lesÕes iatrogÊnicas das vias biliares: revisÃo de literatura
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HOSPITAL GERAL DE FORTALEZA
PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM CIRURGIA GERAL
ANDRÉ NUNES BENEVIDES
LESÕES IATROGÊNICAS DAS VIAS BILIARES: REVISÃO DE L ITERATURA
FORTALEZA
2016
2
ANDRÉ NUNES BENEVIDES
LESÕES IATROGÊNICAS DAS VIAS BILIARES: REVISÃO DE
LITERATURA
Monografia apresentada como pré-requisito para a obtenção do Título de Especialista em Cirurgia Geral no Hospital Geral de Fortaleza
Orientador: JOSÉ EUDES BASTOS PINHO
FORTALEZA
2016
3
RESUMO
A lesão iatrogência das vias biliares é condição desgastante para o
paciente e com morbidade elevada. Muitos pacientes apresentarão complicações
infecciosas múltiplas, necessidades de vários procedimentos, entre endoscópicos,
percutâneos e cirúrgicos, com grandes índices de internações hospitalares e com
risco de perda progressiva de função hepática e, ultimamente, necessidade de
transplante. A prevenção é etapa indispensável, principalmente, durante a realização
de colecistectomias laparoscópicas, principal cirurgia associada a lesão da via biliar.
O tratamento desta condição é diverso e controverso, com pouco consenso no que
seria a melhor opção terapêutica para o grupo de pacientes. A realização do reparo
em centro terciário especializado, permanece como fator crucial para o sucesso da
terapia.
Palavras-chave: Colecistectomia laparoscópica, doença iatrogênica, ductos
biliares
4
ABSTRACT
The iatrogenic injury to the biliary system is a severe condition with
elevated morbidity for the patient. Many patients will present with infectious
complications, need for multiple procedures, endoscopic, percutaneous and surgical,
with many hospital admissions e inherent risk of progressive liver function loss and,
ultimately, need for hepatic transplant. Prevention remains essential, specially during
laparoscopic cholecystectomies, main procedure associated with iatrogenic injury of
the biliary system. Treatment is, still to date, diverse and controversial, with little
consensus as to what would be the ideal therapeutic option to a group of patients.
Surgical repair in a tertiary center with hepatobiliary surgeons, remains a crucial
factor for the success.
Keywords: Laparoscopic cholecystectomy, bile ducts, iatrogenic disease
5
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Classificações de Bismuth e Strasberg para lesões de via
biliar.................................................................................................................. página 12
Tabela 2. Classificação de Stewart-Way para lesões de via biliar................. página 13
Tabela 3. Classificação de Hannover para lesões de via biliar................... página 14
Tabela 4. Tratamento intra-operatório de lesões de via biliar ocorridas durante
colecistectomia laparoscópica......................................................................... página 22
6
LISTA DE ABREVIAÇÕES
LIVB LESÃO IATROGÊNICA DAS VIAS BILIARES
CL COLECISTECTOMIA LAPAROSCÓPICA
EVB EXPLORAÇÃO DE VIAS BILIARES
HJY HEPATICOJEJUNOSTOMIA EM Y-DE-ROUX
7
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO............................................................................... 08
2. OBJETIVOS................................................................................... 16
3. METODOLOGIA............................................................................ 17
4. REVISÃO DE LITERATURA......................................................... 18
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................... 24
6. REFERÊNCIAS............................................................................. 25
8
1. INTRODUÇÃO
A lesão iatrogênica do trato biliar é uma condição, extremamente,
desgastante para todos os envolvidos. Muitas vezes, os pacientes acometidos
necessitam submeter-se a uma grande variedade de procedimentos cirúrgicos e
endoscópicos, apresentam complicações infecciosas múltiplas, necessitam de
inúmeras internações hospitalares e tem sua qualidade de vida afetada,
significativamente. A morbidade está relacionada com sepse, colangite, estenoses
