o instituto ezequiel dias e a construÇÃo da ciÊncia · o objetivo geral desta dissertação é...
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BRÁULIO SILVA CHAVES
O INSTITUTO EZEQUIEL DIAS E A CONSTRUÇÃO DA CIÊNCIA
EM UM “HORIZONTE” DA MODERNIDADE (1907-1936)
Dissertação de Mestrado apresentada junto ao
Programa de Pós-Graduação em História, da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
da Universidade Federal de Minas Gerais.
Linha de Pesquisa: Ciência e Cultura na
História.
Orientadora:
Profa. Dra. Betânia Gonçalves Figueiredo
Belo Horizonte
2007
2
BRÁULIO SILVA CHAVES
O INSTITUTO EZEQUIEL DIAS E A CONSTRUÇÃO DA CIÊNCIA
EM UM “HORIZONTE” DA MODERNIDADE (1907-1936)
Dissertação de Mestrado apresentada junto ao
Programa de Pós-Graduação em História, da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
da Universidade Federal de Minas Gerais.
Linha de Pesquisa: Ciência e Cultura na
História.
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Betânia Gonçalves Figueiredo – UFMG
____________________________________________________ Prof. Dr. Gilberto Hochman – COC/FIOCRUZ
____________________________________________________ Profa. Dra. Rita de Cássia Marques – UFMG
Outubro de 2007.
3
Agradecimentos
É chegado o momento final de um trabalho e, com certeza, as páginas que aqui
se seguem dizem do nosso percurso acadêmico durante algum tempo, mas pouco falam
dos caminhos tortuosos até chegar aqui.
Mas, se o caminho é árduo, não nos faltam momentos e pessoas que foram
importantes em torná-lo menos complicado de ser vencido, a cada dia de pesquisa e
intenso trabalho.
Começo por agradecer à Profa. Betânia Gonçalves Figueiredo, orientadora e
pessoa que acreditou no meu trabalho. Sua leitura e sua observação foram-me
fundamentais. Ela soube deixar-me voar até onde fosse producente, mas teve a
sensibilidade de nos instantes necessários enraizar meu trabalho pelos enlaces de uma
História da Ciência que nos fornece inúmeras alternativas, embora precisemos de um
olhar sensível que nos aponte os melhores caminhos, diante dos inúmeros possíveis e,
muitas vezes, perigosos.
Agradeço também aos professores Anny Jackeline Torres Silveira e Bernardo
Jefferson de Oliveira, membros da banca de qualificação, que forneceram uma leitura
importante e contribuições vitais para o andamento da pesquisa.
À Profa. Rita de Cássia Marques, figura importante para qualquer pesquisador
da História das Ciências pelas terras de Minas.
Aos colegas da Pós-Graduação em História da UFMG: Silvia, com seus
comentários edificantes em nossas conversas; Ana Carolina, com quem tive o prazer de
compartilhar inúmeras discussões teóricas e empíricas na história das ciências da saúde,
além do prazer em ministrar com ela uma disciplina na graduação; Valéria, a amiga e
4
ouvinte ocular dos momentos mais difíceis; Huener, o amigo prestativo com quem pude
contar em diversos instantes de aflição teórica e prática.
Ao grupo Scientia e ao Progama de Pós-Graduação em História da UFMG, com
meu agradecimento especial aos professores Regina Horta Duarte, com quem cursei a
disciplina Ciência e Sociedade na Primeira República, e ao Professor Mauro Lúcio
Leitão Condé, com quem cursei a disciplina História e Historiografia das Ciências.
À funcionária Norma, Secretária da Pós-Graduação em História da UFMG, pela
forma sempre gentil e pela presteza nas várias vezes em que solicitei os seus serviços.
Aos alunos e professores da Escola Estadual Nossa Senhora Aparecida, onde
lecionei e pude aprender muitas lições sobre a vida. Boa parte desse trabalho foi feita
paralelamente ao de professor. A experiência vivenciada foi, e continua a ser, das mais
desafiadoras, não apenas por conta de todos os problemas por que passa a educação em
nosso país, mas também pela rotina diária de uma escola: o exercício constante de
tolerância e de superação de mim mesmo como educador. Meus alunos e colegas de
profissão foram vitais para que eu jamais perdesse de vista meu papel na produção e
difusão do conhecimento, em um contexto de desigualdades, como o brasileiro.
À Nayara, amiga e ouvinte das satisfações e agruras de ser professor.
À Cássia, amiga fiel e constante, pela tarefa difícil que foi o seu apoio
incondicional em todos os momentos; a capacidade de tornar a convivência em um
aprendizado é para poucos.
A todos que estiveram envolvidos de alguma forma neste trabalho, o meu
obrigado.
5
Resumo
O trabalho analisa a história do Instituto Ezequiel Dias, fundado em 1907, até a sua
estadualização, em 1936. Tal momento foi fundamental para que se pudesse pensar o
processo regional de aceitação do paradigma microbiológico em Belo Horizonte/Minas
Gerais. Através do percurso histórico da instituição foi possível verificar o processo de
composição do campo médico na recente capital de Minas. A trajetória do Instituto
também representou uma constante luta dos médicos em tecer suas redes e conseguir
credibilidade junto a amplos setores sociais, para que assim pudessem se tornar sujeitos
privilegiados nos assuntos de saúde na capital e no Estado. A história do Instituto
Ezequiel Dias envolveu-se na tessitura desta rede complexa e extensa de homens de
ciência comprometidos com a legitimação de seu ofício, do campo do qual faziam parte
e, principalmente, da sua Instituição. Nosso estudo discute a estratégia desses médicos
em concentrar sua representação pública nas atividades ligadas ao serviço
antipeçonhento. Sugere-se que essa foi uma escolha histórica e cultural, pois tais
médicos perceberam a relevância dessa questão de saúde relativa a amplos setores,
tendo em vista os grandes índices de acidentes com cobras e escorpiões. O governo
Estadual, os fazendeiros, como representantes de setores econômicos decisivos, a
própria população em geral, atingida pelos temíveis peçonhentos, na capital e no
interior, todos podiam tornar-se interessados no assunto pelos serviços do Instituto. Mas
esta não teria sido a única estratégia desenvolvida. Como forma de dotá-los de
credibilidade científica ainda maior e, por conseqüência, a própria instituição em que se
encontravam, tais médicos optaram, de uma forma bastante peculiar, por inserir outras
discussões nas atividades do serviço antipeçonhento. Atrás de cobras e escorpiões,
foram feitas inúmeras viagens pelo interior de Minas, as quais se relacionavam a um
projeto no interior da Primeira República, que reivindicava a inclusão dos territórios
escondidos, afastados e abandonados no progresso civilizatório através da ciência. Os
médicos se inseriam, através de suas atividades, numa discussão que pretendia um
projeto de construção de uma nação que deveria ser saneada para sua própria
efetividade. Paralelamente, ligaram-se, também, a outro processo regional que pretendia
o progresso econômico de Minas Gerais. Tais questões possibilitaram a percepção de
que cobras, escorpiões e micróbios foram levados ao laboratório para além de dotar o
Instituto Ezequiel Dias de credibilidade científica, construir a nação brasileira saneada e
efetivar o projeto de desenvolvimento econômico de Minas Gerais.
Palavras-chave: História das Ciências; Instituições Médico-científicas; Belo Horizonte;
Minas Gerais.
6
Abstract
The present work analyses the history of “Instituto Ezequiel Dias”, created in 1907,
until its being transferred to state administration, in 1936. Such moment was very
important to think about the regional process of microbiology paradigm acceptation in
Belo Horizonte/Minas Gerais. Through the historical trajectory of that Institute it was
possible to verify the composition of the medical field in the new capital of Minas. The
Institute’s trajectory also represented a continuous medical struggle to establish its
network and to reach credibility towards broader social sectors, so that physicians could
make themselves privileged actors in charge of health issues in the capital as well as the
whole state. The history of Instituto Ezequiel Dias was part of the complex and wide
network of men of science committed to professional legislation, to the medical field
they were part of and, mainly, to their Institute. Our study discusses the strategy of these
physicians to concentrate their public representation in activities related to anti-animal
poisoning. It is suggested that this was a historical and cultural choice, because such
physicians were aware of the relevance of this health issue to wide social sectors, being
aware of higher rates of accidents with snakes and scorpions. State government, farmers
as representatives of decisive economical sectors, population in general, both from the
capital and the countryside, who were affected by the dreadful poisoning animals, all of
them might be made interested in the services of the Institute. However, that was not the
only strategy developed. As a way of endowing themselves and, as a result, their own
Institute with even greater credibility, such physicians, peculiarly, decided to insert
others issues in the activities of anti-animal poisoning service. Several expeditions were
made throughout Minas in search of snakes and scorpions, which was linked to the
greater “Primeira República” project in which the inclusion of some hidden, distant and
abandoned lands were demanded to be included into the civilizing progress by means of
science. Through their activities, the physicians were included in a discussion that
planned the building of a nation that should be sanitized to be effective. At the same
time, they were also connected to other regional process that aimed economical progress
of Minas Gerais. Such questions permitted perceiving that snakes, scorpions and
microbes were took to the laboratory in order to built a Brazilian nation sanitized and to
carry out the economical project of Minas Gerais, beyond to give to the Institute
Ezequiel Dias scientific credibility.
Key-words: history of science, medical-scientific institutions, Belo Horizonte; Minas
Gerais.
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Sumário
Introdução 8
Capítulo 1 – Enfrentamentos teóricos na história das instituições
médico-científicas 16 I – Um panorama historiográfico 18
II – A contribuição de Fleck e Latour para a derrubada dos muros
Institucionais 24
Capítulo II – Belo Horizonte: Um espaço para a ciência 41
I – As instituições científicas no contexto das transformações da
Microbiologia 43
II – A saúde e a cidade moderna 50
III – Ezequiel Dias e a fundação do Instituto 56
V – Percurso histórico do Instituto Ezequiel Dias 61
V – A criação do Posto Antiofídico em 1918 67
VI – O Instituto Ezequiel Dias e o campo médico 75
VII – Octavio Magalhães na direção do Instituto 88
VII . 1 – Dinâmica e funcionamento do Instituto na gestão de
Octavio Magalhães: a inserção na saúde pública 97
VIII – O processo de estadualização 101
Capítulo 3 – Escorpiões, cobras e micróbios: os híbridos
e as redes científicas do Instituto Ezequiel Dias 108 I – A aliança entre o Instituto Ezequiel Dias e as
“classes conservadoras”: a ciência e o projeto de substância
econômica para Minas Gerais 115
I. 1 – A Sociedade Mineira de Agricultura: mais um ponto de
afluxo de uma grande rede 121
II – As Bandeiras da Ciência: nação e saúde na atuação
do serviço antipeçonhento do Instituto Ezequiel Dias 138
II.1 – O Brasil desvelado pelos sertões 141
II. 2 – Da Rua da Bahia aos rincões de Minas 146
Conclusão 160
Fontes 163
Bibliografia 168
8
Introdução
Belo Horizonte nasce das linhas geometricamente traçadas por Aarão Reis e sua
comissão construtora. Germinava a idéia de uma cidade racionalizada, matematizada,
nenhum detalhes podendo escapar: a cidade deveria ser planejada para que os ideais de
progresso, harmonia e ordem fossem concretizados. A nova capital era, antes de tudo,
um marco, uma ruptura. Era o momento de celebrar o novo! Era necessário um espaço
que personificasse um instante, que legitimasse o advento da República. O antigo e o
rural eram arcaicos, a face da degenerescência de uma época que deveria ser esquecida.
O novo é cosmopolita, a tônica do momento é o urbano.
Nesse contexto, havia mais um item que não poderia ficar de fora: a ciência.
Num momento em que discursos oficiais tornam imbricadas as concepções de ciência e
civilização, a cidade, para que fosse verdadeiramente moderna, precisava estar também
em sintonia com uma idéia de ciência proclamada e difundida. A fundação do Instituto
Ezequiel Dias constitui, dentro desse universo mental, um empreendimento simbólico.
A nova urbe tornara-se um locus privilegiado da filial da “casa da ciência”, o Instituto
Oswaldo Cruz.
O objetivo geral desta dissertação é realizar um estudo da história do Instituto
Ezequiel Dias, entre 1907-1936, como um momento de legitimação do paradigma
microbiológico e inserção do campo médico belo-horizontino em projetos que
pretendiam uma nação brasileira saneada, bem como o desenvolvimento econômico de
Minas Gerais, tendo como eixo a implementação das atividades do Serviço
Antipeçonhento.
Tal serviço se transformou em uma importante instância para que fossem
discutidos muitos assuntos, como a construção da nação na Primeira República e,
9
paralelamente, um projeto de desenvolvimento de Minas Gerais. Assim, os médicos
operavam com uma discussão geral, que percorria um debate público empreendido por
eles, e, regionalmente, inseriam-se numa grande rede que interligava políticos, forças
produtivas e “homens de sciencia”, para que o Estado pudesse se desenvolver.
Isso significa dizer que, além de contribuir para a legitimação de novos modelos
científicos, o crescimento de uma instituição médico-científica, e a credibilidade da
atividade médica, escorpiões, cobras e micróbios falaram de muitas outras questões.
Uma investigação da trajetória histórica do Instituto Ezequiel Dias1 leva-nos a
03 de agosto de 1907. A partir do momento inicial trilha-se um caminho que dará a esta
instituição um papel fundamental na construção da idéia de ciência, na recente capital
de Minas. O processo de cristalização de suas atividades revela-nos um espaço que
conseguiu extrapolar seus objetivos iniciais e foi muito além do mero produtor de soros
e vacinas, tendo promovido uma sensível ampliação e variação de suas atividades
científicas.
Hoje, se há uma palavra que possa simbolizar as atividades da FUNED2 –
Fundação Ezequiel Dias –, ela é “diversificação”. Em várias áreas da atuação esta se
constitui em uma das mais importantes instituições biomédicas do país: produz
medicamentos voltados aos programas de saúde do Estado e do Governo Federal, para a
prevenção e controle de doenças como a AIDS e a hanseníase, por exemplo; trabalha
em áreas de pesquisa, ensino e extensão, no que se refere à formação dos profissionais
de saúde; desenvolve importantes atividades de pesquisa e aplicação de novas
1 A data oficial em que a filial passa a se chamar “Instituto Ezequiel Dias” é 18 de abril de 1923, em
homenagem ao médico fundador que morrera no ano anterior, como se verá a seguir. Porém, ao longo dos
dois primeiros capítulos, optou-se, muitas vezes, por chamá-lo assim, em vez de Filial, já que essa
denominação traz a carga de um enraizamento histórico e da própria autonomia reivindicada desde muito
cedo. 2 O Instituto foi transformado, em 1970, em Fundação Ezequiel Dias, com a incorporação da Escola de
Saúde Pública de Minas Gerais (Aleixo, 2001).
10
tecnologias; por último, mantém o Instituto Octavio de Magalhães, responsável pela
parte laboratorial, com serviços de microbiologia, sorologia, metabolismo, análises
realizadas em água, alimentos, medicamentos, bebidas e material biológico, dando
suporte aos departamentos de vigilância epidemiológica e sanitária das esferas
municipal, estadual e federal3.
Esta rápida síntese das atividades da FUNED pode tornar-se um ponto de partida
para que possamos dar-lhe novo sentido no que se refere ao seu papel na ciência,
entendido de forma processual e historicamente construído. Apesar da importância e da
variedade das atividades, a instituição permanece ainda conhecida como o “instituto das
cobras”, denominação difundida logo nas primeiras décadas de funcionamento da antiga
filial. É curioso pensar que, em detrimento de uma ampliada atuação no setor público de
saúde brasileiro e na sua relevância científica e social, a instituição ficou “imortalizada”,
no imaginário das pessoas, pelo serviço relacionado aos animais peçonhentos.
A história institucional é um eixo interessante para que possamos perceber o
processo, cheio de conflitos e tensões, de constituição da idéia de ciência. Ser uma
instituição ligada a Manguinhos significava muito nesse período, a saber, era participar
da afirmação de um paradigma que seria capaz de transformar decisivamente a idéia de
medicina experimental, do universo teórico ao prático: a microbiologia.
Para que possamos compreender a história do pensamento científico no século
XX, em Minas Gerais, torna-se crucial considerar o Instituto Ezequiel Dias como um
pólo irradiador de ciência. Daquela que se fazia intramuros, nas discussões médicas
semanais empreendidas pelo próprio Ezequiel, no experimentalismo, etc. e em outra,
que se via nas campanhas de vacinação de homens e animais, nas campanhas educativas
3 Ver o seguinte sítio: http://www.funed.mg.gov.br/.
11
com vistas à profilaxia das doenças, nos congressos, nas relações com a Faculdade de
Medicina, com a Fundação Rockefeller, etc.
A opção quanto ao recorte (1907-1936) refere-se à própria trajetória histórica do
Instituto Ezequiel Dias. A análise será feita do período de fundação da filial de
Manguinhos em Belo Horizonte, em 1907, que abrange a ascensão e solidificação de
suas atividades, até 1936, que é uma data simbólica, momento em que o governo do
Estado de Minas Gerais passa a assumir a instituição. A partir da estadualização nota-se
uma sensível mudança nos paradigmas do Instituto, que sofre uma considerável queda
de suas produções científicas.
Para a história institucional proposta aqui, a forma com que as fontes foram
consideradas foi de suma importância.
Os relatórios e arquivos institucionais tendem a fornecer uma ampla
configuração das atividades da filial. É preciso perceber os “homens de sciencia” como
representação – na imbricação da idéia que tecem de seu ofício com aquela imaginada
pela cidade.
Os documentos oficiais – cartas, ofícios, relatório de despesas – também podem
dar a dimensão do papel do Estado para as atividades institucionais e, de certa forma,
podem elucidar questões referentes à relação entre o poder público e a ciência, no
contexto mineiro.
A inserção do Instituto Ezequiel Dias no ambiente científico nacional e
internacional é de vital importância. Os inúmeros artigos publicados pelos médicos da
filial podem contribuir para o estudo não só do desenvolvimento do Serviço
Antipeçonhento, mas, também, do seu envolvimento e de sua aceitação no campo da
produção científica.
12
Por último, os relatos memorialistas, num jogo dinâmico com a documentação
oficial, dão a tônica de uma instituição na condição de espaço de complexas tramas,
que, de tão fortes, derrubaram os muros e fizeram do científico e do social uma coisa só.
Assim, o presente trabalho articula sua análise a partir da idéia geral de que a
aceitação internacional do paradigma microbiológico estaria envolvida em complexos
processos regionais de legitimação e incorporação das práticas científicas transformadas
pela Revolução Pasteur, o que implicaria numa grande variação nas trajetórias de
criação e reorganização das instituições médico-científicas. Desta forma, procura-se
caminhar pelos seguintes eixos:
1) O Instituto Ezequiel Dias teria tido um papel fundamental no processo de
legitimação do paradigma microbiológico em Belo Horizonte/Minas Gerais, por sua
atuação na saúde pública, suas relações interinstitucionais, suas atividades de ensino,
pesquisa e extensão, o que o transformaria em um pólo disseminador da idéia de
ciência, ultrapassando as fronteiras de Minas.
A ênfase na implementação e na solidificação do escorpionismo e do ofidismo
teria tornado o Instituto Ezequiel Dias um centro de referência no assunto. Apesar do
fomento e da importância de outras atividades, tal ênfase poderia ter significado uma
das estratégias de legitimação de um novo modelo científico que se aproximava da
população na urgência do acidente com animal peçonhento; num jogo em que o
discurso médico-científico aliava à difusão de novas práticas a tentativa de soterramento
dos tratamentos da medicina popular, buscando incorporar novas terapêuticas e
intervenções medicamentosas.
2) A importância adquirida pelo Serviço Antipeçonhento teria possibilitado a
aquisição de um “lucro simbólico”, que tornaria o Instituto Ezequiel Dias capaz de
extrapolar as diretrizes de uma idéia que se poderia ter de ciência aplicada. Desta forma,
13
proporcionaria aos “homens de sciencia” pluralizar suas atividades nos mais diferentes
campos da medicina experimental, formar as suas redes científicas e, através delas,
buscar a legitimação da sua profissão e do Instituto de que faziam parte.
3) O Serviço Antipeçonhento, pelas redes científicas que foi capaz de compor,
foi um importante elo que juntava os médicos aos diversos projetos que transcorriam na
Primeira República.
Poderiam reivindicar, a partir destas redes, o crescimento e ampliação da
estrutura física da filial, desempenhar papel determinante no ensino acadêmico,
atuando, de forma decisiva, nas ações públicas referentes à saúde, numa empreitada
para o Saneamento de Minas e do Brasil para além de sua inserção no jogo político
mineiro. Procurou-se estreitar os limites entre o urbano e o rural, na aliança a um
projeto de desenvolvimento econômico para o Estado.
Com o objetivo de desenvolver as idéias acima, a dissertação foi organizada da
seguinte forma.
No primeiro capítulo procura-se um aprofundamento historiográfico e teórico
referente à História das Ciências e, mais especificamente, das Ciências da Saúde dentro
da produção relativa às instituições médico-científicas. Consideramos ser
imprescindível um olhar em perspectiva relativo à bibliografia sobre o tema,
referenciais que ganham em relevância na medida em que se pode pensar a inserção do
presente trabalho dentro deste campo de pesquisa e da contribuição para tais estudos.
Além de um panorama historiográfico procura-se repensar alguns referenciais
teóricos que pudessem ser importantes para um diálogo com o trabalho empírico. É bom
salientar que as questões teóricas são, ao nosso olhar, intrínsecas a toda pesquisa. A
escolha por uma análise mais aprofundada nos trabalhos de Fleck e Latour, em
14
detrimento de outros autores importantes para os “estudos na ciência”, não foi por
acaso. Procurou-se demonstrar através dessa escolha deliberada a tentativa de colocar
também em discussão a idéia de ciência que se quer discutir, eixo que consideramos que
deva persistir no campo da História das Ciências. A aliança dos dois autores em questão
tende a deixar explícito que se trabalha com uma idéia de ciência como uma construção
contínua, realizada por sujeitos interconectados a partir da tessitura de um complexo
contexto histórico e cultural, contingente, singular, carregado de especificidades. O
entrecruzamento teórico e empírico acabou por garantir a percepção de que a história do
Instituto Ezequiel Dias caminhava para além de seus muros na antiga e simbólica Rua
da Bahia.
No segundo capítulo procuramos reconstituir a história do Instituto Ezequiel
Dias. O percurso histórico é importante para as indagações naturais de uma história
institucional: as razões de sua vinda, sua estrutura, como se desenvolveu ao longo do
tempo. Foi analisada a forma com que a Instituição interagiu com o contexto de Belo
Horizonte e Minas Gerais. Neste ponto, considerou-se importante examinar qual era o
tratamento da saúde e de que forma o Instituto Ezequiel Dias constituiu parte dessa
realidade histórica. Sobretudo, foi preciso perceber as mudanças que a vinda da
Instituição provocou, bem como seus arranjos interinstitucionais e sua inserção no
campo médico em Belo Horizonte.
Coube ao Instituto Ezequiel Dias um importante papel agregador e articulador,
do ponto de vista institucional, dos processos de autonomização do campo médico e das
idéias científicas em Belo Horizonte/Minas Gerais.
Na terceira parte apresentamos um desdobramento das reflexões anteriores,
sejam elas teóricas, sejam relativas à própria história do Instituto e suas transformações
ao longo do tempo. O Instituto Ezequiel Dias abre uma verdadeira “cruzada” contra as
15
cobras e escorpiões no território mineiro, mas, de forma muito interessante, a
empreitada foi bem mais além. As inúmeras viagens científicas pelo interior de Minas
geraram seus frutos – relatórios, cartas, relatos memorialistas, artigos científicos –,
mostrando que o Serviço ultrapassou o objetivo da caçada aos peçonhentos. A partir da
grande visibilidade que o Instituto ganhou com este tipo de trabalho, houve a
possibilidade de investir em variados setores, colocando o Instituto em sintonia com as
discussões que agitavam a pauta política da Primeira República: o saneamento do
Brasil, pensado a partir da incorporação do sertão e tendo a ciência como uma de suas
principais aliadas; paralelamente, o desenvolvimento de Minas Gerais, que, para se
concretizar, também arrolou a ciência como um de seus pilares.
16
Capítulo 1 – Enfrentamentos teóricos na história das
instituições médico-científicas
A instituição é um elo importante para que possamos perceber qual idéia de
ciência está sendo colocada em uso – suas implicações, seus aliados, suas controvérsias.
E os arquivos institucionais são referenciais decisivos na cadeia confusa e tortuosa da
construção dos fatos científicos. Dessa forma, as instituições podem nos levar muito
além da história de homens num lugar isolado, fora da sociedade, desconectados do
mundo e imersos em seu ofício solitário. Decididamente, de acordo com o olhar, as
fontes documentais nos proporcionam vôos muito mais altos. Numa perspectiva
multidimensional tornam-se um locus privilegiado para que possamos perceber as
dinâmicas no interior da ciência e de sua luta incessante na busca e legitimação dos
fatos científicos. Mais que isso, tornam-se espaços importantes para que a história possa
tentar discutir o funcionamento da prática científica, muito diferente da visão idealizada
de homens que entram em seus “templos da ciência”.
Como veremos adiante, a historiografia apresentou diferentes posturas quanto ao
tratamento da história das instituições médico-científicas no Brasil, principalmente
daquelas criadas ou reformuladas no contexto das transformações decorrentes do
advento da Revolução Pasteur. O final do século XIX e o início do XX são, neste
17
sentido, muito importantes para estas análises, pois trata-se de um período que
concentra a criação de vários institutos sob as matizes das novidades da microbiologia.
As diferentes posturas mostram, por outro lado, que alguns problemas persistem
ao longo do tempo relativamente a esta historiografia: a dicotomia ciência pura/ciência
aplicada, o papel dos grandes homens de ciência no sucesso dessas instituições, o
governo como única agência de fomento desses espaços, as instituições e os dilemas do
capitalismo, sua natureza emergencial, a apropriação de modelos de instituições
congêneres no exterior, entre outros.
Na tentativa de contribuir para o campo e, de alguma forma, suscitar novos
problemas e sugerir respostas para os que foram descritos, é que se considera importante
colocar em discussão enfrentamentos teóricos que possam nos fornecer novas
alternativas de análise. É dessa maneira que se pretende discutir de que forma as
posturas teóricas de Ludwik Fleck (1896-1961) e de Bruno Latour (1947- ) podem ser
aliadas na tentativa de um novo olhar sobre as instituições.
Cabe ressaltar que o presente objetivo não é o de promover uma comparação
entre Fleck e Latour, apesar de em vários momentos as aproximações e afastamentos
ficarem muito evidentes. Numa intenção mais modesta, pretende-se realizar, entre as
perspectivas teóricas dos dois autores, uma aliança de efetividade histórica, que se
coloca diante de um objeto específico: a história de uma instituição – o Instituto
Ezequiel Dias –, tendo como eixo as atividades de seu Serviço Antipeçonhento. E isto
quer dizer que o dois autores cumprem um papel importante como usinas de força para
o trabalho empírico e são vitais para se pensar os inúmeros problemas suscitados pelas
fontes.
18
I – Um panorama historiográfico
No que diz respeito a um olhar em perspectiva sobre a história das instituições
científicas, o livro As Ciências no Brasil pode ser considerado uma referência inicial.
Ele foi publicado na década de 1950, com organização de Fernando Azevedo, que, na
introdução, deixa claro o viés da elaboração da obra: a criação das universidades como
o verdadeiro marco para a formação de um conhecimento autônomo. Os institutos do
final do XIX e início do XX estão presos a uma idéia de ciência aplicada, “utilitarista”,
e mesmo Manguinhos, sob a auréola do “grande” Oswaldo Cruz, não foge a esta
interpretação segundo a qual
“as criações de novos institutos, alguns dos quais vieram com o
tempo a adquirir grande projeção no estrangeiro não
obedeciam, também elas, a nenhum plano geral uma nova
política de cultura: eram ou por elas se procuravam resposta a
desafios postos por problemas urgentes” (Azevedo, 1994:38).
Com novas discussões a respeito de uma idéia de ciência, mas ainda numa
perspectiva similar a de Azevedo, é que se apresenta a obra de Schwartzman A
Formação da Comunidade Científica no Brasil. Tendo vindo a lume no final da década
de 70, esse livro compartilha a idéia de um conhecimento independente, como ponto
decisivo, ao passo que a sociedade apenas interferiria em assuntos referentes à utilidade
prática da ciência. Quando se trata das instituições prevalece a noção de um “sentido
pragmático e imediatista em que os assuntos de pesquisa eram entendidos no Brasil”
(Schwartzman, 1979:107). O autor enfatiza a importação de paradigmas no contexto
intelectual brasileiro da Primeira República, pois “é da França e da Alemanha que
chegam, muitas vezes com atraso e distorcidos, os modelos intelectuais e institucionais
que são adotados no Brasil” (Schwartzman, 1979:86).
19
Em meados da década de 70 surge Gênese e Evolução da ciência brasileira:
Oswaldo Cruz e a política de investigação científica e médica, de Nancy Stepan. Como
o título denota, Manguinhos é analisado como um marco no que se refere à fundação de
uma medicina experimental no Brasil4. Há uma constante preocupação com o contexto
de formação da ciência num país em desenvolvimento e das implicações sociopolíticas
de um “desenvolvimento dependente”, no desafio da importação de modelos:
“Em certo sentido a história do Instituto de Soroterapia e do
Instituto Butantã de São Paulo, entre 1900 e 1903, pode ser
considerada como um prolongamento da tradição colonial
descrita por Basalla no período da medicina científica e
experimental. Ambas as instituições eram coloniais em seu
apoio sobre técnicas e tradições científicas desenvolvidas no
estrangeiro. Em 1903, nenhuma das duas tinha capacidade de
realizar pesquisas originais ou mesmo ciência aplicada em larga
escala” (Stepan, 1976: 82).
Fica evidente na obra uma detida discussão em torno do binômio ciência
pura/ciência aplicada e do sucesso do Instituto Oswaldo Cruz a fim de justificar-se a
superação dessa dicotomia, pois o instituto envolvia ambos setores. A autora considera
que a bem sucedida trajetória do Instituto Oswaldo Cruz foi “em parte foi conseqüência
da criação de um sistema interligado, envolvendo ciência básica e aplicada, treinamento
e emprego de cientistas, produção e consumo de conhecimentos científicos dentro do
Brasil” (Stepan, 1976:148).
A década de 70 é decisiva para a construção da história da medicina como um
campo de produção de conhecimento, tendo em vista novos problemas e novas
abordagens teóricas. É inegável a influência dos estudos de Foucault, num conjunto de
4 Sobre a ampliação do conceito de medicina experimental e a reabilitação da medicina imperial, bem
como sua importância no que se refere à produção científica, consideramos dois textos importantes:
EDLER, Flavio Coelho. O debate em torno da medicina experimental no segundo reinado. História,
Ciências, Saúde – Manguinhos. Vol. III (2): (284-299), jul-out 1996. DANTES, Maria Amélia M.
Introdução: Uma história Institucional das ciências no Brasil. IN: Dantes, Maria Amélia M. (org) Espaços
da ciência no Brasil: 1800-1930. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2001.
20
trabalhos que tentava situar a “medicalização” do Estado brasileiro. Na linha
foucauldiana é que se insere o livro de Luz, Mediciana e ordem política brasileira:
políticas e instituições de saúde (1850-1930), no início da década de 80. A autora segue
um modelo em que a criação das instituições do final do XIX e início do XX
representaria uma nova etapa do Estado, de afirmação e hegemonia da ordem
capitalista. Segundo Luz,
“A criação de todas essas instituições que acabamos de
mencionar já é, em parte, uma tentativa de estabelecer a nova
ordem sanitária. Embora tivessem como finalidade precípua o
controle das epidemias, através da produção de soros e vacinas,
supunham a existência permanente de pesquisa, isto é, de
produção de conhecimentos básicos na área biomédica. A
ciência é, como afirmamos na introdução deste trabalho,
uma das bases da ordem capitalista. Sem a produção de novos
conhecimentos, nem as forças produtivas, e conseqüentemente a
estrutura econômica, nem o Estado, e a superestrutura que o
sustenta, podem se solidificar” (Luz, 1982:196). (grifo meu)
A análise da autora circunscreve-se num modelo que, em última instância,
constrói e se impõe de forma exterior à própria ciência. Os discursos médicos tendem a
perder, nessa perspectiva, suas nuances, os complexos e retorcidos processos de sua
elaboração e legitimação, já que cumprem um papel previamente definido.
As modificações dentro do próprio “fazer histórico” imprimiram uma marca
indelével no campo dos estudos históricos a respeito das ciências. Espaços, tempos e
objetos pluralizam-se. O olhar do historiador se volta para aquilo que não era tão
explícito, oficial, dito, declarado.
Novas abordagens acompanharam as transformações da própria historiografia.
Inserida num contexto de novos desafios, e a partir da contribuição das pesquisas
produzidas na Casa de Oswaldo Cruz, surge a obra coordenada por Benchimol,
Manguinhos do sonho à vida: a ciência na Belle Époque. Nela analisam-se o
21
surgimento e a consolidação do Instituto. A obra enfatiza as peculiaridades do universo
sociocultural brasileiro e suas implicações na acomodação dos novos modelos. Num
recuo aos tempos iniciais tentou-se compreender o que fez de Manguinhos “uma
instituição sui generis no contexto da República Velha” (Benchimol, 1990:21). Na
investigação fica clara a importância da figura de Oswaldo Cruz, além da estrutura
organizacional autônoma que aliava produção, pesquisa, ensino, pessoal e suas
mudanças ao longo do tempo. A arquitetura do Instituto é também revisitada na ótica de
sua monumentalidade, do seu significado simbólico para a época.
Benchimol e Teixeira, em Cobras, Lagartos e Outros Bichos: uma história
comparada dos institutos Oswaldo Cruz e Buntantan, investem no estudo comparativo
dos projetos institucionais no interior da transformação pasteurina. Pretendem aliar com
a obra
“as determinações de conjuntura e estrutura com a dimensão das
ações individuais, seja a dos pesquisadores que entretinham as
horas cotidianas de trabalho, sejam as dos dirigentes que
conceberam e implementaram estratégias institucionais com os
objetivos, prioridades e interesses do bloco oligárquico
hegemônico” (Benchimol e Teixeira, 1993: 15)
É importante pensar como dois espaços de origens comuns caminharam em
trajetórias bem diferentes, que começam em áreas de excelência, como a protozoologia
em Manguinhos e o ofidismo no Butantan, passando pelas relações com o poder
público, o enfrentamento das crises, etc. Diante dessa postura metodológica foi possível
aos autores perceber as disputas, as vaidades em jogo, o papel ideológico e simbólico
dos “mitos” da ciência. Neste sentido, ganham espaço assuntos poucas vezes discutidos
na historiografia institucional precedente: os meandros que envolviam os concursos, o
caráter centralizador e personalista dos primeiros tempos de Manguinhos, a
22
“desconstrução” da Doença de Chagas na década de 20, num constante elo entre as
estruturas institucionais e as posturas políticas no interior da própria República.
A bibliografia analisada coloca-nos de frente com os diferentes caminhos da
história das instituições científicas. Além dos inúmeros problemas suscitados, ela pode
se transformar numa importante ferramenta para que possamos buscar qual olhar será
dado à história do Instituto Ezequiel Dias.
Na tarefa de reconstruir essa história considerou-se importante a definição de um
eixo para a pesquisa, dada a necessidade imposta pela vasta documentação. Optou-se,
diante de algumas possibilidades, não por acaso, em pensar-se esta instituição, como já
foi dito, a partir das atividades do serviço antipeçonhento que, sem dúvida, notabilizou a
instituição. A escolha nos proporcionou o encontro com os documentos institucionais
(ofícios, cartas, balanços contábeis, etc.), artigos científicos e relatos memorialistas – os
mais diretos neste tipo de pesquisa – e, também, com relatos de expedições científicas5,
inúmeras ações nos mais variados campos que objetivavam a divulgação da ciência, em
um emaranhado de atividades que começavam a ampliar as noções da prática científica.
Isso, porque o serviço não se limitava a uma “guerra” travada na capital e no interior
contra cobras e escorpiões, pois, de forma peculiar, foi muito mais além. Instaurou-se
uma luta que pretendia sanear e higienizar o território mineiro e que tentava, sobretudo,
transformar as práticas médicas, do menor detalhe cotidiano até as grandes campanhas,
sob a égide das mudanças da microbiologia.
Assim, a pesquisa empírica aliou-se a um diálogo crítico com a historiografia
que acabou por suscitar novos problemas:
- a superação da dicotomia ciência pura/ciência aplicada;
5 No ano de 1918 foi inaugurado no Instituto um posto que pretendia realizar uma campanha contra os
acidentes com animais peçonhentos por todo o território mineiro.
23
- novas formas de lidar com um possível dilema sociedade/ciência;
- o complicado processo regional de aceitação e legitimação do paradigma
microbiológico em Minas Gerais, numa luta intramuros (no interior do campo
científico) e extramuros (na luta empreendida contra a persistência de tratamentos da
chamada medicina “popular”, “empírica”);
- as alianças, disputas e interesses no interior do campo médico belo-horizontino,
em conflito com uma idéia de “comunidade científica” ensimesmada, hermética,
racionalmente fechada;
- a persistência de um discurso “peculiar nas fontes” – relatórios, relatos
memorialistas, ofícios, cartas, etc. – com objetivos múltiplos: da persuasão do leitor; a
busca de aliados, nos poderes públicos e na sociedade; e, na contramão, uma tentativa
de obscurecimento dessas controvérsias que procurava formatar o discurso e entregá-lo
limpo, livre de qualquer ponto que pudesse se opor à idéia de uma ciência
racionalmente arquitetada;
- a historicidade de um estudo sobre cobras, escorpiões e micróbios, no contexto
da história institucional, que persistia em derrubar as dicotomias homem/natureza,
sujeito/objeto, humanos/não-humanos;
- a emergência de um tempo sedimentado histórica e culturalmente, longe de um
fluxo contínuo baseado na lógica descoberta/progresso;
- a idéia de instituição propiciadora de inúmeras mediações que fugia da acepção
de um simples espaço de atividades rotinizadas.
Diante do fato de que tais problemas pululavam ao longo do trabalho empírico,
viu-se a necessidade de se buscar novos referenciais que significassem a possibilidade
de um passo à frente na pesquisa. É assim que se pretende estabelecer um diálogo com
as obras de Fleck e Latour, na tentativa de lidar com tais problemas. Cabe pensar como
24
esses autores nos fornecem possibilidades de interlocuções entre as fontes relacionadas
a um determinado objeto e diferentes perspectivas teóricas e metodológicas, num
entrecruzamento com debates recentes na história da ciência.
