o livro ilustrado e a leitura na escola
Post on 07-Jan-2017
219 Views
Preview:
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
Programa de Pós-Graduação – Faculdade de Educação
CAROLINA MONTEIRO SOARES
VIAGENS LITERÁRIAS POR PALAVRAS E IMAGENS: O LIVRO
ILUSTRADO E A LEITURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL DO COLÉGIO
PEDRO II
RIO DE JANEIRO
2014
Carolina Monteiro Soares
VIAGENS LITERÁRIAS POR PALAVRAS E IMAGENS: O LIVRO
ILUSTRADO E A LEITURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL DO COLÉGIO
PEDRO II
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Educação, Faculdade de Educação,
Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Professora Drª Patrícia Corsino
Rio de Janeiro
2014
S676 Soares, Caro lina Monteiro
Viagens literárias por palavras e imagens: o livro ilustrado e a
leitura na educação infantil do Colég io Pedro II / Carolina Monteiro
Soares. 2014
167 f.: il.
Orientadora: Profa. Dr
a. Patrícia Corsino.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Educação, Programa de Pós -Graduação em Educação,
2014.
1. Educação Pré-escolar. 2. Leitura literária. 3. Livros ilustrados. I.
Corsino, Patrícia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Faculdade de Educação.
CDD: 372. 21
Ao meu grande companheiro, parceiro de todas as horas, por ter agüentado firme,
cuidando dos nossos pequenos, nessa caminhada árdua.
Aos meus pais, Francisco e Maria da Conceição, retribuo todo o afeto e cuidado.
AGRADECIMENTOS
À Professora Patrícia Corsino, querida orientadora, pelo afeto e confiança no meu
trabalho mas, principalmente, por partilhar sempre suas experiências tão valiosas.
À Professora Adriana Fresquet pelo carinho e incentivo, pelas trocas e observações
feitas no Exame de Qualificação.
À professora Ludmila Andrade, pelos apontamentos relativos ao exame de projeto.
Às colegas do grupo de pesquisa, pelas trocas constantes e incentivo, nesta dura
caminhada.
À Denise Rezende pela amizade e por sempre acreditar em mim.
À Wânia, amiga querida, pelas longas conversas e apoio constante e, ao seu marido
Sérgio, por preparar o mais delicioso café da manhã dos últimos dois anos.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação da UFRJ pela oportunidade de
aprender sempre mais.
À Solange e todos os funcionários da Secretária da Pós-Graduação que sempre se
mostraram disponíveis.
À Luciana e Flávia por terem aberto o espaço da sala de aula para a realização deste
trabalho e pelos diálogos constantes.
Às crianças da turma 33, pesquisadoras sempre entusiasmadas.
À minha cunhada querida, Beth, por ajudar a cuidar dos meus pequenos sempre que
precisei.
À Mariana e Fernando, irmãos amados, por terem escolhido fazer parte da minha vida.
À minha amora Anna Clara, ao João Pedro, José Miguel e Ana Beatriz, sobrinhos
queridos.
Ao Roberto, o segundo pai que a vida me presenteou, por seus ensinamentos sem fim.
Ao querido Henrique, pela generosidade com que compartilha suas experiências
valiosas.
Ao Eduardo, parceiro de todas as horas, amor de tempos remotos, que (re) encontrei
para construir uma outra história.
Aos meus filhos, pela alegria e pelo amor que brota por todos os poros.
A luz que me guia.
Aos caminhos que se abrem.
Ao novo ciclo que se anuncia.
O meu avô sempre me dizia que a melhor parte da vida haveria de ser ainda um
mistério e que o importante era viver procurando.
Eu sei hoje que ele queria dizer que a cada um de nós cabe fazer um esforço para
ser melhor, fazer melhor, cuidar melhor de nós próprios e dos outros. A cada um cabe a
obrigação de cuidar do mundo, porque o mundo é um condomínio enorme onde todos
temos casa.
O meu avô queria dizer que não devemos ficar parados à espera de que algo
aconteça. A magia de estarmos vivos vem da possibilidade de fazermos acontecer.
Walter Hugo Mãe
RESUMO
MONTEIRO-SOARES, Carolina. Viagens literárias por entre palavras e imagens: o livro
ilustrado e a leitura na Educação Infantil do Colégio Pedro II. Dissertação (Mestrado em
Educação). Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2014.
Este trabalho insere-se na pesquisa institucional “Infância, linguagem e escola: a leitura literária
em questão”, do Programa de Pós Graduação em Educação - PPGE-UFRJ. Tem como tema a
leitura do livro ilustrado na Educação Infantil. O livro ilustrado é uma produção literária caracterizada por apresentar-se como um entregênero que traz uma intersemiose entre a
linguagem verbal e visual. É um livro que exige uma leitura que articule as narrativas verbal e
visual. Uma produção que suscita indagações: Como se dá a leitura de livros ilustrados, em
turmas de crianças de 5 e 6 anos de idade, na escola?Como crianças e professores lêem o livro ilustrado no coletivo de uma turma de pré-escola? A presente dissertação tem como objetivo
conhecer e analisar as relações que as crianças de uma turma de pré-escola, do Colégio Pedro II,
estabelecem com e a partir da leitura do livro ilustrado na escola. Os estudos de Bakhtin (2003, 2011), Benjamin (1984, 1994) sustentam as concepções de linguagem e de sujeito, assim como
questões metodológicas de pesquisa. O desafio de fazer pesquisa com crianças (PEREIRA e
MACEDO, 2012; CORSARO, 2005) levou à realização de observação participante, com registros fotográficos, em áudio, vídeo e em caderno de campo, conversas informais e entrevistas com as
professores. Corsino (2003, 2012), Lajolo (2004), Zilberman (2003), Silva (2009) Candido
(2011), entre outros, são os interlocutores do campo da literatura e da leitura literária. Belmiro
(2012, 2014), Linden (2011), Nikolajeva &Scott (2011), Oliveira (2006, 2009), Ramos (2011) e Hanning, Moraes e Paraguassú (2012) dão suporte para discutir ilustração e o livro ilustrado, em
particular. A dissertação foi organizada em introdução, quatro capítulos e considerações finais.
No primeiro capitulo são apresentados os referenciais teórico-metodológicos da pesquisa; no segundo, é feito um breve histórico da relação entre texto escrito e ilustração na literatura infantil,
percorrendo as contribuições da pintura à ilustração, até chegar à literatura infantil
contemporânea e ao livro ilustrado; no terceiro capítulo, é feita a contextualização do campo
pesquisado, enfatizando os espaços-tempos da Educação Infantil na instituição e o trabalho de leitura realizado na turma investigada; no quarto capítulo, são analisados quatro livros ilustrados a
partir da leitura com e para as crianças. Os resultados da pesquisa apontam que a leitura coletiva
do livro ilustrado, que geralmente é endereçado a diferentes idades e experiências (“dupla audiência”), exige uma leitura não apenas em diferentes níveis(do adulto leitor experiente e da
criança observadora) mas também não linear, na qual imagens e palavras se somam a gestos,
corpo, voz, olhares e se desdobram em brincadeiras, desenhos, dramatizações que partilham o sensível (RANCIÈRE, 2009). A intersemiose entre a linguagem verbal e visual supõe a
articulação entre metáforas na qual uma diz sem mostrar e outra mostra sem dizer. O livro
ilustrado provoca uma leitura entre brechas que suscita perguntas das crianças e também
movimento, liberdade de expressão que inclui palavras e corpo,confronto entre pontos de vista diversos, escuta e rompimento de tutelas. Tudo isso depende de uma mediação dialogada e traz
indagações para pensar o trabalho com a leitura literária na Educação Infantil.
Palavras – chave: livro ilustrado, linguagem, leitura literária, infância, Educação Infantil.
ABSTRACT
MONTEIRO-SOARES, Carolina. Literary journeys among words and images: the
illustrated book and reading at childhood education of the Colégio Pedro II.
Dissertation (Master of Education). Faculty of Education, Federal University of Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.
This work is part of the institutional research "childhood, language and school: the literary
reading in question", the program of graduate studies in education-PPGE-UFRJ. It has as theme the reading of the illustrated book in early childhood education. The illustrated book
is a literary production characterized by presenting itself as a between genre that brings an
intersemiosis between the verbal and visual language. It is a book that requires a reading in
order to articulate the verbal and visual narratives. A production that raises questions: How does the reading of illustrated books take place in groups of children of 5 and 6 years old at
school? How do children and teachers read the illustrated book in a collective class of
preschool? The present dissertation aims to analyze the relationships that children of a preschool class, of the Colégio Pedro II, establish with and from reading the illustrated
book in school. Bakhtin studies (2003, 2011), Benjamin (1984, 1994) support the
conceptions of language and subject, as well as methodological issues of research. The
challenge of doing research with children (PEREIRA and MACEDO, 2012; CORSARO, 2005) led to the realization of participant observation, with photographic records, in audio,
in video and in field notebook, informal conversations and interviews with the teachers.
Corsino (2003, 2012), Lajolo (2004), Zilberman (2003), Silva (2009) Candido (2011), among others, are the interlocutors in the field of literature and literary reading. Belmiro
(2012, 2014), Linden (2011), Nikolajeva & Scott (2011), Oliveira (2006, 2009), Ramos
(2011) and Hanning, Moraes e Paraguassú (2012) support to discuss illustration and illustrated book, particularly. This dissertation is organized into introduction, four chapters
and concluding remarks. Theoretical and methodological framework of the research are
presented in the first chapter , in the second a brief history of the relationship between
written text and illustration in children's literature , covering contributions from painting to illustration, to reach the contemporary children's literature and illustrated book, in the third
chapter, the context of the researched field is made, emphasizing the time-spaces of early
childhood education in the institution and the work carried out in reading class investigated , in the fourth chapter , four illustrated books are analyzes from the reading with and to
children . The survey results indicate that collective reading picture book, which is usually
addressed to different ages and experiences ("dual audience"), requires a reading not only at different levels (adult skilled reader and observer of the child) but also non-linear, in which
images and words add up to gestures, body, voice, looks which unfold in jokes, cartoons,
dramas that share sensitive (Rancière, 2009). The intersemiosis between the verbal and
visual language implies the articulation of metaphors in which one says but does not show and other shows without saying. The illustrated book causes a reading between gaps that
raises questions of children and also movement, freedom of expression which includes
words and body, confrontation among different viewpoints, listening and disruption of guardianships. All this depends on mediation through dialogue and brings questions to
think about working with literary reading in early childhood education.
Keywords: illustrated book, language, literary reading, childhood, early childhood
education.
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 Orbis pictus de Amos Comenius, de 1658
Ilustração 2 “Bilder-buch für Kinder”, 1792
Ilustração 3 “Contos da Mamãe Ganso”, Perrault
Ilustração 4 “O Tigre”, de William Blake
Ilustração 5 “O Livro da Inocência”, Edward Lear, 1862
Ilustração 6 “As metamorfoses do dia”, Ignace-Isidore Grandville, 1869
Ilustração 7 “Antigo Bumblehead, Napoleão experimentando botas”, 1823, de George
Cruikshank
Ilustração 8 Detalhe da seção principal, mostrando o Fairy-Feller prestes a cortar a
porca, de Richard Dadd [sd]
Ilustração 9 “O Nascimento de Vênus”, 1879, de William Bouguereau
Ilustração 10 “Esopo” (fábulas em verso, por WJ Linton), ilustrações por Walter Crane,
1887
Ilustração 11 “A Árvore Encantada”, Ricard Doyle, 1870
Ilustração 12 “João Felpudo”, Heinrich Hoffmann, 1853
Ilustração 13 “A Frog he would a woo-ing go”, Randolph Caldecott, 1948
Ilustração 14 “Gedeão”, Benjamin Rabier, 1920
Ilustração 15 “A história de Babar’, Jean de Brunhoff, 1931
Ilustração 16 “Onde vivem os monstros”, Maurice Sendak, 1963
Ilustração 17 “João e Maria”, Kveta Pacovská, Cosac & Naify, 2010
Ilustração 18 “Flicts”, Ziraldo, 1969 (capa)
Ilustração 19 “Flicts”, Ziraldo, 1969 (página dupla)
Ilustração 20 “Ossos do ofício”, Roger Mello, 2009
Ilustração 21 “Obax”, André Neves, BrinqueBook, 2010
Ilustração 22 “Lampião e Lancelote”, Fernando Vilela, 2006
Ilustração 23 “Espelho”, Suzy Lee, 2010
Ilustração 24 “Dado sempre acordado”, Michael Wright (capa)
Ilustração 25 “Dado sempre acordado”, Michael Wright (página dupla)
Ilustração 26 “Pedro e Lua” – título e capa
Ilustração 27 “Pedro e Lua” – composição: guardas, capa e quarta capa
Ilustração 28 “Pedro e Lua” – página dupla
Ilustração 29 “Pedro e Lua” – página dupla
Ilustração 30 “Pedro e Lua” – página dupla
Ilustração 31 “O menino, o cachorro” (capa/ quarta capa)
Ilustração 32 “O cachorro, o menino” (capa/ quarta capa)
Ilustração 33 “O cachorro, o menino” (Il.)
Ilustração 34 “O cachorro, o menino” (Il.)
Ilustração 35 “O cachorro, o menino” (Il.)
Ilustração 36 “O cachorro, o menino” (Il.)
Ilustração 37 “O cachorro, o menino” (página dupla)
Ilustração 38 “Raposa” (página dupla)
Ilustração 39 “Raposa” (montagem)
Ilustração 40 “Raposa” (página dupla)
Ilustração 41 “Raposa” (página dupla)
Ilustração 42 “Raposa” (capa)
Ilustração 43 “Raposa” (página dupla)
ÍNDICE DE QUADROS, SEQUÊNCIAS DE IMAGENS E DESENHOS
Quadro 1 Seleção de livros ilustrados segundo categoria da FNLIJ e PNBE – 2003-
2013
Sequência 1 Leitura do livro “Raposa” – enunciação gráfica
Sequência 2 Ilustrações do livro “Onde vivem os monstros” – plano e enquadramento
Sequência 3 “Onde vivem os monstros” (página dupla)
Sequência 4 Leitura de “Onde vivem os monstros”- expressões faciais e corporais,
gestos, sons e silêncios
Sequência 5 Reverberações da leitura de “Onde vivem os monstros”
Sequência 6 Leitura de “O menino, o cachorro”
Desenho 1 “Monstro-Hulk”
Desenho 2 “Draculaura”
Desenho 3 “Monstro-Garra”
Desenho 4 “Monstro Optimus Prime”
ÍNDICE DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 Criança investigando a câmera
Fotografia 2 Criança investigando a câmera
Fotografia 3 Entrada do prédio da Educação Infantil
Fotografia 4 Entrada do prédio da Educação Infantil
Fotografia 5 Entrada do prédio da Educação Infantil
Fotografia 6 Entrada do prédio da Educação Infantil
Fotografia 7 Casa de Madeira
Fotografia 8 Casa de Madeira
Fotografia 9 Casa de Madeira
Fotografia 10 Brincadeira no pátio
Fotografia 11 Brincadeira no pátio
Fotografia 12 Pátio externo – área descoberta
Fotografia 13 Pátio externo – área coberta
Fotografia 14 Pátio externo – área descoberta
Fotografia 15 Pátio externo – área descoberta
Fotografia 16 Estante de brinquedos e material de uso coletivo da sala
Fotografia 17 Estante de brinquedos e material de uso coletivo da sala
Fotografia 18 Canto da leitura da sala
Fotografia 19 Crianças lendo – canto da leitura
Fotografia 20 Crianças lendo – canto da leitura
Fotografia 21 Estante de brinquedos diversos da sala
Fotografia 22 Canto de brinquedos da sala
Fotografia 23 Trabalhos nas paredes da sala de aula
Fotografia 24 Disposição das mesas na sala de aula
Fotografia 25 Crianças trabalhando nos “cantos”
Fotografia 26 Crianças fazendo trabalho coletivo
Fotografia 27 Crianças brincando no pátio interno
Fotografia 28 Crianças brincando no pátio interno
Fotografia 29 Varal de “plaquinhas” do planejamento
Fotografia 30 Trabalho diversificado – pintura
Fotografia 31 Trabalho diversificado – jogo
Fotografia 32 Momento de “livre escolha”
Fotografia 33 Momento de “livre escolha”
Fotografia 34 Momento de “livre escolha”
Fotografia 35 Músicas sobre a mandioca
Fotografia 36 Texto coletivo da narrativa do vídeo de animação “João e o pé de
macaxeira”
Fotografia 37 Texto coletivo a partir da “Lenda da Mandioca”
Fotografia 38 Confecção de jogo de trilha a partir da Lenda da Mandioca
Fotografia 39 A professora finalizou a confecção do jogo, após ter feito cada etapa
junto com as crianças
Fotografia 40 Trabalho nos “cantos” - pintura de pratos de papelão – “Lenda da Vitória
Régia”
Fotografia 41 Produção final - pintura de pratos de papelão – “Lenda da Vitória Régia”
Fotografia 42 Exposição dos trabalhos na sala e registro coletivo – Lenda da Vitória
Régia.
Fotografia 43 Vídeo da “Lenda do Guaraná”
Fotografia 44 Crianças assistindo ao vídeo da “Lenda do Guaraná”
Fotografia 45 Leitura de um livro de literatura infantil – professora Laura (mediadora)
Fotografia 46 Leitura de um livro de literatura infantil – professora Fernanda
(mediadora)
Fotografia 47 Crianças lendo – “Dado sempre acordado”
Fotografia 48 Lançamento da Ciranda Literária
Fotografia 49 Reconto da história – Ciranda Literária
Fotografia 50 Reconto da história – Ciranda Literária
Fotografia 51 Ciranda Literária
Fotografia 52 Ciranda Literária
Fotografia 53 Sala de Leitura – estantes de livros
Fotografia 54 Sala de Leitura – espaço de leitura
Fotografia 55 Sala de Leitura – classificação do acervo
Fotografia 56 Sala de Leitura – classificação do acervo
Fotografia 57 Sala de Leitura – estante de livros
Fotografia 58 Crianças lendo na Sala de Leitura
Fotografia 59 Crianças lendo na Sala de Leitura
Fotografia 60 Crianças lendo na Sala de Leitura
Fotografia 61 Crianças lendo na Sala de Leitura
Fotografia 62 Professora lendo com e para as crianças lendo na Sala de Leitura
Fotografia 63 Professora lendo com e para as crianças lendo na Sala de Leitura
Fotografia 64 Criança lendo na Sala de Leitura
Fotografia 65 Leitura – “Pedro e Lua”
Fotografia 66 Leitura – “Pedro e Lua”
Fotografia 67 Leitura – “Pedro e Lua”
Fotografia 68 Leitura – “Pedro e Lua”
Fotografia 69 Leitura – “Onde vivem os monstros”
Fotografia 70 Leitura – “Raposa”
Fotografia 71 Leitura – “Raposa”
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO. 20
1. DESVENDANDO MISTÉRIOS - DESAFIOS, LIMITES E
POSSIBILIDADES DA PESQUISA
24
1.1 Mapeando as pesquisas acerca do livro ilustrado - uma revisão bibliográfica 24
1.2 Desafios da pesquisa 32
1.3 Limites e possibilidades da pesquisa – procedimentos metodológicos 37
1.4 Livros ilustrados: critérios de escolha 39
1.5 Contribuições da filosofia da linguagem em Bakhtin e Benjamin 41
2. PONTOS DE PARTIDA: UMA BREVE HISTÓRIA DO LIVRO
INFANTIL
45
2.1 Literatura infantil contemporânea - o livro ilustrado 53
2.2 Práticas de leitura: suportes e mediações 63
3. CONTEXTUALIZANDO O CAMPO 67
3.1 Espaços-tempos na/ da Educação Infantil do Colégio Pedro II 68
3.2 A turma investigada – os sujeitos da pesquisa 73
3.2.1 A sala de atividades 76
3.2.2 Cotidiano da turma pesquisada 79
3.2.3 Trabalho nos “cantos” 80
3.2.4 Trabalho por projetos 82
3.2.5 Centros de interesse 86
3.3 A Literatura infantil na Educação Infantil do Colégio Pedro II 87
3.3.1 “Contação de histórias” 87
3.3.2 Ciranda Literária 90
3.3.3 Sala de Leitura 94
3.4 O projeto de implantação da Educação Infantil no Colégio Pedro II 97
4. O LIVRO COMO PASSAPORTE, BILHETE DE PARTIDA: UMA
CARTOGRAFIA DA LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO NA ESCOLA
99
4.1 “A cabeça dele é na lua?” – a dupla audiência em “Pedro e Lua” 101
4.2 “A gente dá ‘pra’ entrar no livro também?” – “Onde vivem os monstros” por
uma leitura entre aquilo que é e aquilo que não é
114
4.3 “Eu queria ter um cachorro, mas pena que o meu pai vai me dar um
passarinho” – “O menino, o cachorro” e a partilha do sensível
129
4.4 “Eu queria que a raposa fosse do bem” – “Raposa” entre modos de ver e
modos de ler, o dizer
135
Considerações finais – O livro ilustrado e a leitura na escola 143
Referências Bibliográficas 151
Obras Literárias 155
ANEXO
INTRODUÇÃO
Há que buscar a si mesmo na experiência do outro e
interar-se dela. Tal movimento atenua as fronteiras, e a
palavra fertiliza o encontro (QUEIRÓS, 2012, p. 61).
Inicio esta dissertação, que tem como tema de estudo a leitura do livro ilustrado
na escola, trazendo a epígrafe de Queirós (2012), que contribui para pensar a proposta
expressa desde o título deste trabalho: as viagens literárias. Voltamos nosso olhar às
viagens incontáveis e imprevisíveis as crianças são expostos, quando vivenciam
experiências por entre palavras e imagens, atenuando fronteiras e fertilizando os
encontros.
Recordo que, desde pequena, os livros povoaram meu imaginário. As ilustrações
sempre se somavam às experiências estéticas propiciadas pela linguagem literária.
Gostava de imaginar que eu era a própria Emília, personagem de Monteiro Lobato, me
pintava, me vestia e criava mil e uma estripulias, dançando ao som contagiante da
boneca de pano, na voz de Baby Consuelo. A cada capítulo narrado pela voz doce de
minha mãe, me via imersa num universo de magia, onde era possível penetrar no mundo
imagético e chegar até lugares impensáveis!
Essas e outras aventuras eram vividas franca e verdadeiramente. Hoje as
lembranças de eu-menina reverberam nas experiências que me constituem enquanto
sujeito de minha própria história, especialmente como profissional e pesquisadora, que
me tornei num constante fazer e refazer, fluxo interminável que interfere nos modos de
ser e estar entre as crianças.
Este trabalho tem um pouco destes sentimentos e insere-se na pesquisa
institucional “Infância, linguagem e escola: a leitura literária em questão”, desenvolvida
no Laboratório de Estudos de Linguagem, Leitura, Escrita e Educação (LEDUC), do
Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
PPGE/ UFRJ, coordenada pela Professora. Drª. Patrícia Corsino.
O trabalho começa a partir do texto literário na escola, explorando seu aspecto
ético-estético, preocupado com a formação de leitores que interagem, se expressam e
dialogam com e a partir do livro de literatura têm conduzido minha experiência
profissional e acadêmica. E, antes de introduzir o objeto de estudo da dissertação, faço
uma breve ponte entre minha trajetória acadêmica e a pesquisa, de modo a explicitar
minhas escolhas.
Cheguei à Universidade Federal do Rio de Janeiro através do Curso de
Especialização Saberes e Práticas da Educação Básica – CESPEB – “Alfabetização,
Leitura e Escrita”, com o intuito de (re) significar meu trabalho cotidiano de professora
alfabetizadora, buscando referenciais teóricos para fundamentar práticas produzidas
com e para crianças de turmas de Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental. No decorrer do curso, percebi que a relação entre literatura infantil e
escola já representava uma temática relevante no meu fazer pedagógico.
As inquietações se ampliaram à medida que observava que os espaços de
circulação do livro na escola eram pouco utilizados pelos professores com suas turmas;
que o acervo literário adquirido para cada grupo/ano, no trabalho realizado em sala de
aula, geralmente não era baseado em critérios de escolha discutidos previamente e nem
consideravam a dimensão estética, que a literatura, a arte da palavra, poderia propiciar
e; por fim, observava que a literatura infantil ocupava posição secundária, na maioria
das vezes trabalhada fora de seu suporte, o livro.
Na monografia de especialização - intitulada “A literatura infantil na
alfabetização: Chapeuzinho Vermelho e os caminhos das agulhas e dos alfinetes”-,
produzi um relato da própria prática, registrando a experiência com e a partir da
literatura infantil, realizada com uma turma de alfabetização, de uma instituição pública
de ensino, onde entrelacei as teorias ao projeto literário desenvolvido com o grupo de
crianças.
No mestrado, com o objetivo de dar continuidade aos estudos acerca da literatura
na escola, me inseri no grupo de pesquisa supracitado e me dediquei a pensar em
possibilidades de leitura e interação das crianças com e a partir do livro ilustrado,
produção contemporânea que vêm ganhando notabilidade no mercado editorial,
ocupando espaço significativo nas prateleiras de livrarias e chegando às bibliotecas
escolares por meio dos programas de livro e leitura existentes em diferentes esferas
públicas, como é o caso do Programa Nacional da Biblioteca na Escola1 - PNBE.
Este estudo apoia-se em diferentes autores, que discutem infância, linguagem e
leitura. Corsino (2003, 2012), Lajolo (2004), Zilberman (2003), Silva (2009)
1 No âmbito do governo federal, destaca-se o PNBE – Programa Nacional da Biblioteca na Escola,
desenvolvido desde 1997, como objetivo de promover o acesso à cultura e o incentivo à leitura dos alunos
e professores por meio da distribuição de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência. O
atendimento é feito em anos alternados: em um ano são contempladas as escolas de Educação Infantil de
Ensino Fundamental (anos iniciais) e de educação de jovens e adultos. Já no ano seguinte são atendidas as
escolas de Ensino Fundamental (anos finais) e de Ensino Médio. Hoje, o Programa atende de forma
universal e gratuita todas as escolas públicas de Educação Básica cadastradas no Censo Escolar
(http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12368&Itemid=575).
contribuem para pensar limites e possibilidades da relação entre literatura infantil e
escola. Cândido (2011) apresenta questões para pensar o caráter humanizador conferido
à literatura, com dimensão estética transformadora. Belmiro (2012, 2014), Linden
(2011), Nikolajeva & Scott (2011), Ramos (2011) e, Moraes, Hanning e Paraguassú
(2012) discutem o livro ilustrado, entendido mais do que como um livro com imagens
ou de imagem, já que se organiza enquanto narrativa imagético-verbal. Uma produção
editorial que mantém uma relação de interdependência entre linguagem verbal e visual,
que altera as possibilidades e ampliações que o texto verbal, especialmente o literário,
pode suscitar, (re) significando, inclusive, a relação entre autor/ilustrador e projeto
gráfico.
O livro ilustrado é uma proposta que congrega diferentes gêneros – literários,
informativos – e sugere um diálogo, como afirma Belmiro (2012) entre os modos de dizer
suscitados pelas ilustrações, como apontam Oliveira (2008, 2009); Lee (2012); Ramos
(2011) e os modos de ver o dizer, proposto pela narrativa verbal escrita.
A leitura do livro ilustrado traz questões para se pensar a relação entre infância e
leitura e, Benjamin (1984, 1994), ajuda a pensar a linguagem sob uma perspectiva
filosófica e histórica, deixando algumas pistas para compreender a experiência na
contemporaneidade, já que a “história é objeto de uma construção cujo lugar não é o
tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‘agoras’” (BENJAMIN, 1994, p.
229). Assim como Benjamin, o filósofo russo Mikhail Bakhtin (2011) concebe a
linguagem na sua dimensão expressiva e constituinte do sujeito e fundamenta também
este trabalho.
Esta pesquisa inscreve-se no âmbito da produção de conhecimento em Ciências
Humanas e, para isso nos valemos da abordagem histórico-cultural (FREITAS, 2010)
como fundamento teórico- metodológico de pesquisa, uma vez que, são os sujeitos em
toda a sua expressividade que objetivamos descrever e compreender (BAKHTIN, 2011).
Contudo, assumimos o desafio de fazer pesquisa com crianças (PEREIRA e MACEDO,
2012; CORSARO, 2005, 2009) e, tendo-as como sujeitos desta investigação, realizamos
observação participante, com descrição detalhada da cultura do grupo estudado, registros
fotográficos, em áudio, vídeo e em caderno de campo, mas também conversas informais e
entrevistas narrativas com os professores e crianças.
A pesquisa de campo foi realizada em um dos Campi do Colégio Pedro II. Duas
motivações levaram à escolha deste campo: a implantação da Educação Infantil
exclusivamente no Campus Realengo I e, a familiaridade com o campo, uma vez que atuo
como docente na instituição em questão.
Se, por um lado, esta familiaridade favoreceu a entrada e permanência no campo,
teve um desafio de estar diretamente implicada com o campo como professora e
pesquisadora. Nesse sentido, fez-se necessário realizar um duplo movimento: o primeiro,
de olhar o que é familiar, onde sou professora, conhecida e reconhecida por grande parte
das crianças e de estranhar o que é familiar (VELHO, 2003) e, o segundo, de me
recolocar no campo, como pesquisadora, assumindo junto às crianças e professoras da
escola, outro lugar. Esses dois movimentos foram evidenciados nos registros de campo,
quando cheguei à escola e entrei na turma 33, do Grupamento III, que atende crianças na
faixa etária entre 5 e 6 anos.
Algumas questões orientam a pesquisa, quais sejam: Que experiências de leitura o
livro ilustrado proporciona às crianças em idade pré-escolar? Como elas interagem com
os livros ilustrados que os adultos leem para e com elas na escola? Que diálogos as
crianças estabelecem com e a partir das histórias lidas? Como o livro ilustrado é lido nos
espaços escolares?
