motivaÇÃo em pediatria oncolÓgica: a … definitiva... · de cuidados à criança/família com...
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ESCOLA SUPERIOR DE ENFERMAGEM DO PORTO
Curso de Mestrado em Enfermagem de Sade Infantil e Pediatria
MOTIVAO EM PEDIATRIA ONCOLGICA:
A PERSPETIVA DOS ENFERMEIROS
DE UM SERVIO DE PEDIATRIA ONCOLGICA
DISSERTAO DE MESTRADO
Orientao:
Professora Doutora Maria Margarida da Silva Reis dos Santos Ferreira
Coorientao:
Mestre Palmira Conceio Martins Oliveira
Snia Isabel Martins Gomes Pereira
Porto | 2013
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III
AGRADECIMENTOS
A elaborao de uma dissertao, embora tenha um cariz individual,
tambm resultado de um trabalho interdependente e rene os contributos de
algumas instituies e pessoas. De facto, dificilmente se conseguiria percorrer
este caminho, sem contar com o apoio, persistncia e incentivo daqueles que
ajudaram a ultrapassar os obstculos e os momentos de desnimo. Assim, este
espao dedicado a todos aqueles que, de alguma forma, contriburam para que
esta investigao fosse possvel. No sendo vivel nomear todos, existem alguns a
quem no posso deixar de manifestar a minha estima e o meu agradecimento
sincero.
Professora Doutora Margarida dos Reis Santos Ferreira por ter aceite a
orientao deste estudo, pelo seu contributo para o desenvolvimento da minha
formao profissional, pela partilha de saber e por todo o suporte, interesse e
disponibilidade prestado ao longo deste trabalho de investigao.
Professora, Mestre Palmira Oliveira pela sua orientao e ajuda no
desenvolvimento deste estudo, pela partilha de saber, interesse e por todos os
conselhos e sugestes.
A todos os participantes, alguns deles amigos, que tornaram exequvel a
realizao deste estudo, obrigada pela vossa colaborao e partilha de
conhecimentos.
A todos os colegas e amigos do Servio de Pediatria do I.P.O.P.F.G. que de
forma direta ou indireta ajudaram na concretizao deste projeto, em especial
aqueles que me confortaram com algumas palavras de tranquilidade, incentivo e
inspirao.
Aos meus Pais pela matiz gentica e pelos valores transmitidos, pelo
encorajamento, ajuda e tolerncia nos momentos mais difceis assim como pelo
tempo que dedicaram Matilde.
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IV
minha Tia Gena pelo estmulo, apoio e ajuda que disponibilizou na
transcrio das entrevistas.
Ao meu Primo Andr pela sua compreenso e inexcedvel ajuda em diversos
momentos deste percurso.
Ao meu Tio Justino pela sua ajuda inicial no desenvolvimento desta
investigao.
Ao meu Irmo Ricardo e aos meus sobrinhos Diogo e Beatriz, que mesmo
distantes, partilharam alguns momentos desta difcil etapa.
Ao Fernando pela sua tolerncia, pacincia e compreenso em todos os
momentos de ausncia e falta de ateno.
Matilde pelas horas de ausncia, pelas horas que no brinquei. Um dia
mais tarde ir perceber porqu.
Finalmente, a todos aqueles que, mesmo no tendo sido citados,
contriburam de forma especial e nica.
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V
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
cit. Citado
CIT Contrato indeterminado de tempo
col. Colaboradores
D.L. Decreto de lei
DP Desvio padro
D.R. Dirio da Repblica
ed. Edio
E.P.E. - Entidade Pblica Empresarial
et al. e outros
I.C.N. International Council of Nurses
I.P.O.P.F.G. Instituto Portugus de Oncologia do Porto Francisco Gentil
M.S. - Ministrio da Sade
n - Nmero
O.E. Ordem dos Enfermeiros
REPE Regulamento do Exerccio Profissional de Enfermagem
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VI
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VII
NDICE
INTRODUO .........................................................................1
1. MOTIVAO .....................................................................7
1.1 Teorias da Motivao .................................................. 11
2. O ENFERMEIRO EM PEDIATRIA ONCOLGICA ............................. 29
3. DESENHO DO ESTUDO ....................................................... 39
3.1 Pertinncia do Estudo ................................................. 39
3.2 Questes e Objetivos da Investigao ............................... 41
3.3 Tipo de Estudo .......................................................... 42
3.4 Contexto Organizacional .............................................. 43
3.5 Sujeitos do Estudo ...................................................... 45
3.6 Consideraes ticas ................................................... 47
3.7 Mtodo de Colheita de Dados ......................................... 48
3.8 Procedimento Para a Anlise dos Dados ............................ 50
4. APRESENTAO, ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS .................... 55
4.1 Motivao para a Prestao de Cuidados ........................... 58
4.2 Fatores Facilitadores e Dificultadores da Motivao na Prestao
de Cuidados ............................................................. 83
4.3 Otimizao da Motivao para a Prestao de Cuidados ........ 100
4.4 Autoeficcia na Prestao de Cuidados ............................ 110
CONCLUSES, IMPLICAES E LIMITAES DO ESTUDO ...................... 117
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................... 123
ANEXOS 147
Anexo 1 - Pedido de Autorizao Diretora de Enfermagem ............... 149
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VIII
Anexo 2 - Pedido de Autorizao Enfermeira Chefe Do Servio de
Pediatria ............................................................ 153
Anexo 3 - Parecer do Conselho Cientfico da Escola Superior de
Enfermagem do Porto ........................................... 157
Anexo 4 - Instrumento de Colheita de Dados ................................. 161
Anexo 5 - Consentimento Informado Para os Participantes ................. 167
Anexo 6 - Aprovao do Estudo pelo I.P.O.P.F.G., E.P.E ................... 173
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IX
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1: Etapas do Ciclo Motivacional ................................................. 11
FIGURA 2: Pirmide de Maslow ............................................................ 17
FIGURA 3: Componente de frustrao-regresso sobre a necessidade .............. 18
FIGURA 4: Caractersticas do trabalho, estados psicolgicos e resultados.......... 24
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X
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1: Taxonomia das Teorias da Motivao ....................................... 13
QUADRO 2: Caraterizao Sumria dos Motivos de Sucesso, Poder e Afiliao ..... 22
QUADRO 3: Motivao para a prestao de cuidados ................................... 58
QUADRO 4: Fatores facilitadores e dificultadores da motivao para a prestao de
cuidados ......................................................................... 83
QUADRO 5: Otimizao da motivao para a prestao de cuidados .............. 101
QUADRO 6: Autoeficcia na prestao de cuidados .................................. 110
LISTA DE GRFICOS
GRFICO 1: Idade dos participantes ...................................................... 55
GRFICO 2: Tempo de exerccio profissional, na instituio e no servio ........... 56
GRFICO 3: Categoria profissional, vnculo profissional e tipo de horrio .......... 57
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XI
RESUMO
As mudanas hodiernas, quer das organizaes de sade, quer da profisso
de enfermagem ao nvel estrutural, processual e poltico influenciam a dinmica e
a estabilidade futura dos enfermeiros, o que se repercute na sua motivao para o
exerccio profissional. Por outro lado, a literatura revela que a motivao,
enquanto varivel de mxima importncia no estudo do comportamento dos
indivduos em contexto institucional, associa-se a importantes resultados
organizacionais, tais como o aumento da eficcia, o elevado desempenho e a
produtividade.
O estudo sobre a motivao enquanto conceito e das diversas teorias
associadas permitiu-nos efetuar o enquadramento conceptual, contribuindo para a
anlise da motivao dos enfermeiros (e dos fatores inerentes) para a prestao
de cuidados criana/famlia com doena oncolgica no Servio de Pediatria do
Instituto Portugus de Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E. Definiu-se como
finalidade a identificao dos fatores que contribuem para a motivao e
autoeficcia dos enfermeiros para o exerccio das suas funes neste Servio, por
forma a contribuir para a melhoria dos cuidados de enfermagem criana/famlia
com doena oncolgica.
Desenvolveu-se um estudo exploratrio de cariz qualitativo, tendo sido
construdo um guio de entrevista semiestruturada, que foi aplicada a seis
enfermeiros que exercem funes no referido Servio. A informao obtida foi
analisada recorrendo tcnica de anlise de contedo de Bardin. Emergiram
quatro temas: Motivao para a prestao de cuidados; Fatores facilitadores e
dificultadores da motivao para a prestao de cuidados; Otimizao da
motivao para a prestao de cuidados; Autoeficcia na prestao de cuidados
que, por sua vez, deram origem a diferentes categorias e subcategorias.
O estudo demonstrou que os enfermeiros percecionam-se como autoeficazes
e esto motivados para a prestao de cuidados criana/famlia com doena
oncolgica no Servio de Pediatria, estando essa motivao relacionada com a
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XII
satisfao no trabalho, o relacionamento interpessoal, a autonomia e a
responsabilidade profissional. Simultaneamente, identificaram-se fatores que
facilitam a motivao e outros que so considerados dificultadores da mesma,
sendo ainda enunciadas estratgias que a podem otimizar.
PalavrasChave: Motivao; Cuidados de Enfermagem; Criana; Famlia;
Cancro; Autoeficcia.
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XIII
ABSTRACT
Title: Motivation in Paediatric Oncology: the perspective of the nurses in a
Paediatric Oncology Service
The structural changes that have been occurring in healthcare organizations
and in the nursing profession, have been affecting the dynamics and the stability
of the nursing career. These changes are changing the motivation of the nurses at
work and the literature has revealed that motivation is of extreme importance in
the understanding of human behaviour at work and that plays a crucial role in the
enhancement of the efficiency, productivity or overall performance of healthcare
organizations.
This research identified several theories and concepts about motivation
which allowed us to establish the conceptual framework to study the motivation
of the nursing staff at work while providing care to children and their family that
suffer from oncological disease in the paediatric service of Instituto Portugus de
Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E. The main objective of this research is
to identify and analyse the factors that motivate and affect the self-efficiency of
the nurses that work on paediatric oncology service in order to improve the
quality of the nursing care to children and their family that suffer from
oncological disease.
This is a qualitative exploratory study based on a semi-structured interview
of six nurses that work at the paediatric oncology service of Instituto Portugus de
Oncologia do Porto Francisco Gentil, E.P.E. The data gathered was analysed using
the technique developed by Bardin. During the analysis, four topics have emerged
as important: factors that play a role in the motivation of the nurses; factors that
help and hinder the motivation levels; factors that are relevant in the
maximization of results and factors that allow the self-perception of the nurses
performance.
