareceu acertada a conclusão do acórdão recorrido,
embora tivesse restrições quanto à sua fundamentação. Aduz o Relator que a
377 “EMENTA: 1) Conhecendo do recurso extraordinário, o Supremo Tribunal julga a causa. 2) Compromisso de compra e venda não registrado; inaplicabilidade do Dl. 58, de 1937.” [Recurso Extraordinário 46.988/SP (embargos), Relator Gonçalves de Oliveira, Relator para acórdão Victor Nunes Leal, Tribunal Pleno, julgado em 31/07/1961, por maioria, DJ de 20/11/1961]. 378 “EMENTA: (1) Para reexame das provas não cabe recurso extraordinário. (2) Só quando conhece do recurso extraordinário, entra o Supremo Tribunal no exame das provas, desde que indispensável para julgar a questão federal envolvida.” (Agravo de Instrumento 23.496/MG, Relator Victor Nunes Leal, Segunda Turma, julgado em 11/07/1961, por unanimidade, DJ de 6/9/1961).
213
argumentação do acórdão recorrido não se desenvolve inteiramente conforme a de seu
voto, porque ele teve como nula a transcrição do adquirente, em razão de anterioridade
de inscrição hipotecária, e o entendimento do Ministro a tem como válida, porém
inoponível à carta de arrematação, exercida regularmente. Conclui “Mas estou, parece-
me na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal, porque, conhecendo do recurso,
julgamos a causa”.379
No Recurso Extraordinário 56.323/MG, Relator Victor Nunes
Leal, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, conheceu do
recurso em parte para dar-lhe provimento. Relata-se que o Tribunal Superior do
Trabalho, conhecendo da revista, decidiu de modo contrário ao que houvera decidido o
Tribunal Regional do Trabalho, julgando a causa. Decidiram que o referido Tribunal
Superior tinha poder para tanto, como procede o Supremo Tribunal quando conhece do
recurso extraordinário. Por fim, concluem que no recurso extraordinário contra decisões
do Tribunal Superior do Trabalho, não se deve exercer rígida tutela sobre a maneira
como a Justiça especializada exerce a sua jurisdição, sob pena de frustrar-se o seu fim
constitucional.380
5.2. APLICAÇÃO DA SÚMULA 456 DO STF
379 “EMENTA: 1) Sendo admissível a alienação do imóvel hipotecado, a inscrição anterior da hipoteca não impede a transcrição da escritura de compra e venda. 2) Tendo sido essa alienação realizada no curso do executivo hipotecário, em que não interveio o adquirente para remir a hipoteca, a sua transcrição não impede a transcrição ulterior da carta de arrematação. 3) O Supremo Tribunal Federal, quando conhece do recurso extraordinário, julga a causa.” (Recurso Extraordinário 35.833/RS, Relator Victor Nunes Leal, Segunda Turma, j. 28/11/1961, por unanimidade, DJ de 11/1/1962 e RTJ 21/80). 380 “EMENTA: 1) Conta-se o tempo em que o empregado esteve afastado, em serviço militar obrigatório, mesmo anteriormente à L. 4.072/62. 2) Conhecendo da revista, o Tribunal Superior do Trabalho julga a causa. 3) No recurso extraordinário, o Supremo Tribunal não deve pretender uma rígida tutela sôbre o Tribunal Superior do Trabalho”. (Recurso Extraordinário 56.323/MG, Relator Victor Nunes Leal, Tribunal Pleno, j. 01/10/1964, por unanimidade, DJ de 5/11/1964).
214
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça
não são órgãos de cassação, mas de sobreposição, havendo o rejulgamento da causa, se
os recursos forem conhecidos.
José Carlos Barbosa Moreira afirma que o Supremo Tribunal
Federal e o Superior Tribunal de Justiça, ao conhecerem do recurso, não se limitam a
censurar a decisão recorrida à luz da solução que dêem à quaestio iuris, eventualmente
cassando tal decisão e restituindo os autos ao órgão a quo para novo julgamento. Fixada
a tese jurídica a seu ver correta, o tribunal a aplica à espécie, ou seja, julga “a causa” (a
matéria objeto da impugnação). “Nisso se distinguem os nossos recursos extraordinário
e especial não apenas dos ‘recursos de cassação’ de tipo francês, mas também do seu
equivalente argentino, tal como tem funcionado na prática.” Apenas quando o
fundamento do recurso consiste em error in procedendo é que o Supremo Tribunal
Federal ou o Superior Tribunal de Justiça, ao dar-lhe provimento, anula a decisão da
instância inferior e, se o for o caso, faz baixar os autos, para que ali se profira outra.
Salvo nessa situação, o acórdão do tribunal ad quem, seja qual for o sentido em que este
se pronuncie, substitui, na medida em que se conheça da impugnação, a decisão contra a
qual se recorreu, incidindo o art. 512 do Código de Processo Civil. Assim, por exemplo,
havendo condenação, o título exeqüendo será o acórdão do Supremo Tribunal Federal
ou do Superior Tribunal de Justiça, e não o pronunciamento do órgão inferior (ou de
qualquer dos órgãos inferiores), visto que coincidente no teor.381
Conforme Nelson Nery Junior, os recursos extraordinários
comportam três juízos: de admissibilidade, de cassação e de revisão. O juízo de
cassação é o juízo de censura que sofre a decisão ou acórdão impugnado quando, por
exemplo, negar vigência a dispositivo constitucional ou de lei federal. Provido o recurso
381 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 14. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense. 2008. v. V, p. 604 e 605.
215
com a cassação da decisão ou acórdão, é necessário que o STF ou STJ passe a julgar a
lide em toda a sua inteireza (revisão). O juízo de revisão é conseqüência do provimento
dos recursos excepcionais, no que diz respeito ao juízo de cassação, afirmando ser este o
sentido da Súmula 456 do STF.382
Roberto Rosas aduz que o alcance da Súmula 456 do STF
suscita dúvidas quando o julgamento da causa implique o reexame das provas,
obstáculo que é imposto pela Súmula 279. “O princípio da economia processual
impressiona sobremodo, porque o conhecimento do recurso extraordinário, quer fosse
pela divergência de julgados ou pela negativa de vigência, imporia a devolução do feito
ao tribunal a quo, para o exame da causa (RTJ 98/397, 109/293)”.383
Segundo Nelson Luiz Pinto, a Súmula 456 do STF refere-se à
extensão do efeito devolutivo do recurso extraordinário, sendo também aplicável ao
recurso especial. “Uma vez admitido o recurso, não importando por qual dos
fundamentos constitucionais, o STF ou o STJ rejulgará a causa ou a questão decidida no
acórdão recorrido, na sua plenitude, substituindo-o”.384
Para Rodolfo de Camargo Mancuso, os recursos extraordinário
e especial devem ser vistos em dois planos: 1) precipuamente, estão voltados a um
objetivo de ordem pública, de interesse nacional, propiciando um “contencioso
objetivo” de legalidade ou de constitucionalidade; 2) corolariamente, considerando que
nem o STF nem o STJ são Cortes apenas de cassação, “senão (e até principalmente)
também de revisão” (RISTJ, art. 257; Súmula STF 456), o conhecimento do mérito
daqueles recursos e seu provimento implicarão no descarte da decisão recorrida e na
prolação de outra que a “substitui” (CPC, art. 512), “do que decorrerá –
382 NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. atual., ampl. e reform. São Paulo: RT. 2004, p. 441 e 442. 383 ROSAS, Roberto. Op. Cit., p. 205. 384 PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros. 2002, p. 302.
