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Mariana Caetano Uetanabaro
TODA CARMEN
Trabalho de Conclusao de Curso apresenlado aocurso de Comunica9ao em Cinema da Faculdadede Ciencias Humanas da Universidade Tuiu!i doParana.Orienladora Prof' Dr: Denise Guimaraes
CURITIBA
2008
SETORIAl ilARlllUI
RESUMO
o trabalho desenvolvido tern como proposta tratar de algumas das multiplas
formas de represental'ao cinematogr<ifica de Cannen (obra original de Prosper
Merimee), a partir de certas variaveis - sociais, politicas, culturais e de epoca; al8m
do ponto de vista pessoal de cada adaptador, sem que perea, no entanto, sua
essen cia reveladora das tensoes existentes em sociedades onde as normas e as
posic;:oes de hierarquia sao foriemente estabelecidas.
Palavras - chave: ambigliidade poetica; Carmen (filmes); cinema; intertextualidade;
literatura; representac;:ao feminina.
AHSTRACT
The objective of this work is to discuss the multiple ways of representing
Carmen on the cinema (an original piece of work by Prosper Merimee), considering
certain aspects - social, political, cultural and some based on the period of time;
besides the particular point of view of each moviemaker, without losing, however, its
revealing essence of the tensions which exist in societies where the rules and
positions of hierarchy are strongly established.
Key - word: poetic ambiguity; Carmen (movies), cinema; intertextuality; literature;
feminine representation.
SUM;\IUO
1. INTRODUt;:AO ..
2 DESENVOLVIMENTO ..
......5
......8
2.1 CHAPLlN- JOGANDO, COM HUMOR .. .. 8
2.2 THE LOVES OF CARMEN - OS VESTIDOS DE RITA E 0 PODER DAAMERiCA.... ...11
2.3 CARMEN JONES - PROPAGANDA E ENTRETENIMENTO... .. .. 15
2.4 CARMEN DE SAURA - ESPAt;:OS DE JOGO E REALI DADE ... .. 19
2.5 CARMEN DE GODARD - METAFORAS E DISTANCIAMENTO 25
3. CONCLUsAO ..
4. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS , 35
. 30
1. INTRODUCAo
Carmen tornou-se uma figura-tipo ao longo dos cento e sessenta anos de
sua existencia, devida, em grande parte, a sua 8norrne difusao pelo cinema e a sua
essencia contestadora e de duplicidades. 0 nome Carmen passui tamanha
expresseo no meio cinematografico, e artistico em geral, que sua simples presenc;:a
e suficiente para evocar uma serie de caracteristicas e valores, muitas vezes,
estereotipados, da mulher transgressora e desafiadora dos padr6es socia is rijos e do
sensa camum. Inicialmente abra litera ria de Prosper Merimee (1845), fai adaptada
em 1875 par Georges Bizet para a opera Carmen e, em 1910, com Andre Calmattes,
teve sua estreia no cinema.
Uma caracteristica relevante da obra e a facilidade de S8 reinventar sua
hist6ria pela versatilidade da protagonista, por seu poder de S8 transformar em
mulheres de diferentes caracteres. Talvez seja esta caracteristica "camaleao" de
Carmen, ou seja, esse fascinio por LIma personagem tao controversa, capaz de se
travestir em muitas outras, 0 verdadeiro motivo de atrac;:ao que a obra exerce.
A questao que se coloca e de que componentes se reveste a obra (au
personagem) a ponto de torna-fa consagrada e reiterada na hist6ria da cultura
ocidental? Parte-se do principia de que a ambiguidade de Carmen (a hist6ria) revela-
se no oferecimento de um leque de possibilidades de interpretac;:oes da obra e do
personagem. Resgatar Carmen significa permitir-Ihe constante renovagao, 0 que
aumenta seu carater camaleao, mas, paradoxalmente, retoma, em cada utilizagao
de sua figura, alguns trac;:os de sua personalidade, cristalizando uma imagem da
personagem feminina que a integra no rol dos tipos literarios e culturais. Ai, entende-
se como tipo uma personagem recorrente em seus tragos sempre invariantes que a
tornam uma figura estereotipada, como as personagens da Comedia dell' Arte:
avaro, buf30, etc.
Os objetivos principais deste trabalho sao: verificar em que medida a
personagem apresenta traryos de recorrencia, narrativos e discursivos, que sao
mantidos nas suas diferentes manifestavoes; delinear uma possivel caracterizav30
da essencia de Carmen que permanece nas distintas transcrivoes e que Ihe da
relevancia no contexto da filmografia internacional; distinguir as especificidades que
assumem as varias apropriavoes de Carmen, em funv30 dos contextos
socioculturais de cada uma delas; verificar de que forma a tom enunciativo (comico,
tragicomico, dramatico) inteliere na representav30 e percepvao da obra Carmen.
Atualmente, ha mais de trinta versoes cinematograficas de Carmen, urn
numero bastante representativo para, no minima, despertar a interesse na pesquisa
dessa personagem faa intrigante, suas muitas facetas e as possibilidades de retrata-
la, segundo lima epoca, uma cultura e urn ponto de vista particular, acrescentando
colocavoes sobre as obras cinematogn3ficas mais significativas baseadas em
Merimee ou em Bizet.
Ela e paradoxal - uma mulher maliciosa que tern a poder de arruinar vidas,
uma pessoa comum, uma heroina (ou anti-heroina?). Devido ao carater ousado e a
renuncia ao futuro, em prol do presente, Carmen ora esta ligada a liberdade, ora a
ambigOidade, fixando-se, portanto, no limiar entre a contestayao de valores sociais e
a falsidade, dependendo do tratamento que Ihe e dado.
As particularidades da mulher Carmen, as opticas que a cinema traz sabre a
obra, as possibilidades de sua representayao e 0 vasto n0mero de filmes que
recontam sua estoria justificam 0 desenvalvimento deste trabalho.
Uma amostragem de cinco fUmes fai escolhida para a elaboraryaa desta
pesquisa, pelos motivos descritas a seguir. Estes filmes serao analisados
individualmente no decorrer do trabalho, a fim de se notar as diferen<;as encontradas
em cad a uma das versoes, segundo fatores historicos, politicos, socia is, de
interpretac;ao, de direc;ao, etc., para depois haver uma compara<;ao entre eles e uma
analise mais profunda sobre a personagem e suas caracteristicas recorrentes:
• Charlot joue Carmen (1915), um filme de Charles Chaplin, selecionado
devido a sua capacidade de representar Carmen de uma maneira
tragicomica, fuglndo do padrao dramatico original sem, no entanto,
banalizar a obra.
• The loves of Carmen (1948), de Charles Vidor, par frazer como
protagonista a tao conhecida Rita Hayworth, urna versao hollywoodiana de
Carmen.
Carmen Jones (1954) de Otto Preminger, devida ao seu grande sucesso
como musical.
• Carmen (1983), de Car/os Saura, por sua boa repercussao e retomo as
origens gitanas.
• Prenom Camlen (1983), de Jean-Luc Godard, escolhido par sua narrativa
diferenciada, que permile uma leilura mais metaforica da obra.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 CHAPLIN - JOGANDO, COM IHJMOll
Charles Chaplin dirigiu urn curta-metragem com 0 lema Carmen, em 1915, no
qual ele mesmo faz 0 papel do soldado (Darn Hosiery) apaixonado pela
protagonista, nome que satiriza 0 personagem Don Jose da obra original, de Prosper
Merimee. Oeste filme, pade-s8 dizer que tern algumas caracteristicas tipicas de seus
outros trabalhos: mudo, frenetico, tragicomico, naD sendo urn dos rnais conhecidos.
No Carmen de Chaplin nao ha muito a S8 destacar, sem trazer critica aparente,
como Tempos Modernos au 0 Grande Oitador, tampouco chega a emocionar, como
a Garolo. 0 enredo do f[lme resume-S8 ao nDeleo original - Carmen, uma cigana,
seduz 0 sold ado Hosiery, levando-o a uma paixao que termina em sua desgrac;a e
na marte de ambos.