II – A contribuição de Fleck e Latour para a derrubada dos muros institucionais
Fleck teve uma trajetória, sem dúvida, bastante peculiar no campo acadêmico.
Sua obra publicada em 1935, A Gênese e o Desenvolvimento do Fato Científico6(Fleck,
1986), não teve grande repercussão, com circulação restrita ao meio médico. Sua
inserção se deu a partir da publicação, em 1962, de A Estrutura das Revoluções
Científicas, de Thomas Kuhn (Kuhn, 2003), e, principalmente, com a tradução inglesa
no final da década de 70. As aproximações do texto kuhniano com o trabalho de Fleck
tornam-se muito nítidas em vários pontos (Condé, 2005).
A “epistemologia comparada” de Fleck começa com um prólogo emblemático,
em que o autor delinea seu objetivo de desconstrução de uma “definição tradicional” de
fato científico “fixo, permanente, o contraposto da transitoriedade das teorias. É a meta
de todas as ciências. A crítica para estabelecê-lo constitui o objeto da teoria da ciência”
(Fleck, 1986:43). A força deste fato constituído pela teoria é de tal modo avassaladora,
que ficamos passivos diante dele.
Para efetivar seu objetivo, Fleck irá tomar como estudo um caso específico: a
construção do conceito de sífilis. Nesta empreitada realiza um recuo ao século XV na
tentativa de buscar a “evolução”, de implicações psicológicas, culturais e históricas que
culminaram no conceito contemporâneo de sífilis, sintetizado na Reação de
Wassermann. Veja-se, de início, como Fleck opera de forma interessante com a história!
6 Fazemos aqui uma tradução livre da edição espanhola de 1986.
25
Num momento marcado por fomes, catástrofes e o surgimento de epidemias é que o
pensamento sifilidológico começa a tomar forma. Depara-se com tratados médicos que
deixam claro que as representações da sífilis tinham estreita ligação com questões
histórico-culturais: as explicações bebiam nos conhecimentos astrológicos em voga na
época, que postulavam “a conjunção de Saturno e Júpiter na terceira casa de Escorpião”.
Cabia lembrar que era sobre o signo de Escorpião que estavam submetidos os órgãos
sexuais. Na convivência com essa explicação havia também a religiosa, que garantia um
significado pecaminoso a enfermidade (Fleck, 1986:46).
Para que possamos entender como Fleck vai estabelecer as mediações entre o
passado e o presente, numa perspectiva que privilegia a ciência diante de sua natureza
histórico-cultural, é preciso que se tenha em mente dois conceitos que vão percorrer A
Gênese e o desenvolvimento do Fato Científico: o estilo de pensamento e o coletivo de
pensamento. De forma sintética podemos dizer que o estilo aponta para o modelo, a
forma de se perceber o conteúdo científico, que se faz dominante em uma determina
sociedade, referindo-se coletivo de pensamento aos atores responsáveis pela sustentação
e legitimação desse modo de ver/conhecer, cada um deles como uma espécie de
“portador comunitário do estilo de pensamento” e que “não deve ser entendido como
um grupo fixo ou uma classe social” (Fleck, 1986:149).
Assim, estilo/coletivo vão estabelecer uma dinâmica que se sedimenta em um
tempo e espaço específicos, numa interação com múltiplas influências provenientes de
vários estratos sociais e, tal como a própria história, compondo-se de eventos, crenças e
idéias anteriores. A sobrevivência dos coletivos é garantida pelos experts, ou
especialistas (círculo esotérico), mas, também, pelos não especialistas (círculo
exotérico). A circulação dos indivíduos dentro do coletivo é dinâmica, pois o coletivo
pode ser composto por vários círculos que se inter-relacionam (Fleck, 1986:152).
26
Portanto, Fleck considera que as vertentes explicativas da sífilis estão
mergulhadas numa “forte fundamentação psicossociológica e histórica” (Fleck,
1986:48). A ético-mística, nos séculos XV e XVI, mesclava astrologia e religião e dava
os contornos estigmatizantes da enfermidade que permaneceriam por muito tempo.
Outra, a empírico-terapêutica, com o uso do mercúrio misturava-se aos conhecimentos
da medicina humoral, de tradição hipocrática-galênica, que se baseava nos
desequilíbrios dos fluidos e nas analogias (sangue vermelho/mercúrio). Por último, no
conceito experimental-patológico estabelecia-se um fio contínuo com as interpretações
anteriores, pois permanecia o problema do sangue luético.
As concepções científicas referem-se, dessa forma, a pontos de vista
fossilizados. Ou, dito de outra forma, pertencem ao seu tempo, estão historicizadas.
Fleck vai mais adiante e estende esta assertiva às práticas científicas: da mais simples
observação cotidiana às grandes teorias, a natureza constitutiva e formativa desse
conhecimento é uma construção sociológica. O que se considera como prova em um
determinado estilo ou coletivo pode não o ser em outro. Partindo desse pressuposto,
podemos dizer que Fleck trilha um caminho que acaba por desfazer velhas oposições:
racional/irracional, prova/erro, lógico/ilógico, etc. As regras de procedimento empírico,
a exterioridade dos fatos científicos, e, de certo modo, a realidade em que se constitui a
prática, escapam de uma visão apriorística das coisas, pois são elementos de construção
“sócio-lógica”, psicossocial e não puramente lógica. Para ele há uma diferença entre
experimento e experiência, ao apontar que,
“enquanto o experimento pode interpretar-se como um simples
sistema de pergunta-resposta, a experiência tem que ser
concebida como um complexo processo de entretenimento
intelectual, baseado em ação recíproca entre o cognoscente,
o conhecido e o ‘por-conhecer’ ” (Fleck, 1986:56) (grifo
meu)
27
É importante ressaltar que descrever a história de determinado campo de saber
não é uma tarefa das mais fáceis. Há uma condicionalidade histórico-cultural que faz
emergir um campo, mas que em momentos distintos cruza-se e mistura-se com outras
linhas de desenvolvimento. Cada linha tentaria se sobressair numa direção idealizada,
ou seja, constituir-se como fato. Para Fleck seria como descrever uma conversa em que
cada interlocutor quisesse impor a sua voz. Nessa perspectiva, a formação do campo e a
construção de um fato deveriam manter omitida uma grande quantidade de material que
culminaria num “esquema mais ou menos artificial [que] ocuparia então o lugar da
descrição de uma interação dinâmica e vital” (Fleck, 1986:62). Pode-se concluir que ao
final surge um fato duro, sem história, num processo que “higieniza” este mesmo fato,
retirando as impurezas – erros e controvérsias, típicos de momentos históricos distintos
– de sua construção.
Fleck faz um jogo de construção/descontrução/reconstrução do fato científico,
em que não há nem erro absoluto nem verdade absoluta, mas um lado do discurso da
ciência que a coloca em conflito com sua história e diz que “o passado é muito mais
perigoso – ou, melhor dizendo, só é perigoso – quando nossos enlaces com ele se
mantêm inconscientes e desconhecidos” (Fleck, 1986:67). O conceito de sífilis depende
de sua história.
O tempo das ciências se desenrola (ou enrola-se) na prática e para a prática, o
que equivale a dizer que “a todo estilo de pensamento o corresponde um efeito prático”
(Fleck, 1986:151). Não é o tempo das rupturas, das revoluções (Kuhn, 2003), das
grandes descobertas. Caracteriza-se por regularidades históricas, numa primeira época
chamada de clássica, em que há plena concordância das postulações e, em um segundo
momento, em que as exceções são persistentes, e, em um terceiro, tendem a instaurar o
novo, ao superar os fatos regulares (Fleck, 1986:76). Mas o autor ressalta que
28
“sempre fica algo do estilo de pensamento anterior. Em
primeiro lugar, estão as pequenas comunidades isoladas que
mantêm invariado o velho estilo [...] Em segundo lugar, cada
estilo de pensamento contêm vestígios que procedem do
desenvolvimento histórico de muitos elementos de outros estilo.
Provavelmente se formam muito poucos conceitos novos,
isto é, conceitos, sem relação alguma com os estilos de
pensamento anteriores. A maior parte das vezes apenas varia
a tonalidade, como ocorre com o conceito científico de força,
ou com o novo conceito de sífilis que provém do conceito
místico” (Fleck, 1986:146) (grifo meu)
Fica claro que se trata de um tempo contínuo, por um lado, e descontínuo por
outro (pois há avanços e retrocessos, acertos e erros). É lento, sedimentado, fossilizado.
E como sendo um artifício conceitual, que objetiva estabelecer esta inter-relação
passado/presente, Fleck fala das “proto-idéias” ou “pré-idéias” pelo que conclui, a partir
de suas investigações, que “a reação de Wassermann constitui, em sua relação com a
sífilis, a expressão moderna e científica de uma ‘proto-idéia’ com séculos de
antiguidade que contribui pra a formação do conceito de sífilis” (Fleck, 1986:71).
Coube a Fleck uma iniciativa inovadora, atenta para a idéia de que o discurso
científico era muito mais plural, tortuoso e multidimensional do que podíamos imaginar.
Era o momento de dessacralizar a ciência e retirá-la de “um respeito demasiado grande,
próximo da veneração religiosa” (Fleck, 1986:94).
Em vista dessa rápida exposição de algumas questões que, ao nosso olhar, são
cruciais no texto de Fleck, pretende-se, agora, levantar alguns pontos de algumas obras
de Bruno Latour que promovam um entrelaçamento (não dos mais fáceis) dentro da
tentativa de lidar com alguns problemas incômodos durante a pesquisa do material
documental do antigo Instituto Ezequiel Dias.
29
Diferente da trajetória de Fleck, Latour tem sido um nome bastante discutido por
historiadores, filósofos, sociólogos e cientistas (no sentido “tradicional” do termo), na
atualidade. Suas obras, algumas de grande sucesso editorial, têm provocado grandes
polêmicas e debates acalorados. Foge aos nossos objetivos um levantamento sistemático
destas controvérsias, o que não nos impede de dizer que nossos autores – Fleck e Latour
– estão suscetíveis a críticas. Porém, no atual momento, pretende-se verificar quais são
suas efetivas contribuições para algumas discussões importantes no campo da história
das instituições médico-científicas.
Até pela vastidão da obra de Latour, considerou-se importante a seleção de
algumas que nos dessem a dimensão do pensamento desse autor e também de suas
modificações ao longo do tempo, o que encaramos como mudanças que acabaram por
levantar pontos muito interessantes para a história institucional.
Numa de suas primeiras obras, aquela que podemos considerar como inaugural
de suas postulações, A Vida de Laboratório: a produção dos fatos científicos, publicada
em 19797 em parceria com Steve Woolgar, pretende-se a sistematização daquilo que os
autores chamam de um projeto de uma etnografia das ciências. Baseada em um trabalho
de campo do próprio Latour, no Instituto Salk, entre 1975-1977, os autores tentam se
diferenciar dos trabalhos de antropologia das ciências anteriores, que estudavam outras
práticas, mas que tinham um demasiado respeito pelas ciências (Latour e Woogar,
1997:12).
O texto não vai se opor apenas à antropologia, mas também às varias correntes
históricas, sociológicas, filosóficas que pretenderam compreender a lógica da atividade
científica e malograram, segundo os autores. E este era um problema crucial, uma falha
que os autores consideram crucial nesta bibliografia, pois:
7 Publicada em inglês nesse ano. Tivemos acesso à edição brasileira de 1997, que é tradução da edição
francesa de 1986. Embora pareça conter modificações em relação ao original inglês, essa edição serve
como base para que possamos delinear o início do projeto de estudo das ciências de Latour.
30
“não havia um único livro, nem mesmo um único artigo que
descrevesse a prática científica de primeira mão,
independentemente do os próprios cientistas pudessem dizer, e
que fosse simétrico em suas explicações, redefinindo as noções
vagas das ciências humanas” (Latour e Woolgar, 1997: 18)
No que se refere especificamente à história, ela era “muito tímida, sobretudo na
França, e, na maior parte das vezes, ela não passa de uma roupagem da história das
idéias, quiçá da epistemologia” (Latour e Woogar, 1997:21). Há nesta crítica um ponto
importante, que percorre as obras de Latour: o de que só seremos capazes de entender
prática científica através dela, a partir dela, o que implica dizer que não cabe falar de
uma ciência idealizada, ou por tabela, através do que o próprio cientista diz, sendo
preciso ir ao laboratório e ver como as coisas acontecem8. É necessário ponderar que
não é preciso ser cientista, um preconceito que deve ser derrubado e “certamente é sobre
esse ponto que se deve trabalhar a questão, disciplinar o olhar, manter a distância. Aí
está o verdadeiro desafio, e não na aquisição de conhecimento, cuja dificuldade é
claramente superestimada” (Latour e Woolgar, 1997:27).
Para conseguir ir ao laboratório e ver, considerou-se um caso específico: a
construção do TRF(H), o isolamento desta substância, que é um fator de liberação
hormonal (Tryrotropin Releasing Factor – Hormone). Contudo, através dos arquivos
institucionais e da convivência no laboratório, descobriu-se que esta substância, já
considerada pelos cânones como um fato constituído, requereu um amplo processo de
construção, cheio de alianças, disputas e controvérsias, durante quase duas décadas, que
teve origem no início dos anos 60.
8 Tal perspectiva, se levada às últimas conseqüências, tende a inviabilizar o trabalho histórico. Mas, como
veremos adiante, Latour acabou por flexibilizar essa máxima, admitindo outras formas de se chegar aos
laboratórios (os de hoje e os de ontem) através de múltiplas fontes, não apenas da pesquisa de campo.
31
A questão é de não fazer do caminho um caminho de mão única. Quando se olha
para o TRF(H), sólida não se tem a idéia do que foi exigido para se chegar ali. Foi
preciso, então, se aproximar do discurso científico, familiarizar-se com ele e promover a
sua desconstrução. Apenas assim seriam esclarecidos conteúdo e contexto, algo que os
trabalhos precedentes não realizavam e que faziam parecer água e azeite, numa mistura
apenas aparente que não se efetiva na prática científica. Isto implicaria levar às últimas
conseqüências o princípio de simetria de David Bloor e do Programa Forte9:
“a noção de simetria implica, para nós, algo mais que para
Bloor: cumpre não somente tratar nos mesmos termos os
vencedores e os vencidos da história das ciências, mas também
tratar igualmente e nos mesmos termos a natureza e a sociedade
[...] O trabalho de campo que aqui apresentamos é, por
conseguinte, duas vezes simétrico: aplica-se ao verdadeiro e ao
falso, esforça por reelaborar a construção da natureza e da
sociedade” (Latour e Woolgar, 1997: 23-24)
O contato com as fontes fez surgir um laboratório como um espaço dinâmico
que tentava construir e legitimar fatos, com atores que operavam com as múltiplas
facetas do discurso: escrita, persuasão, controvérsia, discussão. Na terminologia
latourniana, um sistema de inscrição literária que visava atribuir sentido às atividades
científicas, sendo um espaço de “uma mistura complexa, de crenças, hábitos, tradições
orais e práticas” (Latour e Woolgar, 1997: 48-49). Dizer que há uma relação entre o
científico e o social não basta! É preciso perceber o processo em que esta interação se
9 De acordo com Palácios: “O Programa Forte da sociologia do conhecimento representa uma das
tentativas de formalização desta ruptura com a tradição pretérita da sociologia da ciência e de recuperação
dos clássicos da sociologia do conhecimento para a análise da ciência. Neste aspecto, Durkheim e
Mannheim são as duas referências mais importantes para a formulação original do programa, apresentado
de modo sistemático por David Bloor, em Knowledge and Social Imagery, publicado em 1976”. O autor
aponta, ainda, os quatro princípios enunciados por Bloor relativamente à sociologia do conhecimento:
princípio da causalidade, da imparcialidade, da simetria e da reflexividade. PALÁCIOS, Manuel. O
Programa Forte da Sociologia do Conhecimento e o Princípio da Causalidade. IN: PORTOCARRERO,
Vera (org). Filosofia, História e Sociologia das Ciências: abordagens contemporâneas. Rio de Janeiro:
Editora Fiocruz, 1994.
32
dá: e isto implica dizer que o ambiente humano e o material fazem parte da mesma
prática e não podem ser vistos em separado.
Numa análise dos artigos publicados sobre o TRF(H), entre 1970 e 1976, os
autores concluem que, no princípio, ao se falar da substância, o número de citações era
muito grande, e só caia em decréscimo à medida que o fato se solidificava. A
quantidade de citações não somente representava as controvérsias, mas, também,
objetivava trazer aliados para tal tese que ainda não tinha tanta credibilidade. Os
enunciados prontos fazem desaparecer esta luta cotidiana dos cientistas e mostram que o
fato “perdeu, por definição, qualquer referencial histórico” (Latour e Woolgar,
1997:101-102). Os fatos não podem ser dispostos numa mera sucessão cronológica,
sendo preciso explicitar sua construção social10
, mostrar como um “fato bruto pode ser
sociologicamente construído” (Latour e Woolgar, 1997: 104).
Perseguir o caminho dessa construção significava se deparar com uma outra
ciência. Era ver a disputa pela descoberta da substância entre laboratórios. Ver o
surgimento de alianças que pretendiam eliminar concorrentes. Perceber que mesmo as
regras de experimentação não eram tão lógicas assim, quando deixam claro que “os
critérios epistemológicos de validade ou falsidade são inseparáveis da noção sociológica
da tomada de decisão” (Latour e Woolgar, 1997: 121). Dizer que há um caráter
particular na atividade do laboratório, marcado no espaço e no tempo, que se efetiva na
prática. Era descrever as confusas conversas, transcritas detalhadamente, entre os
cientistas, em que os fatos são construídos e demolidos, num jogo de força e
negociação11
. Toma forma uma micro-sociologia dos fatos, a partir de micro-processos
no interior da ciência.
10
Como se verá a seguir, Latour irá, posteriormente, arrepender-se da expressão construção social. 11
Não teria Latour levado a sério o exemplo de Fleck segundo o qual descrever a construção de um fato
era como descrever uma conversa afiada entre interlocutores?
33
A ciência tem um momento inicial conturbado, de turbulência – definido como
um campo agonístico – que é um momento de luta pelo crédito científico, o que faz o
laboratório parecer uma pequena empresa. É preciso ressaltar, como neste instante, que
a perspectiva lembra as noções de campo científico propostas por Pierre Bourdieu. Para
esse autor, que elabora uma crítica ácida às postulações do clássico de Kuhn (Kuhn,
2003), faltava ao texto12
, dentre outros pontos, levantar a questão dos interesses que
movem os cientistas e que fazem do campo científico uma luta pelo monopólio da
autoridade científica, e dizer que “todas as práticas estão orientadas para a aquisição de
autoridade científica (prestígio, reconhecimento, celebridade, etc.). o que chamamos
comumente de ‘interesse’ por uma atividade científica [...] tem sempre uma dupla face.
O mesmo acontece com as práticas que tendem a satisfação desse interesse” (Bourdieu,
1994:124). Uma busca incessante pelo lucro simbólico, que gera um questionamento
dos paradigmas não apenas durante as chamadas revoluções científicas.
Apesar dessas e de outras semelhanças com pontos levantados por Bourdieu
querer elencá-los foge-nos ao objetivo –, Woolgar e Latour afirmam não acreditar
naquilo que chamam de “análises econômicas da ciência”, as quais tendem a ser muito
gerais e assimétricas. Para eles, em vez de crédito, um ciclo de credibilidade deixa mais
clara a visão em rede e interacionista da ciência que se quer introduzir (a qual envolve
reconhecimento, subvenção, dinheiro, equipamentos, dados, argumentos e artigos).
Bourdieu não teria explicado o que produz os interesses, nem como técnica e poder
social estão inter-relacionados, além de não ter considerado a demanda. Havia caído em
explicações tautológicas. Talvez, tal posicionamento de Latour e Woolgar faça parte da
tentativa de tornar claro um projeto de etnociência em oposição às perspectivas
anteriores, o que acabou por produzir um texto, em certos momentos, angustiante pela
12
O texto de Bourdieu a qual nos referimos é de 1976. Ver a coletânea: BOURDIEU, Pierre. O campo
científico. IN: ORTIZ, Renato (org). Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, 1994.
34
quantidade de termos cunhados, muitos dos quais similares aos de outros autores (o que
não justificaria a acusação de Bourdieu ser tautológico), mas jogados, todos, em vala
comum13
.
Alguns problemas que estavam latentes em Vida de Laboratório vão sendo
redefinidos em outras obras de Latour. Em Ciência em Ação14
, o autor tenta formalizar
uma série de regras e princípios que servirão para aqueles que pretendem estudar a
ciência, uma espécie de campo comum de problemas e métodos (e, deste modo, inclui a
história). É o percurso que quer novamente compreender como os fatos são construídos,
através de “duas ciências”, que se assemelham à figura criada do personagem Jano, que
percorre todo o livro, e tem dois rostos (como aquelas imagens de antes e depois): no
lado esquerdo de Jano, barbudo, está a ciência construída, e é de lá que saem as
máximas produzidas pelo fato bruto; no lado direito, sem barba, a ciência em
construção, não acabada e um tanto confusa15
.
O encontro com a ciência em ação fez Latour se deparar novamente com a
construção do fato e da certeza de que ele é uma obra coletiva, e que “uma pessoa
sozinha só constrói sonhos, alegações” (Latour, 2000:70). No cotidiano do laboratório a
descoberta original deixa de ser individual, pertence a vários e tende a transformar-se
em conhecimento tácito. Os artigos científicos, por demais abstratos e aparentemente
distantes do mundo, “parecem aborrecidos e sem vida, de um ponto de vista superficial.
Se o leitor recompuser os desafios que estes textos enfrentam, eles passarão a ser tão
emocionantes quanto um romance” (Latour, 2000: 90). Assim, a retórica científica é tão
eficiente, que faz com que o que foi construído pareça que não o foi.
13
Hochman tenta analisar e problematizar as mediações entre Bourdieu, Latour e outros. HOCHMAN,
Gilberto: A ciência entre a comunidade e o mercado: leituras de Kuhn, Bourdieu, Latour e Knorr-Cetina.
IN: PORTOCARRERO, Vera (org.). Filosofia, História e Sociologia: abordagens contemporâneas. Op.
Cit. 14
A primeira edição é inglesa e de 1987. 15
Este artifício de introdução de personagens como o Jano e, depois, como discordante, foi feito também
em Vida de Laboratório com a figura d’ o observador.
35
É uma ciência de captação que busca aproximar aliados e controlar opositores.
Aqui não há como não nos lembrarmos de como os médicos do Instituto Ezequiel Dias
souberam construir um projeto, com o serviço antipeçonhento, que não apenas atendia
aos interesses do Estado de Minas Gerais, ao qual não interessavam os altos índices de
acidentes com animais e homens (alguns relatórios falam em 1.150 mortes humanas e
12.240 de animais, no território mineiro, apenas no ano de 1924); aos fazendeiros, que
tinham interesse na redução dos prejuízos gerados pelos altos índices de picadas e
mortes do gado; à população, vítima direta e recorrente, dos peçonhentos; ao próprio
instituto, que ganhava crédito entre estes amplos setores e convertia na ampliação da
estrutura do instituto e na diversificação das pesquisas em outras áreas. Neste sentido,
Latour salienta que
“a maneira mais fácil de alistar pessoas na construção de fatos é
deixar-se alistar por elas! Ao promovermos o interesse explícito
delas, também favorecemos o nosso. A vantagem dessa
estratégia da ‘carona’ é que não precisamos de nenhuma outra
força para transformar uma alegação em fato; contendor pode
então tirar proveito de um outro, muitíssimo mais forte”
(Latour, 2000: 181)
A estas operações, em que os interesses de outros se transformam nos da ciência,
Latour dá o nome de translações. Sua conotação é material e lingüística. Derruba-se,
assim, a imagem da ciência isolada, para alguns, pura. Há uma questão pragmática que
permeia a ciência. E não há ciência mais ou menos próxima da sociedade. Pode-se dizer
até que, tal como algumas pesquisas na física ou matemática de que ouvimos falar, por
demais abstratas para nossos olhos, exigiram um amplo leque de mobilizações capazes
de proporcionar tal circunstância. Quanto mais esotérica, na verdade, mais exotérica ela
é (Latour, 2000:209-210).
36
É, também, em Ciência em Ação que Latour levanta uma questão que será
insistentemente repisada em obras posteriores (Latour, 1994; Latour, 2001): a
mobilização promovida pelos cientistas não se refere apenas a humanos, mas também
aos não-humanos. Esta é uma questão que nasce com a Modernidade e que os pós-
modernos não souberam resolver. A civilização que se diz moderna e que separou
homem e natureza, sujeito e objeto, na verdade não nasceu. Somos a inconcretude de
um sonho, pois o que a prática mostrou foi que houve uma proliferação na cena de
atores que não são nem sujeito, nem objeto.
O projeto latourniano amplia-se e grita, como a prática deixa claro, Jamais
fomos Modernos!16
E, se o discurso forjou uma separação que não se realizou, é preciso
que tenhamos uma atitude reformadora. Sermos não-modernos, que é o que deve
acontecer, significa não aceitar o falso dilema. Dito de outro modo, é uma redefinição
de homem e natureza – uma questão ontológica:
“a palavra ‘moderno’ designa dois conjuntos de práticas
totalmente diferentes que, para permanecerem eficazes, devem
permanecer distintas, mas que recentemente deixam de sê-lo. O
primeiro conjunto de práticas cria, por ‘tradução’, misturas
entre gêneros de seres completamente novos, híbridos de
natureza e cultura. O segundo cria, por ‘purificação’ duas zonas
ontológicas inteiramente distintas, a dos humanos, de um lado e
a dos não-humanos de outro. Sem o primeiro conjunto, as
práticas de purificação seriam vazias e supérfluas. Sem o
segundo, o trabalho de tradução seria freado, limitado ou
mesmo interditado. O primeiro àquilo que chamamos de redes,
o segundo ao que chamarei de crítica” (Latour, 1994:16).
E que híbridos são esses? São aqueles vistos a todo instante na prática científica.
E isto não requer uma metafísica. Requer uma nova postura que implique dizer que a
16
Em outros textos, Latour aponta que a questão pode ter germinado com os gregos, tal como explicita
em sua análise do Górgias. Ver LATOUR, Bruno. A esperança de Pandora: Ensaios sobre a realidade dos
estudos científicos. Bauru, SP: EDUSC, 2001.
37
natureza está lá, que sua existência é independente. Mas, quem coloca a natureza para
funcionar é o homem. Quem opera com ela e dá sentido a ela é o homem. Foi assim
com os átomos de Boyle, com os Micróbios de Pasteur, e, por que não?, com as cobras e
escorpiões do Instituto Ezequiel Dias. A partir desse instante, cabe dizer que podemos
também ser transformados por ela. É preciso um estudo simétrico que não separe o
mundo natural do humano.
É preciso promover uma nova “Constituição” moderna que una humanos e não-
humanos. Uma nova noção de tempo que abarque os híbridos e suas ações
politemporais.
Há uma relação de intercâmbio entre os micróbios e Pasteur (um precisa do
outro), como entre os peçonhentos e os médicos do Instituto. Eles foram mobilizados e
responderam a todo instante: nas expedições, nos experimentos, nas propagandas, nos
artigos. A natureza reformada abdica de uma dicotomia sujeito/objeto, por uma
perspectiva interacionista, que reivindica a historicidade das coisas (Latour, 2001: 173).
A Modernidade recalcada a que Latour se contrapõe tem um problema de raízes
na linguagem, num discurso que não pode se realizar na prática, e os
“pós-modernos acreditam que ainda são modernos porque
aceitam a divisão total entre o mundo material e a técnica de
um lado, os jogos de linguagem dos sujeito falantes de outro.
Mas estão enganados, porque os verdadeiros modernos sempre
multiplicaram, na surdina, os intermediários a fim de tentar
pensar o formidável crescimento dos híbridos ao mesmo tempo
em que pensavam sobre a purificação” (Latour, 1994:61)
Talvez seja esta a razão de ser tão cara a Latour a formulação de um novo arsenal
conceitual, muito inspirado na semiótica, que tenta dar o tom da audácia do projeto. É
preciso derrubar o abismo entre as palavras e o mundo.
38
Diante destas questões é preciso ressaltar que se tende neste trabalho a, no
mínimo, ponderar as críticas que apontam que Latour seja uma espécie de construtivista
e relativista radical, de que para ele tudo é ficção. Críticas com as quais, diga-se de
passagem, o próprio autor tenta dialogar (Latour, 2001). Numa outra leitura, as
operações realizadas por ele com as categorias sociedade, natureza, realidade, fazem-
nos crer que o autor quer ressaltar que elas não podem ser utilizadas como único eixo de
análise do discurso científico.
A sociedade não é uma categoria a priori, pois também está em construção com
os fatos científicos. Desta forma, faz-se importante pensar uma história contingente. A
sociedade é a todo instante mobilizada pelos cientistas durante as controvérsias e não
pode ser usada como um argumento para que se explique um fato duro. Outra questão é
a de que pensar a ciência através da sociedade seria uma perspectiva assimétrica, pois
sociedade e ciência estariam juntas na prática, não podendo ser separadas. Daí surgem
as complicações relativas ao emprego de expressões como construção social da ciência
(Latour,2000; Latour, 2001).
A idéia de realidade também é um ponto a ser considerado, pois esta é discutida
constantemente nos textos do autor. Ele ressalta que está longe de nós “a idéia de que
os fatos – ou a realidade – não existem. Neste ponto não somos relativistas. Apenas
afirmamos que essa ‘exterioridade’ é conseqüência do trabalho científico e não sua
causa” (Latour e Woolgar, 1997:199). A realidade não pode ser usada como julgamento
das ciências, pois a prática é também uma luta para tornar esta realidade possível. Dizer
que existe um conteúdo ficcional na ciência não é negar a existência da realidade, é
ressaltar que ela pode, muitas vezes, ser secretada, sendo mobilizada apenas quando as
controvérsias cessaram, e o fato se instituiu.
39
Com a natureza não vai ser diferente. Ela é a causa final da resolução das
controvérsias apenas quando estas já se estabilizaram, pois, enquanto durarem, a
natureza será simplesmente a conseqüência final delas. Tais concepções não significam
que os fatos não existem e que não precisamos da ciência, ou que tudo virou uma
grande falácia. Significam que precisamos de um meio termo para que nós, que
pretendemos entender a ciência, identifiquemos em que momentos os cientistas lançam
mão de tais categorias e o motivo pelo qual o fazem.
Tais apontamentos guardam muita semelhança com a perspectiva fleckiana
levantada anteriormente. A natureza não é por si só dotada da capacidade de aplicar o
carimbo do verdadeiro/falso, racional/irracional, lógico/ilógico. As “mutações” no estilo
de pensamento são construídas histórica-culturalmente, e
“o que era considerado há muitos anos um fenômeno
natural nos parece agora um conjunto de artefatos.
Rapidamente não poderemos dizer se a teoria de Koch é correta
ou incorreta, pois na confusão da situação atual começariam a
surgir conceitos novos, incongruentes com os de Koch” (Fleck,
1986: 72) (grifo meu)
Não são apenas as idéias que se adaptam, que se transformam, a percepção do
mundo também muda – esta é a natureza gestáltica da produção do conhecimento. Para
muitos é difícil aceitar que a transitoriedade não é uma marca apenas dos homens.
Nossas formas de ver/conhecer e atribuir significado à natureza também mudam,
“somente aquilo que é realidade para a cultura, é realidade para a natureza” (Fleck,
1986:81).
O advento do fato é o emblema bem sucedido de um discurso que homogeneíza
o estabelecimento de uma estrutura orgânica capaz de excluir o começo do processo, um
ponto de inflexão em que “surgem continuamente novas uniões e as antigas se deslocam
40
mutuamente, formando uma malha em flutuação contínua a que se denomina realidade
ou verdade” (Fleck, 1986:126).
Nossa a tentativa aqui foi a de mostrar como uma aliança entre dois autores
importantes no cenário dos estudos das ciências pode nos ajudar a olhar com outros
olhos a história das instituições médico-científicas.
Longe de uma comparação sistemática e exaustiva entre os dois autores,
percebeu-se, contudo, que as similitudes vão além da conclusão de que
“contam-se nos dedos de uma das mãos alguns livros
excelentes de memórias e de análises, escritos pelos próprios
cientistas, como os de Watson (1968) ou de Fleck (1979). Por
mais estimulantes que sejam estas obras, elas não podem
remediar a ausência de pesquisa, de observação direta, de
contradição” (Latour e Woolgar, 1997:19)
Há também um outro ponto. Não pode ser esquecido que as lentes que vêem a
ciência têm gradações diferentes para estes autores. Uma que se atém ao macro, outra
que quer ver o micro. Consideramos que, mesmo assim, a aliança não se inviabiliza. As
fontes podem requerer, em momentos distintos, problemas que exigem soluções macro
ou micro. Fazer com que ela se efetive e verificar a pertinência das respostas será outra
etapa do processo de pesquisa!
Por hora, cabe enfrentar este novo momento partindo de uma formatação
específica da idéia de ciência. Ela é interativa, articulada, sistêmica. Mas é também
sonhada e imaginada. Cheia de desejos. Cabe tentar analisar, como os “homens de
sciencia” do Instituto Ezequiel Dias fizeram o discurso tornar secretas questões que a
prática, a história e a cultura insistiram em nos fazer enxergar.
41
Capítulo 2 – Belo Horizonte: Um espaço para a ciência
A inauguração do Instituto Ezequiel Dias em Belo Horizonte17
, cidade fundada
em 1897, representava o novo e o moderno para a capital de Minas. É reveladora de um
grande empreendimento e de sujeitos que lutaram para fazer a semente da ciência
florescer em um espaço privilegiado, o da urbe construída sob égide da Modernidade,
de ruas largas, planejada nos ditames científicos da Higiene.
Veio como filial do Instituto Oswaldo Cruz, comumente chamada de
Manguinhos18
. E ser ligada a Manguinhos significava muito neste período. O Instituto
Oswaldo Cruz tornara-se um locus importante para a medicina, seja do ponto de vista de
novos modelos de organização das instituições médico-científicas, seja do ponto de
vista da circulação das idéias no interior da ciência médica: a novidade da vez era a
microbiologia.
O paradigma microbiológico vem empreender uma verdadeira revolução na
prática científica. A partir dele, começa o momento de uma verdadeira caçada aos
invisíveis. É a hora de lidar com novas formas de percepção da doença que passam pela
etiologia até a pesquisa, que ganha novos contornos experimentais e torna o laboratório
um espaço por excelência da atividade científica. Essa percepção culmina, dentre outras
17
A análise, do ponto de vista histórico, da fundação do Instituto filial de Manguinhos em Belo
Horizonte, foi feita pela primeira vez por Marques (1997). 18
A denominação de Manguinhos deve-se à localização do Instituto no Rio de Janeiro, na Fazenda de
mesmo nome, região de difícil acesso e repleta de mangues.
42
questões, numa nova lógica de organização das instituições biomédicas. As que
persistem reformulam-se, e inúmeras vão surgir sob os novos modelos.
Nesse contexto de mudanças das idéias, a ameaça da peste bubônica ao Brasil,
em 1889, colocou necessidades prementes a serem resolvidas. No caso de uma epidemia
era preciso ter institutos, pois a importação do soro era cara, e o tempo de viagem
colocava em dúvida a própria eficácia do medicamento. É assim que surge o antigo
Instituto Soroterápico no Rio de Janeiro, primeiramente subordinado à municipalidade
e, depois, federalizado. Anos mais tarde ganharia o nome do médico-sanitarista
Oswaldo Cruz, figura chave desses novos saberes médicos no Brasil.
A história de Manguinhos impressiona pela metamorfose dessa instituição. De
um limitado laboratório à Instituição de arquitetura imponente e influência científica
decisiva no Brasil e internacionalmente. A capacidade de crescimento foi para além da
cidade do Rio de Janeiro, e Belo Horizonte tornou-se o palco da fundação da primeira
filial do Instituto Oswaldo Cruz19
.
Os primeiros anos vão ser cruciais para legitimação desse novo espaço
institucional no contexto mineiro. A Instituição não vai fazer por menos. Um espaço
pequeno, a princípio com poucos funcionários. Mas a vocação para atividades
diversificadas já começa a aparecer desde os primeiros tempos.
Ezequiel Dias seria o responsável por fazer a semente da ciência florescer por
entre as montanhas de Minas. Para tal tarefa teve a contribuição de alguns outros
personagens que ajudam na mobilização da ciência no interior de uma Instituição e
buscam torná-la peça importante no quadro da saúde no Estado de Minas Gerais.
A perspectiva, por agora, é a de traçar a história desse momento inicial que
exigiu de diversos atores amplas estratégias e mobilizações que fossem capazes de fazer
19
Ver, para a história de Manguinhos, Benchimol (1990); Benchimol e Teixeira (1993).
43
deles, e da Instituição da qual faziam parte, personagens importantes para legitimação
de novas idéias científicas. É o momento de pensar como os espaços institucionais
ocupam lugar de destaque na construção dos fatos científicos, diante do novo modelo
microbiológico.
I – As instituições científicas no contexto das transformações da microbiologia
O último quartel do século XIX é decisivo para que os seres microscópicos
passem a figurar como atores importantes nas ciências. Se sua existência já era discutida
há muito tempo, é com Pasteur20
e sua instituição francesa que se inicia o processo em
que eles passam a compor a linha de frente da eterna guerra da medicina contra as
doenças.
Pasteur foi importante para que um invólucro espaço-temporal fosse construído
ao redor dos invisíveis. É uma mudança significativa, pois agora o campo de atuação
médica sofre um deslocamento. A arte de curar como espaço privado da relação de
proximidade entre médico e paciente sofre uma transformação. O impacto não é apenas
o de ver como seres invisíveis vão se tornando visíveis aos olhos através do
20
Pasteur nasceu em Dôle, na França, em 27 de dezembro de 1822. Sua área de formação era a química, e
ele tornou-se professor da disciplina na Faculdade de Ciências de Lille. Por volta de 1857 inicia seus
estudos a respeito da fermentação láctea. Recebeu prêmios da Sociedade Real de Londres por sua atuação
na cristalografia. Em 1865 foi premiado pela Academia Francesa pelos estudos sobre a fermentação.