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XIV
The results have shown that the work motivation of the nurses is correlated
with the levels of realisation at work, the nature of the relations with the rest of
the staff and degree of work autonomy and responsibility. The staff interviewed
considers itself efficient and recognises that there are ways to improve its
motivational levels that can lead to a better performance. For the factors that
were identified as blockers of the motivational process, strategies have been
established to mitigate such results.
Keywords: Motivation; Nursing care; Children; Family; Cancer; Self-
efficiency
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1
INTRODUO
O Sistema Nacional de Sade vive um momento peculiar e conturbado, com
todas as alteraes que tm vindo a ter lugar, sendo que o contexto do pas
preocupante: dificuldades financeiras, elevadas taxas de pobreza, envelhecimento
populacional, desemprego, rendimentos e escolaridade baixos, aumento da
emigrao, aumento das doenas crnicas.
sabido que quanto melhor for a prestao dos cuidados de sade, melhor
ser o desempenho da sociedade em geral, acabando por criar riqueza e gerar,
consequentemente, novas condies para melhorar ainda mais os cuidados de
sade, sendo este efeito cumulativo uma condio essencial para que se possa
usufruir de cuidados de sade de excelncia.
Em Portugal, os enfermeiros vivem sob grande presso face s polticas
institudas, e encontram-se em situao precria face aos contratos existentes, o
que gera instabilidade no local de trabalho e ao mesmo tempo leva procura de
emprego noutros pases com condies profissionais mais seguras. Em associao,
estes profissionais vem-lhes retirados um conjunto de direitos, como por exemplo
a progresso na carreira, congelada desde 2005, no usufruindo de atualizao de
escalo em termos remuneratrios desde esse ano. Para alm disso, em 01 de
Janeiro de 2009 todos os enfermeiros a exercer atividade na funo pblica
passaram a ser abrangidos pelo regime do contrato de trabalho em funes
pblicas (D.L. n 59/2008 de 11 de Setembro). Desta forma, torna-se difcil
manter um grupo de profissionais motivados e que contribuam para a qualidade
dos servios prestados, quando se assiste permanentemente precariedade e
instabilidade das situaes profissionais e a um elevado ndice de rotao dos
recursos humanos de enfermagem. Assim, nos tempos conturbados que vivemos
em termos profissionais, a motivao para o exerccio da enfermagem sem
dvida um assunto pertinente e atual.
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2
Neste mbito, emerge a necessidade de identificar se, no momento de
grandes reformas no setor da sade, os enfermeiros se encontram motivados para
o exerccio da sua atividade profissional.
O interesse do investigador por esta temtica passou, por um lado, pela
circunstncia de a sua formao de base ser em Enfermagem, a sua especialidade
em Sade Infantil e Pediatria e por exercer funes em pediatria oncolgica. Por
outro lado, deve-se ao facto de ultimamente ter havido um investimento pessoal
no estudo da motivao e dos seus reflexos no exerccio da profisso.
Tendo em considerao o que ficou dito, e porque os enfermeiros a
exercerem funes num servio de pediatria oncolgica lidam diariamente com
crianas/famlias em sofrimento e destruturadas, com a eminncia da morte, com
o estigma da doena oncolgica e com o isolamento da comunidade, parece-nos
pertinente identificar a motivao dos enfermeiros para a prestao de cuidados
criana/famlia com doena oncolgica.
Apesar do relatado, consideramos que se vive um tempo em que
estimulante trabalhar em Enfermagem. Esta profisso tem dado a conhecer
profissionais altamente qualificados, investigadores respeitados, lderes sagazes,
empresrios prsperos. Tem vindo a registar uma evoluo essencialmente em
dois sentidos: ao nvel da formao, com a possibilidade de os enfermeiros
realizarem o doutoramento em Cincias de Enfermagem e, ao nvel do exerccio
profissional, que se tem vindo a tornar cada vez mais exigente e complexo, sendo
indubitvel que a Enfermagem desempenha hoje uma funo social de
importncia na rea da sade (O.E., 2004, p.23).
A principal atividade do enfermeiro a prestao de cuidados de
enfermagem e, () tem como objectivo prestar cuidados de enfermagem ao ser
humano, so ou doente, ao longo do ciclo vital, e aos grupos sociais em que ele
est integrado, de forma que mantenham, melhorem e recuperem a sade,
ajudando-os a atingir a sua mxima capacidade funcional to rapidamente quanto
possvel (O.E., 2012a, p.15). Como tal, os cuidados que prestam implicam
competncia cientfica, tcnica e humana, tendo em conta as necessidades
fsicas, emocionais, sociais, o quadro de valores, crenas e desejos de natureza
individual das pessoas (O.E., 2002, p.40); e visam a promoo da sade, a
preveno da doena, o tratamento, a reabilitao e a integrao social. Os
enfermeiros esto inseridos num contexto de atuao multiprofissional onde
intervm em interdependncia; desenvolvem funes completamente autnomas
(aes definidas por si), resultantes do seu processo de tomada de deciso, e que
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3
so da sua responsabilidade (O.E., 2002). A resoluo dos problemas no passa
unicamente pela vertente fsica mas tambm pela identificao de todas as
necessidades e pela procura de solues para as atender e superar. Como tal, a
prestao de cuidados sofre influncia decisiva por via da forma como os
enfermeiros se sentem, so reconhecidos e esto motivados no seu contexto de
trabalho.
Os enfermeiros sentem, desenvolvem relacionamentos, envolvem-se,
pensam, tomam decises e actuam em cenrios de instabilidade ()
complexidade, diversidade e escassez (Peleteiro, 2011, p.67), a sua matria-
prima humana, o seu produto final um servio prestado ao homem. Neste
sentido, o exerccio das funes de enfermagem nas instituies de sade
representa uma tarefa difcil e complexa, e constitui um desafio que est
reservado aos que se sentem vocacionados para tal encargo.
A motivao profissional um assunto ao qual, hoje em dia, dedicada
muita ateno, por ser vulgarmente aceite que os indivduos levam para as
organizaes os seus padres individuais de necessidades e objetivos, os quais
influenciam a sua resposta s necessidades organizacionais, a essncia do seu
comportamento e desempenho e a motivao para o trabalho. No que concerne
rea especfica da sade, e muito particularmente ao nvel da enfermagem,
reconhecido que o grau de motivao dos profissionais se reflete nas relaes e
interaes com a equipa multiprofissional, com os clientes e com a comunidade.
Nos aspetos mais concretos da prestao de cuidados de sade de base
oncolgica e peditrica, os ndices de qualidade do trabalho prestado e de
interao multidisciplinar associam-se necessidade de considerar como alvo de
cuidados o binmio criana/famlia.
Em termos prticos, os fatores que influenciam a motivao so
diferenciados e de relevncia desigual, razo pela qual se deve dedicar especial
ateno queles que os enfermeiros consideram ter maior impacto no estmulo e
permanncia da motivao para a prestao de cuidados criana/famlia num
servio de pediatria oncolgica. Esta preferncia resulta da sua importncia
relativa e no elimina a necessidade de continuar a preservar e potenciar a
importncia dos restantes fatores determinantes para a continuidade e
intensificao dos fatores motivacionais desses enfermeiros.
Considerando a importncia da motivao para a manuteno saudvel da
enfermagem e do ser enfermeiro, pareceu-nos relevante conhecer quais os fatores
de motivao para a prestao de cuidados criana/famlia com doena
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4
oncolgica. Assim, e no mbito do Mestrado em Enfermagem de Sade Infantil e
Pediatria, foi realizada a presente investigao denominada: Motivao em
pediatria oncolgica a perspetiva dos enfermeiros de um Servio de Pediatria
Oncolgica. Com a realizao do mesmo pretende-se o aprofundamento de
conhecimentos cientficos respeitantes a esta rea temtica e a aplicao de
mtodos e tcnicas de investigao direcionados, que contribuam para aumentar o
nvel de entendimento da motivao que orienta a prestao de cuidados
criana/famlia com doena oncolgica.
Os objetivos delineados para este estudo so: analisar a motivao dos
enfermeiros do Servio de Pediatria do I.P.O.P.F.G., E.P.E., para a prestao de
cuidados criana/famlia com doena oncolgica; conhecer os fatores que
contribuem para os nveis de motivao destes enfermeiros para a prestao de
cuidados; analisar os fatores que contribuem para a otimizao da motivao
destes enfermeiros para a prestao de cuidados; analisar a perceo da
autoeficcia destes enfermeiros para a prestao de cuidados; conhecer os fatores
que influenciam a perceo da autoeficcia destes enfermeiros para a prestao
de cuidados.
O delineamento da investigao assentou no paradigma qualitativo. Para a
recolha de dados ser aplicada uma entrevista semiestruturada a um conjunto de
participantes que constituem a amostra probabilstica intencional. Os
participantes foram seis enfermeiros a exercer funes no referido servio de
pediatria oncolgica. O mtodo de anlise de dados utilizado foi o de Anlise de
Contedo, descrito por Laurence Bardin (2011).
Esta dissertao encontra-se organizada em cinco partes distintas. Aps uma
breve introduo ao tema, metodologia e estrutura da investigao, apresenta-se,
no primeiro captulo, o enquadramento concetual, dedicado ao objeto de estudo
desta dissertao. Aprofunda-se primeiramente os conceitos de motivao, e
depois apresenta-se o ciclo motivacional e algumas teorias da motivao
relevantes para o desenvolvimento do estudo. No segundo, feita uma reflexo
sobre o que ser enfermeiro em oncologia peditrica. O terceiro captulo
relativo componente prtica da investigao: apresentam-se as opes
metodolgicas do estudo, desde a escolha de paradigma metodolgico e tipo de
estudo, at pertinncia do mesmo, finalidade, objetivos, questes orientadoras,
contexto, grupo de participantes, tcnicas de recolha, anlise dos dados e
procedimentos ticos. Do quarto captulo constam a anlise e discusso dos dados
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recolhidos. Conclui-se apresentando as consideraes finais e limitaes da
investigao.
