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inform Informação sobre Direitos Humanos e o trabalho do Centro Cultural Mosaiko Edição trimestral F Distribuição gratuita
Nº 01 Dezembro 2008MosaikoMosaiko
60º ANIVERSÁRIO Declaração Universal dos Direitos Humanos
Entrevista com Margo Picken, ex-Directora do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos no Cambodja pág. 13
Declaração universal
Dos Direitos humanos
Dignidade e Justiça para Todos
60
Figura em destaque
Ainda nesta edição pág. 17
Educar em Direitos Humanos
PROMOVER OS DIREItOS HUMANOS
Vem à luz esta edição quando comemoramos 60 anos da proclamação
da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Como diz Margo Picken,
na sua entrevista ao Mosaiko Inform, trata-se de um documento revolu-
cionário.
No seu livro “Direitos Humanos – Guia de apoio a cursos de formação”,
o Centro Cultural Mosaiko procurou ajudar a perceber, por um lado, que
não havia/há pessoa humana sem os seus Direitos Humanos, mas, por
outro, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos era, simultane-
amente, um ponto de chegada de uma longa caminhada da Humanidade
e um ponto de partida de outra longa caminhada, aliás, sem fim, apenas
com etapas.
Felizmente, nos nossos dias, além daquele conhecimento intuitivo e
inerente a todos nós sobre o correcto e o incorrecto, o justo e o injusto, e
fruto de muito esforço, já é grande o conhecimento sobre os Direitos Hu-
manos baseado na arquitectura jurídica das nossas sociedades, pelo me-
nos das que parecem intencionalmente comprometidas com a promoção
dos mesmos direitos. E quanto ao gozo, ao respeito, à implementação, à
sua defesa? Este é o desafio que a Humanidade tem em mãos. Este é o
desafio que Angola tem em mãos. Importa, sim, perceber que este não é
um trabalho de uns contra outros. Mas o de todos por todos.
Esta edição reúne um conjunto de textos, que vão da análise histórica
da Declaração Universal dos Direitos Humanos a uma reflexão mais apro-
fundada sobre a sua implementação, assim como à expressão de um grito
pedindo ajuda de todos para que os Direitos Humanos sejam efectivamen-
te respeitados em todo o lado.
e d i t o r i a l
José Sebastião Manuel, op
ÍNDICE
Editorial ................................................................ 02José Manuel Sebastião, op
InformandoA Gesta dos Direitos Humanos tem 60 anos ... 03
Luís de França, opA Declaração Universal dos Direitos Humanos ... 04
Luís de França, opPromoção dos Direitos Humanos em Angola:
o contributo do Mosaiko ... 05 Mário Rui Marçal, op
O Direito e o Dever de promover os Direitos Humanos ... 06
João Lima de Oliveira
Estórias da HistóriaO Holocausto ................................................... 07
Barros Manuel
Figura em destaque Nelson Mandela ............................................... 08
Hermenegildo Teotónio
ConstruindoOs Defensores dos Direitos Humanos ............. 09
Mónica GuedesPela Defesa e Promoção
dos Direitos Humanos ... 10Celestino Quinta
As Organizações Internacionais ....................... 11Belarmino Cardoso
Entrevista com Margo Picken ....................... 13Mónica Guedes
ReflectindoA natureza dos Direitos Humanos ................... 16
Florência ChimuandoEducar em Direitos Humanos .......................... 17
Sebastiana OliveiraOs Direitos Humanos em Angola:
Que desenvolvimento? ... 19António Ebo
Breves ................................................................... 20
2Mosaiko
informMosaiko
A
gesta
dos
Direitos
Humanos
tem
60 anos
Nº 01 / Dezembro 2008
I n f o r m a n d o
3
Luís de França, op
Em 1948 a Assembleia Geral das Nações Uni-
das proclamou a Declaração Universal dos Direitos
Humanos - DUDH. A redacção do texto final levou
18 meses para ser concluída, e foram precisos 18
anos para se chegar ao acordo sobre os Pactos pre-
vistos desde o início desta iniciativa da Organização
das Nações Unidas – ONU, criada em 1945.
Em 1966 foram finalmente aprovados os Pactos.
Um primeiro sobre os Direitos Civis e Políticos e
outro sobre os Direitos Económicos, Sociais e Cul-
turais.
Em 1975 no quadro da guerra fria, que então
determinava a geopolítica mundial, foi assinada a
carta da Conferência de Helsínquia.
Em 1976-77 foi organizada a Conferência de
Belgrado para regulamentar e implementar as deci-
sões de Helsínquia.
No quadro das Cimeiras promovidas pelas Na-
ções Unidas para a preparação do Milénio foi re-
alizada em Viena de
Áustria, em 1993, uma
Cimeira dedicada exclu-
sivamente aos Direitos
Humanos. Nesta confe-
rência de Viena iniciou-
se uma grande crítica
ao pretendido carácter
universal da DUDH. A
contestação foi feita so-
bretudo pelos defenso-
res do direito sagrado do
Islão. Também se ouviram criticas dos defensores
dos valores asiáticos e dos valores africanos.
Por alturas da conferência de Viena já se encon-
trava sistematizada uma certa hierarquização dos
DH. Começou então a generalizar-se a ideia de que
os direitos civis e políticos constituíam os direitos
da 1ª geração. Os direitos económicos, sociais e
culturais constituíam os direitos da 2ª geração, e os
novos direitos que no decorrer das últimas décadas
se tinham formalizado passaram a ser considerados
os direitos da 3ª geração.
O cinquentenário da DUDH, ocorrendo em 1998,
e num contexto favorável à implementação dos Di-
reitos Humanos conheceu um grande impacto em
muitos países do mundo, através de várias inicia-
tivas locais, e outras com carácter internacional.
Os meios de comunicação social deram então uma
grande cobertura a esta celebração dos 50 anos da
Declaração Universal. Em Abril desse ano realizou-
se uma reunião de vários activistas e militantes dos
DH que se definiu como os Estados Gerais dos De-
fensores dos DH.
O mesmo já não se pode dizer neste ano de
2008, e por altura do sexagésimo aniversário da De-
claração. Segundo muitos observadores há hoje no
mundo um certo retroces-
so na implementação dos
direitos e um maior nú-
mero de violações mes-
mo nos países que até há
poucos anos queriam ser
pioneiros da sua defesa,
como se verifica no Reino
Unido e nos Estados Uni-
dos da América.
Apesar de todas as
adversidades, continua
em marcha o processo pelo reconhecimento dos
direitos da 3ª geração, tais como: o Direito à Paz; o
Direito ao Desenvolvimento; o Direito ao Meio Am-
biente; o Direito à Segurança Alimentar; o Direito In-
ternacional Humanitário, e em particular o Direito de
Ingerência, de todos o mais controverso.
4Mosaiko
informMosaiko
Luís de França, op
Esta declaração nasceu do imenso
descalabro provocado pela segunda
Guerra Mundial (1939-1945), e pelo
desejo de evitar que nova hecatombe
pudesse acontecer no futuro. A guerra
fria que então se começava a dese-
nhar no horizonte da geopolítica mais
avivou essa necessidade. De modo
mais positivo, podemos dizer que exis-
te também o retomar de uma velha
utopia, ou seja, a construção universal
da Humanidade. Esta construção de-
via fazer-se em três tempos. Antes de
mais a Declaração não devia ter valor
jurídico no espírito dos seus criadores;
depois, previa-se a regulamentação ju-
rídica da Declaração através de pactos
obrigatórios (estes só se concretizarão
dezoito anos mais tarde, ou seja, em
1966); enfim, a terceira parte a instituição
de um órgão de controle só verá a luz em Abril de
2002 com a criação, em Roma, do TPI - Tribunal Pe-
nal Internacional. Este o grande projecto, que teve
de integrar várias tradições jurídicas, tais como a in-
glesa, a francesa e a alemã, e compor na sua redac-
ção com as ideologias dominantes nomeadamente a
liberal e a marxista. Á partida, que esta Declaração
não tinha o valor de uma regra imperativa, devia ter
a qualificação de uma intenção moral.