Dedica-se, também, à raiva, à cólera aviária, dentre outros assuntos. Em 1888 é inaugurado o Instituto
Pasteur. Morreu aos 70 anos, em 28 de setembro de 1895, numa cidade nas proximidades de Paris. Para a
trajetória de Pasteur e seu papel na promoção de uma revolução pasteuriana, ver Benchimol (1990, 1999)
e Teixeira (1995). De acordo com Porter, “de modo algum foi Pasteur o inventor da ‘teoria microbiana’ –
a de que a doença é causada pela invasão do corpo por microorganismos vivos -, pois ela era veiculada
desde longa data. Mas ele foi o primeiro a mostrar, através de demonstrações experimentais convincentes,
que determinados micróbios efetivamente causavam determinadas doenças – no gado, nos suínos, nas
aves domésticas e, por fim, nos seres humanos” (Porter, 2004: 108). É bom que se diga que, apesar de
Pasteur não ter sido quem inventou a teoria microbiana, foi ele quem soube “se servir” de um invólucro
espácio-temporal específico do século XIX, para que o micróbio passasse a figurar entre um dos
principais inimigos da medicina. Daí se justifica, por exemplo, a afirmação de Latour de que os
micróbios não existiam antes de Pasteur (Latour, 2001).
44
microscópio21
, mas, sobretudo, o fato de o potencial aterrorizador na transmissibilidade
de doenças também tornar-se claro.
As cidades européias que passam, ao longo do Oitocentos, por uma grande
explosão demográfica têm uma outra multidão com a qual se preocupar22
– a de
micróbios. Foi assim que as políticas de saúde pública passam a ser decisivas, tendo em
vista o potencial socializador desse agente transmissor das doenças, dada a sua
capacidade de circular e atingir alvos distintos, quadro que se mostra mais aterrador
quando começa a ser vislumbrado seu potencial mortífero23
. Dessa forma, foi preciso
mudar as práticas, e a microbiologia “refundiu a legislação e organização institucional
da saúde pública; penetrou nos hospitais, modificando sua arquitetura, redefinindo seus
serviços e reordenando os gestos e a indumentário dos cirurgiões”. (Benchimol, 1990:
6)
Em 14 de novembro de 1888, o Instituto Pasteur de Paris foi inaugurado. Sua
história de atuação no campo científico francês e europeu também impressiona. A
estruturara organizacional, que privilegiava certa autonomia em relação ao Estado
francês e à Universidade, pode ter contribuído para o seu sucesso vertiginoso. A
autonomia administrativa foi facilitadora no processo de arregimentação de aliados para
o instituto, os quais vinham de setores privados e até do próprio governo. Tal
organização possibilitou um crescimento tripartite: em pesquisa, produção e ensino.
No Brasil, uma data marcante para a nova fase da institucionalização é o ano de
1899, com a ameaça da chegada da peste bubônica ao porto de Santos. Antes da
chegada da doença no Rio de Janeiro, o poder público solicitou a criação de um
21
De acordo com Porter, dentre outras transformações técnicas que foram importantes para a medicina, já
na primeira metade do século XIX, “o microscópio também foi imensamente aperfeiçoado, a partir de
aproximadamente 1830, pela correção da distorção, que permitiu rápidos progressos na nova ciência da
histologia, ou estudo do microscópico dos tecidos” (Porter, 2004: 104). 22
Para a questão das multidões no século XIX, ver Bresciani (1992). 23
Para maiores detalhes a respeito das mediações entre a microbiologia e a Saúde Pública, ver Rosen
(1994).
45
laboratório soroterápico, nos moldes do Butantan. O Barão de Pedro Afonso foi o
responsável pelo Instituto Soroterápico Municipal, do qual Oswaldo Cruz seria o
técnico.
A Fazenda de Manguinhos passou por uma reforma, e em 9 de maio de 1900 o
laboratório foi para a esfera federal, mas foi em dezembro 1902 que Oswaldo Cruz
assumiu a direção do Instituto.
Como foi dito, a microbiologia suscitou novas formas de o poder público
encarar as questões de saúde. Em alguns estados brasileiros, as mudanças científicas
culminaram na criação de serviços sanitários e de inúmeras instituições sob os auspícios
do novo arcabouço.
Em 1891 aconteceu a criação do Serviço Sanitário de São Paulo, que foi órgão
responsável pela saúde durante 47 anos, tendo substituído a Inspetoria da Província do
período Regencial. O serviço compreendia diversas Seções: Laboratório Farmacêutico,
Laboratório de Análises Químicas, o Laboratório Bacteriológico, que foi chamado
depois de Instituto Bacteriológico, um Instituto Vacinogênico, Desinfectório Geral, a
seção Demógrafo-Sanitária, Hospital de Isolamento e o Instituto Butantan (Almeida,
2003: 59).
O Instituto Bacteriológico Paulista já denotava esse novo viés da saúde, pelo
nome e por ser responsável pela microscopia e microbiologia, quando os assuntos
fossem epidemias, endemias e epizootias24
. Para dirigi-lo foi chamada uma figura que,
em tese, seria capaz de integrar a Instituição ao que havia de mais moderno no campo
científico. Indicado por Pasteur, veio Le Dantec, em curta passagem (dezembro de 1892
a abril de 1893), sendo substituído por Adolfo Lutz, que ficou no cargo até 1908.
24
A epidemia é caracterizada por doença infecciosa, de caráter transitório e que atinge grande número de
pessoas em uma determinada localidade; as endemias ocorrem em populações e/ou regiões específicas; as
epifitias são doenças, de caráter epidêmico que afetam os vegetais; epizootia é a doença que se dissemina
com rapidez e apresenta grande número de casos entre os animais.
46
Com o surto de peste bubônica em Santos foi necessária a implantação de um
laboratório exclusivo para produção do soro antipestoso. Instalaram-no na Fazenda
Butantan, em 1900. Vital Brasil, que havia participado das pesquisas que
diagnosticaram a peste no porto santista, foi incumbido de dirigi-lo. Em 23 de fevereiro
de 1901, o Instituto desvinculou-se do Bacteriológico e ganhou autonomia, passando a
se chamar Instituto Soroterápico do Estado de São Paulo, depois seria o Butantan
(Benchimol e Teixeira, 1993).
Em Minas, a organização de um serviço sanitário efetiva-se em 1895, com o
Decreto lei nº 144, de 23 de julho de 1895. A lei dá o tom da nova lógica organizacional
nas terras mineiras, que deveriam ser protegidas da presença dos seres microscópicos:
Art. 1º O Serviço Sanitário do Estado, subordinado à Secretaria
do Interior, será dirigido:
I - Por um conselho de saúde pública, que será o órgão
consultivo do governo nas questões referentes à higiene e
salubridade.
II - Por uma diretoria de higiene encarregada da execução do
regulamento sanitário que disporá de um instituto vacinogênico
e para análises químicas e de aparelhos de desinfecção.
III - Por delegacias de higiene e de vacinação nos municípios,
subordinados à Diretoria de Higiene.
IV - Por engenheiros, comissários de higiene e desinfetadores
contratados pelo governo.
§ 1º A diretoria de higiene se comporá do seguinte
pessoal:
a) De um diretor;
b) De um subdiretor;
c) De um chefe de laboratório;
d) De um secretário
e) De um auxiliar técnico do chefe de laboratório;
f) De dois amanuenses;
g) De um porteiro, que também exercerá as funções de contínuo
e de três serventes. Deverão ser médicos o diretor, o subdiretor
e o secretário; o chefe de laboratório deverá ser profissional de
provada competência. (Minas Gerais, 28 de Julho de 1895: pp.
1-2)
A atuação da Diretoria de Higiene era ampla. Tinha funções de estudo,
profilaxia e ação, que incluíam organização e fiscalização, no que se referia às questões
47
de saúde no Estado: estudo e saneamento; meios de prevenção; organização dos
socorros de assistência médica; inspeção de escolas, fábricas, hospitais, hospícios,
prisões, etc.; fiscalização dos alimentos, águas minerais; fiscalização da profissão
médica; superintendência da polícia sanitária; organização da estatística demográfico-
sanitária; fiscalização de cemitérios e obras públicas.
O regulamento de Minas mostra a tentativa de colocar-se, do ponto de vista da
ação pública, o Estado de Minas Gerais em consonância com os novos modelos de
gerência dos assuntos relativos à salubridade dos espaços.
O regulamento de 1895 também contempla a existência de um serviço de
profilaxia que estaria incumbido dos “trabalhos de desinfecção na Capital e nos
municípios, a remoção de doentes e cadáveres de moléstias contagiosas e o isolamento
de removidos” (Idem).
Em acréscimo ao que pôde ser verificado, convém dizer que o Serviço Sanitário
do Estado não foi organizado automaticamente. Alguns órgãos previstos na lei de 1895
só foram criados anos mais tarde25
. O Estado sentiu a necessidade de adequação, mas,
sobretudo, houve uma atuação com vistas aos surtos epidêmicos e episódicos. Não se
pode falar em uma preocupação sistemática e complexa da noção de saúde nesses
momentos iniciais.
Prova disso é que algumas regiões de Minas eram objeto específico de possíveis
intervenções, como demonstra a Lei 200, de 1896, que “autoriza o governo a mandar
estudar as condições que tornam a zona da Mata constantemente vítima de moléstias
infectocontagiosas, nomeando uma comissão e médicos e de engenheiros para organizar
um plano de defesa sanitária” (Minas Gerais, 23 de setembro de 1896:1). A lei
externaliza a postura do Estado para quaisquer obras que se façam necessárias e que
25
A Seção de Estatística da Secretaria do Interior seria criada com o decreto 1421, em 1900 (Minas
Gerais, 22 de Outubro de 1900).
48
possam, assim, estabelecer as “boas condições sanitárias daquela zona”. A ação
governamental era localizada, tópica.
Com o Decreto 1145, de 27 de junho de 1898, é promulgado o Regulamento de
Defesa Sanitária e Higiene Profilática a que se referem as leis 144 e 200. Sobre o
Regulamento sanitário cabe dizer que tentou pormenorizar o âmbito de atuação do
Serviço Sanitário em Minas Gerais: enfatizou os trabalhos de desinfecção na Capital e
nos municípios, o isolamento dos doentes, adoção de meios preventivos às moléstias
epidêmicas e endêmicas transmissíveis aos homens e animais, além de meios de
melhoramento das condições sanitárias de populações agrícolas e industriais, e abordou
a incumbência do serviço quanto à indicação de meios necessários para o saneamento
das diversas regiões (Minas Gerais, 27 de Junho de 1898: 1).
O Regulamento ainda estipula a criação de uma Estação Central de desinfecção
na Capital e outras quatro, em Juiz de Fora, São José do Além Paraíba, Cataguases e
Pouso Alegre. Além de estipular a existência dos hospitais de isolamento, especificou
que um deles deveria ser localizado na Capital do Estado. Para esses, cabe ressaltar que,
“além da boa, larga e abundante ventilação, iluminação e
abastecimento de água, da fácil disposição de suas paredes,
soalhos e tetos para o serviço de desinfecção serão postos em
contribuição todos os conhecimentos adquiridos pela higiene
moderna, para que satisfaçam os fins a que são destinados”
(Minas Gerais, 22 de Outubro de 1900: 2).
É importante observar que a lei dá nome a alguns daqueles que seriam
considerados os inimigos da saúde. Daí a necessidade do isolamento dos doentes
atacados e a estipulação de quais seriam as doenças e seus agentes causadores, algo que
mereceria maior atenção das autoridades. De acordo com o Art. 90, “para todos os
efeitos serão considerados como moléstias cuja notificação é compulsória as seguintes:
49
febre amarela, difteria, cólera morbus, peste, sarampo, escarlatina e febre tifóide”
(Idem).
A remoção do doente seria feita quando a casa do mesmo não apresentasse as
condições apropriadas. No caso de isolamento domiciliar ou de falecimento, os
cuidados seriam rigorosos, apontando-se que “o aposento interditado se conservará de
portas e janelas fechadas pelo prazo mínimo de 4 horas para que os germens em
suspensão no ar sejam arrastados pela ação da gravidade e pousem sobre as superfícies”
(Idem). É interessante a mistura que se faz no campo das idéias entre as concepções
miasmáticas e as novas teorias bacteriológicas. Ao que parece, a identificação do agente
causador da doença é apontada, mas o arcabouço no qual se tenta entendê-la e eliminá-
la ainda continua emaranhado em concepções anteriores26
.
A lei pondera que “tudo mais que não se acha consignado no presente
regulamento proceder-se-á de acordo com as práticas aconselhadas pela ciência”. Cabe
tentar entender como essas práticas científicas estavam inseridas em um processo lento
e que sua aceitação e legitimação exigiriam um amplo leque de mobilizações
simbólicas, as quais iriam para muito além do texto oficial.
A nova cidade também surgiu mergulhada nos pensamentos que misturavam a
salubridade dos espaços e a microbiologia.
26
Durante o século XIX houve um intenso debate entre contagionistas e infeccionistas a respeito da
compreensão da origem das doenças e, por suposto, acerca de como as autoridades deveriam agir para
debelá-las. Por contágio entendia-se a doença a partir de sua capacidade de se comunicar com os
indivíduos diretamente, através de objetos ou, mesmo, pelo ar do ambiente em que determinado doente
estivesse. A doença se propagava de indivíduo para indivíduo, sem a interferência de fatores atmosféricos
ou de qualquer outro que não se referisse ao doente “contaminado”. Já com a tese da infecção, a doença
era entendida como decorrência dos ares putrefatos que emanavam dos doentes e infestavam o ambiente
com “miasmas mórbidos”. Determinados climas e solos eram vistos como agentes facilitadores da
propagação desses maus ares. Chalhoub salienta que, no Brasil, não havia unanimidade em relação a um
ou outro paradigma, e algumas doenças, como a cólera e a febre amarela, produziam combinações
inusitadas entre as duas concepções (Chalhoub, 1996).
50
II – A saúde e a cidade moderna
A imagem de uma Belo Horizonte salubre desempenharia um papel importante
dentro dessas operações simbólicas e essas aproximações entre os espaços urbanos e a
novidade microbiológica, cumpririam um papel importante no complexo processo de
aceitação e cristalização das novas práticas científicas.
O antigo Curral Del Rei preenchia amplos requisitos para ser a nova capital de
Minas: águas, solo e relevo favoráveis; o clima ameno, a localização geográfica central.
Tais características tornariam o novo espaço higiênico e saudável, em sintonia com as
novidades científicas e republicanas. Mas houve contestações dessa imagem, em grande
medida, por conta do bócio e do cretinismo que assolavam a região. Os apelidos de
“Papudópolis” e “Arraial dos Papudos” se espalharam e eram usados de forma jocosa
por aqueles que eram contrários à mudança da capital para a região. Para alguns, as
causas da doença estavam na água. Outros associavam o bócio ao cretinismo, doença
que gera disfunção nos ossos do crânio, além de problemas no desenvolvimento físico e
mental. Desde 1893 e do início das discussões a respeito da mudança da capital,
relatórios foram produzidos acerca da situação de Belo Horizonte. A incidência da
enfermidade era colocada como um sério obstáculo a sua candidatura (Marques e Mitre,
2004).
Mesmo com a vitória obtida por sua escolha como a nova capital de Minas, o
problema não deixou de ser discutido. Um contemporâneo da época pintava um quadro
bem diferente da cidade saudável, higiênica e livre de doenças:
“O tipo geral deste povo é doentio. Magros, pouco desempenados,
na maioria havendo grande proporção de defeituosos, aleijados e
raquíticos. Ora, esta fisionomia quase geral da população de Belo
51
Horizonte desarmoniza completamente com a amenidade do
clima, com ar seco e batido quase constantemente pela brisa, com
a natureza do solo que é magnífica” (Alfredo Camarate Apud
Marques e Mitre, 2004: 187).
Até mesmo Oswaldo Cruz esteve em Belo Horizonte em 1901, em uma viagem
de estudos. Contudo, não há informação a respeito de nenhum trabalho ou relatório do
médico a respeito dessa questão (Idem).
A questão do bócio foi objeto de estudo e intenso debate a respeito da sua
etiologia. Pesquisas posteriores seriam realizadas por Baeta Vianna27
, preocupado com a
enfermidade e, sobretudo, com a degeneração hereditária que ela poderia vir a causar na
população, o que poderia, como conseqüência, provocar, ao longo do tempo, uma
inferiorização da raça. O próprio Carlos Chagas chegou a afirmar em estudos que o
bócio era uma decorrência da tripanossomíase americana, ou seja, seria causado por um
parasito (Marques e Mitre, 2004: 190). Com o tempo, essa hipótese foi perdendo terreno
devido às novas pesquisas, e, cada vez mais, a tese de inicial de Baeta Vianna relativa à
ausência de iodo no organismo humano foi se consolidando no meio médico e nas
políticas públicas de prevenção da doença28
.
No tocante à saúde na capital é importante mencionar algumas mudanças na
gestão administrativa do Estado, que atribui um papel ainda maior à nova cidade. Com a
criação do Serviço Sanitário, a estrutura organizacional de 1895 passou por uma
27
O medico José Baeta Vianna (1894-1967) graduou-se pela Faculdade de Medicina de Belo Horizonte,
em 1919. Fez especialização nos Estados Unidos e, ao voltar, tornou-se o primeiro professor catedrático
de Química Fisiológica do Brasil, atuando na própria Faculdade de Medina de Belo Horizonte. Pode-se
dizer que, a partir daí, constituiu um grupo importante para a formação de especialistas, muitos dos quais
se espalharam por outras instituições do Brasil. A valorização que ele atribuía ao papel formativo na área
pode ser mensurada através da importância que ele deu à biblioteca da Faculdade de Medicina, recriada
por ele em 1926 e por ele dirigida, durante muito tempo, até a sua aposentadoria, em 1964. Hoje ela
recebe o seu nome. Ver: SANTOS, Tomaz Aroldo da Mota. A história do Departamento de Bioquímica e
Imunologia [on line]. Disponível na internet: http://www.icb.ufmg.br/biq/biq/conheca.htm. s/d 28
A iodação do sal, como medida legal, a partir da década de 50 torna-se símbolo da aceitação da
explicação da doença como sendo causada pela carência do iodo.
52
sensível mudança a partir de uma nova reforma administrativa em 1898. Houve
demissão de pessoal visando à contenção de despesas, e a Diretoria de Higiene estadual
foi desativada, sendo suas funções transferidas para a prefeitura da Capital. Quanto aos
outros municípios do Estado, as questões de saúde ficariam sob a responsabilidade dos
delegados de higiene e vacinação, em cada local.
Um nome que não pode deixar de ser lembrado nesse processo é o de Cícero
Ferreira (1861–1920). Importante figura dos primórdios da medicina na capital de
Minas, desde o período da construção, Ferreira nascera em Bom Sucesso e diplomara-se
na Faculdade de Medicina do Rio de janeiro, em 1885. Após a formatura trabalhou
como clínico em São Sebastião da Estrela e na sua cidade natal, vindo para Belo
Horizonte em 1894 para se integrar ao corpo de funcionários da Comissão Construtora
(Salles, 1997).
O esculápio é das figuras mais ativas na saúde pública na capital, sua atuação
mostrando-se abrangente e decisiva para a profissionalização do campo médico e indo
desde a fundação e a participação em entidades de classe, até a criação de hospitais,
além de constituir-se em um dos principais articuladores na fundação da Faculdade de
Medicina em Belo Horizonte. Ferreira chegou a ser prefeito interino da Capital entre 20
de abril a 10 de maio de 1905, fato simbólico da credibilidade do médico junto à
sociedade belo-horizontina.
No início de seus trabalhos na Comissão Construtora da Capital era o
escriturário da 2ª Seção, designada como Fotografia e Meteorologia. 1895 é também o
ano de reorganização da comissão, que passa a ser dirigida pelo Engenheiro Francisco
Bicalho. O médico Cícero Ferreira passou, com a mudança, da 3ª Divisão de Serviços
Municipais para a 1ª.
53
Um fato importante nos anos em que a cidade seria levantada como capital foi a
construção, às pressas, em 1896, de um hospital de isolamento, num barracão de pau-a-
pique e cobertura de zinco, que foi improvisado na região do Calafate. Tal iniciativa se
deve ao surgimento de casos de varíola no pessoal responsável pela construção da
capital e diante das dificuldades na remoção de doentes até a distante Santa Casa de
Misericórdia de Sabará.
Como foi dito acima, em 1898, o Decreto 122 vai promover uma reforma com a
pretensão de diminuir gastos. Cícero Ferreira vai ser nomeado médico da Prefeitura,
lotado na Diretoria de Obras. Como médico da capital, permanece no cargo até 1906,
quando pede exoneração.
Durante esse período, suas funções na administração pública das questões de
saúde serão muito amplas: saneamento das localidades e habitações, com vista às
condições sanitárias da população; políticas de prevenção das epidemias e endemias;
direção do vacinogênico; inspeção de escolas, fábricas e locais públicos; fiscalização do
exercício da profissão médica; superintendência da polícia sanitária; organização da
estatística demografo-sanitária; fiscalização de cemitérios e matadouros. A amplitude da
atuação devia-se ao fato de terem sido essas as atribuições do antigo cargo de Diretor de
Higiene de Minas Gerais (Marques, 1996).
As poucas informações sobre o Hospital de Isolamento da capital, em 1896,
levam a crer na sua existência efêmera, para atender a uma demanda específica. Nota-
se que era premente a necessidade de uma instituição hospitalar que conseguisse agregar
a complexidade dos assuntos de saúde que se desenhavam na nova capital, com uma
população potencialmente em crescimento.
54
O perigo da epidemia da varíola em 1896 e as notícias sobre a chegada da Peste
no Porto de Santos, em 1899, colocavam as autoridades em alerta sobre o assunto. É
nesse contexto que surgem os primeiros movimentos relativos à criação da Santa Casa
de Misericórdia em Belo Horizonte.
A primeira reunião data do início de 1898, e já na segunda sessão, em 21 de
maio de 1899, é organizada uma comissão, para elaborar os estatutos, composta por
Cícero Ferreira, Adalberto Ferraz e Francisco Bressane. Em 18 de junho os estatutos
foram aprovados, e em 25 de junho de 1899 deu-se a instalação definitiva da Sociedade
Humanitária da Capital de Minas, que tinha como objetivo a construção do hospital. A
prefeitura doou os terrenos, e a instituição começou a funcionar no dia 7 de setembro de
1899, em barracas de lona. A construção das edificações não tardou, e a pedra
fundamental foi assentada em 16 de julho de 1900, quando o local já era nomeado Santa
Casa de Misericórdia (Salles, 1997: 40).
Em 03 de fevereiro de 1901 foi inaugurada a primeira enfermaria do novo
hospital. Nos anos iniciais, a instituição estava com o seguinte corpo clínico: Cícero
Ferreira, Olinto Meireles, Salvador Pinto e Benjamin Moss (encarregado da enfermaria
militar). O seu primeiro provedor foi Adalberto Ferraz da Luz, engenheiro e prefeito da
capital na época, que a dirigiu entre junho de 1899 e março de 190129
.
Cícero Ferreira também foi um importante interlocutor durante as negociações
para a criação de um Instituto de pesquisa na capital de Minas. Era o último período do
29
Em uma análise mais aprofundada da Santa Casa de Misericórdia, Marques (2005) discute os conflitos
internos da instituição, seu ideal caritativo e sua trajetória institucional associada a figuras como a de
Hugo Werneck. A assistência à saúde da mulher empreendida por Werneck demonstra como a questão do
papel do médico e da própria relação médico-paciente na cidade moderna ainda estavam regidos por
muitos códigos relacionados à religião, ao pudor, à piedade, ao papel da Igreja como instância mediadora.
No caso do nosso trabalho, tal perspectiva tende a nos atentar para o fato de que a microbiologia
pretendeu uma ampla modificação discursiva da prática médica, salientando cada vez mais o seu caráter
público e coletivo, o que não deixa de também carregar um tom “laicizador” da atividade médica, embora
não se possa esquecer de que, no cotidiano, as relações entre o corpo, a doença e a morte ainda eram
regidas por muitas permanências da antiga arte de curar.
55
governo do Presidente do Estado Francisco Salles, e múltiplos interesses convergiram
para a vinda de uma filial do Instituto Oswaldo Cruz para Belo Horizonte. Segundo
Pedro Salles:
“na gênese do Instituto está uma sugestão de Cícero Ferreira ao
Presidente do Estado, Dr. Francisco Salles, que então se dirigiu
ao Governo Federal, propondo uma conjunção de esforços a
fim de se organizar aqui uma Filial do Instituto de Manguinhos,
colaborando o Executivo mineiro com a sede, e o Governo
Federal com o material necessário e pessoal adequado” (Salles,
1967: 193).
Questões de ordem prática e de ordem simbólica estavam imiscuídas na vinda do
Instituto filial. Primeiro: era interesse do próprio Estado uma instituição que fosse capaz
de pesquisar e auxiliar nas questões de saúde pública. A grande extensão territorial
colocava a urgência no trato das doenças humanas e também de animais. Outro ponto
refere-se ao fato que Oswaldo Cruz vinha acumulando muita credibilidade com sua
atuação na saúde na capital federal e tinha o desejo de expandir o seu “jardim de
infância da ciência”30
para todo o território nacional. Seu concunhado, Ezequiel Caetano
Dias (1880 – 1922), havia se transferido para Belo Horizonte em busca dos ares das
montanhas que pudessem ajudar no tratamento da tuberculose.
Uma conjunção de fatores práticos somava-se à imagem da cidade moderna, que
deveria estar em sintonia com as noções de progresso e civilização, concepções que
tinham na ciência, agora intitulada por excelência experimental e laboratorial, um de
seus arautos. Era o momento de jogarem-se as sementes da nova ciência em terras
mineiras e de colocar-se a capital do Estado em consonância com as transformações que
tornavam o momento efervescente para a prática científica.
30
Expressão que Oswaldo Cruz usava com recorrência para se referir a Manguinhos.
56
III - Ezequiel Dias e a fundação do Instituto
Ezequiel Dias é dessas figuras singulares na história da medicina. Sempre
reverenciado por seus contemporâneos. É daqueles sujeitos que desperta a curiosidade
não apenas pelo lado científico, acadêmico, mas também por seus talentos literários, que
o faziam um exímio tradutor de Baudelaire nas horas vagas, além de sua figura pessoal,
cabelo e roupas que davam em alguns a impressão de um tom aristocrático e que
acabaram o tornando, sem dúvida, uma figura particular.
Nasceu em Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, em 11 de maio de 1880. Filho
do professor Caetano Dias e da Dona Elisa Gonçalves Dias.
Ezequiel Dias formou-se em Farmácia no ano de 1900, no Rio de Janeiro. Estava
também no quarto ano do curso de medicina e já era ajudante do Instituto fundado pelo
Dr. Pedro Afonso e, depois, dirigido por Oswaldo Cruz, de quem seria o proclamado
discípulo. Ao que parece, a profissão de farmacêutico havia sido escolhida,
primeiramente, como ocupação imediata para que o rapaz assim pudesse ajudar a
família. Em 1902 formar-se-ia em medicina, com a tese de doutoramento intitulada
Hematologia Normal.
Ezequiel ali esteve, portanto, desde os primeiros tempos daquilo que Oswaldo
Cruz gostava de chamar de “templo da ciência”, naquele tempo um pequeno laboratório,
de difícil acesso em uma região de mangues.
O primeiro contato de Oswaldo Cruz com Ezequiel Dias não deixa de haver
certa peculiaridade. Conta-se que a própria irmã de Dias interveio junto a Alfredo Porto,
um colega com quem Oswaldo Cruz mantinha um laboratório particular na cidade do
Rio de Janeiro, solicitando-lhe uma colocação para o irmão. O laboratório foi fechado,
mas Oswaldo Cruz foi chamado para atuar no antigo Instituto Soroterápico, e, então,
57
decidiu convidar Dias. Durante a entrevista e o primeiro contato do mestre com o futuro
discípulo, teria acontecido a seguinte indagação:
“- Em que ano está o senhor?
- No terceiro.
- Tem medo da peste?
- Não, Senhor.
- Está disposto a trabalhar tantas horas quantas forem
necessárias para cumprir as suas obrigações, sem dependência
de nenhum horário fixo?
- Perfeitamente.
- Agora uma última pergunta, à qual ligo muita importância: o
senhor conhece alguma cousa de bacteriologia?
O Moço teve um momento de dúvida: de um lado, a fascinação
que exercia sobre si o inesperado cargo de auxiliar de um
verdadeiro cientista, além dos proventos que daí lhe adviriam;
de outro lado, a consciência, que o compelia a dizer o a
verdade. Optou por esta, deixando-se, porém, cair,
interiormente, numa crise de abatimento moral.
- Não, senhor.
- Pois está muito bem; é esta uma das condições exigidas.
Tempos depois, valendo-se da bondosa condescendência do
Mestre, o ex-recruta perguntou-lhe curioso:
- Lembra-se das condições que o senhor me apresentou, para
ser seu ajudante?
- Mais ou menos.
- Por que é que o senhor fazia questão de um auxiliar sem
nenhum conhecimento de microbiologia?
- Por uma razão muito simples: porque se você soubesse
alguma cousa da matéria, devia ser muito pouco, só servindo
pra lhe dar presunção e, portanto lhe dificultar o aprendizado. E
eu prefiro certos ignorantes...” (Magalhães, 1957: pp. 128-129)
E foi dessa forma que Ezequiel começou a trilhar sua trajetória pelos caminhos
da medicina experimental.
No início do século, o beribéri era uma doença que despertava a curiosidade
quanto a sua etiologia. Muito se especulava, e alguns até diziam de uma origem
microbiana31
. Tendo em vista as necessidades de uma definição clínica do caso, o
Ministro da Justiça nomeou, em janeiro de 1904, uma comissão para estudar a etiologia
e a profilaxia do beribéri. Junto com Ezequiel Dias foram nomeados Henrique da Costa
31
Hoje se sabe que o beribéri é provocado pela carência de vitamina B1.
58
Lima, Francisco Fajardo, Pedro de Almeida Magalhães, Carlos Carneiro de Mendonça.
Segundo Octavio Magalhães, essa teria sido a primeira comissão fora de Manguinhos.
No começo de 1905, nosso médico seria nomeado para uma segunda comissão
fora do Rio de Janeiro, como Diretor de Higiene do Laboratório Bacteriológico do
Maranhão. A capital São Luiz havia passado por uma devastadora crise de peste
bubônica. Na estadia de Ezequiel lá, coube a ele reorganizar os serviços técnicos do
laboratório e ampliar sua atuação no Estado do Maranhão.
Porém, a tuberculose provocou mudanças na vida de Ezequiel, e chegara a hora
de ele vir para Belo Horizonte em busca dos ares da cidade mineira benéficos para o
tratamento da tuberculose, como se acreditava. Nesse mesmo ano, 1905, ele chega à
capital de Minas, tendo ficado um ano afastado de qualquer atividade científica. Octavio
Magalhães conta em seus Ensaios que, mesmo sendo requisitado a poupar-se de
atividades, Ezequiel Dias não suportou fazê-lo e, como não podia sair de sua casa,
localizada no Bairro da Serra, montou lá mesmo um “pequeno laboratório com
microscópio, lâminas, lamínulas, bateria de corantes, para exames ligeiros e diretos. Era
um verdadeiro pequeno laboratório de urgência” (Magalhães, 1957: 209). Assim que
melhorava, trabalhava na preparação da fundação do Instituto, um anseio que começava
a se tornar realidade.
O desejo de Oswaldo cruz, somado ao interesse do Estado de Minas Gerais e ao
fato de que Ezequiel Dias “voltara do Maranhão, necessitando viver em clima de
montanha”, foi fator crucial para uma mobilização que culminou com o aceite do
governo central, ainda em 1906. Como mostra o ofício do Ministro da Justiça e
Negócios Interiores:
“Tendo eu resolvido aceitar a proposta que, em ofício de 16 do
corrente, me foi feita pelo Secretário de Finanças do Estado de
Minas Gerais, para instalação, na cidade de Belo Horizonte, de
um estabelecimento filial do Instituto Soroterápico Federal para
59
estudo das diferentes epizootias, que reinam nos centros
pastoris, recomendo-vos providências no sentido de, com a
possível brevidade, de ser instalado o dito estabelecimento, para
cuja criação o Presidente do Estado supra mencionado oferece a
necessária casa, bem como os terrenos precisos para o plantio e
forragens.
Autorizo-vos, outrossim, a destacardes para o estabelecimento a
criar-se um dos médicos assistentes do Instituto Soroterápico
Federal”. (Idem: pp. 184-185)
O governo de Minas seria responsável pelas acomodações, e Manguinhos, pelo
corpo de funcionários e o material. O lugar escolhido, como foi dito, era bem
emblemático, no abrigo do poder, numa rua movimentada da capital ainda jovem de
Minas Gerais – na Praça da liberdade, com entrada pela Rua da Bahia.
Antes mesmo da inauguração inicial, o Instituto já era notícia devido à instalação
das luzes do local, cerimônia em que esteve presente, dentre outros, o Presidente do
Estado João Pinheiro da Silva e Luiz de Morais Junior, responsável pelas obras de
Manguinhos e por seu estilo eclético, agora também incumbido da mais nova filha da
“casa da ciência”. O arquiteto fez a adaptação do prédio às condições que propiciassem
que ali germinasse um laboratório científico. O jornal Minas Gerais, órgão oficial do
Estado, noticiou o acontecimento, e Magalhães transcreve ao leitor em seu relato de
memórias:
“Realizou-se ontem (27 de julho de 1907), a presença do dr.
João Pinheiro da Silva, especialmente convidado pelo Dr. Luís
de Morais Junior, engenheiro de obras do Ministério da
Indústria, a inauguração da luz desse importante
estabelecimento científico, destinado a prestar ao Estado
incalculáveis serviços especialmente na produção de linfas
vacínicas, contra as diferentes moléstias que são o tormento dos
criadores de gados bovinos, cavalar e suíno.
Haverá nesse estabelecimento seções especiais para o preparo e
conservação do soro antidiftérico e anticarbunculoso.
A iluminação ali instalada é produzida pela gasolina,
fornecendo uma luz incandescente, de belo aspecto. Os
visitantes foram recebidos pelo Dr. Borges da Costa, que ali se
60
achava, representando também o Sr. Ezequiel Dias, médico do
estabelecimento” (Magalhães, 1957: 181).
Em 3 de agosto de 1907, o Instituto Filial do de Manguinhos seria
definitivamente inaugurado com o devido cerimonial:
“Reliza-se hoje, ás 4 horas da tarde, com a presença do Exmo.
Sr. Dr. João Pinheiro da Silva, presidente do Estado a
inauguração oficial desse importante e útil estabelecimento,
aqui fundado pelo governo da União sob a direção do distinto
médico Sr. Dr. Ezequiel Dias”(Minas Gerais, 3 de agosto de
1907. p. 6).
A notícia da fundação do Instituto correu por terras mineiras através do Minas
Gerais, com uma minuciosa descrição espacial do Instituto e seus vários ambientes.
A entrada principal, onde estaria a fachada, seria voltada para a Rua da Bahia.
Por esta entrada estariam instaladas três dependências: gabinete do diretor técnico, a
sala de espera e a sala da vacinação.
Um salão principal seria “destinado a experiências diversas e inoculação de
bezerros”, e, de acordo com a descrição, nesse local se encontraria “um aparelho de
contenção dos bezerros, um forno Pasteur, vários maçaricos e uma autoclave, para
esterilizações, havendo ainda mesas para estudos em animais mortos e um aparelho para
trabalhos de vidros”.
Fica claro que o Instituto era um símbolo de uma modernidade científica que se
encarnava na microbiologia, sendo a descrição do espaço e dos equipamentos
adequados às novas idéias também símbolo de que a instituição já prenunciava ser um
espaço de luta pela legitimação de um paradigma.
A descrição das faces laterais esquerdas e direitas do salão, em que se encontram
“os gabinetes de bacteriologia com estufas de cultura, microscópios e vasilhame
61
apropriado para estes estudos”, dá a tônica da interface agora estabelecida entre o
laboratório, a microbiologia e seus artefatos na produção dos fatos científicos.
Os estudos da varíola, enfermidade, de surtos antigos na capital, sob a mira dos
poderes públicos, teria um espaço específico com “a sala de vacinação contra a varíola,
onde existem aparelhos para maceração, distribuição, etc., bem como pias e mesas de
cimento, para experiências”. As instalações também contemplavam um espaço
específico para a produção de soro contra a raiva. Conta-se, ainda, um gabinete para os
meios de cultura que seriam empregados no laboratório do Instituto, além da parte de
fora das instalações, onde se encontrariam o pavilhão dos bezerros e as casas de coelhos
e cobaias.
Ezequiel Dias não esteve presente na inauguração por se encontrar doente e
acamado, tendo sido representado por Borges da Costa.
IV - Percurso histórico do Instituto Ezequiel Dias
A partir do momento em que os diversos interesses se conjugaram na fundação
de um instituto em Belo Horizonte, os envolvidos trataram de efetivar a questão. A
Filial ganharia status importante no cenário das políticas públicas relativas à saúde.
Bem antes da inauguração, a legislação estadual referente à saúde dava espaço para o
estreitamento entre o governo Estadual e o Instituto Manguinhos, como pode se
verificar através da Lei nº 452, de 9 de outubro de 1906, que, dentre outros assuntos,
aborda a relação entre a Instituição e o Estado:
“Art. 3º. Fica o governo autorizado a contratar com o Instituo
de Manguinhos, ou outro congênere, o fornecimento de vacina
e soros de que necessitar a Diretoria de Higiene, bem como a
entrar em acordo com as filiais do mesmo Instituto pra estudo
62
bacteriológico de todas as moléstias epidêmicas ou endêmicas
que grassarem no território do Estado, devendo fazer parte do
acordo o estado de epizootias”. (Minas Gerais, 10 de Outubro
de 1906)
A lei 452 vinha para reorganizar o serviço sanitário do estado e por ela se via
que a relação com Manguinhos era complexa e abrangente, pois implicava no
fornecimento de soros e vacinas, além de fazer das enfermidades que viessem a
perturbar a ordem salubre do Estado objeto de estudo pelos parâmetros microbiológicos.
Com a fundação do Instituto em 1907, a relação com o poder iria estreitar-se
cada vez mais, e a Instituição tornar-se-ia, ao longo do tempo, peça chave para as
medidas estaduais no campo da saúde.
Não podemos deixar de salientar como a visão da atividade médica naquele
período era muito ampla. Muitas divisões, que nos parecem hoje nítidas, não se davam
naqueles tempos. Veja-se o caso desses nossos médicos, que atuavam no campo da
pesquisa e produção de gêneros biomédicos, passando pelo estudo das doenças em
plantas (epifitias), as doenças de caráter infectocontagioso e epidêmico em animais
(epizootias), sem perder de vista a relação médico-paciente, que não deixara de existir
(sendo a atividade clínica ainda muito estimada pelos doutores do início do século),
indo até a atividade médica que se faz pública e necessária. Esta que era capaz de
investir e gerenciar intervenções no espaço urbano e rural, em um objetivo crescente de
sanear os mais diversos e distantes locais.
