modernizacao teatro europeu
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ALGUNS ASPECTOS DA MODERNIZAO DO TEATRO EUROPEU
Na abertura do curso de LB VI costumo dar uma aula para contextualizar o
surgimento do teatro moderno na Europa e na sequncia comentar as poucas repercusses
que esse processo de modernizao teve no Brasil. So ideias gerais, informaes sobre
dramaturgos e peas, sobre os primeiros encenadores modernos, pois a modernizao, que
se deu a partir mais ou menos de 1880, ocorreu tanto na dramaturgia quanto na
encenao. claro que para ns, de Letras, o texto mais importante, mas no deixarei de
dar algumas noes sobre a cena.
Vamos falar de grandes escritores, como Ibsen, Tchkhov, Hauptmann, Strindberg,
Maeterlinck. No vou pedir que leiam suas peas, pois no esse o objetivo do curso. Mas
explicando um pouco da obra de cada um, quem sabe no futuro vocs possam ler algumas,
no ?
Comecemos ento pela dramaturgia.
A modernizao da dramaturgia na Europa iniciou-se com os escritores
naturalistas, que se opuseram de modo radical s convenes da chamada pea benfeita,
gnero que fazia a fortuna de escritores franceses como Scribe, Victorien Sardou, mile
Augier e Alexandre Dumas Filho.
O que era a pea benfeita?
A pea benfeita tinha uma estrutura caracterizada pela perfeita disposio lgica
de sua ao (...). O primeiro mandamento o desenrolar contnuo, fechado e progressivo
dos motivos da ao. Mesmo que a intriga seja complicada, o suspense deve ser mantido
continuamente. A curva da ao passa por altos e baixos e apresenta uma sequncia de
quiproqus, efeitos e golpes de teatro. O objetivo claro: manter viva a ateno do
espectador, jogar com a iluso naturalista. A distribuio da matria dramtica se faz de
acordo com normas muito precisas: a exposio coloca discretamente sinalizaes para a
pea e sua concluso (Patrice Pavis. Dicionrio de Teatro. So Paulo: Perspectiva, 1999,
p.281). Em outras palavras, trata-se uma pea em que nas primeiras cenas h uma
exposio do assunto central, do conflito que envolve as personagens principais; em
seguida o desenvolvimento desse conflito, que dever ser lgico e coerente, sem surpresas,
assim chegando ao desenlace.
Esse modelo de pea e seus principais autores franceses foram imitados por outros
escritores europeus, americanos e mesmo brasileiros, a partir dos anos 1840.
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Na Frana, o escritor naturalista mile Zola comeou a luta pela renovao
dramatrgica j na dcada de 1870, fazendo a crtica da artificialidade da pea benfeita.
Ele queria que o teatro mostrasse a vida como ela . Com sua brutalidade, com assuntos
polmicos, com personagens que fossem copiadas da vida real e que assim se mostrassem
em cena. Sua prtica teatral, porm, ficou aqum do pensamento. Suas ideias frutificaram
na dcada seguinte, segundo Eric Bentley,
quando Henry Becque escreveu as peas Les corbeaux [Os corvos] e La
parisienne [ A parisiense], quando Ibsen tornou-se conhecido na Europa com Os
espectros e quando Andr Antoine fundou o Thtre Libre para a montagem de
peas naturalistas. Foi esse o comeo do movimento moderno na dramaturgia1,
Guardem esses nomes. Vamos v-los mais frente.
De fato, o naturalismo ampliou os horizontes dos dramaturgos no final do sculo
XIX, permitindo-lhes quebrar as velhas regras de composio dos dilogos e dos enredos,
bem como abordar assuntos controvertidos, como o sexo e a religio, de maneira inusitada
e corajosa. Ibsen, Strindberg, Shaw, Hauptmann e Tchkhov foram os grandes pioneiros da
dramaturgia moderna, autores que levaram to longe o ideal naturalista de reproduzir a
verdade no palco, que acabaram por busc-la no mais na realidade exterior. Como
escreve Martin Esslin, eles descobriram a magia que se esconde sob a superfcie
aparentemente banal da vida cotidiana, a trgica grandeza das pessoas comuns, a poesia
dos silncios e das reticncias, a ironia amarga dos pensamentos reprimidos2. Essa
descoberta, convm lembrar, foi compartilhada pelo simbolista Maeterlinck, especialmente
empenhado na construo de uma dramaturgia voltada para a vida interior dos
personagens. Em suas peas, povoadas de silncios e sonhos, desaparece o conflito
dramtico tradicional e a ao se constri com nuances, meios-tons e atmosfera potica.
A subjetivao da dramaturgia foi o resultado das inquietaes dos grandes
dramaturgos mencionados acima. Cada qual, a seu modo, tratou de colocar em primeiro
plano a interioridade dos personagens, processo que exigiu a superao das limitaes do
naturalismo e que foi posteriormente radicalizado pelos autores expressionistas, voltados
1 BENTLEY, Eric. O dramaturgo como pensador. Trad. de Ana Zelma Campos. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1991, p.50.
2 ESSLIN, Martin. Au del de labsurde. Trad. de Franoise Vernan. Paris, Buchet/Chastel, 1970, p.44.
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para a expresso da vida interior das personagens. Desse modo, a modernizao da
dramaturgia, em suas origens, apresenta duas vertentes principais: a naturalista e a
antinaturalista, que engloba o simbolismo e o expressionismo, como observa Bentley no
texto j citado.
Os dramaturgos europeus serviram-se das duas, ora mantendo-se fiis a uma ou a
outra, ora combinando aspectos de ambas, como fez especialmente Strindberg em algumas
das suas peas. No sem razo que um estudioso francs o v como uma sntese de Zola
e Maeterlinck, isto , como um autor que faz avanar, lado a lado, o microcosmo e o
macrocosmo, o teatro do eu e o teatro do mundo3. Ou, em outras palavras, como um autor
cujas peas esto solidamente fincadas na vida cotidiana, mas uma vida cotidiana que
trabalhada, elaborada, e da qual extrada a perspectiva trgica4. Strindberg e tambm
Ibsen, segundo Bentley, foram autores que mantiveram uma interao entre o exterior e o
interior, o objetivo e o subjetivo, o naturalista e o no-naturalista5
Os primeiros dramaturgos modernos, na viso de Peter Szondi (Teoria do
Drama Moderno [1880-1950]. So Paulo, Cosac & Naify, 2001), deram incio
imploso da forma dramtica, exibindo o seu esgotamento, a sua crise. At ento do
Renascimento at o final do sculo XIX -, as relaes inter-humanas eram expressas nos
dramas por meio do dilogo, a forma dramtica por excelncia. Mas para dramaturgos
como Ibsen, Strindberg, Hauptamnn, Maeterlinck ou Tchkhov, o dilogo tal como
praticado pelos dramaturgos anteriores a eles, j no era capaz de exprimir as novas
subjetividades ou as novas temticas sociais.
Em Ibsen, por exemplo, o peso do passado sobre o presente da personagem faz
com que esse passado aparea em cena por meio de elementos lricos e picos. Pode-se
dizer que a matria de seus dramas est centrada no passado e na interioridade das
personagens.
Strindberg, por sua vez, pratica o que Szondi denomina dramaturgia do eu, na
qual vemos a progresso do Naturalismo ao Expressionismo, da observao da vida
exterior vida interior. Exemplo de drama subjetivo O Pai, pea em que a unidade
3 SARRAZAC, Jean-Pierre. Thtres intimes. Paris, Actes Sud, 1989, p.11.
4 Idem, ibidem, p.35.
5 BENTLEY, Eric. op. cit., p.130-131.
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da personagem central mais importante que o enredo, em que a subjetivao se
sobrepe aos fatos do cotidiano.
Em Hauptmann a temtica social aponta a contradio entre forma dramtica e
contedo pico. Em Os Teceles, a forma dramtica pequena para a grandeza do tema
da greve.
Tchkhov faz da renncia ao presente, da vida no passado e na utopia a matria
de seus dramas, como se v em As trs Irms ou O Jardim das Cerejeiras. Em termos
formais, os dilogos mascaram os monlogos das personagens encarceradas em sua
prpria interioridade.
Maeterlinck elabora o drama esttico, com linguagem potica que introduz o
lirismo na ao, e com as descries que trazem o elemento pico. A ao em suas
peas substituda pela situao. No drama tradicional, a situao dramtica o ponto
de partida para as aes subsequentes dos personagens. Estes, em Maeterlinck,
permanecem em completa passividade, isto , persistem na sua situao at avistar a
morte.
Depois dos pioneiros, a dramaturgia moderna ganha peso. Na Itlia, com
Pirandello; Nos Estados Unidos, com ONeill, Arthur Miller e Tennessee Williams; mas
na Alemanha que acontece a grande revoluo dramatrgica do sculo XX, com
Bertolt Brecht e o seu teatro pico. A crise do drama desemboca numa nova forma
teatral, capaz de exprimir o novo mundo que surgiu aps a Primeira Grande Guerra, em
peas como Me coragem; Galileu Galilei, O crculo de giz caucasiano etc.
Vamos reler a citao de Bentley, segundo a qual o primeiro impulso para a
modernizao do teatro partiu de Zola, quando fez a adaptao teatral de seu romance
Threse Raquin. A pea no fez sucesso, mas abriu um caminho novo para o teatro. As
ideias que Zola divulgou no prefcio da pea, repercutiram, diz Bentlet,
quando Henry Becque escreveu as peas Les corbeaux e La parisienne,
quando Ibsen tornou-se conhecido na Europa com Os espectros e quando Andr
Antoine fundou o Thtre Libre para a montagem de peas naturalistas. Foi esse o
comeo do movimento moderno na dramaturgia6,
6 BENTLEY, Eric. O dramaturgo como pensador. Trad. de Ana Zelma Campos. Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1991, p.50.