216
presumivelmente – melhor resposta judiciária ou, quando menos, a última e
definitiva”.385
Em conformidade com os ensinamentos de Teresa Arruda
Alvim Wambier, a Súmula 456 do STF significa que os Tribunais Superiores não são
Cortes de Cassação. Desta forma, admitidos os recursos de estrito direito, haverá,
conforme o que consta na Súmula 456, rejulgamento da causa, respeitados os limites
decorrentes da natureza dos recursos especial e extraordinário, que, como regra geral,
impedem o reexame das provas constantes dos autos. Esse rejulgamento, quando
consistente no refazimento da subsunção, apenas não ocorrerá se a decisão recorrida não
contiver os elementos necessários à compreensão das questões a serem resolvidas. A
autora menciona que o tribunal ad quem deve ter efetivamente condições de flagrar e
corrigir a ilegalidade apontada na decisão do órgão a quo. Diz flagrar e corrigir, porque
entende ser esse o sentido e o alcance da Súmula 456 do STF: “o rejulgamento da causa,
a que se faz referência nesta súmula, deve ocorrer uma vez flagrada a ilegalidade, mas
com as limitações relativas à impossibilidade de se reverem fatos e de se reexaminarem
provas”. Os recursos extraordinário e especial, em princípio, devem poder ser decididos
sem que haja necessidade de que os autos sejam reexaminados. “Como regra geral, os
elementos para o rejulgamento da causa devem constar da própria decisão
recorrida.”386
Como já destacado o entendimento de Teresa Arruda Alvim
Wambier, é interessante transcrever a conclusão da professora:
Não há propriamente discordância da nossa parte em relação à opinião daqueles que entendem que os Tribunais superiores
385 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 10. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: RT. 2007, p. 160. 386 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória. 2. ed. reform. e atual. São Paulo: RT. 2008, p. 353, 355 e 406.
217
podem realmente REJULGAR a causa, sem contar com limites como, por exemplo, os da Súmula 7 do STJ ou 279 do STF, não podendo reexaminar matéria fática. Pensamos, isto sim, que talvez fosse esta realmente a solução ideal. Mas, como nos parece que não tem sido o entendimento predominante nos tribunais superiores, definitivamente não podem as partes, (...), ser prejudicadas, sendo-lhes negado o acesso à Justiça, devendo os Tribunais de segundo grau fundamentar não só suficientemente, mas de maneira completa, suas decisões.
Teresa Arruda Alvim Wambier aduz que, em razão do nexo de
instrumentalidade existente entre os embargos de declaração e o recurso especial, a
omissão suprimível através de embargos deverá ser considerada para o fim a que se
destina a fundamentação, qual seja, viabilizar o julgamento do recurso especial pelo
STJ.387
Conforme observado no Capítulo III, item 4 supra, considera-se
de extrema importância a utilização dos embargos declaratórios para que as decisões
estejam completamente fundamentadas. Estando decidida a matéria no Tribunal de
origem, poderá haver o rejulgamento da causa pelos Tribunais Superiores, cumprindo-se
o requisito constitucional das “causas decididas”.
Eduardo Ribeiro de Oliveira afirma que, no sistema da
cassação, o tribunal superior não procede ao julgamento da causa. Caso entenda estar
contrariada alguma norma, cassa a decisão e, estabelecendo a orientação jurídica a ser
observada, determina que outra decisão se profira, incumbindo disso o mesmo tribunal
que editou o primeiro julgamento ou um outro, o que varia nas diversas
regulamentações existentes. De acordo com o ordenamento brasileiro, a causa é
normalmente julgada, porém nos limites em que o possa ser. Caso existente alguma
nulidade, essa será reconhecida, devendo refazer-se o processo a partir da fase em que
ela tenha se verificado e na medida em que prejudique os atos posteriores. Se a nulidade
387 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: RT. 2005, p. 242-249.
218
é apenas do julgamento, no caso o relativo aos embargos de declaração, esse haverá de
renovar-se.388
Para José Miguel Garcia Medina, se o Tribunal conhecer o
recurso interposto deverá, no juízo de mérito, julgar a causa, aplicando o direito à
espécie (Súmula 456 do STF). Portanto, o Tribunal ficará livre para apreciar a presença
dos pressupostos processuais e das condições da ação, bem como de outras objeções no
julgamento do mérito do recurso. Sustenta que, uma vez admitido o recurso, se o
Tribunal Superior não se manifestar, por exemplo, sobre a ausência das condições da
ação, não estará aplicando o direito à espécie. Ressalta que tal orientação não dispensa a
necessidade de prequestionamento para que o recurso seja conhecido. Exemplifica que
não se admite recurso especial fundado em falta de condição da ação se esse tema não
tivesse sido enfrentado pela decisão recorrida. Entretanto, segundo o autor, interposto e
conhecido o recurso especial com base em outro fundamento, a ausência da condição da
ação poderá ser examinada de ofício pelo STJ.389
Eduardo Arruda Alvim e Angélica Arruda Alvim aduzem que a
Súmula 456 do STF explicita que o Supremo Tribunal, uma vez conhecido o recurso
extraordinário, aplicará o direito à espécie e não, pura e simplesmente, determinará o
retorno do processo à instância de origem para novo julgamento, como se recurso de
cassação se tratasse. E a respeito do recurso especial observam que “o julgamento
deverá dar-se dentro das características próprias do recurso especial, que é meio
impugnativo que enseja, apenas, a devolução de matérias de direito federal
388 OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Op. Cit., p. 170. 389 MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral: e outras questões relativas aos recursos especial e extraordinário. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: RT. 2009, p. 95-97.
219
infraconstitucional devidamente prequestionadas, o que significa dizer, por outras
palavras, que o recurso especial não apresenta efeito translativo”.390
Clara Moreira Azzoni sustenta que “uma vez conhecido o
recurso especial ou o extraordinário por outro fundamento, poderá ser dispensado o
prequestionamento no juízo de revisão, exclusivamente em relação às questões de
natureza pública, com fundamento na Súmula 456 do Supremo Tribunal Federal”.391
No presente trabalho, entende-se que, na interpretação da
Súmula 456 do Supremo Tribunal Federal, deve ser analisada a natureza dos recursos
extraordinário e especial para a sua aplicação, observando-se que haverá o rejulgamento
da causa, então, a matéria prequestionada será revista e não vista pela primeira vez no
bojo de tais recursos. O STF e o STJ não se limitam a cassar, a censurar, mas aplicam o
direito à espécie.
É curioso que se invoque a Súmula 456 do STF para justificar o
conhecimento de questão de ordem pública não decidida pela decisão recorrida especial
e extraordinariamente. Isso porque os precedentes da Súmula 456 nada falam sobre
matéria de ordem pública. Não obstante, referida Súmula também é aplicada como se
assim se tratasse.