das vias biliares, desnutrição pela perda externa de secreção biliar, cirrose biliar e,
em alguns casos, transplante hepático.(CLARK; TRAVERSO, 2013; MCPARTLAND
et al, 2008)
Cirurgias no abdome superior são as de maior risco para o acometimento
da via biliar. Procedimentos que envolvam o estômago, pâncreas, fígado, cirurgias
para hipertensão portal, para cistos de colédoco e para colangite esclerosante são
exemplos associados com lesões das vias biliares. A colecistectomia laparoscópica,
no entanto, permanece como o principal procedimento associada a esse tipo de
injúria.(CHAUDHARY, 2015) Com a introdução da técnica laparoscópica, houve um
aumento na incidência de LIVB. Relatos de 0,2 a 0,3% dos procedimentos
realizados pela técnica aberta, apresentavam tal complicação.(CHAUDHARY, 2015;
STRASBERG et al, 1995) Inicialmente, com a disseminação da técnica
laparoscópica e com o início da curva de aprendizado em diversos centros, a
incidência de lesões atingiu níveis de 0,4 a 1,3%. Estudos recentes evidenciam que
em centros de grande volume de colecistectomias laparoscópicas, a presença de
lesões iatrogênicas se aproxima daquela obtida com a técnica aberta, com valores
entre 0,3 e 0,6%.(LINHARES et al, 2010; RYSTEDT et al, 2016) Um estudo, com o
relato de 5.546 colecistectomias laparoscópicas realizadas ao longo de 20 anos,
apenas 5 pacientes (0,09%) foram identificados com lesão da via biliar.(PERRAKIS
et al, 2015; BANSAL et al, 2015) Outro estudo envolvendo 76 hospitais e um volume
de 55.134 cirurgias realizadas ao longo de 5 anos, evidenciou 174 pacientes
acometidos, com uma incidência de 0,31%.(RYSTEDT et al, 2016) A incidência
exata destas lesões permanece difícil de mensurar, uma vez que muitas não são
relatadas ou reconhecidas.
9
Uma diversidade de fatores está envolvida na lesão inadvertida do trato
biliar. Podem ser agrupados em categorias como técnica cirúrgica inadequada,
alterações patológicas locais ou variações anatômicas. A identificação errônea da
anatomia leva a clipagem e secção de segmentos do ducto colédoco ou do ducto
hepático comum. O uso incorreto dos clipes laparoscópicos, com falha no seu
posicionamento e aplicação pode permitir deslocamento dos clipes e
extravasamento de conteúdo biliar, assim como a identificação pobre das estruturas
pode levar à clipagem de mais de um ducto biliar. A dissecção profunda do leito da
vesícula pode causar danos aos ductos biliares periféricos, assim como dissecções
amplas próximas da região do trígono de Calot podem causar danos diretos às vias
biliares extra-hepáticas ou dano térmico por uso excessivo do eletrocautério.
Sangramento de difícil controle pode causar angústia ao cirurgião e culminar com
uso abrangente do equipamento, clipes ou eletrocautério. O ducto cístico se une ao
ducto hepático comum de forma convencional em apenas 83% dos pacientes assim
como o ducto cístico pode encontrar-se paralelo ao ducto colédoco. Variações
anatômicas podem representar um desafio em reconhecer, mesmo para cirurgiões
experientes. Processos inflamatórios, agudos ou crônicos, levam a perda de
camadas e trazem dificuldades técnicas de dissecção e identificação das
estruturas.(CLARK; TRAVERSO, 2013; MISCHINGER et al, 2011; BANSAL et al,
2015)
Pacientes acometidos por LIVB apresentam sintomatologia diversa. No
período pós-operatório imediato, dor inespecífica em abdome superior, dor irradiada
para o ombro, náuseas e hipertermia podem representar indícios clínicos de
complicação. No entanto, assim como há uma variedade importante de tipos de
lesão, as apresentações clínicas também assumem comportamento semelhante.
Embora a maioria dos pacientes possa acumular grandes quantidades de bile na
cavidade peritoneal sem exibir sintomas específicos, alguns podem exibir quadros
agudos manifestando-se com peritonite difusa. Podem apresentar quadros
indolentes, desenvolvidos ao longo de anos, em decorrência de obstrução parcial da
via biliar. Icterícia em pós-operatório recente, principalmente se associada a
dilatação de vias biliares e dor abdominal, é um indicativo de obstrução completa da
drenagem biliar. Coleções fluidas decorrentes de fístulas biliares podem se
manifestar de forma inespecífica como desconforto, leucocitose ou episódios febris.