O Instituto, ainda filial, exerceria um papel de intervenção prática na saúde
nesses vários campos, sem perder de vista a constante preocupação com a pesquisa.
Assumiu um caráter consultivo bastante significativo em relação ao Estado.
É preciso dizer que o Instituto foi maleável o suficiente para acompanhar todas
as mudanças na relação entre o Estado e os assuntos relativos à saúde.
63
Desde a reforma estipulada em 1906, Lei nº. 452, citada acima, as relações entre
o governo estadual e o Instituto estariam assentadas em bases legais. Mas a
reorganização propriamente dita apenas ocorreu em 1910, quando os serviços são
sistematizados com o decreto 2733, de 11 de Janeiro de 1910. A Diretoria de Higiene
Estadual, que havia sido extinta, retorna e passa a ter Zoroastro Rodrigues de Alvarenga
como Diretor, Samuel Libânio como Médico-auxiliar e Levy Coelho da Rocha no cargo
de Secretário. A Diretoria estaria subordinada à Secretaria do Interior e seria composta
por: um laboratório Químico de Análises, Serviço Geral de Desinfecção, Estatística
Demógrafo-sanitária e Hospitais de Isolamento.
Com a posse de João Pinheiro na presidência do Estado de Minas Gerais, Cícero
Ferreira vai ser nomeado para direção da Sessão do Café. Em 1909, como funcionário
da Diretoria de Agricultura, Terras e Colonização, vai ter papel decisivo na implantação
dessa Diretoria Estadual de Higiene.
Em 1910 houve também a inauguração de um outro Hospital de Isolamento, já
mais bem estruturado do que aquele da experiência do surto de varíola na época da
construção, em 1896. Seria um espaço importante para o tratamento das moléstias
infectocontagiosas. Oswaldo Cruz teria dado sugestões ao planejamento, e a construção
foi feita propositalmente afastada da cidade, na chamada VII zona suburbana, no bairro
Cardoso. Seu primeiro diretor foi Dr. Otávio Machado, que era, na época, delegado de
higiene da capital (Salles, 1997: pp. 46-47). O hospital teria também importante atuação
quando a epidemia da Gripe Espanhola chegou à capital mineira, em 1918.
O Instituto interagia com a sociedade e com as mudanças na saúde no Estado de
Minas Gerias e atuava assim com a prestação de serviços ao poder público, mas,
também, com particulares.
64
O laboratório do Instituto seguiria os passos da matriz-mãe Manguinhos no que
se refere à estratégia de unir prestação de serviços no âmbito da esfera pública e
privada. Naquilo que fosse referente aos seres invisíveis, ele seria aquele capaz de dar a
palavra de ordem, com profissionais, aparelhamento e pessoal dotado de credibilidade
científica suficiente para compor o discurso de consolidação da microbiologia na capital
de Minas.
Oswaldo Cruz via com bons olhos a consolidação das atividades da sua primeira
filial e também se colocava na linha de frente desse diálogo constante com os poderes
públicos estaduais mineiros. Alguns fatos confirmam essa tendência de pensamento do
sanitarista.
Em abril de 1908, ele fez uma 2ª visita a Minas (a primeira, como foi dito,
ocorreu em 1900, para o estudo do Bócio). Dessa vez era diferente, pois o sanitarista
vinha com um prestígio sem precedentes acumulado na ciência brasileira. Havia sido
considerado vitorioso na luta do poder público contra moléstias de caráter epidêmico
que assolavam a capital federal – a febre amarela e a varíola. Note-se que não fora uma
empreitada fácil. As medidas de Cruz nos dois episódios foram alvo de inúmeras
discussões e debates, dentro e fora do campo médico. Episódio símbolo de que as
atitudes do sanitarista tiveram que passar por uma intensa luta até a sua aceitação nos
eventos de 1904, com a Revolta contra a vacina obrigatória, que havia sido prescrita por
Oswaldo Cruz32
.
Mas o momento de 1908 era distinto desses tempos difíceis, o médico vinha
como um homem de ciência prestigiado internacionalmente, havia ganhado medalha de
Ouro na Alemanha, em 1907, por seus trabalhos junto às epidemias. Os jornais da época
ajudavam a envolver a figura de Oswaldo Cruz numa imagem de sabedoria, de homem
32
Para algumas abordagens da Revolta da Vacina, ver Sevcenko, 1984; Carvalho, 1987.
65
ligado a uma idéia de ciência e modernidade. Como não poderia deixar de ser, em
Minas foi aclamado:
“Os médicos mineiros, a modo do que já haviam feito os de
outros Estados e países, prestaram-lhe uma significativa
homenagem, oferecendo-lhe um banquete no Grande Hotel, à sua
chega à Capital Mineira. A oração da oferenda foi feita por Cícero
Ferreira. Oswaldo viera ver a organização da nova filial, e ao
mesmo tempo, visitar o discípulo e amigo. Era a ronda da
amizade, em busca dos corações sofredores” (Magalhães,
1957:191).
Em carta a Zoroastro Alvarenga, então Diretor de Higiene, trazia ao
representante do governo a receptividade em ampliar determinadas atividades do
Instituto, com vistas ao atendimento dos interesses do Estado:
“1 de Março de 1910
Prezado colega Dr. Zoroastro Alvarenga,
De acordo com o que combinamos na entrevista em que tive o
prazer de ouvi-lo venho hoje expor-lhe os pensamentos que me
ocorrem relativamente às idéias progressistas do Governo de
Minas e que teve a gentileza de me referir.
Julgo que faríamos obra proveitosa ultizando-nos da Filial para
preparo da vacina antivariólica e fornecimento da de peste da
manqueira. Outrossim, a Filial se encarregaria dos exames
necessários ao diagnóstico das entidades mórbidas e dos
assuntos que interessam à higiene em Belo Horizonte.
Anexa à Filial ficaria a Fazenda do Leitão na qual seriam feitas
as instalações necessárias para uma enfermaria veterinária e
posto de observação onde seriam examinados os animais
suspeitos provenientes das zonas criadoras do Estado e onde se
fariam experiências em grandes métodos profiláticos e
terapêuticos, ministrando-se, ali, também, aos criadores as
noções necessárias para por si poderem lançar mão desses
valiosos recursos profiláticos e terapêuticos.
[...]Se tais desiderat (sic) forem concretizados como é seu
desejo, o Estado de Minas poder-se-á ufanar de ter sido o
primeiro a ter uma instalação científica para auxiliar a indústria
pastoril e, estou, certo, colherá, em breve, fabulosos juros do
sacrifício que fará com novas instalações. E meu ilustrado
colega prestará um inolvidável serviço a seu Estado Natal e terá
ainda seu nome ligado à obra verdadeiramente meritória.
66
Com toda simpatia e sempre pronto a auxiliá-lo em tudo e em
sua administração já se anuncia promissora de abundantes
resultados práticos subscrevo-me, com sincera estima e
admiração.
Colega mto grato
(a) Gonçalves Cruz” (Magalhães, 1957: pp. 192-195).
As palavras de Oswaldo Cruz deixam explícitas as aproximações da Instituição
com o governo Estadual e vislumbram aquilo que se tornaria o Posto de Observação e
Enfermaria Veterinária do Ministério da Agricultura, a ser criado posteriormente, para
onde viria o futuro diretor do Instituto, Octavio de Magalhães. Em 1911 ele foi fundado
e, como ainda não havia sido construído o prédio próprio, funcionou nas dependências
da Filial. Seu primeiro diretor foi Henrique Marques Lisboa, que era, também, “filho
espiritual de Manguinhos”.
A atenção de Oswaldo Cruz e as iniciativas constantes de Ezequiel Dias junto à
Filial eram importantes para tecer a credibilidade dos cientistas e, também, um artifício
para que fossem criadas as redes científicas que lhe possibilitassem o contato com
amplos setores sociais, que seriam de vital importância, se a instituição quisesse
verdadeiramente se expandir e se fazer cada vez mais importante em terras mineiras. A
empreitada é clara. Por toda a documentação ficam explícitos os esforços para dar ao
Instituto um lugar de destaque no meio médico e na sociedade em Minas.
Para uma maior aproximação do Instituto junto ao corpo social seria interessante
que fossem abordados assuntos que pudessem facilitar o encontro entre ambos. A
capital mineira, desde os tempos de sua construção, com os processos de terraplanagem,
estava exposta aos inimigos peçonhentos que proliferavam por várias partes. Apesar de
sua áurea moderna, a cidade estava assolada pelo terrível mal que atingia populações e
causava o terror: cobras e escorpiões entraram em cena e contribuem para o crescimento
do futuro Instituto Ezequiel Dias.
67
V – A criação do Posto Antiofídico em 1918
A questão dos acidentes com animais peçonhentos estava presente à época nos
relatos a respeito da capital mineira. Belo Horizonte era um local com altos índices de
mordeduras de cobras e picadas de escorpiões. Tal situação ajudava a compor um
quadro inusitado que se fazia de tais seres: se constituíam, por um lado, objeto de
pânico por parte da população, por outro, eram propiciadores de inúmeras lendas,
práticas peculiares relativas aos tratamentos depois das picadas, que traziam à tona
mezinhas, soluções mágicas, curandeiros e alguns personagens exóticos que compõem o
caldo cultural das primeiras décadas da capital.
O Instituto poderia se fazer importante no assunto, pois as questões referentes
aos peçonhentos traziam novos métodos de tratamento que, nitidamente, se
contrapunham às diversas práticas populares que rondavam a questão. A soroterapia
seria agora o tratamento defendido pelos médicos como universal e único capaz de
aplacar os perigos no momento da urgência do acidente com o animal peçonhento
(Diniz, 1998)33
.
Portanto, com a constatação de que a cidade era claramente um foco de cobras e
escorpiões, seria importante pesquisar o assunto e dar resposta a uma demanda que
urgia em amplos setores: na população comum, que sofria ao encontrar os terríveis
peçonhentos pela frente; junto aos fazendeiros, que colocavam em pauta um fator
econômico relevante, devido ao fato de que era também muito alta a incidência de
acidentes com animais (principalmente com o gado); e do próprio poder público, a
quem os números vertiginosos de picadas não eram nada agradáveis, para Minas Gerais
e para a cidade que se proclamava moderna e salubre.
33
Diniz (1998) faz uma abordagem do processo de aceitação da soroterapia no tratamento de acidentes
com animais peçonhentos e a contribuição fundamental das pesquisas de Vital Brazil.
68
Um exemplo de que a questão chamava atenção é o fato de que as negociações
para a criação do posto mobilizaram diversos atores da sociedade mineira, entre os quais
médicos, gente ligada às letras e setores ligados à economia do estado. A idéia de um
serviço do gênero na capital era antiga, mas foram necessários alguns anos até que se
efetivasse. Octavio de Magalhães relata que o início das conversas para a criação do
posto se deu em meados de 1917, quando o escritor Gustavo Pena encaminhou uma
carta à Sociedade Mineira de Agricultura. Como se discutirá no próximo capítulo, a
Sociedade Mineira de Agricultura (SMA) foi um importante ponto de apoio para o
Instituto. Médicos, cobras, escorpiões e micróbios iriam compor uma importante rede
para outros projetos que uniam os interesses no interior do laboratório e para outros,
ligados à construção da nação brasileira na Primeira República e ao desenvolvimento
econômico do Estado de Minas Gerais.
Na construção das redes da ciência, o papel de mobilização desses diferentes
grupos foi eficiente, e os preparativos para a criação do posto se agilizaram. Em 27 de
outubro de 1917, Vital Brasil, que dirigia a instituição já famosa no que se referia aos
assuntos que envolviam os peçonhentos – Instituto Butantan – mandava um orçamento
como modelo para a fundação do Posto em Belo Horizonte.
No dia 1º de fevereiro de 1918 foi assinado o acordo entre o Governo e a Filial.
Por esse acordo, o Estado contribuiria com a manutenção do posto, havendo um outro
acordo com o próprio Instituto Butantan:
“Acordo entre o Posto Antiofídico de Belo Horizonte e o
Instituto Butantan:
1º O Posto colherá o veneno das serpentes que lhe forem
enviadas e depois de prepará-lo segundo a técnica do Instituto
de Butantan, remetê-lo-á a este estabelecimento, em tubos
fechados a lâmpada, cada espécie de veneno separadamente.
2º O Instituto de Butantan cederá uma ampola de qualquer dos
soros antipeçonhentos, pelas sguintes qualidades de peçonha:
Veneno de Crotalus terrificus ...... 300 Miligramas
Veneno de qualquer das Lachesis ...... 500 Miligramas
69
Veneno de qualquer das Elaps ...... 30 Miligramas
3º As serpente raras ou desconhecidas serão conservadas no
Posto e enviadas ao Instituo, que depois da competente
determinação científica, devolvê-las-á àquele estabelecimento,
ficando com as duplicatas e com os tipos das espécies novas.
Butantan, 28 de outubro de 1917.
(a) Vital Brasil.
Diretor do Instituto” (Magalhães, 1957: p. 197-198)
A Instituição paulista era renomada devido à produção do soro antiofídico. Para
alguns historiadores que se dedicaram à história das instituições médico-científicas,
nessa época “o Butantan deixou de ser uma instituição voltada só para a produção de
imunizantes, rotina que variava segundo os espasmos epidêmicos locais, para se tornar
o mais importante baluarte das novas metas instituídas para a saúde pública”
(Benchimol e Teixeira, 1193:105)34
.
O contrato com o governo do Estado não tinha data limite, mas o contrato com
Butantan não aconteceu da mesma forma. No ano de 1919, a instituição paulista passou
por uma grave crise, que culminou na saída de Vital Brazil da direção. Há algumas
controvérsias a respeito do fato. Alguns relatos informam que, apesar de Arthur Neiva,
que dirigia o Serviço Sanitário Paulista desde 1916, ter planos ambiciosos para o
Butantan, aconteceram atritos entre as duas figuras renomadas. Certo é que Brazil deixa
a instituição em 1919, levando consigo peças importantes do quatro funcional do
Butantan, e funda em Niterói, no Rio de Janeiro, um instituto privado – o Instituto Vital
Brazil – com o apoio do presidente daquele estado, “dr. Raul de Morais Veiga, que lhe
concedeu o terreno e uma subvenção, mediante o compromisso de que fabricasse a
34
Os autores ainda ressaltam que, com a entrada de Arthur Neiva, em 1916, no Serviço Sanitário de São
Paulo, havia um plano ambicioso de crescimento do Butantan, que pretendia torná-lo um grande centro
produtor de medicamentos, para suprir o mercado nacional e o de outros países da América do Sul, além
de adaptá-lo para que tivesse plenas condições de competir com Manguinhos. Para conseguir seu
objetivo, Neiva usou toda sua credibilidade e a força de seu discurso a fim de solicitar verbas para a
instituição paulista. Em um Relatório da Diretoria do Serviço Sanitário, ele usa a filial em Belo Horizonte
para questionar certos privilégios que seriam dados ao Instituto Oswaldo Cruz, que “fundou em Minas
uma filial subsidiada com 30 contos e que além disso vende seus produtos e vacinas ao governo do
estado” (NEIVA apud Benchimol e Teixeira, 1993: p.115- 116).
70
vacina anti-rábica e realizasse os exames bacteriológicos de que carecia a Inspetoria de
Higiene e Saúde Pública” (Benchimol e Texeira,1993: 164).
Com a fundação do Instituto Vital Brazil, em Niterói, a Filial belo-horizontina
de Manguinhos passa a estabelecer o antigo acordo com o novo Instituto, que vai ter
longa duração, até 1936, quando cessa, mas as relações interinstitucionais não
terminam, como se verá a seguir.
Quanto a isso, é importante que se diga que tais relações institucionais foram
importantes, pois em Belo Horizonte o laboratório era pequeno, e o fabrico do soro
exigia uma grande complexidade, técnica e estrutural, que não se tinha nos primeiros
tempos. O Instituto demorou bastante para conseguir auto-suficiência na produção e
remessa de soro. Por um longo período recebia o veneno das cobras enviadas por
fazendeiros, gente comum, instituições em Minas Gerais. Depois de recebida, a matéria-
prima era levada para o Rio de Janeiro, e o Instituto Vital Brazil enviava a remessa
correspondente de soro obtido. Ao chegar a Belo Horizonte, os soros eram
costumeiramente remetidos aos fornecedores de cobras. Obviamente, ao longo do
tempo, a Filial foi aumentando a quantidade de cobras de seu serpentário, o que
possibilitava manter uma reserva para as constantes emergências que sempre bateriam
às portas do Instituto no decorrer do longo funcionamento do Posto.
Como se verá mais adiante, desde seus tempos de Filial, o Instituto desenvolveu
inúmeras pesquisas. Logo nas primeiras décadas de existência fica bem claro um
ecletismo na pesquisa empreendida por seus técnicos, com trabalhos relacionados à
raiva, micologia, epidemias, epizootias, exames bacteriológicos e, principalmente, aos
estudos chamados de escorpionismo e ofidismo, que foram o grande chamariz do
Instituto.
71
Logo nos primeiros anos, após a criação do posto, é interessante verificar que a
atividade foi considerada uma verdadeira “cruzada”, que pretendia eliminar os altos
índices de acidentes. Serão feitas inúmeras viagens atrás de cobras e escorpiões. O papel
dessas expedições no contexto da Primeira República será analisado no capítulo
seguinte.
O Posto previa a elaboração de relatórios anuais enviados ao Secretário de
Agricultura. Por eles conseguimos mensurar como a atividade foi importante para o
Instituto e como ela foi cresceu e se misturou com outros objetivos muito maiores.
Uma instituição cresce e consegue se solidificar a partir do momento em que
consegue tornar sua rede de aliados cada vez maior e desmobilizar cada vez mais seus
concorrentes, como pode ser visto nos momentos de crise da filial. Prova da importância
que se dava ao envio de cobras é o fato de que muitas listas de fornecedores de cobras
do Instituto foram também publicadas no Minas Gerais, órgão de imprensa oficial que
comporia mais um elo junto à cadeia de alianças que o Instituto formava.
Apesar de se chamar Posto Antiofídico, ele foi a porta de entrada para os
peçonhentos em geral, principalmente os escorpiões, que eram também grandes vilões
da saúde em Belo Horizonte. No ano de 1918 começaram os estudos intitulados
escorpionismo na Filial. Foi no mesmo ano em que se deu início ao preparo do soro
antiescorpiônico. Eurico Vilela era um novo técnico comissionado em Minas e teve
papel fundamental nesses primeiros tempos no serviço antipeçonhento.
Um ponto que é preciso ressaltar é que 1918 foi mesmo um ano muito
importante para o campo médico. Foi um período em que a atividade médica esteve na
pauta da política brasileira por uma série de fatores. É nesse ano que tem início o
movimento pelo saneamento do Brasil, que pretendia levar a saúde para todos os
territórios brasileiros; principalmente para os esquecidos sertões, que os médicos
72
identificavam por um cenário comum e desolador cheio de “idiotas” (atacados pela
Doença de Chagas) e opilados (contaminados pelos vermes da Ancilostomose, a
“doença do Jeca Tatu”).
Foi nesse mesmo ano que houve um grande desafio para a saúde pública e para a
própria microbiologia: a Influenza, ou Gripe Espanhola, de 1918, que mostrou de forma
feroz e aterradora até onde poderiam ir os invisíveis. A Gripe Espanhola colocou em
xeque paradigmas científicos e a própria organização médica. Sobretudo, foi um tapa
nas autoridades brasileiras acerca da real eficácia da gestão pública da saúde, a
deficitária institucionalização hospitalar e a ausência de um sistema interligado, que não
se constituía nem como rede de informação, nem tampouco como atendimento direto e
eficaz a quem dele necessitava (Silveira, 2004).
A epidemia se alastrou por várias partes do Brasil, e as regiões portuárias
tiveram uma situação mais complicada no que tange à disseminação da pandemia35
.
A Influenza chegou à capital mineira em outubro de 1918, através de passageiros
que haviam sido infectados no Rio de Janeiro. As autoridades, no começo, insistiriam
na tese de que a moléstia que se apresentava em Belo Horizonte era uma forma benigna
da doença. Tal idéia teve de ser revista com a expansão da enfermidade e o quadro
lúgubre que se desenhava na pretensa cidade salubre, então a se mostrar impotente
quando a pandemia se efetivou, fazendo dezenas de mortos e doentes. Não havia órgãos
capazes de fornecer o atendimento que a situação requeria. Conta-se, ainda, a
35
De acordo com Silveira (2004), a imagem da cidade salubre, isenta de doenças, remonta à construção
da Capital. Tal imagem, difundida pela imprensa e pelos relatórios, era reforçada pela “ausência das
principais moléstias epidêmicas e contagiosas que tanto preocupavam a população e os administradores
de outras cidades brasileiras. Os dados estatísticos relativos às moléstias transmissíveis divulgadas pela
Diretoria de Higiene para os anos de 1910-20 revelam que doenças como cólera, peste e febre amarela –
que tanto depunham contra a salubridade urbana – não tinham impacto na taxa de mortalidade da capital
mineira” (Silveira, 2004:136). A força desse discurso salubre era simbolicamente tão forte que provocou
um atraso nas ações efetivas, em Belo Horizonte, relativas à contenção da epidemia, o que também se
refletiu nas próprias lacunas a respeito da memória da Influenza na capital.
73
deficiência de um corpo clínico significativo que pudesse dar conta do combate à
moléstia.
A situação foi a tal ponto que a própria Faculdade de Medicina chegou a instalar
um hospital provisório. Com o agravamento da situação, em novembro de 1918, Samuel
Libânio, que na época era o Diretor de Higiene do Estado, convocou os principais
profissionais da saúde na capital de Minas, entre os quais lá compareceu Ezequiel Dias,
que junto com seus colegas ajudou nas orientações acerca das atitudes que deveriam ser
tomadas pela Diretoria de Higiene (Silveira, 2004).
Manguinhos também teve um papel importante na pesquisa da etiologia da
Influenza pandêmica de 1918. Octavio de Magalhães trabalhou ativamente na pesquisa,
por meio do isolamento do agente etiológico, junto com Aristides Marques da Cunha e
Olympio da Fonseca Filho, todos vinculados ao Instituto Oswaldo Cruz.
Um evento dessas proporções, como não poderia deixar de ser, produziria efeitos
no campo médico, que tendeu a se amalgamar diante da adversidade. Passado o tempo
do assombro, seria o momento de elaborar cobranças às autoridades acerca do
aparelhamento dos serviços de saúde, os quais mostraram sua precariedade diante da
situação.
Como foi dito, por esse conjunto de situações, 1918 vai ser um ano chave para o
debate do saneamento do Brasil.
Nesse contexto, uma instituição que foi capaz de mediar o diálogo entre os
médicos e os poderes públicos foi a Fundação Rockefeller.
A Divisão Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller foi criada em 1913
nos Estados Unidos e tinha objetivo de desenvolver atividades ligadas ao fomento da
saúde pública em diversos países, inclusive em sua terra de origem (Campos, 2006: 34).
Uma instituição de caráter filantrópico, que teve, entretanto, um papel mediador no
74
incremento dos serviços sanitários em vários territórios, através da pesquisa – com
destaque para doenças como a ancilostomose, a malária e a febre amarela – e na
educação médica, com fornecimento de bolsas de estudo para o aprimoramento
profissional no EUA36
.
Ao Brasil a Fundação Rockefeller chega em 1916, quando foi enviada ao Rio de
Janeiro uma missão por sua International Health Board. A partir daí vai estabelecer
inúmeros postos pelo território, o que contribui decisivamente para o projeto de
interiorização da saúde e conseqüente saneamento das regiões que se distanciavam do
litoral. Um empreendimento que vinha a se aliar com o momento pelo qual passavam o
Instituto Oswaldo Cruz e alguns de seus pesquisadores, que enveredavam pelo árduo
caminho de levar a ciência aos rincões (Marques, 2004).
Em Minas Gerais houve grande investimento da fundação norte-americana,
podendo a influência da Rockefeller ser vista com maior ênfase, principalmente a partir
da elaboração no Regulamento Sanitário Rural de Minas Gerais de 1918, que se
dedicava à profilaxia de doenças consideradas endêmicas ou epidêmicas em Minas
Gerais. Algumas, nesse momento, teriam grande destaque, como a malária, a
uncinariose (ancilostomose), a doença de Chagas e a lepra, entre outras. A
ancilostomose foi um importante objeto de estudo da fundação, e, em países como o
Brasil, era uma doença que tipificava a realidade rural brasileira, pois sua transmissão
estava ligada às questões de falta de higiene e saneamento dos espaços. Era a doença do
Jeca Tatu, que funcionava como um estereótipo desse brasileiro, adoentado e fraco, do
interior.
Assim, dentro de todo esse contexto em que a saúde passa a figurar na pauta
política brasileira, o Serviço antipeçonhento foi decisivo para acumular muito prestígio
36
Eugenio de Souza e Silva foi um dos técnicos do instituto que receberam bolsas da Fundação
Rockefeller.
75
para o Instituto. É muito forte a imagem de um lugar que vem trazer alento no momento
de pânico oriundo de uma picada de cobra ou escorpião. E o serviço se interligou à
dinâmica da ciência no período, inserindo-se de forma bastante peculiar nesse projeto
maior de saneamento do Brasil.
O serpentário, desde os primeiros tempos do Posto, ajudava a construir um
imaginário muito peculiar. Mas não se pode perder da memória o fato de que, mesmo
com um espaço limitado e com a constante escassez de recursos, o Instituto foi
importante local de pesquisa de diversos assuntos relacionados à saúde. Apesar dos
obstáculos, desde os primeiros tempos, havia um laboratório aparelhado e em
consonância com as novidades da microbiologia, estando a biblioteca sempre
atualizada, algo fundamental para a circulação das idéias científicas e daquilo de mais
de recente que estava sendo discutido nos periódicos médicos.
VI - O Instituto Ezequiel Dias e o campo médico
O ecletismo foi fundamental para que o Instituto também tivesse sua
contribuição na profissionalização dos médicos na capital. Fato que se comprovou pela
presença de Ezequiel Dias, Octávio de Magalhães e de muitos outros no corpo docente
da Faculdade de Medicina. E a relação era bilateral. Da Faculdade também vieram
alguns nomes importantes na história do Instituto, pois ali se tinha a liberdade de
pesquisa e as condições estruturais que possibilitariam o seu desenvolvimento e,
portanto, “foi uma das altas finalidades da Filial: instruir séria, sincera e profundamente
os moços da escola honesta e despertar-lhe o amor e mesmo a paixão pelos problemas
de biologia pura e aplicada” (Magalhães, 1957: 208).
76
Como disse um desses “moços da escola honesta”, Amílcar Martins, “havia
pouca gente e muita coisa pra se fazer” (Martins, 1991).
A fundação da Faculdade de Medicina, em 1911, é símbolo de toda essa
mobilização do campo médico em Belo Horizonte em torno da necessidade de um
espaço acadêmico. A Filial fazia parte dessa grande rede e, como dissemos, manteve um
diálogo ativo com a escola desde a sua inauguração.
As discussões para a criação de um espaço para o ensino eram antigas,
remontando a 1902, com o assunto em pauta numa das associações médicas da época, a
Sociedade de Medicina, Cirurgia e Farmácia. Porém, os planos não foram adiante, e o
sonho de uma faculdade de Medicina se esvaeceu junto com a própria Sociedade37
.
Contudo, o associativismo médico foi retomado, e, na sessão de 5 de março de
1911, a Associação Médico-Cirúrgica de Minas Gerais decidiu definitivamente fundar
a faculdade. Foi preciso o surgimento de uma outra associação para dar novo ânimo à
idéia, de modo que ensino médico tivesse seu espaço privilegiado. Em 1910 foi
apresentado um projeto que seria apreciado por uma comissão de estudos constituída
por Cornélio Vaz de Melo, Hugo Werneck e Zoroastro Alvarenga, a qual daria início
decisivo à fundação da nova instituição38
.
A faculdade teve seu estatuto aprovado em maio de 1911, o qual contemplava a
instituição com a fins de “ensino teórico e prático, das matérias que constituem o curso
das Faculdades de Medicina da República” (Minas Gerais, 26 de junho de 1911. p. 6).
A primeira diretoria era composta pelos seguintes nomes: Cícero Ferreira
(Diretor), cuja importância para a medicina em Belo Horizonte em seu início já
37
De acordo com Pedro Salles, a Sociedade de Medicina, Cirurgia e Farmácia surgiu em outubro de 1899
e teve como primeiro presidente o Dr. Olinto Meireles. Foi extinta após 27 sessões, em 1º de agosto de
1902 (Salles, 1967). 38
A Associação Médico-Cirúrgica de Minas Gerais atuou no período entre 1908 a 1937. Seu primeiro
presidente foi Cícero Ferreira, e sua primeira sessão aconteceu na Biblioteca Central, tendo seus locais de
reunião variado muito.
77
ressaltamos; Cornélio Vaz de Mello (Vice-Diretor) e João Batista de Freitas (Secretário-
Tesoureiro). Nesse início os lentes seriam as seguintes figuras, que se misturam à
própria história da medicina na capital de Minas:
- Anatomia Médico-Cirúrgica, Operção e Aparelhos: Dr. Cornélio Vaz de Melo;
- Higiene: Dr. Zoroastro Alvarenga;
- Medicina Legal: Cícero Ferreira;
- Clínica Cirúrgica: Dr. Eduardo Borges da Costa;
- Clínica Médica: Dr. Alfredo Balena;
- Clínica Biológica e Obstétrica: Dr. Hugo Werneck;
- Moléstias nervosas: Dr. Samuel Libânio;
- Clínica pediátrica: Dr. Octávio Machado;
- Clínica Dermatológica e Sifiligráfica: Dr. Antônio Aleixo;
- Microbiologia: Dr. Ezequiel Dias;
- Olhos, garganta, nariz e ouvidos: Dr. Onorato Alves;
- Farmacologia: Dr. Olinto Meireles39
.
Essa situação proporcionou uma relação muito próxima entre a instituição de
ensino e a Filial, principalmente com o uso da biblioteca e do laboratório, que abria
espaço a várias pesquisas. O Instituto tornar-se-ia passagem obrigatória para os
professores e alunos da Faculdade de Medicina.
No que se refere às atividades de pesquisa, não podemos nos esquecer de que
essa variedade já estava prevista desde o início do Instituto, voltado que era para as
epidemias, endemias, epizootias e epifitias. No começo, ao longo do processo de
consolidação das atividades da Filial, dedicou-se ao estudo das demandas que surgiam à
época. Algumas enfermidades tinham atenção especial. Merecia destaque a varíola por
seus vários surtos epidêmicos, inclusive na época da construção da capital, além da forte
imagem que ficava após os eventos com a vacinação obrigatória na capital federal. A
peste da manqueira40
também havia sido contemplada, como demonstra a carta de
Oswaldo Cruz endereçada a Zoroastro Alvarenga em 1910.
39
A lista é dada por Magalhães em seus Ensaios ( Magalhães, 1957: 212). 40
É uma doença que atinge principalmente animais do campo, também chamada de carbúnculo
sintomático. É causada por uma bactéria chamada Clostridium septicum e se caracteriza pela erupção de
inúmeras feridas por onde sai, geralmente, um líquido avermelhado. Estes tumores aparecem comumente
78
O Instituto era responsável pelos exames bacteriológicos do Estado e também
fazia exames particulares. As funções de auxílio nas questões de saúde pública eram
previstas em lei. Ao longo do tempo, a Filial foi ampliando sua esfera de atuação e
trabalhando em exames de toda natureza, na área hidrologia, análise de alimentos, e,
posteriormente, a raiva também entrou no rol das enfermidades pelas quais o Instituto se
enveredou.
Na parte laboratorial, junto com a atuação da Filial, havia o Laboratório de
Análises Químicas, que tinha sua criação estipulada desde 1895, data da primeira
organização de um Sanitário do Estado, a qual, entretanto, aconteceu somente em 1911,
logo após mais uma de várias reformulações41
.
Cícero Ferreira, atuante médico desde a construção da Capital de Minas,
mostrou-se novamente um importante articulador dos assuntos de saúde e conseguiu
obter a autorização do Presidente do Estado, Wenceslau Braz, para a construção do
laboratório no Estado. O órgão tinha como função fazer análises, bromatológicas,
toxicológicas e judiciárias, agronômicas e industriais, conforme fossem pedidas pelo
governo do Estado (Diretoria de Higiene, Delegacias de Polícias, Secretaria de
Agricultura). Também fazia exames particulares relativos à produção de alimentos,
no pescoço, paletas, peitos e flancos, e a vacinação é o método mais eficaz de profilaxia, já que, depois de
infectado, o tratamento é difícil, e a morte geralmente, rápida. O Instituto Oswaldo Cruz teve um papel
fundamental nos primórdios do desenvolvimento da vacina contra a peste da manqueira. Alcides Godoy
foi o cientista responsável pelo desenvolvimento da vacina, em 1906. Tal evento não foi apenas vital para
a história da Medicina Veterinária no Brasil, mas também foi, à época, um marco importante para
obtenção de recursos para Manguinhos. A patente do medicamento foi registrada em 24 de novembro de
1908, e Godoy transferiu a invenção para o Instituto Oswaldo Cruz. Segundo Benchimol, “esse artifício
hábil consolidou a autonomia de Manguinhos, permitindo-lhe gerir esses recursos, que seriam
consideráveis, sem ter de se submeter à burocracia do Ministério da Justiça ou às rígidas determinações
que presidiam a aplicação das verbas votadas pelo Congresso”, acrescenta ainda que “a famosa verba da
manqueira, contabilizada à parte, teve importância vital na sustentação do Instituto Oswaldo Cruz,
sobretudo nas conjunturas recessivas do país”. (Benchimol, 1990: p. 39-40). 41
Como foi dito anteriormente, a Lei 452, de 9 de outubro de 1906, reorganiza o serviço sanitário do
Estado, mas apenas em 1910 há uma sistematização dos serviços de saúde pública no estado. A data
marca, novamente, a criação de uma diretoria de Higiene em nível estadual com Zoroastro Alvarenga,
como diretor, e Samuel Libânio, como médico auxiliar.
79
medicamentos, e, ainda, nas suas atuações estava prescrito o auxílio às indústrias da
mineração e siderurgia então nascentes.
Para a direção do Laboratório, Cícero Ferreira mandou abrir um concurso na
Alemanha, país que estava no topo das mais modernas pesquisas no campo da química à
época. Dentre mais de 300 candidatos foi escolhido Alfred Schaeffer, um alemão
nascido em 1879. Esse químico tinha experiência na direção de um Laboratório
Químico e Bacteriológico Experimental da Associação das Fábricas de Laticínios da
Alemanha. Veio para Belo Horizonte com a família mais os equipamentos que seriam
utilizados no novo cargo.
O laboratório foi oficialmente inaugurado em 21 de abril de 1912, sendo
composto por oito salas: gabinete do chefe de laboratório e biblioteca (com cerca de 200
volumes), museu, sala de trabalhos especiais, salas de trabalhos gerais, sala de balanças,
sala de fornos e de análise elementar, sala óptica e sala de destilação de água e lavagem
de vasilhame.
O laboratório teve importância decisiva no que dizia respeito aos exames
relativos à saúde no Estado, sendo visível, até a década de 1930, sua atividade em vários
setores da economia mineira, da agro-indústria à produção de alimentos, passando pelos
assuntos de interesse público, como a medicina legal e os medicamentos. Um espaço de
suma importância que, junto com o Instituto Ezequiel Dias e o ensino acadêmico na
Faculdade de Medicina, torna-se ponto importante de um circuito em que giram idéias e
sujeitos mobilizados para consolidar culturalmente a aceitação de novos conceitos e
práticas científicas.
Prova dessa circulação é que Schaeffer teve boa penetração no meio científico
belo-horizontino, tendo sido contratado, a partir de janeiro de 1913, para ensinar
80
Química Analítica na Faculdade de Medicina. Em virtude da estrutura ainda deficitária
da Faculdade, ele ministrou aulas onde estava instalado o Laboratório.
Com a Primeira Guerra Mundial e rompimento diplomático do Brasil com a
Alemanha, em 1917, o Dr. Shaeffer foi exonerado do cargo. Posteriormente voltou, mas
não foi para o laboratório nem para a Faculdade de Medicina, tornando-se, em vez
disso, líder da criação de um Curso de Química Industrial da Escola de Engenharia, em
1921. Em 1927, o Químico saiu de Minas Gerais e foi trabalhar na fábrica da Merck, no
Rio de Janeiro. Foi afastado da empresa durante a Segunda Guerra Mundial, mas
continuou ensinando Química no Instituto Militar de Engenharia, na capital federal,
onde morreu em 23 de setembro de 195742
.
O Instituto estava assim integrado a uma grande teia que se construía na capital e
que, aos poucos, dava uma maior complexidade aos assuntos de saúde.
Algumas doenças eram como pedra no sapato das autoridades mineiras, e, como
dissemos, a varíola era uma delas, mas não a única.
Outra doença que deu dor de cabeça foi a difteria43
, que inclusive se tornou o
pivô de uma grave crise na filial pelos idos de 1917. A crise é reveladora de que a
ciência também se constrói a partir de inúmeros obstáculos, sujeitos e diversos
interesses. Magalhães dedica partes significativas dos seus Ensaios à rememoração do
evento, intitulando o episódio como “verdadeira tempestade”.
Octavio de Magalhães conta que a questão da difteria era motivo de polêmica na
capital de Minas já havia muito tempo. Desde muitos anos a cidade que não queria
perder a sua imagem de cidade salubre, livre das doenças, era palco de diversas
42
Para a trajetória do Laboratório de Análises Químicas e do alemão Alfred Schaeffer, ver Naveira
(1996). 43
Difteria é uma doença infectocontagiosa causada pelo Corynebacterium diphteriae e por sua toxina e
provoca a inflamação, na garganta, nariz e em algumas situações nos brônquios e traquéia, com o
surgimento de “falsas membranas”. A doença foi motivo de grande preocupação em vários lugares do
mundo até o final do século XIX, quando a vacina foi criada pelo médico alemão Emil von Behring.
81
discussões acerca da questão da difteria. O médico relata que, à época, era prática
comum administrar uma anatoxina, consistindo o problema no fato de que, no caso de
confirmação de uma epidemia, toda a cidade deveria suspender suas atividades. Para
ele, “foi este, realmente, o motivo, somado à ignorância sobre o aspecto clínico e
microbiológico da questão que fez desabar, sobre Ezequiel, a tempestade, que quase
extinguiu a Filial do Instituto Oswaldo Cruz” (Magalhães, 1957: 221).