Evidencia-se que essa questão nunca foi sequer ventilada
naqueles precedentes e que tal afirmação generalizada é, com o devido respeito, uma
suposição equivocada. Ainda, há que se verificar que todos os precedentes desse
enunciado têm em comum o mesmo Relator, ainda que seja o Relator para lavrar o
acórdão em julgamento por maioria de votos.
390 ALVIM, Eduardo Arruda e ALVIM, Angélica Arruda. Aspectos atinentes ao prequestionamento no recurso especial. Revista Forense, n. 397/3, Maio-Junho 2008, p. 25 e 26. 391 AZZONI, Clara Moreira. Recurso especial e extraordinário: aspectos gerais e efeitos. São Paulo: Atlas. 2009, p. 272 e 288.
220
A possibilidade de o STF e o STJ, ao julgarem recurso
extraordinário e recurso especial, apreciarem questões de ordem pública não decididas
pela instância a quo é defendida em julgados e por doutrinadores, tal como foi
previamente indicado. Entretanto, o fundamento dessa conclusão, data maxima venia,
não pode ocorrer em razão da Súmula 456 do STF, porque não trata dessa matéria,
conforme demonstra a análise de seus precedentes.
É interessante verificar, a título ilustrativo, a aplicação de
referida Súmula no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça.
O Supremo Tribunal Federal, no RE 557731 AgR, Relator
Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 09/10/2007, por unanimidade de votos,
decidiu não ser possível a aplicação da Súmula 456, quando houver supressão de
instância, tendo em vista a existência de matéria não decidida pela instância recorrida, e
forem necessárias a apreciação do conteúdo fático-probatório e a aplicação de normas
infraconstitucionais, por serem procedimentos inviáveis em recurso extraordinário.392
A Primeira Turma do STF, ao julgar o RE 488769 AgR,
Relator Carlos Britto, em 14/12/2006, v.u., entendeu que, no caso, o recurso
extraordinário devolveu ao STF, exclusivamente, a matéria de direito constitucional
debatida. Consta do voto do Relator que, tudo o mais, atinente às conseqüências de tal
decisão ou seus efeitos sobre os pedidos da inicial, situa-se no campo
infraconstitucional e, quiçá, no mundo fático, sendo terrenos inacessíveis pela via
estreita do recurso extraordinário. Entendimento contrário poderia resultar supressão de
392 “RECURSO. Extraordinário. Provimento. Aplicação da súmula 456 desta Corte. Impossibilidade. Supressão de instância. Apreciação do conteúdo fático-probatório e aplicação de normas infraconstitucionais. Agravo regimental não provido. Não é possível a aplicação dos termos da súmula 456, quando ocorrer supressão de instância e forem necessárias a apreciação do conteúdo fático-probatório e a aplicação de normas infraconstitucionais.” (RE 557731 AgR, Relator: Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 09/10/2007, v.u., DJe-134 DIVULG 30-10-2007 PUBLIC 31-10-2007 DJ 31-10-2007 PP-00101 EMENT VOL-02296-06 PP-01228).
221
instância ou melindrar as garantias do devido processo legal e da ampla defesa. Assim,
na situação, não foi aplicada a Súmula 456 do STF.393
A Segunda Turma do STF, no RE 202668, Relator Néri da
Silveira, julgado em 12/12/2000, v.u., entendeu por existir supressão da instância da
prova com relação ao exame de documento novo comprobatório da quitação do imóvel
e ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório. “Não era viável ao STJ, no
caso, com invocação da Súmula 456, desde logo, julgar o mérito da causa, examinando,
originariamente, prova que a recorrida se encarregara de sustentar, no recurso especial,
que, por omissão reiterada, a Corte de segundo grau deixara de analisá-la e emprestar-
lhe significação”.394
No julgamento do RE 247243, Relator Sepúlveda Pertence,
Primeira Turma, em 16/11/1999, votação unânime, tratou-se da discussão acerca de
prejudicial de inconstitucionalidade suscitada pelo autor e repelida pelo acórdão
recorrido, a qual, todavia, por fundamento diferente, acolheu a demanda. Houve a
393 “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ACÓRDÃO RECORRIDO ASSENTADO EM DISPOSITIVO DE LEI DECLARADO INCONSTITUCIONAL EM SEDE DE CONTROLE CONCENTRADO. JULGAMENTO IMEDIATO DA LIDE. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 456 DO STF. NÃO-APLICABILIDADE. Se o aresto recorrido está assentado em dispositivo de lei declarado inconstitucional pelo STF em ação direta, o julgamento do recurso extraordinário se limita ao afastamento da respectiva premissa e à devolução dos autos à Corte de origem, para regular prosseguimento do feito. Isto a fim de que a lide ganhe os contornos legais e fáticos que lhe forem peculiares e para os quais é competente a instância ordinária. Impede-se, assim, eventual supressão de instância, ao tempo em que se resguardam as garantias do devido processo legal e da ampla defesa. Donde a inaplicabilidade da Súmula 456 do STF, em tais casos. Precedente: RE 200.972, Relator Ministro Marco Aurélio. Agravo Regimental desprovido.” (RE 488769 AgR, Relator: Min. Carlos Britto, Primeira Turma, julgado em 14/12/2006, v.u., DJ 30-03-2007 PP-00077 EMENT VOL-02270-10 PP-01960 RT v. 96, n. 862, 2007, p. 145-147).394 “Recurso extraordinário. Processual Civil. Recurso especial conhecido. 2. Acórdão que, com base na Súmula 456, do STF, tendo conhecido do recurso, julgou a causa, reapreciando a prova dos autos, para dar pela procedência da ação. 3. Supressão da instância da prova quanto ao exame do documento novo comprobatório da quitação do imóvel, considerado no aresto recorrido. Ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório. 4. Não era viável ao STJ, no caso, com invocação da Súmula 456, desde logo, julgar o mérito da causa, examinando, originariamente, prova que a recorrida se encarregara de sustentar, no recurso especial, que, por omissão reiterada, a Corte de segundo grau deixara de analisá-la e emprestar-lhe significação. 5. Recurso conhecido e parcialmente provido para cassar, em parte, o acórdão do STJ, ao prover o recurso especial, com base na Súmula 456 do STF. 6. Retorno dos autos ao Tribunal de Justiça para renovar-se o julgamento dos embargos infringentes, com o específico exame da alegação e da prova apresentada, relativa à quitação do débito pertinente ao imóvel, dentro do conjunto probatório.”(RE 202668, Relator: Min. Néri da Silveira, Segunda Turma, julgado em 12/12/2000, v.u., DJ 18-05-2001 PP-00449 EMENT VOL-02031-06 PP-01205).
222
interposição de recurso extraordinário pela parte adversa, impugnando o fundamento
acolhido pelo Tribunal a quo. Analisou-se, com base na Súmula 456, se restaria ou não
preclusa a questão prejudicial, à falta de recurso adesivo do autor. Constou do
aditamento do voto do Relator que para julgar a causa, como determina a Súmula 456,
“incumbiria ao Tribunal, sob pena de denegar jurisdição, examinar os fundamentos
invocados pela impetrante e desprezados na decisão recorrida que, não obstante, lhe foi
inteiramente favorável”. Ocorre que, no caso, considerou irrelevante a controvérsia,
porque o ponto foi decidido conforme a jurisprudência consolidada do Supremo
Tribunal.395
A Segunda Turma do STF, por unanimidade de votos,
deliberou afetar ao Plenário o julgamento do RE 172058. O Tribunal Pleno do STF,
Relator Marco Aurélio, julgado em 30/06/1995, conheceu do recurso extraordinário.
