não aprisionar as crianças em férias. É preciso libertá ... · para os filhos quer para os...
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"Não se podeaprisionar as crianças
em férias. É precisolibertá-las para quepossam viver tudo"
"Veem-se famílias em férias queparecem uma batalha campal"
"E preciso deixar os miúdosfazerem coisas malucas"
Com as férias grandes à porta,Carlos Neto, especialista em
desenvolvimento infantil,dá a receita para todos - pais e
filhos - aproveitarem aomáximo este período
Zoom // Entrevista
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Carlos Neto. "As fériasdevem ser um tempopara os pais gostaremmais de ser pais"
Começaram as fériasgrandes para quem não temexames. Para o especialista
em desenvolvimento infantil,são uma oportunidade parafazer reset a uma cultura de
superproteção. E para ospais abrandarem
MARTA F. REIS (Texto)marta. reis@ionline.ptBRUNO GONÇALVES (Fotografia)
bruno.goncalves@ionline.pt
"Não podemos aprisionar as crianças e
os adolescentes em casa em tempo de
férias". 0 conselho é de Carlos Neto, pro-fessor na Faculdade de MotricidadeHumana que há mais de 30 anos se dedi-
ca à área da educação física e motora e
ao papel do jogo no desenvolvimento das
crianças. Com mais um período de férias
grandes à porta, o investigador acredita
que tentar cultivar um pouco mais de
autonomia e liberdade na relação com
os mais novos será benéfico para eles
mas também para os pais. O objetivo é
que as férias sejam um momento de pra-zer e descoberta e não uma "batalha cam-
pal", a realidade de muitas famílias, lamen-
ta. As dicas são práticas: mais contactocom a natureza e deixá-los experimen-tar e até fazer coisas um pouco mais arris-
cadas do que o costume, seja trepar às
árvores, andar de skate, correr na praiacom um papagaio... ou porque não acam-
par todos juntos este ano? A saúde físi-
ca e mental de todos agradece.
É há muito tempo uma pessoa preocu-pada com o espaço que as crianças não
têm para brincar ao longo do ano e o
impacto que isso tem no seu desenvol-
vimento motor e psicológico. Este tem-
po das férias grandes pode ser usado
pelos pais para as estimular?De facto os pais deveriam encontrar solu-
ções para reinventar o tempo de férias
para os filhos. Não pode continuar a acon-
tecer as férias serem um tormento querpara os filhos quer para os pais, que é o
que muitas vezes acontece. Muitas vezes
os pais até têm quase medo que chegueeste tempo - durante o ano as crianças
passam muito tempo nas escolas, os pais
no trabalho e passam muito pouco tem-
po juntos e depois, quando chegam as
férias, é um verdadeiro drama. Há solu-
ções como pôr as crianças em colónias
de férias que de certa forma os libertade estarem com os filhos, mas fazer só
isso por sistema não é bom.
E nem todas as famílias têm posses paraisso.
Claro que isto dependerá sempre do nível
sociocultural e há muitos tipos de famí-lias e de crianças, por isso as oportuni-dades serão sempre diferentes. O pontode partida é que as crianças que agoraterminam o ano escolar têm a expecta-tiva que o tempo de férias seja agradá-
vel, prazeroso e que seja diferente do ano
escolar. Sobretudo que consigam final-mente ter um tempo sem regras muito
rígidas e usufruir da possibilidade defazer coisas novas.Tem a percecão de que hoje os miúdos
chegam ao fim do ano letivo mais seden-
tos de férias?Não tenho dúvidas disso. Há 30 ou 40anos, e falo até da minha geração, temos
boas memórias das férias mas o perío-do escolar não tinha nada a ver: havialiberdade, andávamos na rua. Isto hojenão acontece, o que faz com que as crian-
ças tenham uma expectativa maior de
que o período de férias seja diferente,desafiante, misterioso. Mas também que
traga um contacto mais afetivo e emo-cional com os pais, que haja uma vincu-
lação afetiva emocional maior. E por isso
era bom que os pais pudessem partirpara férias com essa consciência e ten-tar corresponder a essas expectativas.
Pais cada vez mais absorvidos pelo tra-balho.Esse é o grande problema, a falta de har-
monização entre o tempo passado notrabalho e em família. As férias devemser uma oportunidade para tentar darum pouco mais de qualidade a esta rela-
ção.Mas há um desfasamento prático: as
férias escolares duram dois meses e meio
e o período normal de férias por ano de
um trabalhador são 22 dias úteis.