Magalhães afirma que o diagnóstico da difteria era muito complicado e podia ser
confundido com outras moléstias menos graves, como uma simples amidalite. Mas a
vacinação em casos de suspeita seria necessária, pois um caso que aparentava ser
simples poderia encobrir uma forma grave de difteria. O médico ressalta que houve por
parte da Filial a idéia de que, diante da complexidade do diagnóstico e do risco de uma
epidemia, seria preciso aplicar o soro como medida preventiva. A difteria poderia até
matar, e o diagnóstico rápido, associado à intervenção da vacina, seria o melhor a ser
feito, segundo ele. Ele acrescenta, ainda, que a Instituição não poderia arriscar o seu
importante papel em questões de saúde e que, diante das condições e do nível dos
estudos à época, essa teria sido a medida mais acertada:
“Por minha parte, penso que só afirmaria realmente,
rigorosamente, cientificamente no estado atual dos nossos
acontecimentos, que um bacilo é diftérico, se tivéssemos
estudado as propriedades biológicas dele, seu poder toxigênico,
fermentativo, morfológico,, etc. Só então eu diria: trata-se do
Corynebacterium diphteriae. Isso falsearia a função da Filial,
que falharia ao seu papel de ‘laboratório central’, de saúde
pública” (Magalhães, 1957: 225).
Houve uma quantidade superestimada de diagnósticos positivos de difteria, o
que alarmou a capital em 1917, maculando todo um imaginário que se construiu
relativamente a uma cidade salubre, higiênica e livre de doenças. Magalhães, mesmo
82
assim, volta a afirmar que o papel do Instituto foi correto, pois, tendo-se em vista a
ameaça iminente de uma epidemia, o mais correto seria uma vacinação em massa:
“Em higiene pública os diagnósticos para menos são de
conseqüências muito mais graves e prejudiciais que os
diagnósticos para mais [...]
Que acontecerá a um paciente, sem difteria, que tivesse pela
nossa técnica, um resultado positivo? Tomaria soro
antidiftérico.
E depois?
Teria urticária, dor nas articulações, talvez um pouco de febre ,
coisas que passariam, sem maiores cuidados. E o paciente, com
difteria que pelo processo ‘técnico crítico’ tivesse um resultado
negativo? Poderia ter uma paralisia, morrer, ou o que é mais
grave para a coletividade: contaminar a família e os vizinhos.
Só isso” (Idem: 228).
Mas o assunto dos diagnósticos rendeu bastante. Magalhães afirma que não
houve compreensão da questão por parte dos poder público, sendo a atuação do Instituto
questionada. A questão ainda foi reveladora, segundo Magalhães, de outros interesses,
em meio aos quais ele “soube pessoalmente, por Ezequiel Dias, que havia, oculto, um
plano para organizar um Instituto Estadual nos moldes da Filial do Instituto Oswaldo
Cruz, a fim de satisfazer a vaidade de um ingênuo cirurgião e a cupidez de um ‘boche’”.
Continuando, afirma ter havido uma forte campanha de sabotagem dos exames do
Instituto, que se consubstanciou em detração dos exames feitos pela Filial:
“Mas, as plantas do novo Instituto já não estavam até
terminadas? Há indivíduos que têm volúpia dessas ações.
Começou então a campanha, em surdina, contra o Diretor da
Filial e os técnicos do Instituto. Afirmava-se que os exames de
difteria não tinham o menor vigor, que qualquer exame, mesmo
dos mias disparatados matérias, colhidos em qualquer parte,
podiam dar resultados positivos. Era preciso trair e, para isto,
não faltou a alma dessas víboras, que nascem e vivem nas
trevas palpáveis, de que fala a Santa Escritura.
Um desses médicos confessou pessoalmente a Ezequiel Dias
esse feio crime, embora se penitenciando da miséria daquela
ação.
83
Ele freqüentava a hora do café da Filial, apertava a mão do
Diretor, sorria, suavemente, revirando o branco dos olhos...
Mestre... e dali saia para trazer mais material falsificado para os
exames. Veio material de saliva de cão, de linfa contra a vacina
antivariólica, de salivas de pessoas sadias, etc. E tinha que ser.
Os corynebacterium são espalhadíssimos na natureza e podem
ser encontrados naqueles materiais. A ignorância e a maldade
fez supor aos seus autores que eles tinham em mãos uma arma
esmagadora contra honra científica dos técnicos da filial. Mas
como todos os criminosos, eles se esqueceram da ciência, para
lhes descobrir o crime e lhes provar a inocência das vítimas”
(Idem).
Apesar de longa, essa citação foi aqui colocada para exemplificar alguns
meandros da ciência que passam muitas vezes despercebidos. Porém, situações como
essas são emblemáticas e servem para que se possa pensar acerca de como o Instituto
conseguiu superar seus obstáculos ao longo do tempo, bem como a credibilidade
acumulada por seus pesquisadores, que poderia ser usada em momentos assim.
Diante dos graves desentendimentos entre o Diretor dos Serviços de Higiene do
Estado e o Instituto Oswaldo Cruz Filial, Ezequiel Dias chegou a renunciar ao cargo. A
crise tornou-se de tal forma aguda, que o próprio Carlos Chagas veio pessoalmente a
Belo Horizonte. Era um momento difícil, pois Manguinhos sofrera um forte golpe com
o agravamento da doença de Oswaldo Cruz44
. Seguiu-se uma série de conversas.
Magalhães conta que, por fim, o Diretor de Higiene do Estado reconheceria a
honorabilidade de Ezequiel e a validez dos exames que a filial executava. Chagas
também teria reconhecido a dificuldade no diagnóstico de difteria. E, dessa forma, o
embate dar-se-ia por terminado.
Mais que isso, para que se possa compreender as proporções que a questão
tomou, acredita-se que a chave de leitura apresentada por Silveira (2004) a respeito do
tratamento da Influenza possa ser aplicada também a esse caso. Sem dúvida, o alarme
44
Oswaldo Cruz faleceu em conseqüência de problemas renais em 11 de fevereiro de 1917. Carlos
Chagas assumiria a direção do Instituto Oswaldo Cruz.
84
de uma epidemia era a mácula indesejável que poderia vir a contrariar o imaginário
salubre erguido desde a construção da Capital.
Casos como o que foi relatado também ajudam a perceber como se realizou o
processo de consolidação do Instituto em sua condição de um espaço importante, que se
fez, ao longo do tempo, necessário à saúde pública do Estado.
Um outro exemplo de que a Filial tecia uma rede forte de interlocuções com
amplos setores sociais foi a fundação do Instituto Radium.
Desde 1919, a criação de um centro de estudos do câncer estava sendo discutida.
Ezequiel Dias retomou, em Belo Horizonte, a prática, que aprendera em Manguinhos,
com Oswaldo Cruz, de realizar semanalmente reuniões com os colegas, para que fossem
discutidos os mais diversos assuntos, seja acerca do que de mais novo estava nos
periódicos, sejam questões práticas da atividade médica. As reuniões tinham até atas a
ser aprovadas. Entre os que participavam, Magalhães cita: Borges da Costa, Álvaro de
Barrros, Marques Lisboa, Almeida Cunha, entre outros.
Na reunião do dia 11 de junho de 1920 foi comunicada a criação do Instituto de
Câncer e Radium, que contaria com o apoio do governo do Estado, que, à época, tinha
como chefe do executivo Arthur Bernardes. A construção começou rapidamente, com o
terreno, doado pela Prefeitura de Belo Horizonte, que ficava nos fundos do Parque
Municipal. De acordo com Pedro Salles, “a obra custou ao Estado 550 contos, fora o
preço de 25 centigramas de radium, adquiridas nas Usinas da Societé d’Energie et
Radio-Chimie de Courbevoie”; sobre a edificação, afirma que “o Instituto Radium
confirma o conhecido senso estético de Borges da Costa – um belo estilo arquitetônico,
com fachada ornada em de colunas gregas, e uma instalação primorosa” (Salles, 1997:
52).
85
Na notícia de inauguração, em 7 de setembro de 1922, do Instituto, no Minas
Gerais há a informação que:
“ao ato de inauguração estiveram presentes os Exmos. Srs. Drs.
Affonso Penna Junior, representantes dos Srs. Drs. João Luiz
Alves e Clodomiro de Oliveira, Dr. Julio Octaviano,
acompanhado de sua ajudante de ordem dr. Affonso Vaz de
Mello, Dr. Fernando Mello Vianna, Dr. Mairo Brant, Dr.
Daniel de Carvalho, Dr. Alfredo de Sá, Dr. Flávio dos Santos,
presidente da Câmara, do Senado e do Tribunal da relçaõ, Dr.
Carlos Chagas, diretor do Departamento Nacional de Saúde
Pública, professores da Faculdade de Medicina desta capital,
médicos e grande número de senhorinhas e cavalheiros de
nossa sociedade” ( Minas Gerais, 8 de Setembro de 1922).
O Instituto seria uma fundação autônoma com subvenções estatais, tornando-se a
primeira do tipo em todo o Brasil.
A fundação do Instituto Radium45
, a partir de discussões coordenadas por
Ezequiel Dias, mostrou a capacidade mobilizadora do campo médico em Belo
Horizonte, que chegava em posição de destaque e inserção no poder, o que daria um
novo tom à atividade que conseguia se fazer indispensável nos assuntos públicos
relativos à saúde.
O processo de inserção dos médicos na sociedade exigia um leque variado de
estratégias, as quais passavam pela criação de Institutos, que mais tarde seriam centros
de referência para a disseminação de novas concepções, junto a uma clara aproximação
dos assuntos mais pungentes para a sociedade aliada ao ensino médico, que se firmava
na capital de Minas desde a fundação da Faculdade de Medicina, em 1911. O futuro
Instituto Ezequiel Dias passaria transversalmente pela história das ciências biomédicas
em Belo Horizonte e seria peça fundamental nesse processo.
45
Recebeu o nome de Instituto Borges da Costa em homenagem ao seu principal idealizador, e primeiro
diretor, em 1950, o qual morrera em 5 de setembro do mesmo ano. Foi incorporado ao patrimônio da
UFMG em 1967. Teve seu hospital desativado dez anos depois. No início da década de 80 serviu de
moradia universitária provisória, situação que se prolongou até 1998, quando ocorreu a desocupação. Seu
prédio, atualmente, é tombado pelo Patrimônio Histórico.
86
Ezequiel Dias conseguiu fazer o pequeno laboratório na Rua da Bahia ir para
muito além de seus muros, interagindo efetivamente com o meio científico que se
construía na urbe moderna. Chegou sozinho e foi agregando outros importantes nomes
nesses primeiros tempos. Eugênio de Souza e Silva foi um dos primeiros a vir para o
Instituto, tendo também atuado, a partir de 1926, na cadeira de Histologia da Faculdade
de Medicina. Oswaldo de Melo Campos foi outra semente de Manguinhos, tendo
posteriormente se voltado para a clínica e o magistério. Aroeira Neves é outro nome que
compõe a história dos primórdios da instituição, importante nos estudos relativos à
anatomia.
Ezequiel Dias, que trouxera a bagagem pesada que unia a fundação do Instituto
Oswaldo Cruz e ativa participação nos serviços de saúde no Estado do Maranhão, foi
figura importante e aglutinadora desse processo de profissionalização, prestígio e
autonomização dos saberes médicos, sob a égide da microbiologia.
Veio doente e, em 1922, faleceu, dando lugar àquele que por algumas vezes
havia o substituído, a saber, Octavio Magalhães, que teria a difícil tarefa de continuar o
trabalho de consolidação das atividades do Instituto e fazê-lo ainda mais importante
para a saúde.
Não seria tarefa das mais fáceis substituir Ezequiel, figura já encoberta por toda
uma imagem mitificada de cientista e arauto da modernização científica. A imagem
aristocrática povoou o imaginário, como mostra um “cordão médico” feito por alguns
estudantes no carnaval:
“ ‘Isequiel Dias’
Tenho a alma cheia de viço
E vivendo a investigar,
Consegui, mesmo, formar
De micróbios um chouriço”. (Magalhães, 1957: 213)
87
O falecimento de Ezequiel Dias aconteceu no dia 22 de outubro de 1922, e a
repercussão de sua morte pode ser verificada no jornal oficial da época, que dedica
algumas colunas ao seu legado, biografia, homenagens fúnebres, deixando claro o
impacto do acontecimento não apenas em relação ao meio médico. Sua imagem estava
ligada à própria história do processo de aceitação da microbiologia em terras mineiras.
Assim dizia o jornal:
“Discípulo predileto de Oswaldo Cruz, o sábio remodelador da
Higiene ao Brasil, saneador inesquecível da capital da
República e dos nossos portos. Dr. Ezequiel Dias colaborou
eficazmente com o fulgurante espírito que, abrindo novos e
iluminados caminhos à medicina nacional, pela bacteriologia,
de que foi o verdadeiro criador do no país, se imortalizou na
gratidão e na lembrança de seus compatriotas
[...] Devemo-lhe descobertas da maior relevância, notadamente
no campo da soroterapia e no das investigações
bacteriológicas” (Minas Gerais, 23 e 24 de outubro de 1922).
A figura de Ezequiel é profundamente ligada a de Oswaldo Cruz e, por
conseqüência, ao próprio advento da microbiologia no Brasil, numa união entre a
história das idéias científicas e suas próprias trajetórias pessoais.
Seguiram-se sucessivas homenagens ao médico, considerado uma das primeiras
sementes de Manguinhos. Tais biografias cumprem o papel muito importante de
amalgamar o campo médico. Rememorar tais trajetórias de vida não apenas torna-se um
empreendimento laudatório, mas também cumpre funções simbólicas que acabam
desempenhando um papel importante para o campo, assim como na legitimação da
atividade no próprio tempo presente46
. Chagas fez uma interessante análise da figura de
46
Nara Britto discorre sobre o “poder simbólico” das biografias de Oswaldo Cruz, logo após a sua morte.
Para a autora, o campo médico, à época, caracterizava-se por grandes dissensões. A mitificação de Cruz
teria cumprido um papel de centralização do campo, primeiramente em torno da figura do sanitarista e,
posteriormente, acabando por unir em torno de outros objetivos, como a campanha de saneamento rural
do Brasil e sua luta pela interiorização das políticas públicas de saúde, no contexto do final da década de
10 e início da década de 1920 (Britto, 1995).
88
Ezequiel Dias como homem de ciência e articulador de uma discussão pública a respeito
da saúde no Brasil:
“No Maranhão instalou completo laboratório de pesquisas e
orientou, pelos ensinamentos experimentais, os serviços de
higiene pública. E em Minas Gerais organizou a Filial de Belo
Horizonte, Instituto modelar em que se perpetuam o zelo e as
raras aptidões do jovem experimentador, em que se
concretizam suas melhores aspirações de ciência. Foi essa a
grande oportunidade de trabalho oferecida a EZEQUIEL, que a
soube utilizar no esclarecimento de importantes aspectos da
nosologia regional, no valioso concurso técnico á administração
sanitária do Estado, e em outras iniciativas que muito
facilitaram a realização de um vasto programa de
aperfeiçoamento médico na capital mineira. Assuntos de
excepcional interesse prático foram depressa considerados pelo
novo instituto, e não tardou que, em benefícios incalculáveis, se
prestigiasse sua atividade técnica” (Chagas, 1922: 2).
O trecho é importante, pois resume bem o papel de Ezequiel Dias como um ator
da ciência capaz de interpretar e interagir com a realidade histórico-cultural aqui
presente e usar dela para fazer valer sua profissão médica junto à sociedade.
VII - Octavio Magalhães na direção do Instituto
Com a morte de Ezequiel Dias era a vez de entrar em cena um outro
personagem. Octavio Magalhães assumiria a direção e tentaria dar continuidade às
atividades. Desde muito cedo, iniciaria os primeiros passos rumo àquilo que seria um
grande projeto, pelo qual se ambicionava fazer da Filial um grande espaço de excelência
da atividade médico-científica nacional. Octavio Magalhães inaugura outro período de
muito trabalho, que é, também, de muito sonho e desejo.
Magalhães nasceu em 1890, no Rio de Janeiro, e era de uma família de médicos,
tendo o seu pai e seu avô na mesma profissão. Entrou para a faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro com 16 anos. Teve experiência na clínica ao trabalhar na enfermaria de
89
Miguel Couto. No terceiro ano de medicina começou a freqüentar o Instituto Oswaldo
Cruz e diplomou-se em medicina em 1911. Em 1912 foi indicado por Oswaldo Cruz
para trabalhar no Posto de Observação e Enfermaria Veterinária em Belo Horizonte.
Foi aqui que concluiu sua tese de doutoramento, intitulada Cálculo da massa total
sanguínea, que foi, posteriormente, apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro, na cadeira de Fisiologia.
Logo após sua chegada em Belo Horizonte, Magalhães também foi nomeado
para chefiar o Laboratório Central da Santa Casa. Lá chegou a residir provisoriamente e
pôde interagir com o campo médico em Belo Horizonte. Estabeleceu seus contatos com
Álvaro de Barros, Borges da Costa, Eurico Vilela, Marques Lisboa, Samuel Libânio,
Hugo Werneck. As reuniões que se faziam na casa de Ezequiel Dias, em que muitos
desses nomes estavam presentes, foram importantes para a circulação de idéias, e para a
verificação do estado de diversas instituições da capital mineira, servindo como uma
espécie de termômetro da inserção dos médicos.
Em 1913 é aceito pela Congregação para assumir a cadeira de Fisiologia na
Faculdade de Medicina. Com 23 anos iniciava, assim, a sua vida de professor.
Foi convidado em 1920 por Carlos Chagas, à época Diretor do Instituto Oswaldo
Cruz, para chefiar o Instituto de Higiene de Pelotas:
“Meu Caro Magalhães,
Venho consultar-te sobre o seguinte: Na cidade de Pelotas, Rio
Grande do Sul, existe um Instituto fundado pela
municipalidade, sob a orientação inicial de Butantan.
O atual Prefeito, Dr. Pedro Luis Ozório, desligou o Instituto de
Butantan e deseja a nossa orientação, para o que me pediu para
indicar um nome que se recomendasse pelo esforço e
capacidade. Lembrei-me de Você.
Terá toda autonomia técnica, trabalhando conosco.
Terá talvez dois auxiliares médicos.
Se Você achar o plano exeqüível espero que me escreva com
urgência a fim de entrarmos em outras minúcias. Com muita
amizade,
90
(a) Carlos Chagas”47
.
No Rio Grande do Sul permaneceu durante dois anos, e lá tentou promover um
plano amplo de saneamento. Um de seus principais alvos foi o tifo, que fazia um
número considerável de doentes na cidade. Suas medidas sanitárias também incluíram
fechamento de pensões e o isolamento de regiões que poderiam estar infestadas pela
peste, medidas que também causavam oposição dos setores atingidos. Tomou também
uma série de iniciativas relativas às moléstias de animais, tendo em vista que a pecuária
era um importante setor na região.
Em 1922 decidiu voltar a Belo Horizonte para assumir novamente suas funções
no Posto de Observação e enfermaria Veterinária. Muitos fatores pesaram na escolha
de Octávio, que via o avanço da doença de Ezequiel e a necessidade de reassumir seu
cargo de docente na Faculdade de Medicina.
Ao chegar a Belo Horizonte pôde acompanhar os últimos dias de Ezequiel Dias.
Como Magalhães costumava assumir a direção da Filial na ausência de Dias, seu nome
era forte para o cargo em definitivo. Mas os entraves burocráticos dificultaram a
questão.
Ele estava vinculado ao Ministério da Agricultura, em virtude da ligação do
Posto de Observação e Enfermaria Veterinária, ao passo que a Filial era parte do
Ministério do Interior. Porém, “só em janeiro de 23, três meses depois do falecimento
de Ezequiel, Octavio ficou à disposição do Ministro da Agricultura, por ordem do
Presidente da República, com destino ao cargo que devia ocupar” (Magalhães, 1976:
67).
47
A carta está transcrita no relato de memórias da esposa de Octavio Magalhães (Magalhães, 1976: 55).
91
Apenas em 23 de novembro de 1926 foi nomeado pelo presidente Washington
Luis como assistente do Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, tendo sido, na
mesma data, designado por Carlos Chagas para a direção da Filial (Magalhães, 1957:
247).
Interessante é perceber que os dois primeiros diretores vieram com uma
experiência relevante na gestão pública dos assuntos de saúde. Sem dúvida, tal vivência
seria decisiva para a atuação incisiva da Filial nesse campo.
Ao assumir o Instituto, Magalhães logo se preocupou com a “menina dos olhos”
da filial – o Posto Antiofídico. Notou um sério déficit entre a quantidade de veneno
recebido e a que seria enviada em tubos de soro. Houve uma reformulação do contrato
com o Instituto de Niterói, para que fosse reduzida a proporção da quantidade de veneno
enviado em relação ao soro que seria recebido.
Em 1923, deram-se inicio às expedições científicas e a uma intensa propaganda
do serviço antiofídico. A campanha do novo serviço havia se iniciado um ano antes e
dava-se por meio de boletins impressos, ou, mesmo, de cartas, remetidos juntamente
com as vacinas enviadas aos fazendeiros, como a da peste da manqueira, que a
“Secretaria da Agricultura do Estado fornecia, em quantidades avultadas, aos
fazendeiros” (Magalhães, 1957: 248).
Era preciso tornar a questão antiofídica um assunto de todos e pauta relevante
para todo o Estado.
A caçadas aos peçonhentos, chamadas de “bandeiras científicas”, forneceu uma
enorme quantidade de animais ao Instituto, que logo se incumbiu de criar um museu. A
quantidade era tamanha que o instituto pôde incrementar suas relações
interinstitucionais e fornecer coleções ao American Museum of Natural History, ao
92
museu da Escola de Odontologia e Farmácia, ao Posto de Higiene de Ubá, à Estação
Experimental Agronômica de Santiago de Los Vojos em Cuba.
Por essa época começava a se fazer um mapa da distribuição geográfica dos
ofídios. O mapa cresceria a partir das viagens e do acréscimo de novas espécies. O mais
interessante é que o serviço representava um novo olhar para espaços, terras, municípios
antes perdidos e/ou esquecidos pelos poderes públicos. O modo pelo que eles estariam
inseridos não deixa de ser peculiar, pois os peçonhentos tornavam-se o símbolo dessa
busca de uma Minas que precisava ser colocada em harmonia com os preceitos
civilizatórios.
Os escorpiões, outros peçonhentos temidos, também continuavam como objeto
de estudo. Magalhães, agora diretor, se dedicaria por longo tempo ao estudo dos efeitos
fisiológicos da picada por escorpiões. Com os aracnídeos, a questão era bem diferente.
O soro era fabricado aqui e vendido, sendo a resposta curativa bastante satisfatória. O
Tityus Serralatus era um personagem fácil na capital mineira, o que facilitava a
obtenção da matéria-prima para a produção do soro. Mostra disso foi que a intenção de
Magalhães consistiria na fabricação industrial do soro, e houve compra em larga escala
de escorpiões. As inúmeras propagandas encontradas no Minas Gerais demonstram o
empenho no fabrico do soro antiescorpiônico e de sua posterior comercialização. Para
se ter uma idéia do vulto que ganhou o serviço, o soro chegou a ser exportado para o
México, em outubro de 1927.
A união de esforços, que associava a credibilidade dos médicos do instituto à
atuação da Filial, fez com que o serviço crescesse em grandes proporções, tornando-se
cada vez mais importante. De acordo com Octavio de Magalhães, “nos anos de 1925,
1926, 1927 e 1928, o nosso progresso se acentuou e intensificamos aí a nossa campanha
contra os escorpiões e os ofídios. Imprimimos e distribuímos 6000 circulares de
93
propaganda, em um só ano. Os estudos sobre as doenças de animais, plantas e homens,
continuaram de maneira precisa” (Magalhães, 1957: 253-254).
O percurso científico também teve os seus percalços, e houve médicos que
tentaram detratar o soro antiescorpiônico dizendo que ele “era igual a injeção de água
do pote”. Mas isso não foi nada que a credibilidade que o Instituto Ezequiel Dias
conseguiu ao longo do tempo, construída através de suas redes científicas, não pudesse
dar conta de aplacar. Foi dessa forma que o Instituto conseguia facilitar o transporte dos
peçonhentos, o que daria o livre trânsito para as caixas sem quaisquer ônus. Uma
justificação que se fazia necessária e que Magalhães, logo após falar da detração do
Instituto, salienta, é o sentido humanitário das campanhas:
“Na sala de espera do Instituto Ezequiel Dias, de aspecto
modesto e quase humilde, entrara de espavento uma mulher
aflita, chorosa e desesperada, tendo ao colo uma criança mal
entrada em meses. Aquela pobre mãe nos mostrava, estendendo
os braços e sacudida pelos soluços, quase desfeita em lágrimas,
a pobre criancinha imóvel nos seus braços. Um suor viscoso e
frio cobria o corpinho da pobre criança, já no limiar de uma
agonia lenta e inexorável. A boca e face estavam cobertas de
um líquido espumoso e sanguinolento, que atingia,
ligeiramente, as roupinhas que lhe cobriam o corpo. O ritmo
respiratório e circulatório apenas perceptível, a resolução
muscular o estado geral enfim, denotavam um próximo
desenlace. Havíamos presenciado, há 11 anos passados, mudos,
estarrecidos, impotentes e revoltados uma cena semelhante.
Fora justamente esta revolta contra a impotência da medicina,
que nos fizera aceitar pressurosos a proposta de Ezequiel Dias
de estudar o escorpionismo. Agora, não. Havíamos estudado o
assunto, podíamos lutar e as nossas conclusões haviam sido, na
prática, uma demonstração eloqüente de que tínhamos acertado.
Injetamos na criança 100 doses antitóxica do nosso soro e, ouço
a pouco, hora a hora, a criança começou a melhorar. Poucas
vezes vimos a ação antitóxica mais rápida, intensa e brilhante.
Não sabemos qual alegria maior, se do coração daquela pobre
mãe, que chorava e ria de alegria, ao ver salva a filhinha, se a
do nosso silêncio do laboratório” (Magalhães, 1957: 255).
Tanto a detração do soro antiescorpiônico como o relato do bebê salvo mostram
que os sujeitos e seus interesses também estão envolvidos no fazer científico e que
94
havia um discurso que tentava dar maior importância e credibilidade ao Instituto,
partindo do pressuposto do bem que a ciência proporcionaria às pessoas.
Pedras que se viam no caminho também pela aceitação da soroterapia como
forma universal de tratamento. A luta contra a medicina popular foi intensa e as picadas
de cobras e escorpiões guardaram episódios peculiares nas páginas da história do
Instituto Ezequiel Dias. O mais interessante foi que essa questão foi tratada pela Filial
de forma profunda e minuciosa.
A todo instante chegavam drogas que compunham um imaginário muito forte a
respeito do tratamento, que ainda guardava heranças de uma arte de curar que persistia,
por mais que o discurso levasse a questão para o terreno do maravilhoso e, muitas
vezes, do descrédito científico. A Filial se dedicava a testar cada produto que chegava e
apresentar as contraprovas, que sempre culminavam na ineficácia dos produtos
analisados.
Tal dedicação pode ser explicada pelo fato de a legitimação das práticas exigir
dos atores uma gama variada de estratégias, sendo uma delas a de se utilizar das idéias
de ciência e “não ciência” para colocar em descrédito práticas e concepções anteriores,
algo que não mais convinha aos novos modelos científicos. A microbiologia seria
também importante para uma nova forma de ver o mundo e de inserção do próprio
médico no social; e para que isto efetivamente acontecesse seria necessária uma luta
para o soterramento das práticas de cura ditas não oficiais/não científicas. Entretanto, o
processo não ocorre de uma única vez e, não raro, desenrola-se de forma lenta e com
mudanças de implicações culturais muito fortes.
Era por isso que ainda permaneciam os tratamentos populares, como a “pedra de
chifre de veado”, uma pedra escura e porosa que se colocada no lugar da mordedura,
muitos acreditavam, aspiraria o veneno dali. As experiências com essa medicina popular
95
povoaram alguns artigos científicos, relatos memorialistas e a documentação oficial do
Instituto, como os relatórios dirigidos ao Secretário de Agricultura de Minas Gerais, em
que são numerosas as experiências e o discurso que tenta eliminar tais práticas da
população mineira.
Havia até um “norueguês-alemão” que manipulava cascavéis e se dizia
protegido graças a um talismã de níquel, que, obviamente, seria reproduzido e vendido.
Magalhães conta que o dito cujo chegou até a usar nome da Filial para vender os tais
amuletos.
Dentre os remédios famosos, e que foram colocados à prova, estavam: Carvão
antiofídido, Surucuína, Pomada Vilaró, Serpenticida, O Infalível, Escorpiões em
conservação no álcool, Giló (sic) com cachaça, amuleto de níquel Haroldo Tinn
Kundsen, Específico Plus Ultra, Antiviperino, Urutuína, esponja, anticoral, lenimento
de Sloan. Todos passaram pelo crivo da ciência, minuciosa, e, segundo o discurso que
se formava, a única capaz de legitimamente indicar o que era falso e o que era
verdadeiro. Como não poderia deixar de ser, a oportunidade era única, pois se utilizava
da propaganda e dos artifícios dessa mesma medicina popular para colocá-la em desuso
frente às modernas concepções científicas. Tal empenho fica claro quando Magalhães
diz que
“De todas fizemos observação pormenorizada, com
experiências do laboratório. Infelizmente, nenhum destes
milagrosos produtos tinha realmente ação antitóxica, nem
sequer para as doses mortais mínimas dos venenos das cobras e
dos escorpiões” (Magalhães, 1957: 256).
O Instituto Ezequiel Dias passaria a desempenhar um papel simbólico na cidade.
A Instituição representava uma ciência que deveria ser seguida e que se encapsulava
como verdade. Foi assim que as portas do Instituto foram abertas, e os limites se
96
estreitaram. As visitas de populares eram diárias, e, por fim, com enorme quantidade de
público, tiveram que ser reduzidas às sextas-feiras. Por falta de espaço as pessoas
costumavam ficar nos muros do serpentário.
Tais questões simbólicas, misturadas a essa luta cotidiana da ciência para
legitimar concepções, práticas e fatos científicos, se imbricavam com os fatos que
Octavio de Magalhães elencava como as razões do sucesso do posto: um terreno pouco
estudado; a organização do posto, com rapidez na entrega do soro, autonomia da seção
(em relação ao Estado), a boa estrutura física, de material e pessoal, além do pronto-
atendimento no caso dos acidentes.
O Serviço Antipeçonhento foi, sem dúvida, capaz de trazer muita legitimidade
ao Instituto, frente aos diversos setores sociais, e, dessa forma, esse prestígio científico
poderia se converter em outros ramos da atividade científica, assunto que será discutido
mais detidamente no Capítulo 3.
O início da década de 1930 mostra bem o grau de desenvolvimento do Posto e a
legitimação que ele tinha conseguido junto à sociedade. A quantidade de cobras
enviadas, com o aumento vertiginoso, é demonstração clara disso.
97
Quantidade de cobras enviadas à filial48
Ano Quantidade de
cobras enviadas
1918 336
1919 901
1920 1636
1921 1840
1922 1748
1923 1660
1924 1392
1925 1562
1926 1622
1927 1552
1928 1412
1929 1589
1930 1713
1931 3278
1932 4346
1933 5980
1934 6437
1935 8301
VII . 1 Dinâmica e funcionamento do Instituto na gestão de Octavio Magalhães: a
inserção na saúde pública
No ano de 1932 foi inaugurada uma Seção Anti-rábica, um dos resultados das
conversas com a prefeitura de Belo Horizonte. Havia um grave problema, pois o
deslocamento do doente teria que ser feito até Juiz de Fora, onde estava o Instituto
Pasteur49
, que fornecia a vacina.
Com a nova Seção, os serviços incluiriam a vacinação de cães e a caça aos
morcegos. Paulo Carneiro, que havia feito viagem à Europa e curso sobre raiva no
Instituto Pasteur de Paris, foi o nome indicado para assumir o novo “braço” do Instituto.
48
Os dados da tabela também foram retirados dos Ensaios (Magalhães, 1957: 275). 49
Apesar do nome, não há ligação com a instituição parisiense.
98
O serviço cresceu muito e foi para os amplos territórios de Minas, com
atendimento aos órgãos públicos e particulares. O setor proporcionou uma série de
trabalhos sobre o assunto, e a vacinação, cabe ressaltar, era gratuita, exigindo-se apenas
o preenchimento de um formulário para acompanhamento do paciente.
Entre 1931 e 1935, a Seção chegou a um número expressivo de 2466 pessoas
tratadas.
Outro demonstrativo da relevância que o Instituto adquiria era o fato de que ele
se tornava parada obrigatória para turistas e personalidades internacionais: em 1930,
destacam-se as visitas da princesa Elisabeth da Inglaterra e a Missão de Ensino chefiada
pelo prof. Simon, de Paris, e do Rei Alberto da Bélgica. Em 1940, já como Instituto
Biológico Ezequiel Dias, ficou marcado pela visita do então presidente Getúlio Vargas.
A renda advinda do Posto Antiofídico era tanto financeira quanto simbólica, mas
o Instituto não deixava de abrir outras frentes. Alguns medicamentos que o Instituto
produzia e revendia eram: Sulfato de cobre (tratamento da febre aftosa); Vacina contra o
“mal triste das aves” (tifose aviária); Soluto de urotropina (para o epitelcoma contagioso
das aves); Vacina contra a pneumoenterite dos bezerros ou “Peste dos Polmões”.
O Instituto continuava sua batalha de legitimação e participava de vários fóruns,
como a Exposição Pecuária de Belo Horizonte, em 1928, em que as atividades do
Instituto tiveram muito destaque.
As relações com o Estado se tornavam cada vez mais estreitas pelo Posto
Antiofídico e pelos exames microbiológicos, que, também feitos para particulares, se
tornariam uma “fonte magnífica de pesquisas e de fornecimento de matéria-prima, para
as diferentes seções do Instituto” (Magalhães, 1957:270).
99
Uma enfermidade que seria objeto de estudo por muito tempo, principalmente
por Octavio Magalhães, era o tifo exantemático50
. Desde 1933 o médico fez uma
comunicação sobre a doença, publicando, ainda, uma enorme quantidade de artigos ao
longo da sua carreira.
Foi também em 1933 que Adolfo Lutz (1855-1940) teve uma importante
passagem pelo Instituto. O pesquisador procurava dados sobre a esquitossomose e fez
diversas viagens com os técnicos da Filial.
A bouba51
foi outra doença que teve estudo solicitado pelo Diretor de Saúde
Pública do Estado. Para a tarefa foi chamado Aroeira Neves, que se dedicou ao estudo
da enfermidade no norte de Minas Gerais, onde sua incidência era endêmica.
A esquistossomose foi uma outra enfermidade muito estudada. Depois da
estadualização, com o Instituto Biológico Ezequiel Dias, os estudos aumentariam
bastante, seguindo a demanda. Alguns municípios, como Belo Horizonte, solicitavam
exames do Instituto para a verificação da existência de “larvas”. Amilcar Vianna
Martins, Valdemar Versiani, Lívio Renault e próprio Octávio de Magalhães foram
nomes que se dedicaram ao estudo da parasitose.
Alguns estudos nas águas também seriam importantes na articulação do Instituto
Ezequiel Dias com os poderes públicos. Belo Horizonte e Araxá foram algumas cidades
que tiveram suas fontes analisadas pelo laboratório do Instituto, como mostram,
inclusive, alguns relatórios da Diretoria de Higiene do Estado52
.
50
A febre maculosa, ou tifo exantemático, é uma doença infecciosa causada pela bactéria Rickettsia
prowazeckii, transmitida pelo piolho. Sua sintomatologia é caracterizada por febre alta, fraqueza e
erupções na pele. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa) 51
Doença tropical contagiosa causada pelo espiroqueta Treponema pertenue, caracterizada por lesões
cutâneas seguidas de erupção granulomatosa generalizada e, por vezes, lesões destrutivas tardias da pele e
dos ossos; framboesia, piã. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa). 52
Tivemos acesso aos relatórios elaborados pelos Diretores de Higiene (em 1917) e, depois, por cuasa da
mudança na estrutura organizacional, em 1928, pelos Diretores de Saúde Pública (1927; 1928; 1930 e
1931; 1932).
100
Octávio de Magalhães conta que, na década de 1930, o instituto passou a manter
um serviço de policlínica. O médico salienta a baixa estrutura, ao passo que havia a
necessidade de manutenção do serviço “para atender os casos de escorpionismo e
ofidismo, que começavam a crescer assustadoramente” (Magalhães, 1956: 277). Mesmo
assim, a prestação do atendimento sofreu muitas críticas. Magalhães afirma que a
policlínica “serviu de arma contra nós”.
Outro setor importante foi a Biblioteca do Instituto, que desempenhou um
importante papel no processo de profissionalização do campo médico em Belo
Horizonte. A Faculdade de Medicina, desde os seus primórdios, tinha algumas
limitações estruturais, e a biblioteca da Filial foi pólo importante para que médicos,
estudantes e pesquisadores pudessem se colocar em consonância com os mais recentes
debates na área.
A biblioteca teve um crescimento vertiginoso e foi objeto de bastante estima por
parte de seus diretores, desde os tempos de Ezequiel, situação que perdurou com a
administração de Magalhães.
Em 1922, ela contava com 1022 volumes encadernados, 535 para encadernar,
2522 teses diversas e a assinatura de 77 revistas. Em 1923, com 4079; 1926, com 5128
volumes; em 1933, 10161 volumes; em 1935, antes da estadualização, contava com
10598 volumes.
Os recursos para a biblioteca eram parcos, mas, mesmo assim, ela não deixou de
crescer, como mostram os progressivos números do acervo.
101
VIII – O processo de estadualização
O processo de estadualização é, sem dúvida, um divisor de águas para o
Instituto, que via na nova situação uma possibilidade concreta do antigo desejo de
expansão. Mas a situação, como não poderia deixar de ser, produziu marcas e exigiu a
utilização da credibilidade acumulada por esse homens de ciência, para que o
desligamento de Manguinhos pudesse acontecer.
A questão das verbas era sempre destaque por sua escassez, seja material, seja,
até mesmo, para o pagamento de pessoal. Magalhães chega a afirmar que lançara mão
de créditos próprios para garantir o andamento de determinadas funções. A questão
orçamentária é tão recorrente, que vinha desde os tempos de Ezequiel, sendo inclusive
palco de um desentendimento com o mestre de Manguinhos, Oswaldo Cruz. A Filial se
fazia tão importante junto às autoridades mineiras, que conseguiu fomentar o projeto de
uma emenda que fazia com que as verbas viessem diretamente para o Instituto sem a
mediação de Manguinhos. O problema é que a verba seria retirada da própria matriz, o
que não agradou Oswaldo Cruz, que, em atitude radical, suspendeu toda a remessa de
material para Belo Horizonte. Magalhães fala que essa foi apenas uma questão interna
que seria resolvida sem maiores transtornos. Mas o tema dos recursos seria questão
recorrente, pois a filial se via atrofiada em virtude da falta de verbas, algo que abortava
qualquer possibilidade de crescimento.