Consta da explicação do Relator que o verbete 456 pressupõe o julgamento da lide,
consideradas as peculiaridades surgidas nas instâncias anteriores, o que não aconteceu
na hipótese. O Relator entendeu que a solução mais adequada para o caso seria a baixa
dos autos para julgamento da lide, assentados os contornos quanto à
inconstitucionalidade. No mérito do recurso extraordinário, foi dado parcial provimento
devolvendo o caso ao Tribunal a quo para que o decida, em conformidade com o
395 “I. Recurso extraordinário: devolução. Prejudicial de inconstitucionalidade suscitada pelo autor e repelida pelo acórdão recorrido, que, no entanto, por fundamento diverso, acolheu a demanda; RE da parte adversa, impugnando fundamento acolhido pelo Tribunal a quo; controvérsia possível, à luz da Súmula 456, sobre ficar ou não preclusa a questão prejudicial, à falta de recurso adesivo do autor: irrelevância no caso, em que o ponto foi decidido conforme a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal. II. Medida provisória: força de lei: idoneidade para instituir tributo, inclusive contribuição social (PIS). III. Contribuição social: instituição ou aumento por medida provisória: prazo de anterioridade (CF., art. 195, § 6º). O termo a quo do prazo de anterioridade da contribuição social criada ou aumentada por medida provisória é a data de sua primitiva edição, e não daquela que - após sucessivas reedições - tenha sido convertida em lei.” (RE 247243, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 16/11/1999, v.u., DJ 14-04-2000 PP-00055 EMENT VOL-01987-06 PP-01230).
223
julgamento de prejudicial de inconstitucionalidade e os fatos relevantes do caso
concreto.396
Seguem julgados do Superior Tribunal de Justiça:
Ao julgar os EDcl no REsp 720919/SP, Relator Herman
Benjamin, a Segunda Turma do STJ, em 16/04/2009, por votação unânime, verificou
que o dispositivo legal (art. 111 do Código Tributário Nacional), que seria
imprescindível para o pleito recursal, não foi analisado, “nem sequer implicitamente,
pela Corte local”. Não foram opostos embargos de declaração pelo recorrente para que a
instância de origem suprisse eventual omissão. A Turma considerou inviável o
conhecimento do recurso, por ausência de prequestionamento (Súmula 282 do STF).
Ainda, decidiu que a possibilidade de aplicação do direito à espécie, nos termos da
Súmula 456 do STF, requerida pelo recorrente, aplica-se apenas às questões de ordem
pública, o que não seria o caso dos autos. Cita-se, no voto do Relator, o julgado: EDcl
no AgRg no Ag 942493⁄MG, Relatora Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em
09⁄09⁄2008, DJe 07⁄10⁄2008.397
396 “(...) RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CONHECIMENTO - JULGAMENTO DA CAUSA. A observância da jurisprudência sedimentada no sentido de que o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa aplicando o direito à espécie (verbete nº 456 da Súmula), pressupõe decisão formalizada, a respeito, na instância de origem. Declarada a inconstitucionalidade linear de um certo artigo, uma vez restringida a pecha a uma das normas nele insertas ou a um enfoque determinado, impõe-se a baixa dos autos para que, na origem, seja julgada a lide com apreciação das peculiaridades. Inteligência da ordem constitucional, no que homenageante do devido processo legal, avesso, a mais não poder, as soluções que, embora práticas, resultem no desprezo à organicidade do Direito.” (RE 172058, Relator: Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 30/06/1995, v.u., DJ 13-10-1995 PP-34282 EMENT VOL-01804-08 PP-01530 RTJ VOL-00161-03 PP-01043).397 “PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. FUNGIBILIDADE. BENEFÍCIO FISCAL. ART. 59 DO CC/1916. INEXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA. ART. 111 DO CTN. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE (SÚMULA 456/STF). IMPOSSIBILIDADE. 1. Os Embargos de Declaração não são instrumento para rediscussão do mérito da decisão impugnada. 2. Aclaratórios recebidos como Agravo Regimental. Aplicação do Princípio da Fungibilidade Recursal. 3. Hipótese em que não há divergência interpretativa quanto ao dispositivo legal suscitado no Recurso Especial (art. 59 do CC/1916). O pleito recursal refere-se à impossibilidade de interpretação extensiva de benefício fiscal (art. 111/CTN). 4. O Tribunal de origem não se manifestou, sequer implicitamente, quanto ao art. 111 do CTN. Não foram opostos Embargos de Declaração na origem. Inexiste prequestionamento (Súmula 282/STF).
224
A Primeira Turma do STJ, no julgamento do REsp 864362/RJ,
Relator Luiz Fux, em 26/08/2008, por unanimidade, decidiu dar provimento ao recurso
especial, com o fim de declarar, de ofício, a incompetência absoluta da Justiça Estadual
e julgar prejudicadas as demais questões suscitadas. Determinou a anulação de todos os
atos decisórios proferidos pelo Juízo absolutamente incompetente, a remessa dos autos à
Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro (art. 113, § 2º, do CPC)
e aos autores que promovam a citação da Caixa Econômica Federal para que ingresse
nos autos na qualidade de litisconsorte passiva necessária. Consta do voto do Relator
que, apesar da questão que gravita em torno da legitimidade ad causam da Caixa
Econômica Federal - CEF para compor o pólo passivo, juntamente com o agente
financeiro, em ação que versa sobre o Sistema Financeiro da Habitação – SFH, não
tenha sido suscitada pelas partes, “esse fato não inviabiliza a análise da incompetência
absoluta por este STJ, na medida em que o presente apelo nobre restou conhecido
quanto à suposta ofensa ao art. 467 do CPC, sendo bastante para o exame dos temas que
respeitam às condições da ação e pressupostos processuais, no afã de aplicar o direito à
espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e Súmula n.º 456 do STF.” De acordo com o
julgamento, esse é o posicionamento do STJ que se extrai dos seguintes julgados: REsp
698061 - MG, Relatora Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 27 de junho de 2005;
REsp 869534 - SP, Relator Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ de 10 de
dezembro de 2007; REsp 36663 - RS, Relator Antônio de Pádua Ribeiro, Segunda
Turma, DJ de 08 de novembro de 1993.398
5. A aplicação do direito à espécie, nos termos da Súmula 456/STF, somente é possível com relação a matérias de ordem pública, o que não se verifica in casu. 6. Agravo Regimental não provido.” (EDcl no REsp 720.919/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/04/2009, v.u., DJe 06/05/2009). 398 “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMISSÃO DO APELO NOBRE. CONHECIMENTO DAS QUESTÕES QUE GRAVITAM EM TORNO DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS EX OFICIO. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE. ART. 257 DO RISTJ E SÚMULA 456 DO STF. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH.