Claro, pressupõe uma organização dife-
rente das famílias e certamente que have-
rá muitas coisas em jogo até de nature-
za política mas, antes de irmos aí, pen-so que importa perceber também que é
preciso respeitar a necessidade que as
crianças têm de ter um tempo de inter-valo da rotina para brincarem mais livre-
mente. Diria que deve haver quatro ou
cinco preocupações dos pais em tempode férias: proporcionar situações de liber-
dade que sejam uma alternativa ao tem-
po organizado. O segundo conselho quedaria aos pais é tentarem proporcionartempos mais ativos, de relação com a
natureza, e por outro lado que não seja
algo muito previsível e estruturado. Os
pais tentarem levar as crianças a sítios
novos, conhecer o interior do país. Por
exemplo acampar o contacto com a natu-
reza é essencial.
O campismo no passado era um clássi-
co do verão de muitas famílias.Sim, se calhar hoje nem tanto mas é umaforma de as crianças estarem fora do seu
contexto habitual e da identidade do espa-
ço onde vivem e basta isso para se liber-tarem. Também diria que há necessida-de de haver atividades desafiantes e isto
tanto pode ser ir a um parque aquático,uma ida à serra. Ser mais desafiante signi-fica permitir às crianças correrem mais
riscos.
Fala-se por vezes dos
"pais-hellcóptero", quetentam controlar e gerirtodas as experiênciaspara que as criançasnão tenham de enfren-tar obstáculos. Um estu-
do publicado há diasconcluía que este esti-lo de parcntalidadc aca-bava por ter um impac-to negativo no rendi-mento escolar e nas
relações sociais. É con-trariar essa tendência?
Sim e isso de certa for-
ma implica que os pais
consigam reconhecer que os filhos podemter mais autonomia do que aquela queeles pensam que têm.Os pais tendem a menosprezar as capa-cidades dos filhos?Penso que tendem a ter uma perceçãodiferente e o desafio está em percebercomo é que as férias podem ajudar a des-
construir os medos que os pais têm em
relação aos filhos. Estou a falar sobretu-
do nas idades mais baixas, dos 3 aos 5 e
dos 5 aos oito.
Que medos são mais comuns?
Coisas tão simples como deixá-los nadar,
subir às árvores, trepar.Há pais com medo que os filhos subamàs árvores?É uma força de expressão mas é umbom exemplo daquilo que é necessário
para as crianças melhorarem a sua litera-cia motora e as férias devem ser uma
oportunidade para que isso aconteça,promovendo jogos e brincadeiras ati-vas. Isto pode acontecer dentro de casa
mas devem poder ter uma atividade físi-
ca mais intensa e ao ar livre e com a
participação dos próprios pais, porqueisso é importante. Neste sentido, os filhos
deviam ajudar os pais a libertarem-sedo peso que foi o ano de trabalho. A
sociedade portuguesa anda a viver mui-to à pressa, há uma excitação no quoti-diano que está a criar gravíssimos pro-blemas de saúde mental e física nosadultos e nas crianças.A neurologista Teresa Paiva, especialis-ta em problemas de sono, já tem alerta-do, por exemplo, puraa tendência de terdebates e programas televisivos muitoacesos noite dentro, como se o dia nãoacabasse. É um sintoma dessa excitação?Sim, é um bombardeamento completoe, no geral, temos uma organização do
tempo cada vez mais stressante. E, por-tanto, o tempo de férias é uma oportu-nidade para proporcionar novas ativida-
des aos mais novos mas também deve
ser uma oportunidade para as pessoas
aprenderem a viver mais devagar, a apro-veitar o silêncio do corpo, fazerem mais
reflexão e contemplação do que é a famí-lia. Este conceito de aprender a vivermais devagar é dar mais tempo para a
interiorização de cada um e de consciên-
cia do que é a vinculação afetiva entrefilhos e pais.É investigador no campo do desenvolvi-
mento infantil, sobretudo motor. Recen-
temente os resultados nacionais das pro-vas de aferição revelaram que as crian-
ças de sete anos têm dificuldades emsaltar à corda e dar cambalhotas. Quão
preocupantes são estes indicadores?São preocupantes mas não podemos dra-matizar. Quer o saltar à corda quer acambalhota [provas em que muitos alu-
nos falharam) são duas habilidades moto-