Ha sim, talvez, um aspecto unico a ser levantado, que torna este filme
particular. Ao final tragico da narrativa, logo apos assassinar Carmen e se suicidar,
Hosiery e a protagonista enconlram-se mortos no chao, quando, de repente,
levantam-se e voltam a vida. Ao fazer isso, 0 soldado segura a adaga que usou,
balan.yando-a no ar, como que para mostrar que ela e de mentira, que tudo nao
passou de uma brincadeira. 0 final darmatico fica desmistificado. Toda a historia do
filme, neste momento passa a ser encarada como uma fantasia, terminando como
uma farsa
Ao dar um ar cornico ao final tragico de Carmen, Chaplin foge a regra de
todas as outras vers6es cinematograticas dessa obra e jog a com 0 espectador. Ele
impoe suas proprias regras para alcan.yar 0 riso. Ha muitas defini.yoes da palavra
jogo, como, par exemplo, brinquedo, ou passatempo, regras, atividade [sica ou
mental organizada a partir de regras, zombaria, entre outras.
9
o jogo esta ligado a brincadeira, ao hjdico, a zombaria, a atividades que
seguem regras e a atua9<3o. NaD e a toa que 0 m8smo verba e usado em ingles para
jogar, brincar e atuar: play. 0 filme de Chaplin em frances foi traduzido como Charlot
joue Carmen, empregando 0 verba jouer, que, como em ingles, significa atuar.
brincar, jagar. Ja 0 titulo original em ingles e Burlesque on Carmen, 0 que sugere
uma adaptac;ao burlesca, ridiculamente comica, caricata. Chaplin real mente "joga"
em sua Carmen a fim de trazer a riso ao final do espetc3culo: ele representa (plays
the role of Dam Hosiery), ele brinca e zomba do espectador (isso e mentira, i550 eurn tilme), ele dita regras dentro da sua verseo. Os mecanismos que sao utilizados
desde os primordias do cinema para que S8 tenha a impressao da reprodu<;:ao da
realidade sao vasta mente discutidos. A manipula<;:ao politico-ideologica presente na
setima arte tambem e objeto de varios estudos. A manipulayao e a impressao de
realidade se devem ao roteiro, aos fatares de atuagao, direr;:ao, it captagao do som,
a fotografia, etc e, em grande parte, a edi<;:ao, a montagem que e realizada.
Segundo a Novo dicionario Aurelio da Ifngua portuguesa, manipula9aoapresenla, peto menas, qualro significa90es: 1. preparar com a mao:imprimir forma a atguma coisa com a mao: 2. preparar medicamentos comcorpos simples: 3. engendrar, forjar, maquinar au manipular um plano e,final mente, 4. fazer funcionar. por em movimento. acionar. Exceto asegunda defini9EIO, as dernais. de uma forma au de outra. se enquadram asarnplas possibilidades que a linguagem cinematografica coloca adisposiryao de diretores e de roteirislas para manipular a realidade social.politica, economica e ideol6gica. (LEJTE,2003).
Chaplin, em sua Carmen, deixa nftida essa manipula9c3o do que e um
simulacra do real. Ele explicita os mecanismos que esta.o geralmente escondidos ao
espectador e traz, entao, urn efeito de alfvio a fatalidade terri vel da obra.
Esta af a genialidade da ultima sequencia da Carmen, de Chaplin. Essa cena,
ao rnostrar que aquila e s6 urn filme, e manipulado, e modificado ao bel-prazer das
pessoas que a controlarn, tambem taz pensar a respeito da propria arte e das muitas
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Carmens: a angelical, a demoniaca, a desestruturada, fruto de uma sociedade que
Ihe tolhe os direitos, a revolucionaria, a amante, a que busca sua liberdade, a
pessoa, a diva, a mulher, a menina, enfim. Chaplin esta nos dizendo que todas as
imagens que S8 atribuem a Carmen e, as mulheres, em geral, principalmente em urn
meio totalmente manipulavel que e 0 cinema, sao apenas imagens, resultantes de
Gulturas, de conceitos, de irnposigoes, de pontcs de vistas especificos e nao uma
"Verdade" absoluta.
Na realidade concreta, as mulheres manifestam-se sob aspectos diversos;mas cada urn dcs mitos edificados a prop6sito da mulher pretende resumi-la inteiramente Cada qual se afirmando unico, a consequencia e existiruma infinidade de mitos incompativeis e os homens permanecem at6nitosperante as estranhas incoerencias da ideia de Feminilidade; como todamulher participa de uma pluralidade desses arquetipos que, todospretendem encerrar sua (mica Verdade, os homens reencontram assim,ante suas companheiras, 0 velho espanto dos sofistas que malcompreendiam que 0 homem pudesse ser louro e moreno a umtempo.(BEAUVOIR, sid)
Talvez, por essa razao, a Carmen de Chaplin fa9a refletir sobre quem e
Carmen, mas principalmente, sobre 0 papel do cinema e sua rela9aO com a
realidade e sobre 0 jogo que 0 cinema faz ao manipular ideias e atribuir conceitos as
pessoas, aos personagens, ao ajudar a recriar os tipos que ja veem sendo contados
e recontados pelas aries ha muitos seculos. Chaplin mostra que ha infinitas
possibilidades de se entregar uma hist6ria ao publico, assim como ha infinitas
maneiras de se perpetuar e rotular uma personagem e um tipo social. As varias
Carmens sao prova disso.
II
There are social-comment Carmens, political Carmens. cultural-diversityCarmens, pornographic Carmens, voluptuous vampy Carmens, disturbedCarmens, spacey Carmens. old-fashioned Carmens, modern Carmens,multi-level Carmens. surreal Carmens, deconstrucled Carmens, andexpurgated Carmens for children of varying shades of innocence(BENSUSAN.2002)'
2.2 THE LOVES OF CARMEN - OS VESTIOOS I)E RITA EO POIlER OA
AMERICA
Rita Hayworth tambem foi Carmen, em 1948, no filme de Charles Vidor, The
loves of Carmen. A famosa trama ganhou espa9D na luxuosa Hollywood do p6s-
guerra e uma de suas divas, Rita, conquistou 0 papel de protagonista. NaG e de se
estranhar que 0 filme tenha sido estereotipado do inicio ao fim. A primeira cena de
Loves of Carmen e urn mini-texto que explica a candi9aa dos ciganos - de forma
simplista, agressiva, com a defini9aa de um povo "amargo e preguic;oso" que
"despreza os pad roes da sociedade civilizada" - e aponta Carmen como um fruta
desta ra9a desregrada. A partir dar, pade-s8 perceber que todo 0 filme e dotada de
cliches e preconceitos. Ao longo da narrac;ao, nota-se explicitamente a diferenya
entre Carmen e os outros ciganos. Eta esta sempre bela, com as cabelos
preparados, maquiada, adornada de roupas coloridas refinadas, embora pare9am
fantasias de carnaval de cigana. Os outros representantes do grLlpo aparecem
carrancudos, sujos, com as cabelas desgrenhadas, maltrapilhas, imagens
mendicantes e mal encaradas, a nao ser em raras sequencias em que dan9am ao ar
livre e trocam as carrancas por sorrisos festivos. Em todos os momentos, os ciganos
sao retratados como mentirosos, ladroes, assassinos, sem escrupulos e
correspondem a ideia romantica de que 0 que e mau par dentro e feio, descuidado,
porfora.
I 1-1;\ C<mncns de critica social. Carmcns politicas. Carmcns divcrsificadas cultuwlmcnte, CarmenspornogrMicas, CanncllS voluptuosas, Cnrlllcns pcrturbadas, Carmens ailicinadas. Cannens a 1I10daantiga.Canllcns llIodcrnas, CarmclISdc varios nivcis, Carmens surreais. Canncns desconSllllidas e Carrnens purificadas.para crian~as com variadas grada~ocs de inoccncia.