A DUDH inicia-se com um preâmbulo devendo-
se sublinhar o carácter pedagógico escolhido para a
sua formulação.
Os dois primeiros artigos comportam uma sínte-
se sobre o problema das liberdades, isto é, liberda-
des declaradas e liberdades a fazer. Aí os autores
tentam conciliar as diversas concepções então exis-
tentes sobre a liberdade.
Seguidamente, os artigos 3º a 14º, afirmam, do
modo mais clássico possível, os direitos ligados à
pessoa. Os artigos 15º a 17º definem o estatuto pri-
vado do indivíduo, a sua nacionalidade, o direito ao
casamento, e o direito à propriedade. Neste caso
concreto como obter acordo entre os marxistas que
recusam a existência de qualquer propriedade pri-
vada e os liberais que pelo contrário põem o acento
na defesa intransigente da propriedade privada. O
compromisso alcançado foi o texto que acabou por
constituir o artigo 17° da Declaração, que se lê as-
sim: “todas as pessoas, individualmente ou colecti-
vamente, têm direito à propriedade”.
Naqueles casos, onde o desacordo entre as di-
ferentes ideologias era muito grande optou-se pelo
silêncio. Sobre o direito à greve, por exemplo, não
haverá qualquer referência na DUDH. Seguem-se a
enumeração das liberdades públicas e políticas e
depois, nos artigos 22º a 27º, os direitos económi-
cos e sociais.
Chama-se a atenção para o artigo 29°, que con-
tém um apelo aos deveres, o que nos faz dizer que
não estamos diante de um texto jurídico no sentido
clássico do termo. O artigo 30°, foi redigido, como
um limite a todo e a qualquer totalitarismo: “nenhu-
ma disposição da presente Declaração se pode in-
terpretar como se conferisse algum direito ao Esta-
do, a um grupo ou a uma pessoa para empreender
e exercer actividades ou realizar actos tendentes à
supressão de qualquer dos direitos e das liberdades
proclamadas nesta Declaração”.
Deste modo o sistema de Direitos Humanos pro-
posto na Declaração, não é um sistema fechado mas
sim um sistema aberto a futuros desenvolvimentos.
É por isso que todas as vezes que se queiram redu-
zir os Direitos Humanos a um texto, ou a uma de-
claração que os limite, está-se a negar a dinâmica
veiculada pela DUDH.
Declaração
Universal
dos
Direitos
Humanos
i n f o r m a n d o i n f o r m a n d o
Promoção
dos
Direitos
Humanos
em Angola:
o contributo
do Mosaiko
5Nº 01 / Dezembro 2008
i n f o r m a n d oO Centro Cultural Mosaiko tem como missão “pro-
duzir e difundir uma reflexão contextualizada e rigorosa
para suscitar e apoiar iniciativas de desenvolvimento in-
tegral e integrado na sociedade angolana”, assumindo
como objectivo geral “contribuir para o estabelecimen-
to de uma cultura de Direitos Humanos em Angola”.
Para tal, o Mosaiko propõe-se contribuir para o
alargamento do espaço democrático através do for-
talecimento da sociedade civil e do fortalecimento das
instituições do Estado.
O contributo do Centro Cultural Mosaiko na promo-
ção dos Direitos Humanos (DH) em Angola é desenvol-
vido em seis áreas de trabalho, nomeadamente:
1. Capacitação da Sociedade Civil através de seminá-
rios de formação com líderes comunitários [mem-
bros de instituições do Estado (Educação, Saúde,
Justiça, Polícia Nacional, Forças Armadas,…) líde-
res eclesiais, autoridades tradicionais, jornalistas,
representantes de partidos políticos, membros de
grupos e organizações da sociedade civil,…] em
diversas províncias do país; de sessões de refor-
ço institucional com grupos locais que trabalham
habitualmente com o Mosaiko; de seminários de
formação com Educadores Sociais e Professores
e da participação em conferências, debates e inter-
venções nos Meios de Comunicação Social.
2. Capacitação de Instituições do Estado através da
participação em sessões de formação para funcio-
nários de órgãos do Estado e seus parceiros, onde
é explicitamente desenvolvida uma abordagem de
DH. A colaboração com a Direcção Nacional de Saú-
de Pública e com o Instituto Nacional de Luta contra
a SIDA são dois dos exemplos mais frutuosos.
3. Produção e difusão de Informação através da Bi-
blioteca Mosaiko, situada no Bairro da Estalagem,
que regista mais de 3 000 leitores por ano; através
da produção anual de um calendário com temáticas
de DH, de uma Agenda Cívica e de outros materiais
didácticos (livros, brochuras, folhetos, cartazes,
CD’s,…); através da produção do pro-
grama de rádio “Construindo Cida-
dania” que passa semanalmente na
Rádio Ecclesia desde Agosto 2004.
4. Pesquisa orientada para a acção
através de projectos de pesquisa
social que são desenvolvidos com o
intuito de conhecer melhor a realida-
de social do país e de fundamentar
e apoiar a acção desenvolvida pelo
Mosaiko.
5. Advocacia Social realizada principal-
mente através das Semanas Sociais
Nacionais e de outros eventos na-
cionais nos quais há participações
de quase todas as regiões do país
e uma boa cobertura mediática, cha-
mando a atenção para os temas e a
abordagem adoptada.
6. Protecção dos DH através de aconse-
lhamento jurídico e acompanhamento judicial de
casos de violação de DH que sejam recebidos
pelos grupos locais de modo a constituírem uma
ocasião de aprendizagem para os seus membros
e ajudem a criar precedentes que mostrem que as
pessoas mais desfavorecidas também têm acesso
ao sistema de Justiça e podem ver as suas preten-
sões atendidas de acordo com a lei.
Desta forma, o Mosaiko procura estabelecer pon-
tes entre as instituições da Igreja e outras instituições
da sociedade, entre as estruturas centrais, provinciais
e locais do Estado, entre as autoridades e os cidadãos.
Adoptando uma abordagem inclusiva e dialogante, bus-
cando identificar as causas dos problemas de forma
rigorosa e objectiva, procura contribuir para legitimar
e despartidarizar a discussão sobre os DH em Angola
de forma a suscitar e apoiar mudanças positivas que
possam envolver os diferentes actores sociais.
Mário Rui, op
i n f o r m a n d o
e s t ó r i a s d a H i s t ó r i a
6Mosaiko
informMosaiko
Promover e proteger os Direitos Humanos é uma
tarefa de todos – pessoa, associação ou organiza-
ção, instituição civil ou estatal.
É certo que toda a pessoa tem
direito a promover e a procurar
a protecção e a realização dos
Direitos Humanos e as liberda-
des fundamentais. Mas esta
tarefa só tem grande impacto
se as pessoas partilharem as
suas ideias e preocupações
em reuniões ou estiverem or-
ganizadas, legalmente, em
grupos cívicos (associações,
organizações não-governa-
mentais, instituições).
A experiência que temos
– ao trabalharmos com as
comunidades espalhadas por
este imenso País – mostra-
nos que a maior parte dos
cidadãos angolanos sabem
muito pouco ou quase nada sobre os Direitos Hu-
manos e muitos deles desconhecem os meios e
mecanismos de defesa previstos na lei para asse-
gurar estes mesmos direitos. A culpa não é deles,
porque um povo que só sabia da guerra e dum sis-
tema político (socialismo) que não lhe dava espaço
para manifestar a sua liberdade, pensa que quem
tem direitos são só os chefes.
Ainda bem que a paz e a
democracia vieram para ficar,
porque – com a realização
das eleições legislativas de
Setembro de 2008 – todas as
condições serão criadas para
que a educação em Direitos
Humanos chegue a todas as
localidades do País, porque
só com actividades formati-
vas (seminários, palestras,
conferências) é que se pode
ensinar a promover e a pro-
teger os referidos direitos.
Aliás, esta preocupação já
havia sido manifestada pelas
Nações Unidas, em 1998,
quando se aprovou a «Decla-
ração sobre o Direito e Dever
dos Indivíduos, Grupos e Instituições de Promover
e Proteger os Direitos Humanos e as Liberdades
Fundamentais Universalmente Reconhecidos».