Este trabalho tem como objetivo principal conhecer e analisar as relações que as
crianças da Educação Infantil do Colégio Pedro II estabelecem com e a partir da leitura
do livro ilustrado na escola e, considerando que as crianças desta etapa da Educação
Básica, em geral, não são alfabetizadas, trago como objetivos específicos: conhecer e
analisar como os professores da turma investigada leem o livro ilustrado com e para as
crianças; compreender como se dá a leitura de livros ilustrados no grupo pesquisado,
esta produção literária caracterizada por apresentar-se como um entregênero que traz
uma intersemiose entre a linguagem verbal e visual.
A dissertação foi organizada em quatro capítulos. Após esta breve introdução, no
primeiro capítulo, apresento os referenciais teórico-metodológicos da pesquisa e situo o
campo pesquisado, sua proposta político-pedagógica, assim como o cotidiano e as
rotinas do grupo observado. No segundo capítulo, apresento um percurso histórico da
relação entre texto verbal e visual na literatura infantil, percorrendo as contribuições da
pintura à ilustração, até chegar à literatura infantil contemporânea e, especificamente, no
livro ilustrado. No terceiro capítulo, trago a contextualização do campo, enfatizando os
espaços-tempos da Educação Infantil na instituição pesquisada e o trabalho de literatura
realizado na turma investigada. No quarto e último capítulo, apresento a análise dos
livros ilustrados lidos para e com as crianças nos eventos de leitura produzidos na
pesquisa de campo. Concluo trazendo algumas considerações para se pensar a leitura do
livro ilustrado na escola.
1. DESVENDANDO MISTÉRIOS – DESAFIOS, LIMITES E POSSIBILIDADES
DA PESQUISA
Pois um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o
acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas
a chave para tudo o que veio antes e depois. (BENJAMIN, 1994, p. 37)
Neste capítulo apresento os referenciais teórico-metodológicos que sustentam
esta pesquisa. Tomei emprestado para o título, uma expressão oriunda do diálogo
produzido pelas crianças, no momento de entrada no campo. Para elas, pesquisar é
“desvendar mistérios”, engajar-se no ato investigativo e fazer descobertas, uma
atividade que qualquer um pode fazer desde que se proponha a lançar-se a novas
descobertas. De certa forma, esta visão infantil se aproxima do que esta pesquisa supõe:
abrir-se ao novo, “estranhar o familiar” para poder compreender e construir outras
interpretações além do que já está posto.
Trataremos, portanto, dos desafios, limites e possibilidades de fazer pesquisa
com crianças e com professoras que são colegas de trabalho, tomando-as como sujeitos
e protagonistas do processo investigativo. As professoras do referido grupo exercem o
papel de mediadoras na relação entre as crianças e o livro ilustrado e as crianças pelo
lugar ativo na produção de sentido.
Nas sessões que compõem este capítulo, que abre nossas viagens literárias, trago
inicialmente a revisão bibliográfica, que contribuiu para mapear as pesquisas realizadas
nos últimos anos e marcar o itinerário deste estudo; em seguida, apresento o percurso
inicial da pesquisa, bem como os limites e possibilidades de entrar num campo, como
pesquisadora, no mesmo lugar em que atuei como professora. Apresento mais adiante,
os pressupostos teórico-metodológicos, ancorados nos estudos de Walter Benjamin e
Mikhail Bakhtin, com suas contribuições da filosofia da linguagem e, por fim, trago os
desafios enfrentados na pesquisa com crianças e professoras.
1.1 Mapeando as pesquisas acerca do livro ilustrado - uma revisão bibliográfica
Na revisão bibliográfica, constatamos que os estudos acerca das relações entre
literatura infantil, leitura e escola têm encontrado terreno profícuo no campo
educacional. Entretanto, investigações acerca da produção editorial contemporânea, em
especial, sobre o livro ilustrado, ainda são insipientes e, encontram espaço delimitado
nas áreas de Artes, Design, Letras e, ainda, de Línguas e Cultura.
A revisão bibliográfica realizada no banco de teses e dissertações do portal da
CAPES, a partir da expressão exata livro ilustrado, apresentou 32 teses e dissertações,
sendo que, destas, oito estavam fora do recorte temporal definido: os últimos dez anos
(2004-2013). No universo de 25 teses e dissertações produzidas entre os anos de 2004 e
2013, somente 16 aproximavam-se da discussão acerca da leitura literária.
Linden (2011), que discute especificamente o livro ilustrado, ao afirmar que o que
aqui chamamos de livro ilustrado, também é conhecido como livro-álbum, no mundo
hispânico; álbum ilustrado, em Portugal; livre d’images ou apenas álbum, em francês e;
picturebook, picture story book ou picture book em língua inglesa, nos deu pistas para
pensar outras possibilidades de descritores.
Com isso, retornei ao Portal da CAPES2 e fiz novo levantamento de teses e
dissertações, considerando o mesmo recorte temporal, nas expressões exatas álbum
ilustrado, onde encontrei duas produções que já haviam sido incluídas no descritor
utilizado inicialmente; sendo uma delas também recorrente no descritor picturebook,
que trouxe também uma dissertação que já havia aparecido como referência no descritor
livro ilustrado.
Cotejando cada uma das 16 teses e dissertações realizei uma seleção mais
criteriosa, a fim de delimitar aquelas que efetivamente se aproximavam da discussão
acerca da leitura literária, do lugar da ilustração na literatura para crianças e, ainda, da
interação verbal-visual suscitada pelo livro ilustrado especificamente, organizadas
conforme áreas de estudos afins. Contudo, ampliei a pesquisa, no portal da PUC-Rio, e
encontrei mais uma dissertação de mestrado, ainda não indexada no portal da CAPES, a
partir do descritor livro ilustrado.
Trago um breve resumo dos trabalhos encontrados nos bancos de dados de teses
e dissertações, a partir do levantamento bibliográfico realizado conforme evidenciado
anteriormente, considerando as diferentes áreas de estudo a que se filiam para, em
seguida, pensar em distanciamentos e aproximações com a pesquisa realizada. Foram
encontradas, portanto, produções datadas de 2005 a 2012.
Inicio com os Programas de Pós Graduação que apresentaram maior números de
produções que foram os de Letras:
2 Portal da CAPES: http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses
Neto (2005) traz uma reflexão sobre alguns gêneros literários como a fábula, o
conto popular, o mito, o provérbio e outras formas simples e literárias na obra de três
escritores de países lusófonos: Angola, Brasil e Portugal. Este trabalho trata do livro
com ilustração e não especificamente do livro ilustrado e a interação entre palavras e
imagens propiciada por esse tipo de produção.
Greemland (2007) apresenta um estudo acerca da obra literária Nau Catarineta,
de Roger Mello, considerando o diálogo entre texto verbal, imagem e sua relação com
as manifestações artísticas populares brasileiras. Em sua formação de mediadora de
leitura, a autora discute possibilidades de mediação com e a partir desse e de outros
livros ilustrados, pois entende que esta produção literária contemporânea oferece ao
jovem leitor, tanto no texto verbal quanto no visual, o acesso a tradição de um modo
inovador.
Cortez (2008) investiga em sua tese de doutorado a composição gráfica dos
livros infantis, especificamente as obras das duas últimas décadas do século XX e dos
primeiros anos do século XXI, considerando a produção de Melissa Bacelar em
Portugal e, Roger Mello no Brasil. Segundo Cortez, ambos iniciaram como ilustradores
para, em seguida, tornarem-se “autores com dupla vocação”, isto é, produtores de textos
verbais e visuais. Além disso, os referidos autores/ilustradores desenvolveram uma
produção literária voltada ao público infantil em que impera a diversidade de estratégias
e relações entre sistemas semióticos, por exemplo: autores de livros de imagens, autores
ilustradores3 de livros ilustrados e autores de livros-álbum, sendo esta última
modalidade o centro das discussões. Com isso, a partir de dois contextos particulares, a
autora vislumbra a importância do livro-álbum como um gênero cada vez mais presente
no panorama da Literatura Infantil.
Silva (2011) dedica-se a investigar a criação de livros para crianças no Brasil,
concentrando-se na produção recente, os livros ilustrados e escritos por um mesmo
autor. Ao considerar essa “prática construtiva em multimodalidades artísticas”, a autora
debruça-se sobre a obra de Nelson Cruz, observando a integração das linguagens da
literatura e da ilustração contidas em três de seus livros, onde encontra alicerce num
discurso memorialista de personagens marcantes no imaginário das cidades coloniais
3 Salisbury cunhou esta expressão para designar autores que também ilustram suas obras e vice-versa, em
inglês, authorstrators, junção de autor e ilustrador (RAMOS, 2011, p. 67). Entretanto, em conversa na
última Festa Literária de Paraty – FLIP, em julho de 2013, nas atividades voltadas ao público infantil,
dentro deste evento maior, a Flipinha, alguns autores e/ ou ilustradores, tais como André Neves, Fernando
Vilela, Estela Barbieri expressaram uma concepção bastante coerente no que concerne esse debate: para
eles não há dúvidas de que a autoria é de ambos, autores e ilustradores.
mineiras de Ouro Preto, São Hugo del Rei e Diamantina, dando relevo aos termos
autoria, estilo e patrimônio artístico.
Nakano (2012) discute o livro ilustrado enquanto um tipo específico de
subcategoria da literatura infantil, como picturebook, álbum illustré, álbum ilustrado,
livro-álbum e bilderbuch, caracterizado pelo papel que a linguagem visual representa na
leitura da obra. E dedica-se a pensar nesse tipo de produção no Brasil. Em sua pesquisa,
a autora analisa as definições desse tipo de produção por diferentes autores brasileiros e
estrangeiros, com foco nas especificidades do diálogo entre linguagens verbal e visual
Mas também analisa a infância sob abordagem filosófica e social, em busca dos
pressupostos de leitura que o livro ilustrado, ao ser considerado um livro infantil, pode
produzir; além de observar as particularidades da criação deste objeto que muitas vezes
é fruto de quatro autores — o escritor, o ilustrador, o designer e, por vezes, o editor.
Peres (2012) estuda a obra singular do poeta Manoel de Barros, baseada na
criação de neologismos e na negação dos usos cotidianos de certas palavras, mas
também na forma como estrutura seus poemas e, em especial, nos paratextos “de maior
recorrência e relevância em s sua lírica, dentre eles, notas de rodapé, didascálias,
epígrafes, adivinhas, ditados, ilustrações, dentre outros”.
Bueno (2012) tem como objetivo estudar a representação docente presente no
acervo de literatura infanto juvenil distribuído às escolas públicas, por meio do
Programa Nacional Biblioteca na Escola – PNBE, no ano de 2008. Do total de cem
títulos selecionados, cinco fazem referência à figura da professora.
A pesquisa de Missiaggia (2012) tem como objetivo “demonstrar a
complementação entre imagem e escrita, como um fator combinatório na construção de
sentido apartir de uma obra ilustrada”. Entretanto a autora recorre a uma produção
cinematográfica para exemplificar essa abordagem, correlacionando as intersemióticas
entre essa linguagem e a literária, proporcionando vida e realidade à obra de cunho
textual e reforçando o texto escrito.
Nos programas de Pós-graduação em Estudos Linguísticos e Literários
destacam-se os próximos quatro trabalhos:
Pereira (2008) analisa a ilustração literária como um “tipo de tradução
intersemiótica do texto, nos livros ilustrados”. A autora toma a ilustração a partir de sua
relação com a literatura e discute os tipos de associação em que a imagem pode incorrer
com o texto, ou seja, a maneira como os elementos imagéticos são utilizados na
construção significativa, os princípios que regem a representação visual e a função da
ilustração no livro ilustrado, para que se possam estabelecer os parâmetros para a sua
consideração como tradução.
Em sua dissertação, Fontana (2010) estuda o trabalho de Poty Lazzarotto como
ilustrador de livros entre os decênios de 1940 e 1990. Entretanto, não se dedica
propriamente a pensar nas ilustrações dos livros, distanciando-se do conceito de livro
ilustrado, embora discuta a imagem nos livros de literatura nacional.
Pena (2012) investiga o papel da recepção da imagem inserida na obra literária,
considerando tanto a perspectiva do ilustrador ao deparar-se com a obra literária, quanto
a leitura que o leitor faz do texto e das imagens. O fio condutor deste estudo são oito
edições da obra Dom Casmurro (1899-1900) de Machado de Assis.
Mastroberti (2012) realiza sua tese de doutorado a partir de uma pesquisa
empírica sobre a leitura da obra Peter Pan e Wendy, de James Matthew Barrie, realizada
por crianças de uma escola pública de Porto Alegre (RS, Brasil). Ela parte da
proposição de que “o comportamento presente nos discursos verbais e visuais implícitos
no livro ilustrado ocorre de modo híbrido, acórdico, entrelaçado, e não dialógico e
linear, garantindo um efeito único e indelével sobre a consciência memorial e afetiva do
leitor”. Além disso, situa o texto literário e o universo de Peter Pan em relação não
apenas às demais mídias narrativas e poéticas, mas também ao contexto histórico e
cultural editorial e às expectativas do leitor da contemporaneidade. Faz uma reflexão
acerca da mediação do livro ilustrado, estimulante de uma leitura crítico-sensível não
apenas do literário, mas também dos discursos artísticos gráfico-visuais, a serem
integrados na subjetividade leitora.
Nos programas de Pós-Graduação em Artes Visuais e Cultura Visual, Estética e
História da Arte, trago as pesquisas concluídas que se seguem:
Ramos (2007) trata de Artes visuais e Artes gráficas, no Rio Grande do Sul, na
primeira metade do século XX, tomando como objeto de estudo livros ilustrados por
artistas plásticos e com selo da Editora Globo. A tese apresenta e contextualiza as
inovações presentes em obras gráficas de alguns artistas gaúchos, discute de que forma
tal experiência influenciou suas poéticas (voltadas principalmente à pintura e à gravura),
bem como seus reflexos na constituição de uma modernidade visual no Estado.
Zimmermann (2008) propõe em seu estudo identificar, conhecer e analisar as
relações entre infância, leitura ilustração e cultura. A partir do histórico do livro
ilustrado infantil no Brasil e na Europa verificou as modificações pelas quais passou no
decorrer dos tempos, assim como os conceitos de infância e as interações da criança
com o livro e a escola. Ao considerar que a ilustração é um importante elemento
mediador no processo de construção do conhecimento, que contribui para a aquisição e
desenvolvimento da linguagem e do desenho infantil a partir da imitação e do estímulo
à imaginação, reconhece que ela fornece experiências variadas ao leitor. Nesta
dissertação são estabelecidas relações entre o discurso de ilustradores, editores,
escritores e crianças sobre o que consideram um "bom livro", mostrando que as
ilustrações podem ir muito além do mero caráter decorativo.
Macêdo (2010) trata, em sua dissertação de mestrado, da ilustração do livro
infantil a partir do ponto de vista do ilustrador, enfatizando os aspectos estruturais
visuais, assim como a relação das imagens com o texto. A produção de um livro
ilustrado, partindo desde a criação do texto até os aspectos finais da produção gráfica.
Destaca, de forma detalhada, o processo de concepção, criação das ilustrações e pontua
observações e reflexões sobre aspectos específicos deste tipo de imagem. São abordados
desde a história da ilustração do livro infantil até seus desdobramentos, passando por
aspectos técnicos e focalizando o discurso nas semelhanças e diferenças dentro dos
processos de produção de imagens manuais e digitais e de seu impacto no resultado
final do trabalho.
Mendes (2011) traz para o centro do debate no campo das Artes, a diversidade
cultural brasileira através de cinco obras do escritor e ilustrador contemporâneo Roger
Mello. Já Peliano (2012) em sua dissertação apresenta mais uma aventura de Alice, de
Lewis Carrol, atravessando mais de um século de diálogos e figuras, com foco no
surrealismo.
No campo do Design, Necyk (2007), em sua dissertação de mestrado, se propôs
a “analisar como a ilustração – pertencente às Artes do espaço – se relaciona com o
texto – pertencente às Artes do tempo – num contexto narrativo”. Em seu estudo,
procurou estabelecer uma relação entre a produção, a mediação e a recepção dos livros
infantis, como o objetivo de contribuir para a ampliação do conhecimento no campo do
Design.
Costa (2012) tem como objetivo principal compreender como funcionam três
elementos do design da ilustração que estão sempre presentes no livro ilustrado, a saber:
o tempo, o imaginário e a montagem de enunciados verbais e visuais. Para tal, o autor
escolheu três livros para realizar seu estudo de caso: Ismália (2006), Lampião e
Lancelote (2006) e Um outro pastoreio (2010), no qual cada um deles “destaca-se em
sua essência pela exploração de um dos elementos estudados. Com isso, é apresentado
um modo de ver o design da ilustração que concretiza sempre uma visão subjetiva do
observador”.
Carvalho (2012) realiza sua pesquisa sobre narrativa visual, tendo como objeto
de estudo o Livro de Imagem e parte da hipótese de uma proximidade entre a Ilustração
e as Artes Cênicas. A escolha do Livro de Imagem tem um contraponto na área das
Artes Cênicas, o Palhaço Mímico. Considerando a ausência do texto representado pela
linguagem verbal, esta abordagem consiste em analisar o Livro de Imagem sob a
perspectiva dessa ausência textual.
Lima (2012) discute, em sua tese, a ilustração no livro ilustrado contemporâneo,
considerando a importância da “formação do leitor de imagens não alfabetizado
visualmente”. A autora, com o objetivo de ampliar o olhar estético acerca das imagens,
utiliza uma metodologia em que dialoga com mediadores e leitores, com e a partir de
sete livros ilustrados premiados pelo Prêmio Jabuti.
Por fim, a dissertação de Dalcin (2013) foi a única encontrada em Programas de
Pós Graduação em Educação. Em sua pesquisa, Dalcin tem como propósito conhecer o
processo de criação e produção de livros de literatura infantil, pela visão do autor e
ilustrador Odilon Moraes. Neste estudo são enfatizadas a especificidades do processo
criativo e de produção dos livros do referido autor, circunscrevendo-se entre o pólo da
produção tanto do autor e ilustrador quanto da editora.
Cada um dos trabalhos encontrados nesta revisão bibliográfica possui relevância
dentro do campo de pesquisa a que se relaciona e traz contribuições para se pensar o
livro ilustrado como produção editorial contemporânea que vem ganhando espaço nas
prateleiras de livrarias, bibliotecas, salas de leitura das escolas, e também nas salas de
aula de crianças pequenas, desde a Educação Infantil aos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
Para pensar as possíveis aproximações que podemos fazer com o que já tem sido
produzido, trago, inicialmente, a compreensão de que, ao tratar-se de uma produção que
supõe a interação de sujeitos deste tempo. Necyk (2007, p.16) compreende o livro
ilustrado como uma produção contemporânea:
O adjetivo contemporâneo, que classifica “o que é do tempo atual”,
não deve ser entendido apenas no sentido histórico. O termo
contemporâneo, aplicado ao livro infantil, configura característica
bem evidente na sociedade atual: a superposição de linguagens simultâneas.
Algumas das pesquisas levantadas dialogam com autores que têm apontado a
necessidade de pensar a interação verbal e visual proposta pelo livro ilustrado (HUNT,
2010; LINDEN, 2011; Nikolajeva & Scott, 2011).
Todavia, ao supor uma interação entre imagens criadas pelo texto verbal escrito
e o icônico, os estudos acerca do livro ilustrado, álbum ilustrado ou picturebook,
acabam por se debruçar sobre a importância da ilustração nos livros de literatura
infantil. As pesquisas que centram sua análise em obras ou autores e/ou ilustradores que
têm despontado no mercado editorial, supõem a ampliação do diálogo com teóricos que
têm produzido ilustrações e também reflexões como Camargo (1998), Oliveira (2008),
Ramos (2011) uma vez que a ilustração torna o percurso da leitura descontínuo, criando,
por vezes, a necessidade de parar e voltar atrás antes de regressar à linearidade narrativa
proposta pela palavra. O ritmo narrativo no álbum envolve a dimensão física do livro, já
que o tempo que leva a virar a página, também afeta a velocidade da narrativa. O ritmo
é composto pelas pausas e acelerações já referidas, sugeridas ao leitor pela interação
semiótica de ambos os códigos. As pausas e acelerações indicam quando e quanto
tempo se deve demorar a observar determinada página ou, se deve apressar esse
processo.
Das teses e dissertações encontradas, algumas discutem a ilustração em sua
dimensão estética, porém a maioria compreende o livro com ilustração dissociado do
conceito do livro ilustrado (NETO, 2005; RAMOS, 2007; SILVA, 2009; FONTANA,
2010; BUENO, 2012; MISSIAGGIA, 2012; PENA, 2012; PERES, 2012; PELIANO,
2012).
Os estudos de Greemland (2008), Zimmermann (2008), Cortez (2008), Silva
(2009), Mendes (2011), Costa (2012), Dalcin (2013), Lima (2012), Mastroberti (2012) e
Nakano (2012), embora tragam referenciais de suas áreas de atuação, travam uma
discussão acerca da relação entre texto verbal e imagético e refletem sobre o que seria o
livro ilustrado enquanto produção contemporânea. Para isso, analisam obras literárias de
escritores e ilustradores da atualidade e trazem pistas para pensar o trabalho com a
leitura do picturebook na escola.
Além dos referenciais do livro ilustrado como obra literária, outras são
referências recorrentes, como Chartier (1996) na perspectiva histórica da leitura; Arroyo
(1988), Lajolo (1999, 2005, 2007), Coelho (2010) e Zilberman (2003), no que diz
respeito aos estudos acerca da literatura infantil; Oliveira (2008) e Lago (2012) que
discutem ilustrações; e também Benjamin (1987, 1993, 1997), Bakhtin (1986, 1997) e
os estudos da linguagem.
Algumas das pesquisas supracitadas (GREEMLAND, 2007; DALCIN, 2013)
têm como referencial teórico as contribuições de Bakhtin (2011) para pensar a relação
dialógica da linguagem, ao relacionar textos escritos e imagéticos, assim como sua
interface com outros textos dentro do mesmo texto, dado o caráter polifônico que a obra
literária possui.
Muitos destes referenciais teóricos se afinam com a proposta desta pesquisa. O
diálogo com os campos de onde emergem suas produções como Artes Visuais, Design e
Letras nos pareceu bastante profícuo para a análise do material empírico da presente
pesquisa. Entretanto, vale ressaltar que, dos trabalhos encontrados, apenas uma
dissertação foi produzida no campo da Educação, e esta não discute a leitura do livro
ilustrado na escola.
Nesse sentido, esta pesquisa pode trazer contribuições relevantes para se pensar
a leitura do livro ilustrado na escola e a formação do leitor contemporâneo, entendendo
que é com e a partir da produção de sentidos que o texto literário propicia que
poderemos pensar a formação do leitor de forma mais democrática, compromissada com
práticas críticas, dialógicas e discursivas, no intuito de auxiliar na produção de uma
escola povoada de outros sentidos que não a transmissão de informação (LARROSA,
2002).
1.2 Desafios da pesquisa
O Colégio Pedro II, instituição escolhida para realizar a pesquisa de campo, é
reconhecida pela qualidade de ensino público ofertado. Articuladas a este fato, duas
outras motivações definiram esta escolha: a implantação da primeira unidade com
turmas de Educação Infantil e a familiaridade com o campo uma vez que sou docente do
colégio. Esta última, por um lado favoreceu a entrada e permanência no campo, por
outro foi um desafio estar diretamente implicada no campo em que exercia o lugar de
professora, só que, naquele momento, como pesquisadora (MACEDO, 2012).
Nesse sentido, fez-se necessário realizar um duplo movimento: o primeiro, de
olhar o que é familiar no campo empírico, onde sou professora, conhecida e reconhecida
por grande parte das crianças e estranhar o que é familiar (VELHO, 2003) e o segundo,
me recolocar no campo, de um outro lugar, o de pesquisadora.
Esses dois movimentos podem ser evidenciados no registro do caderno de
campo, quando iniciava minha entrada na turma do Grupamento III:
Após questionar o quantitativo de crianças e adultos presentes e
ausentes, a professora pergunta: Professora Laura: Muito bem, então estamos com a turma completa.
[...] Vocês perceberam que tem uma pessoa diferente na nossa sala?
(fala pausadamente) Aline: Sim, ela! – apontando em minha direção.
Luana: A Carol.
Professora Laura: A Carol. Olha só! A Carol, olha só!
Algumas crianças falavam umas para as outras que me conheciam, pelo fato de ter sido professora de uma turma da escola.
Professora Laura: Ó, anopassado a Carol trabalhava aqui na escola,
como professora. Porque será, que a Carol está aqui? Ana Letícia: Porque ela vai ser nossa professora!
Professora Laura: — Mas, será que a Carol vai ser professora? Vamos
escutar o que a Carol veio fazer aqui na nossa turma? Pesquisadora: Então... Eu estava aqui só escutando vocês... Mas, eu
não vim ser professora de vocês.
Crianças em coro: Ahhhhhhh!
Pesquisadora: Eu vim aqui para fazer pesquisa! Crianças em coro: Pesquisa?
Pesquisadora: É.
Leonardo: Pesquisa desvenda mistérios. Paulo: Pesquisar bichinhos...
Daniel: Pesquisa é “pra” ver se a borboleta... Esqueci!
Maria Luiza complementa: Se a borboleta não voa?
Clarice: A gente pode pesquisar os bichinhos, desvendar mistérios... Pesquisadora: Então, eu vim fazer minha pesquisa e essa pesquisa é
para descobrir uns mistérios.
Isadora: Êba! Pesquisadora: Eu quero saber que mistérios essas crianças dessa turma
fazem com os livros de história, como os livros de literatura. Eu vim
observar os mistérios que acontecem toda vez que um livro se abre. Marcelo: A gente já brincou de detetive...
Pesquisadora: Então... Eu vim aqui pra fazer uma pesquisa... Na
minha pesquisa, eu vou precisar ficar um tempo com vocês...Vou
passar o dia com vocês...Vou sentar com vocês na roda...Eu vou observar vocês...
Ana Letícia: Êba!
Rafael: Com a sua lupa? Pesquisadora: Ah, eu vou observar vocês, mas não vai ser com a
lupa...
Luana: Na turma dela do ano passado tinha um montão de insetos e uma lupa. Ela emprestava às vezes para gente...
Paulo: Tinha uma lupa na sua sala?
Aline: E o que você vai usar, então?
Pesquisadora: Ah, eu não vou usar a lupa, sabe o que eu vou usar? Luana: O telefone!
Pesquisadora: Eu posso usar o meu telefone para gravar, a câmera
para filmar, para fotografar. Eu vou usar um gravadorzinho para
gravar. A gente vai usar vários recursos pra eu poder capturar as
palavras e as imagens.
(CADERNO DE CAMPO, 07/05/2013).
Este evento produzido a partir de um diálogo entre adultos e crianças do grupo
observado, mostra que, logo na entrada no campo, fui convidada a tomar parte deste
grupo, convocada a estar junto. Este encontro inicial propiciou um momento de
apresentação do que viria a ser o meu objeto de pesquisa e, com isso, recebi o
assentimento ou autorização (KRAMER, 2005) para a pesquisa com as crianças.
Para elas, fazer pesquisa está relacionado ao trabalho organizado por projetos,
realizado com as professoras da turma, conforme será explicitado mais adiante, no item
que apresenta os espaços-tempos na/ da Educação Infantil do Colégio Pedro II.
A pesquisa ganha um cunho extraordinário ao ser equiparada ao ato de desvendar
mistérios. Além disso, as crianças trazem em suas hipóteses elementos oriundos de suas
experiências. Outro elemento que apareceu no diálogo foi a necessidade de utilização de
objetos que identifiquem a ação, nesse caso, a lupa foi o objeto ao qual as crianças
associaram a ação de pesquisar.
Fui convidada a desvendar mistérios com ela se, aos poucos, precisei encontrar o
lugar de pesquisadora junto à turma e, à medida que o tempo passava, as crianças
indagavam sobre meu lugar no grupo, passando a me chamar “Carol-pesquisadora”.
Com isso, precisei fazer um exercício de me deslocar do lugar de professora e me
tornar, conforme salienta Corsaro (2005), um “adulto atípico” naquele grupo.
A Sociologia da Infância tem sido uma referência importante para pensar a
pesquisa com crianças e a “infância em si própria”, assumindo o que Sarmento (2008,
p.2) conceitua como “autonomia analítica da ação social das crianças”, como condição
para contribuir para a emancipação social da infância. Isto implica a ruptura com uma
perspectiva de análise que estuda as crianças a partir do entendimento do adulto e/ou
como grupo menor, oprimido. Implica em olhar as crianças como produtoras culturais e
entender que:
as culturas da infância expressam os modos diferenciados através dos
quais as crianças interpretam, simbolizam e comunicam as suas
percepções do mundo, interagem com outras crianças e com adultos e desenvolvem a sua ação no espaço público e privado (SARMENTO,
2008, p.3).
Essas culturas da infância são geradas a partir das interações entre elas e no
contato com os adultos. Ao utilizar métodos etnográficos na pesquisa com crianças,
Corsaro (2005; 2009) observa o que denomina cultura de pares enquanto “conjunto
estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças produzem
e compartilham em interação com pares” (2009, p.88). O autor contribui para a
construção de uma metodologia de pesquisa com crianças, cujo objetivo seria a
construção discursiva da infância (SARMENTO, 2008, p.3).