Foram vrios os estudos consultados no mbito da nossa linha de
investigao (livros, artigos cientficos e dissertaes disponveis em base de
dados como a Medline, a Cinahl, a Medicalatina Nurse Reference Center, o
Repositrio de Acesso Aberto de Portugal e, ainda, a alguns sites na Web), os quais
nortearam a nossa orientao para a construo do corpo terico e permitiram
estabelecer paralelismos com os resultados encontrados na nossa investigao.
Embora existam diversos estudos sobre a temtica da motivao, h menos
investigao relativamente motivao dos enfermeiros e ainda menos na rea da
pediatria oncolgica em Portugal. Queremos com isto dizer que a motivao dos
enfermeiros dos servios de pediatria oncolgica ainda no est devidamente
estudada, pelo que houve dificuldade no acesso a outros estudos que pudessem
subsidiar o nosso, relativamente aos resultados encontrados. Conscientes desta
limitao, esperamos contudo que a presente investigao possa contribuir para
colmatar essa falha e ser um ponto de partida para futuros estudos. Espera-se
ainda que surjam contributos para o desenvolvimento pessoal e profissional dos
enfermeiros de Pediatria e para a melhoria da qualidade dos cuidados prestados
nesta rea especfica.
Neste documento colocmos num mesmo contexto alargado criana/famlia
querendo com esta dualidade fazer referncia a pais, famlia, criana e
adolescente.
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1. MOTIVAO
Consoante as pocas e os progressos do conhecimento, a motivao
individual tem dado origem a diferentes teorias explicativas. Os conceitos de
motivao so diversos, complexos, ambguos e a sua definio no se revela fcil,
pois trata-se de um constructo invisvel, de utilizao generalizada nas cincias
humanas e abordvel segundo uma grande diversidade de perspetivas (Gomes e
Borba, 2011; Cunha et al., 2007). A abrangncia de aspetos de ordem variada e
as suas explicaes tambm. A dificuldade em perceb-la reside no facto de que,
para perceber a motivao preciso perceber a natureza humana (Magalhes et
al., 2004, p.56).
A motivao um tema presente em praticamente todas as esferas da nossa
vida, sendo um fenmeno que depende da idiossincrasia do indivduo e influencia
tudo o que fazemos (Pritchard e Ashwood, 2008). Apesar da diversidade, existem
aspetos que so comuns e esto presentes na maioria das definies. Estas tendem
a incluir um elemento de estimulao, ou seja, as foras energticas que vo
originar o comportamento; um elemento de ao e fora, que diz respeito ao
comportamento observado e ao que leva a escolher entre uma ou outra ao; um
elemento de movimento e persistncia: a durao do comportamento motivado e
a sua intensidade; e um elemento de recompensa: o reforo das aes anteriores
(Gomes e Borba, 2011; Robbins, Judge e Sobral, 2011; Cunha et al., 2007).
Entende-se que a motivao est relacionada com os processos responsveis pela
activao de comportamentos (satisfao de necessidades) (Gomes e Borba,
2011, p.251) e responsvel pela intensidade, pela direco e pela persistncia
dos esforos de uma pessoa para alcanar determinada meta (Robbins, Judge e
Sobral, 2011, p.196). Nesta definio existem vrias dimenses. A intensidade
refere-se a quanto esforo o indivduo vai despender, quo arduamente ir
trabalhar para atingir as metas. A qualidade do esforo deve ser contemplada. A
direo refere-se escolha das aes que vo de encontro aos objetivos/metas.
Todo o esforo deve ser direcionado para a consecuo dos objetivos. A
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persistncia refere-se ao tempo que o indivduo consegue manter o seu esforo e
trabalhar nessas aes (Robbins, Judge e Sobral, 2011; Gomes e Borba, 2011;
Pritchard e Ashwood, 2008).
Neves (2011a, p.295) considera a motivao como o resultado da interaco
entre o indivduo e a situao, o que ajuda () a entender as origens individual e
situacional na variabilidade dos estados motivacionais. Mas o indivduo
multifacetado e entre as diversas facetas que o caraterizam incluem-se: a
intelectual, a fsica, a emocional, a social e a econmica. Assim, no surpreende
que o comportamento humano possa ser to complexo e difcil de interpretar
quanto as prprias pessoas (Apolinrio, 2010). Importa referir que as pessoas
regem-se por valores que vo adquirindo no decorrer do tempo, medida que
interagem com os outros e com o meio ambiente. Assumem atitudes e atravs
destas organizam o conhecimento, percecionam o mundo de forma a prevenir o
sofrimento e orientar a sua ao no sentido do bem-estar (Apolinrio, 2010).
Ento, o que motiva as pessoas? O comportamento do homem resulta, em
grande parte, da interao de variados motivos, sendo alguns fundamentalmente
racionais (Apolinrio, 2010). O motivo ser um padro de comportamento dirigido
a um objectivo que tende a recorrer sempre que um indivduo se encontra numa
situao propcia sua consumao (Pereira, 2004, p.176). Gil (1994, p.120)
complementa a ideia e nota que a motivao de uma pessoa depende da fora
dos seus motivos. Portanto, podemos afirmar que o que motiva um sujeito no
tem necessariamente de motivar os outros e que o mesmo motivo pode levar
diferentes pessoas a adotarem diferentes comportamentos, assim como o mesmo
comportamento, em diferentes pessoas, pode resultar de motivos diferentes. Para
complexificar ainda mais, as necessidades, os valores sociais e as capacidades
variam na mesma pessoa conforme o tempo (Chiavenato, 2008). Apesar de todas
estas diferenas, o processo que dinamiza o comportamento mais ou menos
semelhante para todas as pessoas (Chiavenato, 2008, p.64). Desta forma, a
motivao o porqu do comportamento humano. o impulso interior que leva
as pessoas a agirem ou reagirem de determinada maneira. Esse impulso
determinado pelas necessidades. Isto , as necessidades originam impulsos de
vontade, os impulsos determinam comportamento (Apolinrio, 2010, p.5).
De uma forma geral, podemos considerar a motivao uma fora interna que
influencia ou direciona o comportamento do indivduo (Marquis e Huston, 2010).
Aquilo que leva a pessoa a esforar-se numa determinada atividade, um impulso
que orienta para uma ao, por forma a satisfazer uma necessidade. Assim, a
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9
motivao refere-se ao comportamento que visa um objetivo (Pereira 2004,
p.175). O mesmo constata Rocha (2007, p.77), que considera que a motivao
emerge da interao entre os indivduos e as variveis situacionais e que um
indivduo est motivado quando o seu comportamento dirigido a um objectivo.
Esse objetivo a atingir pelo comportamento motivado pode depender
directamente das necessidades do organismo (), resultar de processos de
aprendizagem () ou da combinao de diversos processos (Pereira, 2004,
p.175).
Etimologicamente o termo motivao aparece em estreita ligao com o
verbo mover, de origem latina: movere que significa comear um movimento
(Bastable, 2010, p.225), sendo aplicado ao que capaz de mover o indivduo, de o
levar a agir, de o incitar a adotar certas condutas e atitudes. Portanto, a
motivao o que leva as pessoas a agir, pensar e desenvolver-se (Afonso e Leal,
2009), mas no suficiente como razo justificativa para as aes das pessoas.
Para compreender os indivduos e mudar comportamentos, a motivao tem de ser
entendida como um processo que determina como as pessoas se comportam.
Falar em motivao no fcil e obriga a ter em considerao alguns
pressupostos sobre as pessoas. Segundo Pritchard e Ashwood (2008):
uma necessidade fundamental do indivduo fazer um bom trabalho - um bom
trabalho um valor pessoal, as pessoas sentem-se bem quando o conseguem
realizar;
o indivduo deseja que o que acontece no seu trabalho tenha a sua
contribuio uma necessidade bsica;
o indivduo no quer ser responsabilizado por atos que no pode controlar se
est a trabalhar num projeto cuja informao depende de diversas pessoas,
receia ser criticado, pelo seu atraso, se os outros intervenientes no
fornecerem a informao em tempo til;
o indivduo deseja feedback mas no gosta de ser avaliado;
o indivduo quer ser valorizado o apreo e o respeito so poderosos;
o indivduo no gosta de desperdiar o seu tempo, que considerado um bem
valioso.
Os mesmos autores consideram que a motivao tem caractersticas como:
ser compreensvel os componentes da motivao fazem sentido; ser um
processo; ser fundamental e no uma mania focar-se na motivao no uma
mania ou moda porque ela essencial; ser um tema de longa durao; ser lgica
usa princpios entendveis e lgicos; ser controlvel se entendvel ento pode
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ser controlada; ser uma estratgia de trabalho; ser uma parceria entre a
organizao e os indivduos. A motivao o processo usado para alocar energia e
maximizar a satisfao de necessidades (Pritchard e Ashwood, 2008).
Podemos ento considerar que a motivao orienta as aes humanas,
estando a fora para a realizao das mesmas no interior de cada pessoa. Esta
pode ser alterada mas no imposta, cabe ao indivduo deixar-se motivar. A fora
motivacional corresponde ao produto do valor que o indivduo atribui ao objetivo
com a probabilidade de o conseguir alcanar. A pessoa est mais motivada se o
objetivo a atingir for importante para ela e se tiver expetativa de o conseguir
concretizar, sabendo que dele advm um resultado. De uma forma geral, a
motivao delineada como uma necessidade que ambicionada pelo indivduo e
que o motiva a ter comportamentos que a satisfaam. Este processo chamado de
ciclo motivacional (Figura 1).
Para Neves (2011a, p.296), uma necessidade constitui um estado interno ao
indivduo, capaz de induzir aco, com vista a alcanar resultados que as pessoas
procuram como fim em si mesmos, que visam a satisfao dessa necessidade.
Sempre que surge uma necessidade, o estado de equilbrio do organismo
quebrado e gera-se um estado de desequilbrio que causa um estado de tenso e
desconforto. Este novo estado leva o indivduo a um comportamento ou ao
capaz de aliviar a tenso e o libertar do desconforto e desequilbrio. O indivduo
satisfaz a necessidade e, se o comportamento for eficaz, o organismo volta ao seu
estado de equilbrio anterior (Chiavenato, 2008). A necessidade satisfeita, deixa
de causar tenso ou desconforto e no estimula mais o comportamento (Neves,
2011, p.296). No entanto, a satisfao da necessidade poder no ocorrer, pois
pode surgir um obstculo sua satisfao, o que vai originar acumulao de
tenso no organismo e originar um estado de desequilbrio. Por vezes pode
acontecer a frustrao, outras a compensao, uma vez que a satisfao de outra
necessidade reduz a tenso da necessidade no satisfeita (Neves, 2011a).