O Estado angolano (mais concretamente o Go-
verno e a Administração Pública) tem a responsabi-
lidade primordial e dever de proteger, promover
e tornar efectivos todos os Direitos Humanos e
liberdades fundamentais..., adoptando as medi-
das necessárias para o efeito. Isto só será pos-
sível se o próprio Estado for flexível e simpático
com todos os cidadãos – quer cooperando com
eles no que for necessário, quer atendendo os
seus pedidos, sugestões, queixas, reclamações,
etc., mesmo aquelas que contra si são propos-
tas.
Lima de Oliveira
i n f o r m a n d o
O Direito e
o Dever de
promover
os
Direitos
Humanos
e s t ó r i a s d a H i s t ó r i a
7Nº 01 / Dezembro 2008
O HOLOCAUStOUMA VERDADE INCONtEStÁVEL
O “Holocausto Nazi” designa a concretização de
um plano de genocídio da população Judaica viven-
do na Europa no Século XX. O termo genocídio foi
criado por Raphael Lemkin, um judeu Polaco, em
1944, juntando a raiz grega génos (família, tribo ou
raça) e caedere (Latim - matar), e significa o exter-
mínio total de uma dada população.
Em 1933 com a subida de Adolf Hitler ao po-
der estava instalada na Alemanha uma ditadura
totalitária, que era alimentada por uma ideologia
nazi racista (só existe uma raça superior - a raça
ariana. As outras raças haveriam de ser destruídas
ou submetidas ao serviço da raça superior). Assim,
começou uma perseguição contra os Judeus até se
chegar ao seu extermínio nas câmaras de gás e
sendo os corpos arrastados para os crematórios.
O General Dwight D. Eisenhower, Comandante das
Forças Aliadas Vencedoras da II Guerra Mundial,
esteve pessoalmente nos campos de concentração,
constatou os gritos de socorro, choros, soluços,
gemidos e o silêncio tumular da terrível morte em
massa dos Judeus. Por isso, ordenou aos presen-
tes: “que se tenha o máximo de documentação – fa-
çam filmes – gravem testemunhos – porque há-de
vir um dia, algum idiota se vai erguer e dizer que
isto nunca aconteceu”.
Hoje surpreendentemente, existe uma corrente
de contestadores do Holocausto. Esses contesta-
dores negam ter havido uma intencionalidade ex-
pressa de genocídio contra os judeus; negam que
se tenha implementado um programa de extermínio
altamente técnico e bem organizado fazendo uso
de câmaras de gás; negam terem sido mortos entre
cinco e seis milhões de judeus. Os contestadores
criticam os judeus dizendo que eles mentem ao seu
povo, ou ao mundo ao dizer que houve um Ho-
locausto (David Cole, 1994). O Reino Unido, por
exemplo, removeu recentemente a problemática do
Holocausto dos seus currículos escolares porque
“ofendia” a população muçulmana, que afirma que
o Holocausto nunca aconteceu.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos
consagra no seu artigo 19º o direito à liberdade de
opinião e de expressão da “verdade” sem consi-
derações de fronteiras e dos meios de expressão.
Porém, o Holocausto é uma tragédia que a história
registou. Deve-se ter a coragem de aceitar esse
facto, contar e divulgar livremente às gerações vin-
douras para não se repetir o erro. Foi para a Huma-
nidade um grande fracasso e retrocesso em relação
ao respeito pelos Direitos Humanos. A História não
se compadecerá da mentira sobre um facto tão de-
sumano, que outros humanos intentam ignorar.
i n f o r m a n d o
Barros Manuel
Ficha técnica
Mosaiko Inform
PropriedadeCentro Cultural Mosaiko
NIF: 7405000860
Nº registoMCS-492/B/2008
RedacçãoBelarmino Márcio Cardoso
Celestino QuintaFlorência Chimuando
Mónica Guedes
Colaboradores: António Ebo
Barros ManuelHermenegildo Teotónio
Lima de OliveiraLuís de França, op
Mário Rui, op Sebastiana Oliveira
técnico GráficoPaulo Bento
ContactosCentro Cultural Mosaiko
Bairro da Estalagem Km 12 - Viana
Caixa Postal 6945 CLuanda - Angola
Telefones923 543 546 / 912 508 604
Endereço electrónicominform@mosaiko.op.org
Sítio na internethttp://mosaiko.op.org
ImpressãoIndugráfica, LdaFátima - Portugal
Tiragem: 2 500 exemplares
DIStRIBUIÇÃO GRAtUItA
Nelson Mandela
C o n s t r u i n d o
8
F i g u r a e m D e s t a q u e
Mosaikoinform
Mosaiko
Rolihlahla Dalibhunga Mandela, o nome verda-
deiro de Nelson Mandela, nasceu a 18 de Julho de
1918, em Transkei, na África do Sul.
Estudante de Direito no South Áfrican Native Col-
lege of Fort Hare, envolve-se na oposição ao regime
do apartheid que negava aos negros, a maioria da
população, os direitos políticos, sociais e económi-
cos. Une-se ao Congresso Nacional Africano (CNA)
em 1942 e dois anos mais tarde fundou com Walter
Sisulu e Oliver Tambo a Liga Jovem do CNA.
Após a vitória do Partido Nacional - apoiante da
política de segregação racial - nas eleições presiden-
ciais de 1948, Nelson Mandela chefia a Campanha
contra as leis injustas, em 1952. É temporariamente
banido da política e ainda nesse ano Mandela é co-
fundador da primeira firma de advogados negra, em
Joanesburgo.
Comprometidos de início apenas com actos não
violentos, Mandela e os seus colegas do CNA re-
correm às armas após o massacre de Sharpeville,
que ocorreu no dia 21 de Março de 1960, quando a
polícia sul-africana atirou em manifestantes negros,
desarmados, matando 69 pessoas e ferindo 180 e
decretou a ilegalidade do CNA assim como de ou-
tros grupos anti-apartheid.
Em 1961 Nelson Mandela tornou-se comandan-
te do braço armado do CNA e um ano mais tarde
torna-se alvo do regime do apartheid, sendo detido
e condenado a 5 anos de prisão. Em 12 de Junho de
1964 é novamente julgado. Acusado de sabotagem
e conspiração, é condenado a prisão perpétua.
Nos vinte e seis anos seguintes, de reclusão,
Mandela tornou-se de tal modo associado à oposi-
ção ao apartheid que o clamor “Libertem Mandela”
se tornou bandeira de todas as campanhas e grupos
anti-apartheid em todo o mundo.
As autoridades oferecem a liberdade a Nelson
Mandela por duas vezes, mas ele recusou sempre.
A primeira, em 1973, o governo propôs a sua liberta-
ção em Transkei, uma área livre negra. A segunda,
em 1985, Mandela recusou trocar uma liberdade
condicional pela recusa em incentivar a luta armada.
A campanha do CNA e a pressão internacional con-
seguiram que fosse libertado em 11 de Fevereiro de
1990, por ordem do presidente Frederik Willem de Klerk.
Mais tarde, em Maio de 1994, Nelson Mandela
tornou-se o Presidente da África do Sul, naquelas
que foram as primeiras eleições multirraciais do país.
O seu mandato termina em 1999, e em 2000 Mande-
la é nomeado mediador da guerra civil no Burundi.
Em 2003, juntou-se à campanha de angariação
de fundos contra o HIV/SIDA, denominada 46664, o
seu número de presidiário.
Em Julho de 2008 Nelson Mandela completou
90 anos de vida. Para comemorar esta data, vários
artistas mundialmente conhecidos juntaram-se num
concerto, em Londres, para homenageá-lo.
Defensor e apoiante de causas de diversas or-
ganizações sociais e de Direitos Humanos, Nelson
Mandela recebeu vários prémios e distinções: Pré-
mio Internacional Al-Gaddafi de Direitos Humanos
(1989), Prémio Nobel da Paz (1993), a Ordem de
St. John, da rainha Isabel II, a Medalha presidencial
da Liberdade de George W. Bush, o Bharat Ratna
(1990), Ordem do Canadá (2001). Em Novembro de
2006, Nelson Mandela foi premiado pela Amnistia In-
ternacional com o prémio Embaixador de Consciên-
cia 2006 em reconhecimento à liderança na luta pela
protecção e promoção dos Direitos Humanos.