225
A Terceira Turma do STJ, no REsp 974994/SP, Relatora Nancy
Andrighi, julgado em 05/06/2008, por maioria, conheceu do recurso especial e lhe deu
provimento. Em conformidade com o voto da Relatora, o Tribunal de origem
reconheceu a verossimilhança das alegações deduzidas pela recorrente, sem aplicar a
regra de inversão do ônus probatório prevista na legislação consumerista. Deu-se
provimento ao recurso com relação ao reconhecimento da inversão do ônus da prova.
“Reconhecida a inversão do ônus da prova, que conforme a
jurisprudência desta Terceira Turma constitui regra de julgamento (REsp 422.778⁄SP,
publicado no DJ de 27.08.2007), cabe ao STJ aplicar o direito à espécie, na medida em
que, inexistindo propriamente erro de procedimento, mas sim alteração quanto à análise
do mérito da lide, mostra-se possível a reforma do acórdão e não a mera cassação deste
para que outro seja proferido.” Dessa forma, a Terceira Turma do STJ procedeu
CONTRATO QUE OSTENTA CLÁUSULA DE COBERTURA DO SALDO DEVEDOR PELO FUNDO DE COMPENSAÇÃO DE VARIAÇÕES SALARIAIS - FCVS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF. GESTORA DO FUNDO. INTERESSE JURÍDICO PERTINENTE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Os temas que gravitam em torno das condições da ação e dos pressupostos processuais podem ser conhecidos ex officio no âmbito deste egrégio STJ, desde que o apelo nobre supere o óbice da admissibilidade recursal, no afã de aplicar o direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ e Súmula n.º 456 do STF (Precedentes: REsp 698.061 - MG, Relatora Ministra ELIANA CALMON), Segunda Turma, DJ de 27 de junho de 2005; REsp 869.534 - SP, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Primeira Turma, DJ de 10 de dezembro de 2007; REsp 36.663 - RS, Relator Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Segunda Turma, DJ de 08 de novembro de 1993). 2. A Caixa Econômica Federal - CEF, com a edição da Portaria nº 243, de 28 de julho de 2000, pelo Ministério da Fazenda, passou a ser a gestora do Fundo de Compensação de Variações Salariais - FCVS. 3. À Caixa Econômica Federal é atribuída a administração dos recursos provenientes do FCVS e o controle do recebimento dos prêmios e o pagamento das indenizações (art. 5º, I e III, da Portaria nº 243, de 28 de julho de 2000), razão pela qual o seu ingresso na lide na condição de litisconsorte passiva necessária mostra-se inarredável (Precedentes: REsp 738.5156 - PR, Relatora Ministra ELIANA CALMON, Segunda Turma, DJ de 24 de outubro de 2005; REsp 310.306 - PE, Relator Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, DJ de 12 de setembro de 2005; REsp 848.086 - SP, Relator MINISTRO FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, DJ de 23 de outubro de 2006). 4. A título de argumento obter dictum, a CEF é parte legítima nas ações em que se discute os contratos regidos pelas regras do Sistema Financeiro da Habitação, atraindo a competência da Justiça Federal na esteira da jurisprudência deste sodalício (Precedentes: REsp 868.636 - DF, decisão monocrática do Relator, Ministro LUIZ FUX, DJ de 25 de outubro de 2006; REsp 85.886 - DF, Relator Ministro PEÇANHA MARTINS, Segunda Turma, DJ de 22 de junho de 1998; REsp 180.916 - SP, Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Segunda Turma, DJ de 25 de abril de 2005). 5. Recurso especial provido, com o fim de declarar, ex officio, a incompetência absoluta da Justiça Estadual, anular o decisum proferido pelo Juízo absolutamente incompetente e determinar aos autores que promovam a citação a Caixa Econômica Federal - CEF. Prejudicas as demais questões suscitadas.” (REsp 864.362/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 26/08/2008, v.u., DJe 15/09/2008).
226
diretamente ao julgamento da matéria controvertida, nos termos do art. 257 do RISTJ e
da Súmula 456 do STF, reconhecendo-se a procedência do pedido de indenização pelos
danos materiais formulado pela recorrente.399
A Corte Especial do STJ, ao julgar os embargos de divergência
EREsp 58.265/SP, Relator Edson Vidigal, Relator para Acórdão Barros Monteiro, em
05/12/2007, por maioria, decidiu conhecer dos embargos de divergência e lhes dar
provimento. Entenderam que, caso o Tribunal local acolher somente uma das causas de
pedir da inicial, declarando procedente o pedido formulado pelo autor, não é lícito ao
STJ, no julgamento de recurso especial do réu, simplesmente declarar ofensa à Lei e
afastar o fundamento em que se baseou o acórdão recorrido para julgar improcedente o
pedido. Nessa hipótese, o STJ deve aplicar o direito à espécie, apreciando as outras
causas de pedir lançadas na inicial, mesmo que sobre elas não tenha se manifestado a
instância inferior.
Consta do acórdão, voto-vista do julgador Cesar Asfor Rocha,
que a Corte de origem não estava obrigada a se manifestar sobre os demais fundamentos
da inicial, já tendo encontrado fundamento para a procedência do pedido, sendo os
embargos de declaração incabíveis na situação, não havendo qualquer interesse ao
vencedor para a sua oposição. “Afastado aquele fundamento encampado pelo acórdão
399 “Processo civil e consumidor. Recurso especial. Ação de indenização por danos materiais e morais. Violação de cofre durante furto ocorrido em agência bancária. Inversão do ônus da prova. Possibilidade. Aplicação do direito à espécie. Procedência do pedido de indenização pelos danos materiais apontados na inicial. - Pedido de indenização formulado por consumidor-locatário de cofre alugado em instituição financeira, que perdeu seus bens nele depositados por ocasião de furto ocorrido no interior de instituição bancária. - Foi reconhecida nas instâncias ordinárias que a consumidora habitualmente guardava bens valiosos (jóias) no cofre alugado pela locadora-instituição bancária, portanto, verossímeis as afirmações. - Hipótese de aplicação do art. 6º, VIII, do CDC, invertendo-se o ônus da prova em favor do consumidor, no que concerne ao valor dos bens depositados no cofre locado. - Reconhecido o dever de inversão do ônus probatório em favor da consumidora hipossuficiente e com alegações verossímeis que exsurgem do contexto das provas que produziu, aplica-se o disposto no art. 257 do RISTJ e a Súmula 456 do STF, ressaltando-se que a instituição financeira-recorrida nunca impugnou o valor pleiteado a título de danos materiais. Recurso especial provido.” (REsp 974.994/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 05/06/2008, por maioria, DJe 03/11/2008).