-
11
FIGURA 1: Etapas do Ciclo Motivacional
Fonte: VIEIRA, Maria Manuela Vaz, 2009, p.12.
1.1 Teorias da Motivao
Apresentados os conceitos chave para compreendermos a motivao do ser
humano no trabalho, torna-se importante referir algumas das teorias que
procuram explicar como os indivduos so motivados ou como escolhem os
comportamentos a adotar para satisfazerem as suas necessidades.
As atuais teorias da motivao no so inteiramente abrangentes mas
oferecem perspetivas importantes e so a base para futuras reflexes. As teorias
da motivao tiveram o auge do seu desenvolvimento entre as dcadas de 60 e 70
do sculo passado e os estudos desenvolvidos posteriormente esto relacionados
com a confirmao ou refutao das teorias ento estabelecidas, ou de parte
delas. Esses estudos visam preencher lacunas concetuais ou introduzir novos
Equilbrio Interno
Estmulo
Necessidade no Satisfeita
Tenso Barreira Frustrao Outro
Comportamento Derivado
Satisfao da Necessidade
Compensao
-
12
conceitos. Mas o fundamental que, apesar destas intervenes, no existe
mudana paradigmtica.
Estudar a motivao apenas em termos de sujeitos e de comportamento
individual pode ser insuficiente. Motivar poder tambm significar tornar
as organizaes mais atractivas; no apenas a tarefa, a equipa de
trabalho ou outros aspectos referentes ao trabalho () a cultura
organizacional poder ser uma via para () motivar comportamento (),
gerar empenhamento () a par de uma liderana inspiradora (), formas
inovadoras de gerar conhecimento organizacional podero () fazer parte
() em termos de investigao, sempre que a motivao no trabalho e
para trabalhar voltar a despertar o interesse () (Gomes e Borba, 2011,
p.313).
Em 1994, Kanfer referiu que no futuro a pesquisa sobre a motivao iria
incidir sobre trs aspetos importantes: motivao e capacidades cognitivas,
motivao em determinadas situaes sociais e desempenho tpico e mximo
(Krumm, 2005, p.25).
Em 1976, Campbell e Pritchard propuseram um modelo de classificao das
diversas teorias da motivao, que distingue entre teorias de contedo e teorias
de processo. As primeiras realam a compreenso dos fatores internos ao
indivduo, explicativos da forma de agir (Neves, 2011a, p.296); tambm dizem
respeito s teorias centradas na identificao dos fatores de motivao
responsveis pela energizao da ao. J as teorias de processo analisam a
motivao de uma forma mais dinmica e enfatizam o processo da motivao, e
no apenas os aspetos responsveis pela ativao do comportamento (Gomes e
Borba, 2011; Cunha et al., 2007). Tentam assim encontrar uma resposta para a
diversidade de escolhas (), enfatizando os fatores situacionais e de natureza
informativa que levam a pessoa a escolher uma aco em vez de outra (Neves,
2011a, p.301).
Cunha e col. (2007) propem a diviso das teorias de contedo e processo
em teorias gerais e teorias organizacionais. Consideram gerais as que se referem a
aspiraes genricas dos indivduos, no se centrando exclusivamente no trabalho
e no comportamento organizacional, e organizacionais as que incidem sobre o
comportamento organizacional (Quadro 1).
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13
QUADRO 1: Taxonomia das Teorias da Motivao
Teorias de Contedo e Gerais Hierarquia das Necessidades Teoria de ERG Teoria dos Motivos
Teorias de Contedo e Organizacionais Teoria dos Dois Fatores de Herzberg Teoria das Caractersticas da Funo
Teorias de Processo e Gerais Teoria da Equidade
Teorias de Processo e Organizacionais Definio de Objetivos
Fonte: Adaptado de CUNHA, Miguel Pina [et al.], 2007, p.156.
A motivao pode ser dividida em intrnseca e extrnseca. A motivao
intrnseca vem do interior do indivduo, impulsionando-o a ser produtivo () tem
de valorizar o desempenho e a produtividade no trabalho (). A motivao
extrnseca aquela reforada pelo ambiente de trabalho e por recompensas
externas (Marquis e Huston, 2010, p.443). A motivao intrnseca implica
determinado comportamento, porque a atividade interessante e satisfaz
espontaneamente. Algum intrinsecamente motivado envolve-se numa atividade
devido aos sentimentos positivos que esta proporciona, implica-se prazerosamente
no trabalho e parece ter maior autoeficcia e expetativas de sucesso. O foco
principal inerente aos benefcios da atividade em si. O indivduo focaliza-se nas
recompensas que a prpria atividade proporciona, como por exemplo a inovao,
as oportunidades, a experincia. A motivao extrnseca implica que o
envolvimento numa atividade responda a estmulos que esto separadas dela. Ou
seja, se o indivduo adota um comportamento motivacional extrnseco, o seu foco
principal so as recompensas que provm da atividade mas que no fazem parte
dela, a atividade como um meio para atingir algo (Afonso e Leal, 2009).
Perante o que foi relatado, compreende-se que a motivao intrnseca
relaciona-se com a satisfao e desafios que o trabalho proporciona (),
desenvolvimento de competncias, envolvimento na tarefa, curiosidade e
interesse e a motivao extrnseca est mais relacionada com a procura de
recompensas, reconhecimento externo, competio, avaliao e incentivos
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14
tangveis (Barbosa, 2009, p.12). Muitos autores consideram estes dois tipos de
motivao extremos mas inseridos num mesmo conceito, enquanto outros referem
que estar intrinsecamente ou extrinsecamente motivado so formas bastante
distintas. Mas em diversas situaes possvel que se esteja motivado de ambas as
formas.
As teorias da motivao so tambm classificadas em: teorias de contedo-
que procuram explicar por que existe a motivao, teorias de processo - que
procuram explicar como se processa a motivao e a teoria do reforo que se
concentra nas formas atravs das quais se apreende o comportamento (Pinto et
al., 2010, p.138).
Iremos de seguida apresentar as teorias da motivao que mais contriburam
para a realizao desta investigao.
Teoria da Motivao de Abraham Maslow
A teoria sobre a motivao mais conhecida , provavelmente, a de Abraham
Maslow (1954). Esta teoria procura compreender o homem numa perspetiva
multidimensional. Segundo este autor, dentro de cada ser humano existe uma
hierarquia de cinco categorias de necessidades que influenciam o comportamento
humano (Paulo, 2003). A motivao refere-se ao comportamento gerado pelas
necessidades do indivduo e dirigida aos objetivos que podem satisfazer essas
necessidades (Carneiro, 2009).
Por necessidade entende-se um estado de esprito interno que faz com que
certos resultados apaream como atractivos ao sujeito (Bilhim, 1996 cit. por
Frederico, 2006, p.112). As necessidades so comuns a todas as pessoas, porm
as razes de trabalhar e de fazer esforos variam de pessoa para pessoa (Dias,
2005, p.6).
De acordo com Maslow, as necessidades hierarquizaram-se em cinco
categorias: 1) necessidades fisiolgicas; 2) necessidades de segurana; 3)
necessidades sociais; 4) necessidades de estima; 5) necessidades de realizao
pessoal (Robbins, Judge e Sobral, 2011).
1) Necessidades fisiolgicas: referem-se ao nvel mais elementar da existncia
humana (Gomes e Borba, 2011; Cunha et al., 2007), so as mais prementes e
urgentes pois esto relacionadas com a sobrevivncia do indivduo e a
continuidade da espcie (Robbins, Judge e Sobral, 2011; Cunha et al., 2007;
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15
Frederico, 2006), sendo por isso consideradas vitais (Paulo, 2003).
Correspondem maioritariamente s necessidades fsicas bsicas dos seres
humanos: alimentao, ar, sono, abrigo, desejo sexual, necessidades
corporais, entre outras. A nvel organizacional, correspondem s condies
fsicas do local de trabalho, salrio (Frederico, 2006), frias, folgas e pausas
para refeies (Carneiro, 2009)
2) Necessidades de segurana: englobam o ambiente fsico, emocional e
financeiro seguro e livre de violncia (Frederico, 2006). A segurana e
proteo contra danos fsicos e morais fazem, tambm, parte deste nvel de
necessidades (Robbins, Judge e Sobral, 2011). Constituem o segundo nvel das
necessidades humanas e aparecem no comportamento quando as fisiolgicas
esto satisfeitas (Gomes e Borba, 2011; Paulo, 2003). No que concerne
organizao, dizem respeito s condies de segurana no local de trabalho,
antiguidade e reforma, direito a indeminizao por despedimento e sistemas
de queixas formais (Carneiro, 2009).
3) Necessidades sociais: referem-se procura de relacionamentos interpessoais e
de sentimentos recprocos, a dar e receber amor (Cunha et al., 2007). So
necessidades que esto relacionadas com a natureza social das pessoas
(Frederico, 2006, p.113). Incluem a afeio, aceitao, amizade, sentimento
de pertencer a um grupo (Gomes e Borba, 2011; Cunha et al., 2007). Estas
necessidades, quando no satisfeitas, podem levar frustrao. A nvel
organizacional, refletem o desejo de bom relacionamento multiprofissional
(Carneiro, 2009; Frederico, 2006), de ter amizades, de fazer parte de um
grupo, de reconhecer-se como membro do grupo e de ser amado (Frederico,
2006, p.113).
4) Necessidades de estima: incluem a necessidade da certeza da nossa
importncia e estima para os outros, que precisa de ser tida como merecida e
at garantida (Frederico, 2006). Esto relacionadas com os fatores internos de
estima, como por exemplo o respeito prprio, realizao, competncia, e
autonomia, e com fatores externos, como o status, reconhecimento e prestgio
(Robbins, Judge e Sobral, 2011; Gomes e Borba, 2011; Frederico, 2006; Paulo,
2003). Para Maslow, estas necessidades assumem duas vertentes: de um lado,
est o desejo de fora, realizao, adaptao, mestria e competncia,
confiana, independncia e liberdade; do outro, surge o desejo de prestgio, o
status, a fama e a glria, o domnio, a ateno, a importncia, a dignidade e o
-
16
reconhecimento dos outros face capacidade de adequao s funes
desenvolvidas (Gomes e Borba, 2011; Carneiro, 2009).