Portanto, os relatos de memórias enfatizam a questão das verbas, que, por sua
escassez, emperrariam o desejo de fazer crescer a instituição e proliferar ainda mais os
estudos.
Houve uma forte “campanha” por parte do Instituto Ezequiel Dias com o
objetivo de fazer vingar o projeto de estadualização da Filial de Manguinhos. Para
102
Magalhães, essa seria a única forma de crescimento, e a relação com o Estado,
solidificada desde a fundação, em 1907, seria mais um ponto a favor da tese.
Mas o desligamento foi um processo árduo cheio de negociações e estratégias
que deixaria algumas rusgas.
Em 1934, vendo o projeto em andamento, Chagas chegou a afirmar em uma
carta: “não posso deixar de extremar o meu pesar”. Se, em 3 de agosto de 1907, a filial
chegava sombreada pela imagem de Manguinhos, como uma casa de ciência em
expansão, a situação agora era outra. A década de 1930 marcou o crescimento dos
trabalhos e serviços, que, foi, contudo, acompanhado por uma escassez de recursos e
limitações estruturais. A estadualização seria uma aposta, um cálculo que desvincularia
a Instituição do peso da credibilidade do Instituto Oswaldo Cruz, mas era, naquele
instante, a solução encontrada por esses atores para crescer, ampliar-se, desenvolver-se,
segundo os relatos das fontes.
A transferência para o Estado seria então uma empreitada institucional e
burocrática, mas, também, simbólica.
A idéia de um instituto mineiro espalhava-se desde muito tempo na capital de
Minas. Em momentos diferentes, sempre vinha à tona. Em cada uma dessas situações
em que a idéia de uma instituição estadual retornava, havia uma ameaça constante à
parceria entre o Instituto Ezequiel Dias e o governo, que se tornara a principal fonte de
proventos com a contratação dos inúmeros serviços. Há o fato de que outros estados
tinham suas instituições próprias, ao passo que Minas continuava a depender de verbas
federais para a manutenção dos assuntos relativos às enfermidades e sua profilaxia,
tendo em vista a centralidade das ações do Instituto.
Outra questão importante era relativa à localização do Instituto. A Praça da
Liberdade, onde estavam as instalações do Instituto com entrada pela Rua da Bahia,
103
seria motivo para uma forte oposição. Octavio de Magalhães fala da situação de forma
jocosa:
“Aquela Casa, pelos micróbios que continha, pelas doenças que
estudava, era um perigo coletivo no ponto onde se achava. Era
mesmo incrível que ela tivesse funcionamento junto ao Palácio
do Presidente, entre casas de honradas famílias. O mau cheiro
que dali se exala, só ele era capaz de matar um exército. Depois
que para ali se mudou o Colégio Isabela Hendrix, as pobres
meninas estavam morrendo intoxicadas...” (Magalhães, 1957:
324)
Juntamente a essa situação, cabe observar que, a partir da década de 1930, com a
Era Vargas, o Instituto Oswaldo Cruz também passa por grandes transformações, em
virtude do novo cenário político, econômico e social. Verifica-se um sério
estrangulamento financeiro de Manguinhos, devido principalmente à perda da
autonomia, fundamental para os recursos, o que tem como reflexo a insatisfação de
funcionários e a evasão de pesquisadores (Benchimol, 1990: 69). Não se pode esquecer
de que a década de 1930 também marca a mudança do paradigma institucional, em que
instituições fundadas com um caráter personalista, em grandes figuras da ciência,
passam a perder espaço para as Universidades.
Magalhães chegou a afirmar que o desejo de construir um “grande Instituto
mineiro” vinha desde 1923, quando assumiu definitivamente a direção. Mas a idéia
demorou a tomar forma, e, em meados de 1930, havia um contexto institucional,
político e da própria ciência biomédica que pudesse torná-lo realidade. É óbvio,
também, que os médicos do instituto haviam acumulado credibilidade suficiente para
ser colocada em sua derradeira prova com um empreendimento dessa grandeza, que
104
envolveria amplos interesses. Tal credibilidade seria a única capaz de mostrar a
abrangência das redes que o instituto havia formado ao longo de quase três décadas.
O resultado disso foi a atuação fundamental da bancada mineira naquilo que
seria a Lei nº 164, que passava para os poderes do Estado o Instituto Ezequiel Dias, e,
depois, na Lei Estadual sob o nº 163, sancionada em 13 de novembro de 1936. O
Instituto passaria a se chamar Instituto Biológico Ezequiel Dias.
O regulamento, em seu Art. 1º, estipula que o Instituto Ezequiel Dia,
“reorganizado pela lei estadual nº 103, sob a denominação de ‘Instituto Biológico
Ezequiel Dias’, constitui, com o seu pessoal e instalações, departamento de serviço
diretamente subordinado à Secretaria de Educação e Saúde Pública”. O regulamento se
destaca pela manutenção dos antigos serviços e, principalmente, pela inserção do ensino
como tarefa do Instituto, ao qual cabia “a organização de cursos de saúde pública e de
aperfeiçoamento dos estudos que lhe competem”, além da “colaboração com institutos
científicos e de ensino, para melhor preenchimento dos seus diversos encargos e
especialmente com a Escola de Veterinária do Estado, nesta capital, à qual abrirá os
seus cursos e laboratórios” (Magalhães, 1957: 352-353).
Na idealização ficaram claras as grandes influências no Instituto Pasteur de
Paris, do Instituto Oswaldo Cruz e do Butantan. Pelas divisões departamentais e
complexidades das funções, a grandiosidade do projeto era evidente. Além da Diretoria,
haveria os seguintes departamentos: Administrativo, Defesa Humana, Ensino e
Divulgação, Microbiologia, Parasitologia, Soroterapia e Vacinoterapia, Anatomia e
Fisiologia Patológicas, Química, Defesa Animal, Defesa Vegetal e Microbiologia
Aplicada às Indústrias. Para agregar todos estes serviços, seriam construídos pavilhões
por onde eles estariam distribuídos.
105
A passagem para o poder estadual foi um momento de grande entusiasmo e
expectativas de que sonhos antigos pudessem agora se efetivar. Algumas mudanças e
novidades ajudavam a promover certo clima de euforia.
Uma inovação foi a criação das Memórias do Instituto Biológico Ezequiel Dias,
cujo primeiro número seria publicado em 1937. A intenção da publicação era constituir-
se um periódico importante para trabalhos originais produzidos em terras mineiras.
O ano de 1936 marca, também, o fim do contrato com o Instituto Vital Brasil e a
tentativa de auto-suficiência na produção do soro antiofídico. No ano seguinte,
Magalhães dava a seguinte informação sobre o assunto:
“conseguimos enviar aos fazendeiros, para campanha
antiofídica, cerca de 1988 tubos de soros feitos nos nossos
laboratórios, com os nossos próprios recursos, devido à
colaboração eficiente e dedicada do assistente contratado,
Osvino Pena Sobrinho” (Magalhães, 1957: 421).
Contudo, houve, entre 1935 e 1939, um sensível decréscimo no envio de cobras
venenosas, o que ainda prolongou por certo tempo a relação interinstitucional com o
instituto carioca, na exigência de uma complementação de tubos de soro.
As novas instalações estavam sendo construídas em um terreno no bairro da
Gameleira. O espaço era muito extenso, e as plantas do novo Instituto Biológico
mostram como o sonho de Octávio de Magalhães era grande. Talvez por conta disso, ele
tenha feito um cálculo superestimado de todos os interesses que estavam envolvidos
nessa transferência para o Bairro Gameleira.
Para alguns, seriam sonhos que, de tão altos, colocaram um véu nas
determinações políticas e pragmáticas que sempre rondam os assuntos de saúde pública.
Diante do novo cenário, com o modelo institucional criado por Oswaldo Cruz dando
sinais de fraqueza diante das novas posturas políticas e da ascensão das universidades,
106
que passam a se tornar centros de ensino e pesquisa, a partir da década de 1930, o
cálculo de Octavio, para sua idéia de ciência, não conseguiu se acomodar nos novos
contextos, demandas e interesses dos próprios atores políticos que compunham a cena
em Minas Gerais.
Fato é que, em 20 de setembro de 1941, Octávio de Magalhães fica sabendo,
através do Minas Gerais, da grande reforma promovida por Benedito Valadares.
Antônio Valadares Bahia, parente de Benedito assumiria a direção do órgão que
mudaria de nome – Instituto Bioquímico do Estado de Minas Gerais. Textualmente está
colocada a “necessidade de se transformar o Instituto Biológico Ezequiel Dias em um
centro de fabricação de soros e vacinas que satisfaça as necessidades de consumo do
estado” (Minas Gerais, 20 de Setembro de 1941:2). Magalhães seria rebaixado a Diretor
técnico. Não concordando com o andamento da situação, pede exoneração em 23 de
setembro de 194153
.
Através do percurso histórico do Instituto Ezequiel Dias, como filial de
Manguinhos, procuramos explorar a trajetória de uma instituição em determinado
contexto. O Instituto teve papel ativo no processo regional de legitimação do paradigma
microbiológico: nas suas relações interinstitucionais, nos serviços prestados, na
Instituição que simbolicamente representava os novos modelos.
Cabe pensar de que forma essa trajetória institucional foi importante para
colocar o Instituto em conexão com diversas discussões, projetos e desejos no interior
53
Com o afastamento do Instituto, Octavio de Magalhães se dedicaria a sua carreira na Faculdade de
Medicina. Exerceu o magistério durante 47 anos e foi aposentado pela compulsória de 1960. Foi reitor da
Universidade Federal de Minas Gerais entre 1949 e 1952 e teve participação ativa na federalização
(Magalhães, 1976).
107
da Primeira República, em nível nacional e regional, e de que forma tudo isto era
mobilizado no interior do laboratório.
108
Capítulo 3 – Escorpiões, cobras e micróbios: os híbridos
e as redes científicas do Instituto Ezequiel Dias
No presente capítulo pretende-se fazer uma ordem inversa na história do
Instituto Ezequiel Dias. Anteriormente, o percurso histórico da instituição foi
enfatizado, assim como suas redes, seu crescimento físico, a complexidade de atuações
que se corporificou ao longo do tempo nas relações com o governo e com outras
instituições médicas, a credibilidade obtida – esta, capaz de arregimentar aliados e
afastar opositores na tarefa imperiosa de tornar o espaço institucional importante para
amplos setores, além de legitimar o paradigma microbiológico na cidade moderna.
Porém, o trabalho com as fontes mostrou a necessidade de se situar
historicamente a trajetória dessa instituição, entre 1907 e 1936, para além de seu espaço
físico e suas relações interinstitucionais. Determinados referenciais socioculturais são
importantes para enraizar a atuação da Instituição e de alguma forma interligá-la a
outros temas importantes que estavam na pauta política do momento. Acredita-se que o
109
crescimento do Instituto é resultado, também, de uma bem elaborada leitura histórica e
cultural do contexto regional mineiro e nacional, feita por homens de ciência,
encabeçados por Ezequiel Dias e Octavio Magalhães. Dessa forma, seria importante
indagar: qual leitura teria sido essa? De que forma ela foi importante para a história da
Instituição? Como esse contexto estrutural tornava-se parte integrante e vital da
atividade científica e do processo cotidiano de luta pela construção e aceitação dos fatos
científicos?
Nossa análise pretende evidenciar de que forma tais homens de ciência foram
importantes na projeção e na prática de estratégias que, de alguma forma, pretendiam
valorizar a Instituição da qual faziam parte, optando por inseri-la em uma discussão a
respeito da saúde no período.
Portanto, procura-se delinear de que forma a história do Instituto Ezequiel Dias
teve como divisor de águas o ano de 1918, com a criação do Posto Antiofídico. Em um
primeiro momento, poder-se-ia pensar que a criação desse Posto não seria mais do que
natural, já que o problema dos animais peçonhentos era um assunto relevante no
contexto da capital de Minas. Entretanto, de forma sui generis, o serviço rompeu as
barreiras da caça às temidas cobras e aos aterrorizantes escorpiões.
Como um setor estratégico do Instituto, posto que garantia uma grande
credibilidade acumulada através das relações com amplos setores (população em geral,
setores ligados às forças produtivas mineiras e ao próprio governo estadual), teve
também outros propósitos. Além de “fonte” de acumulação de um capital científico, o
Posto Antiofídico e depois o Serviço Antipeçonhento, foi capaz de fazer uma
interligação peculiar entre o Instituto e a luta pelo saneamento do Brasil, assunto que
estava na pauta do campo médico, principalmente a partir do final da década de 1910, e
que pretendia garantir um novo lugar para a saúde. Dentro do projeto de nação que se
110
desenhava e que seria colocado em prática, no contexto dos sonhos e desejos de uma
intelectualidade da Primeira República, muitos médicos faziam parte, como
interlocutores e, principalmente, artífices, de tais projetos de nacionalidade. O Instituto
Ezequiel Dias inseriu-se nessa discussão ampla, através do Posto Antiofídico. Como se
verá a seguir, as viagens científicas em busca de cobras e escorpiões consubstanciaram-
se, em muitos momentos, numa ávida discussão a respeito do papel da saúde, da
educação, do aprimoramento das redes de transportes para a construção de uma Minas
interligada a uma nação que deveria incluir os mais recônditos lugares.
A idéia de uma nação saneada fazia parte de uma “ideologia da construção
nacional” (Castro Santos, 2003) que pretendia ligar os sertões do Brasil aos grandes
centros de decisão nacionais – unir sertão e litoral, romper a fragmentação, constituir
um amálgama e, assim, incluir o território perdido no fluxo do progresso civilizatório.
Assim, no âmbito nacional, a saúde se tornara pauta das discussões por um
conjunto de fatores que fizeram do tema importante para se pensar/repensar a nação. O
ano de 1918 pode ser considerado emblemático nesse processo em que a historiografia
sobre o tema se resume da seguinte forma: nos textos publicados por Belisario Penna a
respeito das viagens científicas, promovidas desde o início da década de 10, no Instituto
Oswaldo Cruz; a publicação no jornal O Estado de São Paulo, em 1914, dos Contos
Urupês e Velha Praga, de Monteiro Lobato, que traziam à cena o Jeca preguiçoso e
degenerado, e sua conseqüente reviravolta com a inserção de Lobato no movimento
sanitarista e de seu pedido de desculpas ao Jeca, que, semelhante ao próprio Brasil, “não
era assim, estava assim”; o discurso de Miguel Pereira proferido em 1916, mas que
repercutia nos anos subseqüentes e proclamava que “O Brasil é um vasto hospital”,
precisando ser assim saneado, libertado desse mal que era a doença que assolava os
mais distantes lugares e fazia do interior uma profusão de idiotas e opilados; da
111
epidemia de Gripe Espanhola, nesse mesmo ano de 1918, que chegou ao Brasil no
segundo semestre, que por sua tragicidade de caráter epopéico, provocaria um
questionamento de nossa saúde pública e suas instituições em âmbito nacional e
regional (Hochman, 1993; Hochman 1998; Hochman e Lima 1996; Lima e Hochman,
2004).
O interessante é que, quando se observa o contexto mineiro da Primeira
República, vemos, também, um projeto regional que tentava unir uma Minas
fragmentada. Iniciativa que, se, por um lado, está inserida nesse constante repensar das
bases republicanas a partir da mudança de 1889, por outro, tem questões muito próprias
da situação sociohistórica mineira. Pode-se dizer que o contexto mineiro tem que ser
analisado em consonância com todo esse projeto nacional, mas que não se pode perder
as nuances históricas que fazem de Minas e suas dessemelhanças econômicas, culturais
e até geográficas um caso a parte nesse processo maior da Primeira República brasileira.
Nosso objetivo é também dar o tom e a forma da interlocução promovida entre
os homens de ciência e a percepção de um projeto regional mineiro de desenvolvimento,
que pretendia garantir uma “substância econômica” ao Estado e que se pautava na união
pela diversidade de Minas (Faria, 1992). Projeto este assumido não apenas por um setor
dominante e hegemônico, mas por um conjunto de setores produtivos representado e
legitimado por várias entidades, como a Sociedade Mineira de Agricultura (instituição
articuladora da criação do Posto Antiofídico) e que, com outras, sintetizava os interesses
de várias “classes conservadoras”54
de executar tal idéia de desenvolvimento do Estado.
54
De acordo com Faria (1992), “Classes conservadoras” é uma nomenclatura de auto-referência bastante
usada por esses setores, que se encontravam em uma posição de destaque no espaço público, de gestão
administrativa e discussão, e, algumas vezes, de reivindicação, nas diversas esferas da vida mineira. A
expressão classes conservadoras é importante, pois é assim que a encontramos na realidade histórica
mineira do período. No Minas Gerais é dessa forma que agricultores, comerciantes, industriais,
banqueiros e todos aqueles que se ligavam ao mundo da produção se intitulavam. Em um primeiro
momento, isso pode passar a idéia de um bloco monolítico, o que não condiz com a verdade. Tendo em
vista que, durante o período, elas encontraram até mesmo interlocutores que foram salutares aos seus
anseios (como o Estado, a classe política e alguns setores sócias), embora tivesse também seus
112
Tal projeto também necessitava de bases de apoio, das quais uma, não por acaso, era a
ciência. Sua efetividade também dependia da derrubada de alguns obstáculos que se
tornavam mais evidentes quando se constatava uma pluralidade de Minas, a “um só
tempo geográfica, econômica e política”, que nesse instante funcionava como entrave
ao desenvolvimento.
Diante dessa situação particular mineira, em que não havia um setor produtivo
único, mas vários que eram importantes na sinuosidade dos acordes para os assuntos
políticos e econômicos, a questão da saúde foi tratada também aqui de forma
diferenciada, embora não estivesse ausente do intenso debate que acontece a partir de
1918. O trabalho de Faria (1992) é importante na tarefa espinhosa de tentar delinear as
articulações políticas, econômicas e sociais promovidas pelos setores produtivos junto
ao Estado de Minas Gerais, para colocar em prática esse projeto de desenvolvimento
mineiro. Para o nosso caso, trata-se de algo importante, pois a partir dessas outras
questões que estavam sendo debatidas e desses inúmeros interesses que tornavam
ciência mais que um apêndice do social, pode-se perceber a historicidade da atividade
científica em Minas relativamente ao Instituto Ezequiel Dias. Assim, o que se quer
desenvolver é o seguinte raciocínio: se 1918 é um ano chave no Brasil, devido às
questões levantadas, ele é também importante para a discussão da atuação do governo
do Estado de Minas nos assuntos referentes à saúde. E o Instituto Ezequiel Dias era um
elo importante, posto que peça chave, com seus serviços, no ritmo das questões nesse
setor e, nesse mesmo ano, com o tão propalado Posto Antiofídico.
Na tentativa de escapar de uma perspectiva que possa vir a julgar o papel do
Estado de Minas Gerais no período a partir de critérios de eficiência e ineficiência,
pretende-se pensar que 1918 inaugura um ínterim simbólico para a questão da saúde,
antagonistas (seja logo no início da república com restauradores monarquistas, seja posteriormente, com
iniciativas separatistas de setores mineiros).
113
que vai até 1927, com aprovação da chamada “Grande Reforma” do Serviço Sanitário e
que amplia e torna mais complexa a idéia de uma Minas saneada em toda a sua
pluralidade, nos mais distantes lugares. A complexidade do sistema sanitário pensado
em 1927 fez notar o amplo leque de mobilizações empreendidas pelo campo médico
durante esse período de quase uma década.
E as cobras e escorpiões: como se incluiriam nesse processo intricado de
acontecimentos?
Vemos, então, dois projetos em curso, que, se não estão diretamente
relacionados, se entrecruzam na realidade histórica: um projeto de nação em âmbito
nacional; outro, de desenvolvimento de Minas em âmbito regional. E a questão da saúde
passaria como feixe transversal entre ambos. Cobras e escorpiões seriam como seres
híbridos que transitariam entre um e outro. Em certos momentos flutuariam nesse
circuito que pretendia uma nova nação, uma nova Minas Gerais, e, de alguma forma,
legitimar uma nova ciência sob os auspícios da microbiologia. Eram como porta-vozes
dos médicos que os levaram ao laboratório para transitar por esse grande circuito e, em
outros momentos, funcionariam como ponto de afluxo de interesses, ao mesmo tempo
esotéricos e exotéricos. Um deles, não menos importante para esses homens de ciência,
era tornar o Instituto Ezequiel Dias um lugar de prestígio e importância na Saúde
Pública em Minas Gerais.
A ciência opera com tempo e espaço contingentes. Mais que isso, os médicos do
Instituto fizeram valer a natureza e sociedade como categorias que não estavam dadas.
Se amplas questões do ponto de vista macroestrutural estavam sendo elaboradas, foi
com essa contingência que esses médicos tiveram que trabalhar e levar para o interior
do laboratório os processos árduos de produção e legitimação dos fatos científicos (o
micro) com a sociedade em construção (o macro). Não é como partes distintas que se
114
quer promover sua mistura. Se a sociedade é levada a todo instante ao interior do
laboratório, ela não é algo que apenas se mistura, mas parte integrante, inextricável,
constituinte da própria atividade científica (Fleck, 1986; Latour, 1994, 2000, 2001).
Assim, os cientistas, em vez de girar em torno de seus objetos, “faziam girar os
objetos em torno deles”, tornando-os capazes de falar e interagir. Rompendo a
dicotomia sujeito-objeto, esses não-humanos
“são, como venho postulando desde o início, atores cabais em
nosso coletivo; compreenderemos, enfim, por que não vivemos
numa sociedade que olha para o mundo natural exterior ou num
mundo natural que inclui a sociedade como um de seus
componentes. Agora que os não-humanos já não se confundem
com objetos, talvez seja possível imaginar um coletivo no qual
os humanos estejam mesclados com eles.” (Latour, 2001:201)
Cobras e escorpiões estão, dessa forma, destituídos da mera atribuição de objetos
científicos. Estão mais para o limite de “quase-objetos”, são transformadores:
“São reais, bem reais, e nós humanos não os criamos. Mas os
coletivos, uma vez que nos ligam uns aos outros, que circulam
por nossas mãos e nos definem por sua própria circulação. São
discursivos, portanto, narrados, históricos, dotados de
sentimento e povoados de actantes com formas autônomas. São
instáveis e arriscados, existenciais e portadores de ser.” (Latour,
1994:88)
Dessa forma, tentaremos percorrer os meandros dessa interação entre humanos
(médicos do Instituto Ezequiel Dias) e não-humanos (cobras, escorpiões), suas relações e
a que interesses ela serviu.
115
I - A aliança entre o Instituto Ezequiel Dias e as “classes conservadoras”: a ciência
e o projeto de substância econômica para Minas Gerais
Uma questão importante, a ser debatida, é o fato que o Posto Antiofídico foi
criado por indicação da Sociedade Mineira de Agricultura (SMA), instituição
importante e agregadora das forças produtivas no Estado, a qual teve uma atuação
decisiva não apenas nos assuntos econômicos, mas também porque suas sessões foram
palco de importantes debates a respeito de diversos assuntos, dentre os quais a saúde.
Bem interessante é como a idéia foi parar na SMA por meio de uma carta do
escritor Gustavo Pena, que havia escrito um artigo intitulado “Uma hora agradável entre
cobras e escorpiões”55
, após sua passagem pelo Instituto. Magalhães, em seus ensaios,
dá o tom das diversas alianças promovidas para que a criação do posto fosse
concretizada:
“O trabalho de propaganda da idéia, principalmente do Dr.
Gustavo Pena, homem de grande projeção na sociedade
mineira, foi realmente de muita eficiência. Ezequiel Dias, por
outro lado, procurou entrar em entendimento com o governo
mineiro e com o Dr. Vital Brazil, ilustre fundador e diretor do
Instituto Butantan”. (Magalhães, 1957: 196)
O trabalho de construção e solidificação das redes foi bem sucedido. A
aproximação com a SMA não poderia ter maior valia. A força dessas relações e a
credibilidade que Ezequiel adquiriu para o Instituto podem ser percebidas através da
coluna que a SMA tinha no Minas Gerais em que ele reproduz os agradecimentos do
microbiologista por fazer valer a idéia da criação do Posto Antiofídico:
“O sr. dr. Ezequiel Dias, Diretor da Filial do Instituto ‘Oswaldo
Cruz’, instalada nesta Capital, dirigiu ao presidente da
Sociedade, sr. dr. Francisco Salles, em data de 26 do mês findo,
o seguinte ofício:
55
Infelizmente, apesar de muito “famoso” e citado, o artigo de Gustavo Pena não foi localizado.
116
‘Comunico a V. Exc. Que os poderes públicos do Estado de
Minas Gerais autorizaram o início dos trabalhos da seção
antiofídica deste Instituto.
Tendo sido a Sociedade Mineira de Agricultura um dos
mais fortes elementos propulsores dessa idéia, peço vênia
para congratular-mo com V. Exc. e os dignos consórcios,
aproveitando ainda o ensejo para solicitar novamente o seu
precioso apoio para a execução do nosso programa de
serviço.
Agradecendo cordialmente a generosa simpatia que essa
progressista Sociedade costuma dispensar a este Instituto,
aguardo com prazer as suas ordens e apresento a V. Exc. os
meus protestos de elevado apreço e consideração’”. (Minas
Gerais, 1 de fevereiro de 1918: p. 6) (grifo meu)
Pelo ofício de Ezequiel Dias se vê claramente de que forma a SMA foi
fundamental para colocar a sua credibilidade à prova e a favor da criação do Posto.
Ezequiel, focaliza a importância do apoio da SMA. Ele não se priva de solicitar que
assim se continuem os prolongamentos dos trabalhos, preocupando-se em fazer a
manutenção constante do seu circuito de apoio, para que funcione bem e continuamente.
Para a compreensão da aliança entre os setores reunidos nas chamadas “classes
conservadoras” e o Instituto Ezequiel Dias, é vital a percepção de como estavam
articulados os setores produtivos em Minas Gerais e de que forma eles buscavam a
legitimação junto aos poderes públicos.
Diferentemente de São Paulo, onde a representatividade dos interesses de classe
eram bem perceptíveis, até pela conformação econômica da região, em Minas isso não
se desenrolava dessa forma, pois a articulação entre o mundo da política e o da
produção mostrou-se bastante complexa (Faria, 1992).
E o que distinguia a situação de Minas?
Primeiramente, é importante falar da própria diversificação espacial. Já se
dividia em sete regiões (Centro, Norte, Sul, Leste, Oeste, Triângulo Mineiro e Zona da
117
Mata)56
, com diversidades econômicas e políticas. Desde o período colonial a geografia
tinha sito utilizada para que o território fosse mantido isolado, o que acabou acentuando
diferenças regionais que tiveram que ser absorvidas pelo governo e pelo imaginário
popular. A questão chegou a tal ponto, que logo no início do período republicano houve
uma ameaça de rompimento da unidade de Minas, como a proposta de criação do estado
de Minas do Sul, que englobaria as regiões do Sul e da Mata (Faria, 1992: 88).
O caminho encontrado para vencer esses obstáculos, construídos historicamente,
ligam-se à idéia de que existe uma “Minas pátria”. A solução política forjou uma idéia
de um “patriotismo estadual”. Diante da ameaça de desagregação era preciso forjar uma
idéia de uma Minas que se unisse pela pluralidade. Um Estado uno, mas diverso.
Do ponto de vista econômico, Minas entra na República com uma economia
altamente diversificada. Tal situação impedia que um único setor, como, por exemplo, o
cafeicultor, dominasse a economia.
Ao analisar essa situação, Faria levou às últimas conseqüências a idéia de que
“Minas são muitas” e acabou por encontrar uma variedade de forças produtivas e seus
interesses, complexidades na relação com o poder e na própria noção do Estado
representante de diversos setores. Se, no começo da República, a ameaça da
fragmentação foi solucionada lançando-se mão de uma cultura política mineira, forjada
a partir de uma unidade na diversidade, posteriormente o problema foi a inexistência de
um projeto de desenvolvimento que precisaria ser efetivado.
A construção do Estado na forma Republicana precisou encarar tais
dessemelhanças do território e fazer delas um fator para a promoção de um amálgama.
Quanto ao poder público em Minas, diante do fato da inexistência de um setor
apenas, transformou-se, ao longo do tempo, em instância catalisadora de diversos
56
Faria salienta que na Primeira República não havia uma carta fisiográfica do Estado que possa ser
utilizada com precisão, pois os limites zonais variavam muito. Esta divisão em 7 regiões era de uso mais
corrente na imprensa, documentação oficial e na literatura sobra a época (Faria, 1992:39).
118
interesses econômicos que se viam numa relação “mediatizada por uma espécie de
intelligentsia, que se abrigava em entidades como a Sociedade Mineira de Agricultura e
Associações Comerciais, para ampliar e legitimar o projeto de desenvolvimento
proposto e executado pelo Estado” (Faria, 1992: 11-12).
Essas mesmas “classes conservadoras” colocaram em execução um projeto de
desenvolvimento que partia do princípio de que Minas deveria se unir a partir da sua
diversidade, o que se consubstanciou no privilégio a setores como a agropecuária
diversificada. Tal empreendimento estava alicerçado em diversos pontos, como a
criação de entidades que fornecessem o arcabouço desse projeto, tal qual a própria SMA
relativamente ao ensino agrícola e aos congressos setoriais.
Desde os tempos passados, identificavam-se dois blocos no território: a minas
barroca, das cidades coloniais sob a égide da economia aurífera; e as gerais do campo,
do sertão, dos territórios escondidos. Era preciso agrupar esses blocos, e as tentativas de
modernização são provas de tal empreitada materializadas na transferência da Capital
para Belo Horizonte, oficializada em 1897, que viria a ser a síntese das Minas e das
Gerais, por sua centralidade no território e pela força simbólica que a urbe passaria a
adquirir.
Os médicos do Instituto não deixaram de fazer a leitura desse turbilhão de
desejos. Poderiam fazer a ciência uma aliada importante para a efetivação desses
diferentes e complexos projetos para a Minas que se desenhava a partir do advento da
República. Neste sentido é que as “bandeiras” da ciência, tão propaladas por Ezequiel
Dias e Octávio Magalhães, adquiriram uma força simbólica ainda mais forte pelas
montanhas mineiras. Elas eram símbolo de uma ciência que não se fazia apenas
misturada ao contexto político mineiro, mas como parte constituinte e que partilhava
das vicissitudes impostas pela realidade histórica.
119
Significa dizer que sair da Rua da Bahia para os sertões de Minas era muito
mais que buscar cobras e escorpiões. Era uma luta pela incorporação de um território
que estava arredio a essa história em movimento, que, por seu lado, se pretendia
modernizadora, embora requeresse a transformação desses espaços através do
saneamento. Mais que isso, desbravar uma Minas desconhecida era fazer parte de um
coro orquestrado por vários sujeitos históricos que solicitavam de amplos setores a
colaboração na União de Minas pela diversidade e no desenvolvimento do Estado, que
não poderia deixar de contar com a valorosa contribuição da ciência.
A partir da constatação do caráter político do ofício científico no seu cotidiano,
fica mais claro o apoio do Estado, como um aliado, no crescimento do Instituto
Ezequiel Dias. E, como não poderia deixar de ser, cobras e escorpiões também foram
portas-vozes desse projeto de desenvolvimento que se concretizava através de alianças
culturais, econômicas, políticas e cientificas.
Prova dessas alianças é a construção do mapa de distribuição geográfica das
cobras recebidas pelo instituto ao longo das décadas de 1920 e 1930 (Ver mapa na
página seguinte).
As cobras recebidas e coletadas são distribuídas de acordo com a região de
proveniência. O objetivo pode parecer óbvio, em um primeiro momento: organizar a
distribuição das espécies de cobras pelo território de Minas. A questão é que, frente ao
nosso olhar, tal artifício científico não pode ser retirado do processo que transcorria.
Minas era um Estado de regiões, com subdivisões e cidades perdidas e não mapeadas.
Diante dessa situação, o fato de que, simbolicamente, as cobras substituiriam esses
territórios recônditos adquire uma força muito maior do que qualquer ímpeto de
organização puramente científica ou burocrática: ganha contornos de um Estado que
lutava para se unir e que encontrava obstáculos em sua própria conformação espacial e
120
política. Nesse período em que se pretendia unir, transformar e modernizar, um mapa
era muito menos taxionômico do que político e simbólico. É a ciência se fazendo prática
e contribuindo para desbravar, mas, também, para solidificar elos, construir redes. Era a
busca de uma Minas que se unia de forma bastante peculiar na atividade científica,
através dos peçonhentos. Para além de um estado fragmentado, abdicava-se de seus
contrastes históricos por uma unidade agora científica: materializada simbolicamente na
distribuição dos peçonhentos por essa Minas em construção.
Mapa da distribuição geográfica das cobras recebidas pelo Instituto Ezequiel Dias.
Fonte: Centro de Memória da Fundação Ezequiel Dias
121
I. 1 - A Sociedade Mineira de Agricultura: mais um ponto de afluxo de uma
grande rede
No ano de 1909 foi fundada a SMA em Belo Horizonte57
. Diante do projeto que
se pretendia para o Estado, tornar-se-ia uma instituição vital no associativismo em
Minas, e seu caráter agregador ficaria latente ao longo de sua atuação. Diante das
conformações históricas, “a entidade se definiu, também, como um lugar social da
enunciação do discurso revelador do projeto de desenvolvimento econômico mineiro”
(Faria, 1992:124).
A SMA caracterizava bem a tônica da forma pela qual se distribuíam os setores
produtivos em Minas, abrigando assim as auto-referidas “classes conservadoras”.
Apesar de o ruralismo mineiro ter encontrado na SMA uma instância de representação
importante, seus quadros refletiam a diversificação, e até profissionais liberais e
membros da Igreja Católica, ainda que em menor escala, compunham-na.
Apesar de ser uma entidade civil, suas ligações com o poder se faziam presentes
e necessárias, na medida em que era preciso dar efetividade aos interesses que lá dentro
circulavam. Se não havia uma coincidência automática de interesses, a vinculação não
deixava de existir, tendo-se em vista que
“O perfil biográfico de mais da metade de seus diretores
demonstrou que a entidade abrigava, em seus quadros
dirigentes, grupo considerável de políticos – empresários que
transitavam com desenvoltura entre as esferas dos setores
público e privado. Foi esta ‘intelligentsia’ que mediatizou as
relações entre o mundo da produção e o Estado, colaborando
decisivamente com este na elaboração do projeto de
desenvolvimento”. (Faria, 1992: 135)
57
De acordo com Faria, a SMA seguia também uma tendência do associativismo nacional. Em 1897 foi
fundada a Sociedade Nacional de Agricultura. Tal como sua congênere, a SMA pretendia ser
suprapartidária, privilegiando a organização civil (Faria, 1992).
122
Contudo, é importante salientar que a participação das autoridades não se
restringia aos cargos de direção, pois, junto com representantes da Igreja e autoridades
municipais, estabeleciam uma relação simbiótica entre a entidade e o poder estadual.
A instituição também procurava seus aliados na tentativa de compor suas redes.
Teve relações estreitas com as municipalidades, com comissões específicas para
intermediação, a partir de 1916. Dessa forma, ratificava-se, novamente, a idéia de que
a Minas modernizada apenas seria erguida através da união do todo fragmentado.
Demonstrativo da capacidade arregimentadora da SMA era o fato de que ela
tinha espaço cativo no Minas Gerais (órgão de divulgação oficial do Estado).
As discussões promovidas dentro da SMA também encontravam eco em revistas
ligadas aos setores agrícolas em um Boletim Mensal.
Até pela natureza da entidade, a relação com a Secretaria de Agricultura58
–
instância em que foi estabelecido o contrato com o Estado para a criação do Posto
Antiofídico em 1918, no Instituto Ezequiel Dias – também era muito forte. Mas Faria
salienta que não havia um compromisso tácito de apoio. Houve, também, momentos
de denúncia e reivindicações, como a crítica ao insucesso das cooperativas agrícolas
que só teriam existido entre 1908 e 1914. Numa nova fase dessas relações, a partir dos
fins da de década de 1920, houve uma crítica mais sistemática à atuação do Estado no
setor econômico, principalmente a parir do Congresso Agrícola de 1928.
A SMA fez uma sistemática campanha em prol do ensino agrícola, pois,
segundo alguns de seus membros, era preciso ensinar o sertanejo a cuidar da terra e a
produzir. Trabalho e educação eram questões que caminhavam juntas, havendo a
insistência relativa à necessidade um ensino que fosse suficientemente prático,
58
Foi criada em 1891 e, em 1901, foi suprimida. Em 1910 seria criada a Secretaria de Agricultura,
Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas (Faria, 1992: 144).
123
fundamentado na observação in loco, que se distanciasse de um ensino clássico e
bacharelesco. Neste sentido, técnica e ciência seriam colocadas em sintonia para
modificar o cenário rural mineiro59
.
A partir dessa análise feita por Faria da SMA, seria importante perceber, no que
tange ao presente trabalho, como a ciência passava a exercer novas definições no
cotidiano desse trabalhador, sendo responsável por mudar práticas, por salvá-lo da
ignorância através da higiene e do saneamento, mudando a casa, transformando o
privado, as práticas culturais, incidindo nos corpos. Era precioso fugir do paradigma
racial60
que viesse a inviabilizar a recuperação desse homem degradado pelas
contingências históricas e culturais. O momento é de cobrar uma ação pública e
efetivamente capaz de modificar a inserção desse sujeito nos projetos que saíam do
nível discursivo e se transformavam na/pela prática.
Cabe salientar como o Instituto Ezequiel Dias e o próprio campo médico em
Belo Horizonte tiveram relações muito próximas com a SMA. Ela se constituía em um
espaço privilegiado, não apenas por sua condição agregadora de importantes setores
econômicos, mas por suas relações com o poder público que não apenas a faziam um
braço do Estado, mas também por ser uma entidade capaz de mobilizar diferentes
atores e torná-los capazes de pautar reivindicações e mudanças na atuação do governo.
59
Faria, em A política da Gleba, salienta a ciência como item importante das discussões da SMA, mas
atrelada à relação com o processo produtivo, até por sua abordagem de “caráter mais econômico”.