Hermenegildo Teotónio
Os defensores dos Direitos Humanos são todos
os indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que pro-
movem e protegem os Direitos Humanos e as liber-
dades fundamentais universalmente reconhecidos.
Abordam quaisquer problemas de Direitos Humanos,
entre eles, as execuções e a tortura, a detenção e
prisão arbitrárias, a mutilação genital das mulheres, a
discriminação e questões labo-
rais, as expulsões forçadas,
o acesso à atenção sanitá-
ria, as descargas tóxicas e
o seu impacto ambiental.
Também defendem os direi-
tos de grupos vulneráveis,
por exemplo, os direitos da
mulher, da criança, dos po-
vos indígenas, dos refugia-
dos e deslocados internos
e de minorias nacionais,
linguísticas ou sexuais.
Uma grande parte das actividades dos defenso-
res dos DH consiste em apoiar as vítimas de viola-
ções de Direitos Humanos. O facto de investigar e
tornar públicos esses delitos pode contribuir para
pôr-lhes fim e ajudar as vítimas. Desenvolvem tam-
bém um trabalho educativo que consiste, em ensi-
nar a aplicar os princípios dos Direitos Humanos no
contexto de uma actividade profissional, por exem-
plo, nos magistrados, advogados, polícias, solda-
dos. A educação pode ser mais ampla e desenvol-
ver-se nas escolas, universidades ou mediante a
difusão da informação entre a população em geral
ou grupos vulneráveis. Em resumo, o trabalho dos
defensores dos DH consiste em reunir e difundir
informação sobre Direitos Humanos, levar a cabo
uma actividade de promoção e mobilizar a opinião
pública. Também podem proporcionar informação
para capacitar outras pessoas.
Reconhecido o papel decisivo que desempe-
nham os defensores dos DH e as violações de que
são objecto, a Organização das Nações Unidas
concluiu que era necessário proporcionar apoio e
protecção aos defensores. Assim, a Assembleia
das Nações Unidas adoptou a “Declaração sobre
os Defensores dos Direitos Humanos”, também
designada por “Declaração dos Direitos e Respon-
sabilidade dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da So-
ciedade para Promover e Proteger os Direitos Hu-
manos e Liberdade Individuais”, em 9 de Dezembro
de 1998.
Em Dezembro de 2008 comemora-se o 60º ani-
versário da Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos e também o 10º aniversário da Declaração
sobre os Defensores dos Direitos Humanos. Esta
dupla comemoração revela-se uma oportunidade
para reflectir sobre o estado actual dos Direitos
Humanos em Angola e o contributo dos defensores
dos DH, que é legítimo, legal e revela-se necessário
para o Estado de direito e para a democracia.
C o n s t r u i n d o
9Nº 01 / Dezembro 2008
Mónica Guedes
Os Defensores
dos
Direitos Humanos
10Mosaiko
informMosaiko
Os Direitos Humanos são princí-
pios internacionais que servem para
proteger, garantir e respeitar o ser
humano. Podemos entende-los como
direitos fundamentais porque sem
eles o ser humano não é capaz de se
desenvolver e participar plenamente
na vida.
Os Direitos Humanos são vitais
para a civilização pelo que os Esta-
dos-membros das Nações Unidas têm
vindo a elaborar pactos internacionais
ao longo dos anos para garantir o res-
peito dos direitos e liberdades funda-
mentais.
Respeitar os DH é promover a vida
em sociedade, sem discriminação so-
cial, cultural, religiosa, racial, étnica e
sexual. Assim, apresentam-se como
condições fundamentais para o de-
senvolvimento da Humanidade e a
concretização dos Direitos Humanos, a
aceitação da diferença e a igualdade entre homens
e mulheres.
A promoção dos DH não é apenas uma
tarefa exclusiva dos Estados ou das organiza-
ções que trabalham para tal. É também uma
missão de todos os cidadãos que fazem parte
de uma sociedade. O importante nesta luta é
saber o que cada um de nós pode fazer para
promover e defender os Direitos fundamentais
e resistir às violações dos mesmos.
Antes de mais, a promoção dos Direitos
Humanos deve começar no seio da família,
onde começa qualquer acção educativa e
não pode contrariar à educação em Direitos
Humanos. Por isso devemos dá-los a conhecer
à nossa família, amigos, vizinhos, aos grupos ou
movimentos a que pertencemos, sejam religiosos,
culturais, sociais, recreativos, etc.
Depois, podemos e devemos ampliar essa di-
vulgação aos colegas de escola, universidades, do
trabalho, aos chefes, funcionários, alunos, profes-
sores. Podemos transmitir os direitos e as liberda-
des fundamentais e incentivar os outros a juntarem-
se a este esforço comum.
São inúmeros os meios que estão ao nosso
alcance para divulgar e promover os Direitos Hu-
manos: realizar campanhas de sensibilização nos
bairros, escolas, universidades, paróquias, escre-
ver e divulgar textos sobre Direitos Humanos; fa-
zer jornais escolares, de bairro, organizar debates,
encontros, grupos de trabalho, apoiar campanhas
e projectos das Organizações não Governamentais
que trabalham em Direitos Humanos, escrever car-
tas aos responsáveis políticos, pedindo o seu apoio
na promoção e defesa dos DH, exigindo actuações
concretas para os alcançar, escrever ao governa-
dor da província, aos dirigentes dos partidos polí-
ticos, órgãos do Governo, ONU, União Europeia,
etc., apoiar as formações políticas que estejam
realmente comprometidas com os Direitos Huma-
nos. É importante que nós, cidadãos, recordemos
aos políticos os compromissos assumidos. Pode-
mos também mobilizar os meios de comunicação
c o n s t r u i n d o c o n s t r u i n d o
Pela
Promoção
e Defesa
dos
Direitos
Humanos
11Nº 01 / Dezembro 2008
social, agências de publicidade e comunica-
ção para que se comprometam na promoção e
defesa dos Direitos Humanos no país, região,
província, promovendo o debate público. As pes-
soas que por algum motivo não conseguem par-
ticipar de forma individual nesta tarefa, que é de
todos nós, podem associar-se a grupos para que
de forma colectiva consigam pôr em prática as
suas iniciativas para a promoção destes direitos.
Os empresários, por exemplo, devem procurar
respeitar os DH, o meio ambiente, a liberdade e os
direitos dos seus funcionários, eliminar todas as for-
mas de trabalho forçado e infantil, assim como a dis-
criminação de género e apoiar e financiar projectos
de educação em Direitos Humanos.
Se por um lado podemos desenvolver acções
de promoção dos Direitos Humanos, por outro po-
demos resistir à violação dos mesmos. Gestos sim-
ples no nosso dia-a-dia podem ajudar nessa luta.
Por exemplo, não adquirir bens que tenham sido
conseguidos ou fabricados sob qualquer forma de
discriminação ou violação dos Direitos fundamen-
tais, ainda que o seu preço seja tentador. Podemos
tornar públicos os casos de violação e realizar mar-
chas ou outros gestos de solidariedade com as ví-
timas, organizar grupos de trabalho para debater e
propor soluções para casos de violação dos direitos
e liberdades fundamentais.
Estas são algumas das muitas formas de par-
ticipação na defesa e promoção dos Direitos Hu-
manos. Os maiores aliados nesta missão são o
conhecimento, a informação e a vontade individual,
movidos pelo espírito da solidariedade.
A tarefa é urgente!
As Organizações InternacionaisA Assembleia Geral das Nações Unidas, ao
aprovar a Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos, proclama-a como ideal comum a atingir por
todos os povos e todas as nações, a fim de que
todos os indivíduos e todos os órgãos da socieda-
de, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por
desenvolver o respeito desses direitos e liberdades
e por promover, através de medidas progressivas
de ordem nacional e internacional, o seu reconheci-
mento e a sua aplicação universais e efectivos por
todas as pessoas.
