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uedê o pão?”, resmunga o pretovelho rodeado de peixe, pirão,angu, farofa com couve, batatadoce, abóbora, milho e banana da
terra. O pai de santo em transe, com voz paranor-mal, recebe o Pai Benedito de Aruanda, o reino dasalmas, reclamando de seu banquete incompleto.Ao seu redor, homens, mulheres, crianças e espíri-tos estão reunidos pelo poder da fé, na festa onde osalimentos estabelecem a intimidade entre os devo-tos e as entidades.
A entidade preto-velho viveu na Te rra: foi umescravo que sofreu nos engenhos brasileiros e set r a n s f o rmou num espírito de luz. Comer com as mãosfaz parte de sua história, e o feijão, símbolo da força,é a melhor expressão da sua personalidade. Escravof o rte, bravo e guerre i ro, o preto-velho é, além de tudo,um sábio. Ele é a re p resentação do escravo negro queveio da África para trabalhar ao lado dos índios naépoca da coroa portuguesa. É produto da miscige-nação que criou o Brasil. Não é africano, nem índio etampouco português, é brasileiro.
No Morro do Andaraí, Zona Norte carioca, pretose brancos de todas as idades celebram sua crença. Éum ritual de troca e cada um se fortalece – osatabaques aumentam a energia espiritual do ambi-ente. Para um umbandista, comer em um terreiro émais do que alimentar o corpo: cada mordida deveser acompanhada por um pensamento positivo,por pedidos para melhorar a vida material e espi-ritual. Nesse processo, todos os alimentos estãoassociados ao gosto dos espíritos.
É festa. Algumas ofertas são para agradecer agraça, outras para alcançá-la. Antes da celebração,os filhos-da-casa cuidam de todos os preparativos:a matança dos animais, a preparação dos alimen-tos e o cuidado com o terreiro. Pouco antes da músi-ca “mandar descer” as entidades, Exu, o men-sageiro dos orixás, recebe uma oferta especial.
O sol ameaçava raiar quando seu Celso, 58, edona Soninha, 51, acordaram para botar no fogoos sete quilos de feijão para alimentar os presentesno terreiro. O alimento que simboliza a força dopreto velho, homenageado do dia. A comida pre-cisa ser feita no dia, com exceção das carnes. Afesta é comemorada no dia 13 de maio.
Aos poucos, cada freqüentador traz sua parte e osmédiuns chegam com as panelas na cabeça. Compalmas animadas e olhos famintos, a comida éarrumada no chão, sobre uma toalha branca de
Janeiro/Junho 20068
ANDRÉ LOBATO, CAMILA ARÊAS, FREDERICO RAPOSO E PEDRO GOMES
O banquete dos santos
Banquete servido para receber os santos
linho e à frente do altar repleto de imagens de san-tos. O banquete está completo.
Para festa de caboclo é uma mesa de fruta. Paraos Exus, há uma matança na sexta-feira e, no sába-do, um churrasco com cerveja e refrigerante. Essaentidade pede frango, às vezes, carne, velas pretase vermelhas e pólvora para tirar a negatividade.Para a festa de Ogum, a comida é frango comquiabo. A pipoca simboliza as flores de Iabaloarê, ochefe dos Orixás e serve para tirar a negatividade.
As oferendas podem ser vistas em todos os cantosdo país e nos mais variados locais da cidade do Riode Janeiro. No cruzamento das ruas MinistroVi v e i ros de Castro e Ronald de Carvalho, emCopacabana, a cera que cobre o asfalto nos quatrocantos da encruzilhada evidencia a popularidadedo local para despachos de santos. Aylton Oliveira,30 anos, trabalha com frete de kombi na esquinahá cinco. “Aqui tem de tudo. Desde frango ecachaça até frutas e charuto. Os evangélicos, sem-pre fazem cara feia, mas o pessoal coloca (as ofe-rendas) mesmo assim”, observa.
Mexer nas oferendas é tabu popularPara o babalorixá Fernando Costa, 58, é pre c i s o
ficar atento por onde se anda e que nunca se devecomer a oferta. Se você passar por uma encru z i l h a-da e tiver farofa, cachaça, vela vermelha, charuto efrango, “é bom pedir licença antes ou nem atraves-s a r. A pessoa que come já está incorporada, comidade trabalho não tira a fome de ninguém. Quemd e s respeita pode ter os caminhos da vida fechados”.
“Não acredito em nada disso. Se eu vejo, eu comomesmo. E cigarro também fumo, muito mais seestiver doidão”, afirma Marcelo Freitas, morador derua, 18 anos.
Nas religiões afro-brasileiras, as explicaçõesmuitas vezes diferem entre os praticantes. Essaspráticas religiosas se perpetuam pela oralidade, oque dá margem para interpretações plurais com opassar do tempo. A fé de cada praticante e as diver-sidades na forma de cultuá-la são as grandes forçasque movem milhões de adeptos por todo país a fa-zerem suas ofertas. No banquete dos santos, há tan-tas cores quanto as explicações sobre os porquês decada comida. É uma religião de entrega e não dequestionamento.
Quer um pedacinho? 9
Quedê o pão?
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