227
regional, a análise dos demais fundamentos, reiterados nas contra-razões, torna-se
indispensável para o julgamento da causa. E isso deve ser feito, de logo, no próprio
recurso especial, a teor do contido no artigo 257 do nosso Regimento Interno, que
dispõe que a Turma, no julgamento do especial, decidindo pelo conhecimento do
recurso, deve julgar a causa aplicando o direito à espécie. Essa mesma orientação foi
sumulada pelo c. STF, no verbete n. 456”.400
Nos embargos de divergência em REsp 20645/SC, a Segunda
Seção do STJ, por maioria, julgados em 22/03/2000, conheceu dos embargos e, por
unanimidade, acolheu-os. Consta do voto do Relator o acolhimento dos embargos de
divergência para que o julgamento do recurso especial prossiga com o exame de todas
as questões suscitadas nas instâncias ordinárias. Conforme o acórdão, uma vez
conhecido o recurso especial e derrubada a primeira linha de defesa, a Corte deve
decidir a causa por inteiro, não podendo escapar do exame da outra linha de defesa
existente nas instâncias ordinárias.401
400 “EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. TÉCNICA DE JULGAMENTO. 1. Se o Tribunal local acolheu apenas uma das causas de pedir declinadas na inicial, declarando procedente o pedido formulado pelo autor, não é lícito ao Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso especial do réu, simplesmente declarar ofensa à Lei e afastar o fundamento em que se baseou o acórdão recorrido para julgar improcedente o pedido. 2. Nessa situação, deve o Superior Tribunal de Justiça aplicar o direito à espécie, apreciando as outras causas de pedir lançadas na inicial, inda que sobre elas não tenha se manifestado a instância precedente, podendo negar provimento ao recurso especial e manter a procedência do pedido inicial.” (EREsp 58.265/SP, Rel. Ministro Edson Vidigal, Rel. p/ Acórdão Ministro Barros Monteiro, Corte Especial, julgado em 05/12/2007, por maioria, DJe 07/08/2008).401 Consta do acórdão, no voto-vista do julgador Carlos Alberto Menezes Direito: “Pelo sistema brasileiro, o recurso especial, quando conhecido, devolve ao Tribunal a competência para julgar a causa, aplicando o direito à espécie. A vedação existiria se, efetivamente, a parte tivesse trazido a questão apenas no especial, não tendo sido a mesma ventilada em nenhuma oportunidade nas instâncias ordinárias. Não me impressiona o fato de não constar das contra-razões do recurso especial o fundamento que não foi desafiado pelo Acórdão recorrido. E não me impressiona porque a parte, nessas circunstâncias, deve enfrentar as razões postas no recurso, não sendo a resposta um contra-recurso, a conter todas as matérias que o recorrido apresentou para postular o seu direito, finalmente reconhecido pelo ato judicial recorrível.” Segue a ementa do julgado ora destacado: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TÉCNICA DE JULGAMENTO. Conhecido o recurso especial, o Tribunal deve aplicar o direito à espécie (RISTJ, art. 257), tenham ou não as respectivas contra-razões se reportado à questão influente no desate da lide, oportunamente ativada nas instâncias ordinárias. Embargos de divergência acolhidos.”
228
5.2.1. SÚMULA 456 DO STF, REGRAS CONSTITUCIONAIS E PRINCÍPIOS
Segundo Humberto Ávila:
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.402
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça
não são Cortes de Cassação. A competência desses Tribunais vem delimitada na
Constituição Federal. Trata-se de regra que deve ser seguida. Os precedentes da Súmula
456 do STF não tratam de matérias de ordem pública. Não obstante, a referida Súmula é
aplicada, em alguns julgados, como se assim as mencionasse. Desta forma, ao estudar a
origem desse enunciado jurisprudencial, que não se refere a matéria de ordem pública,
constata-se que não é autorizada a interpretação que a aplicação da Súmula 456 do STF
permita o julgamento de matéria não prequestionada, não sendo o STF e o STJ Cortes
de Cassação. Há o rejulgamento da causa, ponderando-se a interpretação da Súmula 456
do STF com os limites dos recursos extraordinários lato sensu.
(EREsp 20645/SC, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Seção, julgado em 22/03/2000, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Nilson Naves e Barros Monteiro, conhecer dos embargos e, por unanimidade, acolhê-los, DJ 01/08/2000 p. 187). 402 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 7. ed. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros. 2007, p. 78, 79, 180 e 181.
229
Além disso, nem se alegue violação ao princípio da economia
processual ou da menor duração razoável do processo pela interpretação da Súmula 456
do STF conforme a Constituição Federal (arts. 102, III, e 105, III). Não há conflito a
justificar a otimização da estrutura. Caso contrário, regras constitucionais estariam
sendo desatendidas.403
Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno adverte que, mesmo
em nome de determinados princípios constitucionais, principalmente os da “economia e
eficiência processuais”, não se modifica a conclusão de que questões de ordem pública,
em sede de recurso extraordinário e de recurso especial, serão reexaminadas se houver
causa decidida. Menciona a jurisprudência do STJ que entende ser legítimo, superado o
juízo de admissibilidade do recurso, apreciar questões de ordem pública, não obstante a
inexistência de prévia manifestação dos órgãos judiciários inferiores sobre tanto. O
autor afirma que, com o devido respeito, a função imposta, taxativamente, desde a
Constituição Federal, a ser desempenhada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo
Superior Tribunal de Justiça não aceita qualquer mitigação.
Para Cassio Scarpinella Bueno, não se trata de conflito entre
princípios jurídicos, porém da interpretação de uma específica regra constitucional que
reconheceu aos Tribunais Superiores determinadas competências para serem
desempenhadas em prol da uniformização do direito constitucional e infraconstitucional
federal em todo território nacional. “Mesmo a lembrança da Súmula 456 do STF não dá
embasamento àquele entendimento, renovadas as vênias de estilo”. O professor ressalta
que o exame dos precedentes indicados como fontes da Súmula 456 pelo próprio
Supremo Tribunal Federal não autoriza o entendimento de que o “julgamento da causa”,
403 Conforme Humberto Ávila, “as regras consistem em normas preliminarmente decisivas e abarcantes, na medida em que, a despeito da pretensão de abranger todos os aspectos relevantes para a tomada de decisão, têm a aspiração de gerar uma solução específica, de relações entre elementos com base em critérios” (Op. Cit., p. 181).
230
como sumulado, significaria que o Tribunal Superior estaria apto, apenas por conhecer
do recurso, a julgá-lo como se tratasse de uma apelação. Pelo contrário, conforme os
precedentes, é possível ao STF (e, por identidade de motivos, ao STJ), “superado o juízo
de admissibilidade do recurso extraordinário, examinar as provas, ‘desde que
indispensável para julgar a questão federal envolvida’ (AI 23.496/MG)”.404
Analisa-se, brevemente, o estudo sobre normas, regras e
princípios, como já se teve oportunidade em trabalho prévio.405
Norma é gênero, sendo suas espécies os princípios e as regras.
Trata-se a norma de conceito amplo que abarca um enunciado (afirmação ou negação) e
uma hipótese de conduta, caracterizando-se por ser um conceito muito mais amplo que a
lei.406 A norma é todo preceito com o fim de regular o comportamento social humano.
Regra não é mandado de otimização.