Dentre as formas mais convenientes para a de-
fesa e promoção dos Direitos Humanos, devemos
considerar também as colectividades inter-gover-
namentais constituídas pelas organizações inter-
nacionais. O objectivo geral destas organizações é
defender e promover os Direitos Humanos de todas
as pessoas nas suas áreas de acção.
As organizações internacionais distinguem-se
em inter-governamentais e não-governamentais re-
gionais e nacionais.
As organizações inter-governamentais são
aquelas compostas por entes públicos, os Estados
e as organizações não-governamentais são priva-
das e compostas essencialmente por particulares.
As organizações regionais são aquelas com a sede
e abrangência directa num continente e as nacio-
nais são as que prosseguem os seus fins nos terri-
tórios nacionais onde têm a sua sede.
Relativamente às organizações internacionais
inter-governamentais destacamos,
Alto ComissAriAdo dAs NAções UNidAs pArA os dH
www.ohchr.orgTem a função de promover o gozo universal dos
Direitos Humanos, levando à prática a vontade e
a determinação da comunidade mundial expressa
pelas Nações Unidas.
c o n s t r u i n d o c o n s t r u i n d o
Celestino Quinta
E n t r e . . . v i s t a
12Mosaiko
informMosaiko
Algumas organizações internacionais não-go-
vernamentais :
AmNistiA iNterNACioNAl
www.amnisty.org / www.amnistia-internacional.ptForma uma comunidade global de defensores
dos Direitos Humanos, que procura fazer respeitar
os DH consagrados na Declaração Universal e nou-
tros padrões internacionais de Direitos Humanos.
HUmAN rigHts WAtCH
www.hrw.org / www.hrw.org/portugueseOrganização que conduz investigações para co-
lectar dados sobre abusos de Direitos Humanos em
todas as regiões do mundo, publicando-os em livros
e relatórios, anualmente.
orgANizAção mUNdiAl CoNtrA A tortUrA
www.omct.orgÉ a maior junção de organizações não governa-
mentais que lutam contra a detenção arbitrária, a tor-
tura, as execuções sumárias e arbitrárias, os desapa-
recimentos forçados e outras formas de violência.
Destacamos ainda as seguintes organizações:
FederAção iNterNACioNAl de dH
www.fidh.orgglobAl WitNess
www.globalwitness.org
rigHts ANd ACCoUNtAbility iN developmeNt
www.raid-uk.org
e a
brigAdA iNterNACioNAl dA pAz
www.peacebrigades.org
Algumas organizações regionais africanas :
Comissão AFriCANA pArA os dH e dos povos
Destina-se a promover os Direitos Humanos,
desenvolvendo princípios e as regras relacionadas
com os DH sobre os quais os Governos possam ba-
sear as suas legislações. Encoraja as organizações
nacionais e locais ligadas aos Direitos Humanos.
Algumas organizações nacionais não-governa-
mentais de África:
em Angola:
AssoCiAção JUstiçA, pAz e demoCrACiA
www.ajpdangola.org
Tel: 222 430 300 E-mail: ajpd@netangola.com
Organização apartidária, de carácter voluntário,
com personalidade jurídica na República de Angola.
A AJPD tem como objectivo a defesa dos Direitos
Humanos, bem como contribuir para a promoção dos
valores da paz, justiça e democracia em Angola.
AssoCiAção mãos livres
Tel: 222 255 056
Organização que congrega juristas e pretende
defender, na Justiça, as pessoas mais desfavoreci-
das da sociedade angolana.
sos HAbitAt
Organização Cívica de Direitos Humanos
Na guiné-bissau:
ligA gUiNeeNse dos direitos HUmANos
www.lgdh.org
em moçambique:
ligA moçAmbiCANA dos dH
www.ldh.org.mz
Associação sócio-humanitária que tem como
objectivo contribuir para uma maior aderência e
respeito, defesa e promoção dos Direitos Humanos
em Moçambique, quer pelas instituições do Estado,
quer pela sociedade civil.
Na república democrática do Congo:
AssoCiAção AFriCANA pArA A deFesA dos dHBelarmino Cardoso
c o n s t r u i n d o
Já não visitava o nosso país desde 2001, quando terminou a sua colaboração com a Embaixada
da Suécia em Angola. A nossa entrevistada, Margot Picken, reúne uma vasta e rica experiência
na área de Direitos Humanos, destacando-se a sua passagem pelo Gabinete do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os Direitos Humanos no Cambodja, Fundação Ford e pela Amnistia
Internacional. Durante a sua curta estadia no nosso país, em finais de Setembro de 2008, o Mo-
saiko Inform (MI) entrevistou Margot Picken (MP), para saber da sua apreciação sobre o estado
actual dos Direitos Humanos no mundo.
E n t r e . . . v i s t a
13Nº 01 / Dezembro 2008
mi Este mês comemora-se o 60º aniversário da De-
claração Universal dos Direitos Humanos. Que
balanço faz sobre o actual estado dos Direitos
Humanos no mundo e em África?
mp A Declaração Universal foi um documento revolu-
cionário. Pela primeira vez na história se procla-
mou um entendimento comum sobre os Direitos
Humanos e liberdades fundamentais, reconhe-
cendo-se a dignidade, a igualdade e os direitos
inerentes e inalienáveis aos seres humanos em
qualquer parte, sem distinção. Muitos governos
na altura viram a Declaração como uma aceitação
simbólica e não previram que adquirisse a imen-
sa força moral que tem actualmente, largamente
graças à determinação dos cidadãos em todo o
mundo para garantirem que os Estados honrem
aquilo que prometeram.
As realizações desde a adopção da Declaração
em 1948 foram consideráveis. Os Direitos Hu-
manos adquiriram cada vez mais legitimidade
em diversas sociedades do mundo. Eles são um
factor central na vida política actual e não podem
ser dispensados. Foram incorporados nas consti-
tuições de muitos países. A maioria dos Estados
aceitou o Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos que transformou as cláusulas da De-
claração Universal em cláusulas com força de lei
e traçou com detalhe como os Estados deviam
implementar os direitos e liberdades salvaguar-
dados na Declaração. Angola aceitou ambos os
tratados em 10 de Janeiro de 1992.
Por outro lado, os go-
vernos em África e nou-
tras regiões do mundo
continuaram a negar
ou a violar os Direitos
Humanos, às vezes em
escala massiva, e os
meios de supervisão e
de cumprimento perma-
neceram inadequados e
incapazes de responder
como planeado. Estas falhas não transformam os
Direitos Humanos em ideais irrealistas, mas fa-
zem que seja ainda mais necessário defendê-los
e construir para além do que foi alcançado.
mi Os relatórios das organizações internacionais
que actuam na área dos Direitos Humanos, como
o Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Direitos Humanos, a Amnistia Internacional,
mostram que há um retrocesso no respeito pelos
Direitos Humanos. Que análise faz dessa situa-
ção?
mp Não estou segura que a situação dos Direitos
Humanos hoje está pior do que antes. Pense-
mos na Africa do Sul dominada pelo apartheid
e nos governantes despóticos, como Idi Amin,
Mengitsu e Mobutu em Africa, ou no General
Pinochet e nas ditaduras militares em tantos pa-
íses da América Latina, ou nos longos anos de
sofrimento e guerra em Angola e no Cambod-
ja. Mas o estado do mundo hoje é ameaçador
c o n s t r u i n d o
Os
Direitos
Humanos
não são
ideais
irrealistas
Perfil de Margot Picken
Grande parte da sua carrei-
ra está dedicada aos Direi-
tos Humanos.
Mais recentemente, traba-
lhou para as Nações Uni-
das como directora do Gabi-
nete do Alto Comissariado
das Nações Unidas para os
Direitos Humanos no Cam-
bodja, de 2001 a 2007.