5) Necessidades de realizao pessoal: so as necessidades humanas mais
elevadas e correspondem possibilidade de os indivduos serem aquilo que
podem ser (Cunha et al., 2007, p.156). Ou seja: o desejo de querer ser mais
do que se , e conseguir ser tudo o que se pode vir a ser. Uma pessoa leva ao
mximo a potencialidade das suas aptides e capacidades (Frederico, 2006,
p.114). Maslow defende tambm que () a satisfao das necessidades de
auto-realizao tem tendncia a aumentar a intensidade das outras
necessidades (Frederico, 2006, p.114). A nvel organizacional, as
necessidades de realizao pessoal refletem-se no completar atribuies
desafiadoras, realizar tarefas criativas, desenvolver capacidades (Carneiro,
2009).
Na figura 2 apresenta-se a hierarquizao das necessidades segundo a
Pirmide de Maslow.
Estes cinco tipos de necessidades podem ser divididos em dois patamares
(Figura 2): necessidades primrias ou de nvel inferior (fisiolgicas e de segurana)
e secundrias ou de nvel superior (sociais, de estima e de realizao pessoal)
(Cunha et al., 2007; Robbins, Judge e Sobral, 2011)
A teoria de Maslow estabelece trs pressupostos: 1) o princpio da
dominncia o comportamento influenciado por necessidades no satisfeitas; 2)
o princpio da hierarquia - as necessidades so agrupadas de acordo com a
hierarquia; 3) o princpio da emergncia - um nvel de necessidades surge como
fonte de motivao, condicionando o comportamento s quando as necessidades
de nveis hierrquicos inferiores estiverem satisfeitas. E pressupe que cada ser
humano impulsionado a um nvel de necessidade seguinte a partir da satisfao
da necessidade anterior, subindo um degrau nesta hierarquia. Ou seja, s surgiro
novas necessidades quando as de nvel inferior estiverem satisfeitas, pelo menos
em grande parte (Frederico, 2006). Uma necessidade satisfeita deixa de motivar,
existindo a necessidade de procurar o nvel imediatamente acima. As
necessidades no satisfeitas so os motivadores principais do comportamento
humano, havendo precedncia das necessidades mais bsicas sobre as mais
elevadas (Cunha et al., 2007, p.157).
Maslow reconhece que as necessidades interagem entre si e que as mesmas
podem agir em simultneo para dar mais energia s aes (Gomes e Borba, 2011).
Assim, de acordo com a teoria de Maslow para motivar algum preciso saber
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17
em que nvel da hierarquia a pessoa se encontra no momento e focar a satisfao
naquele nvel ou no patamar imediatamente superior (Robbins, Judge e Sobral,
2011, p.198).
O valor da teoria de Maslow consiste na identificao dos fatores que
motivam as pessoas e em fazer uma ordenao das necessidades. Esta teoria
continua a influenciar aes e tomadas de posio e a fundamentar decises a
nvel organizacional. Da que no deva ser ignorada por quem deseja intervir a
nvel organizacional e contribuir para a sua mudana e desenvolvimento.
FIGURA 2: Pirmide de Maslow
Fonte: Adaptado de NEVES, Jos. 2011, p.299
Teoria das Necessidades Existenciais, Relacionais e de Crescimento (ERG), de
Alderfer
Esta teoria pode ser considerada como uma variao da teoria de Maslow e
vem valid-la e sustent-la, na medida em que atesta que a motivao pode ser
entendida em funo de um grupo de necessidades (Carneiro, 2009).
Alderfer tentou simplificar e modificar a teoria de Maslow e sumariou as
necessidades em trs grupos. Necessidades de existncia (existence), de
Necessidades de
Realizao Pessoal
Necessidades de Estima
Necessidades Sociais
Necessidades de Segurana
Necessidades Fisiolgicas
Necessidades secundrias ou de nvel
superior
Necessidades primrias ou
de nvel inferior
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relacionamento (relatedness) e de crescimento (growth). Estas necessidades so
tambm hierarquizadas em pirmide (Carneiro, 2009), caminhando os indivduos
passo a passo para o topo da hierarquia.
Segundo Cunha e col., (2007), as necessidades de existncia correspondem
s necessidades fisiolgicas e de segurana de Maslow; as de relacionamento
correspondem s necessidades socias e de estima de Maslow; e as necessidades de
crescimento correspondem s de autorrealizao de Maslow.
A contribuio principal desta teoria foi a flexibilizao das relaes entre
os nveis de hierarquia (Cunha et al., 2007, p.158). Ou seja, no existe ordem de
prioridade para a satisfao das necessidades podendo mais de uma necessidade
influenciar ao mesmo tempo a motivao (Cunha et al., 2007). As necessidades
no se sucedem umas s outras por satisfao ou privao, antes surgem por
precedncia umas em relao s outras, de acordo com as caractersticas
pessoais, sociais e culturais dos indivduos (Carneiro, 2009). uma teoria flexvel
para o entendimento das necessidades humanas e sua influncia sobre o
comportamento dos trabalhadores (Steffen, 2008, p.24) e menos teleolgica do
que a teoria de Maslow (Cunha et al., 2007).
A teoria de Alderfer sustenta que quando as necessidades de nvel mais
elevado so frustradas, as de nvel inferior retornam, mesmo que j tenham sido
satisfeitas (Figura 3). () A frustrao de necessidade de determinado nvel pode
levar () a uma regresso da pessoa at uma necessidade de nvel inferior
(Cunha et al., 2007, p.158). O que contraria a teoria de Maslow, que referia que
depois de satisfeitas, as necessidades deixavam de motivar o comportamento do
indivduo.
FIGURA 3: Componente de frustrao-regresso sobre a necessidade
Fonte: STEFFEN, Anelise. 2008, p. 24.
Frustrao
Inibida Necessidade Reativada
Regresso
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Teoria dos Dois Fatores de Frederick Herzberg ou teoria Bifatorial das
Motivaes
Herzberg interessou-se pela motivao e prosseguiu os trabalhos de Maslow.
Mas, enquanto Maslow fundamentou a sua teoria nas necessidades humanas,
Herzberg alicerou a sua no ambiente externo e no trabalho do indivduo. A
relao de uma pessoa com o seu trabalho bsica e () essa atitude pode
determinar o seu sucesso ou fracasso (Robbins, Judge e Sobral, 2011, p.200). A
teoria sugere que os indivduos possuem dois grandes tipos de necessidades: as
necessidades motivadoras (fatores intrnsecos ou de satisfao) e as necessidades
higinicas (fatores extrnsecos ou de insatisfao) (Steffen, 2008). Estas devem ser
consideradas independentes e os seus efeitos distinguidos (Cunha et al., 2007), e o
comportamento dos indivduos fortemente orientado por elas.
As necessidades motivadoras so de natureza intrnseca ao trabalho,
obedecem a uma dinmica de crescimento e conduzem satisfao de longo prazo
() (Cunha et al., 2003, p.161). Esto relacionadas com o contedo do trabalho,
com a natureza das tarefas a desempenhar e esto sob o controlo do indivduo.
Para proporcionar motivao no trabalho, Herzberg refere que necessrio um
enriquecimento dos cargos, que se obtm pela frequente substituio de tarefas
simples por tarefas mais complexas, por forma a acompanhar o crescimento de
cada indivduo, tendo em conta o seu desenvolvimento e as suas caractersticas
individuais (Batista, 2007; Frederico, 2006; Paulo, 2003).
As necessidades higinicas so de natureza extrnseca ao trabalho (Gomes e
Borba, 2011; Cunha et al., 2003) e referentes s condies laborais do indivduo.
Englobam as condies fsicas e ambientais do local de trabalho, o salrio, os
benefcios sociais e a filosofia da organizao (Gomes e Borba, 2011; Batista,
2007; Frederico, 2006; Paulo, 2003). A presena destes fatores uma
expectativa normal () no gerando () satisfao, mas a sua ausncia conduz
insatisfao (Frederico, 2006, p.116). Os fatores higinicos, quando presentes,
evitam atitudes negativas mas no provocam as positivas (Cunha et al., 2007). A
promoo dos fatores higinicos elimina a insatisfao mas no motiva os
indivduos para a realizao em nveis elevados.
A investigao de Herzberg demonstrou que os fatores que provocam
atitudes positivas face ao trabalho no so os mesmos que provocam as atitudes
negativas. As necessidades higinicas no produzem satisfao, mas ajudam a
evitar o descontentamento. As necessidades motivadoras conduzem ao aumento
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20
da satisfao. Os fatores higinicos esto associados deciso de permanncia na
organizao e os fatores motivadores associados deciso de produzir (Vala et
al., cit. por Tavares, 2008, p.26). Para Herzberg, o oposto da satisfao no a
insatisfao () o oposto de satisfao no satisfao e o oposto de
insatisfao no insatisfao (Robbins, Judge e Sobral, 2011, p.201).
Outro aspeto de interesse prtico no trabalho de Herzberg o de permitir
distinguir estilos motivacionais diferentes. Existem pessoas voltadas
essencialmente para a procura da realizao, da responsabilidade, do
crescimento, da promoo do prprio trabalho e do reconhecimento merecido
so tidas como indivduos que procuram motivao. A tarefa em si adquire
grande significado e os fatores ambientais pobres no criam grandes dificuldades.
Os fatores de motivao, na sua maior parte, esto centrados no trabalho; eles
esto ligados com o contedo de trabalho (Maciel e S, 2007, p.71). Por outro
lado, existem indivduos para quem o contexto ambiental adquire grande relevo,
centrando sua ateno em elementos tais como salrio, competncia da
superviso, condies de trabalho, segurana, poltica administrativa da
organizao e colegas de trabalho. A essas pessoas, Herzberg chama de indivduos
que procuram manuteno.
A contribuio mais marcante desta teoria a constatao de que os fatores
associados satisfao e insatisfao so de natureza distinta (Gomes e Borba,
2011).
Teoria dos Motivos de McClelland
Outra explicao das motivaes do comportamento humano foi proposta
por David McClelland. Este autor identificou trs necessidades bsicas, ou motivos
importantes, que motivam as pessoas para o desempenho: motivos de realizao
(ou sucesso); motivos de poder; motivos de afiliao (Quadro 2). Esses motivos
so apreendidos, tornando-se dispostos numa hierarquia com potencial de
influenciar o comportamento, que varia consoante o indivduo (Vieira, 2009,
p.26) e so adquiridos durante o percurso de vida do indivduo.