Tendo em vista as possibilidades desta pesquisa, podemos dizer que nos valemos
da metodologia da pesquisa de abordagem histórico-cultural para buscar compreender
como as crianças se relacionam com o livro ilustrado. Sobre a perspectiva histórico-
cultural, Freitas (2010, p. 9), aponta que é preciso:
[...] compreender a pesquisa nas ciências humanas como uma relação
entre sujeitos possibilitada pela linguagem, relação essa provocadora
de mútuas transformações em seus integrantes. A situação de pesquisa torna-se dessa forma uma produção de linguagem e uma esfera social
de circulação de discursos, portanto, se apresenta como espaço de
comunicação e constituição de sujeitos. Se pensarmos essa pesquisa no ambiente escolar, no trabalho com alunos e professores é possível
ainda considerá-la como um espaço de formação.
Esta pesquisa se configurou como um desafio desde a entrada no campo, quando
foi preciso realizar o duplo movimento já descrito, e ao longo de todos o processo até a
escrita do texto. Foi preciso ir ajustando os procedimentos metodológicos para
compreender como as crianças da Educação Infantil leêm o livro ilustrado em situação
escolar. O foco da pesquisa devia ser nas crianças, nas suas interações, nos diálogos,
silêncios, olhares, gestos.
As crianças precisaram explorar os instrumentos utilizados para produção do
material de pesquisa: era comum vê-las, no início, observando a câmera de filmar e/ou
de fotografar, fazendo caretas para a lente, olhando através da tela. Foi preciso permitir
que se aproximassem, explicar os cuidados necessários para, aos poucos, esses objetos
passarem a compor o cenário, não chamando tanto a atenção delas.
Além disso, aqueles que antes me reconheciam como uma professora no grupo,
passaram a se referir a mim como “Carol pesquisadora” e, sempre que me viam fazendo
anotações no caderno de campo perguntavam: “Você está fazendo pesquisa?” ou “O que
você está pesquisando aí?”.
Foram inúmeras as situações em que as crianças me convocavam para tomar
parte da rotina do grupo, em geral quando encontravam algum inseto no pátio,
associando a pesquisa às ciências naturais, especificamente.
A preocupação em fazer com que esses meninos e meninas participassem mais
desta pesquisa, me levou a propor, que cada um deles escolhesse o modo como gostaria
de ser nomeado, como um código que só seria reconhecido internamente, entre as
crianças e adultos que vivenciaram aqueles momentos. Em princípio, elas sugeriam
nomes de personagens de desenhos animados, filmes infantis e/ ou brinquedos, ambos
produções culturais direcionadas a essa faixa etária.
Paulo: — Ben 10!
Clarice: — Joaninha.
Luana: — Fada!
Rafael: — Vampiro!
(Caderno de Campo, 22/09/2013)
Com isso, foi preciso explicar que se tratava de uma pesquisa da universidade e,
que não cabia ali o uso de nomes já conhecidos nos filmes e personagens de desenhos,
embora compreendesse que, no imaginário de cada uma delas, a proposta era ser o que
desejasse. Em uma segunda rodada de escolhas, uma das professoras disse: “Eu quero
me chamar...” e disse um nome próprio, de sua vontade. Essa foi a “deixa” para que as
crianças compreendessem a proposta e começassem a fazer as suas escolhas também.
Logo, cada uma delas tinha um nome de sua preferência e, ao me despedir do
grupo neste dia, uma menina lançou um desafio: “Como é que eu me chamo mesmo?”.
Entendi a brincadeira e embarquei nela, chamando-a pelo nome que acabara de escolher
Fotografia 2 Fotografia 1
para si, como sujeito da pesquisa que eu estava realizando com ela e seus companheiros
de turma. A brincadeira se propagou entre os demais e, logo estava eu envolvida em
lembrar o nome de cada uma delas! Arrumo meu material e me despeço da turma,
chamando uma por uma pelo nome que escolheram. As crianças olham para mim,
contentes com a brincadeira, sorrindo e acenando com a mão, dando abraços calorosos,
beijos afetuosos...
Já na porta, me despeço de um menino que antes tinha dito que queria ser
chamado pelo verdadeiro nome mesmo. Conforme registrado no caderno de campo,
quando eu já estava quase saindo, ele me disse que queria ser chamado por Marcelo:
Marcelo: Eu sou... (pausa) eu vou ser... (breve pausa) Marcelo!
Pesquisadora: Tchau, Marcelo! Retorno e abro a página do caderno de campo, anoto o nome que ele acabara
de escolher e me despeço. Ele retribui acenando e sorrindo.
(Caderno de Campo, 27/09/2013)
Após esse episódio, as crianças passaram a propor esse jogo sempre que eu
chegava. E, logo o que era uma brincadeira entre nós, saiu do âmbito do grupo e passou
a se conhecido também em casa, por algumas famílias. Com isso, a intenção de
preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa, acabou comprometida e optei por
escolher, eu mesma, os nomes fictícios.
Se a pesquisa com crianças exigiu me colocar no duplo lugar de observador
participante e de participante observador, não foi diferente a postura junto às colegas
professoras da turma. As duas professoras da turma pesquisada, durante todo o período
em que estive no campo, se posicionaram diante da pesquisa de forma ativa e
interessada, apontando questões acerca de sua própria prática, seu papel ético e político,
e das relações que as crianças estabelecem com e a partir da leitura literária. O interesse
pela pesquisa fez com que questionassem práticas institucionalizadas na/ pela escola e,
inclusive, que propusessem reflexões ao grupo de professores. Elas se mobilizaram
frente à pesquisa, quiseram saber mais sobre o livro ilustrado, conhecer mais sobre
literatura infantil, ficaram mais curiosas em relação às produções infantis e suas
reflexões chegaram aos outros professores. Foi possível observar que os processos de
reflexão instaurados apontaram algumas mudanças nos sujeitos envolvidos direta e
indiretamente com a pesquisa.
O percurso que a pesquisa seguiu se aproxima dos sentidos trazidos por Freitas
(2010, p. 10) para a palavra intervenção. Segundo a autora, a intervenção na abordagem
de pesquisa histórico-cultural, pode ser entendida como “mudança no processo”,
“transformação”, “re-significação dos pesquisados e do pesquisador”, “compreensão
ativa”, uma vez eu centra-se no processo, na relação entre sujeitos de forma dialógica,
provocando compreensão ativa, geradora de respostas, de contrapalavras.
No item a seguir apresento os procedimentos metodológicos utilizados para
registrar os dados produzidos nesta pesquisa.
1.3 Limites e possibilidades da pesquisa – procedimentos metodológicos
Neste item apresento as escolhas metodológicas da pesquisa, apontando os
caminhos escolhidos à produção do material empírico.
A pesquisa de campo foi realizada nos meses de março a setembro, sendo que
nos meses de março e abril, já com a autorização da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-
Graduação, aguardei autorização da diretora-geral do Campus Realengo I para começar
a pesquisa de campo. Entrei no campo em maio, com uma interrupção no período de
férias no mês de julho e retomei em agosto, até o final de setembro.
Antes de entrar no campo, com o consentimento tanto dos adultos - após
solicitação formal requerida ao setor responsável pela autorização de atividade de
pesquisa no Colégio Pedro II, seguida de uma reunião formal com as diretoras e
coordenadora pedagógica e, conversa informal e entrevista narrativa, com as duas
professoras da turma de Educação Infantil observada, com o intuito de justificar os
objetivos da pesquisa, apresentar e coletar assinaturas do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido; quanto das crianças – na entrada e ao longo da pesquisa.
Como pesquisadora, observadora participante, tinha como objetivo
compreender como as crianças interagiam com o livro ilustrado, com e a partir da
leitura mediada das professoras. Para isso, entrava no mesmo horário, junto com a
turma e participava das atividades realizadas em sala. Minha observação se limitava a
acompanhar o grupo enquanto estivessem na companhia das professoras da Educação
Infantil, pois quando estavam em atividades correspondentes aos demais componentes
curriculares, tais como: Educação Física, Música, Artes e Informática Educativa, foi
acertado junto a diretora-geral do campus, na ocasião da reunião citada anteriormente,
que não faria.
Ao longo do período que realizei a pesquisa de campo pude observar,
compreender e registrar em áudio, vídeo, fotografia e caderno de campo, a cultura do
grupo pesquisado enquanto
Parte de um contexto repleto de significados, que por sua vez estão
inseridos no universo cultural que também deve ser pesquisado.
Entendemos cultura como processo de construção onde estão inseridas as visões de mundo, os estilos, as histórias, as expressões e
os símbolos usados por um grupo, ou seja, seus conceitos e
conhecimentos que são transmitidos às novas gerações (TEZANI, 2004, p.9).
Aliado à observação participante ou “participação observante” (FERREIRA,
2010), utilizei como estratégia metodológica conversas informais tanto com as
professoras, quanto com as crianças, com a intenção de conhecer, por meio dos
enunciados proferidos pelos sujeitos desta pesquisa, seus modos de pensar, ver e
transver (BARROS, 1997, p. 75) a leitura literária na escola. Além disso, realizei
entrevistas narrativas com as professoras, de modo a conhecer suas experiências com a
literatura infantil. De maneira bem informal, pedi que falassem sobre sua formação
profissional, acadêmica e a relação com a literatura infantil.
Durante o período em que estive no campo, fui organizando material produzido,
seguindo alguns critérios: tema, tipo de registro (áudio, vídeo, fotos), possíveis objetos
de análise, entre outros, uma vez que tinha muitos dados a serem revisitados
posteriormente. E foi justamente em função da quantidade de material produzido, após o
término da pesquisa de campo, me dediquei apenas à transcrição dos registros em áudio
e vídeo que traziam a leitura com e a partir do livro ilustrado, uma vez que esse era o
objetivo deste trabalho. Optei por fazer eu mesma as transcrições, já que o que estava
em jogo era observar e registrar não só as falas dos sujeitos da pesquisa, mas
especialmente, entonações, gestos, silêncios, além do que estava no extra-campo da
câmera, da relação entre as crianças, as professoras e o livro ilustrado.
A proposta inicial da pesquisa de campo era realizar uma atividade propositiva:
primeiro, faríamos alguns encontros com as professoras, com o objetivo de trazer
algumas referências teóricas acerca do livro ilustrado e pensar o trabalho com as
crianças; em seguida, eu faria oficinas de leitura com as crianças. Entretanto, na
conversa inicial que realizei com as professoras, explicitando os objetivos da pesquisa,
pude perceber que, embora elas não conhecessem as referências teóricas, demonstravam
conhecer muitos livros ilustrados e tinham uma visão dialógica da leitura de narrativas
verbo-visuais. Desse modo, em diálogo com a orientadora desta dissertação, mudei os
rumos do trabalho, por entender que as próprias professoras é que deveriam ler com e
para as crianças e, com isso, tornarem-se sujeitos da pesquisa. Partindo do pressuposto
de que as professoras também eram sujeitos da pesquisa, propus selecionar, juntas, os
livros que seriam lidos, segundo critérios explicitados no item a seguir.
1.4 Livros ilustrados: critérios de escolha
Iniciamos a escolha realizando uma pesquisa de obras que fazem parte da
categoria livros ilustrados que foram premiadas pela Fundação Nacional do Livro
Infantil e Juvenil (FNILJ) e que também foram adquiridas pelo Ministério da Educação
(MEC) para compor o acervo de obras literárias do PNBE nos últimos dez anos (2003-
2013). Este percurso teve como finalidade garantir a qualidade das obras escolhidas e
nesta perspectiva, também nos baseamos nos critérios explicitados por Andrade e
Corsino (2005, p. 80), a saber: elaboração literária, pertinência temática, qualidade da
ilustração e adequação do projeto gráfico editorial, que apoiam-se teoricamente na
teoria da linguagem proposta por Bakhtin, com ênfase nos conceitos de polifonia e de
gênero discursivo. E também cotejamos os estudos acerca da relação entre texto e
imagem, ilustração e projeto gráfico de Belmiro, Camargo, Linden, Nikolajeva & Scott,
Oliveira, Ramos, como já apresentados anteriormente.
Esta primeira varredura nos levou a desconsiderar os livros que, embora possuam
ilustrações não supunham uma interrelação entre texto verbal e visual, como apontam
Nikolajeva & Scott e Linden (2011). Com isso, reduzimos significativamente a
quantidade de obras literárias.
Antes de iniciar a observação do grupo pesquisado, tive a oportunidade de me
reunir com as professoras da turma com o intuito de explicitar os objetivos da pesquisa
e inseri-las na proposta de leitura de livros ilustrados para e com as crianças. Neste
primeiro contato, levei uma lista de títulos selecionados previamente e alguns dos livros
para que elas os conhecessem, discutissem suas características e escolhessem quais
deles gostariam de ler para e com as crianças.
Após esse momento inicial, fomos até a Sala de Leitura da Educação Infantil e
buscamos outras obras da lista. Alguns deles fizeram parte do acervo da Ciranda
Literária da turma pesquisada no ano anterior, em 2012, e outras já haviam sido lidas
para as crianças em outras oportunidades. Em função disso, algumas obras foram
descartadas pelas professoras. Em seguida, as professoras leram os títulos que restaram
daqueles que compunham a seleção (Quadro 1).
Quadro 1– Seleção de livros ilustrados segundo categoria da FNLIJ e PNBE- 2003-
2013.
Fonte: site da FNLIJ e do FNDE
A partir daí, em função de critérios das professoras, que consideravam “as
ilustrações e o texto verbal”, elementos que “despertassem sentimentos” e, ainda, que
pudessem “chamar a atenção das crianças”, elas selecionaram quatro livros: “Onde
vivem os monstros” que não tinha na escola e, os demais, compunham o acervo da Sala
de Leitura, a saber: “Pedro e Lua”, “O menino, o cachorro” e “Raposa”. Destes, apenas
“Onde vivem os monstros” não fazia parte do acervo de obras escolhidas para o PNBE.
Entretanto, por tratar-se de uma obra de referência nos estudos que têm como objeto o
livro ilustrado, mantivemos este título.
No item a seguir apresento as contribuições de Bakhtin e Benjamin que sustentam
as concepções de linguagem e de sujeito, assim como questões metodológicas de
pesquisa.
1.5 Contribuições da filosofia da linguagem em Bakhtin e Benjamin
Neste item apresento pressupostos teóricos que serviram de alicerce à análise dos
livros ilustrados bem como dos eventos produzidos no campo empírico. Foi no diálogo
4 EF – Ensino Fundamental
Título Categoria/ ano
FNLIJ PNBE
1 A princesinha medrosa
Criança/ 2003
Séries Iniciais do EF4/ 2010 Melhor ilustração/ 2003
2 Raposa Tradução e adaptação Criança/ 2006 Séries Iniciais do EF/ 2006
3 O menino, o cachorro Criança/ 2007 EI - 4 e 5 anos/ 2010
4 Onda Imagem/ 2010 EI - 4 e 5 anos/ 2010
5 Onde vivem os monstros Especial Tradução Criança/ 2010 -
6 Pedro e Lua Criança/ 2005 Séries Iniciais do EF/ 2005
profícuo com o pensamento filosófico de Bakhtin e Benjamin, que nos apoiamos para
traçar as concepções de linguagem que perpassam toda nossa viagem literária por entre
palavras e imagens.
Esta pesquisa insere-se na produção de conhecimentos em Ciências Humanas, de
abordagem qualitativa cujo objetivo principal é conhecer e analisar as relações que as
crianças da Educação Infantil do Colégio Pedro II estabelecem com e a partir da leitura
do livro ilustrado na escola. Com isso, pretendemos conhecer esse outro, fazendo desse
trabalho um campo de descobertas, acontecimentos que se dão na/ pela interação com o
outro. As perguntas que perseguimos ao longo deste trabalho, seus pontos de visada,
escolhas teóricas e metodológicas, nos levaram a respostas e acabamentos situados.
Para Bakhtin (2011, p. 395) “o objeto das ciências humanas é o ser expressivo e
falante” e “o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico” (idem, p. 400). A
filosofia da linguagem bakhtiniana baseia-se na perspectiva de unicidade do ser,
produtor de eventos irrepetíveis. Entretanto, é na interação com o outro que se dá essa
relação. Segundo o autor, somos sujeitos sociais, situados historicamente e nos
constituímos na e pela linguagem.
O conceito bakhtiniano de excedente de visão contribui para olhar o material
produzido no campo empírico e analisá-lo a partir do lugar de pesquisadora que ora
ocupo. Segundo o autor, o eu ocupa um lugar marcado e construído pela interação com
o outro, mas, ao mesmo tempo, essa posição é singular e específica e, portanto, é na
relação com o outro que nos constituímos. Neste sentido, para Bakhtin (2011, p. 45):
Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois,
de volta ao meu lugar, completar seu horizonte com tudo que se
descobre do lugar que ocupo fora dele; devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que o acabe, mediante o excedente da minha visão, de meu
saber, de meu desejo e de meu sentimento.
A noção de “excedente de visão” é fundamental para entender a constituição do
sujeito bakhtiniano. Em outras palavras, podemos dizer que para Bakhtin o
reconhecimento de si se dá pelo reconhecimento do outro e de si próprio. Isso significa
admitir que a subjetividade constrói-se a partir de relações com a alteridade, mas não se
fecham nela. Ou seja,
[...] por mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre verei e
saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim e à minha frente, não pode ver; [...] o mundo ao qual ele dá as
costas, toda uma série de objetos e de relações que, em função da
respectiva relação em que podemos situar-nos, são acessíveis a mim e
inacessíveis a ele. Quando estamos nos olhando, dois mundos diferentes se refletem na pupila dos nossos olhos (BAKHTIN, 2011,
p. 43).
O conceito de excedente de visão está relacionado à exotopia, lugar único,
singular que cada sujeito ocupa e de onde responde. Significa desdobramento de
olhares, lugar esse que permite que se veja do sujeito algo que ele próprio nunca pode
ver. Ao assumir a exotopia como perspectiva nos propomos a olhar e ver o outro
estranhando o que é familiar e nos recolocando no campo, do lugar de pesquisador, indo
de encontro ao que Bakhtin (2011, P. 21) afirma:
Quando contemplo um homem situado fora de mim, nossos horizontes
concretos, tais como são vividos por nós dois, não coincidem. Por
mais perto de mim que possa estar esse outro, sempre ver e saberei algo que ele próprio, na posição que ocupa, e que o situa fora de mim
e a minha frente, não pode ver.
Além de Bakhtin, trago como principal interlocutor desta pesquisa Benjamin,
cujas formulações teóricas servirão de suporte para analisarmos a complexidade das
experiências das crianças, enquanto sujeitos históricos, produzidas e produtoras de
cultura, inseridas no mundo contemporâneo em permanente transformação e, que se
constituem na e pela linguagem.
Crítico da Modernidade, Benjamin supõe pensar a linguagem sob uma
perspectiva histórica e, embora suas palavras dirijam-se a um outro tempo, sua produção
teórica aponta para questões de nosso tempo e oferece pistas metodológicas para “que
possamos compreender a experiência da infância” na contemporaneidade a partir da
ideia de que esta se constitui como “um pequeno mundo próprio inserido num mundo
maior”, na medida sem que as crianças criam para si um pequeno mundo de coisas
(PEREIRA, 2012,p.27-28).
Segundo Pereira (2012), o desafio da pesquisa está em considerá-la como
fragmento de um universo muito mais amplo, onde as “pequenas questões são
entendidas como estilhaços de grandes e complexas questões” (p.28-29).
As contribuições de Benjamin para pensar na dimensão ética e estética da
produção de conhecimento e, coleção e mosaico.
Pereira (2012), dialogando com Benjamin, considera a constelação como uma
elaboração exclusiva em que “cada estrelas e apresenta (...) como parte integrante de
uma imagem “enquanto elaboração poética posto que:
A constelação, enquanto realidade física, não existe; o que existe são
as estrelas. (...) cada estrela, embora única, ganha significação não no
seu isolamento, mas no desenho que produz na relação com as demais estrelas (p.33).
Para a autora, a coleção é vista por Benjamin a partir da ideia de que os objetos
colecionados são, ao mesmo tempo, iguais e diferentes entre si:
Cada objeto tem sua história e seu valor, mas é no contexto da relação com os demais objetos que essa história e esse valor se
potencializam e se revigoram, dando a conhecer a singularidade do
objeto. A coleção é sempre um todo acabado, delimitado pelos objetos que a compõem, e, simultaneamente, uma permanente
abertura para um objeto novo. Todo objeto tem uma história
própria e uma história vinculada à sua pertença na coleção
(grifos meus, PEREIRA, 2012, p.34).
Semelhante à configuração de constelação e coleção, está o conceito de
mosaico, à medida que “cada pequeno fragmento altera sua significação conforme a
justaposição que assume face às demais peças” (ibid idem, p.34).
Entendendo que esses conceitos ajudam a pensar numa metodologia de pesquisa
na qual as experiências cotidianas, organizadas em eventos de pesquisa, possam ser
recortadas e reorganizadas lado a lado para compor novas coleções, constelações ou
mosaicos. As escolhas e ordenações obedecem a critérios provisórios.
Além destes conceitos, na busca pela construção de uma metodologia que leve
em consideração a dinâmica social em constante movimento, Benjamin constrói o
pensamento de ideias que, ao mesmo tempo, se opõem e se complementam, ao tratar do
movimento de imersão e montagem. O primeiro é “um trabalho quase mimético, em
que se busca a percepção, sem mediações, do fragmento, interessando aquilo que ele
pode contar de si(...), de seu conteúdo material”.
O segundo - a montagem -, por sua vez, busca compreender o que “esse
conteúdo reverbera no todo (...) que pretende compor” e, nesse caso, estão em jogo as
relações que o fragmento adquire (ibid idem, p.36). Dessa maneira, é possível
recontextualizar os fragmentos, eventos de pesquisa, de forma a produzir novos
significados a partir das relações entre eles.
Foi opção, desta pesquisa, escolher os eventos de leitura do livro ilustrado de
modo a atender aos objetivos deste trabalho. E o modo como os fragmentos foram
organizados faz sentido na tessitura por palavras e imagens.
No próximo capítulo, aportamos em um breve histórico da relação entre texto
escrito e ilustração na literatura infantil, percorrendo as contribuições da pintura à
ilustração, até chegar à literatura infantil contemporânea e ao livro ilustrado.
2. PONTOS DE PARTIDA: UMA BREVE HISTÓRIA DO LIVRO INFANTIL
Nesse mundo permeável, adornado de cores, onde a cada passo as coisas mudam de lugar a criança é
recebida como companheira. Fantasiada, com todas as
cores que capta lendo e vendo, a criança entra no meio
de uma mascarada e também participa dela (BENJAMIN, 1984, p. 55)
Neste capítulo, pretendemos continuar nossas viagens literárias por um breve
histórico da relação entre texto escrito e ilustração5 na literatura infantil, percorrendo as
contribuições da pintura à arte de ilustrar, até chegar à literatura infantil contemporânea
e ao livro ilustrado.
A partir da epígrafe, com as palavras de Benjamin acerca do livro infantil e do
universo multicor produzido pelas ilustrações, podemos perceber a potência criadora do
imaginário infantil e a capacidade das crianças de entrar na narrativa e tomar parte dela,
fantasiando ser a personagem da história, tornando-se mais uma dentre as demais, o que
se dá também pela imagem, pelo que “capta lendo e vendo”.
A literatura infantil nasceu no início do século XVIII com objetivos
explicitamente pedagógicos, em um período de ascensão da classe burguesa, que
começava a distinguir a infância enquanto categoria distinta do adulto. Conforme Lajolo
(2004) é preciso compreender que a literatura infantil surge
no momento em que a sociedade (através da escola) necessitou dela
para burilar e fazer cintilar, nas dobras da persuasão retórica e no
cristal das sonoridades poéticas, as lições de moral e bons costumes que, pelas mãos de Perrault, as crianças do mundo moderno
começaram a aprender (p.22).
Zilberman (2003, p. 34) acrescenta que, além de surgir a partir da ascensão da
burguesia e do reconhecimento da infância enquanto categoria social, a reorganização
da escola em função da necessidade de atender aos filhos dos trabalhadores da classe
operária também contribuiu para que a literatura infantil tivesse estreita relação com a
pedagogia, obtendo também uma intenção moralizante, de maneira que “o novo gênero
careceu de imediato de estatuto artístico, sendo-lhe negado a partir de então um
reconhecimento de valor estético”.
5 As ilustrações que se entrelaçam com o percurso traçado pelo autor foram recolhidas do site de buscas
do Google.
Benjamin (1984), ao se debruçar sobre as obras literárias da coleção de
Hobrecker, datadas do início do século XVIII, traça um percurso histórico dos livros
infantis, fazendo duras críticas ao caráter moralista e vazio de significados que as
primeiras obras dedicadas às crianças traziam. No inicio do século XX, o autor discute a
permanência de equívocos no tratamento dado pelos adultos aos livros destinados às
crianças e afirma que pouco havia avançado no sentido de reconhecer que a “criança
exige do adulto uma representação clara e compreensível, mas não ‘infantil’” (p. 50).
Desde os primórdios do livro infantil, a ilustração esteve presente. A proposta de
apresentar imagens visuais é uma característica observada, por exemplo, na
enciclopédia ilustrada, também conhecida como Orbis pictus, de Amos Comenius, de
1658, e no Elementrwerk (Obra elementar) de Basedow e, destacado por Benjamin, a
obra Bilder-buch für Kinder (Livro de gravuras para crianças), surgida posteriormente,
em 1792.
As ilustrações nos primeiros livros infantis contribuem para esclarecer as
informações que se intenta transmitir às crianças. O cunho moralizante e/ ou
informativo dos primeiros livros direcionados ao público infantil é apontado por
Benjamin (1984, p. 50) que vê na ilustração o elemento de salvação. Entretanto, o que
representava a ponte entre a criança e o artista, subvertendo a ordem e o controle
pedagogizantes, segundo o autor, ganha contornos que não correspondem aos interesses
infantis, mas às concepções distorcidas que se têm delas.
Ilustração 1
Ilustração 2
Oliveira (2006, p. 9), ao discutir as características da arte de ilustrar e seu caráter
narrativo, que só faz sentido dentro do livro, no passar de suas páginas, vai distinguir o
que é ilustração dos “bonequinhos” que ele classifica como “doces de coco”. A esse tipo
de ilustração, que ele classifica como apetitosas e açucaradas, bastante aceitas como
infantis, oculta-se uma outra face, “nauseante e repetitiva”. Segundo o autor, “narrar
para e se comunicar com a criança são os requisitos básicos da arte de ilustrar”
(Oliveira, 2009, p. 39).
A literatura infantil nasce com uma marca conservadora e moralizante.
Entretanto, a produção contemporânea têm apontado possibilidades de rompimento com
esta visão, subvertendo e transformando a relação das crianças na/ com/ pela leitura
literária. A literatura infantil, ao se libertar do caráter moralizante, pode ser considerada
arte da palavra. E como a ilustração se consolidou ao longo de sua história como um
elemento fundamental, que traz outros sentidos além dos produzidos pelo texto verbal,
pode-se pensar numa produção artística que conjuga texto verbal e imagético.
Oliveira (2009) considera as imagens de uma ilustração uma compreensão dos
significados construídos pelo ilustrador em relação ao texto verbal e, portanto, como
povoada de muitos sentidos, que são dados a ver ao leitor. Entretanto, a ilustração se
constrói na travessia, entre o olhar da criança e o livro, se constitui no espaço entre as
palavras, que é indefinido. A polissemia das imagens permite “leituras paralelas, portas
secretas para que as crianças possam transpor e realizar plenamente sua própria
imaginação, criação e fantasia” (OLIVEIRA, 2009, p. 50).
Assim como as demais expressões artísticas, a arte de ilustrar teve influências e,
Oliveira (2008, 2009) nos ajuda a compreender as contribuições da pintura à ilustração.
Segundo o autor, pesquisador e ilustrador de livros para crianças e jovens, cuja
produção literária volta-se também para os estudos teóricos da arte de ilustrar, o ato de
criação da ilustração está sempre relacionado com o texto literário e sua condição de
existência dentro de um livro. Desse modo, propõe uma viagem histórica pela trajetória
da ilustração, influenciada por movimentos artísticos do século XIX, desde a era
vitoriana, período no qual os processos de captura e reprodução de imagens
encontravam-se em franco desenvolvimento até a década de 1930, período em que “a
ilustração de livros se individualiza como arte” (OLIVEIRA, 2009, p.12).
Embora a publicação de livros para crianças anteceda o período vitoriano, na
Inglaterra do século XIX, algumas premissas levam o autor a estabelecer esse recorte
temporal. A primeira delas diz respeito ao processo de industrialização que interferiu no
fato de que o livro para crianças, como hoje em dia conhecemos, tanto do ponto de vista
gráfico quanto conceitual, se popularizou na Europa neste período. Já a segunda, trata
deste período como precursor no estabelecimento de códigos e convenções em sua
linguagem visual que permanecem até a atualidade. O terceiro aspecto diz respeito às
transformações sociais, uma vez que é neste momento que as crianças passam a ser
compreendidas em suas especificidades, distintas das do adulto.
Ainda em relação ao Século XIX, o autor afirma que foi quando a capacidade de
reprodução de imagens ganhou uma dimensão que nunca ocorrera antes é que “foi
essencial para a consolidação do saber e do surgimento de novas linguagens, como é o
caso da ilustração de livros” (Oliveira, p.13).
Sem desconsiderar o que classifica de “alfarrábios da história da ilustração”
(idem, 2009, p. 14) o autor vai resgatar nas origens, a publicação dos primeiros contos
de fadas e, com eles, a história da ilustração que antecede o processo de reprodução dos
livros infantis do período que se dedica a estudar. Para ele, tanto as gravuras para os
Contos da Mamãe Ganso, de Perrault, datadas de 1695, quanto dos irmãos Valentin &
Orson, de 1489, assim como os dois volumes de Le Piacevoli Notti, de Francesco
Straparola, publicados em 1550 e 1553 e O conto dos Contos, de Giambattista Basile,
datado de 1634 e 1636, nos dão pistas de convenções visuais que se perpetuaram no
imaginário de crianças e jovens.