Foi responsável pelo progra-
ma de Direitos Humanos
da Fundação Ford, de 1988
a 1995. Fundou e dirigiu
o Gabinete da Amnistia
Internacional, na sede da
Nações Unidas em Nova
York, de 1976 a 1987. É
autora de inúmeros artigos
sobre Direitos Humanos e
fez parte de algumas organi-
zações internacionais. É li-
cenciada pela University of
London e tem um mestrado
em Relações Internacionais.
Margo Picken actualmente
vive em Londres e é profes-
sora convidada na London
School of Economics, onde
dirige o Departamento de
Estudos sobre Direitos Hu-
manos.
14Mosaiko
informMosaiko
e exigirá muito trabalho para virar o pêndulo
para uma direcção mais positiva. Mas estou
confiante que isso acontecerá.
mi O que poderá ser feito para combater essas viola-
ções?
mp Interesse público, acção e solidariedade sempre
foram as forças mobilizadoras para os Direitos
Humanos. É vital que os cidadãos comuns este-
jam comprometidos em casa e na vida pública,
não fiquem cegos e tenham coragem para agir e
falar quando os direitos são violados ou negados.
mi Como avalia a actuação da comunidade interna-
cional perante esses casos de violação?
mp Neste momento, a re-
posta da comunidade
internacional é fraca.
Muitos governos afir-
mam dar prioridade
à promoção e pro-
tecção dos Direitos
Humanos, mas existe
uma grande distância
entre a retórica e a
realidade. Na realida-
de, a guerra contra o
terrorismo desde o 11
de Setembro de 2001,
a crença na economia
e as políticas monetá-
rias que prevaleceram
nos últimos anos colocaram a segurança, cuidado-
samente entendida, e os ganhos financeiros em
primeiro lugar e os Direitos Humanos, depois.
Alguns governos também usaram cinicamente os
princípios e valores dos Direitos Humanos para
promover agendas particulares, políticas e econó-
micas.
mi Enquanto professora como avalia o ensino dos
Direitos Humanos na actualidade?
mp Os Direitos Humanos tornaram-se numa parte
aceite dos curricula escolares em muitos países.
Cada vez mais as universidades estão a leccionar
os Direitos Humanos como parte dos curricula.
É importante ensinar os Direitos Humanos como
um assunto interdisciplinar. Isto envolve uma sé-
rie de disciplinas por acréscimo ao direito, incluin-
do filosofia, história, sociologia, ciência política,
relações internacionais.
A educação em Direitos Humanos deve acima de
tudo encorajar a vigilância e a compreensão so-
bre as formas como o poder deve ser exercido.
Assim o Estado e outros actores em posições de
poder devem conduzir-se
dentro da lei e as leis de-
vem ser justas.
Colaborou com a embai-
xada da Suécia em An-
gola no desenvolvimento
de programas de Direitos
Humanos. Como foi essa
experiência?
Foi muito gratificante. A
Suécia tem um compro-
misso genuíno em ajudar
Angola a desenvolver
leis, instituições e capa-
cidade de se sustentar,
concretizar e proteger os
Direitos Humanos.
mi Saiu de Angola há 7 anos. Nesta curta estadia no
país, e pelo trabalho que desenvolve em matéria
de Direitos Humanos, como avalia o estado dos
Direitos Humanos em Angola?
mp Foi uma curta estadia e portanto estou hesitante
em fazer juízos demasiado generalizados.Fiquei
impressionada pelo grande número de pessoas
que encontrei em Luanda e províncias, originárias
de todas as posições sociais, incluindo represen-
e n t r e . . . v i s t a
15Nº 01 / Dezembro 2008
tantes de autoridades, que realmente se interes-
sam pelos Direitos Humanos e estão a trabalhar
para um futuro melhor para todos os Angolanos.
Ao mesmo tempo fiquei desapontada por não
ter visto grandes melhorias, e surpreendida pela
persistência de alguns problemas antigos. Por
exemplo, a Rádio Ecclesia continua incapaz de
emitir nacionalmente, como foi o caso em 2001,
quando estive em Luanda. É difícil perceber por-
quê. A dimensão da pobreza e miséria é muito
preocupante e não penso que a história da guerra
colonial de Angola e os anos terríveis de guerra
que o povo teve que suportar possam explicar ou
desculpar este triste problema de governação.
mi O que deve ser feito para que se respeitem os
Direitos Humanos no nosso país?
mp Angola aceitou importantes acordos sobre os
Direitos Humanos: os dois Pactos Internacionais
dos Direitos Civis e Políticos e dos Direitos Eco-
nómicos e Sociais, a Convenção da Eliminação
de todas as formas de discriminação contra a
Mulher e a Convenção dos Direitos da Criança.
Aceitou a Carta Africana dos Direitos Humanos e
dos Povos. Os artigos 21 e 43 da Constituição de
Angola garantem que estes tratados têm força de
lei nacional.
Estes tratados fornecem um forte esqueleto para
a protecção dos Direitos Humanos. O desafio re-
side na sua implementação.
mi Como avalia a actuação das organizações que tra-
balham sobre os Direitos Humanos em Angola?
mp Como disse, não estive em Angola o tempo su-
ficiente para ter uma visão informada. Fiquei
animada por ver que actualmente estão mais
organizações a trabalhar explicitamente pelos Di-
reitos Humanos do que da última vez que estive
em Angola, e fiquei impressionada pelo trabalho e
compromisso daqueles que eu conheci. Também
há muitas outras organizações cujas actividades
abraçam os Direitos Humanos, como por exemplo
aquelas que trabalham contra a pobreza, defen-
dem a protecção das crianças, para uma melhor
educação e saúde.
Partilho a perspectiva que deveria haver mais
cooperação entre as organizações que trabalham
implícita ou explicitamente em Direitos Humanos,
e que é preciso maior coragem para falar em
questões de Direitos Humanos e justiça social.
mi Como avalia as relações entre as organizações
do estado e as ONG que trabalham em Direitos
Humanos?
mp No seu relatório de 2005 sobre Angola, Hina Jila-
ni, a antiga Representante Especial do Secretá-
rio-Geral das Nações Unidas para os Defensores
dos Direitos Humanos descreveu um ambiente
que eu creio que permanece válido actualmen-
te. Ela diz que o Estado não soube compreender
integralmente o papel que os Direitos Humanos
desempenham numa sociedade democrática, que
os oficiais do governo viam com hostilidade as or-
ganizações que trabalham em Direitos Humanos,
associando a sua acção à oposição política e
viam-nos como pretendentes do poder político.
É importante que estas atitudes infelizes mudem.
É claro que os Direitos Humanos versam sobre
a política, no sentido geral, mas eles não são
política partidária. O objectivo das organizações
que trabalham em Direitos Humanos não é ob-
ter poder político mas garantir que o poder seja
exercido legalmente, segundo a Constituição, os
tratados e declarações internacionais e regionais
de Direitos Humanos. Afastar as organizações de
Direitos Humanos neste sentido é também uma
maneira cómoda de evitar lidar com a essência do
que elas dizem. Espero que na altura da edição
do boletim o caso problemático da AJPD tenha
declinado perante o Tribunal Constitucional.
Mónica Guedes
e n t r e . . . v i s t a
Nenhum Direito é mais importante que outro
R e f l e c t i n d o
16Mosaiko
informMosaiko
Os Direitos Humanos universal-
mente reconhecidos e consagra-
dos há já 60 anos na Declaração
Universal dos Direitos Humanos
pelas Nações Unidas expressam
os princípios fundamentais ineren-
tes a cada ser humano, arreigados
naturalmente pelo simples facto
de serem pessoas, independente
da sua identidade cultural, religio-
sa, regional, etc.
Todos as pessoas, por na-
tureza, têm direitos, sejam eles
respeitados ou não. O termo “Di-
reitos Humanos” reflecte o reco-
nhecimento do valor da Pessoa
Humana, como ser vivo íntegro,
respeitável e merecedor de uma vida
digna na sociedade.
A história mostra que o respeito pela liberdade
e dignidade da pessoa humana foi um dos temas
mais debatidos na década de 40 com a hecatombe
da Segunda Guerra Mundial. Este acontecimento
ocasionou, posteriormente, o surgimento dos gran-
des textos normativos que consagram o princípio da
dignidade da pessoa humana, como a Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH), aprovada
em 1948 pela Assembleia Geral da Nações Unidas.