1) Motivos de realizao busca de excelncia, de realizao () mpeto para
alcanar o sucesso (Robbins, Judge e Sobral, 2011, p.202). Correspondem ao
desejo de vencer barreiras, superar obstculos, alcanar objetivos atravs do
esforo individual e com alguma competitividade (Carneiro, 2009; Vieira,
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21
2009). As pessoas motivadas para a realizao assumem responsabilidade
pessoal pelas atividades em que se envolvem, tendem a ser inquietas na sua
atividade e a ser bem-sucedidas (Cunha et al., 2007). O sucesso alcanado
atravs dos seus esforos e capacidades e no de oportunidades (Vieira, 2009).
Inserem-se neste grupo as pessoas que no gostam de situaes que fujam ao
controle, pois no se sentem satisfeitas com uma realizao cujo sucesso se
deu por acaso, mas a quem situaes muito controladas tambm no agradam,
pois no trazem desafios (Robbins, Judge e Sobral, 2011). Procuram definir
objetivos exigentes e assumem riscos calculados de realizao moderada, pois
caso a tarefa seja muito difcil, a possibilidade de xito mnima e a
probabilidade de motivao baixa. Pelo contrrio, se a tarefa for fcil, existe
pouca satisfao em realiz-la, uma vez que qualquer um a pode executar
(Vieira, 2009). Necessitam de receber feedback sobre a sua situao, pois
precisam de perceber se o sucesso ou fracasso dependeu das suas aes.
2) Motivos de poder necessidade de fazer com que os outros se comportem de
um modo que no fariam naturalmente (Robbins, Judge e Sobral, 2011,
p.202). Traduz-se pela autonomia e controle que o indivduo tem sobre si e/ou
outros. H tambm o desejo de dominar, controlar e influenciar outras pessoas
ou o meio envolvente. Representa uma orientao para o prestgio e a
produo de impacto nos comportamentos ou emoes das outras pessoas
(Cunha et al., 2007, p.159). McClelland destaca que existem duas vertentes
neste tipo de motivos: motivo de poder social reflete o desejo de usar o
poder para atingir as metas organizacionais; motivo de poder pessoal reflete
o desejo de usar o poder para atingir a satisfao pessoal.
3) Motivos de afiliao desejo de relacionamentos interpessoais prximos e
amigveis (Robbins, Judge e Sobral, 2011, p.202). Incluem-se neste grupo os
indivduos que se preocupam com a qualidade das suas relaes pessoais e
consideram que a sua interao com os outros fundamental.
-
22
QUADRO 2: Caraterizao Sumria dos Motivos de Sucesso, Poder e Afiliao
Motivos Indivduo
Sucesso Procura alcanar sucesso perante uma norma de excelncia pessoal
Aspira a alcanar metas elevadas mas realistas
Responde positivamente competio
Toma iniciativa
Prefere tarefas de cujos resultados possa ser diretamente responsvel
Assume riscos moderados
Relaciona-se preferencialmente com peritos
Poder Procura controlar ou influenciar outras pessoas e dominar os meios que lhe permitem exercer essa influncia
Tenta assumir posies de liderana espontaneamente
Necessita/gosta de provocar impacto
Preocupa-se com o prestgio
Assume riscos elevados
Afiliao Procura relaes interpessoais fortes
Faz esforos para conquistar amizades e restaurar relaes
Atribui mais importncia s pessoas do que s tarefas
Procura a aprovao dos outros para as suas opinies e atividades
Fonte: CUNHA, Miguel Pina [et al.], 2007, p. 159
Estas necessidades so adquiridas ao longo do tempo, so comuns a todas as
pessoas, mas as caractersticas pessoais e as foras motivadoras variam de pessoa
para pessoa, conforme o tipo de necessidade que prevalea. McClelland defende
que as necessidades podem ser aprendidas de acordo com as experincias vividas
e determinam o tipo de atitudes que o indivduo tem na organizao. Assim,
indivduos com necessidades de realizao tendem a ser empreendedores,
enquanto indivduos com necessidades de afiliao sero integradores.
Modelo das Caractersticas da Funo de Hackman e Oldham
Em 1980 Hackman e Oldham desenvolveram um modelo que possibilitou a
explicao do modo como as interaes, as caractersticas do trabalho e as
diferenas individuais podem influenciar a motivao considerando que as
caractersticas do trabalho so preditoras das principais causas de motivao ou
desmotivao. Este modelo assenta em trs componentes: i) as cinco
-
23
caractersticas do trabalho; ii) os trs estados psicolgicos crticos; iii) e os
resultados ou impactos (Robbins, Judge e Sobral, 2011; Cunha et al., 2007).
Estes autores, com base na evidncia emprica, chegaram concluso de as
que cinco caractersticas nucleares do trabalho, que contribuem para fazer da
funo uma fonte de motivao, so:
1) Variedade da tarefa refere-se ao grau em que a funo exige o recurso a
competncias, atividades e conhecimentos diversificados. Considera-se que
existe variedade de competncias quando determinado trabalho exige uma
diversidade de tarefas as quais, por sua vez, iro implicar o exerccio de
diferentes habilidades por parte do trabalhador (Cunha et al., 2007).
2) Identidade da tarefa - diz respeito ao desenvolvimento do trabalho por um
mesmo indivduo, desde o incio at sua concluso e pressupe a existncia
de um resultado concreto.
3) Significado da tarefa diz respeito ao impacto do resultado do trabalho na
atividade ou na vida de outras pessoas, quer seja dentro ou fora da
organizao.
4) Autonomia grau de independncia no planeamento e execuo do trabalho. A
existncia desta caraterstica implica desenvolvimento de esforos para a
tomada de deciso, que por sua vez vo exigir responsabilidade no resultado
do trabalho.
5) Feedback quantidade e qualidade da informao fornecida ao indivduo
relativa ao progresso/resultados do seu trabalho (Gomes e Borba, 2011; Cunha
et al., 2007).
Estas cinco dimenses so responsveis por efeitos positivos sobre a
motivao devido produo () de estados psicolgicos crticos (Cunha et al.,
2007, p.164). So eles: significado experimentado - grau de validade que a pessoa
atribui ao seu trabalho, que depende do seu quadro de valores, necessidades e
expetativas, sendo determinado pela variedade da tarefa, identidade e significado
da tarefa (Afonso 2011; Gomes e Borba, 2011); responsabilidade experimentada -
grau de autonomia sentido; conhecimento dos resultados - grau de conhecimento
da eficcia na execuo do seu trabalho (Afonso 2011), est relacionado com o
feedback. Das caractersticas do trabalho, mediadas pelos trs estados
psicolgicos crticos, surgem os resultados: a motivao intrnseca, satisfao com
o trabalho e com o desenvolvimento pessoal, qualidade do trabalho e diminuio
de absentismo e turnover (Hackman e Oldham, 1975 cit. por Afonso 2011, p.9).
-
24
Os valores numricos de cada uma das cinco caractersticas do trabalho, a
sua presena ou ausncia, so obtidos atravs do Job Diagnostic Survey (JDS),
desenvolvido em 1980 por Hackman e Oldham, em simultneo com a teoria. Os
resultados obtidos servem para calcular o potencial motivador da funo atravs
da frmula (Figura 4):
FIGURA 4: Caractersticas do trabalho, estados psicolgicos e resultados
Potencial motivador da funo
Fonte: Adaptado de CUNHA, Miguel Pina [et al.]. 2007, p. 163
Em termos tericos, este modelo prev que, quando o posto de trabalho
desenhado com base nas cinco caractersticas, o indivduo empenha-se mais, est
mais satisfeito e trabalha com mais motivao (Afonso, 2011). No entanto, a
perceo das caractersticas da tarefa influenciada por fatores externos ao
trabalho, pela necessidade de crescimento ou desenvolvimento profissional do
Dimenses do trabalho
Estados psicolgicos
crticos
Resultados
Variedade
Identidade
Significado
Significado da tarefa
Autonomia
Feedback
Responsabilidade
Conhecimento dos resultados
Motivao
Desempenho
Satisfao
Necessidades de desenvolvimento Conhecimentos e aptides Satisfao com o contexto
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Variedade+identidade+significado autonomiafeedback
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indivduo, pela sua capacidade para responder s exigncias do trabalho e pela
satisfao com o contexto (Cunha et al., 2007).
Teoria da Equidade de Adams
Esta teoria defende a necessidade de justia no local de trabalho e analisa a
perceo que os trabalhadores tm relativamente a este aspeto. A ideia chave da
teoria sustenta que os indivduos comparam os seus investimentos/inputs para a
organizao (educao, esforo, desempenho, responsabilidades, conhecimentos e
habilidades) com aquilo que dela recebem/outputs (salrio, reconhecimento,
benefcios, promoes, status), comparando-os com os dos seus semelhantes
(Gomes e Borba, 2011; Carneiro, 2009; Frederico, 2006). Ou seja, como o
indivduo sensvel a discrepncias que possam existir (Frederico, 2006), deve
haver correspondncia entre os investimentos e os ganhos de cada um (Cunha et
al., 2007).
Da comparao entre ganhos e investimentos resultam duas situaes: a
equidade ou a iniquidade (Cunha et al., 2007). Estas emergem das percees do
trabalhador e no da medio objetiva entre os ganhos e os investimentos, e
variam de indivduo para indivduo. As pessoas avaliam os investimentos e as
recompensas com base na importncia que tm para si, o que significa que a
equidade um fenmeno percetivo e no um dado objectivo (Cunha et al., 2007,
p.165).
A teoria de Adams demonstra que a recompensa pode interferir no processo
da motivao, o qual alm da componente individual, integra igualmente uma
componente social resultante do processo de comparao social (Batista, 2007,
p.20). A motivao maior quando as pessoas percebem a existncia de uma
relao de contingncia entre os seus ganhos e investimentos. Ou seja, os
indivduos esforam-se mais se perceberem que maior esforo conduz a uma
melhor recompensa. Se essa relao no existir, a tendncia ser para os que se
sentem injustiados sarem da organizao ou, em alternativa, reduzirem o seu
investimento (Cunha et al., 2007).
Apesar de esta teoria se centrar, predominantemente, na recompensa
monetria, os estudos revelam que os indivduos so igualmente sensveis
equidade da distribuio de outras recompensas organizacionais, como por
exemplo: estatuto, distribuio de equipamentos e espao (Batista, 2007).