Oliveira traz alguns artistas que se destacaram por criar em um gênero de livro
denominado lítero-visual, cujas influências no que hoje denominamos livro ilustrado,
podem ser identificadas. Oliveira (2009) destaca dois ilustradores ingleses: William
Blake (1757-1827), identificado com temas bíblicos, em 1789, escreveu e desenhou
Canções da Inocência, “poemas em que palavra e imagem se entrelaçam, se
amalgamam e numa expressão única” (idem, p.15); e Edward Lear (1812-1888), um dos
Ilustração 3
pioneiros na criação de uma obra que associa desenho e poesia, influenciando Lewis
Carrol (1856-1898) ao escrever suas obras, cuja personagem principal é a menina Alice.
Nota-se nas ilustrações abaixo a coexistência de palavras e imagens no mesmo espaço,
ampliando os sentidos conferidos à obra.
Prosseguindo o mapeamento das origens da ilustração de livros para crianças e
jovens, aportamos na França, especificamente em Paris, na primeira metade do século
XIX, onde, segundo Oliveira (idem), atuou um dos mais extraordinários ilustradores
franceses, Ignace-Isidore Grandville (1803-1847), cuja obra projetou-se no século XX
através do surrealismo. A obra de Grandville carrega um hibridismo entre homem e
animal, característico da chamada fisionomia animal6, ao ilustrar, por exemplo, as tão
conhecidas fábulas de La Fontaine, mas também ao expressar as diferentes facetas do
ser humano através do que poderíamos chamar de personagens antropomórficos, em As
Metamorfoses do Dia, como podemos observar na imagem abaixo, cujas personagens-
animais assumem formas humanas, utilizando vestimentas de época e apresentam
comportamentos igualmente humanizados.
6 Sobre isso, ver Oliveira (2009, p. 16).
Ilustração 4
Ilustração 5
Ilustração 6
Retornando à ilustração inglesa, Oliveira traz um artista que dedicou-se a usar
sua arte como forma de crítica social. Trata-se de George Cruikshank que, através de
“imagens cômicas, grotescas, fantasiosas, mas profundamente expressivas e humanas,
desfilam em seus desenhos, personagens das ruas e dos subúrbios pobres de Londres”
(2009, p.16). Cartunista e ilustrador, Cruikshank também produziu imagens para
inúmeros contos clássicos.
Na ilustração acima, Cruikshank enuncia sua crítica à família real inglesa e, já
naquela época, a ilustração congregava palavras e imagens, revelando um tom
humorístico na representação do monarca.
Aportamos nas terras do Nunca Jamais, território onde destacaram-se os pintores
de Contos de Fadas, movimento artístico inglês que exerceu forte influência na arte de
ilustrar para crianças que tem como repertório o mundo ideal, mítico, povoado de fadas,
príncipes, princesas e duendes, referenciados às peças de William Shakespeare.
Segundo Oliveira (2009, p.17), essas pinturas “parecem visualizar, dar corpo às palavras
e às narrativas das velhas contadoras de histórias ao pé da lareira, cercadas de crianças”.
A obra de Richard Dadd (1817-1896), John Anster Fitzgerald (1819-1906) e Sir Joseph
Paton (1821-1901), importantes artistas e pintores da história da ilustração, construirão,
mais tarde, no princípio do século XX até o final da década de 1930, o Período de Ouro
da Ilustração de livros para crianças, que
deixou como legado toda uma cultura por
imagens que até hoje permanece.
Ilustração 7
Caminhando para a
segunda metade do século XIX, Oliveira ainda nos confronta com as obras de pintores
acadêmicos franceses, com as influências das escolas e estilos da pintura da época.
Esses artistas, também denominados pejorativamente de pompiers7,por sua dedicação à
arte de ilustrar em um espaço onde se privilegiava a pintura, são contemporâneos dos
Pré-Rafaelitas, oriundos da Inglaterra, e do movimento de pintura alemão denominado
Nazareno, dedicando-se à pintura tanto quanto à ilustração. Suas obras apresentavam
grande poder narrativo e descritivo, elementos básicos para se contar histórias visuais. É
importante marcar que, enquanto os pintores dos Contos de Fadas identificavam-se com
as narrativas orais, os Pré-Rafaelitas, aproximavam-se da narração escrita (OLIVEIRA,
2009, p.20).
Na pintura acima, intitulada, O
7 Art Pompier, na Literatura francesa significa "bombeiro Arte". Esse é um termo pejorativo para se
referir ao academicismo francês na segunda metade do século XIX, sob a influência da Academia de
Belas Artes. O termo refere-se à arte acadêmica com forte ligação às relações de poder, embora muitas
vezes utilize técnicas magistrais falsas e vazias de conteúdo. A origem do apelido é incerto: pode derivar
dos capacetes de figuras clássicas, semelhante ao capacete de um bombeiro, ou de caráter apenas
pomposo e retórico de muitas representações do tempo.
Ilustração 9
Ilustração 8
Nascimento de Vênus (1879) de William Bouguereau, vemos a deusa Vênus em meio a
essa paisagem onírica, ao centro do quadro, nua, com seus longos cabelos loiros, em
posição sensual. Vênus surge das águas, sobre uma concha. O poder narrativo e
descritivo desta imagem nos envolve e sugere o diálogo com outras pinturas, como obra
homônima de Botticelli.
Após essa breve trajetória das influências da pintura à ilustração, chegamos ao que
Oliveira (idem) denomina de portal de entrada onde nos deparamos com os três
ilustradores que, herdando todas essas influências citadas anteriormente, sintetizam, de
forma particular, o que seja uma ilustração para crianças e jovens, chegando no início
do século passado até a década de 1930. Citamos inicialmente Walter Crane (1845-
1915) que têm suas contribuições localizadas no projeto gráfico, no design do livro por
compreender o livro ilustrado enquanto
Arte sequencial, uma linguagem temporal, um passar de páginas e
manchas de texto, espaços em branco, um suceder de imagens, traços
e cores (...) objeto de arte, onde todas as partes estão interligadas harmoniosamente (OLIVEIRA, 2009, p.22).
Na imagem abaixo, percebemos que alguns recursos bastante utilizados nos
livros contemporâneos já estavam presentes nas obras do ilustrador Walter Crane, por
exemplo, a inter-relação da linguagem verbal e visual, o recurso da página dupla, entre
outros.
Ilustração 10
Eleanor Vere Boyle (1825-1916) é outro artista que atua na transição do
imaginário visual utilizado pelos pintores de Contos de Fadas para o universo da
ilustração para crianças. Fechamos essa tríade, com Richard Doyle (1824-1883), artista
que “congrega em sua obra todo um repertório de imagens repletas de situações diversas
com elfos, duendes, príncipes e princesas” (idem, p.22). A ilustração de Doyle, trazida
abaixo, representa a relação de coerência necessária ao livro infantil, com e a partir dele
o leitor amplia sua relação com o texto e com o próprio objeto livro. As imagens
suscitam uma infinidade de sentidos que são produzidos entre o texto verbal e visual.
Camargo (2013) contribui com esse diálogo ao afirmar que “a ilustração é uma imagem
que acompanha um texto e não seu substituto” e completa dizendo que “a relação entre
ilustração e texto não é de paráfrase ou tradução, mas de coerência” ampliando as
possibilidades de convergência com o texto.
Muitos outros artistas poderiam aqui ser citados, como referência de estilos
diferentes e servir de ponto de partida para pensar a produção contemporânea. De fato a
inter-relação entre palavras e imagens já estava presente em produções de outras épocas
e influenciaram o modo como a ilustração é pensada atualmente, como é o caso do livro
ilustrado. As referências trazidas servem como ponte que levam a pensar as produções
contemporâneas e, em especial, o livro ilustrado. Diante de tantas influências, o que
distingue o livro ilustrado das demais produções contemporâneas? Quais as
características que definem o que é livro ilustrado?
Ilustração 11
2.1 Literatura infantil contemporânea - o livro ilustrado
Parreira (2008, p.40) considera que “uma obra literária pode servir como
entretenimento e como uma ponte para crianças e aproximar de seu imaginário, de seu
mundo interno, pelas imagens que proporciona e pelas que evoca no leitor”. Tomando a
ideia de arte literária como ponte, na sessão a seguir, busco traçar um elo de ligação
entre as influências da pintura para compreendermos o quanto estas inspiraram
produção do livro ilustrado contemporâneo. Tecemos a costura desta história, indo ao
encontro do livro ilustrado, produção literária cuja história ainda está por ser escrita.
Para Linden (2011, p. 24) o livro ilustrado é
uma forma de expressão que traz a interação de textos (que podem ser
subjacentes) e imagens (espacialmente preponderantes) no âmbito de um suporte, caracterizada por uma livre organização da página dupla,
pela diversidade de produções materiais e por um encadeamento
fluido e coerente de página para página.
O conceito de livro ilustrado parece amplo, indefinido, cabendo uma infinidade
de tipo e formatos, escapando a qualquer tipo de classificação, o que supõe uma leitura
que acompanhe a multiplicidade de possibilidades de seu suporte. Linden (idem, p. 157)
aponta ainda que a diversidade e flexibilidade desta produção “contrariam as tentativas
de modelização de seus princípios”.
Assim como Linden (2011), Moraes, Hanning e Paraguassú (2012, p. 9)
apontam que a diferença entre um livro ilustrado e um livro com algumas ilustrações
está justamente no que eles não são. Pode parecer estranho, mas para os autores, “seus
extremos não são difíceis de apontar, pois uma obra cuja ilustração apareça só na capa
não deve ser chamada de livro ilustrado, e um livro com a narrativa construída só com
imagens é claramente um livro ilustrado.” Portanto, o livro ilustrado é justamente o que
está “entre esses dois termos”. Nikolajeva & Scott (2011, p. 13) apontam para o que
denominam de “caráter ímpar dos livros ilustrados como forma de arte”. Para as
autoras, este tipo de produção “baseia-se em combinar dois níveis de comunicação, o
visual e o verbal.” Belmiro (2014, p. 1) também discute a enorme variedade de
propostas e tendências abarcadas pelo conceito de livro de ilustrado. Segundo a autora,
a interdependência entre a linguagem verbal e visual “é que constitui a natureza própria
desse gênero”.
Linden (2011, p. 11) acrescenta:
o códex, formato do livro tal como conhecemos hoje (…) é um
suporte que foi concebido para abrigar um texto verbal escrito. O livro
ilustrado, pelo contrário, apresenta predominância de imagens. Dos
primeiros aos contemporâneos, o lugar, o status e a função da imagem passaram por inúmeras evoluções.
Os estudos mostram que a materialidade do livro, no caso do livro ilustrado,
aponta para uma narrativa aberta, onde cabem diferentes e múltiplos sentidos e de onde
falam/ dialogam diversas vozes e, portanto, cabe um sem número de leituras. Bourdieu
afirma que “quando o livro permanece e o mundo em torno dele muda, o livro muda”,
pois o universo dos leitores mudou (BOURDIEU & CHARTIER, 1996, p. 250). No
momento da leitura, o leitor se constitui, se identifica, se recria, interagindo com o texto
e o contexto em que se encontra. Os universos do leitor, do texto e do autor dialogam.
Por isso, as relações entre o escrito, o ilustrado e o lido produzem sentidos plurais.
Como já exposto anteriormente, a xilogravura sucedida pela litografia,
representou um avanço na impressão de textos e imagens nos livros infantis. Em 1835,
em Genebra, Rodolphe Töpffer recorre à litografia para produzir imagens
acompanhadas de textos manuscritos. Dezoito anos mais tarde, na Alemanha, Heinrich
Hoffmann promove um diálogo entre narrativa verbal e os desenhos em João Felpudo.
Com o objetivo de criar uma narrativa que se distanciasse dos objetivos moralizantes da
época, mas incorrendo no mesmo equívoco ao criar a personagem bizarra. João Felpudo
não gostava de tomar banho, nem cortar as unhas e o cabelo e, como consequência, não
tinha companhia para brincar. Para ser aceito e ter amigos, resolve deixar de ser o João
Felpudo, para ser somente o João.
Ilustração 12
A tradução do texto verbal, feito pela autora Angela Lago na ultima reedição do
livro, expressa o sentimento de repulsa das personagens e, as imagens criam uma
criatura sinistra, ampliando a ideia que se pretende criar para o menino, como podemos
observar a seguir:
Olha pra ele! Olha só!
Cabelo e mãos de dar dó.
As unhas nunca cortou,
cor de carvão, um horror! Água? Nunca! Ô fedor!
E cada dia é pior!
Qualquer coisa é melhor que esse João Catimbó.
O desenvolvimento das técnicas de impressão reuniu os caracteres topográficos
e imagens na mesma página, possibilitando a produção em maior escala dos livros,
caminhando para a elaboração do que viriam ser os primeiros livros ilustrados a partir
de 1860, como é o caso do O dia da senhorita Lili, título francês de Hetzel8, publicado
em 1962. Outros tantos autoresilustradores produziram obras que mereceriam destaque,
dentro do contexto europeu. Mas o inventor do livro ilustrado moderno, ao entrelaçar
textos e imagens cujo sentido se revela complementar, concebendo uma engenhosa
justaposição de ambos, segundo Maurice Sendak, também autor e ilustrador de
referência, é Randolph Caldecott9.
Em 1919, Edy-Legrand publica Macao e Cosmage, consagrando a inversão da
predominância da imagem sobre o texto no livro com ilustração, anunciando o que o
pesquisador Michel Defourny afirma ser o livro ilustrado contemporâneo infantil. No
8 Pseudônimo do editor Lorentz Frölich. 9 Caldecott, Randolph. A casa que Jack construiu. Nova Iorque: George Routledge & Sons, 1978. (1ª
edição de 1878).
Ilustração 16
Ilustração 13
ano seguinte, com a série de aventuras do pássaro Gedeão, Benjamin Rabier “trabalha
em particular a diagramação, organizando espacial e semanticamente a disposição das
vinhetas e dos textos em função da expressão escolhida” e, dessa forma, “o espaço da
página recria um espaço fictício” (Oliveira, 2006, p. 15).
Ampliando as possibilidades que o livro ilustrado pode oferecer, enquanto
suporte, Jean de Brunhoff, autor de A história de Babar, publicado em 1931, estabelece
uma relação entre imagens e textos sobre o suporte, legitimando a página dupla como
espaço narrativo, encadeado de forma coerente nas páginas do livro.
Nos anos compreendidos entre 1950-60, Robert Delpire, publicitário e editor de
arte, dedica-se a ampliar o espaço e o status da imagem dentro do livro, levando em
consideração a materialidade deste e o cuidado dispensado ao conjunto de seus
componentes, incluindo aí a tipografia, anunciando a importância do aspecto visual nos
livros ilustrados contemporâneos, como é o caso de Onde vivem os monstros,
considerada a obra-prima de Maurice Sendak, introduzindo uma nova concepção da
imagem, que permite a representação do inconsciente infantil (LINDEN, 2011, p. 17).
Ilustração 15
Ilustração 14
Todavia, em função das inúmeras alterações que esse tipo de produção propicia
nos anos seguintes, é possível observar o rompimento das imagens com a
funcionalidade pedagógica, a qual a literatura infantil originalmente relacionava-se de
maneira intrínseca.
De acordo com Linden (2011), entre os anos 1970-80, na Europa, pequenas
editoras começam a explorar novos caminhos para o livro ilustrado, multiplicando
livros-imagem. Na década seguinte, iniciativas editoriais inovadoras caminham em
busca da concepção do livro ilustrado contemporâneo em sua amplitude, adaptando as
mensagens linguísticas às representações plásticas de estilo gráfico inusitado e, ainda,
com conteúdos que percorrem do humor, às narrativas minimalistas perpassando as
sutilezas de temas abordados. Na mesma época são elaboradas produções que se
diferenciam por sua forte preocupação visual e profunda filiação artística, como é o caso
das obras de Kveta Pacovská, entre outras.
Ilustração 16
Ilustração 17
Ao evocar duas linguagens: o texto e a imagem, propondo uma significação
articulada de ambas, a leitura do livro ilustrado supõe a apreensão conjunta do que está
escrito ao que é mostrado. Linden (2011, p 8-9), ao discutir as possibilidades de leitura
desse objeto, acrescenta
Ler um livro ilustrado é também apreciar o uso de um formato, de
enquadramentos, da relação entre capa e guardas com seu conteúdo; é
também associar representações, optar por uma ordem de leitura no
espaço da página, afinar a poesia do texto com a poesia da imagem, apreciar os silêncios de uma em relação à outra... Ler um livro
ilustrado depende certamente da formação do leitor.
Segundo Nikolajeva & Scott (2011), tem-se observado que o livro ilustrado,
muito mais do que um livro com imagens ou de imagem, apresenta a narrativa
imagético-verbal como possibilidade de que tanto as palavras quanto as imagens podem
fornecer alternativas ou, de algum modo, se contradigam, apresentando uma diversidade
de leituras e interpretações, (re) significando, inclusive, a relação entre autor/ilustrador e
projeto gráfico.
Para as autoras o conceito de livro ilustrado parte do pressuposto de que ele é
uma expressão da arte e “baseia-se em combinar dois níveis de comunicação, o visual e
o verbal e, portanto, comunicam por meio de dois conjuntos distintos de signos, o
icônico e o convencional” (idem, p.13).
Ao analisar diferentes títulos literários dedicados às crianças, assim como
Linden (2011), ambas constroem categorias que contribuem para pensarmos essa
produção literária e, no livro ilustrado em relação à
Definição de critérios para a sua classificação, residindo
principalmente a sua especificidade na relação intersemiótica
estabelecida entre as duas componentes, verbal e pictórica, que o informam – ainda que apresente um conjunto de características
externas e de índole paratextual que lhe são peculiares, e que estão
especialmente relacionadas com a edição e a composição gráfica da
publicação -, e que, numa relação articulada e complementar, produzem, em conjunto, significação (RODRIGUES, 2009, p. 2-3).
Hunt (2010, p. 234), ao afirmar que “os livros ilustrados podem desenvolver a
diferença entre ler palavras e ler imagens”, não restringindo-os segundo uma sequência
linear, podendo “orquestrar o movimento dos olhos” (idem, ibidem) acrescenta que é
justamente em função dessas possibilidades de interação verbal-visual que temos dois
argumentos, escalonados separadamente ora propondo um mútuo reforço ou
contraponto, antecipação, expansão, apresentando um grande potencial semiótico e
semântico.
No Brasil, a história do livro infantil pode ser dividida em “antes e depois de
Monteiro Lobato”. Até o início do século XX, os poucos livros de literatura infantil que
chegavam ao país eram estrangeiros e, em geral, ilustrados em preto e branco. Nos anos
de 1920, Lobato percebeu que “o país necessitava de um parque gráfico à altura de suas
necessidades”, como afirma Lima (2009, p.31). Na década de 1970, vemos a produção
nacional de edições de livros voltados especificamente ao público infantil oferecendo a
possibilidade de leitura de narrativas curtas onde há predominância das imagens. A
coleção Gato e Rato, de Mary e Eliardo França, é um exemplo de livros com ilustrações
que povoaram o imaginário de muitas gerações, embora não se encaixe na proposta de
livro ilustrado. Por outro lado, Ziraldo, ao lançar Flicts, trouxe inovações à literatura
infanto-juvenil no país, com seu projeto gráfico arrojado.
Na década seguinte, outros artistas trazem influências inovadoras para a
literatura infantil. Rui de Oliveira, Juarez Machado, Eva Furnari e Angela Lago
destacam-se por suas narrativas visuais de fino tratamento gráfico.
Nos anos 1990, assistimos a novas mudanças no trato visual do livro infantil
brasileiro, quando uma geração de ilustradores-designers dedica-se a (re)pensar tanto o
projeto gráfico quanto as novas tecnologias de produção impressão da imagem, dando
um ar sofisticado às novas publicações, elevando a qualidade do produto final. Nesse
período, destacam-se os trabalhos de Roger Mello, Mariana Massarani, Graça Lima,
Ivan Zigg, Guto Lins, Marilda Castanha, Nelson Cruz, Ciça Fitipaldi, Odilon Moraes,
entre outros (LIMA, 2009, p.33).
Como podemos notar, numa das páginas duplas do livro “Ossos do ofício”, de
autoria do autorilustrador Roger Mello, o texto verbal é disposto no espaço em função
Ilustração 18 Ilustração 19
das ilustrações, tornando-se ele próprio uma imagem, ampliam os sentidos produzidos
pela narrativa. Podemos observar que narrativa verbal e visual “conversam”, com uma
clara intenção de produzir uma leitura dialógica.
Segundo Lima (2009), o início do século XXI é marcado pelo aumento no
número de ilustradores como Fernando Vilela, Suppa, Ana Terra, entre outros. Da
mesma forma, o uso de novas tecnologias continua influenciando na geração de novas
linguagens e ampliando as possibilidades de leitura do livro infantil. André Neves é um
desses autoresilustradores que se valem das novas tecnologias para criar livros que são
verdadeiros poemas visuais. A imagem abaixo, retirada do livro Obax, tocam o leitor
com a expressão do profundo sentimento entre mãe e filha.
Já Fernando Vilela, outro autorilustrador contemporâneo utiliza os recursos
tecnológicos para dar forma ao encontro entre personagens de tempos e espaços
distintos, propondo algo inusitado: a luta entre Lampião e Lancelot. Com isso,
assistimos ao crescimento vertiginoso de obras e artistas que se propõem a criar e pensar
a produção de obras contemporâneas desde o projeto gráfico, como é o caso do livro
ilustrado.
Ilustração 20
Ilustração 21
Já Suzy Lee (2012, p.146), autora e ilustradora coreana, ao discutir a imagem na
produção literária contemporânea para crianças, afirma que “algumas histórias pedem
para ser faladas na língua das imagens e tratadas com a lógica visual”. Para ela, “o livro
não é um receptáculo para informações, mas a expressão artística significativa em si
mesmo” (idem, p.106).
Trazendo contribuições para pensar na relação entre palavras e imagens, Corsino
(2003, p.98) afirma que ambas “ocupam posição primordial na elaboração do
pensamento assim como da formação da consciência. Entendemos a linguagem como
função criativa da imaginação e como necessária para alimentar o imaginário”.
Na literatura infantil, texto verbal e visual nos conduzem à experiências
estéticas, deixando rastros e permitindo que, através de suas frestas se crie algo novo.
Para Vigotski (2009) a atividade criadora é uma característica humana, é toda e
qualquer ação em que se cria algo novo, independente de ser material ou mental. O
autor relaciona imaginação à realidade e seus estudos permitem pensar a imaginação
como base de toda atividade criadora, como um ato dos os homens. Enquanto nos
relacionamos com o mundo, vivenciamos experiências e, nosso cérebro conserva essas
Ilustração 23
Ilustração 22
marcas, que contribuem para a reprodução, mas também dispõe de uma função criadora
que combina e reelabora os elementos de nossas experiências anteriores de forma a criar
o novo. Vigotski afirma, ainda, que o homem necessita de representar a própria vida de
diferentes maneiras, extrapolando a realidade cotidiana. Ao pensarmos a literatura como
arte expressa por palavras e imagens, temos a possibilidade de viajar nas asas da
imaginação e, com isso, despertar sentimentos, sensações, imaginar outros lugares e
situações inusitadas.
De fato, é preciso pensar em formas de interação das crianças com os livros na
escola, tendo em vista que elas são sujeitos situados, que vivem o seu tempo histórico,
suas interações no mundo trazem também elementos de transformação do suporte e da
leitura. Nesse sentido, as narrativas ouvidas e/ou lidas, constituem sua subjetividade e, é
pelo viés da imaginação, da fabulação, que vão preenchendo os vazios e se apropriando
da realidade.
Para Cândido (2011, p.176) a literatura é um direito e, nesta perspectiva, a escola
não pode prescindir de democratizá-la às crianças, jovens e adultos. O autor entende a
literatura como parte importante do processo de constituição da subjetividade e de
humanização. Ao considerá-la como manifestação cultural universal de todos os
homens, em todos os tempos, afirma que não há povo e não há homem que possa viver
sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contato com alguma espécie de
fabulação, que pode ser compreendida como toda e qualquer criação ficcional ou
poética considerada pelo autor como mola mestra da literatura em todos os níveis e
modalidades (idem, p.177). Esta necessidade de fabulação do sujeito pode ser entendida
como a criação ficcional ou poética durante a vigília, ou o que seria compreendido
como o sonho acordado.
As questões que tenho perseguido ao longo deste trabalho se fazem ainda mais
latentes: Como se dá a leitura de livros ilustrados, em turmas de crianças de 5 e 6 anos
de idade, na escola? Como crianças e professores lêem o livro ilustrado no coletivo de
uma turma de pré-escola?
2.2 Práticas de leitura: suportes e mediações
Nesta sessão, apresento a discussão acerca das práticas de leitura, tendo como
referência os estudos de Chartier (1996) para pensar a produção cultural contemporânea
e sua apropriação pela escola.
Chartier (1996, p. 122) traz uma reflexão importante ao apontar a aparente
contradição existente entre o “caráter todo-poderoso do texto” e a “liberdade primordial
do leitor”, que para ele tem o sentido de:
identificar para cada época e para cada meio as modalidades
partilhadas de ler – aos quais dão formas e sentidos aos gestos
individuais – e que coloca no centro de sua interrogação os processos pelos quais, face a um texto é historicamente produzido um sentido e
diferenciadamente construído uma significação.
De acordo Chartier (1996, p. 11) “um texto só existe se houver um leitor para lhe
dar um significado” e, para tanto, a leitura é concebida como atividade que permite
reapropriações, desvios, resistência. Indo ao encontro ao pensamento de Chartier,
Queirós (2012, p. 61) aponta que
a leitura guarda espaço para o leitor imaginar sua própria humanidade e apropriar-se de sua fragilidade, com seus sonhos, seus devaneios e
sua experiência. A leitura acorda no sujeito dizeres insuspeitados
enquanto redimensiona seus entendimentos.
Segundo o autor, há a leitura como prática criadora, atividade produtora de
sentidos singulares, de significações que não são redutíveis às intenções dos autores ou
de quem produz o impresso, mas há também o autor, o comentador e/ou editor dos
textos que tentam exercer um controle sobre o sentido que os leitores vão atribuir aos
impressos, visando aproximá-los ao máximo de uma “compreensão correta”, de uma
“leitura autorizada” (CHARTIER, 1996). Contudo, é exatamente nas fendas dessa
leitura que vai empreender seus esforços, considerando a relação entre a “liberdade dos
leitores” e as “tentativas de controle dessa liberdade”.
Como historiador Chartier vai empreender esforços no sentido de compreender
tanto a “materialidade dos textos” quanto o que ele denomina de “corporalidade dos
leitores” (CHARTIER, 1996, p. 258). Desse modo, o processo pelo qual são atribuídos
sentidos aos materiais impressos só podem ser reconstituídos a partir da relação entre
três aspectos: o texto, o objeto que lhe serve de suporte e a prática que dele se apodera
(CHARTIER, 1996, p. 127).
Chartier (1996) considera que a primeira grande revolução da história do livro
foi o salto do rolo de papel para o códice, ou seja, o volume encadernado, que mantém
suas convenções há séculos. Segundo ele, a grande revolução está sendo o salto para o
suporte eletrônico, no qual é a mesma superfície (uma tela) que exibe todos os tipos de
obra já escritos. As mudanças na relação entre o leitor e o material escrito, determinadas
pela tecnologia, alteram também o próprio modo de significação - antes do códice, por
exemplo, era impossível ler e escrever num mesmo momento porque as duas mãos
estavam ocupadas em segurar e mover o rolo. Com o códice os gestos de leitura se
alteraram, assim como a relação com o impresso.
Para o autor, “as formas materiais de escrita afetam o significado dos textos.
Esta é a forma do objeto escrito, do formato do livro, do layout, da presença ou não da
imagem, etc.” (CHARTIER, 1996). A materialidade do impresso implica nos modos
como o leitor se apropria dele. No caso do livro ilustrado, observa-se não apenas a
presença, mas a predominância das imagens sobre o texto verbal. Além disso, os
diversos formatos e demais aspectos paratextuais e tipográficos em geral, alteram o
significado dos textos bem como os sentidos que lhe são atribuídos.
Em “Raposa”, um dos livros ilustrados lidos com e para as crianças no campo
empírico, a proposta do projeto gráfico implica em uma leitura guiada pelos indícios
deixados pelas imagens ao longo das páginas duplas. A aposta nesta leitura como
“jogo”, cujo público infantil e geralmente não-alfabetizado se dirige, implica em uma
outra relação com o impresso. Como podemos notar, a sequência de imagens abaixo
traz cenas da leitura individual, que se sucedeu à leitura coletiva. Observa-se que numa
mesma página dupla, o suporte propõe como desafio, diferentes formas de ler o texto
verbal e interagir com as imagens.
Sequência 1
Chartier (1996, p. 78) afirma que
os atos de leitura que dão aos textos significações plurais e móveis
situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas e individuais, herdadas ou inovadoras, íntimas ou públicas e de protocolos de leitura
depositados no objeto lido, não somente pelo autor que indica a justa
compreensão de seu texto, mas também pelo impressor que compõe as formas tipográficas, seja com um objetivo explícito, seja
inconscientemente, em conformidade com os hábitos de seu tempo.
O autor enfatiza uma leitura intensiva de um pequeno número de livros (a Bíblia,
as obras de piedade, o almanaque), lidos e relidos em voz alta, uma leitura coletiva, que
se dava no seio da família ou na igreja, leitura essa que é “reverência e respeito pelo
livro porque ele é raro, porque está carregado de sacralidade mesmo quando é profano,
porque ensina o essencial”; e uma leitura extensiva, de diversos textos, de maneira
íntima, individual, silenciosa, porém “laicizada, porque as ocasiões de ler se emancipam
das celebrações religiosas, eclesiásticas ou familiares e porque se espalha um contato
mais desenvolto com o impresso” (idem, p. 86).
