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Nota Técnica: Considerações sobre o diagnóstico laboratorial da Covid-19 no
Brasil
Autores:
Ana Luiza Pavão
Letícia Janotti
Maria de Lourdes Moura
Carla Gouvêa
Victor Grabois
Essa nota técnica, elaborada por profissionais do Centro Colaborador para a Qualidade
do Cuidado e Segurança do Paciente (Proqualis), do Instituto de Comunicação e
Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz), visa fornecer um
panorama dos aspectos considerados relevantes sobre o diagnóstico laboratorial da
Covid-19 no país.
2
Quadro-resumo
• O teste molecular por RT-PCR permanece sendo o teste laboratorial de escolha para
o diagnóstico de pacientes sintomáticos na fase aguda (entre o 3º e 7º dia da doença,
preferencialmente). É recomendado em pacientes hospitalizados com sinais de
gravidade, profissionais de saúde com síndrome gripal e candidatos à doação de
órgãos e tecidos, com coleta através da utilização de dois swabs, sendo um para a
nasofaringe e outro para a orofaringe.
• No caso de pacientes com alta probabilidade de infecção por SARS-CoV-2 e que
tiveram resultado negativo, particularmente quando foram analisadas apenas
amostras do trato respiratório superior, indica-se, se possível, coletar amostras de
vias respiratórias inferiores e realizar novo teste.
• Os coronavírus são agentes infecciosos classificados como nível de biossegurança 2
e o seu diagnóstico exige instalações laboratoriais específicas com níveis restritos de
biossegurança. A equipe deve ser treinada e estar atenta à técnica de coleta da
amostra, com a utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados
- gorro, óculos de proteção, face shield, máscara PFF2/N95 com realização de teste
de vedação, avental impermeável e luvas - e material e acondicionamento apropriados
para transporte até a área técnica.
• O teste imunológico (ou sorológico) pode ser realizado por meio de duas técnicas
diferentes: ELISA e ensaios imunocromatográficos. Vale ressaltar que a sensibilidade
e a especificidade dos testes sorológicos variam entre os fabricantes. Uma baixa
sensibilidade do teste diagnóstico pode conduzir a uma maior probabilidade de se
obter resultados falso-negativos. Devido à grande variabilidade de qualidade e
desempenho, é recomendada a validação desses dispositivos antes da utilização.
• Estudos iniciais sugerem que a maioria dos pacientes com Covid-19 começa a
produzir anticorpos entre 7 e 11 dias após a exposição ao vírus, embora alguns
possam desenvolver anticorpos mais cedo. Isso significa que, diferentemente dos
testes moleculares, os testes sorológicos não são adequados para identificar quem
deve ser isolado para evitar a propagação da doença.
• É importante ressaltar que os testes para diagnóstico de indivíduos sintomáticos em
contextos epidêmicos devem apresentar sensibilidade e a especificidade altas (>
99%), pois um resultado falso negativo, particularmente em indivíduos idosos ou
imunocomprometidos, pode resultar em uma alta taxa de morbimortalidade, além de
aumentar a transmissão e o risco para os profissionais de saúde.
• Os testes diagnósticos são fundamentais para orientar o desfecho dos casos
confirmados e, no caso hospitalar, possuem papel importante no gerenciamento de
leitos, especialmente quanto à alta do isolamento de pacientes internados.
3
Contextualização
É de conhecimento de todos a importância do diagnóstico precoce da infecção
pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), a Covid-19, na interrupção da cadeia de
transmissão do vírus, primeiro passo para a qualidade do cuidado prestado na
assistência.
Informações sobre a história natural e medidas para o manejo clínico da Covid-
19 ainda estão sendo estabelecidas. No entanto, sabe-se que o vírus tem alta
transmissibilidade e pode provocar uma síndrome respiratória aguda. O espectro clínico
varia de infecções assintomáticas a quadros graves da doença com insuficiência
respiratória (entre 5% e 10% dos casos), os quais requerem tratamento especializado
em unidades de terapia intensiva1.