Segundo a DUDH, no seu artigo primeiro “Todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignida-
de e em direito. Dotados de razão e de consciência,
devem agir uns para com os outros em espírito de
fraternidade”. A Constituição da República Italiana
de 27 de Dezembro de 1947, a Constituição da Re-
pública Federal Alemã, de 1949 e outras defenderam
nos seus textos normativos o respeito e promoção da
Pessoa humana como ser social.
Depois de instituídos os Direitos Humanos, co-
meçaram a surgir equívocos quanto à sua interpreta-
ção. A Cimeira Mundial sobre os Direitos Humanos,
realizada em Viena, na Áustria, em 1993, esclareceu
a interpretação sobre a natureza dos Direitos Hu-
manos, como explica o parágrafo 4 da Declaração
Final dessa cimeira “Todos os Direitos Humanos são
universais, indivisíveis, interdependente e inter-rela-
cionados”. A natureza dos Direitos Humanos é hoje
compreendida da seguinte forma: inatos, imutáveis,
universais, indivisíveis, interdependentes, inaliená-
veis e invioláveis.
A classificação das três gerações de Direitos
Humanos, os Direitos Civis e Políticos, os Direitos,
Económicos, Sociais e Culturais e a terceira geração
que contempla os direitos de solidariedade, a pro-
tecção do património histórico, cultural e ambiental,
não interfere com a natureza dos Direitos Humanos
quanto a sua equidade e importância. Os Direitos
fundamentais são considerados de igual forma indi-
visíveis e inter-relacionados pelo facto de uns esta-
rem directamente ligados ao gozo de outros. Nesse
sentido, pode-se afirmar que nenhum direito é mais
importante que o outro, ainda que, em muitas cir-
cunstâncias, alguns direitos adquiram maior signifi-
cado específico.
A comunidade internacional tem como respon-
sabilidade fomentar e incentivar o respeito pelos Di-
reitos Humanos e as liberdades fundamentais para
todos, sem distinção nenhuma de raça, cor e sexo,
deve também tratar os Direitos Humanos globalmen-
te, de forma justa e em pé de igualdade e dando a
todos os direitos o mesmo valor.
A Conferência Internacional dos Direitos Huma-
nos realizada em Teerão (1968) afirmou a sua fé nos
princípios da DUDH e em outros instrumentos interna-
A
Natureza
dos
Direitos
Humanos
R e f l e c t i n d o
17Nº 01 / Dezembro 2008
cionais sobre a matéria, incentiva a todos os povos
e governos a consagração dos princípios contidos
na Declaração Universal de Direitos Humanos e a
redobrar os seus esforços para oferecer a todos os
seres humanos uma vida livre e digna e um estado
de bem-estar físico, mental, social e espiritual, con-
forme previu a Assembleia Geral das Nações Unidas
no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.
A implementação dos Direitos Humanos em
Angola é ainda uma realidade pouco perceptível.
É necessário aumentar esforços para que a uni-
versalidade dos Direitos Humanos se concretize
eficazmente no povo angolano.
Florência Chimuando
Educar em Direitos HumanosEducar em Direitos Humanos, diz Perez Aguirre, “é modificar atitudes e condutas;
é atingir os corações e os estilos de vida e as convicções.
É evidente que isto só se pode fazer com
o comprometimento das atitudes dos próprios educadores.”
Temos a certeza de que as declarações e os
documentos elaborados a respeito dos Direitos Hu-
manos são importantes, e também é necessária a
legislação que garanta a todas as pessoas todos os
direitos. Porém, a concretização desses direitos, na
prática, não acontece de imediato ou naturalmente.
Por isso, há que se fazer um grande investimento
na educação em Direitos Humanos, para que eles
possam integrar não só as políticas, mas também as
práticas na vida em sociedade.
Sendo assim, a educação em Direitos Humanos
é vista como um dos caminhos necessários para a
efectivação dos direitos mais elementares e para a
construção de uma sociedade justa e solidária.
Educar em Direitos Humanos é fomentar uma
prática educativa inspirada nos princípios de liber-
dade e nos ideais de solidariedade humana, com a
finalidade do pleno desenvolvimento do educando
e da educanda, no exercício da cidadania e na sua
qualificação para o trabalho. Educar em Direitos
r e f l e c t i n d o
Humanos é comprometer-se com a solidariedade
e a convivência universal construtiva.
Educar em Direitos Humanos é criar uma nova
cultura, cujo alvo seja a Mulher e o Homem, com
dignidade, direitos e deveres iguais.
Educar em Direitos Humanos transcende a mera
transmissão verbal. Exige educar com a consciên-
cia de uma convivência a nível pessoal, nacional
e internacional, que dignifique a Pessoa Humana,
modificando, se necessário, valores e atitudes.
“Toda convivência humana bem organizada e
fecunda deve colocar como fundamento o princípio
de que todo Ser Humano é PESSOA, quer dizer
uma natureza dotada de inteligência e de vontade
livre e, portanto, desta natureza nascem directa-
mente, ao mesmo tempo, direitos e deveres univer-
sais invioláveis e inalienáveis.” João XXIII – Pacem
in Terris.
Então, educar em Direitos Humanos é provocar
o que existe de bom dentro da Pessoa Humana,
para que se transforme em postura de Vida; em
princípio de respeito à dignidade e igualdade das
PESSOAS, em seus direitos e deveres universais,
invioláveis e inalienáveis.
A Educação em Direitos Humanos requer me-
todologias especiais e consequentes com o que se
está a apresentar. Existe reciprocidade no binómio:
ensinar / aprender, educador(a) / educando(a).
Pois, todas e todos apreendem e ensinam o respei-
to à dignidade e igualdade das pessoas e aos seus
direitos e deveres.
Ao olhar para a realidade de Angola, onde, ape-
sar dos esforços de instituições, organizações e
pessoas, o conhecimento, a vivência e protecção
dos Direitos Humanos, ficam aquém do legislado,
como contribuir e acelerar o processo da educação
em Direitos Humanos?
Se a aprendizagem é processual, recíproca e
caracteriza-se por uma postura de vida, no que diz
respeito à dignidade, liberdade e igualdade de to-
das as pessoas, educar em Direitos Humanos, em
Angola, hoje, significa utilizar todos os meios e pos-
sibilidades, para que todas e todos conheçam, di-
vulguem, vivam e defendam os Direitos Humanos.
A educação em Direitos Humanos inicia-se an-
tes da criança nascer e é um eterno aprendizado.
Daí a responsabilidade da família, após o nasci-
mento de uma criança, para que na convivência
com a mãe e demais familiares e quem a rodeia
no quotidiano da vida, seja um aprendizado valioso
de seus direitos e deveres, assim como no que diz
respeito à questão de género e valorização da mu-
lher. O contrário também é verdadeiro. A aprendi-
zagem também acontece, quando do contacto com
a escola, que além de apresentar a informação e a
capacitação nos conteúdos básicos, tem o aspecto
da relação de respeito e de igualdade entre mulhe-
res e homens; educando(a) e educador(a), ricos e
pobres, onde a justiça e a transparência deve per-
passar, desde as notas até as propinas.
Se todas e todos têm direitos iguais ao respeito,
à defesa própria, às condições básicas para viver
com dignidade, como educar em Direitos Huma-
nos, se olharmos para a sociedade angolana das
grandes desigualdades, exclusões e maltrato aos
desfavorecidos e desfavorecidas?
CENTRO CULTURAL MOSAIKO,
EIS O gRANdE dESAFIO E COMPROMISSO
PARA qUE A FELICIdAdE SE INSTALE TAMBÉM
NAS CABANAS dAS EXCLUÍdAS E dOS EXCLUÍdOS dE ANgOLA.