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Essa citao o ponto de partida para um ensaio que escrevi sobre o naturalismo
no teatro, a ser includo num livro que organizei junto com J. Guinsburg e que deve sair
no prximo ano pela editora Perspectiva. Vou colar abaixo as partes que interessam para
o nosso curso e para que vocs conheam um pouco da obra dos principais dramaturgos
que esto na origem da modernizao teatral.
mile Zola: a batalha pelo teatro naturalista
A ideia de que seria possvel escrever dramas com o mesmo aparato terico que
alimentava os romances naturalistas seduziu mile Zola j no incio de sua carreira
literria. Como se sabe, o escritor publicou seu primeiro romance importante, Thrse
Raquin, em 1867, aos vinte e sete anos de idade. Em 1873, ele fez a adaptao teatral
desse romance, com o objetivo de estender ao teatro o amplo movimento de verdade e
cincia experimental que, a partir do sculo passado, propaga-se e vem crescendo em todos
os atos da inteligncia humana7. A seu ver, o movimento naturalista logo se imporia no
teatro, acabando com as velhas convenes da pea benfeita, que impediam o drama de
se tornar um documento da realidade. Thrse Raquin foi uma primeira tentativa, j
trazendo em seu bojo uma srie de inovaes:
A ao no ocorria mais numa histria qualquer, mas nos conflitos interiores
dos personagens; no havia mais uma lgica dos fatos, mas uma lgica de sensaes e
sentimentos; e o desenlace se tornava um resultado aritmtico do problema posto
exposto. Ento, segui o romance passo a passo; encerrei o drama no mesmo aposento,
mido e sombrio, a fim de nada retirar de seu relevo nem de sua fatalidade; escolhi
comparsas tolos e inteis para incluir, por baixo das angstias atrozes de meus
heris, a banalidade da vida cotidiana; tentei associar continuamente a encenao s
ocupaes normais de meus personagens, de maneira que eles no representassem,
e sim vivessem diante do pblico. Confesso que contava, com alguma razo, com o
lado pungente do drama para fazer os espectadores aceitarem esse vazio de intriga e
essa mincia dos detalhes8.
7 mile Zola, prefcio de Thrse Raquin, trad. de Sergio Flaksman. So Paulo: Peixoto Neto, 2007, p. 24 8 Idem, p. 27.
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De fato, comparada s peas de Alexandre Dumas Filho ou mile Augier, que
faziam sucesso na poca, Thrse Raquin inova ao apresentar o tema do adultrio por
um prisma que no levava em conta a questo moral. Sem lanar mo do personagem
raisonneur [aquele que comenta o que se passa em cena, dando explicaes], o escritor
ausenta-se da cena e lana aos olhos do pblico um drama violento, sem tirar qualquer
tipo de concluso. Interessa-lhe apenas apreender as reaes e os comportamentos dos
personagens, ditados pelo meio em que vivem - o espao escuro, deteriorado, mido,
pobre - e pela hereditariedade. Assim, Teresa e o amante Laurent assassinam Camille, o
marido fraco e doente, movidos pelos instintos, pela natureza de cada um, pelos
temperamentos: ela seca e nervosa, ele sanguneo e rude. So caractersticas
herdadas, das quais no podem escapar.
A encenao de Thrse Raquin, apresentada no Thtre de la Renaissance, em
Paris, teve apenas nove rcitas e no agradou nem ao pblico, nem crtica. Com o
fracasso dessa pea desagradvel, que resultou num espetculo sombrio e um tanto
assustador, Zola comeou a batalha naturalista pela conquista do teatro. Entre 1876 e
1880, ele exerce o papel de crtico teatral, primeiramente no jornal Bien Public, e depois no
Voltaire, aproveitando o espao para fazer propaganda sistemtica das suas ideias e crticas
aos dramaturgos da poca.
No tarefa fcil resumir as ideias teatrais de Zola, mas o essencial talvez esteja
em suas crticas s convenes de todo tipo que impediam, a seu ver, a reproduo da
realidade no drama e no palco. Ele afirma, no texto que abre Le Naturalisme au Thtre,
que tem esperanas de ver surgir um homem de teatro que venha revolucionar as
convenes estabelecidas e instaurar enfim o verdadeiro drama humano no lugar das
mentiras ridculas atualmente instaladas9. Com o sucesso do naturalismo no romance, era
preciso vencer tambm no terreno do teatro, com peas escritas de acordo com a
observao e a anlise concreta do ser humano. A dramaturgia deve utilizar os mesmos
procedimentos que j deram certo na prosa, que sofreu enormes transformaes a partir de
Balzac. O romance libertou-se dos clichs, das convenes, e passou a alimentar-se da
observao da realidade, apoiado num mtodo novo, racional e cientfico. Por que o teatro
no pode fazer o mesmo? Zola explicita, ento, o que espera que acontea:
Espero que se coloquem de p no teatro homens de carne e osso, tomados da
realidade e analisados cientificamente, sem nenhuma mentira. Espero que nos
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libertem das personagens fictcias, destes smbolos convencionais da virtude e do vcio
que no tm nenhum valor como documentos humanos. Espero que os meios
determinem as personagens e que as personagens ajam segundo a lgica dos fatos
combinada com a lgica de seu prprio temperamento. Espero que no haja mais
escamoteao de nenhuma espcie, toques de varinha mgica, mudando de um
minuto a outro as coisas e os seres. Espero que no nos contem mais histrias
inaceitveis, que no prejudiquem mais observaes justas com incidentes
romanescos, cujo efeito destruir mesmo as boas partes de uma pea. Espero que
abandonem as receitas conhecidas, as frmulas cansadas de servir, as lgrimas, os
risos fceis. Espero que uma obra dramtica, desembaraada das declamaes,
liberta das palavras enfticas e dos grandes sentimentos, tenha a alta moralidade do
real, e seja a lio terrvel de uma investigao sincera. Espero, enfim, que a evoluo
feita no romance termine no teatro, que se retorne prpria origem da cincia e da
arte modernas, ao estudo da natureza, anatomia do homem, pintura da vida, num
relatrio exato, tanto mais original e vigoroso que ningum ainda ousou arrisc-lo no
palco10.
Lembrando a citao de Eric Bentley, vejamos agora o papel desempenhado por
Henry Becque no processo de modernizao teatral.
Henry Becque
Na dcada de 1880 Becque escreveu duas peas notveis: Les Corbeaux e La
Parisienne. [Os Corvos] [A Parisiense]
A primeira estreou em 1882, na Comdie-Franaise, e deixou o pblico e os
crticos estupefatos com seu realismo contundente. O tema aparece na fala de uma
personagem: o que acontece a uma famlia de mulheres quando morre o homem que a
sustentava? A descrio das engrenagens sociais e do funcionamento do mundo dos
negcios, onde apenas sobrevivem os mais fortes, para no dizer desonestos e trapaceiros,
feita sem condescendncia, com personagens e linguagem colhidas na sociedade da
poca. O primeiro ato apresenta a famlia de Vigneron, numa casa luxuosa, vivendo o
9 mile Zola, Le Naturalisme au Thtre, Paris: Franois Bernouard, 1928, p. 11. 10mile Zola, O Romance Experimental e o Naturalismo no Teatro, trad. de talo Caroni e Clia Berrettini, So Paulo: Perspectiva, 1982, p.122-123.
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cotidiano da burguesia endinheirada, feliz com os arranjos para o casamento da filha mais
nova. Um jantar rene os amigos mais prximos, ocasio para conhecermos a esposa, o
jovem filho brincalho e as filhas bem educadas, que tocam piano e bordam; a pragmtica
Madame de Saint Genis, me do noivo; o scio Teissier, de quem as mocinhas no gostam;
o tabelio Bourdon. No se esboa, nos dilogos do primeiro ato, nenhum conflito. No h
uma exposio, como pedia a estrutura da pea benfeita. O anncio da morte sbita de
Vigneron, no final, uma surpresa que no nos permite imaginar como evoluir o enredo.
Da o choque provocado pelas cenas do segundo e terceiro atos, nas quais a famlia da
viva Vigneron ser espoliada por Teissier e Bourdon, por meio das mais baixas
artimanhas e mentiras. Como observa uma personagem secundria, quando os homens de
negcios chegam casa de um morto, pode-se dizer: a esto os corvos, eles s no levam
embora o que no podem carregar11.
Les Corbeaux uma pea desagradvel, no sentido de retratar uma parcela da
sociedade francesa que no gostou de se ver espelhada no palco. possvel imaginar o mal
estar da plateia quando a cortina baixou. A ltima cena da pea mostra Teissier, que vai se
casar com uma das filhas de Vigneron sacrifcio que ela faz para salvar a famlia da
misria enxotando da casa um tapeceiro desonesto que queria cobrar uma dvida
inexistente. Hipcrita e cnico ele diz mocinha: Depois da morte de seu pai, vocs esto
cercadas de bandidos, minha filha. Vamos reencontrar sua famlia12.
Para um dos mais importantes crticos da poca, Jules Lematre, Les Corbeaux no
s uma pea de primeira ordem como um marco na histria do teatro francs: a primeira
data importante desde aquela de A Dama das Camlias13. Ou seja, desde 1852.
Em 1885, Becque volta a surpreender com a comdia La Parisienne, encenada no
Thtre de la Renaissance. E desta vez o fracasso junto crtica e ao pblico foi ainda
maior. A primeira cena de uma vivacidade extraordinria e contm uma surpresa em seu
desfecho que encantou a todos. Mas na sequncia o desenho da adltera Clotilde causou
enorme mal estar na plateia formada por pessoas da mesma classe social. A burguesia j
havia se divertido muito com o tema do adultrio em vaudevilles repletos de quiproqus,
coincidncias e tramas mirabolantes, recursos que alimentavam os enredos de Sardou e
que se encontram no paradigma do gnero, a comdia Le Chapeau de Paille dItalie, de
Labiche. E havia tambm aplaudido as peas mais srias de Dumas Filho e Augier, nas
11 Henry Becque, Les Corbeaux. Paris: Les ditions du Delta, 1970, p. 126. 12 Idem, p. 152. 13 Jules Lematre, Impressions de Thtre, Paris: Socit Franaise dImprimerie et de Librairie, 1898, v. 10, p. 303.