Colangite de repetição, como conseqüência de estenose das vias biliares, também
10
pode ser observada.(MISCHINGER et al, 2011; STILLING et al, 2015; EJAZ et al,
2013) A identificação intra-operatória da LIVB ocorre em torno de 20 a 50%. O uso
rotineiro da colangiografia intra-operatória pode aumentar o índice de detecção para
87%. Pacientes que não apresentem a evolução satisfatória evidenciada na
colecistectomia laparoscópica devem sempre ser observados e investigados para
complicações cirúrgicas, dentre elas, a LIVB. A suspeita clínica de lesão deve ser
avaliada através de exames de imagens. A ultrassonografia pode ser utilizada,
porém, sua sensibilidade é menor e pode atrasar o diagnóstico de fístulas biliares. A
tomografia computadorizada permanece como método de eleição. Estudos
direcionados para as vias biliares, como colangiopancreatografia por ressonância
nuclear magnética, colangiografia trans-hepática percutânea e
colangiopancreatografia retrógrada endoscópica são úteis para a identificação da
anatomia, a localização da lesão e para o planejamento cirúrgico.(STEWART, 2014;
CLARK; TRAVERSO, 2013; MISCHINGER et al, 2011)
Após a identificação de uma LIVB, definir a extensão da lesão é
indispensável para o tratamento. Inúmeras classificações foram sugeridas,
principalmente, após a era da laparoscopia. A classificação proposta por Bismuth em
1982 foi amplamente utilizada para colecistectomias abertas. Diversos outros
autores propuseram classificações mais abrangentes, que englobam lesões
particulares da técnica laparoscópica, tais como Strasberg, Stewart-Way, Hannover,
Csendes e McMahon. (CHUN, 2014) Até o momento, nenhuma classificação padrão
é aceita, com novos esquemas sendo propostos e utilizados em grupos
seletos.(CLARK; TRAVERSO, 2013; EIKERMANN et al, 2012)
A classificação de Bismuth (tabela 1) é baseada no nível mais distal em
que existe mucosa saudável e disponível para anastomose, foi criado para ajudar os
cirurgiões a escolher o local apropriado para o reparo. Esta classificação simples
correlaciona-se bem com o prognóstico após o reparo cirúrgico.(BISMUTH; MAJNO,
2001; CHUN, 2014) A classificação de Strasberg (tabela 1) é uma modificação da
classificação de Bismuth que passa a reconhecer lesões menores que se tornaram
mais frequentes após a introdução da laparoscopia. A descrição de lesão vascular
associada permanece como desvantagem nesta classificação.(STRASBERG et al,
1995; CHUN, 2014)
A classificação de Stewart-Way (tabela 2) incorporou o mecanismo da
lesão à anatomia. Esta proposta mostrou-se útil por evidenciar métodos para a
11
prevenção da LIVB. Lesões Classe I (6% dos casos) geralmente ocorrem quando o
ducto colédoco é confundido com o ducto cístico, mas este erro é reconhecido
durante o procedimento. Lesões Classe II (24% dos casos) surgem da aplicação de
clipes ou de lesões térmicas, usualmente durante tentativas de controlar
sangramento na região do trígono de Calot. Lesões Classe III surgem de um erro de
identificação do ducto cístico, levando a uma dissecção, transeccção e excisão de
uma porção da via biliar extra-hepática. Lesões Classe IV (10% dos casos) ocorrem
por erro de identificação do ducto hepático direito, geralmente confundidos com o
ducto cístico e a artéria hepática direita confundida com a artéria cística. A
ocorrência de lesão da artéria hepática direita é relacionada com a classe da
lesão.(STEWART, 2014; CHUN, 2014)
A classificação de Hannover (tabela 3) descreve, de forma extremamente
detalhada, vários padrões de LIVB. (CHUN, 2014) Embora todas as classificações
apresentadas forneçam informações indispensáveis para facilitar o planejamento
cirúrgico, nenhuma delas consegue associar-se com o quadro clínico do paciente.
Mesmo lesões menores, como fístulas do ducto cístico, podem ter consequências
desastrosas a depender do status do paciente.
