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Artigo de Luiz Felipe de Alencastro sobre Luiz Gama e a escravidão no Brasil.

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25/01/2016 Luiz Felipe de Alencastro: A vitória amarga de Luiz Gama ­ 25/01/2016 ­ Opinião ­ Folha de S.Paulo

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Luiz Felipe de Alencastro

A vitória amarga de Luiz Gama25/01/2016 02h00

A luta contra o escravismo no Brasil teve momentos de grande arrojo coletivo, comonos quilombos de Palmares, cujas batalhas são comemoradas todos os anos no dia20 de novembro. Registrou ainda episódios de coragem solitária, nos quais escravosse automutilavam para escapar à opressão.

E conheceu também embates nos tribunais, quando o direito positivo escancarou aaberração escravista na legislação nacional. Vários militantes do direito seincorporaram a essa etapa do abolicionismo, entre eles Luiz Gama (1830­1882),homenageado recentemente pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e pelaUniversidade Mackenzie.

Reconhecendo a coragem do grande abolicionista negro, a OAB concedeu­lhe otítulo de advogado. No mesmo movimento, foi anunciada a proposta da inclusão deseu nome na lista de Heróis da Pátria. A homenagem constitui um triunfo tardio eamargo: Luiz Gama morreu sabendo que suas vitórias eram diminutas perante aimensidade de crimes do escravismo.

Gama não chegou a diplomar­se em direito por causa do racismo dominante naFaculdade do Largo de São de Francisco. Mas foi grande combatente nas ações daJustiça que permitiram libertar escravizados.

Escravizados, não escravos. Esse foi o tema crucial de sua militância. Como elepróprio escreveu, sua ação consistia em "promover processos em favor de pessoaslivres criminosamente escravizadas". De que maneira se concretizava a ilegalidadedo cativeiro num país em que a escravidão era legal e praticada por toda a escalasocial, dos mais ricos aos mais pobres dos brasileiros?

Sucede que o alvará de 1818 proibira a entrada de escravos vindos dos portosafricanos do norte do Equador. Em seguida, a lei brasileira de 1831 vedou o tráficode qualquer região da África para o Brasil.

Africanos desembarcados após aquela data eram considerados pessoas livres. Seussupostos proprietários incorriam no crime de sequestro e estavam incursos no artigo179 do Código Criminal de 1830, que condenava à pena mínima de três anos o atode "reduzir à escravidão pessoa livre".

Não obstante a ênfase da lei de 1831, o tráfico prolongou­se, acobertado pelasautoridades, até 1850. Um total de 760 mil africanos foi desembarcado e ilegalmenteescravizado no Brasil. A posse ilegal dos senhores sobre esses africanos e seusdescendentes foi endossada pela "passividade cúmplice da magistratura e peloconsenso do país", como escreveu Joaquim Nabuco.

Só no final dos anos 1870, 40 anos após sua entrada em vigor, a aplicação da lei de

25/01/2016 Luiz Felipe de Alencastro: A vitória amarga de Luiz Gama ­ 25/01/2016 ­ Opinião ­ Folha de S.Paulo

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1831 começou a ser exigida pelos tribunais. Naquela altura estava claro que aesmagadora maioria dos 1,5 milhão de indivíduos registrados como escravos (15%da população no Censo de 1872) era composta por africanos desembarcados demaneira ilegal e por seus descendentes. Ou seja, por homens, mulheres e criançasinquestionavelmente livres.

Luiz Gama considerava que esse contexto configurava "o cerceamento geral dodireito, um atentado nacional". Apesar de todo o seu empenho, em 1880, dois anosantes de sua morte, ele havia conseguido libertar apenas 500 negros e mulatossequestrados e escravizados.

Seus companheiros de luta judiciária obtiveram outras centenas de libertações deindivíduos na mesma situação. Porém, a grande maioria dos 15% de cativos dapopulação brasileira permaneceu "criminosamente escravizada" até o dia 13 de maiode 1888.

Luiz Gama perdeu seu combate primordial. E continua perdendo até hoje, porque asombria significação de sua derrota ainda é largamente ignorada no país.

LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO é professor da Escola de Economia de São Pauloda FGV ­ Fundação Getulio Vargas e professor emérito da Universidade de ParisSorbonne

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