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quais as crticas vida social vinham acompanhadas de lies moralizadoras. Becque se
afasta dos modelos consagrados nem a pura diverso, nem o intuito didtico e edificante
e cria um enredo que gira em torno de uma personagem inteligente, sedutora,
encantadora, mas ao mesmo tempo amoral, cnica e mentirosa.
Clotilde a parisiense do ttulo: uma generalizao ultrajante para as mulheres da
plateia, as esposas dos respeitveis maridos burgueses. Afinal, ela no s trai o marido o
que seria eventualmente suportvel -, mas tambm o amante, algo que pareceu estar fora
de qualquer medida. Pior que isso: a pea termina sem nenhuma punio personagem.
Como no incio, ela continua a dar as cartas, com um crdito a mais: a nomeao do
marido para um cargo no governo se deu graas a sua amizade com uma mulher do demi-
monde parisiense, justamente a me de seu segundo amante.
O pragmatismo e a firmeza de Clotilde contrastam com a cegueira do marido que
nada v, nada percebe e de nada desconfia e com a ingenuidade do amante, um ciumento
de comdia que ludibriado o tempo todo. Nem mesmo em situaes adversas Clotilde
perde o controle. Abandonada pelo segundo amante, recompe-se rapidamente, j
pensando na reaproximao com o primeiro, que , poderamos dizer, quase parte da
famlia, para ficarmos no mesmo patamar de ironia e cinismo que marca o relacionamento
das trs personagens do clssico tringulo amoroso que a pea apresenta.
Com tais caractersticas, no admira a reao contrria dos crticos. Ainda que
Henry Baur tenha apreciado a originalidade, a aspereza irnica e a penetrante
acuidade de La Parisienne, o tom geral foi dado pelas restries de Sarcey, que escreveu:
Becque v o homem como vil e baixo, v o mundo como cnico e vulgar, v a sociedade
como uma caverna onde tudo o que bom e honesto imolado a tudo que mau e
desonesto14. Segundo Antoine, uma parte da imprensa considerou a pea imoral, mal
construda, sem comeo, meio ou fim, e no aceitou as torpezas da vida real postas no
palco15.
Enredo tnue, dilogos brilhantes, nfase na construo dos caracteres, La
Parisienne impressionou os jovens dramaturgos franceses da poca, que se inspiraram em
Becque para criar um repertrio de peas curtas que ficaram conhecidas como comdias
amargas, tamanho o seu grau de pessimismo e de cinismo. Mais do que Zola, ele tornou-
se uma referncia no terreno da dramaturgia, pois foi alm do plano das ideias, oferecendo
um modelo novo de pea teatral. Alis, Becque chegou a afirmar, em 1887, que os
14 Apud Edmond Se, Henry Becque. Paris: Vald. Rasmussen, 1926, p. 40. 15 Andr Antoine, Le Thtre, op. cit., p. 236.
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romancistas naturalistas s conseguiram fazer teoria, fracassando como dramaturgos.
Nesse mesmo texto, reconhece a importncia do trabalho de Andr Antoine, que acolheu
no Thtre-Libre dezenas de peas de seus seguidores. Foi no palco desse pequeno teatro
que o naturalismo teatral se consolidou, em termos cnicos e dramatrgicos.
Vou falar sobre o encenador Antoine depois de comentar a dramaturgia
naturalista.
Ibsen e o esprito do tempo
A pea de Ibsen que dialoga mais de perto com o naturalismo Os Espectros,
publicada em 1881.
De fato, no h como negar a aproximao de Ibsen com o naturalismo, na medida
em que as principais personagens de Os Espectros so delineadas em funo do meio em
que vivem e uma delas carrega uma terrvel doena que teria herdado do pai. Alm disso, o
prprio Ibsen confessou, em carta ao escritor Sophus Schandorph, que sua inteno era
produzir na mente do leitor a impresso de que ele estava experimentando algo real16. Ao
ator sueco August Lindberg, que se preparava para montar Os Espectros na Sucia,
observou que a traduo devia levar em conta a naturalidade do dilogo e as diferenas
entre os modos de expresso de cada personagem, que so diferentes, acrescentando: O
efeito da pea depende em grande medida em fazer o espectador sentir como se ele
estivesse realmente ouvindo e vendo fatos acontecendo na vida real17. Zola e Antoine
formularam o mesmo pensamento em muitos de seus textos. desse efeito realista que se
alimenta o naturalismo teatral, alm, claro, das ideias deterministas ligadas ao meio e
hereditariedade.
Seguramente, a figura de Osvald, o filho sifiltico que volta para casa, onde
conhece a verdade sobre a vida dissoluta do pai, numa cena pungente com a me no
terceiro ato, concentra o teor naturalista de Os Espectros. Mas, curiosamente, ao contrrio
de Zola, que leu obras de medicina para construir suas personagens, no se tem notcia de
que Ibsen tenha feito o mesmo. Ou seja, ele no buscou uma base cientfica para
demonstrar que a sexualidade desenfreada do pai est na origem da doena do filho,
16 Cf. Donald Marinelli (ed.), Henrik Ibsens Ghosts: a Dramaturgical Sourcebook. Pittsburgh: Carnegie Mellon University Press, 1997, p. 185. 17 Christopher Innes, op. cit., p. 76.
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deixando um tanto em aberto a questo da hereditariedade por esse ngulo. Talvez por isso
tenha dado importncia para uma das poucas reminiscncias infantis de Osvald, que relata
ter fumado certa vez no cachimbo do pai. De qualquer forma, a doena referida como um
mal herdado. Alm disso, o fantasma do passado ressurge quando Osvald, no final do
primeiro ato, sexualmente atrado pela empregada Regina, tenta agarr-la na sala de jantar.
Sem saber que se tratava de sua meia-irm, ele repetia o comportamento do pai, que
naquele mesmo lugar seduziu a me de Regina, tambm empregada da casa,
engravidando-a. Aos poucos, o passado comea a invadir o presente. medida que Helena
Alving revela o que foi a sua vida de casada ao pastor Manders, a pea sugere que so
muitos os fantasmas que retornam. No a doena do filho que est no centro da pea
como queriam os adeptos do naturalismo no final do sculo XIX -, mas, digamos, a doena
da sociedade hipcrita e convencional, que impede a emancipao do esprito, que reprime
os impulsos da natureza individual. Helena resume esse ponto de vista nesta fala do
segundo ato:
Quanto ouvi Regina e Osvald na sala de jantar, pareceu-me estar diante de
fantasmas. Mas eu quase creio que todos ns somos fantasmas, pastor Manders. No
apenas aquilo que herdamos do pai e da me que revive em ns. tambm todo o
tipo de velhas opinies e crenas mortas e ideias semelhantes. Elas no esto vivas em
ns, mas existem e no podemos nos livrar delas. To logo pego um jornal para ler,
tenho a impresso de que os fantasmas deslizam entre as linhas. Deve haver
fantasmas que vivem em todo o pas, formando uma camada espessa como a areia. E
assim todos temos um medo terrvel da luz18.
Grande parte da pea so dilogos entre o pastor Manders e Helena. Ele representa
tudo o que h de pior na vida social; um poo de convenes, com sua retrica religiosa e
clichs que a stira de Ibsen alcana com grande maestria, mostrando-o como um homem
ridculo. medida que antagoniza com ele, Helena cresce como personagem, revelando
sua rebeldia e inconformidade em relao a tudo que viveu. Como j observaram alguns
crticos de Ibsen, ela a contrapartida da Nora de Casa de Boneca. Embora o autor tenha
18 Henrik Ibsen, Les Revenants, in Oeuvres Compltes, tome 12. Trad. de P.-G. La Chesnais. Paris: Plon, 1940, p. 140.
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dito que uma pea no tem nada a ver com a outra19, Helena, um ano depois de casada,
abandona o marido, mas convencida por Manders a voltar para casa. A incluso desse
detalhe no enredo pode significar uma resposta aos crticos que repudiaram a atitude de
Nora. Helena a Nora que no abandonou o lar, que sacrificou sua individualidade para
parecer a esposa perfeita, a boa me de famlia, escondendo de todos o carter odioso do
marido. Presa s convenes sociais, quando a pea comea Helena est prestes a enterrar
o passado e comear nova vida ao lado do filho. Mas os fantasmas do passado se fazem
presentes, condicionando os acontecimentos e o destino das personagens diretamente
envolvidas na tragdia que sobrevm: Regina, fadada prostituio, como a me; Osvald,
condenado morte; Helena, no terrvel desfecho da pea, sofrendo a pior consequncia de
no ter abandonado o marido, tendo que decidir se ajuda ou no o filho a morrer.
claro que uma pea como Os Espectros extrapola o mbito do naturalismo. Mas
o que mais contribuiu para que fosse vista como obra representativa desse movimento
artstico foram as trs encenaes sucessivas que teve, em trs teatros de pases diferentes,
todos com ligaes estreitas com o repertrio naturalista. A primeira, em 1889, ocorreu na
Freie Bhne [Cena Livre], em Berlim. Otto Brahm e Paul Schlenther criaram esse teatro
semelhana do Thtre-Libre de Antoine, para fugir ao da censura, e o inauguraram
com a montagem de Os Espectros. Em 1890 foi o prprio Antoine que a encenou em seu
teatro, fazendo ele mesmo o papel de Osvald. Em 1891, Jack Grein escolheu-a para abrir o
Independent Theatre of London, outra cena livre.