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A teoria da equidade relevante para o estudo da motivao, na medida em
que tenta explicar a lgica do comportamento humano que no est relacionado
com as foras motivadoras intrnsecas aos indivduos nem com a hierarquia das
necessidades (Carneiro, 2009).
Teoria da Definio de Objetivos de Locke e Latham (Goal-Setting Theory)
No final dos anos 60, Edwin Locke sugeriu que a inteno de lutar por um
objetivo a maior fonte de motivao no trabalho (Robbins, Judge e Sobral,
2011, p. 206), considerando importante o indivduo estabelecer objetivos para
estar motivado no trabalho e ter um bom desempenho (Barbosa, 2009). A teoria
sugere que a motivao no trabalho influenciada pela existncia de objetivos e
que o indivduo est comprometido com eles. Sustenta, ainda, que o
comportamento humano resulta maioritariamente de intenes e de objetivos
escolhidos pelos indivduos. o objetivo que diz ao indivduo o que tem de ser
feito e quanto esforo ter de ser despendido para o alcanar (Robbins, Judge e
Sobral, 2011).
Locke e Latham procuraram identificar os objetivos capazes de produzir
nveis de desempenho elevados e apoiaram-se na constatao de que a vida dos
homens uma sucesso de objetivos (Cunha et al., 2007). Locke tentou identificar
quais os objetivos que mais estimulam a ateno, o esforo e a persistncia,
concluindo que os mais eficazes so aqueles que so especficos, mensurveis,
acordados mas alcanveis (reais, atingveis mas difceis e desafiadores) e os
objetivos com prazos (os indivduos quando tm objetivos especficos e de
moderada dificuldade trabalham mais rpido e intensamente durante um curto
perodo de tempo) (Cunha et al., 2007). Pelo contrrio, () trabalham de forma
mais lenta e menos intensa durante um longo perodo. Assim, os de curto prazo
tm mais impacto na ao e motivao do que os de longo termo (Vieira, 2009,
p.24).
Os autores da teoria referem que os objetivos especficos produzem
resultados melhores que a meta genrica faa o melhor que puder; () que
objetivos difceis, quando aceites, melhoram mais o desempenho do que () os
mais fceis e que o feedback conduz a melhores desempenhos (Robbins, Judge e
Sobral, 2011, p.206), devendo, portanto, os indivduos ser desafiados com
objetivos especficos, difceis e realizveis. Quanto mais difcil o objetivo, mais
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alto o nvel de desempenho, o que implica, por parte do sujeito, o dispndio de
um alto nvel de esforo para atingir esse objetivo. As metas difceis dirigem a
ateno e as aes para o alcance dos objetivos (Cunha et al., 2007), do energia
(Robbins, Judge e Sobral, 2011) e estimulam o desenvolvimento de planos com
vista ao alcance dos objetivos; aumentam a persistncia perante os obstculos ou
dificuldades (Cunha et al., 2007); permitem a conceo de estratgias que, de
forma eficaz, nos ajudam a desempenhar o trabalho (Robbins, Judge e Sobral,
2011); conduzem a um maior esforo (Vieira, 2009). Gomes e Borba (2011, p.299)
reforam a ideia de que as metas desafiadoras e especficas, aliadas auto-
eficcia, geram elevado desempenho () acarretam recompensas que
desencadeiam respostas afectivas positivas () para assumir novas
responsabilidades e aceitar novos desafios.
A aceitao dos objetivos necessria para o sucesso da definio dos
mesmos (Cunha et al., 2007) e importante para a eficcia do cumprimento dos
objetivos estabelecidos pela organizao. A aceitao do objetivo mais evidente
se o seu delineamento for participativo (entre superiores e subordinados).
tambm importante para o sucesso dos objetivos o feedback fornecido, pois as
pessoas trabalham melhor quando recebem feedback com relao ao seu
progresso (), ajuda a perceber as discrepncias entre o que fizeram e o que
precisava de ser realizado para alcanar o objetivo () o feedback funciona como
um guia para o comportamento (Robbins, Judge, Sobral e 2011, p.206). O
feedback permite tambm ao indivduo ajustar os nveis de esforo e alterar a sua
estratgia para manter ou melhorar o seu grau de desempenho. Aumenta a
motivao e consequentemente a produtividade (Vieira, 2009).
A definio de objetivos parece ser a forma mais indicada para motivar e
melhorar os nveis de desempenho dos indivduos (Vieira, 2009). Para proporcionar
os melhores nveis de desempenho e, automaticamente, a concretizao dos
objetivos propostos, devem ser garantidas formao adequada para o desempenho
eficaz da tarefa e uma comunicao eficaz, bem como deve ser transmitida
confiana. Os conhecimentos e competncias so fundamentais, pois estabelecer
uma meta especfica, proporcionar feedback ou assegurar o envolvimento de um
indivduo pouca influncia ter no seu desempenho caso ele no possua os
conhecimentos e as competncias necessrias para a execuo da funo que
desempenha.
O estabelecimento de objetivos aumenta sistematicamente a motivao e a
performance, tem grande impacto na perceo do progresso, na autoeficcia e na
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autoavaliao. Segundo Locke e Latham, durante o desempenho das tarefas, as
pessoas comparam a sua performance com os objetivos e, neste sentido, podem
acontecer duas situaes:
1) Autoavaliaes positivas: melhoram a perceo da autoeficcia e reforam a
motivao (Vieira, 2009; Ferreira et al., 2006). Indivduos com elevada
autoeficcia definem objetivos mais elevados e empenham-se para encontrar e
utilizar tarefas estratgicas para atingir os objetivos propostos (Vieira, 2009).
Metas desafiadoras e especficas, aliadas auto-eficcia, geram elevado
desempenho (Gomes e Borba, 2011, p.299);
2) Autoavaliaes discrepantes entre objetivos e performance, ou seja,
autoavaliaes negativas que levam insatisfao (Ferreira et al., 2006;
Vieira, 2009).
Apesar de todas as suas vantagens, a definio de objetivos reveste-se de
alguns aspetos negativos. O principal o facto de, ao focar as pessoas num
objetivo especfico, se diminuir a probabilidade de as levar a produzir outros
comportamentos igualmente relevantes. Por outro lado, a falta de capacidade dos
trabalhadores neutraliza os efeitos motivadores decorrentes da definio de
objetivos. Quando um indivduo tem de aprender uma tarefa complexa, centra a
sua ateno na aprendizagem e no noutros objetivos (Cunha et al., 2007).
Ao longo deste captulo, procurmos descrever algumas definies de
motivao, o ciclo motivacional e fizemos a apresentao dos principais modelos
tericos da motivao, fazendo aluso a algumas teorias de contedo e de
processo.
Conseguimos perceber que existem diferenas entre os vrios modelos. Tal
facto explica a divergente posio de alguns autores no que se refere motivao,
bem como caraterizao dos fatores que a influenciam e condicionam.
Em nosso entender, as diversas teorias no apresentam uma divergncia de
fundo mas principalmente uma complementaridade fundamental compreenso
do constructo em questo. Enquanto as teorias de contedo a que nos referimos
se preocupam essencialmente com a identificao de valores e necessidades
universais que o indivduo precisa de alcanar para atingir a satisfao, as teorias
de processo aspiram a explicar a dinmica inerente concretizao dessas
necessidades e valores.
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2. O ENFERMEIRO EM PEDIATRIA ONCOLGICA
Ser enfermeiro, independentemente da rea de atuao, significa ser uma
pessoa diferente, a quem se exige um olhar despido perante o outro ser humano.
Fruto das diferentes condies ambientais onde vivem e se desenvolvem, tanto os
enfermeiros como os clientes possuem um quadro de valores, crenas e desejos de
natureza individual e, como tal, no estabelecimento das relaes teraputicas, os
enfermeiros devem respeitar e entender os clientes alvo dos seus cuidados,
procurando abster-se de juzos de valor (O.E., 2004).
Vive-se num tempo em que desafiador trabalhar em Enfermagem. Espera-
se cada vez mais que os enfermeiros sejam profissionais competentes, altamente
qualificados, investigadores respeitados, demonstrem competncias de liderana e
de empreendedorismo. Simultaneamente, estes profissionais enfrentam diversos
desafios, presses e mudanas nos servios de sade. Esto inseridos em
instituies de sade que prestam servios muito especficos e so um sistema de
pessoas a trabalhar para um Bem essencial e primordial, com produto (intangvel),
que so os Cuidados de Sade, e que se projecta () em pessoas (Peleteiro,
2011, p.67).
Os enfermeiros, sendo parceiros deste sistema complexo e de difcil gesto,
desempenham funes importantes na dinmica da instituio de sade: presena
a tempo integral, familiaridade com as regras estabelecidas e com os
procedimentos de toda a natureza, tomada de deciso, capacidade para
desenvolver relacionamentos informais e estreitar relaes com os clientes. Os
seus esforos individuais e coletivos, as suas competncias, a sua eficcia e
eficincia fazem destes profissionais uma fora central de influncia e motivao
nas instituies de sade e garantem a qualidade dos servios prestados. O seu
contexto de atuao multidisciplinar e a sua prtica profissional envolve diversos
domnios, como por exemplo: a gesto dos cuidados e do servio/instituio e a
educao, ao atuar no campo do ensino, formao e investigao; a aquisio de
diversas capacidades, face constante evoluo da cincia e da tecnologia.
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O objetivo da enfermagem a prestao de cuidados ao indivduo, saudvel
ou doente, durante o seu percurso vital, assim como aos grupos sociais em que
est inserido, para que preservem, melhorem e recuperem a sade, ajudando a
alcanar a sua capacidade funcional mxima to rpido quanto possvel (O.E.,
2012a). O enfermeiro o profissional a quem foi conferido um ttulo profissional
que lhe reconhece competncia cientfica, tcnica e humana para a prestao de
cuidados de enfermagem gerais ao indivduo, famlia, grupos e comunidade, aos
nveis de preveno primria, secundria e terciria (O.E., 2012a, p.15). Os
cuidados de enfermagem so as intervenes autnomas ou interdependentes a
realizar pelo enfermeiro no mbito das suas qualificaes profissionais (O.E.,
2012a, p.15) e centralizam a sua ateno na promoo dos projetos de sade de
cada indivduo (O.E., 2004). Como tal, os cuidados que prestam implicam diversas
competncias, tm em conta as necessidades fsicas, emocionais, sociais; visam a
promoo da sade, a preveno da doena, o tratamento, a reabilitao e a
integrao social (O.E., 2004), tendo sempre em considerao o quadro de
valores, crenas e desejos de natureza individual das pessoas (O.E., 2004, p.4).