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Carmen destaca-se fisicamente nao par ser bondasa, mas porque deve tazer
o papel da sedutora et principalmente. porque a imagem que esta em jogo naD e a
de Carmen, mas sim, a de Hayworth e a da propria America do Norte. Os
tratamentos de figurin~, maquiagem e cabelas de Rita no filme sao compreens[veis,
pois, nos Estados Unidos do pes-guerra, 0 que S8 queria era reforyar 0 poder
econ6mico do pais, e nesse quesito as superprodw;6es de Hollywood eram e ainda
saO mestras, transformando suas atrizes de cinema em mitos, 0 que as afastam do
terrene e as transportam para urn lugar proximo ao intacavel, aD divino. Andreana
Suest, referindo-se a urn Dutro papel de Rita, no tilme Gilda, que a imortalizou como
mulher sensual e perieita:
Ao redor da personagem Gilda, criou·se uma imagem de sensualidade eglamour que transp6s a tela e influenciou a imagem da mulher RitaHayworth A atriz passou a ser considerada a Deusa do Amor. E poss[velassociar a imagem de Gilda com a defini((<3o de Deusa que 0 dicionariofornece: Divindade feminina do politeismo, Mulher adoravel, Mulher muitoformosa. Como divindade, Gilda deve ser venerada e idolatrada, porque eum ser que tem formas admiraveis e perfeitas, diferente da media dosseres humanos, dos mortais. Ao se transferir estes valores de deusa, deperfei((<3o e de formosura para Gilda, um personagem de fict;:ao, que naoexiste na vida real, a atriz se impregnou de poderes que na verdade naoexistem, como nem sempre os deuses possuiam as poderes que osantigos Ihes atribuiam (BUEST, 2001)
Os vestidos e saias usados por Hayworth tornam-se cad a vez mais
sofisticados no decorrer do filme. E como 5e Carmen surpreendesse 0 espectador
em cada apari<;:ao e nunca perdesse 0 ar divino atribuido a Rita. Ai, personagem e
atriz estao constantemente se mesclando. A roupa tern um papel p1<3Stico
fundamental dentro de cada quadro, pois e uma das pe<;:as mais importantes para a
composi<;:ao da personagem, devido a sua evidencia, funcionando como um c6digo
de informa<;:oes sobre quem a esta usando, como classe social, epoca,
caracteristicas de comportamento, humor, etc. Alem disso, a roupa esta em contato
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direto com a corpo do individuo, deixando transparecer suas formas e ganhando ela
tambem vida, passando a fazer parte da propria pessoa
Como uma alriz adquire as caracleristicas atribufdas anteriormente aDeusa Afrodite grega, a deusa do arnor e da beleza, equivalente a Venusramana? Cenario, dlmera, iluminayE!o naD seriam suficienles para construirtal mito. Um elemento que se aproxima do corpo da atriz, que a modele, amodifique, e necessaria para criar esla imagem. 0 figurine e 0 unieaelemenlo da prodw;ao cinematografica capaz de se aproximar tanto daatriz que a reerie. Tecidos. cores modelos, acess6rios. estampas. recorles,cabelos. fcram unidades que se agruparam para criar um simbolo, umaDeusa a Deusa do Arnor e da Paixao. (BUEST, 2001)
Como fara citado anteriormente, as vestimentas de cigana de Carmen sao
estereotipadas neste filme, semelhantes a fantasias carnavalescas, assim como
elementos tipicos de um povo padronizados por um processo de produc;ao em
massa com fins comerciais e que perderam, pouco a pouco, a essen cia de sua
tipicidade. Suas roupas remetem ao ludico, sao cliches de sensualidade e beleza de
urn mundo dominado pelo olhar masculino. Como nao poderia deixar de ser, ainda
hoje, na grande maiaria das vezes, ha urn dominio do olhar masculino tambem no
cinema, mesmo quando muitas rnulheres fazem parte da criac;ao e das produyoes de
filmes, 0 que perrnite a erotizac;ao da imagem feminina.
De acordo com Laura Mulvey, tal erotiza~ao da mulher na tela efetua-seatraves do modo como a cinema estrutura-se em torno de tres olharesexplicitamente masculinos: ha 0 olhar da camera na siluat:;ao que estasendo filmada [ .. J apesar de ser lecnicamente neutro. esse olhar e. comoja vimos. essencialmenle voyeuristico e via de regra "masculino" no sentidode que normalmente e um homem que esta fazendo a filmagem; ha 0 olhardo homem dentro da narrativa. que e estrulurado para fazer da mulherobjeto de seu olhar; e, final mente, ha 0 olhar do espectador masculino.(KAPLAN, 1995).
Logo no inicio do filme, urn dos oficiais explica a Don Jose a diferenc;a entre
as mulheres de Navarra e Sevilha, as quais, segundo 0 oficial, naG seriam moc;as
consideradas respeitaveis.
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de habitos, au uma questao de machismo, mas tambem, preconceito legado pela
cultura das col6nias tropicais; pais se considera que as pessoas da regiao sui da
Espanha - regiao rna is quente, mediterranea - possuam carater menos nobre do que
as do norte. Urn simples ajuste nas proporc;6es ffsicas e aquela velha briga entre sui
e norte, paises tropicais pobres (colonizados) e paises nordicos ricos (coI6nias) volta
a tona.
Jose recebe 0 titulo de "Don" porque e considerado urn nobre. Portanto, pela
estrutura de imposic;oes hierarquicas, ja citada anteriormente, nao deveria andar
com Carmen, cigana de origem humilde. As diferenc;as sociais e de classes sao,
aqui, apontadas no decorrer do filme pelos proprios ciganos, que em alguns
momentos demonstram escarnio a Don Jose par seu titulo e, em outros, afirmam a
incompatibilidade de amor entre os dois.
Em uma das seqi..iE§ncias, quando Jose mostra-se arrependido dos roubos que
pratica e propoe a Carmen que fujam e levem uma nova vida, ve-se mais um indicio
de moralizavao na historia. Obviamente Jose se arrependeria em algum momento,
pois teve uma educavao nobre e, em um filme tipico de Hollywood, isso e esperado.
Obviamente tambem, Carmen nao ace ita ria sua proposta, porque esta colocada,
pelos padr6es que 0 proprio filme constroi, em uma posi<;:ao imutavel, sempre a
margem do que e considerado correto ou aceito.
A Carmen de Rita, em bora traga a essencia da diva, faz do deboche uma de
suas principais caracteristicas. Ela debocha da vida, dos valores impostos pela
sociedade ocidental e de sua propria sorte. Mesmo quando a narrativa de The Loves
of Carmen afirma a impossibilidade de boa indole daqueles que nao se adaptam a
certos padr6es sociais, a atuavao debochada e tambem carismatica de Rita, mostra
suavidade na personagem. De forma contestadora, Carmen busca a liberdade e a
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aceita~ao do que ela e. A conclusao anterior nao tern 0 intuito de defender
agress6es, homicidios, mentiras, aD afirmar que esta Carmen tern certo ar de
rebeldia saudfwel e necessaria, apenas constata a nao total depreciagao da
personagem apesar da proposta preconceituosa do filme. Hayworth naD deixou
Carmen S8 tornar uma vila sem nenhum proposito, talvez por sua propria imagem.
Na ultima seqOencia do filme, Carmen veste-se de vermelho e preto,
mesclados. Este {raje em particular e bastante IUXUDSO, porque ela deve morrer em
grande 8stil0, pelos motivDs jil: discutidos. 0 verrnelho ai faz urn jogo duple,
representando a sensualidade de Rita, como um presente ao espectador, jei que
essas serao suas ultimas imagens. Mas tambem representa 0 sangue, a tragedia, e
urn prenuncio do que esta per vir.
o preto tira aquela alegria de Carmen, com suas roupas coloridas e
esvoac;antes e da um tom de seriedade a cena final. E a luto, a morte inevitavel da
protagonista. Neste filme, Jose morre junto a amada quando e surpreendido e
baleado por guardas. Nao e de se estranhar que isto acontel'a, pois, ja que 0 filme
mostrou-se conservador do inrcio ao fim, Jose nao permaneceria vivo em hipotese
alguma, pais tambem tinha que pagar pelos atos pecaminosos que havia praticado.
2.3 CARMEN JONES -I'ROPAGANJ)A E ENTRETENIMENTO
Em 1954, a diretar Otto Preminger traz ao cinema Carmen Jones, interpretada
par Dorothy Dandridge. Urn filrne bastante importante em sua epoca, composto per
um elenco negro, recebeu duas indicac;oes ao Oscar e venceu 0 Globo de Ouro
como melhor musical. A interpretac;ao de Dandridge, hoje, parece distanciar-se um
pouco da mulher que fascina porque e misteriosa, madura. A sensualldade adulta
fica escondida atras de uma Carmen semelhante a uma menina mimada, chela de
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vontades, inconstante e afetada em seu gestual, uma Lolita crescida. Pouco importa,
na verdade, de que fante tenha ida beber Dandridge - a frivolidade feminina de uma
pessoa madura au de uma adolescente infantilizada - pois urn dos pontcs de vista
que denigre a mulher e 0 de coloca-Ia em uma posil;ao de incapacidade ao
aprendizado, a independ€mcia, sendo considerada uma eterna crianc;a. Entao, de
qualquer forma Carmen 8sta marcada, tarnbem neste filme, a condenayao.