Apesar da redução da taxa de transmissão da doença (Rt) no Brasil, de 2,8, em
maio, para 1,11, em julho, segundo fonte do Imperial College2, este resultado ainda
indica uma transmissão fora do controle no país. Na Alemanha, por exemplo, a taxa de
transmissibilidade é de 0,66, sendo considerado um país com bom controle da doença.
Apenas taxas de transmissão menores que 1 indicam controle da doença. Esses dados
justificam a necessidade do diagnóstico precoce associado a outras medidas de
prevenção de disseminação do vírus, sobretudo na fase da flexibilização das medidas
de isolamento social.
O desafio em torno do diagnóstico laboratorial vai desde a disponibilização dos
diferentes tipos de testes, meios de coleta e análise laboratorial, até a interpretação e a
condução clínica final quanto à manutenção ou não do isolamento, sobretudo no
4
ambiente hospitalar, fundamental no gerenciamento de leitos de isolamento e
necessidade de regulação destes.
Diagnóstico laboratorial da Covid-19
A realização do diagnóstico é complexa e envolve a necessidade de
compreensão quanto aos tipos de testes e suas peculiaridades. Há dois testes
diagnósticos disponíveis no momento: o molecular e o imunológico (também chamado
sorológico). Cada um possui as suas características específicas, com indicações
diferenciadas, dependendo do estadiamento da doença e da complexidade clínica do
paciente.
Teste molecular (RT-PCR)
A detecção da Covid-19 por teste molecular, através da Reação em Cadeia da
Polimerase com Transcrição Reversa com amplificação em tempo real (RT-PCR em
tempo real ou RT-qPCR), baseia-se na detecção de ácido nucleico do SARS-CoV-2
(RNA) e permanece sendo o padrão-ouro para o diagnóstico, segundo a recomendação
da Organização Mundial da Saúde.
O teste molecular é uma técnica de laboratório com base no princípio da reação
em cadeia da polimerase (PCR) para multiplicar ácidos nucleicos, onde o material
genético inicial na reação de PCR é RNA, que é transcrito no reverso em seu
complemento de DNA por enzima transcriptase reversa. Segundo a Sociedade
Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial, a detecção do vírus por RT-PCR
em tempo real permanece sendo o teste laboratorial de escolha para o diagnóstico de
5
pacientes sintomáticos na fase aguda (entre o 3º e 7º dia da doença,
preferencialmente)3.
Esta técnica é geralmente muito sensível (ou seja, capaz de detectar casos
verdadeiros positivos) e específica (ou seja, capaz de evitar resultados falso-negativos).
Se um RT-PCR for positivo, o resultado provavelmente estará correto (o falso positivo
pode ocorrer no caso da amostra não positiva ser contaminada por material viral,
durante o processamento do teste, por exemplo). Resultados falso-negativos também
são possíveis com a RT-PCR, mas estas situações são mais frequentes nos casos de
resultados de amostra incorreta do paciente como, por exemplo, esfregaços
insuficientes na nasofaringe dos pacientes4.
O teste molecular é recomendado pelo Ministério da Saúde em pacientes
hospitalizados com sinais de gravidade, profissionais de saúde com síndrome gripal e
candidatos à doação de órgãos e tecidos, com coleta através da utilização de dois
swabs, sendo um para a nasofaringe (um swab para as duas narinas) e um swab para
a orofaringe5,6.
O conhecimento do estadiamento da doença é de extrema importância na
definição do exame diagnóstico solicitado. Considerando o diagnóstico molecular, a
infecção pelo novo coronavírus pode ser dividida em três estágios, a saber: o estágio I,
que é o período de incubação assintomática com ou sem vírus detectável; o estágio II,
que é o período sintomático não grave com presença de vírus; e o estágio III, que é o
estágio sintomático respiratório grave com alta carga viral (Figura 1)7.
6
Figura 1. Carga viral estimada pelo método diagnóstico RT-PCR e o estadiamento da
Covid-19.
Fonte: Lippi, G e colaboradores, 20207.