As influências do design ao projeto gráfico dos livros ilustrados reatualizaram as
práticas de leitura, uma vez que a predominância das imagens suscita uma outra relação
com o impresso. O caráter híbrido, das diferentes obras literárias, exige do leitor,
mesmo os mais experientes, competências cada vez mais elaboradas. A narrativa aberta,
polissêmica, polifônica, convoca o leitor a tomar parte da história e a produzir múltiplos
sentidos, o que implica em uma mediação mais dialógica.
No capítulo a seguir, apresento os sujeitos do campo pesquisado, seu cotidiano,
suas rotinas e evidencio os espaços-tempos da literatura infantil na Educação Infantil do
Colégio Pedro II.
3. CONTEXTUALIZANDO O CAMPO
Neste capítulo, apresento os espaços-tempos no campo pesquisado em diálogo
com o projeto-proposta político-pedagógica que fundamenta o trabalho realizado na
Educação Infantil do Colégio Pedro II. Trago ainda, a contextualização do grupo
pesquisado e, ainda, algumas práticas de leitura da turma observada.
A instituição pesquisada atende à Educação Básica, desde a Educação Infantil,
até o Ensino Médio. O Colégio Pedro II compõe a rede federal de Ensino Básico
Técnico e Tecnológico (EBTT) e, há algum tempo, vem oferecendo cursos de extensão,
aperfeiçoamento e mestrado profissional.
A Educação Infantil do Colégio Pedro II é ofertada no campus Realengo I, zona
norte do município do Rio de Janeiro, implantada em 2012. Dos oito campi, é um dos
mais recentemente inaugurados, atendendo, desde 2008, estudantes dos anos finais do
Ensino Fundamental e Ensino Médio, além de educação de jovens e adultos de nível
profissionalizante. A partir de 2010 foi ampliada a oferta de vagas para os anos iniciais
do Ensino Fundamental.
O ingresso das crianças da Educação Infantil e, anos iniciais do Ensino
Fundamental, se dá por meio de sorteio público, o que garante a diversidade
socioeconômica e cultural do corpo discente. Já nos anos finais do Ensino Fundamental,
Ensino Médio e demais cursos, há concurso de admissão, os estudantes fazem provas de
Língua Portuguesa, Matemática e, em alguns casos como, por exemplo, o Ensino Médio
Integrado de Meio Ambiente, de conhecimentos específicos. Entretanto, 50% das vagas
são reservadas aos estudantes que cursaram os últimos quatro anos em instituição
pública de ensino, o que, de alguma forma, garante também a diversidade dos
estudantes que são aprovados.
A Educação Infantil do Colégio Pedro II atende uma média de 145 crianças, na
faixa etária entre 4 e 6 anos, em horário parcial, nos turnos da manhã e da tarde. Em
2013 havia três turmas do Grupamento II e duas do Grupamento III, por turno. Cada
turma do Grupamento II atendia a 12 crianças, já no Grupamento III, havia 18 crianças
em cada turma. Além disso, todas as turmas eram atendidas por duas professoras de
Educação Infantil, que trabalhavam juntas na mesma sala.
Após essa breve descrição dos aspectos mais gerais do Colégio Pedro II, inicio a
descrição mais específica do campo empírico. Desse modo, iniciamos nosso percurso
pelos espaços-tempos da Educação Infantil do CPII, conhecendo a estrutura física, bem
como os recursos humanos destinados a esta etapa da Educação Básica. Trago, para
melhor elucidar esta descrição, algumas fotografias retiradas durante o período que
estive no campo.
3.1 Espaços-tempos na/ da Educação Infantil do Colégio Pedro II
Neste item dedico-me a descrever os espaços-tempos na/ da Educação Infantil
do Colégio Pedro II, desde a chegada das crianças à escola até a saída, com exceção dos
espaços-tempos dedicados à literatura infantil que, em função dos objetivos desta
pesquisa, constam em uma sessão específica.
Hora da entrada/ saída
As crianças do turno da manhã chegam à escola por volta das 7h e aguardam do
lado de fora a abertura do portão, às 7h10. O portão abre pontualmente às 7h10 e
meninos e meninas entre 4 e 6 anos se despedem dos seus responsáveis: pais, mães,
avós e entram na escola. Muitas famílias utilizam transporte escolar.
Pouco antes da abertura do portão, professores e funcionários de apoio
aguardam, do lado de dentro. Tão logo os portões se abrem, os professores agrupam as
crianças por turma, aguardando por um pequeno período de tempo a chegada de todas.
Em seguida, seguem pela entrada do prédio do primeiro segmento do Ensino
Fundamental, contornam a quadra de esportes, e atravessam uma viela até o portão e
chegam ao prédio da Educação Infantil.10
Junto com os professores, cada grupo vai se encaminhando às suas salas e, a
partir daí, realizam suas atividades, de acordo com os horários e rotinas estabelecidas.
10 O prédio onde funciona a Educação Infantil, nesta instituição, foi construído com subsídios do
Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de
Educação Infantil (Pró Infância). Conforme consta na página do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação – FNDE em relação ao Pró Infância, “os recursos destinam-se à construção e aquisição de
equipamentos e mobiliário para creches e pré-escolas públicas da educação”. Infantil Sobre isso, ver:
http://www.fnde.gov.br/programas/proinfancia/proinfancia-perguntas-frequentes
Logo após o almoço, as crianças retornam à sala e se organizam para a saída,
que é feita do mesmo modo que a entrada. Habitualmente, as turmas caminham de volta
até o portão de entrada do Campus I e, assistidas pelos professores e funcionários que
atuam junto aos estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, as crianças
aguardam a chegada dos pais e/ou responsáveis, sentadas no “meio-fio”.
O longo trajeto, do portão principal até o prédio da Educação Infantil, separa
fisicamente os pais e/ ou responsáveis, da escola. Embora exista um portão de acesso ao
prédio da Educação Infantil, que só é liberado em caso de chuva, institucionalmente
essa distância fica bem demarcada.
Entrando no prédio da Educação Infantil
Logo na entrada, nos deparamos com uma área externa, emoldurada por
canteiros de plantas, que dá acesso a outro portão e, esse nos leva ao pátio coberto. Ao
lado deste portão, há um anexo, onde ficam as salas da coordenação, direção, dos
servidores, almoxarifado, banheiros dos servidores, unidos por um pequeno hall onde
também funciona uma sala de espera. O acesso ao anexo pode acontecer tanto pela área
externa quanto pela área interna, por portas de vidro.
Fotografia 3 Fotografia 4
Fotografia 5 Fotografia 6
Ao longo de toda a extensão do pátio há diversas portas, que dão acesso a
diferentes espaços. Numa delas está o refeitório: de um lado ficam as mesas e cadeiras
onde as crianças lancham e almoçam; do outro, a cozinha.
Logo após o refeitório há a sala de Artes Visuais. Pequenos nichos organizam os
materiais utilizados nesta sala: canetinhas, giz de cera, lápis de cor, cola, tesoura, tintas,
pincéis, entre outras coisas. No meio da sala há uma enorme mesa retangular e dois
bancos que acompanham a extensão da mesa. Bem próximo à mesa, há dois balcões:
um mais baixo, com duas pias, da altura das crianças e outro, um pouco mais alto, com
apenas uma pia. As crianças têm aula de Artes Visuais duas vezes por semana com uma
professora contratada para o Departamento Desenho e Artes Visuais do CPII.
Ao lado da sala de Artes Visuais, estão três salas de turmas do Grupamento II11
e, a última porta do lado direito nos conduz à sala onde são guardados os materiais
utilizados nas aulas de Educação Física: bolas, cones, cordas entre outros materiais. As
crianças da Educação Infantil têm aula de Educação Física todos os dias da semana,
com duas professoras, em dias distintos e assim como a professora de Artes Visuais,
ambas foram contratadas para o Departamento de Educação Física e Folclore do
Colégio Pedro II.
O trabalho pedagógico, segundo o Projeto de Implantação da Educação Infantil
no Colégio Pedro II, evidencia a importância da formação cognitiva, social e cultural do
sujeito, com ênfase no eixo do Movimento, uma vez que considera-o “o principal meio
de expressão” e “atividades como jogos, danças e teatro são primordiais porque
aumentam e fazem evoluir as possibilidades de comunicação por meio do corpo”
(Colégio Pedro II, 2011, p. 19).
O movimento ou a linguagem corporal são expressões privilegiadas, como
explicita o documento, mas também ficou claro no período em que estive no campo
empírico pois, como já foi dito antes, as atividades de Educação Física aconteciam
diariamente, por 45 minutos, em cada uma das turmas da Educação Infantil. Nesta
perspectiva, as demais linguagens ficaram relegadas a um nível secundário no referido
documento.
11As crianças do Grupamento II precisam ter 4 anos completos até 31 de março do referido ano e,
algumas delas, completam 5 anos após essa data, conforme prevê o edital de sorteio público. Desse modo,
podemos dizer que a faixa etária destas turmas está compreendida entre 4 e 5 anos.
Atravessando um corredor coberto, colado ao um espaço gramado, alcançamos o
outro lado do pátio que leva à sala de Música. Nesta sala há uma estante onde são
guardados alguns instrumentos de percussão e um som portátil. As crianças têm aula de
Música duas vezes por semana com uma professora de Música, contratada pelo
Departamento de Música.
No Projeto de Implantação da Educação Infantil do CPII, podemos observar, na
sessão que trata das diferentes linguagens, um discurso que valoriza a expressão oral,
escrita, da comunicação por meio das novas tecnologias da informação, mas a artística,
é apresentada separadamente da musical, o que confere ambiguidade na concepção do
que é Arte (COLÉGIO PEDRO II, 2011, p. 19).
Após a sala de Música, temos as duas salas do Grupamento III, dentre as quais a
das crianças e professoras da turma cuja pesquisa de campo foi realizada. Ao lado da
sala da turma pesquisada, temos outra sala, denominada de “Sala dos Fantoches” pelos
próprios professores da escola, onde são guardados fantoches e palco de madeira, uma
“arara” com fantasias penduradas em cabides, bonecas, berços, carrinhos de bebê,
panelinhas e outros objetos de dramatização. Este espaço também possui uma estante
onde fica um notebook conectado a um equipamento de projeção – datashow – e, acima
da janela que dá acesso ao pátio interno, uma tela onde são projetados filmes e imagens.
Ao lado desta sala, estão dois banheiros, separados por um espaço, sendo um
somente para meninos e o outro para meninas. Após os banheiros, temos a Sala de
Leitura. Caminhando em direção ao portão de entrada/ saída, passamos pela Sala de
Informática, com mesas adequadas ao tamanho das crianças da Educação Infantil e
computadores (notebook). As crianças têm aula de Informática duas vezes por semana
com uma professora de Informática, contratada pelo Departamento de Informática
Educativa.
Como podemos observar, todos os professores que atuam junto às crianças da
Educação Infantil passaram por Processo Seletivo e foram contratados por até dois anos.
Em 2013 não havia nenhum professor do quadro efetivo atuando na Educação Infantil
(o concurso para efetivo foi realizado neste ano).
Ao lado da Sala de Informática há uma pequena sala onde são guardadas as
folhas de ponto dos servidores bem como os diários de classe que precisam ser
preenchidos diariamente pelos professores. Ao lado desta salinha há um espaço fechado
por um portão onde fica uma casa de madeira com utensílios de cozinha entre outros,
que as crianças costumam brincar de “casinha”, “mãe e filho/a”, entre outras
brincadeiras.
Pátio
Em alguns momentos os grupos se encontram no pátio externo. As crianças dos
diferentes grupamentos se conhecem e interagem neste espaço. Cada grupo se organiza
em m espaço do pátio para brincadeiras de livre – escolha. As crianças correm de um
lado para o outro. Brincam de futebol, dramatizam situações com velocípedes,
cavalinhos e outros bichos de borracha. Trazem brinquedos da sala: celulares, bonecos,
panelinhas, etc.
Fotografia 7 Fotografia 8
Fotografia 9
Fotografia 10 Fotografia 11
Observei que, geralmente, quando as crianças vão para o pátio, não há uma
diretividade por parte dos adultos, que permanecem no espaço observando, atendendo à
solicitações em situações de conflito e, em alguns momentos, brincando com elas. Além
disso, percebi que não há um horário pré-determinado para o uso do pátio. Esse uso
varia de acordo com o planejamento de cada turma e, em diversos momentos, mais de
um grupo utiliza o espaço, o que propiciava a interação das crianças e professores de
diferentes turmas.
Fotografia 12
Fotografia 13
Todas as salas ficam em torno do pátio externo, cimentado e com uma parte
coberta, bem ampla, onde estão disponíveis os pneus, os cavalinhos de borracha e
bambolês. Porém, há um espaço descoberto, com uma árvore na lateral, próxima a sala
da turma pesquisada. Nos fundos, há um gramado, com uma “caixa de areia”12
de um
lado e um chuveiro encostado na parede e, uma torneira, onde é conectada uma
mangueira onde as crianças tomam banho nos dias de calor. O banho de mangueira
acontece de acordo com o planejamento das turmas.
3.2 A turma investigada – os sujeitos da pesquisa
A turma investigada é composta por 10 meninos e 8 meninas na faixa etária
compreendida entre 5 e 6 anos. Em função do Campus Realengo I ser o único a oferecer
vagas à Educação Infantil, as crianças atendidas são oriundas de diferentes bairros da
cidade do Rio de Janeiro. No grupo pesquisado, mais da metade mora próximo ao bairro
de Realengo, onde está situada a escola e, as demais, em bairros da zona norte do
município do Rio de Janeiro.
Trabalham diariamente com este grupo duas professoras de Educação Infantil,
contratadas pela Pró-Reitoria de Ensino13
. Assim como os demais professores que
atuavam em 2013 na Educação Infantil, ambas fazem parte do quadro de professores
contratados. Uma delas teve seu contrato encerrado ao final do ano e, a outra, o terá em
meados de 2014. Em conversa informal, cujo objetivo era conhecer a formação
12Esse termo “caixa de areia” serve para designar uma área de recreação ao ar livre e consiste de um
espaço delimitado construído com cimento e preenchido com areia. 13A Educação Infantil do Colégio Pedro II não consiste em um Departamento ainda e, portanto, está
diretamente ligado à Pró-Reitoria de Ensino (PROEN).
Fotografia 14 Fotografia 15
profissional e acadêmica das professoras, bem como suas experiências com a literatura
infantil, as duas professoras narraram histórias que revelaram o quanto suas trajetórias
profissionais estão atravessadas pelas experiências pessoais, guardando marcas
significativas para cada uma delas.
A professora Fernanda fez a graduação em Pedagogia, na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (UERJ) cujo curso lhe conferiu o título de bacharel em “Movimentos
Sociais” e licenciatura em “Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental e
Educação de Jovens e Adultos”. Com curso de extensão em “Arte-Educação” e em
“Contação de Histórias” (ministrada pelo Gregório de Matos) e é capoeirista há mais de
10 anos. Fez parte de diversos grupos de teatro (Grupo de Teatro À Parte) e de músicos-
percursionistas (Kalimbaria e Orquestra de Percussão Batucadas Brasileiras). Com
experiência em projetos organizados por Organizações Não-Governamentais que atuam
em comunidades com crianças e jovens em risco Social e “desenvolvem projetos que
não têm um cunho pedagógico, mas social, artístico, cultural”.
Sobre a experiência com a literatura infantil, Fernanda foi categórica ao dizer:
— Não lembro da professora contando história, mas do meu tio. Meu
tio é a minha referência de contador de historias, desde a infância! Ele gostava de contar histórias em família. Juntava meus irmãos, primos e
inventava um monte de história. (gestos com as mãos, expressões
faciais, mudança na entonação da voz).
Após breve pausa, dispara a dizer: — Na Ong que eu trabalhava tive contato com diferentes contadores
de histórias e, uma dessas referências tinha toda uma preocupação
com o aquecimento do corpo para receber, preparar e participar da história. (mostra, com gestos, o trabalho de aquecimento corporal, que
faz com as crianças na escola também)
Em seguida, faz uma “ponte” com suas práticas:
Minhas experiências com teatro, música e arte são muito presentes no meu trabalho na escola, com as crianças. (breve pausa) E, a capoeira,
depois do meu tio, é muito importante. Fui fazer Pedagogia, com
bacharelado em “Movimentos Sociais” para respaldar o trabalho com a capoeira. A escuta dos mestres também é um espaço de formação
significativo na minha vida. A contação tem esse poder de mobilizar...
Cada um pode ser um contador! Ao retomar a narrativa do ponto da contação de histórias, lembra:
— Minha mãe também era contadora! E minha avó, amazonense,
quando chovia escondia os espelhos da casa. Ela contava que o pai
dela já viu a Mãe D’água. Ela tinha referência de contação de histórias da mata. Veio para o Rio na década de 70... mãe solteira... 7 filhos...
Sozinha, com esse monte de filhos! Ela está com 82 anos e, agora,
quem conta histórias para ela sou eu! (se emociona)
(Entrevista narrativa, 27/09/2013).
Na entrevista narrativa da professora Fernanda, observamos que as narrativas
orais deixaram rastros significativos em sua trajetória pessoal e de formação, fazendo
com que valorizasse a tradição oral e, seja através das histórias narradas pelo tio, pela
mãe, pela avó ou pelos mestres da capoeira, foi se constituindo como sujeito na e pela
linguagem, tornando a si mesma uma narradora das histórias alheias que se tornaram
histórias suas-alheias ou alheias-suas. Com um discurso bastante emocionado, Fernanda
falou do quanto sua trajetória profissional e acadêmica está atravessada por suas
experiências pessoais.
Já a entrevista narrativa realizada com a professora Laura, o tom da prosa foi
outro. Formada em Pedagogia (licenciatura plena) com habilitação em coordenação e
supervisão pedagógica, mas também em Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental, Laura é especialista em Educação Infantil, fez alguns cursos de formação
continuada e participou, em 2012, do grupo de pesquisa coordenado pela professora
Adriane Ogêda, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), sua
orientadora no curso de especialização. Fez o curso de “Mediadores da Leitura” da
Faculdade de Educação da UFRJ, também em 2012. A conversa com a professora Laura
enveredou pelas práticas de leitura literária:
— Sempre gostei de contar histórias para os meus filhos e para os meus alunos. Eu gosto de contar histórias assim, aos pouquinhos, em
capítulos. Eu li “Odisseia” para o meu filho, em partes sabe... Por que
eu acho que é importante deixar um gostinho de quero-mais! E se refere especificamente à leitura na escola:
— Eu tentei fazer isso com as lendas indígenas do livro “Catando
piolhos, contando histórias”, mas não deu certo! Eu não sei porque...
Eu gosto de ter alguns combinados para essa leitura: eu preciso organizar o momento da contação, aí eu falo “A hora da história...” e
as crianças já sabem e completam: ...“é uma hora sagrada”! Por que se
a gente não fizer um ritual de parar, se acalmar, a história não rola... É preciso propiciar um espaço de silêncio para a história.
E conclui, relatando uma atividade da Ciranda Literária, atividade que
envolve empréstimo de livros de literatura infantil às crianças: — Na Ciranda a gente faz todo um ritual também... e tem o reconto
das histórias... cada vez uma criança conta do seu jeito para os
colegas... Sempre tem um amigo que ajuda... E tem dado certo!
(Entrevista narrativa, 27/09/2013).
Laura falou de sua experiência pessoal com a literatura infantil, da experiência de
ler com e para os filhos, de propostas que deram certo com as crianças, no âmbito da
escola, e também das que não foram bem sucedidas. Entretanto, em seu discurso
enfatizou a maneira como compreende as práticas de leitura, para ela “A hora da
história é uma hora sagrada!”. Chartier (1996) ao discute as práticas de leitura, traz a
leitura sacralizada como uma das tantas práticas. Curiosamente, apesar de expressar sua
visão da leitura como sagrada, a professora, nos momentos de leitura literária permitia
que as crianças se sentassem da maneira que desejassem, não impedia que se
aproximassem do livro, para observar as ilustrações e incentivava a interação delas com
o livro, deixando brechas para que pudessem imaginar e criar suas hipóteses acerca de
determinada cena ou história. Sendo assim, apesar do discurso da sacralização da
leitura, o que pude observar das práticas de leitura era uma leitura dialógica, que
ampliava a relação das crianças com as narrativas verbal e visual.
3.2.1 A sala de atividades
Pinturas, textos coletivos, receitas... As paredes da sala de atividades da turma
pesquisada revela o trabalho que está sendo desenvolvido com e pelas crianças. A
estante, cujas prateleiras estão ao alcance da mão das crianças oferecem desde materiais
de consumo, tais como: potes com lápis de cor, hidrocor, giz de cera, tesoura, massa de
modelar, cola, papeleira com papel tamanho A4 cores variadas, entre outros; até
brinquedos como: bonecos, bonecas, panelinhas, computador portátil infantil e celulares
para brincar; assim como os jogos pedagógicos, como blocos lógicos, dominós
temáticos, entre outros.
Ao lado da estante temos um “canto de leitura” organizado com esteiras no chão,
algumas almofadas e uma caixa de papelão forrada com livros de literatura infantil,
disponíveis ao manuseio e leitura autônoma das crianças. Dos cerca de 10 livros que
estão na caixa, em bom estado de conservação, muitos são livros ilustrados, de autores
nacionais e internacionais.
Fotografia 16 Fotografia 17
Fotografia 18
Colado a esse “canto da leitura” está uma pequena estante de plástico com três
prateleiras onde encontramos: gibis, carrinhos e bichos, devidamente etiquetadas.
E, ao lado, duas cestas plásticas, uma com blocos de montar e outra com
brinquedos diversos. Observei que as crianças brincam bastante com os brinquedos
organizados nestes recipientes. É comum vê-las levando bonecos, animais de borracha,
carros de brinquedo e blocos de construção para brincar no pátio interno e/ ou externo.
Na parede, está também um quadro branco utilizado para exposição dos
trabalhos das crianças, como textos coletivos, pinturas, desenhos, fotografias, etc. como
se observa na fotografia a seguir:
Fotografia 19 Fotografia 20
Fotografia 21 Fotografia 22
Fotografia 23
No centro da sala estão quatro mesas, com quatro cadeiras cada. Elas são
utilizadas para o trabalho nos “cantos”, atividade de rotina, que será explicitada mais
adiante e, de acordo com a necessidade do grupo, são agrupadas.
Além da porta principal, que dá acesso ao pátio externo, há no fundo da sala uma
outra porta, que dá acesso ao pátio interno: onde as crianças costumam brincar com
brinquedos e jogos mas também escalar o muro vazado da lateral.
A seguir apresento algumas atividades do cotidiano a turma pesquisada.
Fotografia 28
Fotografia 24
Fotografia 25 Fotografia 26
Fotografia 27
3.2.2 Cotidiano da turma pesquisada
A turma pesquisada organiza seu dia-a-dia entre atividades de rotina, previstas
no planejamento das professoras e, outras, inesperadas, que surgem a partir dos
discursos produzidos pelas crianças nos momentos de conversa entre elas e entre elas e
a professora.
A seguir trago as atividades de rotina do grupo pesquisado e, no item que aborda
o trabalho por centros de interesse e projetos de trabalho, poderemos perceber o
desenrolar de algumas propostas que emergiram dos diálogos na roda, incentivados por
leituras literárias e de outros gêneros discursivos, como músicas, conversas informais,
entre outros.
Lanche
Tão logo as crianças chegam à sala, dirigem-se a um determinado espaço da
sala, onde colocam as mochilas e merendeiras. Pegam as agendas, colocam numa caixa
própria para elas e, dirigem-se ao refeitório, para o lanche. A instituição oferece
biscoitos e suco ou leite com achocolatado mas, a maioria das crianças traz na
merendeira seu próprio lanche. Após o lanche, as crianças escovam os dentes e
retornam à sala para, em seguida, sentarem-se em roda.
Planejamento
Geralmente, nesse momento inicial, as professoras sentam com as crianças na
roda e organizam o dia com o planejamento coletivo, utilizando “plaquinhas”14
com
desenhos das próprias crianças e registro verbal escrito das atividades que acontecerão
ao longo do dia.
Durante a atividade, as professoras vão auxiliando as crianças, de modo que
internalizem a ordem das atividades a serem realizadas ao longo do dia, solicitando que
um de cada vez pegue a “plaquinha” de acordo com a ordem em que vai acontecer e, em
seguida, organize numa espécie de varal localizado na janela.
14Esse termo “plaquinha” foi utilizado tanto pelas professoras quanto pelas crianças para designar as
fichas cujo item do planejamento é registrado por escrito e com desenhos das próprias crianças da turma.
Enquanto isso, as crianças vão sendo estimuladas a observar e refletir acerca de
aspectos do sistema alfabético da escrita, como letra inicial ou estabelecer a relação
entre a letra inicial da atividade com o nome dos colegas, professoras da turma e
familiares. As próprias crianças, com o tempo, já faziam as mediações entre as fichas e
os colegas, ajudando-os a reconhecer as fichas e, a colocá-las na ordem, respeitando a
convenção esquerda-direita. Quando alguma criança colocava a “plaquinha” fora da
ordem pré combinada com o grupo, tanto os colegas quanto as professoras buscavam
problematizar a situação.
Após o planejamento inicia-se geralmente o momento das atividades
diversificado: o trabalho nos “cantos”.
3.2.3 Trabalho nos “cantos”
Nestes momentos acontecem em diferentes espaços da sala de aula, atividades
diversificadas, combinadas previamente, quando as crianças ainda estão na roda. A
proposta é concebida de modo que as crianças se organizem de maneira autônoma,
como podemos observar no diálogo explicitado a seguir, entre duas crianças:
— Essa mesa eu já fui ontem!
— Essa eu não fiz! (Caderno de campo, 7/5/2013)
Ficou evidente o envolvimento das crianças com as atividades propostas, uma
vez que elas mesmas se responsabilizam pela circulação nas diferentes mesas.
Fotografia 29
Pude observar que as professoras pensam em uma atividade que necessita da
mediação de uma delas, geralmente a partir do trabalho que o grupo está realizando no
projeto que vem desenvolvendo e, as demais, são organizadas de modo que as crianças
tenham maior autonomia.
Além disso, a forma como pensam esse momento, também considera as escolhas
das crianças, posto que elas próprias sugerem a inclusão de outra proposta, como “canto
da leitura”, dramatização com bonecos (as), panelinhas, desenho livre, jogos de
construção, entre outras.
Fotografia 30 Fotografia 31
Fotografia 32
Fotografia 33
Fotografia 34
Em geral, após o trabalho nos “cantos” as crianças organizam o espaço, guardam
o material utilizado nas estantes, e seguem para aulas de Informática ou Educação
Física. As professoras vão à sala buscar a turma e seguem para as atividades com uma
das professoras de Educação Infantil e, a outra, realiza seu planejamento individual15
.
Almoço
Após as aulas de Informática ou Educação Física, as crianças seguem para o
almoço, no refeitório. A maioria delas faz essa refeição na escola e, uma ou outra que
não gosta do que é oferecido no dia ou não deseja comer, permanece junto com os
demais, aguardando.
Nos dias da semana que estive no campo, sempre as terças e quartas e, algumas
vezes na sexta, ficou evidente o quão fragmentado fica o trabalho da turma, em função
das atividades previstas no cotidiano da turma, como: lanche, almoço, aula de
Informática e de Educação Física. Segundo relato das professoras, esses são os dias com
menos “interrupções”, pois nos outros as crianças têm, além dessas, outras aulas: Artes
e Música.
3.2.4 Trabalho por projetos
As professoras assumem a pedagogia por projetos de trabalho como proposta
metodológica, de acordo com o interesse do grupo. Concomitantemente com o projeto
que é desenvolvido pelo grupo, são realizadas algumas investigações mais pontuais, que
elas denominam de centros de interesse, cujos objetos de estudo são definidos a partir
de uma sondagem realizada com as crianças, como poderemos ver no item seguinte.
O trabalho da turma era organizado por projetos, pensados a partir dos discursos
produzidos pelas crianças. Enquanto estive realizando a pesquisa de campo, o projeto
que estava em andamento e, parece ter permeado o trabalho até o final do ano, era
acerca da cultura dos povos indígenas.
Segundo relatos das professoras, tudo começou a partir da história “João e o pé
de feijão”, quando as crianças demonstraram interesse por diversos aspectos da
15Os tempos de planejamento individual (PI) estão previstos no horário semanal das professoras e são
destinados a: registro de observações das crianças, planejamento e organização de atividades, preparação
de material, produção de comunicados às famílias, etc. Para isso, elas se alternam no acompanhamento
das aulas relativas aos demais componentes curriculares.
narrativa e, a partir daí, as professoras perceberam que poderiam organizar as
investigações do grupo e sugeriram que o grupo assistisse a um filme curta-metragem
de animação chamado “Josué e o pé de macaxeira”, uma paródia de “João e o pé de
feijão”.
Com a curiosidade aguçada pelo que viria a ser a macaxeira, conhecida na região
Sudeste como aipim, as crianças experimentaram aipim cozido. Uma das professoras
contou a “lenda da mandioca” e, a partir da contação16
desta lenda da cultura popular
brasileira, iniciaram as investigações acerca da cultura dos povos indígenas. As crianças
participaram da produção de diversos gêneros discursivos: recontos de histórias
conhecidas, letras de música, receitas, entre outros. Algumas dessas produções,
acompanhadas de desenhos, pinturas e colagens, podem ser observadas nas fotografias a
seguir:
16A palavra contação utilizada pelas professoras para distinguir a narrativa oral de histórias, sem a
utilização do livro como suporte.