A propria mulher reconhece que 0 universo, em seu conjunto e masculino;as homens modelaram-no, dirigiram-no e ainda hoje 0 dominam; eta nao seconsidera responsavel; esta entendido que e inferior, dependente; naoaprendeu as ti<;oes da violencia, nunca emergiu, como um sujeilo, em facedos oulros membros da coletividade; fechada em sua carne, em sua casa,apreende-se como passiva em face desses deuses de figura humana quedefinem fins e valores Neste sentido, ha verdade no slogan que aconsidere "uma eterna crian~a" tambem se dizia dos operarios, dosescravos negros, dos indigenas colonizados, que eram "crian~as grandes",enquanto nao as temeram; isso significava que deviam aceitar, semdiscuss6es, verdades e leis que outros hom ens Ihes propunham: 0quinhao da mulher e a obediencia e a respeito. (BEAUVOIR, sId).
o filme faz jus a sua epoca e ao seu propos ito: entreter. Repleto de belos
atores e delicioso do ponto de vista da musicalidade - as canc;oes da opera,
adaptadas ao ingles e encaixadas no padrao de filme musical norte-americana da
decada de cinqQenta, dao a historia um ar pop, urbano, moderno e enlatado.
Em um primeiro momenta, Carmen Jones apresenta-se ousada, maliciosa.
Mas, logo em seguida, assume um ar doce e ate submisso ao levar Joe, 0 soldado,
a casa de sua avo e Ihe preparar 0 jantar, afirmando a necessidade do homem de
ter uma mulher que cuide dele, Dai em diante essa Carmen permanece durante um
longo periodo do filme, Ela espera par seu amado e rejeita a proposta de amor e
luxo de um rico lutador de boxe. Como em um passe de magica, Carmen se desfaz
de Joe da noite para 0 dia, interessando-se pelo prestigio do lutador, disposta a se
divertir como nunca, ainda mais quando recebe a interpretac;ao das cartas de tar6 de
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que morrera em breve. Esta inconstancia de carater, mulher anjo/mulher demonio,
aumenta a infantilidade da personagern. Carmen Jones e vila e mocinha ao mesma
tempo, e entao a medico e 0 monstro, pois transita de maneira rapida e leviana, de
urn lado para Dutro.
Tanto como 0 medico quanta como 0 monstro, tad a Carmen, pade ser
classificada como uma heroina dinamica, que derruba determinada barreira dentro
da estrutura do texto, 0 que Ihe permite a transposiyEio de fronteiras inatingiveis a
urn personagem im6vel. Carmen pade ser retralada bondosa, livre, sublime au sar
terrivelmente massacrada como mulher rna. De qualquer forma, ela esta sempre em
movimento, quebrando tabus, transpondo-se de urn rnunda a Dutro. Essa
caracteristica de mutabilidade de situayao e responsavel, em parte, pelo fasdnio que
o personagem provoca a cad a releitura. Sua facilidade de transito entre dois pontos
diferentes acontece por urn motivo contraditorio: 0 de Carmen estar fortemente
presa, imobilizada, em urna condiC;ao marginal. E porque esta a margem que pode
se transportar de sua origem cigana ou de urna determinada classe social para urn
outro lugar, que, a principio nao e 0 seu. E, devido a regras morais rigorosas,
Carmen e punida ao fim de cad a historia.
Yuri Lotman diz que na estrutura do texto 0 heroi se depara com urn sistema
de proibiy6es, uma hierarquia de fronteiras, que nao se pod em transpor, e que
quando ele se liga a um determinado mundo (nobreza ou povo, riqueza ou miseria,
etc.) e considerado imovel, do ponto de vista do tema. Carmen apresenta-se como
uma heroina dinamica que possui a faculdade de transpor a fronteira, coisa
inconcebivel para os outros herois. E par meio da transgressao da proibiy80 que
Carmen determina 0 acontecimento, a hist6ria.
IS
Opondo-5e a Carmen (mulher demonio), tem-5e Cindy Lou (mulher anjo),
antiga namorada de Joe, que na 6pera e representada por Micaela. Tipica garota
educada para se casar e se dedicar a familia e ao lar exclusivamente, Cindy veste
roupas de tons claros em contraste aos trajes vermelhos marcantes e sensuais de
Carmen. Lou passui uma voz suave, permanecendo ao lado de Joe, mesma quando
ele a despreza. Em uma das can96es do filme, enquanto os dais ainda estao juntos,
declaram seu arnor urn ao Dutro de maneira a S8 campara rem aos seus pais. Joe
afirma amil-Ia e ser incapaz de deixa-Ia por Cindy ser extremamente parecida com
sua mae. Ha ai mais uma propaganda moralista: a mae representa a "santidade",
Cindy Lou e comparada a mae, logo Cindy Lou e uma e5pecie de Santa e deve
servir de exemplo para que todas as mulheres sejam angelicalmente submissas.
The opera altered the story theme by adding two significant charactersboth serving as dynamic contrasts to Carmen and Jose. Opposing the"unholy"' Mary of Carmen is pure, virginal, motherly Mary, Micaela .- addedto satisfy the operatic need for a soprano as well as to portray idealizedmoral qualities of womanhood. Micaela intensifies awareness of Jose'spathetic choices, magnifying the dramatic struggle. (BENSUSAN, 2002)2
Ta[vez a propaganda mats evidente que apare9a em Carmen Jones seja a
belica. Jovens negros, belos e disciplinados sao chamados a [utar peto pais na
primeira Can9aO do filme, onde inclusive criangas, em meio a uma marcha
descompassada, cantam 0 louvor ao sold ado e dizem mal poder esperar pelos seus
vinte e um anos para prestar servigos ao exercito norte-america no.
Como metafora, pOis este fllme nao e s6 feito de mensagens moraHstas e
propagandas explicitas, htl aqui 0 vermelho, principalmente nas roupas de Carmen,
2 A opera alterOll 0 lema da esloria ao acrcscelltar dais personagells signiticanlcs, amhos scrvindo comoCOlllraSles dimimicos II Cannen e Jose. Opondc·sc a ··profnna" Carmen. CSI;] a pum, virginal e mrllernal Micaela. adicionada para satisfazer ii. llccessidadc da opera de uma soprano assim como para rc!ralar as qualidadesmorais fcmininas idcalizndas. Micaela intensifiea a pereq)\iio das cscolhas pmclicas de Jose, amplifllldo a luladraln;]lica.
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representado a sensualidade e a paixao que movem a protagonista. Mas a presen~a
de locomotivas produz, como em Godard (citado posteriormente), metaforas menos
cliches e mais atraentes. Em uma das sequEmcias do filme, Joe e Carmen estao
dentro de urn quarto de hospedaria em Chicago, ande Carmen sente-s8 presa e
come,a a repudia-Io; atraves da janela do quarto, veem-se trens passando de
maneira rapida, duas au Ires V8zes, fazendo literalmente tremer 0 recinto. Aquele
quarto fechadc e pequeno S8 assemelha a uma prisao, 0 que e a piar pesadelo de
Carmen, que ama sua liberdade acima de tudo, inclusive da propria vida. Nao 56
pela estrutura fisica de qualro paredes, mas principalmente porque e com 0 Joe
fugitiv~, sufocador e controlador que ela deve enfrentar esla situac:;:ao, Carmen nao
ve mais vanta gem em estar ali. 0 trem entao representa para ela um desejo violento
de fuga, de levar a vida intensamente, de realizar suas vontades, mas tambem
representa 0 odio que vai se instalando em Joe por aquela mulher, que ele percebe
estar Ihe enganando, pois sabe que se deixou prender em uma armadilha do destino
da qual nao ha retorno, justamente por amor a ela.