Os coronavírus são agentes infecciosos classificados como nível de
biossegurança 2 (NB2) e o seu diagnóstico exige instalações laboratoriais específicas
com níveis restritos de biossegurança e profissionais de saúde com treinamentos
específicos para a realização desses exames. A equipe deve ser treinada e estar atenta
à técnica de coleta da amostra, com utilização de Equipamento de Proteção Individual
– EPI - adequado (gorro, óculos de proteção, face shield, máscara PFF2/N95 com
realização de teste de vedação, avental impermeável e luvas), com material adequado
e acondicionamento adequado para transporte até a área técnica1.
Importante ressaltar a interpretação do resultado negativo. Em áreas onde a
Covid-19 está amplamente disseminada, um ou mais resultados negativos de um
mesmo caso suspeito não descartam a possibilidade de infecção pelo vírus SARS-CoV-
2 e não devem ser usados como única base para tratamento ou outras decisões de
7
gerenciamento de pacientes. Recomenda-se a combinação dos resultados negativos
com observações clínicas, histórico do paciente e informações epidemiológicas.
Portanto, apesar de o método RT-PCR possuir elevada sensibilidade e
especificidade, é importante conhecer os fatores que podem levar a um resultado
negativo em um indivíduo infectado. São eles:
▪ a má qualidade da amostra, contendo pouco material do paciente;
▪ amostra coletada em uma fase muito precoce (menos de 3 dias) ou tardia
(mais de 10 dias da infecção);
▪ amostra com manuseio e envio inadequados;
▪ razões técnicas inerentes ao teste (falha na extração do material genético
ou presença de inibidores da PCR no RNA extraído, por exemplo); ou
▪ mutação do vírus.
No caso de pacientes com alta probabilidade de infecção por SARS-CoV-2 e que
tiveram resultado negativo, particularmente quando foram analisadas apenas amostras
do trato respiratório superior, indica-se, se possível, coletar amostras de vias
respiratórias inferiores e realizar novo teste8. É importante ressaltar que a suspeição de
Covid-19 em paciente com história clínica e epidemiológica deve ser mantida,
apesar de um resultado negativo de swab de nasofaringe ou orofaringe9.
Testes imunológicos
O desenvolvimento de uma resposta de anticorpos à infecção pode levar algum
tempo e pode ser dependente do hospedeiro, variando de acordo com características
8
inerentes à pessoa testada, assim como o seu estado de saúde e a possibilidade de
exposição anterior a agentes patógenos semelhantes.
No caso da SARS-CoV-2, estudos iniciais sugerem que a maioria dos pacientes
começa a produzir anticorpos entre 7 e 11 dias após a exposição ao vírus, embora
alguns pacientes possam desenvolver anticorpos mais cedo10. Isso significa que,
diferentemente dos testes moleculares, os testes sorológicos não são adequados para
identificar quem deve ser isolado para evitar a propagação da doença.
O teste imunológico pode ser realizado por meio de duas técnicas diferentes:
ELISA (enzyme-linked immunosorbent assay) e ensaios imunocromatográficos. Ambas
as técnicas requerem uma amostra de sangue e visam detectar anticorpos (IgG e IgM)
produzidos pelo sistema imunológico dos pacientes em resposta a uma infecção pelo
SARS-CoV-2.
Vale ressaltar que a sensibilidade e a especificidade dos testes sorológicos
variam entre os fabricantes. Uma baixa sensibilidade do teste diagnóstico pode conduzir
a uma maior probabilidade de obter resultados falso-negativos, o que poderia implicar o
não diagnóstico dos indivíduos infectados.
Os laboratórios devem seguir as recomendações de Boas Práticas em
Laboratório Clínico (BPLC) na realização dos testes sorológicos, tais como o uso diário
de Controles Internos de Qualidade (CIQ) e a calibração dos seus sistemas analíticos,
conforme a recomendação dos fabricantes. Atualmente, muitas empresas têm
desenvolvido testes sorológicos para diagnosticar a Covid-19 e estão apresentando os
seus produtos ao mercado. A reação cruzada com outros coronavírus pode ser um
desafio a ser superado, pois os testes sorológicos comerciais e não comerciais ainda
estão em desenvolvimento1.