Fotografia 35
Fotografia 36
Como minha ida a campo se dava duas vezes por semana, não pude acompanhar
todo o percurso do projeto traçado pela turma. Entretanto, através das produções do
grupo, podemos ter algumas impressões acerca do que for vivido por eles, através de
registro fotográfico.
A narrativa oral da “lenda da mandioca” teve vários desdobramentos: as
professoras levaram mandioca para a escola, as crianças descascaram e depois puderam
experimentá-la cozida; saborearam tapioca, alimento produzido com a farinha de
mandioca; aprenderam canções da cultura popular que traziam essa temática;
confeccionaram um jogo de trilha, dentre outras coisas.
Fotografia 37
Como desdobramentos, as professoras contaram outras lendas indígenas, como a
da “Vitória Régia”, do “Guaraná” e do “Uirapuru”; propuseram trabalhos plásticos;
dramatizações; leram livros cuja temática eram as lendas desses povos.
Fotografia 39
Fotografia 38
Fotografia 40
Fotografia 41
Mas também assistiram outros filmes curta-metragem de animação como, por
exemplo, a “lenda do guaraná”, trazido por uma das crianças da turma e alguns vídeos
produzidos pelos próprios originários do projeto “Vídeo nas Aldeias”17
.
Além do projeto da turma, a escola possui um projeto coletivo, definido no
início do ano pela equipe de professores, desde a Educação Infantil aos anos iniciais do
Ensino Fundamental. O projeto de todo o Campus I tinha como tema a “Água” e, as
produções acerca desta temática foram compartilhadas com as famílias num evento
anual denominado Mostra Pedagógica. Não participei deste evento de culminância do
projeto, mas acompanhei o processo de organização do material. As professoras da
turma pesquisada fizeram uma exposição de produções plásticas e registros escritos das
lendas indígenas que traziam a temática da água.
Durante o período em que estive no campo, observei que as professoras
propiciavam espaços de diálogo coletivo em acerca do que estavam trabalhando. Para
17 http://www.videonasaldeias.org.br
Fotografia 44
Fotografia 42
Fotografia 43
isso, tentavam garantir que todos tivessem voz e vez. Além disso, ficou evidenciado que
o trabalho desenvolvido por elas, na sala de atividades da turma, tinha como objetivo a
integração das diferentes linguagens e áreas do conhecimento e, a literatura infantil, se
fez presente nos contos e lendas indígenas.
3.2.5 Centros de interesse – aranhas, cobras, borboletas
Assisti a organização do trabalho por centros de interesse, quando cada criança
era incentivada a verbalizar o que gostaria de pesquisar. Conforme relato das
professoras, anteriormente elas já haviam feito uma sondagem inicial e, pretendiam,
naquele momento, organizar as investigações. No memento da conversa na roda,
registrei alguns diálogos:
Professora Laura: A gente vai começar pelas aranhas. O que vocês
tiverem sobre as aranhas: livros, fotos, vídeos... pode trazer.
Maria Luiza: Eu tenho um monte de fotos de aranha que meu pai tirou. É uma aranha desse tamanho! (gesticula com os braços, abrindo-
os para demonstrar o tamanho da aranha).
Aline: Um dia eu vi no tablet (comenta). Professora Laura: Vocês sabiam que a aranha não é um inseto? –
pergunta às crianças.
As crianças prosseguem:
Hugo: A aranha faz teia. Professora. Laura: A ideia é que a gente comece pelas aranhas, que é
um assunto sugerido pelo nosso amigo José Renato. Nós não sabemos
se vamos conseguir pesquisar tudo sobre as aranhas. Outra criança interrompe:
Luana: Que tal a gente pesquisar em um “canto”, a aranha? – propõe.
Professora. Fernanda: Então... a gente vai fazer isso – concorda. Luana: Com a tia Carol? Ela também faz pesquisa!
As professoras riem, me procuram com o olhar e, uma delas,
responde:
Professora. Fernanda: Ah, a Carol também vai poder ajudar. Algumas crianças se dispersam e as professoras encerram a atividade.
(Caderno de campo, 14/05/2013).
As investigações das aranhas, entre outros assuntos de interesse das crianças,
como cobras, borboletas, etc. aconteceram simultaneamente ao projeto dos povos
originários.
A fotografia a seguir traz o registro do momento em que a professora lia o
material trazido pelas aranhas e conversava sobre suas descobertas. Podemos observar
que a cultura escrita é parte do cotidiano do grupo pesquisado, como os textos
informativos, como o que foi lido neste caso.
3.3 A Literatura infantil na Educação Infantil do Colégio Pedro II
Neste item evidencio os espaços-tempos da literatura infantil organizados com e
pelo grupo pesquisado. Narrativas orais e leitura de livros literários, que acontecem
quase diariamente, dividem espaço com outras atividades semanais, como é o caso da
Ciranda Literária. Já a Sala de Leitura só foi visitada apenas uma vez durante todo o
período em que realizei a pesquisa de campo e, nesse mesmo período, também não
verifiquei a circulação de nenhuma outra turma neste espaço.
3.3.1 “Contação de histórias”
O momento instituído neste grupo para as histórias infantis era às terças-feiras,
entre as aulas de Educação Física e Informática. Segundo relato das professoras, as
crianças deveriam sair de uma aula, direto para a outra. Porém, como percebiam que
elas saíam muito agitadas de uma aula e, levavam um bom tempo para acalmarem-se, o
que reduzia o período de atividade da outra, combinaram com as professoras desses
componentes curriculares de, reduzirem em dez minutos o término de uma e início de
outra para o que chamam de “contação de histórias”.
Com isso, essa atividade passou a fazer parte do planejamento do dia dessa
turma e, após a aula de Educação Física, as crianças lavavam o rosto, bebiam água e,
logo que entravam na sala, se organizavam no chão: deitadas, sentadas ou ajoelhadas,
para ouvir a história. As professoras se alternavam na escolha do título, mas ambas
sentavam-se em uma cadeira, com o livro na mão, para iniciar a “contação” e, cada uma
delas realizava o que chamamos de preâmbulos de leitura, antes de começar a leitura.
Ambas se posicionam diante do grupo: ora sentando-se em uma cadeira, ora
permanecendo de pé e, o grupo de crianças se aglomerava diante delas: uns deitados de
um lado, do outro ou ao fundo; outros se mantinham sentados, pernas cruzadas, ao
fundo alguns sentavam em cadeiras. Uma das professoras, antes de começar a leitura,
fazia o que ela chama de “aquecimento”, registrado no evento abaixo:
Professora Fernanda: Vamos esquentar a mão rapidinho, ó... (esfrega
uma mão na outra) Ssssssssssss (pede silêncio) Coloca a mão aqui ó,
na cabeça... (leva as mãos à cabeça) Esquenta, esquenta, esquenta... ó. Sssssssssssss (esfregando uma mão na outra) A mão no ouvido, ó
(leva as mãos às orelhas). Para vocês conseguirem perceber todas as
palavras que estão nesse livro. Esquenta, esquenta, esquenta... (esfregando uma mão na outra e baixando o volume da voz) “Bota” a
mão no coração (leva as mãos ao peito). Para a história ficar guardada
para sempre.
Ana Letícia: Só para o coração queimar? (com as mãos fixas no peito) Professora Fernanda: Não, para o coração ficar bem quentinho e
aquecido. Fica mais fácil das histórias entrarem...
Maria Luiza: Meu pescoço já está aquecido, para quê aquecer mais? (olha para o lado, buscando a cumplicidade de uma colega)
Luana: Se a gente ficar com febre a gente fica aquecida (bate as mãos
pelo tronco). (Observações do Campo, 13/ 08/ 2013).
Já a outra professora, antes de começar a leitura, dizia: “A hora da história...” e
as crianças completam “... é uma hora sagrada”. A partir desses rituais, repetidos
cotidianamente pelas professoras e internalizados pelas crianças, ambas começavam em
mais uma viagem literária.
Durante a leitura, as crianças observavam atentas, se aproximavam e depois
retornavam para o lugar e, a professora fazia pausas em alguns momentos, mas também
algumas perguntas provocativas, como podemos observar, no evento a seguir:
Fotografia 45
Fotografia 46
A professora mostra a capa do livro “Dado, sempre acordado”, lê o
título e pergunta:
Professora Laura: Por que será que ele está sempre acordado?
As crianças observam e levantam hipóteses:
Luana: Porque ele tem medo do escuro! Hugo: Não, ele tem medo de dormir sozinho!
Uma criança se identifica com a situação e conta:
Melissa: Eu vi um filme uma vez e não consegui dormir, aí eu fui para a cama da minha mãe e fiquei abraçadinha com ela.
Imediatamente, outras crianças começam a contar suas experiências:
José Renato: Um dia eu vi um filme de terror e fui dormir com meu
pai e minha mãe. Maria Luiza: Eu também dormi com a minha mãe, mas porque eu tive
um pesadelo.
A professora escuta atenta as narrativas das crianças e, em seguida retoma a leitura do livro de literatura infantil.
Professora Laura: Então pessoal, vamos ver porque o Dado não
conseguia dormir? [...] A professora faz algumas pausas para as crianças observarem as
imagens e comentarem, depois prossegue. A história suscita o diálogo
acerca do lugar onde cada um dorme, mas também com quem e como.
Maria Luiza: Eu durmo num beliche. A minha irmã dorme em cima. Ela rola! (ri) O meu cachorro dorme no sofazinho dele. Ele é um
Pincher.
Ana Letícia: Eu durmo na cama do meu pai e da minha mãe quando eu fico doente...
Algumas crianças pedem para ver o livro, fazem uma pausa na página
dupla abaixo e caem na gargalhada:
Ilustração 24
Uma criança aponta para o pé do menino no nariz do pai e diz, às
gargalhadas:
Aline: Eu uma vez dormi assim! (muitos risos)
Entretanto, a professora de Informática Educativa aparece na porta e é
preciso interromper. A professora Fernanda pede o livro e as crianças saem da sala.
(Observações do campo, 8/ 05/ 2013).
Mediante alguns questionamentos das crianças acerca da história, a professora
respondia devolvendo a pergunta a elas. Ao final da história, as crianças, em geral,
começavam a partilhar suas experiências e sentidos produzidos a partir da leitura.
Entretanto, em função da necessidade de se encaminharem para outra atividade, esses
momentos não tinham prosseguimento. Com isso, percebemos que esses momentos
privilegiados de leitura, embora garantidos no planejamento, ocupavam um espaço-
tempo restrito, destinado a tranquilizar/ acalmar as crianças à atividade seguinte.
Fotografia 47
Ilustração 25
3.3.2 Ciranda Literária
Sempre às quartas-feiras, acontecia uma atividade denominada Ciranda
Literária, na turma pesquisada. Segundo relato das professoras e das próprias crianças, a
proposta era a seguinte: os responsáveis contribuíram, no início do ano, com um valor
em dinheiro destinado à compra de alguns livros de literatura infantil que comporiam o
acervo da turma e, uma vez por semana, as crianças escolheram um título e levaram
para casa. O livro permanecia por uma semana na casa das crianças e, ao término deste
período, deveriam devolvê-lo ao acervo e escolher outro e assim sucessivamente.
A escolha dos títulos que compõem o acervo da Ciranda Literária de cada turma
passa por critérios que não são partilhados pela equipe pedagógica. Cabe aos
professores de Educação Infantil de cada grupo, o trabalho de seleção. Na turma
pesquisada, uma das professoras ficou responsável por essa seleção e em conversas
informais relatou alguns critérios como: “ilustrações e textos interessantes; temática
voltada para o humor ou que possa chamar a atenção das crianças” (Professora Laura).
Disse ainda que, essas e outras regras foram previamente combinadas com os
responsáveis em um encontro de “lançamento” desta atividade na escola, com direito a
dançar ciranda.
No ano da pesquisa (2013) a equipe pedagógica se reuniu para receber os
responsáveis em uma atividade destinada à interação entre casa e escola e, após um
momento coletivo inicial, cada responsável se dirigiu com a criança à sala para conhecer
o acervo adquirido e as regras da Ciranda Literária.
A maioria das regras de empréstimo dos livros é comum a todas as turmas da
Educação Infantil. Com algumas exceções como dia. No caso do grupo pesquisado,
Fotografia 48
havia outro combinado: a cada semana as professoras sorteariam uma criança para fazer
o que elas denominam de “reconto da história”, conforme trecho do comunicado que foi
destinado às famílias pela agenda, instrumento de comunicação entre casa e escola.
Com isso, a cada semana uma criança, junto com seus familiares, preparou esse
momento de uma maneira. Participei de diferentes “recontos” e, nesses momentos, as
crianças utilizavam-se de objetos, fantoches, entre outros elementos para, com a ajuda
dos colegas, (re) contar a história à sua maneira, como podemos observar no evento
abaixo. Fábio preparou, junto com a família, fantoches de papel colados em palitos de
picolé e um teatro de caixa. Uma colega ajuda segurando o teatro de fantoches,
enquanto ele vai contando a história:
Fábio: O menino era chamado de bonito. Aí, quando ele ficou criança
ele chorou, chorou, chorou... A colega ajuda:
Maria Luiza: Ele chorou, aí depois... Fábio?
Fábio: Aí o pai falou “Não, você não pode mais chorar” e... “homem não chora” (movimenta o fantoche do pai através do teatro de
fantoches).
A colega ao lado comenta:
Maria Letícia: Muito grande esse pai. Fábio: Aí ele ficou muito triste.
E
m seguida, pega os fantoches que representam o menino e a mãe, e continua:
Fábio: Aí, a mãe dele resolveu chamar o médico. Aí o médico veio...
Espera aí, vou pegar o médico. Pega um fantoche todo azul:
Fábio: Depois, ele chorou, chorou...
Fotografia 49
Professora Laura: Esse fantoche azul é o quê? As crianças voltam-se para a professora, que logo atrás, de frente para
teatro de fantoches.
Fábio: É a água dele, de chorar. Professora Laura: Aí, ele chorou tanto...
Fábio: Que ele ficou curado e fim.
Professora Laura: Entrou por uma porta...
Luana: ... e saiu por outra. Professora Fernanda: E quem quiser...
Isadora: ... que conte outra!
(Observações do campo, 19/ 06/ 2013).
Fábio narra a história “O menino Nito” utilizando os fantoches que ele mesmo
desenhou. As crianças envolvem-se na atividade observam atentas. Esta proposta coloca
as crianças no centro do processo, como narradoras, desconstruindo a ideia de que
somente o adulto ou o leitor mais experiente e alfabetizado pode contar histórias. Além
disso, foi preciso preparar esse momento junto às famílias, de modo que a criança
pudesse se apropriar a narrativa e sentir-se segura para apresentar o seu jeito de
recontar.
Após essa atividade, as crianças sentavam-se no chão, em torno de um tecido de
formato circular, pegavam o livro que tinham levado na semana anterior e, auxiliavam
as professoras na disposição dos demais livros no tecido. Com o livro na mão, um de
cada vez era incentivado a falar um pouco de suas experiências de leitura:
Professora Fernanda: Qual o livro que você leu, Rafael?
Daniel: Abrapracabra.
Professora Laura: E você gostou ? Conta um pouquinho para gente! O menino faz que sim com a cabeça e diz:
Daniel: Quando a cabra fez a mágica e...
Professora Fernanda: Só para dar um gostinho... (interrompe)
Fotografia 50
Professora Laura: É, não pode contar tudo. Você recomenda para os
seus amigos?
O menino responde afirmativamente balançando a cabeça.
(Observações do campo, 5/06/2013).
Cada criança relatava oralmente algum trecho do livro que mais gostaram,
fazendo indicações (ou não) aos colegas. Algumas crianças precisavam desse estímulo
inicial para verbalizar, mas outras falavam espontaneamente o que desejam
compartilhar sobre o livro e, era comum em alguns momentos, as professoras
mediarem, pedindo para “dar só um gostinho”, de modo que os colegas se sentissem
instigados a levar este ou aquele livro.
Passado esse momento, enquanto uma das professoras permanecia na roda,
mediando as escolhas das crianças, a outra, sentada numa mesa, registrava em uma ficha
identificada com o nome de cada estudante o título escolhido e acompanhava a guarda
do livro em uma pasta própria, de modo a conservá-lo no transporte entre casa e escola.
Ao final da atividade, com a ajuda das crianças, os livros que sobravam eram
guardados em uma caixa própria para tal, junto com o pano.
3.3.3 Sala de Leitura
A Sala de Leitura da Educação Infantil do CPII possui almofadas, esteiras,
mesas e cadeiras. As estantes são de uma altura que contribui para o manuseio dos
livros pelas crianças, garantindo autonomia nas escolhas.
Fotografia 51 Fotografia 52
Os livros estão organizados por editora sendo que, nas estantes menores estão os
que possuem apenas um exemplar.
A organização do espaço e dos títulos do acervo segundo este critério, de acordo
com informações das próprias professoras, foi definida pela coordenação pedagógica,
sem uma discussão mais ampla com a equipe de professores.
Fotografia 53 Fotografia 54
Fotografia 55
Fotografia 56
Fotografia 57
Durante o período em que estive no campo empírico, a turma pesquisada foi
apenas uma vez à Sala de Leitura. Segundo as professoras, o modo como os livros
estavam organizados não facilitava a autonomia das crianças para pegá-los e guardá-los
posteriormente e, em função disso, acabavam não utilizando o espaço, preferindo levar
os títulos para o acervo da sala de atividades.
Entretanto, no dia em que estiveram neste espaço, as crianças demonstraram
interesse pelos livros, compartilhando leituras com os colegas, lendo individualmente e/
ou com a mediação das professoras.
Fotografia 62
Fotografia 59 Fotografia 58
Fotografia 60 Fotografia 61
A Sala de Leitura da Educação Infantil possui em seu acervo mais de 200 títulos,
todos do gênero literário. A maioria deles é de uma mesma editora, a Brinquebook,
conhecida pela qualidade dos livros, em sua maioria de autores internacionais,
traduzidos para o português. Grande parte do acervo foi adquirido pela instituição, após
pregão. Entretanto, segundo conversas informais com as professoras, os livros
comprados com o dinheiro dos pais e responsáveis para o trabalho da Ciranda Literária,
ao final de cada ano letivo, passa a compor o acervo da Sala de Leitura.
Pude observar que as crianças circulam com autonomia pelo espaço da Sala de
Leitura, escolhem os livros, exploram sua materialidade, leem sozinhas, compartilham
leituras, interagem com as imagens, trocam impressões.
Na última sessão deste capítulo, apresento alguns aspectos do Projeto de
Implantação da Educação Infantil no Colégio Pedro II que considero relevantes à
pesquisa.
3.4 O projeto de implantação da Educação Infantil no Colégio Pedro II
De acordo com o que foi relatado anteriormente, a Educação Infantil na instituição
pesquisada foi implantada sob a responsabilidade dos departamentos pedagógicos de
Ciências da Computação, Desenho e Artes Visuais, Educação Física e Folclore e do
Primeiro Segmento do Ensino Fundamental e dos Diretores das Unidades I18
.
18No período de elaboração do projeto de implantação da Educação Infantil no CPII os diferentes
segmentos que diziam respeito às séries iniciais, finais e Ensino Médio organizavam-se por Unidades,
respectivamente, I, II e III. Entretanto, com a aprovação da Lei nº. 12.677, de 25 de junho de 2012que
equipararam a instituição aos Institutos Federais de Educação (IFE), voltados ao Ensino Básico, Técnico
e Tecnológico, o Colégio Pedro II passou a obedecer às determinações da nova lei e a estruturar-se tal
qual os IFE’s. .
Fotografia 63 Fotografia 64
A estrutura física da Educação Infantil no CPII foi construída com verba do
PROINFÂNCIA, no Campi Realengo, localizando-se física e administrativamente no
Campus Realengo I. O ingresso de crianças na faixa etária de 4 e 5 anos se faz por
sorteio público e, as vagas, são distribuídas nos turnos da manhã e da tarde.
A proposta da Educação Infantil no Colégio Pedro II apresenta os princípios
éticos, políticos e estéticos baseados nas Diretrizes Curriculares para a Educação
Infantil19
. No que diz respeito ao trabalho com a leitura e a escrita, podemos observar o
trecho que aponta como objetivo “contato com diferentes gêneros textuais” (p. 21),
denotando a ênfase no texto e não nos discursos produzidos a partir dos diferentes
gêneros discursivos, como propõe Bakhtin (2012).
A Literatura Infantil é entendida como “fenômeno significativo e de grande
alcance na formação do indivíduo” (ibid idem). Em diferentes momentos a literatura
infantil é entendida como texto, apartado dos diferentes discursos produzidos com e a
partir de uma obra literária.
Já na sessão dedicada a “prática pedagógica da Arte no colégio Pedro II”
notamos que um dos principais objetivos pedagógicos é “promover a apreciação
estética/ leitura de imagens, por meio do contato com as mais diferentes produções
artísticas, consagradas ou não, de diferentes tempos e espaços” e “proporcionar a
ampliação do repertório imagético e estético das crianças, sensibilizando-as e
instrumentalizando-as perceptiva e cognitivamente para atuar criticamente no mundo”
(idem, p. 25). Os objetivos da prática pedagógica da Arte no CPII se afinam com a
concepção que trago neste trabalho, compreendendo a literatura como expressão
artística dentre outras manifestações culturais.
Por fim, apresento as concepções metodológicas deste projeto, que aposta nos
fundamentos inter, multi e transdisciplinares, compreendendo-os a partir de “uma
dialética entre as diferentes áreas” (idem, p. 29) sem considerar as raízes teóricas que as
distinguem. Para Gallo (2008), pensar a educação sob a ótica interdisciplinar supõe uma
“integração interna e conceitual que visa romper com a estrutura de cada disciplina e dar
uma visão unitária de um setor do saber”. Nesse sentido, há uma hierarquização do
saber, privilegiando uns saberes em detrimentos de outros. A perspectiva multi ou
pluridisciplinar “não há integração, mas justaposição de disciplinas”, já a
19Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009.
transdisciplinaridade supõe a “integração global de várias ciências, não há fronteiras
sólidas entre as disciplinas”, como afirma Gallo (2008).
Com isso, observamos uma contradição na fundamentação teórico-
metodológica deste projeto uma vez que expressam que o trabalho com Projetos como
estratégia, uma vez que estes “possibilitam novas elaborações, organização,
envolvimento e construção de conhecimento sem desprezar o contexto social existente”
que “dá sentido real ao que está sendo desenvolvido” (Colégio Pedro II, 2011, p. 29-30).
Como este documento ainda estava no prelo na ocasião da consulta, pode ser que
tenham revisto as posições defendidas, entretanto, até a conclusão deste trabalho, não
havia sido publicada, oficialmente, nenhuma outra proposta que o substituísse.
No capítulo a seguir, tal qual é a proposta do livro ilustrado, trago as análises dos
eventos produzidos no campo empírico entrelaçando-os as imagens dos livros ilustrados
e da leitura literária.
4. O LIVRO COMO PASSAPORTE, BILHETE DE PARTIDA: UMA
CARTOGRAFIA DA LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO NA ESCOLA
Cada palavra descortina um horizonte, cada
frase anuncia outra estação. E os olhos, tomando as rédeas, abrem caminhos, entre
linhas, para as viagens do pensamento. O livro é
passaporte, é bilhete de partida.
(QUEIRÓS, 2012, p. 61)
Queirós dá suporte à proposta deste trabalho de dissertação que visa construir um
percurso, um caminho, uma viagem pelo universo da literatura infantil, cujo livro “é
passaporte, é bilhete de partida”. O autor aponta questões para analisar o livro ilustrado
e a leitura na escola, contribuindo, para pensar na inter-relação entre metáforas verbais e
visuais que este tipo de produção literária propõe.
Neste capítulo, apresento análises dos livros ilustrados e dos eventos produzidos no
campo empírico a partir da leitura com e para as crianças uma vez que tenho como
objetivo principal conhecer e analisar as relações que as crianças da Educação Infantil do
Colégio Pedro II estabelecem com e a partir da leitura do livro ilustrado na escola e,
considerando que as crianças desta etapa da Educação Básica, em geral, não são
alfabetizadas, trago como objetivos específicos: conhecer e analisar como os professores
da turma investigada lêem o livro ilustrado com e para as crianças; compreender como se
dá a leitura de livros ilustrados no grupo pesquisado, produção literária caracterizada por
apresentar-se como um entregênero que traz uma intersemiose entre a linguagem verbal e
visual.
Inicialmente, trago os livros ilustrados selecionados a partir do diálogo com as
professoras da turma pesquisada e, em seguida, apresento os critérios de escolha dessas
obras. No decorrer do capítulo, tenho como proposta a montagem a partir das diferentes
vozes. Assim como é a proposta do livro ilustrado, nossa intenção é fazer nossa viagem
literária por entre palavras e imagens, navegando pelas narrativas verbo-visuais das obras
selecionadas assim como pelas fotografias das crianças e professoras-mediadoras no ato
de leitura. Em diálogo com autores que contribuem para pensaras relações entre texto e
ilustração, consideramos importante enfatizar o que Camargo (1995) denomina de
coerência intersemiótica, justamente pelo fato desta articular dois sistemas semióticos, a
linguagem verbal e visual e contribuir para uma interação menos colonizadora e mais
dialógica com a obra literatura, considerando a dimensão expressiva da linguagem.
Como propõe Bakhtin (2011), para compreender os discursos é preciso
conhecer, além dos enunciados produzidos no campo e por meio das obras literárias, o
contexto de enunciação, que interfere nos significados. O autor traz também o conceito
de excedente de visão, já explicitado anteriormente, como perspectiva de análise do
material de pesquisa produzido no campo, como forma de desdobrar nosso olhar a partir
de um lugar exterior, que nos permite ver as os situações do campo de um lugar queos
próprios sujeitos nunca poderão se ver, conferindo aos eventos sentidos que só podem
ser produzidos sob avisada do pesquisador, do lugar singular que ocupa.
Após o período da pesquisa de campo foi preciso retomar as anotações do
caderno de campo, transcrever os áudios e gravações em vídeo, cotejar cada um desses
registros e organizar os eventos de pesquisa. Com Bakhtin (2011) consideramos evento
de pesquisa a ação de dois ou mais sujeitos que respondem um ao outro do lugar que
ocupam. Um evento é sempre situado num dado tempo e espaço e no fluxo das relações
e suas implicações.
A organização dos itens deste capítulo foi metodologicamente inspirada nos
conceitos de constelação, coleção e mosaico, e também de imersão e montagem,
descritos anteriormente e presentes nos escritos de Benjamin. Sendo assim, a forma
como os eventos foram dispostos seguem a lógica da coleção e cada um dos eventos do
campo é considerado como uma estrela que ganha significação na relação com as
demais.
Os eventos foram organizados a partir dos objetivos deste trabalho, mas as
disposições são escolhas subjetivas da pesquisadora, o que se coaduna com a ideia de
mosaico, semelhante à configuração de constelação e coleção. No conceito de mosaico,
tal como ocorre no girar do caleidoscópio, qualquer modificação na organização deste
trabalho de análise altera sua significação. Neste ponto de nossas viagens literárias nos
interessa especificamente buscar compreender cada um dos fragmentos a partir do que
ele mesmo pode contar de si – imersão; e,ainda, o que ele reverbera no todo –
montagem.
Assim, a maneira como selecionamos cada evento e como trouxemos as análises
foi uma das significações possíveis, escolhas que buscaram dar visibilidades às formas
como os livros ilustrados são lidos numa turma de Educação Infantil, do Colégio Pedro
II. Compreender e analisar o singular- as formas de ler das crianças e das professoras da
turma pesquisada- para pensar possibilidades do trabalho de leitura do livro ilustrado na
escola.
4.1 “A cabeça dele é na lua?” – a dupla audiência em “Pedro e Lua”
A frase que abre este item foi retirada de um evento de leitura da obra literária
“Pedro e Lua”, na qual Moraes (2004) constrói o que Sendak (SALISBURY apud
RAMOS, 2011, p. 79) denominou de “poema visual” através de metáforas verbais e
visuais. A história repleta de sensibilidade e sutilezas explora várias potencialidades
expressivas da linguagem. As personagens principais são Pedro e Lua, substantivos
próprios que se referem a um menino e sua tartaruga, sendo que esta última recebera
esse nome em função da paixão nutrida pelo menino em relação ao satélite terrestre.
Concebido inicialmente para os “não leitores” (LINDEN, 2011, p. 29) o livro
ilustrado supõe um leitor presumido que irá mediar a relação de um outro e, no caso da
escola, de outros, com o texto verbal e visual. Neste caso, o leitor-mediador não apenas
lê para, mas com esses outros, propiciando uma interação não só com as palavras mas
com as imagens que predominam neste tipo de linguagem. Sobre essa questão da
linguagem, Linden observa ainda que o livro ilustrado, por acolher alguns gêneros
diversos não se constitui como um gênero específico e sim enquanto “um tipo de
linguagem que incorpora ou assimila gêneros, tipos de linguagem e tipos de ilustração
[...] que engloba vários gêneros pertencentes às categorias da literatura geral”
(LINDEN, 2011, p. 29).
Com isso, trago como categoria de análise o que os críticos norte-americanos
chamam de dual address [destinatário duplo], traduzido para o português como dupla
audiência (LINDEN, 2011, p. 29).
Claramente destinado a crianças e adultos, comunicando-se em diversos níveis
com ambos os públicos, “Pedro e Lua” é um exemplo de livro que toca um público
amplo, desde o leitor mais experiente, familiarizado com as convenções deste artefato,
ao menos experiente, porém perspicaz e atento, como é o caso das crianças. Dessa
forma, fica evidente que a obra é dirigida a diferentes idades e experiências, sendo seu
melhor público “um time de adultos e crianças reunidos, cada um oferecendo seus
pontos fortes especiais” (Nikolajeva & Scott, 2011, p. 39).