2A CAIIMEN DE SAUNA - ESI'A(OS DE JUGO Ie IlEALIDADE
o filme de Carlos Saura, Carmen, de 1983, faz uma releitura do tema
conhecido pelo publico. Saura volta-s8 as origens da obra: a danrya flamenca
(representando os ciganos), ao livre, a opera, fazendo uma mistura de todas essas
diferentes mal1ifesta~6es artisticas, que giram em torno de uma mesma histOria. 0
enredo do filme - um grupo de bailarinos que ensaiam para a apresenta9ao de
Carmen, a opera, em forma de flamenco. Nos primeiros minutos, os bailarinos
bailam ao som da guitarra, enquanto algumas musicas da opera sao inseridas,
havendo tambem narrat;:oes de trechos do livro par Antonio Gades, aclamado
20
danl'arino espanhol e um dos principais personagens do filme. A arte falando da
linguagem da propria arte, S8 ve 0 carater metalinguistico que Carmen de Saura
tern, desde 0 inicio da narrativa
Convem observar 0 nivel metalingOistico da obra: trata-se de urn filmesobre a montagem duma obra de arle, onde 0 que se tern sao apenas asbaslidores, nem sequer uma cena acabada. Numa dupla prospec9aocrftico-inventiva, 0 filme apresenta-se como uma indagayao acerca dalinguagem da arle. (GUIMARAES, 1994)
As referencias usadas par Saura, presentes em todo 0 filme, sao mescladas,
sobrepostas umas as Qutras, sem definiyoes claras de que Carmen S8 esta falando,
fazendo uma composiyao que da sustentaCY<3o ao que vira a seguir - uma hist6ria
que fara confundir entre 0 que e 0 real denlro do filme e a que faz parte do palco,
dos ensaios, da fantasia. A atuac;ao lorna-se dupla, par vezes os alores estao
fazendo 0 seu papel, enquanto personagens e, por vezes, as pr6prios personagens
estao atuando para a sua representa<;ao de Carmen. E esses dois mundos, mais
bem delimitados no inicio, vao se sobrepondo, com grande intensidade, ao longo da
hist6ria, e acabam por se confundir inteiramente, ao final.
Ja a duplicidade da Carmen de Carlos Saura, manifesta-se atraves do sutil
jogo entre aparencia e realidade, sonho e vigilia. A representa<;2Io de um ensaio tem
rela<;ao direta com a vida dos artistas, vida esta que S8 confunde com os desejos, 0
tempo. a memoria e a condi<;ao do criador que para falar sabre si mesmo, posiciona·
se do outro lade do espelho. Assim, 0 que aparentemente implica num
desdobramento da fic<;ao - Carmen dentro de Carmen - traduz uma liga<;ao mais
pessoal entre diretor e protagonista.
Antonio, 0 coreografo do espetaculo, esta a procura de uma mulher para
representar sua Carmen, mas nao consegue encontrar em nenhuma dan<;arina 0
21
algo mais de que necessita. Em sua busca, aD assistir ao ensaio de um grupo de
danga, encontra a pessoa certa, uma das bailarinas, Carmen, que chega atrasada e
logo chama sua ateng2lo. Ela nao e muito experiente, mas mesma assim, Antonio
fica encantado e a convida para fazer parte de seu grupo e para encenar a
personagem hom6nima. Carmen aceita sua proposta.
Ve-se que tambem neste filme, a protagonista est;' descontextualizada e de
certa maneira, a margem. Primeiro porque ela a uma invasora, alguem que vern de
fora, uma completa desconhecida e, segundo, porque ela nao esta a altura dos
Qutros bailarinos, em termos de tecnica e experiencia, precisando de ousadia e
enfrentamento para pader ser aceita. Carmen, a bailarina, comega a demonstrar
muita semelhanga com a personagem que vai interpretar - dissimulayao,
atrevimento, sensualidade, provocayao e, ao mesmo tempo em que isso acontece,
Antonio, que faz ° papel relativo a Don Jose no espetaculo, mostra interesse por ela.
Ai a historia do filme e a hist6ria que sera representada pelos bailarinos de flamenco
iniciam sua mescJa.
A vida e aquela dos personagens do fitme ~ Ant6nio e Carmen· enquantoatores e bailarinos. A arle e a Iransforma<;:ao deles em personagens da6pera, incorporando seus sentimenlos e emo<;:6es. A fusao e lao perfeila(con/fusao altamente produtiva em termos semi6ticos) que resta saberquando eles eslao "vivendo" au nao as persona gens da 6pera.(GUIMARAES, 1994).
Em uma das seqGencias, Carmen esta no camarim e encontra-se com urn dos
olhos evidentemente maquiado e ° outro, desnudo. Isso jil da indicios, na primeira
parte do filme, de sua dissimulayao e dualidade. Ela esta sempre atrasada para os
ensaios e nao da satisfayao de sua vida pessoal a nenhum dos outros componentes
do grupo, ° que revela irreverencia e misterio. Em urn momento, Antonio a instiga
durante urn ensaio, provocando-a para que ela se solte mais e amplie
22
horizontes como dan<;arina. 0 que e respondido por Carmen, posteriormente,
quando em uma noite ela aparece no estudio e encontra Antonio sozinho. Carmen,
primeiramente pede que ele dance para ela, 0 induzindo a urn ritual de sedu<;ao e
depois, repete a sequencia citada, provocando Antonio e lazenda a papel da mulher
dominadora, que nao aceita as imposi<;oes de urn homem. Nesse momento, Antonio
ja se encontra completamente apaixonado por ela, e se deixa levar por seu amor,
assim como urn toura e lentamente abatido por um toureiro. Esta enraizada a
Carmen personagem da 6pera na Carmen bailarina de flamenco, as duas sao a
mesma pessoa, os Iimites entre 0 real e 0 imaginario minguam a cada cena.
Ja na ultima parte da historia, Antonio a ve em um quarto dentro do proprio
estudio de dan<;a, tendo rela<;ao sexual com um bailarino e ela, diante desse
flagrante na~ se altera. Diz que a ama, mas que e livre e que nao Ihe deve
desculpas. Nesse momenta, Antonio esta vivendo todo 0 pesadelo de Don Jose.
Uma outra evidencia de confusao entre as dais mundos contextualizados no
filme, e a fato de Antonio viver enclausurado dentro do local onde os ensaios
acontecem, Alem de estar presente nesse ambiente a dia todo, ele tambem dorme
la, tern seus pensamentos mais intimas e suas inspira<;oes nesse local, como em
uma das seqOencias em que ele imagina Carmen com a vestimenta completa de
uma bailarina de flamenco, ao sam de uma das musicas da 6pera. Antonio vive seu
pr6prio espetaculo. E como se a vida fora do palco, nao fizesse sentido para ele a tal
ponto que ele nao 56 procurou uma mulher com caracteristicas semelhantes a
personagem para representar sua Carmen, em preferencia a uma dan<;:arina mais
experiente e profissional, como tambem se apaixoneu per ela. Par volta dos
cinqOenta minutos de tilme e que conseguimos ve-Ie em uma seqOencia externa pala
primeira vez.
2J
A personagem que faz 0 papel da inimiga (desafiadora/oposto) de Carmen
nesse filme, nao e uma ex-namorada de Antonio, mas sim Cristina, a melhor
bailarina da companhia, uma mulher mais madura e seu brac;o direito. E interessante
tambem 0 fato de Saura ter mantido os nomes verdadeiros de alguns dos artistas.
Anlonio e interpretado pelo proprio Antonio Gades e Cristina, par Cristina Hoyos,
assim como Paco de Lucia, interpreta Paco. Essa caracteristica mistura a historia do
filme a vida real nos primeiros segundos da narrativa, pois 0 publico identifica esses
artistas, muito consagrados, e faz a conexao imediata de seus verdadeiros nomes e
profiss6es, aos personagens, tendo a impressao de familiaridade entre eles.