12
Bismuth Strasberg Anatomia biliar
- A Fístula do ducto cístico ou de ductos de Luschka
- B Oclusão de um ducto hepático direito aberrante
- C Transecção sem ligadura de um ducto hepático direito
aberrante
- D Lesão lateral ao ducto colédoco acometendo menos de 50%
da circunferência
Tipo 1 E1 Estenose do ducto hepático comum com extensão >2 cm
Tipo 2 E2 Estenose do ducto hepático comum com extensão <2 cm
Tipo 3 E3 Estenose hilar, com confluência dos ductos hepáticos intacta e
sem ducto hepático comum
Tipo 4 E4 Estenose hilar com perda da confluência dos ductos hepáticos
Tipo 5 - Lesão de ducto hepático direito aberrante, com ou sem lesão
do ducto hepático comum
Tipo 5 E5 Lesão de ducto hepático direito aberrante associada a lesão
hilar
Tabela 1. Classificações de Bismuth e Strasberg para lesões de via biliar
13
Mecanismo de lesão laparoscópica das
vias biliares
Lesão da artéria hepática
direita associada
Classe I Incisão do ducto colédoco, sem perda do
ducto
5%
Classe II Lesão lateral ao ducto hepático comum
resultando em estenose ou fístula
(subdivisão em A, B e C)
20%
Classe III Transecção ou excisão, de extensão
variável, do ducto colédoco, ducto hepático
comum, ducto hepático direito ou ducto
hepático esquerdo (subdivisão em A, B, C e
D)
35%
Classe IV Lesão do ducto hepático direito 60%
Subdivisão
A Com preservação da confluência dos ductos hepáticos e com
remanescente do ducto hepático comum
B Envolve a confluência dos ductos hepáticos
C Lesão localizada acima da confluência dos ductos hepáticos
D Excisão completa da via biliar extra-hepática e acometimento de ductos
hepáticos secundários
Tabela 2. Classificação de Stewart-Way para lesões de via biliar
14
Tipo de lesão das vias biliares
Tipo A Fístula biliar periférica
A1 Fístula do ducto cístico
A2 Fístula de ductos de Luschka
Tipo B Estenose do ducto colédoco ou do ducto hepático com um sem
secção
B1 Estenose incompleta
B2 Estenose completa
Tipo C Lesão tangencial do ducto colédoco ou do ducto hepá tico comum
C1 Lesão puntiforme <5mm
C2 Lesão extensa (>5mm) abaixo da confluência dos ductos hepáticos
C3 Lesão extensa (>5mm) ao nível da confluência dos ductos hepáticos
C4 Lesão extensa (>5mm) acima da confluência dos ductos hepáticos
Tipo D Transecção completa de ducto biliar
D1 Sem a presença de artefato (ex.: clipe laparoscópico) e abaixo da
confluência dos ductos hepáticos
D2 Com a presença de artefato e abaixo da confluência dos ductos
hepáticos
D3 Ao nível da confluência dos ductos hepáticos (com ou sem artefato)
D4 Acima da confluência dos ductos hepáticos (com ou sem artefato)
Tipo E Estenoses tardias do trato biliar
E1 Estenose do ducto colédoco ou do ducto hepático comum circular
(<5mm)
E2 Estenose do ducto colédoco ou do ducto hepático comum longitudinal
(>5mm)
E3 Estenose ao nível da confluência dos ductos hepáticos
E4 Estenose envolvendo o ducto hepático direito ou ductos secundários
Tabela 3. Classificação de Hannover para lesões de via biliar
15
Para os tipos C e D, caso haja lesão vascular assoc iada (ex.: C1d, D3pv, etc.)
d Artéria hepática direita
s Artéria hepática esquerda
p Artéria hepática própria
com Artéria hepática comum
c Artéria cística
pv Veia porta
Tabela 3. Classificação de Hannover para lesões de via biliar
16
2. OBJETIVOS
Realizar revisão da literatura recente sobre identificação, classificação e
tratamento das lesões iatrogênicas de vias biliares, para melhor entendimento do tema
controverso.
17
3. METODOLOGIA
Foi realizada pesquisa bibliográfica, nas bases de dados Pubmed,
Springer e Scielo, com foco em artigos sobre o tema lesão iatrogênica de via biliar
ou lesão pós-colecistectomia de via biliar, abrangendo estudos de casos, artigos de
revisão, artigos originais, consensos e metanálises. Artigos publicados nos últimos 5
anos foram selecionados, com a inclusão de alguns artigos publicados
anteriormente, mas que apresentam contribuição significativa e extrema relevância
para a discussão do tema.