Consideramos que nosso objetivo aqui é dar uma maior ênfase a essa relação, até pelo trabalho
empírico que mostrou as recorrentes aproximações entre a história do Instituto Ezequiel Dias e da
SMA. 60
Faria salienta uma tendência dentro da SMA de pensar a questão racial ainda a partir de um
paradigma racial ortodoxo, que privilegiava uma depuração étnica através da inserção de imigrantes
(mulheres) brancas. No que se refere a esse assunto, tendemos a concordar com De Luca, em análise
das oscilações da intelectualidade na Revista do Brasil relativa a novas concepções que assegurariam a
nossa redenção através da ciência e, em outros momentos, o retorno de análises que enfatizavam a
necessidade da limpeza seja através de políticas imigrantistas e até mesmo eugênicas. Para interpretar
tal contradição, a autora utiliza a idéia de um pensamento pendular, que caracterizaria intelligentsia na
primeira República e que, consideramos, pode também ser aplicado às variações discursivas no interior
da SMA: “A tendência aqui era valorizar o sertanejo, sua adaptação ao meio e criatividade no
aproveitamento dos recursos naturais. Porém, tais fronteiras estavam longe de ser rígidas uma vez que
os espaços de interseção variavam com as circunstâncias, sendo mais apropriado recorrer à imagem do
movimento pendular, com as suas infindáveis oscilações” (De Luca, 1999: 195).
124
Por esse caráter, seria um espaço fundamental para o processo de acumulação de
capital científico, vindo a incrementar a discussão que, se por um lado reivindicava
mudanças nos assuntos de saúde no Estado e no Brasil, por outro, demonstravam a
tentativa do campo médico de buscar autoridade científica suficiente para postular
transformações práticas nesses assuntos.
As fontes dão bem a tônica de como a questão da saúde foi importante nas
sessões da SMA. Em uma delas, pelos idos de março de 1918, com a presença de
figuras importantes do meio médico mineiro, como Samuel Libânio e Eurico Villela,
houve um intenso debate a respeito da situação sanitária de Minas Gerais. A discussão
deixa claro que a SMA pretendia cobrar dos poderes públicos a posição de Minas
Gerais na Liga Pró-Saneamento que se organizava nacionalmente. Belisário Penna,
crítico contumaz da posição do governo, encaminhou um ofício à entidade:
“Em nome da Liga Pró-Saneamento do Brasil, venho felicitar
calorosamente à Sociedade Mineira de Agricultura pela
iniciativa que tomou de solicitar do governo do Estado
providências imediatas em bem da saúde de nossos patrícios,
horrivelmente prejudicados por várias endemias, evitáveis
todas, e curáveis muitas delas, sendo a causa primordial do
pouco desenvolvimento econômico do nosso Estado, apesar
dos tremendos sacrifícios realizados para esse fim.
A instituição dos medicamentos oficiais para o tratamento da
malária e da uncinariose, as duas doenças que mais
extensamente prejudicam a população do Estado, é medida de
primeira ordem e, por sua natureza urgente, mas insuficiente
para libertá-la desses males.
[...] A distribuição de medicamentos precisa ser acompanhada
de outras providências.
O tratamento não consiste apenas em dar aos doentes
medicamentos específicos, mas em saber dá-los até a cura
completa, e em ensinar-lhes os meios de evitar que se
reinfectem”. (Minas Gerais, 8 de Março de 1918: p. 3) (grifo
meu)
As palavras de Penna demonstram o papel vital da SMA quanto a fazer da saúde
uma questão importante para o Estado de Minas Gerais. Processo que não seria tão
simples. Penna foi eficaz na sua elaboração discursiva e fez uma leitura eficiente da
125
existência de um processo em curso pelo qual se lutava pelo desenvolvimento
econômico do Estado. Sobretudo, fez lembrar que esse projeto não se efetivaria sem
mudanças imediatas na saúde pública do território. Para as “classes conservadoras”
era o derradeiro dedo na ferida. Dar voz ao sanitarista é a prova de que em Minas elas
também tomavam consciência de que seus desejos não se efetivariam sem uma
tomada de consciência do papel da saúde como ponto vital do sucesso da meta de
substância econômica.
A ênfase é reivindicar, frente ao poder público, uma mudança de atitude, e nada
melhor do que a SMA, ponto de consonância, de convergências de interesses, entre
médicos sanitaristas e as “classes conservadoras”, para ser um fórum privilegiado da
discussão do assunto. Na mesma edição do jornal fica evidente que o debate não
parou, o que mostra a premência da questão. A resposta aos apelos de Penna foi
contundente. Por meio de um ofício, a SMA responde que
“Na ordem das providências para a consecução do nosso alto
desígnio, nenhuma quer nos parecer mais indicada e oportuna
do que a realização, pela palavra e pela imprensa, de uma
propaganda prática e bem orientada, que, divulgando a extensão
do mal, aponte às populações, os meios de evitá-los. E ninguém
melhor do que o preclaro conterrâneo, pelo seu devotamento a
essa causa, estaria apontado, para vir, em Minas Gerais,
inaugurar, com uma conferencia nesta Capital, essa cruzada
benemérita.
[...] Assim, desejamos ver iniciada essa oba de previsão e de
patriotismo em nossa terra; e para tão nobre escopo, fiamos que
não nos negará o estimável concurso de sua inteligência e
saber”. (Minas Gerais, 8 de Março de 1918: 4)
Veja-se como a credibilidade dos interlocutores é usada de forma bilateral. Se,
por um lado, Penna sabia que, se havia um lugar onde seu discurso se faria ouvir, era
na SMA, por outro, a entidade sabia que era preciso utilizar do prestígio do sanitarista
para trazer credibilidade à discussão do saneamento em Minas.
126
A seguir, transcreve-se a resposta de Samuel Libânio, Diretor de Higiene, prova
cabal de que a ruidosa discussão fez eco pelos lados do poder:
“Tinha a felicidade de comunicar à sociedade que o governo de
Minas cogita de resolver eficazmente o saneamento rural do
Estado e que há pouco foi comissionado pelo Exmo. Sr. Delfim
Moreira para se entender com o sr. Presidente da República
sobre o acordo a se firmar entre a União e o Estado para a
execução de tal serviço.
Servindo-se ainda da oportunidade, é com alegria que
cientificava à casa que, ainda por determinação do Presidente
do Estado, ficou resolvido, na conferencia que tivera com o
chefe da Rockefeller Fondation, que o início dos trabalhos
dessa comissão em Minas tenham lugar ainda no correr deste
ano.
Terminando apresentava ao digno presidente desta Sociedade,
dr. Francisco Sales, as suas vivas felicitações por ter ligado o
seu nome a esta patriótica cruzada, que é o saneamento dos
sertões mineiros, provando, ainda uma vez, o alto zelo pelo
bem coletivo de nosso Estado”. (Minas Gerais, 8 de Março de
1918: 4)
A aliança entre a SMA e o campo médico dava seus frutos. A Rockefeller
entrava como mais uma instância mediadora da relação entre as elites políticas e o poder
público, na árdua tarefa árdua, embora patriótica e cívica, de sanear os sertões mineiros
e fazer dos nossos rudes patrícios elementos chaves no projeto de desenvolvimento do
Estado61
.
A solicitação da SMA foi prontamente atendida, e Belisário Penna veio fazer a
conferência. Na ata da Sessão é descrita a efusiva recepção ao sanitarista e a seu
discurso:
“O trabalho do dr. Belisário Penna despertou profunda
impressão, tendo o orador, por vezes, interrompido pelos
aplausos da assembléia.
61
A centralidade da SMA na questão pode ser verificada posteriormente, quando o problema da
ancilostomose, que tanto preocupava a Penna, começava a ser objeto específico das ações governamentais
e com o apoio da Rockefeller. Em sessão posterior, a ata transcrita da SMA descreve que: “O sr. dr.
Carvalhães de Paiva diz ter a satisfação de antecipar a casa, conforme um telegrama enviado ao ‘Minas
Gerais’, a notícia da assinatura do contrato entre o governo do Estado, representado pelo sr. dr. Samuel
Libânio, diretor de Higiene, e a Rockefeller Fondation, para combate à ‘uncinariose’”. (Minas Gerais, 25
de Maio de 1918: 4).
127
As suas últimas palavras foram abafadas por uma prolongada
salva de palmas e S. Exc. vivamente felicitado”. (Minas Gerais,
3 de Maio de 1918)
É bom lembrar que Penna é autor de um livro que fazia uma severa crítica à
situação sanitária do estado de Minas Gerais. Mantendo o seu estilo direto e seu
discurso enfático, diz que “Minas é, sob o ponto de vista da precariedade de saúde, do
definhamento da raça e da pobreza dos seus habitantes, o mais infeliz dos Estados da
Federação Brasileira” (Penna, 1918b: 5).
O sanitarista não poupa os poderes público, explicitamente atribuindo-lhes a
culpa pelo Estado da doença:
“É incrível o descaso ou a indiferença dos governos estadual e
municipais de Minas pela sorte de seus filhos, e mais
inacreditável ainda é esse abandono criminoso depois de
conhecidas as doenças, e de científica, prática e
proveitosamente estabelecidos o seu tratamento e profilaxia, e
de avisados os dirigentes do Estado da atenção, de intensidade e
malignidade das moléstias evitáveis que assolam todo o seu
território, sacrificando assustadoramente a sua gente e a sua
vida econômica”. (Penna, 1918b: 8)
Para Belisário havia um contraste claro entre a natureza exuberante de Minas e
sua população degenerada pelas doenças. Era tarefa do governo entender que, nessa
situação, era inadiável colocar-se em prática um dever humanitário, civilizador e,
sobretudo, econômico.
Para um estado que pretendia um projeto de desenvolvimento econômico,
deviam soar aflitivamente as palavras de Penna segundo as quais
“As funestas conseqüências do descaso do governo mineiro,
pela saúde pública e da precaríssima situação sanitária da
população, manifestavam-se palpáveis e evidentes na sua
pobreza, na sua tristeza e retraimento, na derrocada financeira
do Estado, cada ano mais acentuada, e à sua miséria econômica,
representada por insignificante produção, relativamente ao
número de seus habitantes, à riqueza do seu solo, à extensão do
128
seu território, à vastidão dos seus campos de criação, e à
exuberância do seu clima”. (Penna, 1918b: 11)
Penna ainda salienta que Minas é um lugar onde se havia dado mais importância
ao boi e ao porco do que à saúde de sua população. Deveria ser bastante impactante,
também, o fato de o médico construir todo esse forte discurso embasado em estatísticas.
Segundo ele, os números eram evidentes e deveriam ser divulgados, para que todos
enxergassem o descaso do governo. As preocupações, até aquele momento, haviam sido
episódicas. Não se preocupou com a educação sanitária, com a profilaxia.
Fora isso, havia uma desproporção no gerenciamento do Estado. Isto se via na
má arrecadação de impostos, na ausência de uma utilização racional do dinheiro
público, entre outras questões. A relação era simples para Penna, pois, enquanto Minas,
Estado da doença, era símbolo da ineficiência política, o Rio Grande do Sul, o Estado
da saúde, era símbolo da eficiência política. O resultado disso era um Estado doente,
muito diferente da situação do sul, que era o exemplo de gestão pública da saúde.
É importante perceber como a SMA trouxe para junto de si um ferrenho crítico
do governo mineiro e como as classes conservadoras, que de alguma forma também
compunham esse governo, tiveram que digerir essa visão de inoperância, para que se
tomasse consciência do papel primordial das questões sanitárias. Não poderia ser mais
incisiva a forma com que Penna sintetiza a questão: “Vamos insistir numa coisa sabia
axiomática, isto é, que a saúde foi, é, e será sempre a principal fonte econômica, o fator
primordial da riqueza e do progresso”. (Penna, 1918b: 22).
As críticas de Belisário se referem, em última instância, às estruturas da própria
República. Por sinal, sua fala reflete a angústia de uma República que ainda não se tinha
feito real. Era necessário um modelo de gestão administrativa eficiente, e, por
conseqüência, centralizador, que conseguisse resolver esses problemas. A má política
gerava a doença generalizada, e, juntas, elas provocavam o atraso e a pobreza.
129
O livro de Belisário sobre a situação da saúde em Minas é símbolo da forma pela
qual as idéias circulavam e de como houve um jogo bem elaborado em que aliados e
opositores passariam a trocar de lado. Suas posições no circuito científico não seriam
estáticas, mas flutuariam com a própria sociedade que se construía nesse processo. Se
Belisário Penna poderia ser, à primeira vista, uma figura que causava repúdio dentro de
Minas, não foi bem assim que isso se deu. A SMA, instância importante das mediações
com o poder público mineiro, não só trouxe Penna para alistá-lo como aliado, como
também fez ecoa suas idéias e seu discurso. Ao mesmo tempo, Penna não prescindiu do
apoio das “classes conservadoras”, pois sabia que elas eram peças-chave para as
mudanças na gestão da saúde que ele reivindicava. Sendo assim, em muitos momentos,
ambos passariam a fazer coincidir seus interesses, como ao longo dos anos de 1920, por
meio de uma percepção cada vez mais deliberada do “valor da saúde, como elemento
imprescindível da riqueza e do progresso” (Penna, 1918b: 112).
O problema continuava a conturbar. Sob o título “O problema do saneamento em
Minas”, transcreve-se uma entrevista com Samuel Libânio feita pela Gazeta de
Notícias: “Para bem informarmos ao público sobre o que se pretende fazer em Minas,
dirigimo-nos ao dr. Samuel Libânio, que veio ao Rio firmar com o governo federal o
acordo para o combate às endemias que mais perturbam o progresso mineiro” (Minas
Gerais, 7 de junho de 1918).
Na entrevista, Libânio discorre sobre as quatro endemias que “entorpecem a vida
econômica do Estado, e todas as formas de atividade social: a malária, a uncinariose, a
doença de chagas e as febres do grupo tífico” (Minas Gerais, 7 de Junho de 1918:3).
Também são abordados os métodos para conter as endemias, citando-se, ainda, o apoio
da Rockefeller no que se refere, especificamente, à uncinariose (ancilostomose).
130
A forma com que Libânio termina a entrevista é emblemática do alistamento dos
aliados para esse grande projeto paralelo de saneamento de Minas e do Brasil:
“Todos os que se alistaram agora na rude peleja conhecem as
inevitáveis decepções e as amarguras possíveis.
Mas aos pessimista responderemos que o governo de Mnas,
assim como o da República, entram nessa luta com a alma toda.
[...] No Parlamento, os guias mentais são os adeptos mais
fervorosos dessa obra de saneamento. E a classe médica,
mobilizada para esse fim, vai começar a agir”. (Minas Gerais,
7 de Junho de 1918).
A entrevista também enuncia a elaboração de um Regulamento Sanitário Rural
do Estado de Minas Gerais, que se publicaria logo depois. O saneamento de Minas
começava a dar seu primeiro efeito prático. O Regulamento deixa claro sua tentativa de
conhecimento e mapeamento do quadro endêmico mineiro. Seu tom é de
reconhecimento, mas também de iniciativa clara de profilaxia e contenção das doenças.
De acordo com seu Art. 1º:
“Os serviços de profilaxia rural no Estado de Minas Gerais tem
por fim:
a) a profilaxia específica das doenças endêmicas ou epidêmicas
nas zonas rurais do Estado;
b) aplicação de medidas de higiene geral, que visam melhorar
as condições de habitabilidade nos campos;
c) aplicação de medidas possíveis de engenharia sanitária
necessárias ao objetivo acima visado;
d) a difusão de preceitos higiênicos, individuais e coletivos,
aproveitáveis à garantia sanitária dos campos;
e) a difusão no Estado dos medicamentos necessários ao
combate às grandes endemias” (Minas Gerais, 19 de Junho de
1918: 1).
Para o serviço de profilaxia rural houve algumas modificações em relação ao
que Samuel Libânio havia dito. Foram consideradas como doenças a serem tratadas a
malária, a uncinariose, Doença de Chagas e Lepra. O regulamento prima pelos estudos e
por uma série de recomendações aos poderes locais, principalmente no que tange às
131
habitações no caso das três primeiras, redefinindo-se a obrigatoriedade no padrão de
edificações públicas e privadas. No item relativo à Doença de Chagas, a lei é taxativa:
“nos centros populosos do Estado e nas zonas rurais circunvizinhas deles, é
absolutamente proibida a construção nas regiões em que a doença é endêmica”. O art.
31 é ainda mais enfático na coerção e interdição, numa nova noção do que é a saúde e
da interdependência entre os indivíduos: “É facultado às autoridades sanitárias fazer
demolir, nos centros populosos do Estado as habitações de tino primitivo e infestadas de
barbeiro, nas quais sejam impossíveis modificações” (Minas Gerais, 19 de Junho de
1918: 1).
O Estado passa a perceber a importância das medidas profiláticas no tratamento
dessas endemias. Encarrega-se, além da parte de estudos e elaboração de estatísticas, da
distribuição de remédios, como o quinino, para o tratamento da malária.
O regulamento dá ênfase ao isolamento dos leprosos e tem contornos de uma
polícia sanitária no que se refere à detecção e ao afastamento do doente da sociedade.
Contempla algumas outras doenças, além do grupo das quatro endêmicas, são elas:
febres do grupo tífico, desinteiras, varíola, tracoma62
, raiva, carbúnculo e outras
epizootias, verminoses diversas63
.
O Regulamento de Saneamento Rural de 1918 tem 84 artigos e se dedica a essas
doenças, bem como à articulação entre o poder estadual e o municipal, considerado vital
para determinadas medidas. É uma lei simbólica de todo um debate, efervescente para o
campo da saúde, que estava sendo travado nesse primeiro semestre. Mostra a agilidade
do poder público estadual em responder às reivindicações que amplos setores
62
Doença oftálmica de origem bacteriana. 63
É sempre bom lembrar do papel importante do Instituto Ezequiel Dias na elaboração dos exames
bacteriológicos e no fornecimento de vacina. No Relatório apresentado ao Presidente do Estado pelo
Secretário do Interior José Vieira Marques, é explicitada a parceria: “Tem sido renovado o contrato em
virtude do qual o Instituto Oswaldo Cruz (filial) encarregou-se do fornecimento de vacinas e execução de
exames bacteriológicos pedidos pela Diretoria de Higiene. Foram distribuídos 60 000 tubos de vacina
antivariólica, preparada na Filial Oswaldo Cruz, e 2.343 doses duplas de vacina anti-tífica polivalente”
(Minas Gerais, 30 de Junho de 1918: 5).
132
proclamavam. Por outro lado, pode ser demonstrativo de que, apesar do tom de
obrigação do Estado em determinados quesitos, não havia sido contemplada a
designação específica de instituições, comissões e de um sistema sanitário complexo e
articulado. Permanece um ar contigencial na lei, o que, entretanto, não impede que a
tomemos como um ponto de partida, um referencial importante para a tomada de
consciência do governo do estado como gestor de uma saúde pública.
Como não poderia deixar de ser, a SMA faz uma sessão solene, em 19 de junho
de 1918, com uma conferência de Plácido Barbosa64
, médico “encarregado de dirigir o
serviço do saneamento rural do Estado”, intitulada Higiene Rural. J. Castilhos
apresentou Barbosa com entusiasmo:
“quando milhares de braços depauperados pela uncinariose,
pelo impaludismo, forem substituídos por outros vigorosos, no
manejo do arado, das máquinas ou da carabina, certamente v.
exc. terá a satisfação de ver os frutos da sementes que ora
lançou a germinar”. (Minas Gerais, 21 de Junho de 1918: 2)
A conferência foi publicada posteriormente bem sintetizando uma série de
questões levantadas. Tem um tom de chamamento desses aliados que estavam
personificados na SMA naquele momento. Diante de tal característica, o discurso é
forte, direto e não deixa de ter um lado provocativo. É demonstrativo de como a
autoridade científica reivindicada por esses médicos se faz também no nível discursivo,
nos dados estatísticos. O conhecimento é apresentado como instância demarcatória
quando o quesito é quem tem credibilidade o suficiente para postular, na saúde
publicam, as mudanças e transformações e fazer do rural um espaço específico de
64
Diante da carência de informações biográficas sobre Plácido Barbosa, encontramos referências a seus
trabalhos como tisiólogo (estudioso da tísica – nome dado à tuberculose). Chefiou a criação da Inspetoria
de Profilaxia da Tuberculose, após a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1920. O
que demonstra que sua estadia no cargo em Minas Gerais não foi tão longa. Barbosa também é lembrado
pelos organizadores do livro Os serviços de saúde publica no Brasil ... de 1808 a 1907, publicado em
1909 por ordem de Oswaldo Cruz. É autor também de: Um plano de Combate à Tuberculose na Cidade
do Rio de Janeiro (publicado pela Besnar Frès, em 1917). Tais obras mostram o vínculo do médico com
as questões referentes à gestão pública da saúde no início do século XX.
133
atuação desse setor. Portanto, o seu conteúdo está para além do laboratório, embora
incida numa mudança prática e cultural:
“Em geral cuida-se muito das cidades, um pouquinho das
povoações menores, e abandona-se o campo. Imagina-se que o
campo, assim como dá tudo espontaneamente, ou só com o
lançar a semente a terra, assim provê a saúde sem os cuidados
do homem. Porém, não é assim. Fazendo-o o animal mais
perfeito e o mais nobre, cercou-o ao mesmo tempo de uma
multidão de inimigos destruidores, visíveis e invisíveis, que se
mascaram, se alapardam, vêm à tradição, e de uma vez, ou
lentamente, procuram levar a cabo a sua missão nefasta”.
(Minas Gerais, 14 de Julho de 1918: 4)
Os invisíveis não são apenas inimigos do homem, mas, por conseqüência, são
inimigos da “nação” brasileira que se quer formar, da “pátria mineira” que se quer forjar
na diversidade, do desenvolvimento de um projeto de substância econômica para Minas
Gerais que as “classes conservadoras” pretendem efetivar. O Estado também é
percebido em todas as suas virtudes que o tornariam apto a vencer essa batalha contra as
doenças, sejam geofísicas, sejam morais:
“Senhores, esta nossa terra abençoada de Minas merece todo o
esforço de que formos capazes para o seu progresso. Ela tem
tudo. A amenidade do clima, a fertilidade do solo, a bondade do
homem, a exemplaridade da mulher. A aplicação de princípios
modernos de higiene e da cultura humana pode levá-la a maior
altura [...] Se for seguida e ampliada a orientação no sentido, do
atual governo, chegaremos lá a [ilegível] felizes, fortes e ricos.
Esta formosa cidade de Belo Horizonte deve ser para os
mineiros um símbolo. Por toda parte por onde se espraia a vista
admirada, no ar luminoso e puro, os horizontes se estendem
longínquos, ensinando-nos o descortino amplo e ambicioso que
devemos ter na vida; distantes, umas menos, outras mais, as
montanhas azuis que tapetam com o céu estão nos mostrando as
alturas que devemos ir galgando em ciência e ação”. (Minas
Gerais, 14 de Julho de 1918: 5) (grifo meu)
E se a ciência precisava caminhar com a ação, foi essa a linha de pensamento
que se viu nos anos subseqüentes. Na tentativa de trazer a municipalidade para junto da
134
discussão, foi inaugurado o primeiro Posto de Profilaxia Rural em Leopoldina (Minas
Gerais, 20 de Agosto de 1918: p. 3).
A década de 1920 foi importante na extensão e abrangência dos serviços e na
tentativa de fazer o discurso tornar-se ação, como se falou relativamente ao ano de
1918. Podemos dizer que se produziu um ínterim temporal e simbólico em que amplos
setores, cada vez mais, tomavam, consciência da importância da saúde pública para
Minas Gerais. As “classes conservadoras” foram incisivas e eficientes ao colocar o
assunto em discussão, sendo capazes de arregimentar os médicos e dotá-los de
autoridade científica para legislar sobre tais assuntos. O governo estadual não se fez de
rogado quanto à espreita que lhe foi infligida em 1918. Tratou logo de atender as
reivindicações das ditas “classes conservadoras”, provando que a relação era mesmo de
mão-dupla, ora de apoio, ora de pedidos. Não apenas uma instância de legitimação.
As idéias de que existiu um momento de acomodação de todo o discurso de
1918 e de que, posteriormente, os atores lutaram para pó-la prática também foram
sentidas por personagens envolvidos nos acontecimentos à época. Raul de Almeida
Magalhães, figura que seria símbolo do novo momento, faz uma conferência intitulada:
A nova organização sanitária do Estado. A conferência ganha importância até pela
forma pela qual Magalhães recuperou a situação sanitária de Minas, não se abstendo de
fazer uma crítica ácida às administrações anteriores. Para ele, “nada, absolutamente
nada produziu a lei de 28 de julho de 1895”, que havia criado o Serviço Sanitário no
Estado (conforme se discutiu no capítulo anterior). Em 1910 não foi diferente:
“Em 1910, já num período em que a higiene pública empolgara
todos os espíritos, decretou-se em Minas outra reforma,
cristalizada no regulamento, que ainda nos rege, e que grandes
frutos teria produzido, se ao diretores do serviço sanitário, ao
lado de amplos recursos financeiros houvessem os governos
prestado assistência decidida, apoio e solidariedade
indispensáveis a todas as realizações”. (Minas Gerais, 14 de
dezembro de 1927: 11)
135
Porém, Magalhães assinala um ponto de inflexão no período de 1918 e observa:
“Assinalei, propositadamente, o ano de 1918, por que nesse
exercício se iniciou o movimento sempre crescente em prol dos
nossos grandes problemas sanitários. Marcando-lhe o início,
devo recordar, como preito de justiça, que “leaderou” (sic) essa
campanha o professor Samuel Libanio, técnico, a quem o
esclarecido governo de então foi pedir o primeiro regulamento
sobre a profilaxia rural publicado no Brasil e que, mais tarde,
serviu de base a outros, que sobre o assunto codificaram entre
nós”. (Minas Gerais, 14 de Dezembro de 1927: 11)
No presente trabalho, não se pretende realizar nenhum tipo de juízo histórico de
valor nem analisar os anos anteriores a 1918 a partir de critérios de eficiência e
ineficiência. Acredita-se aqui, por outro lado, ser plausível afirmar que este ano é
provocador de uma mudança de postura dos amplos setores envolvidos nas redes
científicas.
Os dados apresentados por Magalhães no período corroboram a idéia de uma
atuação integrada, sistêmica e complexa. Segundo ele, entre 1919 e 1926, “os diferentes
postos de Saneamento Rural fizeram 1.217.033 medicações específicas contra as
verminoses” (Idem).
Outro demonstrativo de que o período foi símbolo de um processo de
autonomização do campo médico em Belo Horizonte, que cada vez mais se tornava
detentor legitimado dos assuntos referentes à saúde, foi a realização do Segundo
Congresso de Higiene em Belo Horizonte, em 1924. Como fenômeno paralelo ao da
autonomização dos médicos, prova também a credibilidade que Belo Horizonte/Minas
vinha adquirindo na discussão da questão sanitária no Brasil65
.
65
Os congressos de Higiene eram promovidos pela Sociedade Brasileira de Higiene, que foi fundada em
1923 e fechada em 1930, sendo reaberta em 1943. De acordo com Madel Luz, a análise dos temas do
Segundo Congresso de Higiene de 1924 mostra que “ao mesmo tempo em que ganha terreno a luta pela
‘autonomia dos serviços sanitários’ que tinha em Amaury Medeiros seu principal defensor, a tese de J. P.
Fontenelle, que luta pela criação de ‘postos permanentes de higiene municipal’, também é das mais
discutidas” (Luz, 1982: 179).
136
Ao final de 1927, precisamente em 31 de dezembro é assinado o novo
Regulamento de Saúde Pública, publicado logo em seguida. Sem dúvida o próprio
nome do Regulamento que muda o nome de Diretoria de Higiene para Saúde Pública
denota que as mobilizações promovidas haviam cumprindo seus objetivos. O governo
estadual passa assumir, ao longo 25 páginas e 1 290 (mil duzentos e noventa) artigos, de
um complexo regulamento, a gestão pública da saúde em Minas Gerais. (Minas Gerais,
2 e 3 de Janeiro de 1928: p 2-25)
Logo em seu Art. 1º aponta que a Diretoria de Saúde Pública estaria subordinada
à Secretaria de Segurança e Assistência Pública. A Diretoria de Saúde Pública estaria
incumbida dos seguintes e variados assuntos: educação sanitária, organização
estatística, estudo epidemiológico, profilaxia geral das doenças, função de polícia
sanitária das edificações, fiscalização sanitária da produção, inspeção do trabalho
operário, fiscalização da atividade médica e das farmácias, inspeção dos imigrantes,
profilaxia das intoxicações por drogas entorpecentes, organização do centro de estudo
(lepra, malária e doença de Chagas), inspeção das instâncias hidrominerais e higiene
infantil.
Muitos desses assuntos já haviam sido tratados nos regulamentos anteriores, a
principal diferença agora sendo o fato de que o governo delimitava com mais precisão o
seu campo de atuação e dava uma organização mais sistemática ao que passava a ser
uma saúde derradeiramente pública, de obrigação e gestão estaduais. Assim, os assuntos
são tratados com maior especificidade, e, para tal, a Diretoria foi dividida em uma
organização administrativa e outra, técnica.
A parceria com os municípios tornou-se mais explícita e, em seu Art. 61,
postula-se que “para realização dos serviços de Saúde Pública será o Estado dividido em
tantos distritos sanitários quantos forem necessários a juízo do governo”. No caso
137
desses municípios a legislação especifica a necessidade de manutenção de postos,
estipulando quantias e coerções para o caso de o subsídio não ser feito.
A ênfase na profilaxia e no ensino é bastante clara e, para isso, o tema da
descentralização é bastante contemplado através dos Centros de Saúde nos Municípios,
que fariam a ligação direta com a população através dos atendimentos diretos, da
inspeção, da epidemiologia e da educação e da propaganda sanitárias. Esta última teria
papel vital na profilaxia das doenças através de mudanças de práticas culturais.
Na seção décima é pormenorizada a profilaxia de uma séria de doenças
transmissíveis: peste, tifo, difteria, cólera, lepra, tuberculose, malária, varíola,
verminoses, doença de Chagas, bouba, doenças venéreas, filariose. O regulamento
também contempla as epizootias que podem atingir os homens. No caso da vigilância, a
especificidade chega a abordar vários tipos de alimentos, como pão, sorvete, mel, e a
forma pela qual eles seriam tratados. Sobre o leite há uma passagem ainda mais longa,
dadas as possibilidades de contaminação do produto.
Em relação às edificações incide também uma grande especificidade, como no
Art. 900 que estipula que
“a largura mínima dos corredores das habitações particulares
deverá ser de um metro, a menos que se trate de pequenas
passagens de serviço, podendo então a largura ser reduzida a
0,80 m. Nas habitações coletivas, a largura mínima dos
corredores será de 1,20 m”. (Minas Gerais, 2 e 3 de Janeiro de
1928: 19)
Os sistemas de esgotos, abastecimento de água, águas pluviais e do lixo também
foram abordados, e, em alguns casos, a punição relativa às transgressões das regras foi
estipulada através de multa.
Quanto à nossa análise, de 1918 até 1927, com a chamada Grande Reforma
Sanitária, temos um período onde serão promovidas uma série de translações, em que os
138
interesses de uns se transformariam nos interesses de outros, e alguns deles, nos de
todos. Também nos dos médicos que lutavam pela legitimação do campo em Belo
Horizonte/Minas Gerais, amparados pelas mudanças microbiológicas, que coincidiam
com outros, ao forjar um discurso de construção da nacionalidade com base no
saneamento do Brasil. Assim, misturavam-se a um projeto muito maior no interior da
Primeira República, que era a pauta de uma intelligenstia, também interessada em
construir os pilares ideológicos dessa nova nação, e que fazia coincidir os interesses de
médicos com os seus. E nos interesses das “classes conservadoras” interessadas em unir
uma Minas diversificada e, a partir daí, implantar um projeto de desenvolvimento
econômico de Minas, que precisava de aliados na ciência e no campo médico, como
forma de dar efetividade prática por meio da ação do governo estadual. E nos dos
médicos do Instituto Ezequiel Dias com suas cobras e escorpiões, que faziam transladar
todos esses interesses no interior do laboratório e da atividade científica.
II - As Bandeiras da Ciência: nação e saúde na atuação do serviço antipeçonhento
do Instituto Ezequiel Dias
A história dos institutos no contexto da Primeira República, como já foi
afirmado, não pode ser entendida sem que se pense nas novidades trazidas pelo advento
das explicações de natureza microbiológica. Decretou-se uma verdadeira caçada aos
micróbios que operou significativas mudanças no interior da ciência: o laboratório
torna-se o seu espaço por excelência, num encontro cotidiano com os invisíveis através
das lentes re-significadas do microscópio. Mudanças que, de tão avassaladoras,
acabaram por dar um novo sentido à relação homem/sociedade/natureza.
139
No que se refere ao Instituto Ezequiel Dias, inúmeras foram as atividades que o
Instituto desenvolveu, logo nas suas primeiras décadas de existência, nos mais diversos
campos, com trabalhos relacionados à raiva, micologia, epidemias, epizootias, exames
bacteriológicos e, principalmente, dos estudos chamados de escorpionismo e ofidismo.
A atuação desse serviço antipeçonhento, inaugurado em 1918, imprimiu uma marca
indelével na instituição conhecida até hoje como “instituto das cobras”. A atividade foi
considerada uma verdadeira “cruzada”, que pretendia eliminar os altos índices de
acidentes. Neste percurso foram feitas viagens, chamadas de “expedições científicas”,
pelo interior de Minas. A imagem cotidiana da urbe em efervescência, rodeada de luzes
numa profusão de paraísos artificiais, cedia lugar a uma outra: a dos territórios perdidos,
das cidades isoladas pelo interior de Minas.
Os relatórios do Instituto Ezequiel Dias dirigidos ao secretario de agricultura,
como parte do acordo firmado entre a instituição e o governo do Estado para a
manutenção do serviço antipeçonhento, e os relatos memorialistas, tal como os Ensaios
de Octavio de Magalhães (1957), preencheram uma lacuna importante na pesquisa. Isso,
porque não houve um relatório específico das expedições, restando apenas aqueles,
citados acima, que tratavam dos serviços gerais e também abordavam as viagens.
De início, as expedições tinham a intenção de buscar novas espécies de cobras e
escorpiões e divulgar as atividades do Posto Antiofídico. Contudo, acabaram por se
transformar numa empreitada que visava transformar as práticas sociais a partir do
advento da microbiologia, postular mudanças na saúde pública, sanear e higienizar os
mais escondidos e desprezados lugares. É importante dizer que, nesse instante, os
médicos da filial acabam por se inserir num contexto muito maior, no interior da
Primeira República. Fazem-se representar junto a uma intelectualidade que pretende
definir/reinventar o que o Brasil foi, é e deveria ser.
140
Desta forma, pretende-se aqui estabelecer um diálogo com autores que se
debruçaram nessa aventura promovida por uma intelligentsia que procurou construir o
Brasil através de um jogo de aproximações e afastamentos entre as idéias de
sertão/litoral, rural/urbano (Vidal e Souza, 1997; Lima, 1998; De Luca, 1999). A partir
de tais análises procura-se, em nossa própria pesquisa, levar às últimas conseqüências as
mediações entre história, ciência e cultura. Consideramos que é preciso que se atenha ao
discurso científico, que se olhe para aqueles textos que aparentemente não dizem muita
coisa aos historiadores, por serem por demais técnicos e abstratos, e que se os entenda
no interior das práticas culturais. É preciso observar a forma pela qual esses médicos
conseguiram promover translações, que acabaram por fazer dos interesses daquela
ciência praticada naquele pequeno laboratório, na Rua da Bahia, nos interesses da
cidade, do Estado e da nação, mobilizando micro e macro dentro e fora do Instituto
Ezequiel Dias. Depararmo-nos com nosso objeto implicou dizer que cobras e escorpiões
foram também levados ao laboratório e misturaram-se a um complexo discurso que
pretendia construir a nação.
Por último, cabe pensar como o Posto Antiofídico foi um importante setor de
articulação estratégica no qual todas essas questões se misturavam: primeiro, da
construção da nação e da incorporação dos sertões, a partir de toda uma discussão que
pautava a intelectualidade na Primeira República e buscaria no binômio saúde/ciência
uma das soluções para a nação; segundo, do projeto mineiro de desenvolvimento e sua
ligação com as classes conservadoras, que se concentravam, dentre outras, na Sociedade
Mineira de Agricultura, que, por sua vez, foi um importante fórum de discussão dos
assuntos referentes à saúde.
141
II. 1 - O Brasil desvelado pelos sertões
A nação feita de espaço nas representações que promovem a separação entre o
sertão e o litoral é o que interessa a Vidal e Souza (1997), na análise daquilo que chama
de uma sociografia em A Pátria Geográfica: sertão e litoral no pensamento social
Brasileiro. A autora quer procurar entender o discurso da intelectualidade que detectou
um Brasil caracterizado por sua incompletude. Era a nação que não tinha sido. Cabia a
este discurso encontrar as saídas, diagnosticar, programar, prescrever as formas de sair
do incômodo de tal situação. Nesta tarefa de inventar/reinventar a nação é que as visões
sobre uma singularidade brasileira ganham força, formadas através de uma noção de
espaço imaginado a partir do binômio sertão/litoral.
Na constituição deste pensamento, que para a autora teve grandes similitudes em
variados autores, em épocas diferentes, está presente uma idéia da nação que é vista
como “idéia-projeto-desejo” (Vidal e Souza, 1997:21). Buscar a brasilidade é tentar
encontrar uma narrativa que tente explicá-la. Neste caso, a qualificação do espaço físico
e social é privilegiada na análise, pois a “ficção de uma idéia sertão-litoral” é recorrente
nesses escritos, com sensíveis regularidades dessa busca incessante pela representação
da paisagem brasileira, que se torna interminável no vazio do sertão.
A nova postura que assume a existência do desconhecido vem também
acompanhada da ação. Não basta conhecer, analisar e propor. É preciso agir. A
construção da nação está atrelada a este processo de reconhecimento/conquista. É
desbravar a pátria geográfica. Nesta tarefa as bandeiras tornam-se um evento histórico
original. Elas são eleitas como a imagem da ação que pretende construir a nação, num
jogo em que são re-figurados tempo e espaço, numa reviravolta de seus significados
142
histórico-culturais. Ela assume uma feição trans-histórica – uma metamorfose que
culmina no modelo da ação.
Na tentativa de percorrer também os discursos e as práticas que tentam dar
forma a Um Sertão Chamado Brasil é que Nísia Trindade Lima (1998) elabora uma
interessante análise. A autora depara-se com uma imagem de sertão que adquire uma
força simbólica, transmuta-se em divisão geográfica. É a imagem do espaço de difícil
delimitação. Um sertão que vira, também, sinônimo de fronteira, “representações [que]
tornam-se paradigmáticas para se pensar a natureza das sociedades e o tema da
identidade nacional” (Lima, 1998:44).