Cristina rejeita a ideia de Carmen se integrar ao grupo e assiste, pouco a
pouco, a queda de Antonio. Alem de achar que Carmen nao tem competencia
suficiente para 0 papel, Cristina tem a pretensao de interpretar Carmen no
espetaculo, 0 que Ihe e neg ado por Antonio que a considera inadequada ao papel
devido a sua idade. Existe ai tambem uma competic;ao entre duas mulheres per um
mesmo homem, talvez nao por amor, da parte de Cristina, mas por predilec;ao, per
hierarquia. Em Cristina, Carmen encontra 0 seu duplo e seu oposto, como ocorre em
Carmen Jones (Carmen e Cindy Lou). Em ambos os casas, 0 confronto entre as
duas mulheres se da por destaque e prestigio junto a um homem que elas
consideram poderoso, Antonio/Joe.
o espectader descobre quase que concomitantemente aos personagens do
filme que Carmen possui um marido na prisao. Essa descoberta atormenta Antonio,
principalmente quando 0 marido sai na cadeia e acompanha Carmen a um dos
ensaios. Em uma seqOencia bastante teatral, Antonio e esse novo personagem
estao jogando baralho com um grupo de comparsas e iniciam uma briga, com
bengalas, lazendo 0 papel de espadas. 0 que se pode ver sao suas sombras na
parede, embaladas p~r um ritmo bem compassado, uma cena que lembra em muito
uma apresenta,ao de palco, seja de uma pe,a ou de um espetaculo de dan,a. Essa
seqOencia surreal confirma mais uma vez a mistura da realidade e da ficC;c30 dentro
da histOria. Depois 58 descobre que 0 homem que briga com Antonio era somente
urn dos danc;arinos da companhia, a briga era apenas mais uma parte do ensaio. 0
danc;arino veste uma peruca e fica extremamente parecido ao marido de Carmen
enquanto luta. Esse jogo produzido por Saura ludibria 0 espectador de tal forma que
S8 come9a a adetar 0 ponto de vista de Antonio, 0 publico tambem ja naG ve as
limites entre as dais mundos.
Em urn dado momento, dentro do estudio cnde os ensaios acontecem S8
passa a festa de aniversario de urn amigo dos artistas. Todos brincam, satirizando
as personagens da opera. Esse ar de deboche que S8 instala, deforma e faz urna
inversao da realidade da opera, transformando a cena em uma par6dia, 0 que exp6e
mais uma vez, a duplicidade do filme e coloca explicito, de maneira brusca e comica,
o jogo entre real e 0 imaginiuio.
Para as formalistas, a par6dia era vista como uma substitui<;:ao diah,Hica deelementos formais cujas fun<;:6es se tornaram mecanizadas ouaulomalizadas. Uma defini<;:ao que proponho de par6dia como imila<;:aOcom a diferen<;:a critica impede qualquer endosso das preocupa<;:oes deaperfei<;:oamento da teoria dos formalislas russos, enquanto obviamentepermjte concord~lncia com a jdeja geral da par6dia como r6tulo decontinuidade e mudan<;:a. Para essa defini<;:ao parto de Deleuze, para quempar6dia e repeti<;:ao, mas repeti<;:ao que implica diferen<;:a. Vou mais longe:parooia nao e apenas repeti<;:ao aUerada de um lexto literario, mas tambemde uma situa<;:ao histOrica. (DOURADO, 1994, Confer~ncia pronunciada naSorbonne em 17 de novembro de 1992)
De repente, Carmen surge quase completamente paramentada. como se a
apresentar;ao real fosse se realizar naquele momenta, exceto pelo leque que tern
em sua mao ser Feito de papel. Esse detalhe aumenta a comicidade da cena e 0 tom
de brincadeira entre os colegas, reForr;ando assim a par6dia.
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A sequemcia final mostra 0 apice da mesela entre a realidade dos
persona gens do filme e ados personagens da 6pera. Durante um baile, que se
passa no palco, espac;o da fantasia, Carmen e urn toureiro se seduzem, 0 que
provoca a ira de Antonio. Carmen, aborrecida sai do palco e vai para 0 espac;o que
demarcaria a realidade, Antonio a segue. Ap6s uma discussao, se tern 0 conflito final
com 0 assassinato da protagonista pelo homem que a ama, em uma sequencia
dramatica que parece bastante real nao fosse a tranquilidade com que os outros
personagens dao continuidade a ela, como se nada de estranho tivesse acontecido.
o espectador fica sem saber se a morte de Carmen ocorreu no plano real ou no
plano imaginario - da fantasia dos ensaios ou mesmo da fantasia do pr6prio Antonio.
o filme revela mais uma vez, atraves dos recursos de roteiro, interpretac;ao, direc;ao,
licenya poetica do diretor e edic;ao, a dualidade de Carmen atraves da ambiguidade
produzida no enredo do filme.
2.5 CARMEN DE GODARD- METAFORAS E DISTANCIAMENTO
Jean-Luc Godard estreia sua Carmen em 1983. A mulher estereotipada,
sensual, perigosa, cheia de trejeitos desaparece das telas para dar lugar a uma
Carmen mais substantial - que tambem e forte e passional, porem mais cabivel
dentro do contexto da realidade, apesar da narrativa distanciada tipica de Godard.
Aqui, 0 poder desestabilizador da personagem se da mais por meio de metilforas
imageticas e sonoras, do que propriamente pela trama narrativa. Em um dado
momento do filme, Carmen se refere ao seu titulo original, "Prenom Carmen",
quando ela pergunta a Joseph, seu companheiro, 0 que viria antes do sobrenome,
antes do nome, como quem busca a ideia, a essen cia das coisas, dos sentimentos e
de seu pr6prio ser. E interessante como Godard comp6e os personagens de seus
26
filmes, de maneira que nao S8 precise transmitir mais que a sua essencia, sem a
preocupa980 com 0 que os leva a fazer 0 que fazem ou a agir como agem. NaG e
preciso discutir sua "historia", pais eles ja contam a Hist6ria de urn mundo moderno
modificado par tadas as transformagoes artisticas, politicas, socia is e tecnol6gicas
que ocorreram na ultima metade de sEkulo .
. 0 her6i de nosso tempo e urn desajustado - nao tern passado au nao selembra dele (sic), vive urn presente confuso e nao vislumbra nenhumfuturo. E claro que as forma tradicionais artisticas nao mais poderaoretratar este heroi e seu mundo. (BRASIL, 1967)
o novo heroi, desajustado, ja fora presente em Godard, durante a Nouvelle
Vague, em que ele S8 consagrou como diretor. Pode-se notar isto em seus filmes -
Vivre sa vie e A Bout de Soufle - com personagens curiosos que, como Carmen,
estao fora da sociedade, estao a margem, caracteristica "facilitadora" de sua suposta
liberdade.
A Bout de Soufle e Vivre sa Vie sao os dois filmes mais importantes naultima fase evolutiva do cinema. Sua atualiza<;ao e tambem de ordemhist6rico-filos6fica: 0 viver, 0 estar neste mundo, amea<;ado por um novo(sic) diluvio. Ah§m disso, 0 homem nao tem mais nenhuma perspectivasocial, moral ou politica. Perdeu sua oPC;ao: e um encarcerado e umacossado. Mais no filme Vivre sa Vie do que no primeiro, a suposta"Iiberdade" dos personagens esta no marginalismo social.(BRASIL, 1967)
A presenya do mar (imagem e som) em Carmen, de Godard, e constante - do
oceano tranqQilo as ondas revoltas - expressao de necessidade de liberdade, do
desejo e dos impulsos pertencentes aos dois protagonistas e por que nao, ao ser
humano. Em determinadas situa90es, 0 sam produzido pelo mar torna-se nao
diegetico, tornando-se trilha sonora do filme, ao fazer parte da intimidade de Carmen
e Joseph, mesmo quando 0 mar, ele proprio nao esta presente. Em outros
momentos, seu barulho subst;tui a fala dos personagens - 0 casal se expressa
oralmente atraves do ruido das ondas. Tem-se ai, inicialmente, a construgc3o de um
significado para 0 mar, 0 da paixao, dos desejos/impulsos e liberdade, para rna is
tarde, na trama, haver a substituigao de urn dialogo coloquial entre dois amantes,
seja ele em urn momento de raiva, paz ou amor, pelo barulho das ondas, que, neste
caso, dizem mais que mil palavras.
Muitas vezes, quando se faz a adaptagao de urn texto literario para um filme,
ou, neste caso, de urn texto litera rio para uma opera e posteriormente para um filme,
tem-se incrivel dificuldade em transformar as sensa90es que, inicialmente sao
descritas em palavras, em diferentes tipos de express6es que envolvem 0 sonoro e
o visual. Utilizando-se de metaforas e da busca do substancial em cad a cena,
Godard, soube transpor bem a literario em pelicula, pais captou a essencia das
emogoes dos personagens e das situac;oes, nao precisando, assim, usar as palavras
como ferramentas principais de comunicac;ao.