18
4. REVISÃO DA LITERATURA
A lesão dos ductos biliares permanece como a complicação mais
significante da colecistectomia, tanto aberta quanto laparoscópica. Embora uma
grande diversidade de tratamentos tenha sido evidenciada nos mais diversos
estudos, há um consenso de que o encaminhamento do paciente para um centro
terciário que seja referência em cirurgia hepatobiliar aumenta o sucesso do reparo
definitivo, diminui a morbidade do tratamento e diminui a incidência de estenoses
recorrentes em longo prazo. (RYSTEDT et al, 2016; ADDEO et al, 2013;
LUBIKOWSKI et al, 2011; PATRONO et al, 2015) A taxa de sucesso do tratamento,
quando realizado em centros especializados, varia entre 79% a 94%, e pode ser tão
baixa quanto 17% a 27% em centros de complexidade menor.(STEWART; WAY,
1995; STILLING et al, 2015; EJAZ et al, 2013)
A medida mais efetiva no manejo de uma complicação é a prevenção.
Reconhecimento dos fatores de risco associados com LIVB, das variações
anatômicas, das características inflamatórias locais que possam alterar a
identificação das estruturas, a utilização de equipamentos adequados e a dissecção
cautelosa de zonas críticas é indispensável para o sucesso da prevenção. Idade,
sexo, colecistite aguda, cálculo impactado na bolsa de Hartman, ducto cístico curto
ou inexistente, síndrome de Mirizzi, variações anatômicas do sistema biliar e do
sistema vascular, espessamento da parede da vesícula biliar, dilatação das vias
biliares, sangramento no trígono de Calot, cirurgias do abdome superior prévias,
aderências e duração do procedimento foram mencionados como fatores de risco
para LIVB.(MISCHINGER et al, 2011; EIKERMANN et al, 2012)
Alguns detalhes da técnica cirúrgica são essenciais como medida
preventiva: a) tração cefálica do fundo da vesícula biliar, para reduzir redundância do
infundíbulo; b) tração lateral e caudal da bolsa de Hartman, de modo a posicionar o
ducto cístico perpendicular ao ducto colédoco; c) identificação visual da porção
supra-duodenal do colédoco sem a realização de dissecção; d) iniciar a dissecção
pelo peritôneo visceral do infundíbulo e não, diretamente, sobre um ducto cístico
presumido; e) progredir a liberação medial e lateral do peritôneo, até que o
infundíbulo possa ser levantado com segurança; f) uso cauteloso do eletrocautério e,
preferencialmente, monopolar, para evitar lesão térmica; g) dissecção do trígono de
Calot, livrando-o de tecido adiposo excedente, de pequenos vasos, de vasos
19
linfáticos e de aderências, de modo a identificar com segurança o ducto cístico e a
artéria cística; h) na presença de dúvida sobre a anatomia, a colangiografia intra-
operatória fornece informações valiosas e deve, sempre ser uma opção; e i)
converter a cirurgia é uma opção terapêutica válida e que pode ser o fator chave na
prevenção de uma lesão biliar.(MISCHINGER et al, 2011; EIKERMANN et al, 2012;
BHARATHY; NEGI, 2014)
O melhor momento do reparo da LIVB ainda permanece uma incógnita.
Evidências corroborando os benefícios do reparo imediato, precoce e tardio existem
em inúmeros trabalhos. Avaliação cuidadosa da condição clínica do paciente, da
presença de co-morbidades, da erradicação de infecção intra-abdominal, da função
hepática, do estado nutricional e do tipo de lesão são fatores norteadores do melhor
momento para o reparo e definitivos para o sucesso.
A identificação intra-operatória das lesões biliares é sujeita a uma
diversidade de fatores. O uso rotineiro da colangiografia intra-operatória aumenta o
índice de detecção das lesões. O tratamento imediato da lesão tem se mostrado
como uma opção terapêutica com índices de sucesso entre 80% e 89%. Estes
dados, no entanto, são evidenciados através de estudos realizados em centros com
grande volume de colecistectomias laparoscópicas e, portanto, com experiência
inerente acumulada. Em um estudo com 10.123 colecistectomias laparoscópicas
realizadas ao longo de 19 anos, 19 pacientes foram identificados como portadores
de LIVB. Destes, 17 foram diagnosticados e tratados no intra-operatório. O
tratamento depende do tipo de lesão e da experiência do cirurgião. Reparos
primários, com e sem o uso de dreno de Kehr, anastomose término-terminal primária
e hepáticojejunostomia em Y-de-Roux foram utilizadas como tratamento (tabela 4).