A despeito do nmero limitado de espetculos, a repercusso dessas montagens foi
imensa. Os aspectos desagradveis da pea e sua contundncia, postos em cena em registro
naturalista, chamaram a ateno da crtica, principalmente na Inglaterra, onde os ataques a
Ibsen foram o mais violentos. William Archer recolheu-os no artigo Ghosts and
Gibberings, onde podemos ler apreciaes do tipo: um repulsivo e degradante trabalho,
mrbida, doentia, imoral e repulsiva histria, um esgoto aberto e ftido20. Em
contrapartida, no mesmo ano de 1891 Bernard Shaw lana o importante livro A
Quintessncia do Ibsenismo, comentando de maneira positiva os temas e as novas tcnicas
19 Em carta ao seu editor, datada de 18 de junho de 1881, Ibsen afirma que est escrevendo um drama domstico em trs atos [Os Espectros] e acrescenta que essa pea no tem nenhum tipo de ligao com Casa de Boneca. Cf. Michael Meyer, op. cit., p. 481., 20 Apud Donald Marinelli, op. cit., p. 117.
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de construo dramtica empregadas pelo autor noruegus21, que formaram a base do
drama moderno no Ocidente.
Ibsen no repetiu o naturalismo que se v em Os Espectros. Nas peas que
escreveu em seguida o registro realista mantm-se nos dilogos, como se observa em Um
Inimigo do Povo (1882), mas a fabulao incorpora outras tonalidades a partir de O Pato
Selvagem (1884) e Rosmersholm (1886). No deixa de ser sintomtico que, na Frana,
Ibsen passe a ser encenado pelo Thtre de lOeuvre, sob a direo de Lugn-Poe, o mestre
do teatro simbolista, e no mais por Antoine, que, justia seja feita, tambm chamou a
ateno dos franceses para o Ibsen no-naturalista ao encenar O Pato Selvagem no
Thtre-Libre, em 1891.
O naturalismo psicolgico de Strindberg
Ao contrrio de Ibsen, que jamais procurou se aproximar de Zola, Strindberg no
se fez de rogado quando resolveu escrever peas com base no iderio naturalista. Em 29 de
agosto de 1887, enviou uma cpia de O Pai ao escritor francs, acompanhada de uma
carta, na qual se apresentava como chefe do movimento experimental e naturalista na
Sucia22 como de fato foi visto pelos seus contemporneos, enquanto autor de romances
e contos. Depois, demonstrando conhecimento de livros como Le Naturalisme au Thtre
e Nos Auteurs Dramatiques, pedia a Zola que lesse sua tentativa, no sentido indicado por
vossa mo de mestre, acrescentado que O Pai era um drama composto a partir da
frmula experimental, objetivando fazer valer a ao interior em detrimento dos truques
teatrais, reduzir o dcor ao mnimo e conservar a unidade de tempo o mximo possvel23.
Zola fez uma apreciao positiva da pea, mas apontou alguns problemas, que no
impediram Strindberg de pedir-lhe permisso para utilizar a carta como prefcio edio
francesa de O Pai. Evidentemente, queria chamar a ateno sobre seu nome, apelando para
21 Bernard Shaw observa, por exemplo, que a pea benfeita tem uma exposio no primeiro ato, uma situao no segundo e um desenlace no terceiro. Com Ibsen, h exposio, situao e discusso. Mais importante: uma vez introduzida a discusso, ela deve espalhar-se e penetrar na ao, assimilando-a, o que tornar pea e discusso praticamente idnticas. (B. Shaw, The Quintessence of Ibsenism. 6 ed., New York: Hilland Wang, 1964, p. 171). William Archer define a tcnica de Ibsen como mtodo retrospectivo de exposio, explicando que o dramaturgo no se dedica a uma exposio no incio da pea, deixando que exposio e ao se interpenetrem. Nesse sentido, pode-se dizer que a exposio a pea, pois, no segundo ou terceiro atos o espectador ainda est descobrindo fatos antecedentes importantes para a compreenso da ao presente. Cf. Eric Bentley, The Play: a Critical Anthology. 6 ed., N.J.: Prentice-Hall & Englewood Cliffs, 1962, p. 581. 22 August Strindberg, Thtre Cruel et Thtre Mystique. Prface et presentation de Maurice Gravier, traduit du sudois par Marguerite Diehl, Paris: Gallimard, 1964, p. 94. 23 Idem, p. 94.
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um padrinho ilustre. Por outro lado, parece que, pelo menos nessa altura, no concordou
com as ressalvas de Zola, pois acreditava que tinha feito algo novo, como afirma ao seu
editor OEsterling, em carta de 22 de janeiro de 1888: O Pai realiza o drama moderno e ,
sob esse aspecto, algo bastante curioso. Bastante curioso porque a luta tem lugar entre as
almas, o combate dos crebros, no a luta com golpes de punhal ou o envenenamento
com suco de framboesa, como em Les Brigands. Os franceses de hoje procuram ainda a
frmula, mas eu a encontrei24.
Vejam essa expresso: combate de crebros. Ela mostra o que queria Strindberg:
uma dramaturgia subjetiva.
De fato, no apenas em O Pai, mas tambm em Senhorita Jlia Strindberg realizou
o naturalismo teatral como poucos, escrevendo duas incontestes obras-primas, embora no
exatamente seguindo os postulados de Zola. J nas palavras citadas acima percebe-se a
nfase no aspecto psicolgico das personagens, no no determinismo do meio e da
hereditariedade, ou seja, no aspecto fisiolgico. Em O Pai o problema central nasce do que
Strindberg chama combate de crebros. no curso da ao que Laura encontra o
argumento decisivo para desestabilizar mentalmente o Capito, seu marido. E ele que
fornece a ela tal argumento, ao contar-lhe a conversa que teve com um criado que teria
supostamente engravidado a empregada da casa. Como saber que ele o pai, se outros
dormiram com a moa? Laura, inteligentemente, ou maquiavelicamente, deduz que
nenhum homem pode afirmar com segurana que pai e, no meio da discusso com o
marido para decidir o destino da filha se fica em casa, no campo, desenvolvendo seus
supostos dotes artsticos ou se vai estudar na cidade para se tornar professora -, desafia-o a
ter certeza de que o pai de Bertha.
Esse o n da pea e a batalha entre as duas personagens em torno da dvida
instaurada por Laura concentra todo o interesse. Como na tragdia grega, a ao dramtica
que se v o desfecho de uma situao vivida ao longo de anos. O casamento uma
guerra diria que finalmente termina com a vitria do crebro mais forte. Essa ideia de
fundo naturalista aparece com clareza no final do segundo ato, neste dilogo:
CAPITO Eu sei que nesta batalha um de ns vai perecer.
LAURA - Quem? 24 Apud A. Jolivet, Le Thtre de Strindberg, Paris: Boivin, 1931, p. 105.
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CAPITO O mais fraco, claro!
LAURA Ento o mais forte tem razo?
CAPITO -Tem, sempre, pois ele quem detm o poder.
LAURA Nesse caso sou eu quem tem razo25.
Nesse mesmo dilogo, um pouco antes, o prprio Capito j havia admitido que
Laura era mais forte que ele, que o hipnotizava acordado, que no via nem ouvia nada, que
s obedecia. Voc me dava uma batata crua e me convencia de que era um pssego, ele
diz a ela. Os dilogos de O Pai so incisivos e mesmo violentos, reveladores de
personalidades um tanto doentias, construdas com base em aspectos psicopatolgicos da
vida emocional. O Capito se tortura com a dvida da paternidade, ao passo que Laura
parece ter prazer com a imposio das suas vontades trao que a caracteriza desde a
infncia, como revela seu irmo e com a destruio da sade mental do marido.
Essa viso to negativa da mulher tem explicaes interessantes, ligadas s leituras
de Strindberg, a suas obsesses e a sua vida pessoal. Martim Lamm, em sua monumental
biografia do autor sueco26, d informaes precisas acerca das circunstncias em que O Pai
foi escrita. Resumidamente, um dos estmulos veio da repulsa ao movimento feminista,
que Ibsen encorajou ao escrever Casa de Boneca. Strindberg censurou o colega noruegus
e em seus escritos dos anos 1884-1887 deixou clara sua forte misoginia, como se v no
prefcio do segundo volume de Casados, no qual escreveu coisas terrveis,
responsabilizando as mulheres por todas as monstruosidades da histria, as guerras, a
perseguio religiosa etc. Em relao ao casamento, classificou-o como uma forma de
prostituio por contrato, que, como consequncia da indolncia e da ambio da mulher
por poder, aprisionou o marido num estado de completa escravido27. Nesses mesmos
anos, o casamento de Strindberg desmoronou, tornando-se tema do texto autobiogrfico A
Defesa de um Louco, no qual fez acusaes esposa, que so muito semelhantes s que faz
o Capito a Laura em O Pai. O carter autobiogrfico da pea referido por Martin Lamm,
nestes termos: O que faz essa dramtica vivisecao mais absorvente que Strindberg
usou o bisturi em si mesmo, descrevendo o pesadelo em que se encontrava enquanto
escrevia a pea28. Em relao s leituras feitas na poca pelo dramaturgo, encontram-se
25 August Strindberg, Senhorita Jlia e Outras Peas, trad. de Guilherme da Silva Braga, So Paulo: Hedra, 2010, p. 73. 26 Martin Lamm, August Strindberg, trad. de Harry G. Carlson, New York: Benjamin Blom, 1971. 27 Idem, p. 157. 28 Idem, p. 206.
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principalmente estudos na rea da psicologia e da psiquiatria, como Paradoxes
Psychologiques, de Max Nordau, e De la Suggestion, de Hippolyte Bernheim. Neste
ltimo que Strindberg encontrou o apoio cientfico de que precisava para construir a
personalidade do Capito, vtima do poder de sugesto de Laura, a partir do momento em
que passa a duvidar da paternidade.