Ha dois textos paralelos sendo narrados alem do proprio Carmen: 0 ensaio de
musicos para a apresentagao de um concerto classico e a historia de um cineasta
fracassado (Godard), tio da protagonista. Carmen pede sua ajuda para que passa
realizar um filme com os amigos, Godard esta esquecido em urn sanatorio e
desenvolve com a sobrinha dialogos aparentemente desconexos, que, na verdade,
falam do proprio cinema e, enfim, das dificuldades de se realizar um filme.
o som dos violinos, bastante presente no filme, seja de forma diegetica,
quando os ensaios sao mostrados ou nao diegetica, parte da trilha sonora chega, as
vezes, a se mesclar ao som do mar. A musica classica, que vern da preparag80 dos
artistas em primeira instancia, contagia a trama ate 0 ultimo momento, tendo urn
papel emoldurador e colocando-a em uma ambiencia musical, que remete 0 referido
filme a opera, onde a musica tem um valor narrativo e emocional primordial.
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A repetida cena dos trens, que corrern em direyoes opostas e chegam a S8
encontrar lado a lado durante poucos segundos, para depois S8 distanciar
novamente, tern seu inverso na seqOencia em que uma bifurca<;:3o term ina em uma
(mica rua continua. A primeira cena narra as desencontros, 0 impulso de ir atras de
urn desejo que estara sempre em para lela a realidade, au seja, nunca a encontrara
de frente au S8 fundira a ela, sendo, portanto, inatingive1. Ja a segunda seqOencia
descrita - captada em plongee, bern mais discreta no filme, nao passui repeti<;oes e
fala de dois ou mais pontcs que S8 encontrarao e seguirao 0 mesmo caminho.
Encontros e desencontros amorosos, Carmen tambem diz respeito a i550. Na
historia, entre 0 soldado e Carmen existem mais dois personagens: 0 toureiro, por
quem ela se apaixona e a antiga namorada de Joseph. Esse quarteto indica os
desencontros amorosos ja previstos pela famosa musica (Habanera) do inicio da
opera. Ora as desejos de Carmen e do soldado andam juntos e eles seguem a
mesmo caminho, ora separados, correm em dire~6es opostas.
Quando Joseph sente-se desesperado porque percebe que ele nao mais
interessa a Carmen, ha uma longa sequencia em que acaricia uma televisao fora do
ar, abra~ado a mesma, como se aquela fosse sua ultima tentativa de possuir a
mulher que ama, nem que seja por meio de uma imagem, de uma ideia.
Carmen faz um assalto a banco com alguns amigos, no inicio do filme. Um
homem caido bem proximo a uma mulher, desconhecidos, ambos mortos, sao
focalizados por um longo periodo e ha sangue abundante no chao. A pessoa
responsavel pela faxina entra em cena para limpar 0 sangue, como se nada
houvesse acontecido. Esta ali escancarada a ultima cena de Carmen, 0 drama
passional leva do ao extremo. Equal seria 0 papel da faxineira indiferente? Ela nos
avisa que aquilo e um filme, um espetaculo montado, brinca com a ideia do real e da
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fic~ao, joga com 0 final tragico, provocando 0 estranhamento no espectador. Uma
metafora visual traz a seriedade da narrativa urn tom comico. Este recurso de
mostrar ao espectador 0 filme par tras da historia sera mais bern discutido em
Chaplin.
Outra pitada de comicidade ocorre logo que Carmen e Joseph S8 encontram e
se envolvem - os dais estao atadas pelas maos e andam juntos par algum tempo.
Mais uma vez, ai, a metafora da ligaC;8o passional, carnal, amorosa e espiritual de
que sao tornados as enamorados. E, neste casa, eles estao literalmente atadas urn
ao Dutro, 0 que chega ao absurdo de uma situaC;80 inc6moda e estranha para os
personagens e para 0 espectador. Que encantamento resiste a obriga<;ao, a ratina, a
falla de liberdade, de individualidade? Nao 0 de Carmen, com certeza.
Uma metMora bastante cliche em varios filmes sobre Carmen e 0 usa da cor
vermelha, principalmente em suas vestimentas au nas de Qutros personagens,
quando tornados pela paixao em momentos estrategicos; este e urn exemplo de
lugar-comum, do qual nem Godard conseguiu se libertar.
Sua Carmen tambem e moria no final da hist6ria, mas nao ha aquela cena
marcante que apela para a rnusica tragica, e sim, uma mOrie tranquila, surreal, onde
uma das perguntas da personagem - "Como S8 chama quando tudo esta perdido e
o dia rompeT - e respondida pelo gan~om com quem ela fleriava pOUCD antes de
Joseph a assassinar. E depois desta rapida sequencia, da-s8 urn corte para mais
uma imagem do mar. Carmen esta livre.
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3. CONCLUsAo
Aspectos particulares e diferenciais dos cinco filmes escolhidos ja foram
analisados, agora havera uma breve comparac;;.3o entre eles. Quais sao as tra905
recorrentes da personagem que a tornam uma figura-tipo? QuaiD motivD da atrag80
que esta obra exerce nas pessoas, a ponto de ser retomada com freqi..iencia? Talvez
as dais pontcs mais evidentes em todas as Carmens sejam a sua condic;;ao marginal
e sua ambigOidade. Na opera e no livro, 8ssa personagem ja esta excluida
socialmente pelo fato de ser uma cigana, por nao estar de acordo com 0 que a
sociedade ocidental julga como regra. Pade-s8 ver isso abertamente em The Loves
of Carmen.
Alem disso, ela e marginalizada porque e uma mulher que procura ser livre,
tamar a frente das situac;oes, como os homens e, em muitos casos, esta ligada a
corrupc;ao, a mentira, ao assassinato, ao submundo, a uma classe social baixa.
Tambem por ser provocadora, trair 0 homem, 0 enganar, 0 carromper, Carmen esta
fadada a estar a margem, olhando a sociedade com distanciamento.
Elle derange parce qu'elle est differente. Elle derange parce qu'ele n'obeitpas a la loi commune. Elle ne peut donc etre marginale meme si. pournombre de ceux qui croisent sa route, elle joue a la fois um role d'aimant etde revelateuf (... ] Voila certainement i"aspect Ie plus excitant de Carmen;elle defie constamment les certitudes et, imprevisible par nature, sembletoujours reagir a contretemps. (HENEBELLE, 1999).3
Par ser cigana e mulher e devido a intolerancia e ao preconceito, a maldade
de Carmen tern side reforc;ada em muitas de suas versoes. Paradoxalmente, a
condic;ao de cigana e mulher pode isenta-Ia de parte da culpa que Ihe e atribuida,
.l Ela pertllrba porque ela e dijcrente. Ela perturba porque cia ni'io obcdeee ,\ lei eomum. [Ia n[lo pode, portanto,ser marginal meSIllO SC. em nome daqueles que eruzal11 sell caminho, ela desempcnha, ao lI1eSIllO tempo, umpapel de amantc l' de reveladora r ...l [is ccrtamenle 0 aspcclo mais ('xci1<lntc de Carmen: cia desafiaCOIlSlanlcmentc as CCrlczas e. imprcvisivel por natureza, parcee semprc ITagir a eOlllrak:mpo
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parquet desta forma, ela e considerada urna ~crian9a crescida", de uma liberdade
imatura, inconseqOente, como ja fora citado anteriormente. Essa dualidade leva
Carmen a urn mesmo ponto comum: a inferioridade. Carmen joga sempre com essa
ambigOidade que Ihe loi imposta por sua pr6pria condiyao.
Caompreende-se a partir desta analise que ela pade ser retratada como a
mulher livre e, de certa forma ingenua, ou como pessoa rna, perversa e sensual.
Mesmo quando ela e mostrada sob 0 ponto de vista da liberdade e da transgressao
leve de valores, e ainda assim, urn produto do homem, das muitas ideias do feminino
que habitam a mente masculina. Carmen nao e uma mulher construida par uma
outra mulher, mas sim par todo urn universa dos homens.