Apenas 2 pacientes evoluíram com estenose precoce e necessitaram de outros
procedimentos terapêuticos.(PEKOLJ et al, 2013; PERERA et al, 2011)
O reparo realizado até 72 horas após a lesão é considerado precoce.
Pacientes com fístulas biliares, geralmente, se apresentam com sepse abdominal e
o fator infecção é decisivo para o insucesso do procedimento definitivo. Alguns
estudos mostram pouca diferença clínica entre o reparo precoce e tardio (realizado
após 6 semanas da lesão), observando a realização em centro de referência em
cirurgia hepatobiliar. No entanto, há grande diferença nos custos e na qualidade de
vida.(DAGEFORDE et al, 2012) Outros estudos sugerem uma técnica de controle de
danos, com drenagem imediata e reparo tardio, com taxas de sucesso de 91%. O
20
reparo tardio foi técnica preferida na maioria dos casos, exceto naqueles em que
houve ligadura completa da via biliar, sem extravasamento de bile e, portanto, sem
contaminação da cavidade abdominal.(KAPOOR, 2015) Em uma revisão de 307
casos de LIVB, demonstrou-se que o momento do reparo não é tão importante
quanto a ausência de infecção intra-abdominal, a presença de uma equipe
experiente e em centro de referência e a técnica cirúrgica adequada.(STEWART;
WAY, 2016)
Derivações bilio-digestivas são comumente utilizadas para a reconstrução
do trato biliar. A hepaticojejunostomia em Y-de-Roux persiste como a técnica mais
empregada, no entanto, uma hepaticoduodenostomia é igualmente segura para a
reconstrução. Estudos comparando as duas técnicas são escassos, porém, a
realização de hepaticoduodenostomia apresenta como grande vantagem a
possibilidade de acesso à anastomose por via endoscópica, permitindo
procedimentos de resgate em casos de estenose. Provavelmente, o risco de fístula
duodenal associado com a hepaticoduodenostomia impede a sua recomendação
rotineira. Alguns pacientes, principalmente, aqueles com lesão vascular associada,
litíase intra-hepática, em virtude de colestase crônica, e atrofia lobar, necessitarão
de procedimentos maiores, com hepatectomias segmentares associadas à
derivação bilio-digestiva. Esta opção terapêutica, na maioria dos casos, é utilizada
nos pacientes com tratamentos prévios sem sucesso. Cada tentativa de reparo
cirúrgica prejudica mais a vascularização e os ductos biliares, sempre aumentando a
morbidade da terapia. A necessidade de tratamento cirúrgico definitivo em centros
especializados e com cirurgiões experientes, permanece como fator crucial na
sobrevida desses pacientes.(MERCADO et al, 2015; PEKOLJ et al, 2015;
BHARATHY; NEGI, 2014)
A terapia endoscópica pode ser utilizada em vários pacientes. A presença
de uma continuidade no ducto biliar é indispensável para a manipulação por
endoscopia. Lesões Classe A, C e D, segundo a classificação de Strasberg, são
excelentes candidatas à esta modalidade de tratamento. A presença de oclusão ou
secção completa de ducto biliar é indicativa de cirurgia. Fístulas biliares, das quais a
mais comum é a fístula do ducto cístico (78%), podem ser tratadas com sucesso,
contato que o diagnóstico seja precoce e a condição clínica do paciente permita. O
objetivo é reduzir a pressão sobre o esfíncter de Oddi, permitindo livre fluxo
transpapilar de bile. O tratamento endoscópico ainda é uma opção empírica, com
21
poucos estudos comparando a eficácia de uma ou outra técnica, seja a
esfincterotomia isolada, aposição de prótese ou drenagem nasobiliar, no entanto,
estudos mostram taxas de sucesso de 88% a 100% da terapia endoscópica.