Sebastiana de Oliveira
r e f l e c t i n d o
Mosaikoinform
Mosaiko18
19Nº 01 / Dezembro 2008
Direitos Humanos em Angola:Para se perceber a questão dos Direitos Humanos
em Angola é necessário recordar alguns factos históri-
cos que marcaram um percurso de violação sistemática
dos Direitos Humanos para, então, daí assinalarmos os
avanços e recuos de modo a traçarmos caminhos que
os novos tempos impõem.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi
promulgada em 1948, depois da II Guerra Mundial.
Este documento foi assinado por chefes de Estados de
muitas nações. Angola também ratificou o mesmo do-
cumento, em 1976, um ano após a sua independência,
coincidindo com a sua entrada na ONU.
Ainda em 1975, o país mergulhou numa guerra san-
grenta na qual os Direitos Humanos foram brutalmente
desrespeitados com a aniquilação de milhares de Ango-
lanos inocentes. Porém, em 1991, uma luz acendeu-se
no fundo do túnel, no tocante ao respeito pelos Direitos
Humanos, com a assinatura dos Acordos de Paz de Bi-
cesse. Este acordo daria lugar às primeiras eleições e
à primeira Lei Constitucional da República de Angola
que predizia a construção de um país “próspero e de-
mocrático” onde o povo “pudesse materializar as suas
aspirações” (artº 1). Garantia aos cidadãos, no capítulo
dos Direitos Fundamentais, liberdade de pensamento,
liberdade religiosa, garantia contra a prisão arbitrária,
direito à educação, à saúde, ao trabalho, à igualdade
dos cidadãos perante a lei, a abolição da pena de morte
através da protecção da vida pelo próprio Estado, etc.
Entretanto, o processo fracassou. O país retornou a
guerra muito mais sangrenta que as anteriores, e mais
uma vez o povo foi traído nas suas expectativas de paz,
espezinhado de forma selvática na sua dignidade. Foi
um verdadeiro retrocesso no tocante aos Direitos Hu-
manos. Mas, neste contexto, o surgimento da Lei Cons-
titucional, com as suas garantias formais, constituía “já
um avanço na questão dos Direitos Humanos e uma
base necessária à sua materialização”. Contudo, a dife-
rença entre a teoria e aplicação prática dos Direitos Hu-
manos era abismal. Ainda assim, este triste panorama
deu lugar ao surgimento de uma sociedade civil que, de
uma ou de outra forma, reivindicava o fim da guerra e o
respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos.
Com o memorando de entendimento que pôs fim a
guerra, assinado em 2002, registaram-se avanços no
capítulo do respeito dos Direitos Humanos. A par de to-
dos os avanços, persistia o recurso excessivo a força
por parte da Polícia e dos órgãos de segurança, causan-
do mortes, as condições dos estabelecimentos prisio-
nais continuaram deploráveis, pondo em perigo a vida
dos presos, as detenções ilegais, o excesso de prisão
preventiva, as prisões, intimidações e perseguições aos
jornalistas, as demolições de residências continuaram,
as rádios locais continuam a não poder estender o seu
sinal em todo o país, algumas organizações de defesa
dos Direitos Humanos continuaram a ser intimidadas.
É neste quadro que se realizaram as segundas
eleições legislativas a 5 de Setembro de 2008, que
culminaram com a vitória do MPLA com uma maioria
absoluta.
Este quadro legal no processo político, deve tradu-
zir-se em maior sensibilidade dos órgãos do Estado na
aplicação prática e efectiva e no respeito pelos Direi-
tos Humanos, ou seja, em maior acesso à educação,
à justiça, à saúde, à água potável, maior liberdade de
imprensa e de expressão. E para as organizações de
defesa e promoção dos Direitos Humanos, o quadro
deve significar maior empenho e colaboração entre elas
para que os Direitos Humanos sejam verdadeiramente
respeitados em Angola.
Os novos tempos impõem que a relação entre o
Estado e a Sociedade Civil seja de cooperação mútua
para um maior respeito dos Direitos Humanos em An-
gola. António Ebo
r e f l e c t i n d o r e f l e c t i n d oQue Desenvolvimento?
b r e v e s
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Mosaiko
O Prémio Nobel da Paz e antigo secretário-geral das Nações Unidas, Kofi
Annan, entregou no passado mês de Outubro, em Paris, o Prémio Pictet ao
fotógrafo canadiano Benoit Aquin.
O Prémio Pictet é o único galardão mundial de
fotografia centrado na sustentabilidade. A água
foi o tema escolhido para a edição inaugural e a
bolsa atribuída foi de 50 mil libras (cerca de 60
mil euros).
A série de fotografias submetidas a concurso por
Benoit Aquin aborda a falta de água e a desertificação na China. O fotógrafo
vencedor viajou até à China, país onde trezentos milhões de pessoas são
afectadas pelas tempestades de pó provocados pelos terrenos secos que se
estendem por quilómetros. A série vencedora retrata os escassos recursos
de água, a desertificação e os refugiados ambientais do país.”
Na apresentação do vencedor, Kofi Annan alertou: “Hoje, perto de 1100 mi-
lhões de pessoas não têm acesso a água potável e 2500 milhões não têm
saneamento básico. E é através da água, como as imagens desta colecção
ilustram, que estamos a ver antecipadas manifestações devastadoras de
uma das maiores ameaças que o nosso mundo enfrenta – as mudanças
climáticas”.
PRIMEIRO PRéMIO DE FOtOGRAFIA DO MUNDO DEDICADO à SUStENtABILIDADE
DEFENSORES DOS DIREItOS HUMANOSREUNIDOS NO PARLAMENtO EUROPEU
“A palavra aos Defensores” foi o nome da
conferência organizada pelo Parlamento Euro-
peu, pela Comissão Europeia e pelas Nações
Unidas, entre os dias 8 e 9 de Outubro. A ini-
ciativa, inserida nas celebrações do 60° ani-
versário da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, teve como principal objectivo dar a
palavra aos activistas dos Direitos Humanos e a
todas as pessoas que, através do seu trabalho diário, contribuem para que
os ideais da Declaração Universal se transformem numa realidade.
A conferência, realizada no Parlamento Europeu em Bruxelas, contou com a
participação de defensores dos Direitos Humanos de todo o mundo, incluin-
do representantes de organizações internacionais, advogados, jornalistas,
sindicalistas, activistas dos direitos das mulheres e das crianças.
Para o Presidente do Parlamento Europeu, Hans-Gert Pöttering, a Decla-
ração Universal dos Direitos Humanos, assinada em Dezembro de 1948,
constitui “uma importante vitória da nossa civilização”.
DIA MUNDIAL DA PAZ
No dia 1 de Janeiro comemora-se o Dia Mundial da Paz. Inicialmente cha-
mado simplesmente de “Dia da Paz” foi criado pelo Papa Paulo VI, numa
mensagem datada do dia 8 de Dezembro de
1967. Dizia o Papa Paulo VI em sua primei-
ra mensagem para este dia: “Dirigimo-nos
a todas as Pessoas de boa vontade, para
os exortar a celebrar o Dia da Paz, em todo
o mundo, no primeiro dia do ano civil, 1 de
Janeiro de 1968. Desejaríamos que depois,
cada ano, esta celebração se viesse a repetir, como augúrio e promessa, no
início do calendário que mede e traça o caminho da vida humana no tempo
que seja a Paz, com o seu justo e benéfico equilíbrio, a dominar o processar-
se da história no futuro”.Completava ainda o Papa Paulo VI: “A Igreja católi-
ca, com intenção de servir e de dar exemplo, pretende simplesmente lançar
a ideia, com a esperança de que ela venha não só a receber o mais amplo
consenso no mundo civil, mas que também encontre por toda a parte muitos
promotores (...) para poderem imprimir ao Dia da Paz, a celebrar-se nas
calendas de cada novo ano, carácter sincero e forte, de uma Humanidade
consciente e liberta dos seus tristes e fatais conflitos bélicos, que quer dar à
história do mundo um devir mais feliz, ordenado e civil”.
Os Papas costumam escolher um tema e escrever uma mensagem para
este dia, que em 2009 será “Combater a pobreza, construir a Paz”.
Construindo Cidadania direitos Humanos
na sua rádio de Confiança
aos sábados das 08H30 às 09H30
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