Dominante, 0 cinema feito em Hollywood e construido de acordo com 0inconsciente patriarcaJ;as narrativas dos filmes sao organizadas por meiode Hnguagem e discurso masculinos que paralelizam·se ao discurso doinconsciente. No cinema, as rnulheres nao funcionam, portanto, comosignificantes de um significado (a mulher real) como supunham as criticassociol6gicas, mas como significante e significado suprimidos para dar lugara urn signo que representa alguma coisa no inconsciente masculino.(KAPLAN, 1995)
Ainda que a narrativa lhe permita ser a heroina que luta por seu espac;o;
reforya atos inaceitaveis como roubo, assassinato e traiC;ao, ou atos imaturos, que
fazem dela tambem uma vila. Carmen (a obra) e bastante retomada, porque atende
a uma estrutura social patriarcal, ou seja, justifica a maldade de Carmen ou sua
ingenuidade por pertencer ao sexo fragi!. A personagem agrada, muitas vezes,
porque assume 0 papel da libertadora, sem que se perceba que sua "Iiberdade" a
leva quase sempre ao ponto inicial discutido: a inferioridade (marginahdade,
provocac;ao pura, malicia, inconseqOencia) reforc;ando, mais uma vez, a ideia de
mulher anjol mulher demonio. Atendendo a uma estrutura padrao da sociedade
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patriarcal, Carmen esta sempre presente e facHmente a personagem torna-se uma
figura-tipo, ao longo de rna is de urn securo.
However, our knowledge of and information about Carmen is all secondhand: all from the mouths of men, or, in the case of Carmen's spoken wordsrecorded on paper, from the pen of the male author, Prosper Merimee. Weare caught in the same difficulty that we have in knowing Eve -- since thewitnesses are not female, neither is the point of view, (BENSUSAN. 2002)4
Urn outro aspecto muito irnportante que se deve levar em considerat;ao a
respeito de Carmen e a caracterizat;ao de suas personagens femininas como
angelicais ou perversas, e 0 fato de a obra original (de 1845) ter aparecido
justamente no periodo do Romantismo na literatura. , movimento que surgiu no fim
do seculo XVIII. A fase em que Carmen foi escfita e bastante particular - um
momento resultante da revoluc;:ao industrial na Europa, que gerou significantes
mudant;as nos aspectos sociais, nos papeis sexuais e nas artes .
... as sociedades ocidenlais es/avam Ilum estado de transiQao queinevitavelmenre pertUfbava os Iradlcionais papeis sexuais. A dic%miavirgem-prostituta (evidenles nas fepresentaQoes ocidentais da mulherdesde os tempos antigos) tomava entao a forma que dominou 0 melodramac/assico. (KAPLAN, 1995)
Historicamente, 0 ambiente exotica da Andaluzia era bastante familiar aos
franceses na epoca em que Carmen fora escrito e, alem disso, os varios contos
sobre 0 povo cigano e a sensualidade de suas mulheres, tambern eram comuns
entre os cidadaos da Franc;a, narrados pelos militares que lutaram junto a Napoleao
na virada do securo XIX. 0 estrangeiro sedutof e exotico foi um tema muito admirado
pelos rornanticos desse seculo.
J No cnl;l11to. nosso conhecimento e l10ssa illftJrlna~l'lo a rcspeito d •...Carmen S;IO 10dos de scgunda 111,10: IOdo~contados por homens. 011. 110 caso d<"ls pal<lvras dilas pOI' Carmen rcgistradas 110 paper. pela callela do ;IlIWrmasculino. Prosper Mcrimce. Encontrall1o-nos Has IllCSI1l<"ldificuldad..:: que temos em (onheCcr LVii j~ que asIcstcmunhas nilo s;ln femininas. tambCI11113U 0 C 0 ponto de visJa.
33
Merimee's story is solid Nineteenth Century Tragic Romanticism. For settinghe uses the rustic color of rural Andalusia ••a land familiar to Frenchmenwhose forefathers fought pagan Moslems and the powerful armies ofSpain's wealthy Hapsburg Kings. Later, French soldiers supported amember of their Bourbon family when he became King Philip V of Spain. Atthe turn of the nineteenth century. France's population heard countless warstories told by veterans of Napoleon's Peninsular War (1808-1813). Thosemilitary men spoke of seductive Gypsy women, perhaps fondly andlongingly? Is Carmen perhaps a French man's lockeHoom story? Or wasCarmen packaged and marketed as an Exotic, Foreign, Seductive,
~~~~~~\~~~i~~~~~~~~r~t2~~~)~pe so admired by the Nineteenth Century
Parte do fascfnio que a personagem exerce encontra-se na curiosidade da
sociedade ocidental, que procura buscar nas varias leituras de Carmen, 0 lado
exotico citado anteriormente, os aspectos do povo cigano (desconhecidos ou
estereotipados) - vida, costumes, folclore, cren9as. Algumas vezes, essa busca vem
diretamente da explorayao de uma personagem cigana, como em The Loves of
Carmen. Qutras vezes, explora-se como exotico, 0 fato de Carmen estar sempre
envolta par uma nuvem de misterio, qui9a construida porque ela nunca pertence ao
lugar onde esta. Por fazer 0 papel da heroina dinamica, como ja foi discutido,
Carmen e invasora de um rnundo que nao e seu, 0 que a leva, mais uma vez, a
marginalidade. Q tema exotico foi bastante comum durante 0 Romantismo, como ja
fora citado.
Alem dos valores mora is mostrados par Carmen e de sua excentricidade,
essa obra esta fortemente ligada a musica (seja no formato da opera, do flamenco
de Saura, dos violinos de Godard, do musical enlatado de Carmen Jones) e tambem
a danya. Essas duas artes dao ritmo a hist6ria e, como ja foi dito em Godard,
emolduram-na. Q leque de adaptayoes de Carmen para 0 cinema, devido ao
~A cstoria de Mcrirncc c lipica do wmantismo !r;igico do seclIlo XIX. Como pano d~ tillldo l.'le lisa a cor rllslieada Andalusia rural. lima tcrra conhccida pdos franceses cujns antel'<lssados lular.1I11 cOl1!ra mul.,umal1os pag.los cos e.\crcilOs poderosos d(ls ri(.'O$ reis I [apsollrg cia ESP<lllh;!. Mais tarde. os soldados fri\llcescs apoiaral11 lJllI deseils mel11oros da (,l111ilia Bourbon quando dc se 10nlOil rci Fclipe V cia [sp.lI1l1a. Na virada do sccula XIX. apapula~;'ja francesa auvill inlllneras cstorias de SlIclTa contadas pelos veleranos da Guerra Peninsular deNapoleao (1808-1813). t\quclcs militares falavam de ll1ulheres ciganas scdutoms. talvez ufeluasmllentc csaudOSamenle? Foi Carmen lItll baalO de algum frances? Ou fai ela corncrcializada COIllO uma estrangeiraexotica, sedulara. uma feilicira cultural men Ie difcrentc, lim (ipo tao admirado pelos rOlll,inticos do seculo XIX?
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complemento que a musica e a dan~a oferecem audiovisualmente, e bastante
grande. as motivQs discutidos tarnam a obra Carmen universal, atraente a grande
malaria da sociedade ocidental. Carmen e 0 livro que S8 transformou em opera, em
fjlmes, em pe9as, em apresenta90es de ballet. 0 casal Jose e Carmen apareceu em
Qutros inumeros tipas de meiDs de comunicayao, como comerciais, satiras de grupos
humoristicos e tiras em quadrinho, entre Qutros.
This elemental nucleus has evoked endless variations. They are found inliterature, verse, opera, instrumental music, vocal music, theater, dance,motion pictures, staged musicals, filmed opera and ballet, and communityplays. Carmen and Jose have appeared in movie cartoons, comic strips,and slapstick vignettes by Jack Benny, Fred Allen, The Honeymooners andLucille Ball, as well as (anger parodies by Spike Jones, Stan Freeberg,Monty Python and Benny Hill. They and the well·known operatic music havebeen the frameworks for countress television advertisements forautomobiles, breakfast cereals, appliances and other consumer products.(BENSUSAN, 2002)'
to Essc mic1co clClllcntar deu origen a intiml;ivcis vflria~ocs. Elas silo cllcolllradas na lileralura. pocsia. opera,musica instrumcntal c cantada, Icatro. dan~a. filmcs. musiCflis. opcras c bales IlImados c pe~as da comunidadc.Cannell c Jose aparcccram em ;ll1i1l1a~('ics. tirinhas e vinhclas do lipo p<lslclilo por Jack llenny. Fred Allen, osHoneymooners e Lucille Ball. flssilll como Cill pan'ldias mais longas de Spike Jones. Stan Frecberg. i"[onlYPython c Bcnn~ Hill. E1cs c as IIlt.sicas l;u1105a5 da 6pcr<l ",cn iralll como estnllura para iniu11cras propagrmdasIckvisivas de aUlOm6veis. ccreins matinais. 1I1ensilius c OlHroS produlOs
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