O exerccio da profisso centra-se na relao interpessoal entre o
enfermeiro e um indivduo ou grupo de indivduos, caracterizada pela parceria
estabelecida com o cliente, e desenvolve-se ao longo de um processo dinmico
que tem por finalidade ajudar o cliente a ser proactivo na obteno do seu
projeto de sade (O.E., 2012b).
Embora a sade no dependa exclusivamente da prestao de cuidados de
qualidade e a influncia do ambiente ganhe importncia crescente, indiscutvel
o impacto dos profissionais de sade especializados, cuja preparao e
competncias tcnicas, cientficas e relacionais so uma mais-valia para os ganhos
em sade e na sade. A este propsito, escreve Carvalhal (2003, p.15): a
competncia profissional ser a capacidade de pr em prtica, numa determinada
situao profissional, um conjunto de conhecimentos, de comportamentos, de
capacidades e de atitudes que podem ser decomponveis em saberes, saberes-
fazer e saberes-ser ou estar. Para Oliveira (2010), a competncia profissional
envolve um conjunto de conhecimentos que dependem da capacidade do
profissional para avaliar as suas decises e as consequncias que delas advm. Em
enfermagem estas decises so resultantes do processo de tomada de deciso dos
enfermeiros e so da responsabilidade destes profissionais (O.E., 2004).
Em pediatria o enfermeiro presta cuidados criana, saudvel ou doente,
realiza educao para a sade, assim como reconhece e mobiliza recursos de
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suporte famlia. Tem como misso o trabalho em parceria com a
criana/famlia, por forma a promover o melhor estado de sade possvel. Assume
a responsabilidade do cuidado criana, mas tambm do cuidado criana
inserida no seu contexto familiar. A complexidade e a especificidade dos cuidados
a prestar criana/famlia requerem que o enfermeiro seja detentor de
competncias especficas para esta rea de atuao e que esteja apto a prestar
cuidados numa perspetiva centrada no binmio criana/famlia.
A criana um ser com necessidades cuja satisfao est dependente de
outros desde o nascimento, sendo a famlia o conjunto de indivduos com maior
responsabilidade de lhe prestar cuidados e que maior influncia exerce nas
diferentes etapas do seu desenvolvimento (que incluem as transies normativas e
acidentais). Mais concretamente, so os pais os maiores responsveis pela
prestao de cuidados. medida que desenvolve novas capacidades e adquire
outras aptides, a criana vai-se tornando capaz de gradualmente satisfazer as
suas necessidades, ficando cada vez mais autnoma em relao aos prestadores de
cuidados, at finalmente atingir a independncia total (O.E., 2011).
A prtica, segundo o modelo de parceria de cuidados, assenta em dois
grandes pressupostos fundamentais: todas as crianas pertencem a uma famlia
que est inserida num determinado contexto sociocultural, o que lhes confere
experincias particulares e nicas; os cuidados s crianas saudveis ou doentes
so eficazmente prestados pela famlia, com graus variveis de assistncia
(Vilaa, 2007, p.51).
Embora temida em qualquer idade, a doena encarada na criana de uma
forma mais dramtica, pelo potencial de vida naturalmente esperado, que pode
ficar comprometido, sendo uma frequente causa de desestruturao familiar. A
criana considerada como o ser que representa o futuro, a esperana, embora
no deixe de sofrer, adoecer e morrer (Pereira et al., 2001). A doena oncolgica
na criana uma ameaa para toda a famlia, principalmente para os pais que
veem os seus projetos para o filho ameaados e so privados das alegrias e
compensaes de o ver tornar-se um adulto saudvel. A doena oncolgica do
filho uma das maiores crises que os pais tero de enfrentar no desempenho do
seu papel parental e implica mudanas significativas na vida quotidiana da
famlia, reorganizaes da vida e da estrutura familiar que passam a ser
necessrias devido ao tratamento da criana (Othero e De Carlo, 2006, p.102). A
vivncia da doena oncolgica mais disruptiva para a criana/famlia do que
outras doenas (Silva et al., 2009a). Apesar dos avanos notveis, principalmente
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em relao a tcnicas teraputicas mais eficazes e ao diagnstico precoce
viabilizado por tcnicas e meios especficos, nos pases industrializados o cancro
infantil continua a ser a principal causa de morte no acidental nas crianas aps
o primeiro ano de vida, nos adolescentes e jovens adultos (Dias e Barbosa, 2013).
uma doena rara () e existe uma maior variedade de tumores do que na
populao adulta (Stiller e Draper, 2005, p.1).
A perspetiva do cuidar, em pediatria e em especial na pediatria oncolgica,
abrange a criana/famlia de forma holstica. Os enfermeiros devem cuidar dos
aspetos biopsicossociais, culturais e religiosos, uma vez que o processo do cancro
infantil costuma ser longo e doloroso e faz com que a criana se afaste da escola,
dos amigos, at mesmo de familiares principalmente dos irmos, do seu
quotidiano - e seja inserida num mundo at ento desconhecido. Entra no universo
das punes, dos tratamentos, dos exames, das sesses de quimioterapia, das
diversas restries, dos sucessivos internamentos e consultas rotineiras. Neste
ambiente as crianas tm inseguranas, mas continuam a ser crianas e
necessitam de um cuidado mais humano, que no vise apenas o tumor, os
processos fisiolgicos, ou o processo de tratamento curativo. Assim, para que os
enfermeiros possam cuidar da criana/famlia de forma contextualizada e
individualizada, devem integrar processos e estratgias de ensino e aprendizagem
que visem a aquisio de competncias que favoream o seu desenvolvimento
cognitivo, pessoal e social (Fonseca, 2006).
A doena oncolgica infantil um processo complexo, que exige uma
reflexo por parte de todos os que nele so envolvidos, incluindo a famlia, o
enfermeiro e a restante a equipa de sade, com quem a criana/famlia convivem
e partilham esta transio com maior proximidade. Desde o aparecimento dos
sinais e sintomas at ao diagnstico e ao incio do tratamento, a criana/famlia
passam por momentos de muita angstia e dor. Tudo o que inerente doena
oncolgica estranho, principalmente pela srie de experincias desconhecidas e
assustadoras de que vo ser alvo: compreenso e experincia da dor e de
procedimentos teraputicos dolorosos, evoluo da doena, etc. O processo de
diagnstico complicado, o tratamento rigoroso (ou mesmo uma ameaa vida)
e a possibilidade de recada est sempre presente. At se saber ao certo a
patologia de que a criana padece, no h uma trajetria nem uma meta, tudo
est em suspenso. Mas a partir do momento em que o diagnstico de doena
oncolgica confirmado a maior preocupao dos pais o medo da morte e a
incerteza inerente () (Silva et al., 2002, p.44), o que os faz viver e encarar o
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futuro como incerto. A vida normal acaba e pode no voltar ao que era
anteriormente. O risco de vida est sempre presente, no s pelo processo de
doena como pelas intercorrncias ao longo do tratamento.
O medo causado por esta doena, sobre a qual h ainda muito por
esclarecer, e a conotao social negativa que lhe atribuem de doena fatal,
implicam uma srie de perdas: de sade, de objetivos de vida, de planos para o
futuro, com consequentes mudanas no estilo de vida, de comportamento; o que
leva muitas vezes rotura do equilbrio familiar. Todos tm a difcil tarefa de se
ajustarem a situaes dominadas pelo stresse da incerteza e desorientao de
longa durao (Last e Grootenhuis, 2005). A criana saudvel e com um projeto de
vida passa a ser uma criana a que aos desafios do desenvolvimento correntes,
acrescem os condicionalismos provenientes da sua nova circunstncia (Silva,
2009, p.24). A doena, dependendo da gravidade com que se apresenta, pode
adquirir a centralidade na vida da criana e dos adultos que com ela se
relacionam, e os pais podem ter dificuldade em entender que, apesar da doena,
o filho continua a ter as necessidades normais de qualquer outra criana (Silva,
2009). Dificilmente existe outra patologia que provoque tantos sentimentos
negativos: o choque do diagnstico, o medo da cirurgia, a incerteza do
prognstico e recorrncia, os efeitos da quimioterapia e radioterapia, o medo da
dor e de encarar uma morte indigna (Silva et al., 2009a).
A doena oncolgica peditrica tem um ciclo de vida mais ou menos
previsvel, ao longo do qual a criana/famlia vo ter de encarar diversos
problemas, mobilizar recursos e desenvolver respostas adaptativas. Mullan (1985)
cit. por Silva (2009) elaborou um modelo explicativo das diferentes etapas que
marcam a vida de um indivduo com doena oncolgica. A primeira, denominada
de fase aguda, inicia-se com o diagnstico estendendo-se at ao fim dos
tratamentos, podendo ter uma durao varivel de alguns meses a anos,
dependendo do tipo de doena e dos seus efeitos na criana. Comea com o
anncio dos primeiros sinais a sugerir que algo de diferente se passa com a
criana, e com os pais a procurar ajuda profissional para saber o que estar a
acontecer ao seu filho. O diagnstico do cancro nem sempre fcil, devido
excecionalidade da doena oncolgica na infncia. Pode ser um processo
demorado, exigindo a realizao de diversos exames e a passagem por diferentes
servios de sade. Durante este trajeto, e dependendo da gravidade e estadio da
doena, a condio fsica da criana pode deteriorar-se e pode haver um
agravamento das manifestaes clnicas. A obteno do diagnstico pode ser um
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alvio para os pais, porque o problema est identificado e possvel avanar com
o tratamento. A rapidez no diagnstico fundamental, no s para o prognstico
e incio do tratamento adequado, como tambm para o fortalecimento de
sentimentos positivos. Experincias como a hospitalizao, internamentos
repetidos para a realizao de tratamentos de quimioterapia ou devido a
intercorrncias, procedimentos dolorosos, procedimentos cirrgicos diversos
fazem parte desta fase. Alguns efeitos secundrios podem fazer-se sentir com o
incio do tratamento. A criana pode manifestar sentimentos de ansiedade,
tr
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