O resultado dessa soma curiosa de aspectos da vida pessoal e fico, manias e
leituras de obras cientficas uma pea em que Strindberg via a nova frmula naturalista
realizada, porque conseguira concentrar a ao no que havia de importante para mostrar no
palco: a luta entre dois crebros. Mas em O Pai esse n central, que interessa apreender e
desenvolver, s vezes fica em suspenso porque a pea tem outros personagens, como o
mdico que vem cuidar do Capito, o Pastor, a filha Bertha, Njd e a Ama. Os dilogos
que travam colaboram para que se compreenda o enredo, mas fazem a ateno do leitor-
espectador se desviar do principal, que a guerra psicolgica entre os protagonistas.
O aperfeioamento da nova frmula, que, vale dizer, mais de Strindberg do que
de Zola, se d com Senhorita Jlia, escrita pouco depois de O Pai. Apenas trs
personagens em cena das quais uma secundria e importa pouco - e nenhuma diviso
em atos, um nico cenrio, toda a ao concentrada em mais uma batalha de crebros, no
tempo ficcional que coincide com o tempo real do espectador.
Em Senhorita Jlia, a busca pela concentrao em grau mximo perceptvel: a
ao se desenvolve em torno de uma nica situao: numa noite de So Joo, Jlia, filha de
um conde, se entrega a Jean, o empregado da casa. A pea tem claramente duas partes: na
primeira, mais curta, o jogo entre as personagens se d com ntida vantagem da moa, que
se aproveita de sua superioridade social para se insinuar sexualmente junto ao rapaz,
provocando-o com jeito coquete, mas recuando diante de suas investidas, a ponto de
esbofete-lo. A diferena de classes reforada pelos sonhos que ambos contam: o dela,
que descendente uma queda de um lugar alto -, e o dele, que ascendente a
dificuldade para alcanar o primeiro galho de uma rvore em que deseja subir. Ele tambm
conta uma histria de quando era menino, que viu Jlia e quis morrer, pois jamais poderia
sair da classe social em que nasceu.
Na segunda parte observe-se que Strindberg no deixa o palco vazio quando os
protagonistas vo para um quarto no interior da casa; enquanto a seduo acontece nos
bastidores, os empregados que danavam no celeiro, comemorando a festa de So Joo,
vm para a cena que comea verdadeiramente a batalha entre os sexos. Jean agora tem
a vantagem. Seus modos bruscos e violentos em relao a uma Jlia enfraquecida
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moralmente do o tom de um longo e tenso dilogo em que o mais forte vence o mais
fraco. A pea se realiza na capacidade que tem o dramaturgo de levar o embate entre as
duas personagens at o desfecho em que uma destruda. As agresses de parte a parte vo
num crescendo dramtico extraordinrio, mas Jlia quem ouve as ofensas mais fortes,
como estas, incomuns no teatro da poca:
Prostituta de lacaio! Mulher de criado! Cale a boca e saia daqui! No lhe cabe
dar lies sobre brutalidade, j que foi a mais brutal esta noite! Acha que alguma
empregada se atiraria assim para um homem? J viu alguma mulher de minha classe
implorando dessa maneira? Eu nunca vi. S animais e prostitutas29.
O principal trao do carter de Jean o ressentimento, originado pela pobreza,
servilidade e inferioridade, que condicionam o seu comportamento diante do conde.
Liberado em relao a Jlia, trata-a com brutalidade. Mas to logo ouve o conde voltar, no
final da pea, sua alma de lacaio se impe novamente. No uma personagem difcil de
compreender: afirma-se pela beleza fsica, pela forte sexualidade, pela mistura de dio e
subservincia aos patres. Psicologicamente, surge em cena limitado pelo sonho de
melhorar de vida, de tornar-se proprietrio de um hotel. Mas claro que sua presena ativa
uma dimenso da pea que no pode passar despercebida: a luta de classes por trs da
batalha dos sexos.
Jlia, por outro lado, um enigma. Como compreender tudo o que fez? Est louca?
o que diz Jean na fala de abertura da pea, quando conta cozinheira Cristina que ela o
tirou para danar no celeiro. Depois a vemos em cena, num jogo de seduo perigoso,
provocando o criado, fazendo-o beijar seu p, bebendo cerveja e sendo levada por ele para
o quarto, sob o pretexto de se esconder dos outros empregados que vinham para a cozinha.
Seduzida, nem ela mais compreende o que se passou. Foi amor? Atrao sexual? Loucura?
Efeito da bebida? Fraqueza? De quem a culpa pelo que aconteceu? Dela? De Jean?
Numa fala de cunho claramente naturalista ela tenta dar uma explicao, lembrando o meio
em que cresceu e a educao que recebeu: De quem seria a culpa do que houve? De meu
pai, de minha me ou minha? Minha? No tenho nada de meu. No tenho um pensamento
sequer que no tenha vindo de meu pai, uma emoo que no venha de minha me30.
29 August Stridberg, Senhorita Jlia e A Mais Forte. Trad. de Joo Marschner. So Paulo: Brasiliense, 1968, p. 28. 30 Idem, p. 48.
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Uma concesso a Zola, certamente. Levando em conta os postulados naturalistas
poderamos dizer que a mente perturbada com que Jlia entra em cena, provvel herana
materna, que a perde, que a leva cama de Jean, que a faz, na segunda parte da pea,
falar coisas sem sentido, fazer projetos inviveis de fugir com Jean, para abrir um hotel na
Sua. quase um delrio a descrio que faz desse hotel a Cristina. E em estado de
quase hipnose que sai de cena, no desfecho trgico, com a navalha na mo, para suicidar-
se.
A aproximao de Strindberg com o naturalismo continuou at 1892. Nos anos
seguintes, entre 1893 e 1897, nada escreve para o teatro. Em 1898, Rumo a Damasco
indica o novo caminho que vai trilhar a obra do dramaturgo, que abandona o naturalismo
apenas em A Dana da Morte h um retorno guerra dos crebros, maneira de O Pai
para aprofundar em sua obra a expresso da subjetividade, que, alis, j estava presente nas
duas peas acima comentadas. A nfase no aspecto psicolgico das personagens ganha
agora uma dimenso maior nas chamadas peas onricas do escritor, como O Sonho, nas
quais se anuncia o expressionismo.
Gerhart Hauptmann e o naturalismo social
O impacto do romance francs naturalista foi imenso na literatura alem dos anos
de 1880 e 1890. Zola e os irmos Goncourt foram saudados como os grandes mestres a
serem seguidos. Na dramaturgia, Ibsen o autor mais admirado. No por acaso, pois, que
num dilogo da pea Antes do Nascer do Sol, Hauptmann (1862-1946) tenha feito uma
personagem afirmar que os jornais alemes falam muito em Zola e Ibsen. uma
informao, sem dvida, mas tambm uma pista para percebermos com quem o
dramaturgo est dialogando nessa sua pea de estreia, que deixou os berlinenses chocados
e escandalizados quando foi representada no segundo espetculo da Freie Bhne, em
Berlim, em outubro de 1889.
Hauptmann foi o expoente mximo do teatro naturalista alemo, numa chave
totalmente oposta de Strindberg. Interessavam-lhe os problemas sociais, a misria do
povo, a opresso, os ideais socialistas, que ps em discusso em suas peas mais
importantes. Em Antes do Nascer do Sol, o dilogo com Zola fica estabelecido nos temas
abordados: o alcoolismo, que aparece em cena e lembra o romance LAssommoir, e as
condies de vida dos trabalhadores das minas de carvo, questo apenas referida, ecoando
o romance Germinal.
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O enredo gira em torno da ida de um jovem idealista, Loth, a uma fazenda na
regio de Witzdorf, com o objetivo de estudar as condies de vida dos trabalhadores das
minas de carvo. Evidentemente quer denunciar a misria em que vivem, a explorao a
que so submetidos, os vcios que adquirem em tal meio etc. Coincidentemente, a fazenda
em que se localizam as minas administrada por um amigo de juventude, Hoffmann,
engenheiro casado com uma das filhas do proprietrio. Impressionado com um estudo que
leu sobre os efeitos do alcoolismo nos Estados Unidos, Loth comenta nos dilogos com as
demais personagens da famlia, que os membros da terceira e quarta gerao de um
alcolatra podem nascer com problemas. O curioso que isso se passa enquanto todos
mesa bebem muito, menos ele, que um convicto abstmio, pois quer ter filhos sadios.
Toda a ao se passa em dois dias. Mas esse curto espao de tempo suficiente
para que a cunhada de Hoffmann, Helen, se apaixone por esse homem to diferente de
todos com quem ela convive, no rude meio rural. Ele tambm se apaixona por ela, uma
moa sensvel, que estudou na cidade e voltou para o campo, onde sofre ao ver a irm
Martha e o pai alcolatras, a madrasta manter relaes sexuais com o sobrinho, com quem
a famlia quer que se case. Desde o incio, porm, sabemos que Loth irredutvel em suas
convices sobre o alcoolismo hereditrio, e nos perguntamos o que acontecer quando ele
conhecer melhor a famlia de Helen. No quinto ato, enquanto ouvimos os gritos de dor de
Martha, que no andar de cima dar luz um natimorto, do-se os dilogos31. Num deles, o
mdico que cuida dela revela a Loth que ele vai entrar numa famlia de dipsomanacos.
Coerente com as ideias que defendeu nos atos anteriores, com boa dose de fanatismo e
crena na cincia, o rapaz sacrifica os sentimentos: deixa uma carta a Helen e vai embora,
pois a cr vtima de um destino do qual no pode fugir. Abre-se assim o caminho para o
desfecho trgico, o suicdio de uma moa desesperada, que no v nenhum futuro para sua
vida. A cena final cria um contraponto terrvel, pois o suicdio de Helen descoberto por
uma criada que d gritos lancinantes, enquanto o velho Krause aparece completamente
bbado para balbuciar que tem duas filhas lindas.