Pacientes com estenoses biliares também se beneficiam desta terapia, no entanto, a
morbidade é mais elevada, a necessidade de múltiplos procedimentos é maior e a
taxa de sucesso, levemente menor. Próteses e dilatações com balão são necessário
para a desobstrução ductal. Embora dados como o tamanho da prótese a ser
utilizada, a frequência das trocas e o tempo ideal de utilização da prótese ainda não
tenham sido estabelecidos, a taxa de sucesso atinge valores aproximados de 75% a
90%.(THOMPSON et al, 2015; NAVARRETE; GOBELET, 2012; CANENA et al,
2015)
Transplante hepático representa a última opção de tratamento com
capacidade curativa para os pacientes com LIVB. Lesões negligenciadas ou mal-
reparadas podem levar a insuficiência hepática crônica e que, ultimamente, possam
necessitar do transplante hepático. A presença de lesão vascular associada está
relacionada com uma pior evolução da condição, sendo hipertensão portal e
insuficiência hepática crônica as indicações mais comuns para este tipo de
tratamento. O atraso no encaminhamento dos pacientes para centros terciários
especializados aumenta a ocorrência transformações fibróticas no parênquima
hepático e é o principal fator de risco associado com este recurso. O intervalo médio
de duração da obstrução biliar antes de fibrose portal é de cerca de 4 meses, para
fibrose severa, 22 meses, e para cirrose, 62 meses. Pacientes que necessitam
deste último recurso, geralmente realizaram múltiplas tentativas de reparo, com
várias das opções terapêuticas descritas, e necessidade de múltiplas abordagens
desobstrutivas mal-sucedidas. As lesões Classe E, segundo a classificação de
Strasberg, foram as mais associadas com a necessidade de transplante.(ADDEO et
al, 2013; CLARK; TRAVERSO, 2013; PEKOLJ et al, 2015)
22
Paciente Cirurgia Tipo de lesão Conversão Reparo Complicação Desfecho
1 CL + EVB Perfuração com
Basket
Sim Sutura
primária*
Pancreatite aguda Sucesso
2 CL + EVB Perfuração com
Basket
Não Prótese
transpapilar
Pancreatite aguda Sucesso
3 CL + EVB Perfuração com
Basket
Sim Sutura
primária*
Sucesso
4 CL Lesão térmica do
colédoco
Sim Sutura
primária*
Estenose
precoce
5 CL Secção parcial do
colédoco
Não Sutura
primária*
Sucesso
6 CL Secção parcial do
colédoco
Sim Sutura
primária*
Sucesso
7 CL Secção parcial do
colédoco
Não Sutura
primária*
Estenose
precoce
8 CL Secção parcial do
colédoco
Não Sutura
primária*
Coleperitôneo Sucesso
9 CL Secção completa
do colédoco
Sim HJY Sucesso
10 CL Secção parcial do
ducto hepático
posterior direito
Sim Anastomose
término-
terminal
Sucesso
11 CL Secção parcial do
ducto hepático
posterior direito
Não Sutura
primária
Sucesso
12 CL Secção parcial do
ducto hepático
posterior direito
Sim Sutura
primária*
Pseudoaneurisma
da artéria cística
Sucesso
13 CL Secção parcial do
ducto hepático
posterior direito
Sim Sutura
primária*
Sucesso
14 CL Secção completa
do ducto hepático
posterior direito
Sim Anastomose
término-
terminal
Fístula Biliar Sucesso
15 CL Secção do ducto
hepático direito
Sim HJY Sucesso
16 CL Secção do ducto
hepático direito
Sim HJY Sucesso
17 CL Ressecção de
ducto biliar
Sim HJY Sucesso
Tabela 4. Tratamento intra-operatório de lesões de via biliar ocorridas durante colecistectomia
laparoscópica. Adaptada de Pekolj, J. Intraoperative Management and Repair of Bile Duct Injuries
Sustained during 10,123 Laparoscopic Cholecystectomies in a High-Volume Referral Center.
23
Abreviações CL: Colecistectomia laparoscópica; EVB: Exploração de vias biliares; HJY:
hepáticojejunostomia em Y-de-Roux; *Sutura realizada associada a drenagem
24
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As lesões iatrogênicas das vias biliares permanecem como um tópico de
difícil entendimento. A diversidade faz parte de todos os aspectos desta condição: os
mecanismos de lesão são inúmeros; as repercussões clínicas são, igualmente,
variáveis; a identificação da lesão ocorre em um intervalo de tempo que pode abranger
segundos a anos; existem vários modelos de classificação, todos eles com falhas e
vantagens; as opções de tratamento são múltiplas; e a evolução clínica dos pacientes
não segue padrão definido, muitos necessitando de re-abordagens múltiplas. Pouca
concordância há na literatura, porém, a realização do reparo por um cirurgião
hepatobiliar e em um centro terciário de referência é a recomendação maior a ser
obedecida.
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6. REFERÊNCIAS
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