Claus Wilhelm Canaris elabora considerações pormenorizadas
sobre a maneira e a forma pelas quais os princípios atuam na formação do sistema,
salientando quatro características: os princípios não valem sem exceção e podem entrar
entre si em oposição ou em contradição; não têm a pretensão da exclusividade; ostentam
404 Cassio Scarpinella Bueno afirma que “este revolvimento de prova não significa nada mais do que tarefa diuturna feita em quaisquer Tribunais, inclusive nos Superiores, no sentido de ver qual é o fato ou os fatos subjacentes à aplicação do direito positivo. Não de reinterpretá-los, comportamento que lhes é interditado – e corretamente – pelas já mencionadas Súmulas 279 do STF e 7 do STJ (...). Não há, em todos aqueles precedentes, nenhuma menção, vale a ênfase, a qualquer outro comportamento que seria legítimo ao Supremo Tribunal Federal (e ao Superior Tribunal de Justiça) com vistas ao ‘julgamento da causa’, só porque superado o crivo da admissibilidade recursal. Mesmo que fosse correta a ilação a partir daqueles precedentes, contudo, passados mais de quarenta e quatro anos da publicação da Súmula 456 e, desde então, quatro Constituições Federais e dois Códigos de Processo Civil – para fazer menção, apenas, aos diplomas normativos mais vistosos –, além de uma total revolução na forma de pensar o direito como um todo e, em específico, do próprio comportamento do Supremo Tribunal Federal (e do mais recente Superior Tribunal de Justiça), não seria despropositado, pelas razões já apresentadas, duvidar, objetivamente, de que hoje em dia um tal entendimento fosse ‘sumulado’ ” (Curso sistematizado de direito processual civil: recursos, processos e incidentes nos tribunais, sucedâneos recursais: técnicas de controle das decisões jurisdicionais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva. 2010. v. 5, p. 331 e 332). 405 MANGONE, Kátia Aparecida. Cláusulas gerais, conceitos vagos e indeterminados e os princípios regentes do processo civil: ampliação dos poderes do juiz? Impactos no sistema recursal, in SCARPINELLA BUENO, Cassio (Coord.). Impactos processuais do Direito Civil. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 7 e 8. 406 LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas. 2005. v. 1, p. 3 e 4.
231
o seu sentido próprio somente em uma combinação de complementação e restrição
recíprocas; e necessitam, para a sua realização, de uma concretização por meio de sub-
princípios e valores singulares, com conteúdo material próprio. A combinação mútua
dos princípios conduz, todavia, a certas dificuldades na formação do sistema. Surgem,
designadamente, aspectos diferenciados conforme se descrevam em diversos lugares em
que um princípio de Direito tem significado jurídico, ou se elaborem como ele atua em
um determinado local. Somente os dois aspectos levam, de alguma maneira, à
representação plena do sistema, sem que se possam sempre refletir ou até formular
simultaneamente. Eles atuam, pois, complementarmente, um perante o outro, utilizando-
se de um termo que é também empregado no domínio das Ciências naturais.407
Miguel Reale leciona que princípios gerais de direito são
enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão
da ordem jurídica, tanto para a sua aplicação e integração, quanto para a elaboração de
novas normas. Cobrem o campo da pesquisa pura do Direito e o de sua atualização
prática.408
Celso Antônio Bandeira de Mello define princípio como
“mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental
que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério
para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido
harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes
partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo”.409
407 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito. Trad. A. Menezes Cordeiro. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2002, p. 88, 95 e 96. 408 REALE, Miguel. Op. Cit., p. 306 e 307. 409 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros. 2005, p. 882 e 883.
232
Em conformidade com Nelson Nery Junior, princípios de
direito são regras de conduta que norteiam o magistrado na interpretação da norma, do
ato ou negócio jurídico. Não se encontram positivados no sistema normativo. São
normas estáticas que carecem de concreção, tendo como função principal auxiliar o
magistrado no preenchimento das lacunas (artigo 4º da Lei de Introdução ao Código
Civil e artigo 126 do Código de Processo Civil).410
João Batista Lopes ressalta que o critério de distinguir princípio
de regra, aquele se caracterizando pela generalidade e abstração e esta pela
determinação e concretude, foi considerado débil por Alexy, procurando demonstrar a
diferença qualitativa entre princípio e regra. Os princípios comportam graus de
aplicação, são mandados de otimização, enquanto que as regras ou valem ou não valem,
não se sujeitando a gradação. João Batista Lopes afirma que o conflito entre princípios
resolve-se avaliando os interesses em jogo, dando-se prevalência aos mais relevantes
(v.g.: a vida diante da propriedade). Já o conflito entre regras resolve-se com a aplicação
de uma e a exclusão de outra.411
De acordo com Cassio Scarpinella Bueno, os “princípios
jurídicos” são interpretados e aplicados de maneira muito diferente do que as “regras
jurídicas”. Por definição, as “regras” têm em mira uma limitação clara e inequívoca de
casos que reclamam sua incidência e isso não ocorre com os princípios. As regras
colidem umas com as outras e revogam umas às outras. Já os princípios convivem uns
com os outros ainda quando se encontrem em estado de total colidência. Eles não se
revogam, não se sucedem uns aos outros, porém, bem diversamente, preponderam,
ainda que temporariamente, uns sobre os outros. Os princípios tendem a conviverem uns
410 NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil, in MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva, MENDES, Gilmar Ferreira e FRANCIULLI NETTO, Domingos. O novo Código Civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale. São Paulo: LTr. 2003, p. 406. 411 LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas. 2005. v. 1, p. 4.
233
com os outros, diferentemente do que ocorre com regras colidentes, mesmo que
momentaneamente, entretanto, sem eliminação (revogação) recíproca. Leciona o
professor, “Eles, os princípios, tendem a se acomodar em um mesmo caso concreto que
reclama sua incidência, conforme sejam as necessidades presentes ou ausentes que
justificam a sua incidência”.412
Segundo Luiz Flávio Gomes, as regras disciplinam uma
específica situação. Quando duas regras colidem, fala-se em “conflito”, somente uma
será aplicável ao caso em concreto (uma afasta a aplicação da outra). O conflito entre
regras deve ser resolvido pelos meios clássicos de interpretação, como a lei posterior
afasta a anterior, a lei especial derroga a geral etc. Princípios são as diretrizes gerais de
um ordenamento jurídico (ou de parte dele), conforme o autor. O espectro de incidência
dos princípios é bem maior que o das regras. Entre os mesmos pode existir “colisão” e
não conflito; quando colidem, não se excluem. As funções dos princípios são:
fundamentadora, interpretativa e supletiva ou integradora. Outras normas encontram o
seu fundamento de validade nos princípios, em razão da função fundamentadora dos
princípios. Além de orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico, os
princípios também cumprem o papel de suprir eventual lacuna do sistema (função
supletiva ou integradora).413
Carlos Fernando Mathias de Souza aduz que os princípios têm
importância especial no suprimento das chamadas lacunas (se existirem) de direito.414
Celso Luiz Moresco afirma que a afronta a princípio é sempre mais grave que a
412 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. São Paulo: Saraiva. 2007. v. 1, p. 97. 413 GOMES, Luiz Flávio. Normas, regras e princípios: conceitos e distinções. In Consulex. Brasília. n. 07, ano XX, 20 Fev. 2006, p. 20. 414 Em razão de o simples fato do caráter abstrato da norma, a existência de lacunas (em face de decisões concretas) é algo implícito. Entretanto, caso se trate de ausência irresgatável da norma, já não se pode falar em lacuna porque não há como supri-la ou a remediar (SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Princípios gerais de direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado Federal – Subsecretaria de Edições Técnicas, n. 152, ano 38, Out.-Dez. 2001, p. 103).