H fraquezas no enredo, claro, e o resumo acima no d conta dos detalhes da pea,
onde se encontram suas qualidades: o desenho realista das personagens do campo, com
seus maus modos de novos-ricos, gastando com bebida e cio o dinheiro ganho com a
31 A encenao da pea levou o realismo to longe que um mdico, no momento em que se ouviam os gritos da personagem, levantou-se indignado e jogou seus instrumentos de trabalho sobre o palco, dizendo que poderiam ajudar no parto. Vrios estudiosos de Hauptmann citam esse caso extremo de recepo, bem como a reao de parte da imprensa, que considerou a pea imoral. Para isso deve ter contribudo a cena em que Krause, bbado, abraa a filha com lascvia.
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explorao do carvo na fazenda; os dilogos entre Hoffmann e Loth, cada qual com sua
viso sobre as condies de vida dos trabalhadores das minas; os dilogos entre Loth e
Helen, que trazem cena temas relevantes para a poca, como o feminismo; o cuidado
com a mise en scne, que se nota nas longas rubricas preocupadas em criar no espectador o
ilusionismo naturalista. A esse respeito, o prprio Hauptmann explicou que escreveu Antes
de Nascer o Sol para um palco que tivesse quatro paredes, no trs32.
Depois de Antes do Nascer do Sol, Hauptamnn escreveu duas outras peas A
Festa da Paz e Vidas Solitrias, ainda no registro naturalista mas foi com a seguinte, Os
Teceles, em 1893, que ganhou fama internacional. Nesse drama social, originalmente
escrito no dialeto silesiano, em 1891, e logo vertido pelo prprio autor para a norma culta
alem, as questes sociais apenas referidas nos dilogos em Antes do Nascer do Sol agora
ganham corpo em cena, com a presena de teceles em luta contra a explorao de seu
trabalho.
O efeito realista da pea notvel, em cinco atos que na verdade so quadros
praticamente independentes uns dos outros, no fosse o fato de que ao final contam uma
histria, a da revolta dos teceles ocorrida de fato em 1844 na Silsia. Hauptmann no cria
um enredo no sentido tradicional do termo; no h uma personagem central vivendo um
conflito ou uma situao que necessite de um desenlace. Cada ato expe um dado da
realidade transposta ao palco, no qual o sujeito da ao dramtica coletivo. Assim,
desaparecem as questes ligadas hereditariedade h uma nica meno, num rpido
dilogo, doena de uma criana e avulta a importncia do meio. A pea se abre com
uma cena em que vrios teceles entregam o produto do seu trabalho ao feitor do patro, o
fabricante Dreissiger, na cidade de Peterswaldau. A rubrica detalha os rostos cansados e
plidos, a magreza de quem no se alimenta direito, as roupas remendadas, a pobreza que
lembra algo tpico aos mendigos, que, de humilhao em humilhao, conscientes de que
so apenas tolerados, esto acostumados a esconder-se o mais possvel33. Vemos
concretamente como se d a explorao e seus efeitos: o trabalho remunerado por valor
menor que o devido, a criana que desmaia de fome, a doena que abate homens e
mulheres. Em contraponto, a insensibilidade do grande capitalista e a primeira
manifestao de um trabalhador, Bcker, que se revolta com a situao.
32 Apud. Warren R. Maurer, Gerhart Hauptmann, Boston: Twayne, 1982, p. 29. 33 Gerhart Hauptmann, Os Teceles. Trad. de Marion Fleischer e Ruth Mayer Duprat. So Paulo: Brasiliense, 1968, p. 4.
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No segundo quadro, a cena mostra as pssimas condies de trabalho dos teceles,
que ficam doentes dos olhos e dos pulmes, respirando poeira e fumaa, em ambiente
iluminado inadequadamente. Mais uma vez a rubrica indica em detalhes o cenrio que
uma saleta estreita com todos os apetrechos necessrios aos teceles. Nos dilogos, a
revolta pela misria, pela fome, o despontar da conscincia de que a situao deve mudar,
instigada por Jger, bem vestido, bem alimentado, porque acaba de voltar de seu servio
militar .
Nada menos que dezoito personagens entram em cena no terceiro ato, que se passa
num bar. Teceles, camponeses, um ferreiro, um carpinteiro, um guarda florestal, um
viajante, um policial discutem entre si, brigam por nada, conversam sobre vrios assuntos,
numa cena coletiva de um realismo mpar. Claro que o assunto principal o que ocorre na
firma de Dreissiger. Liderados por Bcker e Jger, os teceles cantam uma cano ofensiva
ao capitalista e saem dispostos a fazer reivindicaes.
Se nos dois primeiros atos, vemos como so explorados e como trabalham os
teceles, no quarto vemos como vivem os patres. Na casa luxuosa de Dreissiger, sua
esposa, o pastor Kittelhaus e o jovem Weinhold se preparam para jogar bridge, quando
comeam a ouvir a cano dos teceles. A frente da casa est tomada por eles e no tardar
para que a massa surre um delegado e invada a cena, enquanto os patres fogem pelos
fundos.
Desencadeada a revolta, que ganha enormes propores, resta mostr-la vitoriosa.
Mas como no se pode pr no palco mais que certo nmero de personagens, Hauptmann
constri o quinto ato com o recurso da narrao. A cena se passa em outra cidade,
Langenbielau, na casa modesta do velho Hilse, um tecelo alquebrado pelos anos de
trabalho. Outras personagens chegam para contar em detalhes como foram destrudos a
casa, a tinturaria e os depsitos de Dreissiger ou para contar que os teceles esto
chegando em grande quantidade para fazer o mesmo com os teares e a casa de Dietrich.
Depois, so narrados os confrontos nas ruas, o enfretamento com a polcia, vistos da casa
de Hilse. Ou seja, a ao ocorre fora do palco, um problema que Peter Szondi aborda com
grande argcia em sua anlise de Os Teceles, ao argumentar que o tema tratado na pea
no cabe na forma dramtica34.
O quinto ato narra a luta de classes e dramatiza o individualismo de Hilse, que no
adere revolta, porque aceita a opresso em nome de princpios religiosos, acreditando na
compensao depois da morte. Ironicamente, a nica vtima dos acontecimentos que
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morre em cena, atingido por uma bala perdida, enquanto trabalhava no tear, no desfecho da
pea.
O naturalismo de Os Teceles , portanto, de natureza social. Hauptmann criou
quadros de um realismo autntico, inovando ao deixar de lado o enredo tradicional, como
j observado, substituindo o destino individual pelo destino coletivo, pelo movimento de
toda uma classe. Alm disso, no contemplou a burguesia, trazendo para o palco toda uma
massa de trabalhadores despossudos. Mais importante, como percebeu Raymond
Williams, a maior inovao de Hauptmann que sua pea ao, no fabulao: a fora
motora o evento, a ao, a classe articulada em revolta35.
Encenada na Freie Bhne em fevereiro de 1893, com enorme repercusso, j em
maio Os Teceles era apresentada por Antoine no Thtre-Libre, com igual sucesso,
abrindo o caminho para o reconhecimento do valor da dramaturgia de Hauptmann nos
demais pases europeus. O autor deu continuidade a sua obra, mas ampliou sua viso de
mundo. Se por um lado lana mo dos procedimentos naturalistas em peas como O
Carroceiro Henschel (1898), Michael Kramer (1900), Rose Bernd (1903) ou Os Ratos
(1911), por outro incorpora traos msticos e elementos onricos e religiosos em A
Assuno de Hanelle (1893), Elga (1896) e O Sino Submerso (1896). Um de seus
melhores crticos, Carl Friedrich Wilhelm Behl, observa que o horizonte literrio de
Hauptmann, em mais de quarenta peas teatrais e duas dezenas de contos e romances,
extrapolou o naturalismo: ele foi um escritor que soube retratar a realidade, mas tambm
considerar o sonho uma fonte de conhecimento e no perder de vista o transcendental, o
metafsico e o csmico [...]; quanto mais viveu, mais profundamente seu esprito penetrou
a esfera dos segredos eternos da existncia humana36.
O naturalismo e a dramaturgia moderna
As ideias de Zola e as peas de Becque, as inovaes cnicas de Antoine, Otto
Braham, (Alemanha), e Jack Grein (Inglaterra), as peas de Ibsen, Strindberg e Hauptmann
compem um conjunto em que podemos identificar no s o naturalismo teatral, mas
tambm as primeiras sementes da modernidade no terreno da dramaturgia e da encenao.
Ou dando continuidade ou buscando novos caminhos ou se confrontando com as
34 Cf. Peter Szondi. Teoria do Drama Moderno. Trad. de... So Paulo: Cosac & Naif... 35 Raymond Williams, Drama from Ibsen to Eliot. London: Chatto & Windus, 1965, p. 176. 36 C.F.W. Behl, Gerhart Hauptmann: his Life and Work. Translated by Helen Taubert. Ostfriesland: Holzner-Verlag Wrzburg, 1956, p. 27.
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experincias naturalistas surgem no final dos anos de 1880 e nas duas dcadas seguintes os
dramaturgos e os encenadores que sedimentaro as conquistas preliminarmente obtidas.
No terreno da dramaturgia, o naturalismo chegou a praticamente todos os pases
europeus, mas sem o dogmatismo de Zola, j filtrado pelas apropriaes particulares de
Becque, Ibsen, Strindberg e Hauptmann, que serviram de modelo para os principais
dramaturgos do perodo. Num rpido sobrevoo, percebemos, por exemplo, que na Itlia o
autor preferido do chamado teatro verista Becque. O naturalismo cruel de Les Corbeaux
e a fora de seus dilogos seduziram dramaturgos como Giuseppe Giacosa, Marco Praga,
Gerolamo Rovetta e Camillo Antona Traversi, para citar os mais importantes. Na esteira do
autor francs, escreveram um bom nmero de peas sobre o adultrio, maneira do que se
v em La Parisienne37.