9
Além dos testes imunológicos convencionais, estão disponíveis os testes
rápidos, também denominados “testes laboratoriais remotos”, por metodologia
imunocromatográfica. Devido à sua baixa sensibilidade diagnóstica e a grande
variabilidade de qualidade e desempenho verificadas, é recomendada a validação
desses dispositivos antes da utilização, já que não representam um “autoteste” como os
usualmente utilizados para diagnóstico da gravidez. A sensibilidade desses testes pode
ser aumentada se utilizada coleta de sangue venoso e extração laboratorial de soro, ao
invés de sangue capilar.
Os testes rápidos são testes relativamente simples de executar. Diferentemente
de outros testes moleculares, eles podem ser implantados no local da triagem, mas
também fora de hospitais e outros estabelecimentos de saúde. Além disso, eles não
exigem treinamento especializado e podem ser realizados em amostras que não
precisam ser processadas. Por definição, eles fornecem resultados de testes em um
curto período de tempo (de alguns minutos a horas), permitindo um gerenciamento
rápido do paciente. Atualmente, o uso dos testes rápidos disponíveis para fins clínicos
é questionável e não deve substituir outros testes moleculares mais confiáveis, como os
ensaios baseados no RT-PCR11.
A Sociedade Brasileira de Patologia Clínica ressalta a contribuição dos testes
imunológicos nas seguintes situações12:
▪ Diagnóstico de pacientes hospitalizados com quadro tardio (após o sétimo dia
desde o início dos sintomas), como primeira opção antes da reação de PCR.
Entretanto, um resultado negativo, neste contexto, não descarta o diagnóstico,
sendo recomendada a realização de exame molecular específico (RT-PCR).
▪ Avaliação de retorno ao trabalho para profissionais de saúde, a partir do sétimo
dia de sintomas.
10
▪ Informações epidemiológicas referentes ao percentual de pessoas já expostas
na população e que já desenvolveram anticorpos.
Os testes diagnósticos e suas aplicações
A produção de anticorpos para um vírus específico durante uma infecção de fase
aguda é consistente na maioria dos pacientes, exceto naqueles com imunodeficiência.
Após a infecção humana por SARS-CoV-2, seu antígeno estimula o sistema imunológico
a produzir uma resposta, e os anticorpos correspondentes aparecem no sangue. A
Figura 2 resume as etapas para a realização dos testes diagnósticos, com a indicação
da utilização de cada tipo de teste, de acordo com a data de início dos sintomas.
Figura 2 - Etapas para a realização dos testes diagnósticos de acordo com a data de
início dos sintomas.
11
Fonte: Brasil. Ministério da Saúde. Guia de Vigilância Epidemiológica. Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pela Doença pelo Coronavírus 20193.
Após a realização dos testes diagnósticos molecular e/ou
imunológico/sorológico no momento adequado, a interpretação dos seus resultados é
fundamental na condução do paciente e deve estar aliada à condição clínica e
epidemiológica do indivíduo13. O Quadro 1 resume as interpretações possíveis a partir
de diferentes resultados para os testes molecular e sorológico no diagnóstico
laboratorial da Covid-19.
Quadro 1 – Interpretação dos testes molecular e sorológico no diagnóstico laboratorial
da Covid-19.
Fonte: Ministério da Saúde. Boletim COE COVID-19. Edição 14, de 26 de abril de 202013.
É importante ressaltar que os testes para diagnóstico de indivíduos sintomáticos
em contextos epidêmicos devem apresentar sensibilidade e a especificidade altas (>
99%), pois um resultado falso negativo, particularmente em indivíduos idosos ou
12
imunocomprometidos, pode resultar em uma alta taxa de morbimortalidade, além de
aumentar a transmissão e o risco para os profissionais de saúde.
No caso de pacientes hospitalizados, os testes diagnósticos são fundamentais
para o desfecho dos casos confirmados. As considerações quanto à alta do isolamento
em pacientes hospitalizados ganham destaque à medida que leitos de isolamento são
escassos, tornando este assunto relevante em cenário de possível colapso do sistema
de pública.