ras complexas que só atingem o seu nívelmaduro por volta dos oito/nove anos.Creio que não devemos ter uma visãosensacionalista sobre os resultados por-
que uma criança de sete anos não teráainda as condições para ter um êxitoabsoluto nestas atividades, sobretudo
quando se pede algo muito estandardi-zado como acontece nessas provas. Dis-
to isto, os indicadores de fundo dados
pelas provas de aferição é que podemser considerados mais preocupantes:temos um sedentarismo implantado nas
nossas crianças, principalmente nas pri-meiras idades. Digo-o há mais de 20 anos:
continua na página seguinte »
"Muitas vezes os pais têmmedo que este tempo chegue"
"I loje os miúdos estão maissedentos de férias. Esperam que sejaum período diferente, misterioso' 1
"A sociedade portuguesa anda aviver muito à pressa, há uma excitaçãono quotidiano que está a criar gravesproblemas de saúde mental e física"
temos tido um progressivo declínio do
jogo e da atividade física.Em Portuga] em particular?É um problema dos países mais desen-volvidos. E, ao mesmo tempo, o que vimosnas últimas décadas foi um aumento das
desordens do foro mental: ansiedade,depressão, hiperarividade, défice de aten-
ção e até da taxa de suicídio na passa-gem da adolescência para a idade adul-ta. Estas transições de ciclo de vida são
sempre difíceis, mas a cultura do tudodado e tudo pronto na hora para as crian-
ças não favorece a sua capacidade de
adaptação motora, cognitiva, social eemocional.Acaba por ser um ciclo vicioso.Sim. Temos uma superproteção patoló-gica que não cria condições para que as
crianças possam ter uma capacidadecriativa e de adaptação, que leva os paisa protegerem-nas mais. E isso é o gran-de problema da sociedade atual em rela-
ção às culturas de infância. Só há umasolução: no período escolar e sobretudonos períodos de férias, proporcionarem-lhes atividades para que essas compe-tências motoras, sociais e emocionaispossam ser valorizadas. É dar mais tem-po de informalidade e imprevisibilidadee deixar que as crianças possam encon-trar o seu caminho. Deixe-me usar este
termo: é deixar as crianças fazerem coi-
sas 'malucas', deixar os miúdos ter o ska-
te, os patins, a bola, o papagaio, e deixá-los enriquecer o seu vocabulário motore social à vontade.Em Portugal há uma percentagem ele-vada de criança em risco de pobreza eexclusão social, mais de um quarto. Estãoparticularmente vulneráveis?Sim, mas às vezes as crianças que vivemem meios empobrecidos têm mais opor-tunidades de brincar de forma livre do
que as que vivem em meios socioeconó-micas mais elevados mas estão sujeitos auma superproteção inaceitável. E aosmedos dos pais. Temos de desconstruiros medos dos pais, é algo absolutamente
urgente na sociedade portuguesa, as famí-lias andam cheias de medos e isso leva a
que as crianças não tenham autonomia,mobilidade e, por fim, participação.Como é que os pais devem gerir as tec-nologias nesta altura do ano? Mais liber-dade também pode significar mais tem-po para usar tablets e afins...Penso que deve haver um decréscimodurante o tempo de férias de tudo o quesejam equipamentos digitais, telemóveis,
tablets, televisão. Nao diria impor: se
dizemos que é um tempo de liberdade,não podemos impor, mas podemos nego-ciar. Vamos negociar com os filhos redu-zir o tempo dedicado a estes aparelhos,passar de ter o tempo todo ativo na pon-ta dos dedos para o tempo ativo nos pés.Mas há algum limite adequado?Diria que até aos cinco, seis anos nãodevem usar mas a partir dos sete já todos
os miúdos têm telemóvel. A questão doslimites tem sobretudo a ver com o exem-plo dos pais.Se passarem os tempos livres agarradosaos telemóveis, os miúdos vão copiar.Sim. É toda a gente perceber que as fériassaudáveis incluem menos tempo só agar-rado aos equipamentos digitais. Não querdizer que não se usem: um GPS pode aju-dar a criar um desafio na natureza.Há professores que partilham que, porvezes, há pais que não querem que a esco-Ia feche num feriado ou numa ponte,insistem em ter onde deixar as criançasmesmo que até estejam de folga.Sim, querem ter os filhos ocupados.Imagina que, continuando assim, vamoschegar a uma altura em que se tornaráincontornável reduzir a duração dasférias grandes?Penso que tudo vai depender da evolu-ção da lei laborai. Hoje existe uma assi-metria muito grande entre os países donorte da Europa e os do sul em relaçãoã organização do tempo de trabalho e jáseria tempo de Portugal alinhar pelaspolíticas públicas que dão valor à quali-dade de tempo familiar, sobretudo àsfamílias que têm filhos. Não iria por mais