J no teatro de lngua alem, Hauptmann e Ibsen so referncia para autores como
Arno Holz, Johannes Schlaf, Ludwig Fulda, Max Dreyer, Max Halbe, Ernest Rosmer (Elsa
Berstein), Otto Erich Hartleben, Georg Hirschfeld, Arthur Schnitzler e Hermann
Sudermann38. Mas o dramaturgo que vai importar para a modernizao da dramaturgia
Frank Wedekind, que segue os passos de Strindberg, aprofundando as sondagens
psicolgicas em peas como O Despertar da Primavera e A Caixa de Pandora, abrindo
caminho para o forte movimento expressionista alemo das duas primeiras dcadas do
sculo XX.
Na Frana, o bero do naturalismo, vrios dramaturgos que estrearam no Thtre-
Libre deram continuidade s suas obras, ora mantendo o registro naturalista, ora
extrapolando-o. Nenhum deles Paul Hervieu, Eugne Brieux, Georges de Porto-Riche,
Franois de Curel, Henri Lavedan ou Maurice Donnay - sobreviveu ao seu tempo, o que
37 Cf. Baldo Curato, SessantAnni di Teatro in Italia. Milano: M. A. Denti, 1947, p. 11-30. A pea verista por excelncia, que trata do tema do adultrio, Cavalleria Rusticana (1884), de Giovanni Verga. Mais conhecida hoje pela pera de Pierre Mascagni, o texto em um ato uma pequena obra-prima de observao e reconstituio de costumes e valores de um vilarejo siciliano. A ao se passa num dia de Pscoa, para acentuar o contraste entre a religiosidade das personagens e a brutal exploso da sexualidade, culminando os fatos no assassinato do amante pelo marido trado, num quadro bem delineado de vida campestre. 38 Nenhum deles foi mais bem-sucedido do que Sudermann, que estreou em 1899, com A Honra, pea de forte cunho social, na qual se v a degradao moral de uma famlia pobre, cuja honra comprada por um rico industrial. Em 1893, j diluindo o naturalismo numa frmula comercial, Sudermann ganhou reputao internacional com a pea Heimat (Lar), que correu o mundo com o ttulo Magda, graas ao papel principal que seduziu as principais atrizes da virada do sculo. Sarah Bernhardt e Eleonora Duse, entre outras, viveram a intensa personagem que expulsa de casa aos dezoito anos, porque se recusa a casar com o homem escolhido pelo pai, e volta cidade natal depois de dezessete anos como cantora famosa para acertar as contas com o passado. O feminismo maneira de Ibsen evidente, mas com as devidas concesses a grandes tiradas e frases de efeito. Sobre a dramaturgia naturalista alem, leiam-se: Ludwig Lewisohn, The Modern Drama. New York: B. W. Buesch, 1915, e John Osborne, The Naturalist Drama in Germany. Manchester: Manchester University Press; New Jersey: Rowman & Littlefield Inc., 1971.
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significa que no souberam acrescentar aos dados observados da realidade aquela centelha
de originalidade ou mesmo genialidade na criao dos temas, situaes e personagens39.
A ideia de que uma pea teatral deve trazer a realidade para o palco, porm indo
alm da mera fotografia, para captar o que est oculto pela aparncia, seduziu dois dos
principais dramaturgos do perodo: Bernard Shaw, que dialogou com o naturalismo no
terreno do teatro social, e Tchkhov, que enveredou pelos aspectos psicolgicos.
Ambos elegeram Ibsen como modelo, cada um buscando no dramaturgo noruegus
a poro que interessa para os seus propsitos. Shaw, um socialista convicto, animado pelo
desejo de reformar a sociedade inglesa, valorizou os dilogos em que avulta o debate de
ideias. Logo, suas primeiras peas incorporam o olhar naturalista em relao a um dado da
realidade, mas com um engajamento poltico que no teme o didatismo. Em As Casas dos
Vivos - representada pelo Independent Theatre de Jack Grein, em 1892 - a denncia da
explorao da classe trabalhadora se d pelas aes de um slumlord, isto , de um
homem rico que tira grandes lucros do aluguel de quartos em cortios. Ao mesmo tempo, a
pea aborda a corrupo dos membros do Conselho do Condado de Londres, pois, como
confessa o autor no prefcio primeira edio, de 1893, sua inteno deliberada era
induzir as pessoas a votar nos candidatos progressistas na prxima eleio para o Conselho
em Londres40.
A segunda pea de Shaw que se liga ao naturalismo A Profisso da Senhora
Warren, escrita para o Independent Theatre em 1893, mas proibida de ser encenada na
Inglaterra at 1925. Antes dessa data houve apenas uma representao privada em 1902.
Em 1905, Arnold Daly encenou-a em Nova Iorque e o resultado foi a priso de toda a
companhia dramtica41. Essas informaes do uma ideia do tema explosivo abordado
pelo dramaturgo, de maneira crua e incisiva: a prostituio. No centro do enredo, a filha
que descobre o passado da me e a origem do dinheiro que lhe proporcionou uma
educao esmerada. Shaw afastou-se do naturalismo nas peas que escreveu em seguida.
No mais faria peas desagradveis, como denominou suas primeiras criaes, mas no
abandonou o esprito crtico, temperando-o com muito humor e ironia em toda a sua obra,
que moderniza o teatro de ideias42.
39 Hervieu e Brieux, por exemplo, tornaram-se pregadores, escrevendo peas didticas, peas de tese, com ntido apelo moralizante. Brieux conseguiu maior projeo com textos virulentos, como Les Avaries (1901), que leva mais longe do que Os Espectros os problemas causados pelas doenas venreas. 40 Bernard Shaw, The Complete Prefaces of Bernard Shaw, London: Paul Hamlyn, 1965, p. 703. 41 Cf. Philip Beitchman, The Theatre of Naturalism. New York: Peter Lang, 2012, p. 45-49. 42 Depois de Shaw, a dramaturgia de lngua inglesa pouco contribuiu para a continuidade do naturalismo. Lilian R. Furst e Peter N. Skrine destacam Strife (1909), de Galswhorthy; The Playboy of the Western World,
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Em relao a Tchkhov, vejamos a sua confidncia a A. S. Vishnevsky: Ibsen,
voc sabe, meu autor favorito e O Pato Selvagem minha pea predileta43. Em A
Gaivota, O Jardim das Cerejeiras e As Trs Irms o dramaturgo russo combina
procedimentos do naturalismo e do simbolismo, porque no lhe agradava ficar apenas no
registro da vida como ela . Para ele, o grande escritor aquele que vai alm, que
realista, por um lado, mas que por outro acrescenta algo mais em sua obra, fazendo o
leitor-espectador sentir a vida como deveria ser, alm de v-la como 44. Em outras
palavras, o que est no horizonte de Tchkhov conciliar a verdade artstica exterior com a
interior; da a singularidade de suas personagens viverem cindidas entre a realidade
concreta, mostrada em cena, e o sonho, o devaneio e a fantasia, que revelam suas almas em
dilogos que mais parecem pequenos monlogos. Naturalismo potico45 a melhor
definio que se pode dar s peas do escritor.
Na Rssia czarista, antes de Tchkhov, Tlstoi j havia testado o naturalismo
teatral com um drama fortssimo, O Poder das Trevas (1886), no qual adultrio,
assassinato e remorso remetem a Thrse Raquin, de Zola, e a Crime e Castigo, de
Dostoivski. Mas o autor russo que merece destaque ao lado de Tchkhov Mximo
Grki. Em outra vertente do naturalismo, que teve em Hauptmann seu grande modelo, ele
trouxe para a cena, com acentuado cunho poltico, os pequenos burgueses mesquinhos e os
miserveis do submundo, em peas como Os Pequenos Burgueses (1901) e Ral (1902)46.
A literatura e o teatro engajados ganham outra dimenso com sua obra que se torna cada
vez mais ligada causa da revoluo47.
de Synge; as primeiras peas de Sean OCasey, como Riders to the Sea; e as peas escritas por D H. Lawrence entre 1909 e 1913 A Colliers Friday Night e The Daughter-in-Law. Cf. O Naturalismo. Trad. de Joo Pinguelo. Lisboa: Lysia, 1975, p. 85. 43 Apud Raymond Williams, op. cit., p. 126-127. 44 Apud Christopher Innes, op. cit., p. 137. 45 Idem, p.139. 46 Sobre o teatro russo, Arlete Cavaliere e Elena Vssina. Teatro Russo. Literatura e Espetculo. Cotia: Ateli, 2012. 47 interessante observar que, fora da Europa, o naturalismo de cunho social teve forte repercusso nos Estados Unidos, em peas escritas nos anos de 1920 e 1930. A revoluo russa, a crise do capitalismo em 1929 e os anos da depresso motivaram dramaturgos de esquerda a fazer do teatro uma arma de convencimento e um instrumento de denncia. Cena de Rua (1929), de Elmer Rice; Sem Sada (1935), de Sidney Kingsley; Esperando por Lefty (1935), de Clifford Odets; As Pequenas Raposas (1939), de Lillian Hellman so alguns exemplos de peas que puseram no palco, com realismo intenso, os marginalizados da sociedade, a pobreza dos trabalhadores e os males do capitalismo. No mesmo registro naturalista de crtica social, destacaram-se Jack Kirkland, que adaptou A Estrada do Tabaco (1933), de Erskine Caldweel, para o teatro, e Steinbeck, com De Ratos e Homens (1938). Cf. Don B. Wilmeth e Christopher Bigsby (eds). The Cambridge History of American Theatre Cambridge: Cambridge University Press, 1999, vol 2: 1870-1945; Joseph Wood Krutch. The American Drama since 1918. New York: George Braziller, 1957 e In Camargo Costa. Panorama do Rio Vermelho. So Paulo: Nankin, 2001.