234
insurgência contra regra, haja vista que aquela significa insurgência contra todo o
ordenamento jurídico, atentando contra todos os valores estruturantes da sociedade e da
vida jurídica de um povo, sendo a mais brutal forma de violação do Estado de Direito
que pode ser perpetrada.415
O juiz não pode recusar-se a decidir na ausência de lei. Os
princípios norteiam a interpretação e atuam como regra de conduta. Citam-se alguns
dispositivos que merecem destaque: art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e arts.
126, 335 e 1109 do CPC.416
Neste estudo, há que se destacar a visão atual do Direito
Processual. A constitucionalização do Processo Civil é um novo modo de estudar o
Direito Processual Civil tendo como ponto de partida a Constituição Federal e não o
Código de Processo Civil. A competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior
Tribunal de Justiça está delineada na Constituição Federal. Desta forma, a interpretação
da Súmula 456 do STF deve ocorrer com base na Constituição Federal, que prevê a
exigência da causa estar decidida no julgamento dos recursos extraordinários lato sensu.
Não há conflito de princípios a justificar a otimização da estrutura, devendo as regras,
que são constitucionais, serem obedecidas, sob pena de desatendimento dos
mandamentos constitucionais.
415 MORESCO, Celso Luiz. Conceitos jurídicos indeterminados. Revista Trimestral de Direito Público.São Paulo: Malheiros, n. 14. 1996, p. 92 e 93. 416 Art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Art. 126 do CPC “O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito”. Art. 335 do CPC “Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial”. Art. 1109 do CPC “O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna”.
235
CONCLUSÃO
O estudo foi elaborado concebendo-se o Direito como sistema
e de acordo com o modelo constitucional do processo, enfocando o Código de Processo
Civil diante da Constituição Federal.
Destaca-se o histórico dos recursos extraordinário e especial,
focado no âmbito do processo civil, bem como a evolução legislativa decorrente das
mudanças sociais e dos avanços que desaguaram na incrível e surpreendente quantidade
de recursos nos Tribunais Superiores. Houve a mudança de competência do Supremo
Tribunal Federal que, antigamente, era a Corte competente para apreciar questões
ligadas às matérias constitucionais e infraconstitucionais.
O prequestionamento, visto como a presença de causa decidida
na decisão recorrida, é tão necessário quanto os demais requisitos genéricos dos
recursos, tais como tempestividade, preparo, interesse recursal etc. Foram abordados os
requisitos genéricos e específicos dos recursos extraordinário e especial na formulação
de uma teoria geral dos recursos extraordinários lato sensu.
Questão de ordem pública é toda aquela que, embora não
especificada em rol taxativo pelo legislador, apresenta características de interesse
público, visando a proteção do sistema e da coletividade, e não especificamente aos
interesses individuais das partes. Deve ser analisada de ofício pelo juiz em qualquer
tempo e grau ordinário de jurisdição.
236
A partir das colocações feitas, constata-se que não existe
posição pacífica sobre o tema tratado, sequer na doutrina, sequer na jurisprudência,
acerca do prequestionamento e das questões de ordem pública, ressaltando-se a
importância do estudo pela ausência de uniformidade. Ainda, o conceito de
prequestionamento não é o mesmo para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior
Tribunal de Justiça, em especial observando-se o enunciado das Súmulas 282 e 356 do
STF e 98 e 211 do STJ.
Considera-se de extrema importância a utilização dos embargos
declaratórios para que haja a fundamentação completa das decisões. Em persistindo a
omissão, há a possibilidade de interposição de recurso especial, alegando-se violação ao
art. 535, II, do CPC.
Defende-se a impossibilidade de conhecimento de ofício ou por
provocação de matéria de ordem pública não decidida pela decisão recorrida especial e
extraordinariamente, em razão da necessidade do prequestionamento em sede de
recursos especial e extraordinário, exigência constitucional sobre qualquer matéria.
Ressalta-se que existem respeitadíssimas posições contrárias a essa tese. Excepciona-se
tal entendimento, no presente estudo, quando se tratar de nulidade absoluta decorrente
do próprio julgamento recorrido, sob pena de ofensa ao duplo grau de jurisdição.
Observa-se a determinação da Constituição Federal (arts. 102,
III, e 105, III) ao dispor que cabe ao STF e ao STJ julgar, mediante recurso
extraordinário e recurso especial, respectivamente, as “causa decididas”.
Há a necessidade do prequestionamento, da matéria haver sido
decidida pela instância a quo, para que seja possível o conhecimento de questão de
ordem pública em sede de recursos especial e extraordinário, foco da dissertação, já que
237
o STJ e o STF têm competências mais amplas. Não há exceção na Constituição Federal
para que ocorra a inexigibilidade de referido requisito em tais recursos.
Existe entendimento mais recente que vem relativizando a
rigidez da observância do prequestionamento de matéria de ordem pública.
Entretanto, data venia, defende-se neste trabalho a
impossibilidade de referidas questões serem conhecidas, ainda que de ordem pública, de
ofício ou por provocação, em sede de recursos especial e extraordinário, sem que haja
decisão expressa (causa decidida) na instância a quo, mesmo que o recurso venha a ser
conhecido por outro fundamento.
Não se pode permitir que se desvie a competência determinada
pela Carta Magna aos Tribunais Superiores. Devem ser observados os pressupostos
desses recursos, em especial o prequestinamento, trazido pela Constituição Federal ao
determinar que as causas estejam decididas, o objetivo a que visam, a função que o
Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça desempenham no sistema e a
necessidade de uniformização jurisprudencial. Os ditames traçados na regras dispostas
nos artigos 267, § 3º, e 301, § 4º, do Código de Processo Civil, legislação
infraconstitucional, não podem prevalecer diante de disposição constitucional, mas
somente no tocante a recursos ordinários.
Tendo em vista a natureza, o objetivo e a função do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, constata-se que são órgãos de
sobreposição e possuem a função de uniformizar, sendo Cortes de revisão.
O julgamento dos recursos extraordinário e especial pelos
Tribunais Superiores deve ter os limites fixados pelo recorrente para proporcionar ao
jurisdicionado a justiça que tanto busca. Para tanto, devem ser observadas as regras
determinadas pelas normas constitucionais e infraconstitucionais, aplicando-se as
238
limitações de tais recursos, inclusive, no momento do rejulgamento da causa, nos
ditames da Súmula 456 do Supremo Tribunal Federal, cujos precedentes foram
analisados nesta pesquisa.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o recurso extraordinário,
e o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso especial, resolvem a questão,
aplicando o direito ao fato. Ocorrerá a detecção do fato na medida em que estiver
descrito na decisão recorrida e não o seu reexame no recurso extraordinário e no recurso
especial. Haverá o rejulgamento da causa se os recursos forem conhecidos; a matéria
decidida pelo julgado recorrido, ou seja, prequestionada, será revista e não vista pela
primeira vez no bojo de tais recursos.
239
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