tempo de férias, o que é preciso mudaré o tempo que os pais têm disponívelpara os filhos e isso passa sobretudo poruma flexibilização dos horários de tra-
"Temos tido um declínioda atividade física e
aumento da depressão eaté suicídio na transição
da adolescência paraa idade adulta"
"A cultura do 'tudodado' e 'tudo pronto na
hora' não favorece acapacidade de adaptaçãomotora, social e emocional"
balho, poder sair-se às 16h, 16h30. Nospaíses do norte da Europa os pais saemdo trabalho para ir buscar os miúdos àescola com toda a naturalidade. Aquiagora até se está a pensar na escola a
tempo inteiro para o2. p ciclo, o que paramim é um escândalo. Ter crianças dos10 aos 12 anos na escola todo o dia nãofaz sentido.O que diz é que mesmo estando a traba-lhar, se os pais saíssem mais cedo podiamdar outro acompanhamento aos filhosno período de férias.Sim, mesmo que pudesse haver mais oumenos dias de férias, seriam um fardomenor. Tenho a sensação de que hoje emdia as crianças chegam ao fim de fériascom uma certa frustração: não fizeram o
que estava nas suas expectativas. E erabom que quando chegassem ao novo perío-do escolar em setembro pudessem ir coma sensação de que viveram um período deférias de forma tão intensa que então vale
a pena voltar à escola para aprender. Isso
não acontece na maior parte dos casos. Asférias devem ser uma oportunidade paraos pais conhecerem melhor os seus filhos,
aprender a controlar o medo, incentivan-do as brincadeiras mais arriscadas forade casa, percursos de autonomia fora de
casa, não têm de os acompanhar sempre,mas estar presentes. Não estou a dizer coi-
sas extraordinárias, às vezes é simples-mente passear. Há crianças que nunca saí-
ram de casa à noite com os pais para daruma volta, descobrir a cidade, a aldeia, avila. Deve ser um tempo também para os
pais gostarem mais de serem pais.Essas experiências de brincadeira e auto-nomia vão rcflctir-st mais tarde no desem-
penho escolar?E não só. Hoje não há dúvidas sobre isto:
quase todos os indivíduos que tiveramsucesso, foram felizes e empreendedo-res, tiveram infâncias felizes.Há aquela ideia de que, por vezes, depoisdas férias até há mais separações: as pes-soas não estão habituadas a tanto tem-po juntos.Não tenho dúvidas: há pais e criançasque vêm das férias completamente exaus-tos e temos de conseguir inverter isto.Mas isso tem a ver com os pais não esta-rem habituados por um lado mas tam-bém não conseguirem perceber que asférias podem ser tempo de liberdade, de
autonomia, de descoberta.E os primeiros excessos? Nas festas daaldeia, por exemplo, começa-se a bebermuito cedo, aos 13, 14 anosÉ uma outra realidade, mas hoje muitasdessas diferenças que existiam entre a
infância no meio rural e no meio urba-no estão esbatidas. Hoje os jovens fazemexatamente a mesma coisa e até há estu-dos que indicam que as crianças de meiosrurais têm maior exposição à televisãodo que nos meios urbanos.Os namoros de verão são outro clássico.É outro campo em que os pais não devemcoartar demasiado a liberdade dos jovens?Deve haver com certeza responsabilida-de e regras, mas deve haver oportunida-de para isso. Costuma-se dizer que a ado-lescência é a idade esquecida. Hoje temospolíticas para a infância, até para os ido-sos mas não há nada para os adolescen-tes, que é uma fase central no desenvol-vimento. Os adolescentes precisam de
experimentar desafios que não são só físi-
cos mas também de natureza emocional.Ninguém esquece os seus amores de verãoe os pais também não os devem esque-cer e é natural dar mais liberdade aosadolescentes nas ferias. Deve haver algumcontrolo mas nada de muito sofrido ou
patológico: não se pode aprisionar as
crianças e os adolescentes em férias, é
preciso libertá-los para que possam vivertudo, inclusive o seu corpo.