Dentro desta perspectiva, as viagens realizadas na Primeira República adquirem
um papel fundamental na interpretação do que seria o Brasil, “destacadas como
fundamento importante de legitimação de idéias e práticas sociais” (Lima, 1998:56), e
de como a noção de território seria colocada através do contraste entre sertão e litoral.
As viagens compunham um conhecimento a ser revelado na realidade do País, in loco.
Seriam missões de conhecimento/conquista do interior brasileiro. Através destas
expedições são agregadas idéias de incorporação, progresso, civilização e conquista.
Cabe ressaltar que, apesar de um projeto comum, o discurso não é único: em um
pólo, o sertão é identificado como a união entre natureza e barbárie, o litoral, como
espaço da civilização; no outro, o sertão é a resistência ao moderno, e o litoral, um
sinônimo de falta de autenticidade, antítese da idéia de nação. Apesar dos problemas, o
sertão é ainda encarado como uma espécie de alternativa, frente ao bovarismo dos
intelectuais durante a Belle Époque brasileira.
Configura-se, desta forma, um projeto que torna aproximados eventos como a
Missão Rondon (1892-1925), a argumentação euclidiana sobre a incorporação do sertão
e as viagens científicas do Instituto Oswaldo Cruz, pois todos eles postulam a
143
necessidade de “redimir e mesmo formar a nação brasileira a partir dos sertões” (Lima,
1998: 69). No caso específico de Manguinhos, as viagens destinavam-se à profilaxia das
doenças em áreas de desenvolvimento de atividades econômicas, como a construção de
ferrovias, saneamento de portos, da extração da borracha na região amazônica, etc.
A nova perspectiva abre uma ampla frente de luta que pretende reivindicar das
elites uma nova política de inclusão do sertão, num processo que deveria amalgamar
forças e culminaria no fortalecimento do poder central. “O Brasil é um imenso hospital”
é a tão citada frase do discurso de Miguel Pereira, proferido em 1916, que se torna uma
espécie de lema do movimento sanitarista constituído no final da década de 1910. O
movimento tomou força e criou, em fevereiro de 1918, a Liga Pró-Saneamento do
Brasil66
. Apesar de malograda a sua tentativa de criação de um ministério da saúde,
conseguiu, em 1920, que fosse criado o Departamento Nacional de Saúde Pública,
dirigido por Carlos Chagas, figura que se notabilizara pela descoberta daquele que, por
muitos, era considerado o maior feito da ciência brasileira ocorrido no interior de
Minas: a “descoberta” da Doença de Chagas.
Foram criados inúmeros postos de profilaxia rural em vários estados, e a
campanha acabou saindo dos periódicos médicos para um debate público. Tais ações
significavam que “a grande mudança está na atribuição de responsabilidade pela apatia
e pelo atraso. Seriam o governo e a doença, e não mais a natureza, a raça ou o próprio
indivíduo, os grandes culpados pelo abandono da população à sua própria sorte” (Lima
e Hochman, 2004: 499).
A percepção de um projeto político também é o que De Luca observa n’ARevista
do Brasil: Um diagnóstio para a N(ação), de 1999. Ao analisar a produção do
periódico, entre 1916 e 1925, a autora detectou também um discurso da ação para um
66
Para alguns autores, a criação da Liga Pró-Saneamento em 1918 foi um evento simbólico para as
redefinições do próprio campo médico, que estava repleto de dissensões e controvérsias, mas que foi
capaz de se amalgamar em torno de um objetivo comum (Britto, 1995).
144
Brasil do vir-a-ser. Os intelectuais, novamente, reproduziram nas páginas da revista seu
projeto de construção do País. Era através de uma publicação cultural sóbria, que
pretendesse unir forma e conteúdo, que a ausência de uma consciência nacional poderia
ser suprida. Significaria o pensamento de um grupo que se achava capaz de colocar o
Brasil no rumo certo. Foi nela que Monteiro Lobato, que a administrou de 1919 a 1925,
demonstrou seu pleno engajamento no movimento pelo saneamento do Brasil.
Nas páginas da revista realizou-se uma simbiose entre história e geografia – uma
aliança que se realizava entre a necessidade de autodeterminação do Brasil através de
seu patrimônio geográfico e da criação de um conjunto de tradições a serem partilhadas.
A figura do bandeirante emerge novamente: uma espécie de elo entre a história e
geografia, o mito do “dilatador incansável das fronteiras” (De Luca, 1999:86). Por
suposto, o Estado de São Paulo também era a terra eleita, um espelho do progresso,
tendo destaque especial na revista, na medida em que “a construção da nacionalidade é
encarada, desde os seus primórdios, como obra paulista” (De Luca, 1999: 104).
Por último, considera-se importante salientar como tais discussões a respeito do
sertão/litoral tiveram implicações políticas na Primeira República e como a interligação
entre a construção da nação e o saneamento do Brasil trouxe à tona uma visão do
período para além de um mero hiato entre o ímpeto centralizador do Império e o período
pós-trinta (Hochman, 1998). Na direção contrária, houve um processo de centralização e
intervenção estatal bastante compatível com uma visão da oligarquia no período, que
forjava uma visão renovadora da nação.
Tais mudanças, no interior do período, foram vitais para a uma “consciência da
interdependência social”, como “um elemento crucial na constituição de uma
coletividade, na percepção da existência de laços com uma comunidade nacional”
(Hochman, 1998: 39). Isto quer dizer que houve um momento em que as transformações
145
sociopolíticas do período demandaram uma de tomada de consciência acerca da
possibilidade de transmissão das doenças e de seus efeitos sociais e políticos. A situação
provocou debates, arranjos institucionais, em um processo que não foi natural, exigindo
a compreensão de que, diante da ameaça que se tornava mais aterrorizante com o
desenvolvimento da microbiologia (dado o potencial de transmissibilidade dos
invisíveis), era preciso uma saúde coletiva, pública e nacional.
O diagnóstico que constatava um Brasil doente não afetava apenas os lugares
mais escondidos, mas todos. Havia uma interligação entre indivíduos e sociedade que
demandava das elites políticas “reestruturar o arranjo federativo vigente para enfrentar
de forma eficaz os graves problemas de saúde” (Hochman, 1998: 86). De acordo com
Hochman, a relação entre os estados e a saúde se deu a partir da
“afirmação da responsabilidade pública para com a saúde, em
especial a constatação das doenças infectocontagiosas e na
proteção dos sãos, e o início da constituição de uma rede de
instituições, regulamentações e profissionais com
atribuições coercitivas e poder de polícia, que se dilatará
nos anos 20, sob um nova organização da saúde pública de
abrangência nacional.” (Hochman, 1998: 111) (grifo meu)
Uma constatação de que a iniciativa começava a ser nacional foi a conclusão de
Hochman de que, principalmente a partir da década de 20, o legislativo federal passou a
ser uma instância decisória importante para os assuntos referentes à saúde. A
consciência da interdependência tornou claro que era impossível uma solução
individualizada para os males públicos. A partir daí foi preciso barganhar e negociar
para unir forças. A criação do DNSP (Departamento Nacional de Saúde Pública), em
1920, é demonstrativa da capacidade de ação de tais mobilizações.
A “era do saneamento” tinha como marco importante os anos de 1918/19, uma
espécie de ponto de inflexão no processo de conscientização da interdependência, por
146
tudo que esses anos produziram referentes a uma discussão do que seria uma saúde
pública, a sua finalidade no contexto brasileiro e a necessidade de também publicar (isto
é, de tornar pública) essa discussão.
Tendemos a concordar com Hochman, pois as fontes que serão analisadas a
seguir mostram claramente a rearticulação das forças produtivas mineiras a partir do
final da década de 1910, junto ao poder público, na tentativa de dar uma nova forma às
questões referentes à saúde. De certo modo, partimos da idéia que a saúde e as
discussões que ela provocou, bem como suas análises pela historiografia, acabaram
mostrando uma nova perspectiva analítica com relação ao poder central na Primeira
República. Consideramos pertinente a sugestão apresentada por Hochman de que “há
indícios suficientes para se afirmar que a reforma da saúde inaugurou um novo ciclo na
expansão do poder público” (Hochman, 1998: 194).
Nossa passagem por estas análises pretendeu abrir caminho para que
pudéssemos perceber que determinados detalhes, no discurso dos cientistas do Instituto
Ezequiel Dias, não eram apenas artifícios retóricos, mas estavam incluídos em uma
complexa teia que os inseria num projeto de construção nacional e, que, de certa forma,
afirmava neste cenário a presença de outros atores. As Minas também poderiam
promover as suas bandeiras!
II.2 - Da Rua da Bahia aos rincões de Minas
Nesta etapa do texto pretendemos colocar os médicos do Instituto Ezequiel Dias
em consonância com os projetos de construção da nação e desenvolvimento de Minas e
das diversas mobilizações promovidas no plano teórico e prático para sua concretização.
Partiremos das representações de sertão/litoral que se misturavam ao projeto de
147
nacionalidade da Primeira República e que foram levantadas por parte da bibliografia
analisada anteriormente.
No caso dos nossos médicos, o impacto não poderia ser maior67
. Como foi
abordado no capítulo anterior, outros institutos, criados no mesmo período, foram
construídos em lugares que estavam afastados, com o objetivo de evitar qualquer
possível contágio – como foi o caso do Instituto Oswaldo Cruz (na antiga fazenda
Manguinhos) e do Instituto Butantan (na fazenda Butantan). Diferentemente, a
instituição mineira tinha uma localização central na cidade, próxima ao burburinho da
população. Situada na Praça da Liberdade, endereço do executivo estadual, sob a
“proteção” do poder.
As viagens promovidas pelo Instituto têm início a partir da criação de um Posto
chamado, inicialmente, de antiofídico68
. Firmava-se um contrato entre o Instituto
Ezequiel Dias, o governo do estado e o Butantan. Era uma grande chance que chegava
ao Instituto para que pudessem ser contornados os graves problemas de verbas. O
acordo possibilitava recursos mais altos, que poderiam ser convertidos em
melhoramentos das condições das diversificadas atividades no campo da medicina
experimental desenvolvidas pelo Instituto. Era, também, um momento singular, em que
os médicos poderiam acumular seu capital científico (Bourdieu, 1994), ao aproximar-se
de amplos setores. Esta aliança abria a possibilidade deste capital ser convertido em
outras formas de capital. Assim, estes médicos poderiam pluralizar suas atividades nos
mais diferentes campos da medicina experimental, trazer dividendos para o Instituto,
67
Neste caso desconsideraremos o fato de Belo Horizonte não ser, obviamente, uma cidade litorânea, mas
atestamos a pertinência de tal comparação, na medida em que tais categorias – sertão/litoral – foram
utilizadas em um sentido metafórico, nos diferentes discursos/projetos da nação, tendo relação com outras
dicotomias, como aquela de urbano versus litoral. 68
As viagens, como aquelas de estudos científicos, de forma sistemática e regular intensificam-se em
1923 (Magalhães, 1957: 250).
148
atuar na profissionalização do campo médico69
, além de sua inserção no jogo político
mineiro e nas ações de saúde pública. Era, sem dúvida, um serviço capaz de
arregimentar aliados para a ciência.
As viagens em busca de cobras e escorpiões consistiam, também, em uma ampla
campanha de vacinação contra inúmeras doenças, como a varíola, além do fato de que
inúmeras medidas profiláticas:
“Fomos a vários municípios do oeste mineiro, pesquisando
moléstias de animais e homens: moléstia de Chagas,
escorpionismo, peste dos polmões, febre aftosa,, etc. Era
continuação das ‘bandeiras’ modernas, que vários cientistas
estrangeiros já tinham feito em nosso país e que Oswaldo Cruz,
com tanta clarividência, estabelecera em Manguinhos”
(Magalhães, 1957: 250).
Em troca das cobras enviadas ao Instituto pelos fornecedores, eram remetidos
tubos de soro, para o caso de eventuais acidentes. A remessa dos bichos era, de forma
interessante, encarada como um verdadeiro ato patriótico por Ezequiel Dias:
“À vista disso, expedimos aos fornecedores uma circular
expondo-lhe a situação e o meio mais prático de conjurarmos a
crise. Não foi debalde o nosso apelo, visto que recebemos cerca
do triplo de cobras, relativamente ao ano anterior. Isto
demonstra o grau de cultura cívica dos agricultores
mineiros, dos quais será lícito esperar uma cooperação
eficiente em qualquer obra de ideais filantrópicos” (RASAMG,
1919: 4). (grifo meu)
Fica evidente a idéia de que seria preciso construir uma coletividade a partir do
serviço que era prestado. A “cultura cívica” a que se refere Ezequiel Dias demonstra
bem a idéia de como o envio de cobras era importante, porém não apenas pela
69
Como já se observou no início, o Instituto Ezequiel Dias foi uma espécie de celeiro para Faculdade de
Medicina, em Belo Horizonte. Muitos de seus pesquisadores eram professores na Faculdade, tal como
seus diretores Ezequiel e Octavio de Magalhães.
149
manutenção dos soros, mas também por algo mais que ele poderia trazer. Isso quer dizer
que era importante pensar como o posto poderia funcionar como um veículo que
trouxesse, a reboque, outros assuntos referentes à idéia de saúde que se começava a
tecer no âmbito discursivo e que se servia de cobras e escorpiões como interlocutores,
seres híbridos capazes de ajudar na efetividade desses interesses e estratégias científicas.
O alistamento simbólico dos aliados alcançava uma materialidade no momento
em que os relatórios do posto traziam a lista dos fornecedores de cobras ao Instituto. A
lista tinha uma carga forte de aproximação de alianças e composição de redes, pois
enumerava os nomes de acordo com a quantidade de cobras enviadas (da maior para a
menor). Para se ter uma idéia da importância desse alistamento dos aliados, como forma
de acumulação de capital científico para o Instituto, basta observar que a lista mensal
era divulgada no Minas Gerais, em uma coluna denominada “Instituto Oswaldo Cruz”,
que existia unicamente para esse fim70
.
Para que as alianças pudessem se tornar sólidas, a relação equilibrada entre
cobras/tubos de soros era imprescindível, e se daria por meio de uma extensa rede que
interligasse cientistas e sociedade. Neste sentido, havia grandes problemas com relação
às estradas de ferro, pois “um destes obstáculos está nos meios de transporte – agente
demolidor, persistente e desesperado” (RASAMG, 1924:1). A missão está atrelada a
estas redes de comunicação que se constituíam em um problema constante, dada à
ineficiência das já existentes no período e da necessidade de criação de novas:
“Daqui por diante, o desenvolvimento máximo dos nossos
trabalhos ficará em grande parte dependente de novas
facilidades de transporte, já pelo avançamento de boas vias de
penetração, como a Estrada de Ferro Paracatu, o ramal de
Montes Claros, o prolongamento de Pirapora a Belém do Pará,,
etc., já pelo estabelecimento do tráfego mútuo entre
70
A publicação das listas não foi linear e ininterrupta. Encontramos uma seqüência maior,
principalmente, no segundo semestre de 1918.
150
administrações diferentes, como Central do Brasil e Curralinho-
Diamantina, Leopoldina e Vitória-Minas, Central e as
companhias de Navegação do Rio S. Francisco, etc (RASAMG,
1921: 1)
Os meios de transporte consistiam nos veículos que viabilizariam uma missão
contra os peçonhentos, dentre outros. Tratava-se de estender fronteiras, de ir além das
montanhas de Minas, pois “as referidas vantagens do tráfego mútuo, as quais deverão
levar os nossos serviços a vários municípios além de Pirapora, como também a Estados
limítrofes, provavelmente a algumas populações baianas (e talvez pernambucanas)
ribeirinhas da referida artéria geográfica” (RASAMG, 1921:1-2). Uma nação, uma
Minas unida não se faz através da vontade individual; era preciso cobrar investimento
na construção de vias de comunicação que fizesse o obstáculo isolacionista imposto pela
própria geografia montanhosa de Minas menos difícil de ser ultrapassado.
Porém, os obstáculos não poderiam esmorecer tão “nobres objetivos”, bem
caracterizados por Dias ao falar dos limites ainda não rompidos pelas campanhas:
“Infelizmente, continua fora do nosso alcance a imensa região
norte-mineira (talvez a mais cobiçada para semelhantes
estudos) que, no entanto, quase toda vive, nesse particular, em
pleno obscurantismo, impregnada de lendas e crendices
abstrusas. Acreditamos, porém, que, desde o dia em que a
tão futurosas terras forem propiciados fáceis meios de
transporte, fartos e cabais elementos de ensino primário,
assim como a ação benfazeja do saneamento, esses bons
patrícios , aliás, inteligentes, terão ingresso na comunhão
brasileira de que vivem por bem dizer arredios, e passarão
a fruir as vantagens que a ciência lhes faculta. Pois a
despeito de tantas dificuldades, que os separam dos centros
civilizados, a este Instituto já tem cobras provenientes do Serro,
Conceição, Montes Claros, São João Bastista, Paracatu, etc
(RASAMG, 1921:2) (grifo meu)
151
Esse trecho mostra a operação discursiva que esses homens de ciência
começaram a promover a partir da inauguração do Posto Antiofídico. Os homens e os
não-humanos uniram-se a dois projetos: o de buscar as alternativas para se construir a
nação brasileira, e, não menos importante, o de transformar Minas, a partir do seu
desenvolvimento e união. Para isso era preciso conhecer, desbravar, fazer do sonho a
vigília. Apenas dessa forma a população simples e doente do interior, mergulhada na
medicina popular, ainda intocada pelas novidades da mudança microbiológica, teria a
possibilidade de desfrutar das benesses de se estar na civilização. Transporte, educação
e saneamento. Uma tríade importante e que, diga-se de passagem, estava sendo
propalada por homens e híbridos. Cobras e escorpiões foram incumbidos, também, de
operar em nível discursivo, mas, sobretudo, de torná-lo prático, efetivo e de dar suas
dimensões reais.
O trecho acima é símbolo dessa tentativa de entender o caráter da modernidade,
carregada de um conteúdo auto-destrutivo, inconcreta, pintada feito obra impressionista,
em um quadro que, quanto mais se distancia dos centros decisórios e embrenha-se pelo
sertão montanhoso e desolador mineiro, evanesce em cores cada vez menos nítidas, em
imagens menos delineadas, em sombras de homens e corpos degradados pela doença.
Essa gente que se via perdida pelos sertões de Minas não era viciada na raça,
como um possível paradigma racial ortodoxo poderia ter reivindicado. São inteligentes,
mas vivem distantes da civilização. Plácido Barbosa, na conferência realizada na SMA,
afirmou que, muito longe de uma multidão de depauperados na raça, pelo contrário, os
minérios seriam a síntese da vitalidade física. Bastava lembrar onde a cidade de Belo
Horizonte foi erguida para ratificar tal idéia:
“O descuido pelo saneamento das populações é certamente o
responsável por uma diminuição da vitalidade e do poder
produtor da nossa raça que é impossível deixar de reconhecer.
152
A estofa do brasileiro é esplêndida, tudo ele pode conseguir.
Belo Horizonte, que se ergueu no deserto, concretizando um
sonho, é uma prova disso”. (Minas Gerais, 14 de Julho de
1918: 4) (grifo meu)
Na mesma conferência, atesta, como Dias, que essa gente do interior era
inteligente o bastante para compreender as mudanças que deveriam ser feitas através das
práticas higiênicas:
“O povo, mesmo analfabeto, pode aprender tudo. Ele que
aprende as ladainhas intermináveis e até em latim, os
responsos, as rezas, as complicadas histórias da carochinha, dos
lobisomens e mulas sem-cabeça, ele que aprende abusões e
erros que defende firmimente, pode, pelos mesmos processos,
aprender a cartilha da higiene. O ponto é saber ensinar-lhe”.
(Minas Gerais, 14 de Julho de 1918: 5)
A campanha era a forma de livrar nossos patrícios da medicina popular, trazer a
verdadeira ciência e propor mudanças. Havia boas chances para esses rudes. Contudo,
era preciso um governo forte, legitimamente republicano, livre da “complicada
entrosagem burocrática, que irrita a paciência dos homens do campo” (RASAMG,
1920: 2).
Corroborava-se, assim, a visão de que o sujeito do interior era, por natureza e
condição, uma espécie de ícone daquilo que o Brasil era, mas, também, daquilo que
poderia torna-se, até porque não se misturou à sujeira da politicagem manifestada nas
autarquias estaduais após 1889. Ele era a personificação da gente prática, do labor, da
terra, da produção e do trabalho. Uma espécie de brasilidade genuína não misturada a
uma tradição copista e bacherelesca que determinada intelectualidade já via como um
fator que obstaculizava a efetiva construção de uma nação brasileira e de uma Minas
Gerais desenvolvida.
153
A cada novo relatório, a cada nova viagem as expedições científicas revelavam o
sertão mineiro doente, numa profusão de idiotas (Doença de Chagas) e de opilados
(vítimas de ancilostomíase): “Também foi apurado, sob a alta orientação do Dr. Carlos
Chagas, a grande difusão da Tripanossomíase americana e da Ancilostomose, que fazem
daqueles rudes patrícios retardatários, verdadeiros farrapos humanos” (RASAMG,
1923:3).
Tais relatórios são, sem dúvida, meios eficazes de realização de uma espécie de
jogo do morde/assopra. A missão civilizatória não se fará sem o apoio/subvenção dos
poderes públicos. Ao governo cabe garantir o sucesso dessas bandeiras pelos campos de
Minas, pois
“as viagens, para estudos, tem continuado, apesar de não termos
tido melhoria das nossas subvenções. Estas ‘bandeiras’ são de
uma utilidade magnífica para nosso objetivo. Foram as
seguintes: para São Pedro de Alcântara, Santo Antonio do
Monte, Curvelo, Mantiqueira, Pirapora, Marinhos, Ericeira,
Cotegipe e Engenheiro Corrrêa” (RASAMG, 1924: 5).
A bandeira passa a se tornar recurso eficiente na definição das propostas desses
médicos e dessa intelectualidade, que pretendia uma nova nação. Designam, assim, o
caráter antropológico de suas viagens e da própria atividade científica naquele contexto.
É a recuperação histórica de um evento que contribuía para a identificação da gente
doente do País e que não deixava de exaltar as largas fronteiras do Brasil, com toda a
sua diversidade, que se constituía em verdadeiro patrimônio geográfico que deveria ser
“propagandeado”.
A análise feita por De Luca da Revista do Brasil, que, como observamos, era
importante veículo de divulgação das idéias da intelectualidade, demonstrou que era
recorrente a idéia de que as dimensões territoriais do Brasil seriam produto da ação
154
bandeirante (De Luca, 1999: 98). Porém, para muitos no período, a ação bandeirante
havia sido esquecida e precisava ser retomada. E é por esse caminho que se pode
entender o porquê de tal interesse pelo bandeirismo. A materialidade dessas novas
bandeiras foi demonstrada através de inúmeras missões científicas que adquiriam esse
novo estatuto. Junto com micróbios e doenças, os homens também carregavam por
essas viagens, promovidas pelo Instituto Oswaldo Cruz, pela missão de Rondon e pela
caçadas às cobras e escorpiões, a identificação das gentes perdidas pelo Brasil. E,
especialmente, a possibilidade de sua inclusão, alicerçada em um discurso que também
unia história/memória, identidade geográfica e possibilidade de redenção pela
identificação dos problemas e possíveis e ações futuras71
.
Em muitos momentos os relatórios apresentam a ciência como o elo capaz de
juntar as partes soltas e ignoradas de um vasto território. A campanha contra os
peçonhentos adquire uma espécie de função de unir, de promover aquilo que o poder
central não conseguia fazer: amalgamar as municipalidades, as estradas, os fazendeiros,
toda gente rude e doente que pudesse compor as Minas Gerais:
“Mas o Instituto tem papel ativo nessa campanha, com o fim de
levar a sua rápida benfazeja aos pontos mais remotos do vasto
território mineiro. Com esse intento, distribui circulares, cujo
exemplar acompanha este Relatório, aos Presidentes das Câmaras
Municipais, a todos párocos, Estradas de Ferro, solicitando
remessas de listas de Fazendeiros, Agricultores e pessoas que
pudessem enviar cobras” (RASAMG, 1924:10).
Minas precisaria ser amplamente conhecida, nos seus mais escondidos espaços:
somente assim, unida e reformada por uma ampla campanha sanitária, poderia dar a sua
71
Por outro lado, a autora identificou que essa ênfase na figura do bandeirante também, em muitos
momentos, assegurou um papel de destaque a São Paulo e aos paulistas, nas páginas da Revista do Brasil.
Contudo, a partir da referência que os médicos do Instituto sempre fazem às “bandeiras científicas” é
importante pensar acerca de como o artifício é forte o suficiente para ser utilizado em diferentes contextos.
Considera-se também a utilização recorrente do bandeirismo como sintomático da circulação das idéias no
interior desse debate, que estava sendo travado pela intelectualidade na Primeira República.
155
contribuição ao espaço/nação que médicos, militares, homens de letras e outros
pretendiam identificar/transformar/construir.
Começa a ficar claro o papel do Instituto Ezequiel Dias e de sua campanha
contra os peçonhentos, que se metamorfoseou numa campanha pela pátria. O
movimento é o de querer fazer com que estes relatos se tornassem públicos, por vários
meios de divulgação científica: pelos jornais, nas visitações públicas às instalações do
Instituto, na distribuição de cartilhas a grandes fazendeiros e pequenos agricultores. A
ciência adquiria uma capacidade transformadora: a relação ciência/cultura tornava-se
inquebrantável no interior das práticas.
É importante destacar como essas questões estavam em relatórios dirigidos ao
Secretário de Agricultura e que, teoricamente, deveriam abordar o andamento do Posto,
as questões burocráticas. Até mesmo uma possível reclamação quanto às verbas não era
de estranhar. Mas, os relatórios transformaram-se, por sua própria natureza e pelo que
ansiavam esses médicos, em uma instância mediadora entre a prática científica e suas
redes, através de um ponto de referência para o bom funcionamento do circuito: o
governo estadual.
Os relatórios adquirem um significado antropológico na sua descrição do que se
via e do que se pretendia fazer em relação ao homem do interior. Destituem-se de sua
frieza e funcionam como a tentativa de estabelecer um diálogo com um setor que seria
importante como aliado para muitos objetivos que não se restringiam ao Posto,
pretendendo também: dotar o Instituto de credibilidade e fazê-lo crescer; torná-lo
importante para saúde pública; difundir a própria noção de uma gestão pública da saúde
eficiente; pensar através disso a nação brasileira e o desenvolvimento de Minas Gerais.
156
Para que se tenha idéia da forma com que os escorpiões e cobras foram
colocados como interlocutores dessas inúmeras questões, nada mais emblemático que
um artigo produzido em 1922 e considerado um dos estudos pioneiros da questão do
escorpionismo. Intitulado “A Luta contra os Escorpiões”, foi escrito Ezequiel Dias,
Marques Lisboa e Samuel Libânio. Este último, como já foi mencionado, era importante
figura da Reforma de 1918 e do Regulamento de Profilaxia Rural.
Por mais que o início do artigo pareça óbvio, diante do fato de que propõe
arrolar os meios mais eficazes de luta contra os escorpiões, já nos dá algumas pistas de
como a discussão do escorpionismo será veículo para ação em outros campos:
“Em conformidade com a ecologia dos escorpionídeos
existentes no Brasil central, com especialidade no Estado de
Minas Gerais, dois deveriam ser os pontos indicados para o
combate a esses aracnídeos:
1º - nos campos;
2º - nas habitações humanas;
Dada a vasta distribuição geográfica dos referidos artrópodes,
não nos parece prática nem oportuna a primeira parte do
problema. Mas se a civilização tivesse atingido a tal grau e a
riqueza pública a tais proporções que comportassem semelhante
campanha de extermínio, seria por aí que havíamos de começar,
porque é do seu habitat natural, isto é, da natureza livre, que o
escorpião veio e ainda vem para o interior dos nossos
domicílios”. (Dias, Libânio, Lisboa, 1922: 5)
É importante perceber que, apesar de parecer apenas uma constatação
inicialmente – na qual os escorpiões surgem e, como eles, vão rumo às casas –, essa
asserção ganha novos contornos durante o texto. Ressalta-se como a questão do
escorpionismo abria uma outra chave de discussão, acerca de que campos eram esses e
de onde proliferavam esses animais ameaçadores que saíam dalí para povoar as casas.
O artigo caminha por indicações técnicas considerando determinadas substâncias
no combate aos escorpiões, como clorofórmio, a gasolina, a naftalina, o gás sulfuroso,
157
entre outros. O objetivo era “sondar a resistência dos nossos artrópodes”. As
experiências são pormenorizadas, como qualquer artigo científico desse tipo. São
inúmeras, e, entre uma e outra, além da eficácia do produto utilizado, analisa-se a
facilidade de encontrá-lo no mercado, etc. Nos ensaios preliminares com as substâncias,
o resultado obtido era sempre a morte, o que leva os autores a dizer que “desses ligeiros
ensaios preliminares devíamos concluir que há meios seguros e rápidos para matar o
escorpião”. Mas não era bem assim. Algumas substâncias conseguiam bons efeitos em
recintos pequenos, embora não nos grandes. Em vista de alguns resultados negativos,
foram promovidas experiências em locais maiores e, por último, expurgos em algumas
casas em Belo Horizonte. Estes tiveram o apoio da Diretoria de Higiene, que
disponibilizou material e pessoal necessários para as experiências. De acordo com os
autores:
“originárias dos campos, as espécies dominantes na região
central do Estado de Minas Gerais, nomeadamente o Tityus
Serralatus, encontram na maioria das residências humanas, até
mesmo nas cidades, as condições necessárias à vida:
esconderijos profundos, obscuridade, sossego e alimentação”.
(Dias, Libânio, Lisboa, 1922: 17)
É interessante notar que, momento de postular as medidas para combater e,
principalmente, para evitar os escorpiões, a ciência adentra o espaço privado, tentando
mudar costumes e práticas. Afirma que “a melhor garantia contra acidentes
escorpiônicos está, pois, em construir os prédios de maneira tal que os tornem
inabitáveis para semelhantes hóspedes” (Idem). Mas enquanto esse imperativo de ordem
arquitetônica e de engenharia sanitária não pode se concretizar, os autores estipulam
uma série de normas pertencentes ao Regulamento do Departamento Nacional de Saúde
Pública, que postulam sobre os tipos de construção, os materiais, entre outras questões.
158
Tais medidas não deixam de ter um conteúdo de denúncia de uma população,
seja do interior, seja da própria zona suburbana da Belo Horizonte planejada, que
morava em péssimas edificações, sem as condições mínimas de higiene. Tratava-se,
assim, de focos infestados de escorpiões, de doenças, como a Doença de Chagas, de
sujeira, epidemias de peste, etc. E, se o perigo em foco era a picada de escorpião, a
partir dele era possível repensar o papel das autoridades públicas. Deveriam chegar
além do centro belo-horizontino, das ruas largas, da cidade higiênica, e ir até a outra,
que estava escondida em seus subúrbios. Uma outra cidade que não tinha sido
imaginada pela Comissão Construtora, mas que existia e que era, para muitos, perigosa.
Diante disso, foi preciso fazer
“um apelo aos poderes público do nosso país, não só aos
presidentes e governadores de Estados, como principalmente às
Câmaras Municipais, para que estudem e critiquem as idéias
aqui apresentadas, submetendo-as ao juízo dos competentes,
isto é, dos biólogos, higienistas e engenheiros sanitários. E se,
por ventura, elas merecerem tão honrosa sanção, que sejam para
logo postas em prática, afim de que milhões de nosso patrícios
não continuem a viver em promiscuidade com aracnídeos
venenosos, insetos transmissores de moléstias incuráveis,
murídeos depositários de bacilos pestíferos, já não falando
de outras pragas domésticas que a higiene condena e o
asseio repele”. (Dias, Libânio, Lisboa, 1922: 19) (grifo meu)
O Posto Antiofídico cresceu, as viagens tornaram-se inúmeras durante a década
de 1920 e 1930. A credibilidade do Instituto Ezequiel Dias aumentou, e seu projeto de
crescimento e ampliação física estava cada vez mais perto, como se viu, com a
estadualização a partir de 1936. A microbiologia solidificava-se como campo de
conhecimento autônomo. A importância do tratamento soroterápico para as picadas de
cobras e escorpiões já fazia parte do cotidiano das pessoas. Nada disso seria possível
159
sem a construção de sólidas redes científicas que seriam capazes de trazer aliados na
concretização desses múltiplos interesses.
Redes que foram construídas e que faziam com que os interesses da ciência se
transformassem nos interesses de muitos outros atores sociais... A solidez das alianças
que foram feitas para a manutenção dessas redes dava a ela um caráter sistêmico, uma
lógica circulatória que pretendia controlar os opositores e aproximar os aliados.
160
Conclusão
A história institucional pode nos oferecer diversos caminhos para a análise. A
historiografia atual deixa claro que as instituições estão longe da visão de uma história
exclusivamente laudatória, descritiva. De acordo com o enfoque que se dá, a Instituição
desponta como uma instância de inúmeras mediações necessárias aos atores da ciência e
aos seus meios, como se vê com a criação de um espaço histórico, político e cultural
capaz de dar sustentabilidade as suas ações.
No caso do Instituto Ezequiel Dias, as possibilidades eram muito variadas,
diante da sua história centenária. Optou-se por encarar as primeiras décadas deste
Instituto. Pôde-se, através desse recorte, perceber o espaço social que se encarregou de
recebê-lo. Belo Horizonte era a cidade símbolo de uma modernidade projetada e
pretendida. A cidade salubre era carente de instituições científicas, e foi assim que a
antiga Filial de Manguinhos aqui chegou.
Era preciso a incorporação ao cenário que fazia da urbe um símbolo, em que a
ciência não poderia estar de fora. E falar de ciência, do novo, do moderno era falar das
transformações da microbiologia.
Teve, ao longo dessa trajetória, uma atuação decisiva naquilo que poderíamos
chamar de um processo regional de aceitação da microbiologia. Foi preciso se adequar e
interagir com o espaço para que a legitimação das novas idéias pudesse se efetivar.
161
Sendo assim, Ezequiel Dias, Octavio de Magalhães e muitos outros atores precisaram
ajudar a compor diversas redes que deram solidez ao Instituto. A ciência experimental
era difundida e substantivada na famosa Rua da Bahia, ecoando pelos vários cantos de
Minas através da sucessiva ampliação dos serviços do Instituto Ezequiel Dias.
A disseminação desses serviços, a participação no ensino acadêmico, as relações
interinstitucionais foram de vital importância para o aumento da credibilidade do
Instituto.
Os homens de ciência do Instituto Ezequiel Dias, como sujeitos interessados e
em vista das necessidades de garantir a sua credibilidade dentro e fora do lugar em que
estavam inseridos, aproximaram-se do Serviço Antipeçonhento. Fizeram-no na tentativa
de garantir uma autonomia ainda maior do campo médico, além de dar autoridade às
novas idéias que exigiam legitimação. A capital, dita moderna, estava assolada por
cobras e escorpiões. E não apenas em seu espaço urbano. Os acidentes com animais
peçonhentos em Minas eram recorrentes com homens e animais, e a contenção dessa
situação interessava a amplos setores.
Se a realidade histórica e cultural lhes ofereceu essa situação, foi dela que os
médicos se serviram. Mas não bastava se dedicar apenas às mordeduras de cobras e
escorpiões. Para se firmar no terreno da saúde em Minas, seria preciso um árduo
trabalho desses sujeitos, que foram capazes de se colocar em interação com a natureza.
Os objetos não foram apenas estáticos, inertes e a-históricos. Foram também capazes de
interagir dentro do processo científico. Mais do que isso, foi preciso que eles
assumissem uma posição privilegiada, pois seriam peças fundamentais para que as
translações operassem em prol dos interesses diferentes e contraditórios.
O Serviço Antipeçonhento teve essa capacidade de propiciar a mobilização do
mundo ao redor da ciência. Formou uma rede de alianças que, de tão fortes,
162
transformariam o próprio Instituto. A lista desses aliados foi se tornando cada vez maior
na mesma velocidade em que cresciam o Posto e sua campanha contra os peçonhentos.
Todos eles eram constantemente arrolados de formas diferentes nesse fluxo em que se
processava a atividade científica.
Tais alianças apenas se efetivaram a partir do instante em que o serviço foi capaz
de atingir critérios da eficiência que seria convertida em credibilidade ao Instituto.
Assim, a campanha contra os peçonhentos deveria se tornar visível, se fazer importante:
com a distribuição de manuais para a captura de cobras e o conhecimento do problema,
a participação em congressos, com artigos em jornais que demonstrassem a importância
da questão dos peçonhentos, numa interface com amplos setores. Não por acaso, a
criação do Posto Antiofídico se deu por recomendação da Sociedade Mineira de
Agricultura, órgão representativo das “classes conservadoras” de Minas, de relações
estreitas com o governo do Estado.
O interessante é que o Serviço Antipeçonhento promoveu bandeiras científicas
pelo interior de Minas e colocou-se em diálogo com dois projetos paralelos: o primeiro,
que pretendia tornar efetiva uma nova nação brasileira, incorporando sertão e litoral,
campo e cidade, tendo na ciência um elo de efetividade discursiva e prática; o segundo,
que transcorria regionalmente e pretendia o desenvolvimento econômico de Minas
Gerais, sem renegar também a contribuição da ciência.
Assim, podemos dizer que o Instituto foi capaz de unir o micro – nas atividades
científicas cotidianas de um laboratório, na produção dos artigos, na rotina – ao macro –
em uma ligação a um projeto muito maior de construir uma nova nação –, porém
“reformada”, saneada, higienizada e dar substância econômica a Minas Gerais.
163
Fontes
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os seguintes volumes: I de 1932; II-III de 1933; IV de 1934 e 1935; V de 1935 e 1936)
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como de tubos de vacinas e sôros fornecidos ao Estado de Minas e particulares durante
o anno de 1930 para o Secretário de Educação e Saúde Pública.
___________ . Relatório annual sobre exames e pesquisas feitas, neste instituto, bem
como de tubos de vacinas e sôros fornecidos ao Estado de Minas e particulares durante
o anno de 1931 para o Secretario de Educação e Saúde Publica.
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___________ . Relatório apresentado ao diretor de Saúde Pública em 1935.
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Diretor Geral de Higiene. [Exercício de 1921]. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1922.
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Melo Vianna, Secretário do Interior do Estado de Minas Gerais,, pelo Dr. Samuel
Libânio, Diretor Geral de Higiene. [Exercício de 1923]. Belo Horizonte: Imprensa
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