De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos
Estados Unidos, justifica-se a manutenção das medidas de isolamento e precaução
enquanto o paciente permanecer hospitalizado14. Na impossibilidade de se manter o
isolamento, é recomendável utilizar estratégias que incluam a realização de teste
molecular, com a utilização de testes RT-PCR em duas amostras de swab nasofaríngeo
consecutivas, coletadas com intervalo ≥24 horas (total de duas amostras negativas),
além da resolução da febre sem antitérmico e melhora dos sintomas respiratórios. Se
não houver teste disponível, considerar estratégia baseada nos sintomas, com
descontinuidade do isolamento após 72 horas da recuperação, definida como resolução
da febre sem o uso de antitérmicos e melhora dos sintomas respiratórios (por exemplo,
tosse, falta de ar) e, pelo menos 10 dias após o início dos primeiros sintomas, conforme
preconizado pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar local. A decisão clínica
e a suspeita de Covid-19 determinam a continuidade ou descontinuidade das
precauções empíricas baseadas na transmissão, devendo ser atualizada caso novas
informações acerca do diagnóstico se modifiquem no decorrer da internação. Importante
salientar que não há, até o momento, validação que possa orientar a descontinuidade
das precauções e isolamento utilizando testes sorológicos.
Nos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (LACEN), os profissionais de saúde
responsáveis pela vigilância epidemiológica devem estar atentos à notificação
13
compulsória e ao cadastro da amostra no sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial
(GAL). A Figura 3 descreve todas as etapas envolvidas no processo do diagnóstico da
Covid-19 pelo teste molecular, nas fase pré-analítica, analítica e pós analítica8.
Figura 3 – Etapas para realização do RT-PCR nos Laboratórios Centrais de Saúde
Pública (LACEN).
Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Boletim COE COVID-19. Edição 12, de 19 de abril de 20208.
Os laboratórios privados, por sua vez, devem seguir as orientações do Ministério da
Saúde, com cadastramento prévio no LACEN de seu estado, informando metodologia,
responsáveis pela execução do exame, unidade de execução, insumos utilizados e
outras informações que sejam de interesse epidemiológico nacional e/ou local. Além
disso, devem realizar a metodologia de RT-PCR para detecção de SARS-CoV-2 pelo
protocolo Charité/Berlim, envio de alíquota da primeira amostra positiva para
confirmação em um LACEN, informe diário à Rede do Centro de Informações
Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS) Estadual e ao LACEN de todos os
exames de Covid-19 realizados, inclusive casos negativos, e encaminhamento das
14
alíquotas de todas as amostras positivas para SARS-CoV-2 ao LACEN para
armazenamento e constituição do Biobanco de SARS-CoV-2, até o limite definido por
cada laboratório3.
Monitoramento dos testes diagnósticos
Desde o início dos registros de testes para comercialização, a Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA) tem se preocupado com a acurácia dos testes
diagnósticos. No portal da agência, é fornecida a lista de produtos regularizados,
atualizada diariamente. Atualmente, são mais de 100 testes diagnósticos regularizados.
O detentor do registro é responsável pelas informações prestadas e presume-se que o
controle da produção deve seguir os preceitos das boas práticas de fabricação (BPF)15.
Os registros concedidos nas condições (emergenciais) do Art. 12 da RDC
348/2020 terão validade de 1 (um) ano. Já os produtos registrados com base no Art. 11
da mesma Resolução e aqueles que atendem a totalidade dos requisitos da RDC
36/2015 terão a validade de registro padrão de 10 (dez) anos16.
Além do registro, foi criado o Programa de Monitoramento Analítico de Produtos
para Diagnóstico in vitro de Covid-19, através de uma parceria com o Instituto Nacional
de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz). O objetivo do programa é aferir,
por meio de ensaios laboratoriais, o desempenho e a precisão dos testes aprovados
para comercialização no Brasil, visando garantir a segurança e a eficácia dos mesmos
e fazer acompanhamento pós-comercialização15.
15
Considerações sobre erros diagnósticos
Os erros diagnósticos são considerados um dos principais contribuintes para
danos nos cuidados de saúde. No contexto atual da Covid-19, novas situações e
desafios também se impõem em relação à medicina laboratorial. Em estudo recente,
Gandhi e Singh17 propõem uma nova tipologia para os erros diagnósticos diretamente
relacionada aos problemas advindos da era Covid-19.