Para a editora Prades (2012) o “papel do formador é criar uma ponte entre o livro
e o leitor [...] construída com base no respeito e na aposta de uma infância inteligente e
sensível”, ponte essa concebida como “local de travessia, caminho sólido para possíveis
encontros”.
Retomando a análise da obra de Moraes, editada em 2004 e premiada como
“melhor livro do ano, em 2005, na seleção da FNLIJ, e escrita e ilustrada pelo
autorilustrador20
. Moraes iniciou sua incursão pelo universo da literatura como
ilustrador de livros de outros escritores e estreou na dupla função de autor e ilustrador
em 2002, quando publicou A princesinha medrosa, título também premiado. Formado
em design gráfico, é também editor da Cosac & Naify e é responsável pelo projeto
gráfico de diversos livros dedicados ao público infanto-juvenil, dentre os quais o livro
que analisaremos agora.
Com o objetivo de tecer um percurso de leitura do livro “Pedro e Lua”, por entre
palavras e imagens, entrelaço este texto com as ilustrações do livro, fotografias das
crianças e alguns eventos produzidos no campo empírico.
Começaremos pelos aspectos paratextuais, pouco explorados nas produções
contemporâneas: desde a capa, passando pelo formato, título, guardas, frontispícios até
a quarta capa. Conforme propõem Nikolajeva & Scott (2011, p. 324)“a contribuição dos
paratextos para o livro ilustrado é de fato muito importante, em especial porque
costumam carregar uma porcentagem significativa das informações verbais e visuais do
livro”.
Satué (2004) ajuda a pensar o design dos livros de literatura infantil, trazendo
contribuições a partir de uma perspectiva histórica. Na introdução de seus livros sobre o
editor, tipógrafo e livreiro Aldo Manuzio, Satué dedica-se a pensar o design de livros,
considerando as características mais convencionais, dentre elas: os paratextos. O autor
afirma ainda que, a natureza física do livro impresso pouco mudou nos cinco séculos e
meio de sua existência e, tais características ainda se aplicam “indistintamente a livros
do passado, do presente e do futuro” (2004, p. 21). De fato, podemos perceber a
permanência de aspectos que perduram na materialidade deste objeto embora, em
função do mercado editorial, possamos observar que, o projeto gráfico das produções
contemporâneas, ampliam as possibilidades de interação com o livro infantil.
Iniciamos uma viagem pela poética visual de Moraes (2004) quando, desde a
capa, nos deparamos com um diferencial apresentado na primeira edição de 2004, um
adesivo que alerta o leitor mais atento: “capa que brilha no escuro!”. Esse recurso
2020A expressão autoresilustradores, tal como vem sendo apresentadas, advém de uma característica cada
vez mais observada nos livros de literatura infantil publicados nas últimas, cujo autor é também ilustrador
de suas próprias obras e, em muitas vezes, também interfere no projeto gráfico dos mesmos.
desperta a atenção de todos os públicos, no caso, professores e crianças, de maneira
indistinta.
O primeiro aspecto analisado é o formato, apontado por Linden (2011, p. 52)
como determinante para a expressão, uma vez que “a organização das mensagens a
serviço da página ou da dupla, bem como o tamanho e a localização das imagens e do
texto, estão solidamente articulados com as dimensões do livro”.
Inicio minha leitura a partir do formato escolhido, como parte de uma categoria
denominada peritextos da editora (Genette apud Nikolajeva & Scott, 2011, p. 307),
discussão tomada como parte do design de livros. Organizado em formato vertical,
parece atender ao ser uma conveniência relacionada ao estilo pessoal de seus criadores,
adaptando-o a seu objetivo (Nikolajeva & Scott, 2011, p. 308). Nesse caso, temos como
criadores, o próprio Odilon Moraes, autorilustrador, juntamente com o coordenador
editorial.
O segundo aspecto analisado diz respeito ao título enquanto “parte importante do
texto como entidade” (Nikolajeva & Scott, 2011, p. 308) uma vez que muitas crianças
acabam escolhendo um livro e não outro em função do título. Dentre as possibilidades
desta categoria temos os títulos chamados nominais, que incluem o nome do
personagem principal, pois funcionam como “um dispositivo narrativo didático, dando
ao leitor jovem algumas informações diretas [...] sobre o conteúdo do livro [...] e seu
público” como afirmam Nikolajeva & Scott (2011, p. 309).
Outro aspecto que chama a atenção no título é o fato do nome do protagonista
estar acompanhado de um outro nome próprio, Lua. Entretanto, esse aspecto não fica
claro para as crianças pequenas, que ainda não se apropriaram das convenções da língua
escrita, deixando uma ideia ambígua, complementada pela imagem monocromática da
ilustração da capa, que nos remete a uma cena noturna, “podendo tanto esclarecer como
contradizer a dupla narrativa” (NIKOLAJEVA & SCOTT, 2011, p. 309).
Ilustração 26
Considerando ainda que o título de um livro ilustrado é parte muito importante da
interação texto-imagem e contribuem para todos os tipos de relação que observamos
dentro dos próprios livros, podemos pensar que este aspecto paratextual, em
consonância com as imagens da capa que, mostra sem dizer e diz sem mostrar, uma vez
que nenhuma personagem é apresentada, o que só acontecerá na primeira página dupla.
No contexto de leitura do livro “Pedro e Lua”, a professora-mediadora
problematiza, a partir da imagem da capa, o título da história:
Uma das professoras senta-se em uma cadeira e chama as crianças para sentarem na roda. Imediatamente as crianças se posicionam
diante dela e começam a conversar, enquanto a outra professora se
aproxima com um livro na mão, senta e convoca as crianças a virarem em sua direção. Em seguida principia:
Professora Laura: Ó... (faz uma breve pausa, volta à capa do livro em
sua direção, deixando revelar a quarta capa, depois mostra às
crianças). De que será que deve falar esse livro aqui?
Lá de trás, uma menina responde:
Isadora: É da lua! Que brilha![...] Professora Laura: Será? (Mostra a quarta capa).
Isadora: Tem uma cabeça ali! (referindo-se a imagem da quarta capa)
As crianças riem. A professora Laura examina a capa e quarta capa, depois diz:Olha!
E a menina continua...
Isadora: É sério! Tem um homem de cabeça ali!
Professora Laura: Olha... (breve pausa) De que será,gente, esse livro? As crianças observam. Umas vão dizendo algumas coisas, mas que
ficam difíceis de compreender devido à fala paralela.
Professora Laura: Qual será o nome desse livro? As crianças examinam a capa e, algumas, arriscam:
Luana: Pólo Norte!
Professora Laura: Pólo Norte? (volta-se para as crianças) Será, que é o livro do Pólo Norte?
Fotografia 65
Nesse momento Marcelo, volta-se
para a professora, observa a capa e lê em voz alta: Marcelo: Pedro e Lua.
A professora escuta, surpreende-se e diz:
Professora Laura: Ó... o Marcelo leu! [...] Em seguida a professora volta a capa para si, coloca os óculos e
depois mostra a capa para o grupo, dizendo:
Professora Laura: Ó... Pedro e...
O menino Marcelo completa: Lua! (vira-se de frente para os colegas, interagindo com eles através do olhar)
Professora Laura: Pedro e Luaaaaaa!
Olhando para o título, localizado na capa, uma Luanadiz, pausadamente, como quem lê: Pedro e Lua.
A professora segue a leitura, explorando outros aspectos da
materialidade do livro. (Observações do campo, 02/07/2013)
Durante todo o evento, percebemos que a professora interage com o livro, em sua
materialidade e, com as crianças fazendo indagações acerca dos sentidos produzidos
pela ilustração da capa. As crianças, por sua vez, se sentem convocadas a verbalizar
suas hipóteses e se arriscam a desvendar o mistério do título da história. Interessante é
que a professora deixa que elas tomem da palavra e, enfatiza uma ou outra fala dentre as
tantas que surgem.
Ao analisar este evento, observamos a alternância dos sujeitos do discurso, a
posição responsiva que se enuncia por palavras, gestos e silêncios. Nessa relação
dialógica entre a professora, as crianças e o livro, são produzidos enunciados que
revelam as experiências das crianças e a relação que elas estabelecem com e a partir dos
indícios apontados através das ilustrações da capa e da quarta capa. Percebemos que,
em determinado momento uma criança faz a leitura convencional do título e elucida o
mistério. A professora se surpreende com a inesperada leitura de uma criança da
Fotografia 66
Educação Infantil e reforça o discurso do menino, compartilhando com os demais
sujeitos.
Seguindo a proposta da capa de mostrar sem dizer e dizer sem mostrar,
retomamos a leitura da capa que, diante do olhar mais minucioso do leitor, revela um
sem número de estrelas. Ao evocar a experiência tátil, somos levados a perceber
incontáveis micro-fragmentos em relevo. Com isso, podemos concluir que o céu é a
paisagem que nos é dada a ver, o que reforça a ideia de que a lua a que o título faz
referência é o satélite da Terra.
Tomando como categoria de análise a dupla audiência, atentamos para o fato de o
autor trazer no enunciado do título a Lua, com letra maiúscula é um substantivo próprio,
fato que um leitor experiente, que tem pleno domínio dos aspectos convencionais da
escrita pode perceber mas, que escapa ao leitor menos experiente.
Além desse elemento-surpresa, a ilustração da capa traz um contraste entre o
preto, ocupando quase todo o espaço disponível, dando uma ideia de imensidão e, logo
abaixo, um cenário alvo, sugerindo uma perspectiva de proximidade entre céu e terra.
Observamos, ainda, que a imagem da capa ocupa todo o espaço disponível sem efeitos
de moldura, aproximando o leitor de seu suporte, o livro ilustrado, num movimento
quase mimético, de entrada na história.
Passando à análise das guardas, em “Pedro e Lua” o projeto editorial inclui o uso
deste recurso como forma de contribuir para a história. As guardas trazem uma
ilustração que é continuidade da capa e quarta capa, ampliando o espaço de visada do
leitor - todo em preto e branco -, como podemos observar, nas imagens abaixo:
A utilização deste recurso do design gráfico de livros confere à ilustração a
sensação de que a história não termina, nos levando ao início mais uma vez (Nikolajeva
& Scott, 2011, p. 317). A complementação do cenário principal, transmitindo
Ilustração 27
informações que aguçam a curiosidade e imaginação do leitor, se soma à narrativa e
influencia a interpretação do leitor e leva-o a apreender a história como jogo” (idem, p.
316). Segundo as autoras,
Vários autores contemporâneos de livros ilustrados contestam
deliberadamente essa convenção deixando uma pista decisiva da história aparecer na quarta capa [...] a linha continua na quarta capa,
levando o leitor de volta para a frente e mais uma vez para dentro do
livro, em uma história interminável, circular (p. 319-320).
Essa proposta nos remete à ideia de continuidade, como se a história não
terminasse com o fechamento do livro, muito pelo contrário. Como um jogo, somos
impelidos a recomeçar, retomando a leitura a partir da capa. Embora o enredo já seja
conhecido, ampliamos a compreensão da narrativa verbo-visual e, assim como as
crianças, começamos tudo outra vez!
Entrando ainda mais na leitura de “Pedro e Lua” chegamos a primeira página
dupla e somos apresentados ao protagonista dessa história: Pedro que, como podemos
conferir na ilustração abaixo, “queria dizer pedra”. Nossa personagem principal,
segundo a frase de abertura: “tinha a cabeça na lua”. Curiosamente, a palavra lua é
escrita em minúsculas, sugerindo-nos tratar-se do satélite terrestre mas, é também a
cabeça de Pedro. Dessa forma, temos a metáfora cabeça na lua concretizada pelas
imagens, quando vemos o menino, sem a cabeça e, esta, por sua vez, no lugar da lua,
com rosto arredondado e sorridente.
Ilustração 28
Nesse ponto da narrativa nos deparamos mais uma vez com metáforas visuais
ampliando o sentido das metáforas verbais e, mais uma vez, a dupla audiência é
evidenciada: a começar pelo fato da palavra lua estar escrita em letras minúsculas,
elemento convencional da escrita que só faz sentido para o leitor mais experiente.
Entretanto, a ilustração é bastante marcante, tendo em vista que a cabeça de Pedro é
também a lua e, este, por sua vez, de braços levantados, parece tentar pegá-la. O autor
deixa, portanto, uma brecha à imaginação do leitor infantil: seria a lua... ou sua própria
cabeça? Ou seria a cabeça na lua?
Queirós (2012, p. 68) contribui com essa discussão ao afirmar que
Na medida em que o texto tem como figura maior a construção da metáfora, é possível ir muito além do escrito. A metáfora cria arestas,
faces, dúvidas. E esta metáfora em função da arte, da beleza, abrirá
portas para muitas e infindáveis paisagens que já existiam na alma do leitor.
O estranhamento causado pela relação entre texto e imagem também foi vivido
franca e profundamente pelas crianças, como pode ser observado no evento a seguir:
A professora, após explorar o título, a capa, as guardas dentre outros
aspectos paratextuais, prossegue a leitura e, com o livro aberto e
voltado na direção das crianças, se deparam com o texto visual exposto na primeira página dupla do livro.
Em seguida, iniciam um diálogo com e a partir da imagem:
Luana: Está sem cabeça, ele?
José Renato, outra criança emenda: A cabeça dele é na lua?
Fotografia 67
Ao que a professora Laura indaga: Será que a cabeça dele está lá na
lua?
Paulo confirma: Ele está... está lá. Leonardo: A cabeça está aqui em cima (aponta para a cabeça-lua no
livro e busca a cumplicidade dos colegas, que riem para ele).
As crianças se olham e sorriem.
A professora faz uma breve pausa e principia a leitura do texto verbal: Professora Laura: “Pedro queria dizer pedra, mas tinha a cabeça na
lua”.
As crianças escutam atentas à leitura e observam as ilustrações com
atenção. A professora prossegue fazendo pausas para que as crianças olhem as imagens, o que vai ditando o ritmo da leitura
(Observação do campo, 02/07/2013).
Neste evento observamos que as crianças, primeiro focalizam sua atenção às
imagens e ampliam sua compreensão a partir do texto verbal. Entretanto, o que ao
adulto letrado pode parecer banal, às crianças produz um sentido literal e, portanto,
quando o autor diz que o menino “tinha a cabeça na lua” causa estranhamento. Nesse
caso, pode-se perceber uma ampliação do sentido da metáfora “cabeça na lua”, que
pode tanto significar uma pessoa desligada, sonhadora, como pode querer dizer alguém
aficionado na lua, satélite da Terra. Sobre isso, Nikolajeva & Scott (2011, p. 45)
afirmam que “a imagem, o texto visual, é mimética; ela comunica mostrando [...] e o
texto verbal é diegético; ele comunica contando”.
Podemos observar que é o modo como as crianças interagem com e a partir do
texto visual e verbal que imprime o ritmo da leitura. A professora faz pausas, levanta
questões, responde perguntas devolvendo-as e, na relação entre as crianças e o livro,
cumpre o papel de médium, contribuindo para a produção de sentidos, ampliando-os à
medida que chama a atenção para um ou outro elemento das narrativas visual e verbal.
A entonação na leitura do texto verbal é pausada, dando ênfase ora em um elemento da
Fotografia 68
narrativa, ora em outro. A maneira como a leitura acontece é dialógica e considera as
diferentes vozes que emergem do discurso verbal e visual, bem como os múltiplos
sentidos que podem ser atribuídos a ele.
Dando prosseguimento à análise do livro, chamo a atenção para a paisagem visual
monocromática produzida pelas ilustrações, quando o menino Pedro faz mais um de
seus passeios no alto do morro onde gostava de mirar a lua, num cenário que o coloca
diante da imensidão do céu noturno, dividindo o espaço da página dupla entre a
escuridão, em preto, repleto de pequenos espaços brancos, que sugerem a luz das
estrelas e, o morro de onde podemos observar pequenas pedras desenhadas com traços
disformes, acompanhados por sombras, causando o efeito de luz e sombra, apontado por
Oliveira (2009, p. 51).
3
Ao observarem esta ilustração, as crianças iniciam um diálogo acerca dos efeitos
produzidos pelos elementos gráficos utilizados, como podemos conferir no evento a
seguir:
A professora Laura segue lendo o texto verbal:“... e descobriu que as
pedras tinham caído da lua e deviam ter saudades de casa”.
Paulo interrompe e exclama: Isso é... isso é lama!
A professora Laura olha a imagem e, responde: Será? Paulo confirma: Isso é lama, olha... preto.
Ilustração 29
A professora Laura não responde e devolve a pergunta: Será?
Luana observa: Não, porque o livro é preto, não é tia?
Uma terceira, Clarice, completa: Preto e branco! A professora responde, fazendo gesto afirmativo com a cabeça. As
crianças continuam com os olhos grudados no livro, atentos a cada
virada de página (Observação do campo, 02/07/2013).
No evento acima, podemos perceber que as crianças negociam sentidos com e a
partir do recurso gráfico escolhido pelo autor para construir a narrativa entrelaçada por
palavras e imagens, que faz todo o sentido dentro do contexto da leitura. Entretanto, é
no diálogo entre os leitores e mediado pela professora que eles chegam a uma conclusão
que parece dar acabamento, ainda que provisório, à enunciação. No decorrer da leitura,
este tema não é retomado nem pelas crianças nem pela professora, e parece ter se
encerrado com a conclusão da Clarice, que afirma de forma contundente: “Preto e
branco!”.
Mas, diferentemente deste, o tema do menino “que tinha a cabeça na lua” parece
ter sido retomado pelas crianças, a partir da ilustração, em página dupla, que acompanha
o evento a seguir:
A professora Laura mostra as imagens enquanto lê: “Então, a cada
passo, Pedro juntava pedrinhas para perto da lua”.
Antes que a professora virasse a página, José Renato questionou: Ele...
ele estava lá no espaço? Professora Laura: Será? (breve pausa) Será que ele estava no espaço?
Paulo: Não.
Professora Laura: Por que será que está tudo preto assim? Luana: Porque está de noite.
Professora Laura: Ahhh!
José Renato: Mas parece que está no espaço, né? Professora Laura: Parece, né.
Ilustração 30
Rafael: Ele está no espaço.
Professora Laura: Ele está no espaço?
Duas crianças respondem, quase que ao mesmo tempo: Luana: Não, em cima da lua!
Paulo: Não, na lua!
Com o conflito estabelecido, a professora então continua a leitura, a fim de encontrar elementos que possam contribuir para a elucidação
da questão (Observação do campo, 02/07/2013).
A expressão “cabeça na lua” que, no início da narrativa é compreendido de
maneira literal, reaparece a partir da impressão de que o menino, que está no alto do
morro, “está no espaço”. Para a professora, que compreendeu o jogo com a linguagem
criado por Moraes (2004) a retomada da questão demonstrou que a metáfora não havia
atingido o outro público: o infantil e, para isso, ela busca equacioná-la dando
prosseguimento à narrativa para, junto com as crianças, encontrar pistas deixadas pelo
autor.
Na cena seguinte, temos mais uma página dupla cujo cenário se repete, assim
como também vemos repetir-se o movimento do personagem de coletar e juntar pedras
encontradas no caminho. Entretanto, temos agora um elemento novo: “uma pedra bonita
cruzou seu caminho”. Pedra essa que, ao virar da página, se transforma, pois “Pedro
logo descobriu que era uma tartaruga” que, como seu casco era semelhante à “uma
grande lua esverdeada”, recebeu o nome de Lua.
O texto verbal de um lado, desvenda o mistério proposto pelo título, não revelado
pela ilustração da capa. Lua, iniciando com letra maiúscula, nome próprio, nome da
pedra bonita, tartaruga encontrada, parecida com a tão amada lua, em minúsculas. Do
outro lado, uma imagem que mostra, sem dizer, a alegria vivida pela descoberta da
amizade entre Pedro e Lua. Nesse momento, as personagens sobressaem ao cenário de
fundo e aparecem em primeiro plano, esboçando a alegria do encontro.
Observamos, até o momento, que Moraes (2004) utiliza o recurso da ambientação
mínima ou reduzida, voltando a atenção do leitor aos personagens, o que é reconhecido
como um reflexo do conceito específico de livro ilustrado, posto que
retratam cenários limitados concentrando-se nos detalhes essenciais e omitindo tudo que não tenha relação imediata com o enredo e o
personagem. Os cenários são do tipo pano de fundo. Não estimulam
pausas longas em cada dupla, preferindo incentivar a rápida virada de páginas para seguir o enredo. (Nikolajeva & Scott, 2011, p. 89)
Nas sequências de páginas duplas, percebemos uma passagem de tempo.
Enquanto Lua e Pedro se descobrem, brincam e compartilham o amor de um pelo outro,
têm a lua como testemunha. Pedro torna-se um rapaz e, começa a desvendar outros
caminhos. Lua envelhece, mas mantém-se fiel à amizade, esperando pelo amigo querido
encolhida no próprio casco.
Depois, mais uma vez, uma página à esquerda, cujo texto lemos uma metáfora que
expressa, por palavras, um sentimento, ao afirmar que a tartaruga sequer se alimentava
enquanto o amigo estava ausente e ficava triste “igual céu sem lua”. À direita, uma
imagem melancólica, somente o céu noturno divide o espaço com a montanha e poucas
pedras: nada de lua, nem Pedro, só Lua, dentro do casco. A interação verbal-visual nos
envolve num sentimento que mistura tristeza, solidão e um amor profundo.
O desenrolar da história sugere uma passagem de tempo, que é evidenciada pelo
seguinte fragmento:
A professora continua lendo:
Professora. Laura: — E assim, foram crescendo. Juntos. Passa para a próxima página dupla e lê: Pedro... e a Lua.
Um menino indaga:
José Renato: Se transformaram em adultos?
Professora. Laura: Ó, estão crescendo... O menino insiste:
José Renato: Até se transformaram em adultos?
Uma criança confirma, a partir do que vê nas ilustrações: Luana: Sim!
A professora Laura suscita a dúvida:Vamos ver!
A página seguinte ajuda a elucidar a questão e outra criança afirma:
Paulo: É! (Observação do campo, 02/07/2013).
Percebemos que, em sua mediação, a professora procura deixar que os espaços
vazios, como postula Queirós (2012) sejam preenchidos pelas próprias crianças,
devolvendo sob a forma de perguntas, as indagações que conferem sentido à leitura. E,
com isso, são elas próprias que vão, a partir de suas experiências com e a partir da
leitura, construindo sentidos coletivamente. A professora compreende seu papel de
mediadora e vai se encontro ao que Queirós (2012, p. 62) aponta:
Fundamental, ao pretender ensinar a leitura, é convocar o homem para
tomar da sua palavra. Ter a palavra é, antes de tudo, munir-se para
fazer-se menos indecifrável. Ler é cuidar-se, rompendo com as grades
do isolamento. Ler é evadir-se com o outro, sem, contudo, perder-se nas várias faces da palavra. Ler é encantar-se com as diferenças.
Já no final da história vemos nas personagens que representam a família do
menino com expressão melancólica e, com isso, antecipamos o que poderia ter ocorrido
com Lua, que a essa altura já se tornara íntima e próxima também de nós. Teria ela
adoecido? Morrido de saudades? O menino, assim como nós, diante dos olhares
reticentes da família, põe-se a procurá-la. Acompanhamos sua busca, num movimento
de cumplicidade com nossa personagem principal e, enquanto Pedro a chama, por
palavras, nós a avistamos, antes dele, por imagens. O menino retorna à montanha e, sob
a luz das estrelas, carrega Lua nos braços.
Justamente como é proposta do livro ilustrado, muitas outras leituras são
possíveis, considerando algumas peculiaridades do livro contemporâneo destinado às
crianças, no que diz respeito às variações no design, como aponta Ramos (2011, p.79),
uma vez que
ocorrem tratamento no formato das páginas; o abandono da cronologia
linear, a história não tem mais uma linha de tempo organizada; (...) o
jogo, em que o leitor é convidado a ler o livro como um quebra-cabeça; a multiplicidade de significados, que permite a escolha de
vários caminhos para compreender a obra, criando diferentes públicos
para ela.
Em “Pedro e Lua”, Moraes (2004) constrói uma linguagem própria, à medida que
o texto verbal se entrelaça com o visual, provocando uma leitura por entre as metáforas
produzidas pelas palavras e imagens.
A opção pelo ambiente monocromático, característico de uma paisagem noturna,
propõe um jogo cuja liberdade de criação nos indica uma trajetória para além do que a
ilustração sugere, de modo que, para cada leitor, uma infinidade de cores e experiências
estéticas com e a partir do livro são possíveis.
Uma infinidade de paisagens se abre a partir palavras, como portas e janelas, onde
somos visitados por um enredo, cuja cronologia não é linear. Nos somamos ao mundo
imagético sugerido por cada traço e ponto e, como aponta Queirós (2011, p. 61)
“abrem-se caminhos, entre linhas, para as viagens do pensamento”.
Com traçado delicado e sensibilidade ao desenrolar da narrativa verbal, a história
vai sendo contada, abrindo espaço para uma visão estética própria da arte, que nos
mobiliza, nos convoca frente à leitura e nos humaniza. O que, como aponta Cândido
(2011), a fazer cumprir a função primordial da literatura, compreendida como direito
fundamental e inalienável de todo e qualquer sujeito, à medida que nos impele à
fabulação, espécie de sonho acordado.
4.2 “A gente dá ‘pra’ entrar no livro também?” – “Onde vivem os monstros” por
uma leitura entre aquilo que é e aquilo que não é21
As palavras são portas e janelas.
Se debruçamos e reparamos, nos inscrevemos na paisagem.
Se destrancamos as portas, o enredo do universo nos
visita. Ler e somar-se ao mundo e iluminar-se com a claridade
do já decifrado. Escrever-se é dividir-se.
(QUEIRÓS, 2012, p. 56)
As palavras de Queirós soam como uma convocação, uma espécie de
provocação ao diálogo. A partir do que ele enuncia, procuramos estabelecer relação com
o objeto deste estudo: o livro ilustrado que supõe que o leitor possa se debruçar, por
entre as frestas de palavras e imagens, e na relação estética entre metáforas verbais e
visuais, produzir sentidos.
Como pesquisadora e professora da Educação Básica, atuando junto às crianças
da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, me sinto constantemente
provocada (e convocada), a (re) pensar o fazer cotidiano com e a partir da arte em
articulação com o discurso do saber, no sentido de que o discurso produzido com e a
partir da arte é também do saber, mas um saber que nos desloca, nos transforma e
humaniza.
Candido (2011, p. 193), ao discorrer acerca do caráter humanizador da literatura
como experiência estética, contribui com essa discussão quando afirma que “uma
sociedade justa pressupõe o respeito dos direitos humanos, e a fruição da arte e da
literatura em todas as modalidades e em todos os níveis é um direito inalienável”.
Queirós (2012) alerta para o modo como a arte tem sido apropriada pela escola,
afastando a criança dela. Embora os estudos acerca da relação entre literatura infantil e
escola evidenciem que, pelo fato de estar na escola, a literatura é escolarizada,
produzindo apagamentos, ainda é possível pensar em possibilidades de exercitarmos a
espontaneidade, a fantasia, a inventividade, a liberdade, características preponderantes
da infância (QUEIRÓS, op. cit., p. 58), e pressupostos básicos do ato criador.
21Tomei emprestado dos escritos de Larrosa (1999, p. 100) essa expressão, quando ele se refere à
experiência de leitura pelas frestas.
Neste contexto, o que está em jogo é o processo ativo da comunicação discursiva,
que tem no enunciado vivo uma atividade responsiva posto que, no discurso entre o
falante e o ouvinte estão todas as percepções, compreensões e incompreensões dos
sujeitos que estão envolvidos nesse ato de fala (ou de escrita), produzindo significados
que gestam uma resposta, sob a forma de réplica, concordância, objeção, silêncio, etc.
(BAKHTIN, 2011).
Partindo desta premissa, podemos afirmar com Bakhtin (2012) que toda resposta é
fruto dos enunciados que o precederam, discursos alheios ou próprios, limitados pela
alternância dos sujeitos do discurso. Essa alternância dos sujeitos no discurso, segundo
o autor, produz a réplica que “por mais breve e fragmentária que seja, possui uma
conclusibilidade específica ao exprimir certa posição do falante que suscita resposta, em
relação à qual se pode assumir uma posição responsiva” (idem, p. 275).
Ao tratar da obra literária, Bakhtin aponta que, assim como os demais gêneros, ela
também é prenhe de resposta, de compreensão responsiva, assumindo diferentes formas,
seja influenciando os leitores e produzindo deslocamentos ou evocando críticas.
Tomada dessa forma, a obra é um elo da comunicação discursiva e seus enunciados
prevêem réplicas e se relacionam com outros enunciados, ela também está vinculada a
outras obras que a precederam e que a sucederão.
Essa relação entre os enunciados implica em escolhas individuais, sempre
contextualizadas e, nesse sentido, o elo da comunicação discursiva é pleno de palavras
dos outros, cheias de ecos de outros enunciados e, portanto, é com e a partir das
palavras alheias que, cada sujeito vai se constituindo, apropriando-se e produzindo
discursos próprios.
Nesta sessão, discuto alguns limites e possibilidades para pensar os modos de
ler, ver e sentir, nas brechas da leitura do livro ilustrado, de modo que possamos pensar
a produção de sentidos que a literatura propicia. Apresento em tessitura com as análises,
ilustrações do livro ilustrado de Sendak (2009), bem como fotografias e desenhos das
crianças que revelam a interação delas com e a partir das imagens do livro bem como as
reverberações que a leitura provocou no grupo.
Publicado em 1963, renovado em 1991 e reeditado em várias línguas, em
diferentes países, este livro recebeu muitos prêmios da literatura infanto-juvenil, dentre
os quais “Especial Tradução Criança”, pela FNLIJ, em 2010, e é considerado um dos
marcos do livro ilustrado contemporâneo. No Brasil, o livro foi editado em 2009, pela
Cosac &Naify, editora responsável por outras publicações nacionais e internacionais,
reconhecida pelo tratamento gráfico dado às produções que edita. A obra evidencia o
lugar da infância na literatura contemporânea: espaço-tempo de transgressão,
inaugurando uma outra relação com o leitor-criança, longe dos ensinamentos moralistas
e conservadores.