Carlos Neto defende que osresultados das provas de aferição,
que mostraram que 46% dascrianças portuguesas de sete anos
não conseguem saltar seis vezesseguidas à corda, não devem ser
dramatizados, mas alertam para osedentarismo. Vê com maus olhosalargar a "escola a tempo inteiro",
com os alunos a ficar na escolatodo o dia, para o 2.° ciclo. A medidafoi lançada em 2006 do I .° ao 4° ano,
com a oferta de Atividades deEnriquecimento Curricular
Os mais cautelosos argumentarão queo mundo mudou nas últimas décadas,
que está mais perigoso.Sim, mas por vezes há uma perceçãoerrada dessa mudança. Portugal é umdos países mais seguros do mundo. Bas-
ta ver o turismo que temos, a forma comoo país é amado por quem chega cá. Mui-tas vezes há uma perceção errónea na
"Temos umasuperproteção
patológica. Ê precisodeixar as crianças fazer
coisas malucas"
"É tempo de Portugalalinhar pelas políticas
públicas que dão valor àqualidade do tempo
familiar. Sair às 16h/16h30"
cultura portuguesa e nas famílias no
geral de que somos um país com proble-mas de segurança quando, pelo contra-rio, somos um dos países mais seguros.Não há mais perversidade?São os tais medos que se instalaram na
cabeça dos pais e, seja como for, as crian-
ças e os jovens têm de saber como rea-gir às situações.Que conselhos práticos se pode dar àsfamílias que agora começam a estrutu-rar as férias? Faz sentido planear assemanas para incluir diferentes ativi-dades, fazer um programa do verão emfamília?Acho que pode ser interessante, mas comuma condição: com a participação dos
filhos. Deixar que os filhos sugiram asatividades que querem fazer, dar-lhesouvidos. É uma excelente ideia. Era o
que se devia fazer mais nas escolas e não
se faz, porque os professores impõemquase tudo. Temos de passar de uma cul-
tura de imposição para uma cultura de
participação. Mas, essencialmente, é ten-tar fazer tudo para inverter os indicado-res que mais nos preocupam: cada vezhá mais obesidade, mais diabetes. Temos
de dedicar mais tempo ao exercício físi-
co, comer melhor, guardar tempo parao descanso.
Guarda boas memórias das suas férias
grandes?Sim, ainda hoje. Acabávamos a escola e
havia um período em que os pais aindaestavam a trabalhar, por isso passáva-mos a maior parte tempo na rua.Em Lisboa?Cresci em Leiria, uma cidade maravi-lhosa, com castelo, rio, tudo o que pre-cisávamos. Mal acabava a escola erauma libertação enorme. Depois vinhaa altura de ir para a praia, conhecernovos amigos. Andávamos 15 dias a ummês na praia, com dias muito intensos.Nadávamos, jogávamos a bola. Jogarà bola na praia ou mesmo andar é umdesafio fabuloso em termos de educa-
ção motora, é um desafio em termosde equilíbrio e adaptação e isto para as
crianças pequenas é um estímulo mui-to bom. Isto além do iodo e do própriocontacto com a água do mar, que é revi-
gorante e ao mesmo tempo uma for-ma de acalmar. Precisamos urgente-mente de estratégias para que os cor-
pos acalmem. Mas as minhas memóriassão isto: a liberdade que tínhamos, aautonomia e ategria. A melhor recor-dação que lenho era não gostar quechegasse a noite porque sabíamos queíamos ter de ir dormir. E ter de ir dor-mir era improdutivo.Mas adormecia num instante, não?
[Risos] Verdade, quanto mais cansadosmelhor é para adormecer. Mas a sensa-
ção de que ir dormir é uma chatice, umaperda de tempo, significa que tivemosum dia feliz. E é uma sensação que acho
que hoje as crianças não têm. Às vezesveem-se famílias em férias que mais
parece uma batalha campal. Torna-secansativo porque já ninguém está adap-tado a ninguém e ao mesmo tempo hácada vez mais uma cultura egocêntricaque faz com que os pais já não tenhamo hábito de estar com os filhos a tempopleno. Costuma-se dizer que cada umde nós tem uma criança dentro de si.
Não iria tão longe, mas certamente cadaum de nós tem memórias da sua infân-cia. Era preciso retomá-las para desco-brir a forma como devemos passar asférias com os filhos.
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