A apresentação clássica de síndrome gripal da Covid-19 exige teste
confirmatório. No entanto, o teste pode não estar disponível ou produzir um resultado
falso-negativo, levando a um erro denominado "clássico" segundo os autores. Os
resultados dos testes falsos negativos ou testes que não são realizados podem levar ao
atraso no diagnóstico e à disseminação da doença.
A realização do teste diagnóstico também é importante na presença de sintomas
incomuns ou não respiratórios, como nas manifestações olfativas e gastrointestinais, e
em outras novas associações, como nas síndromes inflamatórias multissistêmicas. Uma
falha no reconhecimento de apresentações e associações atípicas, seja por problemas
do teste ou lacunas de conhecimento, pode levar à negligência do diagnóstico
subjacente à Covid-19, um erro denominado "Anômalo" pelos autores.
Outro erro emergente na pandemia é a identificação incorreta de pacientes que
não têm a Covid-19 como portador da doença, principalmente aqueles com sintomas
respiratórios. Isso geralmente ocorre na ausência de testes em um sistema de saúde
sobrecarregado, com capacidade limitada para testagem do paciente. Esse tipo de erro
de rotulagem, chamado “Âncora”, está presente em outras infecções respiratórias, como
sinusite bacteriana e pneumonia.
16
Em pacientes com Covid-19 conhecida, uma segunda condição subjacente pode
não ser identificada, chamada de erro "Secundário". Por exemplo, relatos de embolia
pulmonar relacionada à coagulopatia e derrames em pacientes jovens
oligossintomáticos. O comprometimento respiratório pode ser atribuído erroneamente à
Covid-19, em vez de procurar uma nova fonte de agravamento, como embolia pulmonar.
Também estão surgindo efeitos colaterais da pandemia de Covid-19. Por
exemplo, pacientes com sintomas agudas evitam avaliação devido ao risco de infecção,
levando ao erro denominado "Colateral Agudo". É o caso de pacientes com infarto
agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral que não procuram atendimento
médico. Da mesma forma, pode haver atrasos no diagnóstico de condições
ambulatoriais importantes, como nos casos de câncer, em que as consultas ou
procedimentos eletivos são cancelados, ocasionando o erro chamado de "Colateral
Crônico".
Os diagnósticos equivocados de pacientes que não têm Covid-19, denominado
de "strain’, ocorrem quando médicos, incluindo cirurgiões, pediatras e radiologistas, são
"reimplantados" em especialidades médicas de cuidados agudos, deparando-se com
situações desconhecidas e diante das quais possuem poucas habilidades e
experiências insuficientes.
Por fim, os médicos estão cada vez mais usando mecanismos intermediários,
como a telemedicina, para interagir com os pacientes. Isso é novo para ambas as partes
e pode introduzir novos tipos de erros, denominados "Não intencional"19.
Existem estratégias que podem minimizar esses oito tipos de erros de
diagnóstico. Os autores recomendam apoio cognitivo e do sistema aos médicos, através
de fluxo de trabalho e comunicação otimizados, intervenções centradas nas pessoas,
estratégias organizacionais e formulação de normativas locais para a garantia do
diagnóstico adequado e mitigação de erros.
17
Esta nota pode ser atualizada a qualquer momento, conforme publicação de
novas resoluções normativas, recomendações e/ou pesquisas científicas.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Wilson Shcolnik, presidente do Conselho de Administração da
ABRAMED (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica) e colaborador do Proqualis,
e à Margareth Portela, coordenadora geral do Proqualis e pesquisadora da Escola
Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), pelas suas
contribuições na elaboração desta nota técnica.
18
REFERÊNCIAS
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COVID-19. Versão 2. Maio/2020.
2. Bathia S at al. Short-term forecasts of COVID-19 deaths in multiple countries.
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candidatos à doação de órgãos e tecidos e para manejo do paciente em lista de espera
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Uso racional de swabs para coleta de amostras de orofaringe e nasofaringe para
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