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O que se percebe, diante do que foi exposto at aqui, que o naturalismo, iniciando
o movimento de renovao teatral, ao se opor radicalmente s convenes da pea
benfeita, ampliou o horizonte dos dramaturgos no final do sculo XIX e incio do
seguinte, apontando-lhes os caminhos para alterar os velhos procedimentos de composio
de dilogos, enredos e personagens. Alm disso, foi um movimento marcado pela coragem
de seus principais autores, que no recuaram diante de temas controvertidos, mas
importantes para a vida moderna, como sexo, religio, divrcio, reivindicaes sociais e
polticas, feminismo libertrio.
Eric Bentley, a certa altura do estudo intitulado As duas tradies do drama
moderno, transcreve um longo trecho do prefcio que Zola escreveu para a adaptao
teatral de Thrse Raquin e prope que se compreenda a importncia do naturalismo nos
seguintes termos: Essas palavras [de Zola] frutificaram na dcada seguinte, quando Henry
Becque escreveu suas duas grandes peas, quando Os Espectros fez de Ibsen um autor
conhecido na Europa, quando Andr Antoine fundou o Thtre-Libre expressamente para
a produo de peas naturalistas. Esse foi o comeo do movimento moderno na
dramaturgia48.
A segunda tradio a que se refere Bentley anti-naturalista, representada pelo
simbolismo, que teve em Maeterlinck seu autor mais representativo, especialmente
empenhado na construo de uma dramaturgia voltada para a vida interior das
personagens. Em suas peas, povoadas de silncios e sonhos, desaparece o conflito
dramtico tradicional e a ao se constri com nuances, meios-tons e atmosfera potica.
Tambm o expressionismo, j no incio do sculo XX, vir engrossar a fileira da tradio
anti-naturalista, com suas peas centradas nos sonhos, angstias e vises da vida interior
das personagens.
Ora, acompanhando a obra dos principais autores aqui comentados, os criadores da
modernidade dramatrgica, o que percebemos que o dilogo que mantiveram com o
naturalismo no os impediu de incorporar aspectos do simbolismo ou sondagens
introspectivas em suas peas, combinando o que Bentley denomina as duas tradies do
drama moderno. Se, por um lado, Shaw e Grki preferiram o registro realista do teatro
social e poltico e o debate de ideias, por outro, Ibsen, Strindberg, Hauptmann e Tchkhov
trataram de combinar os dados exteriores com a subjetividade das personagens. So
dramaturgos, nas palavras de Martin Esslin, que descobriram a magia que se esconde sob
48 Eric Bentley, O Dramaturgo como Pensador, trad. de Ana Zelma Campos. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1991, p. 50.
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a superfcie aparentemente banal da vida cotidiana, a trgica grandeza das pessoas comuns,
a poesia dos silncios e das reticncias, a ironia amarga dos pensamentos reprimidos49.
BREVES NOTAS SOBRE A MODERNIZAO DA ENCENAO TEATRAL
Antoine (1858-1943) era um jovem ator amador, empregado da Companhia de
Gs, quando criou o Thtre-Libre, que recebeu esse nome porque iria encenar peas que
no passariam pela censura. Seu teatro, situado em Montmartre, bairro parisiense bomio e
artstico, era para assinantes, que pagavam para ver os espetculos de uma temporada. Em
geral, as peas eram representadas apenas uma, duas ou trs vezes. No era um negcio
lucrativo, evidentemente, mas Antoine conseguiu manter o Thtre-Libre em atividade
entre 1887 e 1894, perodo em que apresentou cerca de 120 peas, entre elas, peas de
Ibsen, Strindberg e Hauptmann.
Antoine nunca escondeu o quanto devia s ideias de Zola, chegando a afirmar, em
1890, que nos artigos reunidos no livro Le Naturalisme au Thtre, de 1881, o escritor
indica a maior parte dos melhoramentos que, oito anos depois, o Thtre-Libre, nas suas
modestas instalaes, tentou realizar50.
No primeiro espetculo do Thtre Libre, a encenao de Jacques Damour pea
tirada de um conto de Zola - revestiu-se, pois, de um significado simblico: Antoine
recebia a bno de Zola para dar incio a uma revoluo teatral que, inspirada pelo
naturalismo, deu origem modernidade cnica. Como se sabe, nasce com Antoine a
figura do encenador moderno. O que significa isso?
Significa que antes de Antoine no se considerava a encenao como uma arte
autnoma. O teatro era visto como parte da literatura e o texto sempre valorizado em
primeiro lugar. Com Antoine, a encenao ganha uma assinatura. Hoje no nos damos
conta disso quando vamos assistir a um espetculo de Antunes Filho, por exemplo. O
encenador o artista que sintetiza no espetculo as outras artes que se combinam sobre o
palco: o texto, a arte do ator, a iluminao, a cenografia, os figurinos etc.
Antoine inovou ao buscar reproduzir a realidade no palco, por meio de cenrios
que teriam a mesma funo que as descries do espao romanesco nos romances. Ou seja:
49 Martin Esslin, Au Del de lAbsurde, trad. de Francoise Vernan. Paris: Buchet-Chastel, 1970, p. 44. 50 Andr Antoine, Le Thtre-Libre. Genve: Slatkine Reprints, 1979, p. 132.
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entendia que o cenrio devia ser uma reproduo exata da realidade. Assim, para
representar uma pea de Ibsen, mandou buscar madeira da Noruega; para representar
Tlstoi, comprou mveis russos; colocou animais de verdade em cena, fontes jorrando
gua, feno para uma pea que tinha uma cena num estbulo.
Na interpretao naturalista o ator vive o seu papel. Antoine exigia a
metamorfose completa do ator em personagem e entendia a cena como um espao
fechado, separado da plateia por uma quarta parede, opaca para os atores, que
poderiam portanto dar as costas ao pblico, uma inovao na poca.
Tambm a iluminao eltrica importante nos espetculos de Antoine, para
criar atmosferas de todo o tipo. Antoine foi o primeiro encenador, depois de Wagner, a
apaga a luz da plateia, exigindo mais ateno do espectador, que muitas vezes ia ao
teatro para ser visto, no para ver o espetculo
Enfim, repetindo:: Antoine foi o primeiro encenador moderno. Nasce com ele
um novo conceito: o espetculo teatral passa a ter uma assinatura, um criador.
A encenao torna-se uma nova arte.
O naturalismo teatral sofreu forte oposio do Simbolismo. Maeterlinck
encontrou em Paul Fort e Lugn-Poe artistas dispostos a levar o simbolismo para a cena.
Ambos se opuseram a Antoine e o primeiro criou o Thtre dart, em 1891, e o segundo
o Thtre de lOeuvre, em 1893.
O palco dos simbolistas era completamente diferente do palco dos naturalistas:
Palco geralmente nu, sem cenrios que pudessem atrapalhar a poesia do texto. O ator
tambm se apagava para que a poesia ficasse em primeiro plano. Depois de Maeterlinck,
o grande autor representado por Lugn-Poe foi Ibsen, que a Frana conhecera pelas
mos de Antoine, com peas prximas do naturalismo.
Um bom livro para se conhecer o processo de modernizao cnica A Linguagem
da Encenao Teatral 1880-1980, de Jean-Jacques Roubine. Rio de Janeiro, Zahar,
1982.
O teatro e as vanguardas do comeo do sculo XX.
- O Futurismo italiano e a linguagem teatral radical: peas curtas, experimentais, sem
grande conseqncia para a histria do teatro, a no ser a influncia exercida sobre
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artistas russos, que criaram o cubo-futurismo. Da, ser Maiakvski, o grande autor
teatral russo desse momento. J o surrealismo no deu grandes frutos ao teatro. H uma
tentativa curiosa de Apollinaire, chamada As mamas de Tirsias, na verdade uma
homenagem a um precursor desse teatro de vanguarda, Alfred Jarry, autor de Ubu-Rei,
uma farsa pardica que ainda hoje delicia.
- o Expressionismo na Alemanha: mais fecundo dos movimentos teatrais de vanguarda.
D continuidade a Strindberg e radicaliza o mergulho no interior do ser humano, para
apreend-lo em seus momentos de angstia extrema, loucura, tristeza etc. Hasenclever
(O filho); Sorge (O mendigo); Johst (O jovem). Os autores alemes foram lidos por
dramaturgos americanos e um deles, Eugene ONeill tornou-se um dos grandes de todo
o sculo XX, com peas extraordinrias, como Longa jornada noite adentro e O luto
assenta bem em Electra. No Brasil, Nelson Rodrigues leu ONeill e escreveu Vestido de
Noiva (1943), uma pea que um mergulho vertiginoso na mente de uma mulher que
enfrenta problemas conjugais e que se projeta na figura de uma prostituta do comeo do
sculo. Vamos voltar a isso.
Desdobramentos.
No terreno da encenao, as lies dos naturalistas e simbolistas desdobram-se
em vrias tendncias e criadores. Na Rssia, em Moscou, Stanislavski leva o
naturalismo s ltimas consequncias, e cria no Teatro de Arte de Moscou uma
verdadeira escola de interpretao, que seria imitada em todo o mundo. O Actors Studio
de New York, de Lee Strasberg, leva o mtodo de Stanislavski perfeio, nos anos de
1950. Apesar disso, j na Russia, Meyerhold contesta Staanislavski em nome de uma
teatralizao do teatro - que no seja imitao da vida.
Na Frana, Inglaterra, Sua e Alemanha, multiplicam-se os homens de teatro, os
encenadores, que daro continuidade ao trabalho dos primeiros encenadores. Surgiro
tendncias de continuidade do naturalismo, de recusa do naturalismo, de obedincia ao
texto dramtico e de recusa do texto dramtico. O textocentrismo seduz Copeau, Pitoff,
Jouvet, Dullin e Vilar. Contra a hegemonia do texto e pela genialidade do encenador:
Craig, Meyerhold, Baty e Artaud.
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