Iniciamos nosso percurso com a frase de abertura do livro “Onde vivem os
monstros”: “na noite em que Max vestiu sua fantasia de lobo e saiu fazendo bagunça,
uma atrás da outra...” (SENDAK, 2009). Logo após uma sequência de imagens, o
menino Max é castigado por suas travessuras e, chamado de “MONSTRO!” pela
própria mãe. Em seguida, é mandado para a cama e sem jantar. Após ser castigado, Max
ingressa em um universo imaginário e viaja para um lugar onde seus companheiros,
monstros, habitam. Segundo Linden (2011, p. 17), o autor “introduz uma nova
concepção da imagem, que passa a permitir representar o inconsciente infantil”.
O autor desta obra literária, principia a narrativa visual, emoldurando a ilustração
em um pequeno retângulo que vai sendo ampliado a cada virada de página, ocupa toda a
página até que as imagens transbordam de uma página à outra, num efeito de página
dupla, como veremos a seguir:
O livro ilustrado de Sendak (2009), como outros tantos, congrega diferentes
mídias que se interpenetram, criando uma linguagem própria e, com isso, se aproxima
da linguagem cinematográfica, quando traz
Aproximações com o close, panorâmicas, ponto de vista de cima para baixo ou ao seu reverso, construção da narrativa ao modo dos
quadrinhos, aproveitamento da técnica de cortes inerentes à montagem
cinematográfica para a dinâmica do enredo, acelerando o tempo
narrativo, voltando ao passado, ou resumindo um evento em verdadeiras metáforas visuais. (BELMIRO, 2014, p. 1).
Se pensarmos na sintaxe própria do cinema, diríamos que as imagens estão em um
plano aberto, cujo personagem principal ocupa o centro da cena. Assim como no
cinema, a literatura também tem a possibilidade de trabalhar, assim como sugere a
cineasta Sandra Kogut “com sutilezas, nuances, espaços sensoriais”22.
Sendak (2009), ao conceber a narrativa verbal-visual de seu livro, produz um
efeito nas imagens, ampliando seu espaço nas páginas à direita, reduzindo
progressivamente a moldura que as isola, transbordando-as na página à esquerda,
produzindo o efeito de página dupla. Linden (2011, p. 71) nos diz que o fato de uma
imagem ser fechada em uma moldura produz o efeito de delimitação da mesma, de
marcar uma representação e afirma ainda que, “a moldura possibilita, sobretudo, definir
um espaço narrativo coerente, uma unidade dentro da narrativa por imagens”.
Em “Onde vivem os monstros”, o autor explora a entrada no universo do
inconsciente infantil, sem censuras e, com isso, expõe os conflitos internos comuns a
22Este discurso foi retirado do discurso proferido pela cineasta Sandra Kogut, sobre sua experiência com o
cinema na mesa “Mutum e a infância no cinema brasileiro” da III Encontro de cinema e educação da
UFRJ, organizado pelo Laboratório do Imaginário Social e Educação - LISE da FE/ UFRJ entre os dias
30/11 a 01//12/2009.
Sequência 2
muitas crianças, como o sentimento de ódio em relação a figura materna, ausente nas
ilustrações, mas representada pela autoridade expressa por palavras. Linden (2011, p.45)
ao abordar as diferentes possibilidades de evocação das imagens no livro ilustrado,
aponta para a interdependência das ilustrações ao longo da narrativa. No caso de “Onde
vivem os monstros”, temos o que a autora denomina de imagens associadas, ligadas “no
mínimo, por uma continuidade plástica ou semântica” posto que apresentam uma
coerência interna, num duplo movimento de autonomia e dependência.
Com o objetivo de tecer um percurso de leitura do livro “Onde vivem os
monstros”, por entre palavras e imagens, entrelaço esta sessão com algumas ilustrações
do livro, desenhos das crianças e alguns eventos produzidos a partir da leitura deste
livro no campo empírico.
Após toda uma jornada por dias e noites, semanas após semanas, Max finalmente
chega ao lugar “Onde vivem os monstros”. Para isso, o autor utiliza uma sequência de
páginas duplas onde as ilustrações não só predominam mas ocupam todo o espaço
narrativo. As imagens falam por si, caracterizadas pela ausência de texto verbal escrito,
deixando os espaços necessários à criação do leitor.
A esse respeito, Benjamin (1984, p. 55) afirma que “não são as coisas que saltam
às páginas em direção à criança que as contempla – a própria criança penetra –as no
momento da contemplação”. O autor aponta que esse movimento mimético que a
criança realiza ao se lançar frente à narrativa, tomando parte dela, se dá também por via
das imagens, consideradas fundamentais no universo da literatura infantil:
[a criança] se sacia com o esplendor colorido desse mundo pictórico.
Frente ao livro ilustrado a criança coloca em prática a arte dos taoístas
consumados: vence a parede ilusória da superfície e, esgueirando-se entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco onde o conto
de fadas vive. […] Fantasiada, com todas as cores que capta lendo e
vendo, a criança entra no meio de uma mascarada e também participa
dela (BENJAMIN, 1984, p. 55).
E é justamente no entrelaçamento com o pensamento benjaminiano que trago
alguns diálogos das crianças entre si e com a professora, mas também com e a partir do
livro ilustrado.
A professora mostra às crianças as páginas duplas só com ilustrações (sequência 2). A imagem que é revelada é a do menino brincando com
os monstros, fazendo bagunça até o anoitecer. Enquanto observa as
imagens, uma criança indaga à outra: Rafael: Gustavo, tu queria entrar no livro?
O menino responde afirmativamente com a cabeça e, em seguida, o
colega Rafael pergunta à professora: Tia... tia... a gente dá para entrar no livro também?[...]
Professora Fernanda: O quê?
Rafael: A gente pode entrar no livro?
Gustavo: Se a gente for pequenininho, dá! (faz gestos de se reduzir ao tamanho do livro e entrar nele)
Sequência 3
Professora Fernanda: Não sei. Você acha que dá? O menino responde que sim, balançando a cabeça e, a professora
responde com um sorriso. Em seguida, continua mostrando as
imagens ao grupo (Registro do campo, 11/06/2013).
Nesse evento, podemos observar que as crianças reproduzem o movimento de
entrada na história, evidenciando as considerações de Benjamin (1994) no que tange à
faculdade mimética, uma vez que elaboram uma estratégia de, literalmente, fazer parte
da narrativa. De fato, analisando o livro ilustrado “Onde vivem os monstros”
observamos que sua narrativa verbal-visual é polifônica (BAKHTIN, 2011), posto que
nos traz diferentes vozes: do narrador, do menino, da mãe, dos monstros, do leitor/
mediador e do leitor-ouvinte pelas brechas abertas a compreensões diversas e pelos
diálogos com e a partir da leitura.
Chartier (1996) ajuda a olhar a leitura como prática criadora, produtora de
sentidos ímpares e significações sem limites. Para isso, o autor considera a relação entre
três aspectos: o texto, o seu suporte e as práticas de leitura. Bourdieu (1996, p. 250), em
diálogo com Chartier afirma que “quando o livro permanece e o mundo em torno dele
muda, o livro muda” e, posto que “o espaço dos livros que serão lidos irá mudar”. Desse
modo, ao analisarmos o livro ilustrado precisamos considerar esses três aspectos que,
neste tipo de produção contemporânea são bastante relevantes, uma vez que acolhe pelo
menos duas linguagens, a verbal e visual, dando um outro sentido para a existência dos
paratextos, não como elementos convencionais deste artefato, mas pelo modo como eles
convocam à leitura, deixando indícios da narrativa que se anuncia, desde a capa até a
quarta capa, fundando um verdadeiro jogo com a linguagem de retomada ao princípio.
Fotografia 69
À medida que a história vai aproximando-se do final, vemos através da narrativa
imagético-verbal, que o menino Max, após dias e noites de muita bagunça, longe da
supervisão da mãe, começa a sentir falta de casa e resolve ir embora, para desespero de
seus súditos que, apesar de insistirem, não conseguem demovê-lo da ideia de partir de
volta para casa, “onde encontrou o jantar esperando por ele”, no quarto tal qual era no
início da história.
Justamente nesse ponto da narrativa, temos uma imagem das crianças, todas de
pé, ao redor da professora que permanece sentada, lendo o livro, urrando, tal como
monstros, como podemos observar, na sequência fotográfica a seguir:
Sequência 4
As crianças do grupo investigado interagem com e a partir da leitura mediada da
professora, ora expressando medo; ora produzindo sons, grunhidos e gestos que
representavam monstros. Nos olhares podemos observar que a surpresa e o medo vão
dando lugar à representação das personagens e, ao final da leitura, as crianças se
aproximam progressivamente da professora numa brincadeira de assustar que acaba em
risos. Com isso, ficam evidenciadas as considerações feitas por Benjamin (1994) no que
tange à faculdade mimética, que tem como característica primordial “a capacidade de
reconhecer e reproduzir semelhanças, mas difere-se da imitação porque não é
propriamente uma réplica, mas uma forma de (re) elaboração”.
É nas brechas da leitura que podemos nos reconhecer no menino e imaginar com e
a partir das palavras e imagens. Benjamin, crítico da modernidade, ao provocar
reflexões acerca da infância, a partir de fragmentos cuja descrição detalhada nos conduz
a uma experiência estética, que propicia um encontro com a criança que fomos e que
ainda habita em nós, enfatizando a necessidade criadora das crianças ora atraídas pelos
destroços de construções ou por restos oriundos de atividades consideradas como típicas
do mundo adulto. O autor enfatiza que há no ato criador infantil, para além da
reprodução de um modelo, a produção de um mundo próprio das coisas, cujo “mundo
pequeno está inserido em um mundo maior” (1984, p. 77).
Larrosa (2002), em diálogo profícuo com Benjamin contribui para pensar o fazer
pedagógico e o lugar da infância como um tempo de produção de sentidos outros, que
toquem, afetem e se constituam enquanto experiências (LARROSA, 2002) que
precedem toda a atividade de criação.
Percebemos que, em sua mediação, a professora procura deixar que os espaços
vazios, como afirma Queirós (2012), sejam preenchidos pelas próprias crianças,
devolvendo sob a forma de perguntas, as indagações que conferem sentido à leitura. E,
com isso, são elas próprias que vão, a partir de suas experiências com e a partir da
leitura, construindo sentidos coletivamente.
Logo após encerrar a leitura, uma criança propõe: “Tia, vamos brincar de
monstro?” e, sob a resposta afirmativa da professora, todos se dirigem ao pátio interno
da sala e começam a dramatizar os monstros, criando nome para eles, reconhecendo e
reproduzindo à semelhança das personagens do livro, mas também reelaborando-as.
Algumas das personagens-monstro são oriundas de um desenho animado que é assistido
através de um canal por assinatura: segundo relatos das próprias crianças, são criaturas
da “Escola de monstros” (em inglês Monster High).
Na sequência fotográfica a seguir, podemos observar o momento em que as
crianças dramatizavam um duelo: em primeiro plano, podemos observar dois monstros
e, um terceiro vem se junta ao grupo. Logo depois, uma criança grita “estamos sendo
atacados!” e, logo depois, caem “desacordados”.
A história reverberou também no trabalho gráfico, pois enquanto um grupo
continuava brincando de monstro, algumas crianças preferiram entrar na sala e desenhar
suas personagens-monstro. Enquanto desenhavam, narravam as características e poderes
mágicos de suas personagens. Logo, o grupo foi crescendo e estavam todos na sala.
Sentei próxima das crianças registrei no caderno de campo e em áudio o que elas
diziam, que podemos conferir em seguida:
Sequência 5
“Monstro-Huck. Ele bate no chão para matar o mal. E também pisa no chão para
matar’. (Marcelo)
Desenho 1
Nos desenhos acima podemos perceber que, tanto o “Monstro-Huck” quanto a
“Draculaura”, são uma representação de personagens que já existem em filmes e, no
segundo caso, em desenho animado. As personagens sensuais da “Escola de Monstros”,
assim como o “Incrível Huck”, devido ao marketing que os envolve, passam a fazer
parte de produtos de consumo, tais como: mochilas, lancheiras, jogos, bonecas/os,
roupas, sapatos, entre outros objetos e sua repercussão entre as crianças ganham amplas
dimensões.
Mas os monstros que desenharam não se limitaram aos personagens midiáticos.
Também apareceram personagens como o “Monstro-Garra” ou o “Otimus Prime” que
parecem ter sido criados a partir da imaginação de uma criança e, provavelmente, de
suas experiências com criaturas do gênero.
Vigotski (2009, p. 17) ao dedicar-se ao estudo dos aspectos psicológicos para
compreender a relação entre imaginação e criação na infância, ajuda a compreender o
quanto a brincadeira infantil representa essa reelaboração. Esta, longe de ser entendida
como mera reprodução do vivido, implica criação. Para o autor, “a imaginação não é um
divertimento ocioso da mente, uma atividade suspensa no ar, mas uma função vital
necessária” (idem, p. 20) e, a arte, nos permite voar nas asas da imaginação. O autor
“Ela é a Draculaura. Ela não come sangue. Ela come frutas e vegetais. Ela voa!”
(Maria Luiza)
Desenho 2
relaciona imaginação e realidade e considera que a possibilidade de imaginar, se articula
a experiências vividas, a elementos da realidade, o que inclui as narrativas. Portanto, a
leitura pode abrir brechas para a imaginação e também para pensar o mundo ao redor, a
elaborar sentimentos e emoções, portanto compreender melhor a si mesmo, o outro e o
próprio mundo.
Nessa perspectiva as palavras desempenham um papel central no
desenvolvimento do pensamento e da formação da consciência (VYGOTSKY, 1987,
p.132). O autor aborda a inter-relação entre pensamento e linguagem verbal e traz
elementos para se pensar também as articulações entre criação, imaginação e
linguagem. A literatura enquanto arte da palavra apresenta o mundo com outras formas
de dizê-lo, organiza e desorganiza experiências, traz ao leitor a vivência da alteridade
constitutiva. Como afirma Corsino (2003), o trabalho com a literatura é um dos
elementos essenciais para uma educação que priorize a apropriação e a produção de
outros saberes.
Desta forma, podemos afirmar que diferentemente da natureza, o mundo da
cultura é produto da criação humana e, é exatamente essa atividade criativa que
possibilita ao homem não ser um mero reprodutor do passado, mas alguém que constrói
o futuro.
Segundo Vigotski (2009), existem quatro formas principais de relação entre a
atividade de imaginação e a realidade. A primeira forma consiste no fato de que toda
obra da imaginação constrói-se a partir de elementos tomados da realidade e presentes
na experiência pessoal de cada sujeito. Sendo assim, quanto maior e mais rica a
experiência da pessoa, mais significativa e produtiva será sua atividade imaginativa. A
segunda forma é mais complexa e baseia-se na capacidade de criar imagens, cenas e
cenários tendo como apoio a experiência alheia. Assim, é possível imaginar o ainda não
conhecido a partir de uma descrição ou narrativa. A imaginação adquire uma função
muito importante no comportamento e no desenvolvimento humano. Ela transforma-se
em meio de ampliação da experiência de um sujeito porque, tendo por base a narração
ou descrição de outrem, ele pode imaginar o que não viu, o que não vivenciou
diretamente em sua experiência pessoal. A pessoa não se restringe ao círculo e a limites
estreitos de sua própria experiência, mas pode aventurar-se para além deles,
assimilando, com a ajuda da imaginação, a experiência histórica ou social alheias.
Assim configurada, a imaginação é uma condição totalmente necessária para quase toda
atividade mental humana (VIGOTSKI, 2009, p. 25). A lei da realidade emocional, na
qual a imaginação influi sobre o sentimento, elucida a terceira forma de relação entre
imaginação e realidade. Seu caráter emocional faz com que esta se manifeste de forma
dupla, onde os sentimentos articulam-se às imagens, que por sua vez transformam as
emoções. Vigotski (apud Ribot, 2009, p. 28) afirma:
todas as formas de imaginação criativa contem em si elementos
afetivos. (...) Isso significa que qualquer construção da fantasia influi inversamente sobre nossos sentimentos e, a despeito de essa
construção por si só não corresponder à realidade, todo sentimento
que provoca é verdadeiro, realmente vivenciado pela pessoa, e dela se apossa.
As emoções provocadas pelas imagens fantásticas das páginas de um livro são
completamente reais e vividas por nós, franca e profundamente. Neste caso, tanto o
sentimento quanto o pensamento movem a criação humana, posto que qualquer
pensamento é impelido por um desejo, um ímpeto, de caráter afetivo.
A quarta e última forma de relação entre imaginação e realidade está relacionada à
encarnação da imaginação em algo concreto, palpável. Um artefato, palavra ou obra
que possa se integrar à produção coletiva.
“Esse é o Monstro-Garra. Eu fiz o disparador e fiz chover. Eu fiz uma caverna. Eu fiz um
disparador que faz vento. Eu fiz garras e fiz uma crista. Eu fiz até um gramado roxado – e
explica - esse roxo daqui que eu pintei. Eu fiz a árvore do outono”. (Hugo)
Desenho 3
Apresentei nesta sessão as análises da leitura do livro ilustrado numa turma de
Educação Infantil. Conforme é a proposta do livro ilustrado, muitas outras leituras
seriam possíveis, muitas outros desenhos poderiam ter sido criados e inscrito uma outra
constelação. Entretanto, essas foram as análises possíveis se considerarmos algumas
peculiaridades do livro contemporâneo, no que diz respeito às variações no design,
como aponta Ramos (2011, p. 79), uma vez que
ocorrem tratamento no formato das páginas; o abandono da cronologia linear, a história não tem mais uma linha de tempo organizada; (...) o
jogo, em que o leitor é convidado a ler o livro como um quebra-
cabeça; a multiplicidade de significados, que permite a escolha de vários caminhos para compreender a obra, criando diferentes públicos
para ela.
Em “Onde vivem os monstros”, Sendak (2009) cria uma linguagem própria, à
medida que o texto verbal se entrelaça com o visual, provocando uma leitura por entre
as metáforas produzidas pelas palavras e imagens. Uma infinidade de paisagens se
abrem, com e a partir das palavras, como portas e janelas, onde somos visitados por um
enredo cuja cronologia não é linear. Nos somamos ao mundo imagético sugerido por
cada traço e ponto e, como aponta Queirós (2012) “abrem-se caminhos, entre linhas,
para as viagens do pensamento”.
“Monstro Optimus Prime. Ele ruge só no papel, mas no meu brinquedo ele não é monstro. Só que eu gosto muito dele” (José Renato).
Desenho 4
Com traçado delicado e sensibilidade ao desenrolar da narrativa verbal, a história
vai sendo contada, abrindo espaço para uma visão estética própria da arte, que nos
mobiliza, nos convoca frente à leitura e, nos humaniza (CANDIDO, 2011).
Com isso, concordamos com Linden (2011) quando aponta a multiplicidade de
experiências estéticas a que nos expomos toda vez que nos deparamos com esse tipo de
produção contemporânea, que abarca um público que vai desde a mais tenra idade até
uma faixa etária sem limites, como já foi dito anteriormente.
Como construção humana, como atividade criadora do homem, a obra literária
implica um trabalho composicional específico, uma arquitetônica, como diria Bakhtin
(2011). A reunião de imagens, a caracterização de personagens, a descrição de cenas, o
desenrolar da trama, os modos de narrar, a escolha de palavras, traços, cores, os jogos
de linguagem, os tons e pontos de vista, a materialidade do suporte, bem como o leitor
presumido, tudo isso faz parte do livro, produto final que transcende o momento de
criação, adquire uma existência autônoma e escapa do domínio do criador, produzindo
efeitos e afetos naqueles que interagem com ele.
Através das experiências estéticas que tiveram com o livro ilustrado, as crianças
da turma investigada puderam produzir sentidos que deixaram rastros, posto que
afetaram e tocaram, de formas distintas, cada uma delas e que ficou evidenciado não só
pelo que foi dito como pelo que ficou no campo do não dito, mas expresso em gestos,
reverberando em outras atividades, como dramatizações e registros gráficos espontâneos
que sucederam a leitura.
Desse modo, podemos observar que práticas como essas, onde diferentes
linguagens coexistem, contribui para ampliar as experiências dos estudantes,
propiciando momentos de subjetivação, no sentido de que estes possam se apropriar
dessas experiências alheias para imaginar e criar as suas próprias, se constituindo na e
pela linguagem.
Sendo assim, passamos ao item seguinte, que traz a análise dos eventos produzidos
com e a partir da leitura de “O cachorro, o menino” (Bibian, 2007).
4.3 “Eu queria ter um cachorro, mas pena que o meu pai vai me dar um
passarinho” – “O menino, o cachorro” e a partilha do sensível23
Nesta sessão analisaremos o livro “O menino, o cachorro”, ou seria “O cachorro, o
menino”? A proposta expressa na capa (ou quarta capa) do livro de autoria de Simone
Bibian e ilustrado por Mariana Massarani, premiado pela FNILIJ na categoria Criança,
deixa em aberto a possibilidade de leitura por ambos o lados, tendo como protagonista:
ora o menino, ora o cachorro.
Essa questão também emergiu nos discursos das crianças, durante a leitura, como
podemos observar nos diálogos a seguir:
A professora lê o livro “O menino, o cachorro/ O cachorro, o menino”. Aleatoriamente, a partir de uma brincadeira de girar o livro
de um lado para o outro, principia pelo protagonista-menino. Em
seguida, lê a partir do protagonista-cachorro e, quando as personagens se encontram, no meio do livro, uma criança exclama:
José Renato: Ah, já sei, a história está de cabeça para baixo! – levanta
e tenta ajeitar o livro na posição que julga correta. - Estava assim, ficou assim.
Professora Fernanda:Ah, é? Estava assim, ficou assim? – repete o
movimento do menino.
Clarice, outra criança, diz:Não! Estava assim, mas agora o cachorro está aí e o menino está aí onde está o cachorro.
Professora Fernanda: E porquê eu mudei?
José Renato: São duas histórias! Várias crianças levantam e, em volta da professora, examinam o livro.
Professora Fernanda:São duas histórias? E é história de quê? É a
história de quem? Clarice: De um menino e de um cachorro
(Observação do campo, 04/06/2013).
23 Tomei emprestado dos escritos de Rancière (2009, p. 15) esse conceito se refere ao modo como o
sensível, matéria na qual opera a subjetividade, é partilhado.
Ilustração 31 Ilustração 32
Neste evento, ficou evidenciada a possibilidade de leituras a partir de uma das
capas, a escolha do leitor, por um ou outro protagonista, torna-se um jogo. Com isso, a
proposta do livro, desde a capa, não só contribui para o impacto inicial da leitura, como
é considerada parte integrante da narrativa (Nikolajeva & Scott, 2011) se analisarmos os
aspectos paratextuaias deste gênero literário.
No diálogo entre as crianças, a professora e o livro ilustrado, podemos observar
que, a proposta do livro, ao trazer duas capas e duas histórias, ao invés de capa e quarta
capa como são os paratextos convencionais, abre espaço para escolhas e deixa frestas à
imaginação, surtindo um efeito de sentido entre as crianças. O jogo de escolha contribui
para a negociação de sentidosde modo que uma das crianças percebe a proposta do
livro: duas histórias com os mesmos personagens. A professora socializa a descoberta
de José Renato, perguntando ao grupo “São duas histórias? É história de quê? História
de quem?”. Clarice responde, numa réplica que evidencia que também percebu a
proposta do livro.E, mais uma vez, a mediação dialógica de leitura da professora abre
espaço para as vozes das crianças.
Assim como em “Pedro e Lua” e “Onde vivem os monstros”, “O menino e o
cachorro” apresenta uma narrativa aberta, interdiscursiva, polissêmica, polifônica,
direcionada a um público diverso e que supõe uma leitura dialógica. Se retomarmos o
jogo proposto à leitura deste livro ilustrado, no que diz respeito à capa e ao título,
especificamente, percebemos que, os dois títulos, ao alternar a ordem dos personagens,
não faz apenas uma brincadeira com e pela linguagem, mas apresenta que a ordem
determina o protagonista. A escolha da autora ao utilizar substantivos para denominar as
personagens principais de seu livro deixa em aberto a possibilidade de: tanto o menino,
quanto o cachorro, serem qualquer um, criando uma brecha para a imaginação do leitor-
criança, o que fica claro na própria descrição do livro, no site da editora24
, quando
afirma que o texto e as ilustrações tocam “[...] em um dos sentimentos mais profundos
das crianças: a vontade de ter um animal de estimação”. Contudo, não é apenas o leitor-
criança que se vê mobilizado pela possibilidade de encarnar o menino nesta narrativa
verbal-visual, mas também o adulto, no caso a professora, que reconhece na criança que
foi um dia, esse mesmo desejo de seus tempos de infância.
Nesta narrativa verbal-visual o menino queria tanto um cachorro, assim como o
cachorro queria um menino. De forma bastante sensível, Mariana Massarani constrói as
24www.manati.com.br
paisagens visuais deste livro, com ilustrações que mobilizam o leitor-criança tanto
quanto o leitor-adulto, já que , ao longo da leitura, a professora também partilhou suas
impressões com as crianças. Assim como em outros livros ilustrados, os protocolos de
leitura (CHARTIER, 1996, p. 96) incluem não apenas o texto verbal, mas a ilustração e
os demais aspectos tipográficos. Na página a seguir, vemos um exemplo das imagens
reforçando as palavras, num movimento polissêmico.
Para Goulemont (1996, p. 107-108) a leitura, enquanto prática cultural, é “lugar
de produção de sentido, de compreensão e de gozo” e vai mais além, ao afirmar que ler
“não é encontrar o sentido desejado pelo autor [...] é portanto, constituir e não
reconstituir um sentido”. As crianças, na relação com o livro ilustrado, assumem
posturas distintas, conforme o efeito produzido pela narrativa, que a autora denomina
atos de leitura. Neste caso, podemos observar na sequência fotográfica abaixo que, cada
uma das crianças assume uma atitude do corpo, conforme se desenrola a narrativa e, por
outro lado, a professora, assume uma postura do início ao fim da leitura, que Goulemont
(idem, p. 109) vai chamar de rito.
Ilustração 33
Deitadas, sentadas, de joelho ou em pé, as crianças assumem posturas corporais
diversas, conforme se interaagem com a narrativa verbal-visual. Em vários momentos,
se aproximam do livro, num movimento mimético, de entrada na história, depois
retornam ao lugar. Esse corpo da criança que lê, não foi reprimidopela professora. Ela
faz breves pausas para que as crianças teçam comentários e observem mais detidamente
as ilustrações ora do lugar de onde estão, ora aproximando-se do livro.
Em outro evento do campo, observamos a interdiscursividade que se dá tanto por
palavras quanto por imagens e, as relações que as crianças estabelecem com e a partir
dos diferentes discursos que são produzidos com e a partir da leitura do livro ilustrado.
Tanto autora quanto ilustradora fazem referência a uma história que pertence à literatura
universal: Aladim e a lâmpada maravilhosa. Como podemos notar, as crianças
estabelecem relações a partir das experiências que adquiriram seja por conhecerem a
história por outros livros, seja pela referência ao desenho animado.
A professora lê a página a seguir:
Sequência 6
Ilustração 34
Uma criança interrompe a leitura no meio:
Luana: Parece o Gênio do Aladim! Clarice: E também do Tom e Jerry! – refere-se aos personagens do
desenho animado - porque... lembra que o cachorro, ele saía da
lâmpada? José Renato: Ele queria ter um cachorro.
A professora faz breves pausas, entre um comentário e outro, depois
prossegue (Observação do campo, 04/06/2013).
Concluo esta sessão, trazendo o evento que encerra a leitura do livro “O menino, o
cachorro” e a partilha do sensível enquanto ato estético:
A professora lê a página a seguir:
Clarice: Eu sinto falta da minha amiga da minha escola antiga.
José Renato: Eu queria ter um cachorro, mas pena que o meu pai vai me dar um passarinho...
Ilustração 35
Ilustração 36
Professora Fernanda: É? (prossegue com a leitura)
Luana: Cachorro.
Professora Fernanda: Ahhhhhh! – não mostra a imagem ainda – O cachorro ganhou um menino, o menino ganhou um cachorro!
Ela então pergunta:
Professora Fernanda: Fim?
As crianças ficam divididas. Algumas respondem afirmativamente,
outras negativamente.
Flávia: Só que esse ponto aqui, olha – mostra às crianças – é um ponto
de interrogação, é uma pergunta. Será que esse é o fim? Clarice: Não, tem outra história atrás! – aponta para o outro lado do
livro.
Enquanto a professora vira o livro, um menino exclama: José Renato: É, essa história é legal!
A professora principia:
Flávia: O cachorro... Uma criança interrompe:
Luana: É a história só do cachorro?
A professora deixa a pergunta sem resposta e continua a leitura:
Felipe: Nenhuma criança mesmo. José Renato: Ah, já sei! A criança queria o cachorro como o cachorro
queria a criança!
A professora busca a cumplicidade do menino e sorri. (Observação do campo, 04/06/2013).
Segundo Rancière (2009, p. 16), a partilha do sensível diz muito da relação entre
estética e política, não da estetização da política, mas da estética enquanto atividade
puramente política,
como um sistema das formas a priori determinando o que se dá a sentir. É um recorte dos tempos e dos espaços, do visível e do
invisível, da palavra e do ruído que define ao mesmo tempo o lugar e
o que está em jogo na política como forma de experiência.
Ilustração 37
A partilha do sensível nos dá a ver, tanto a existência de um espaço comum cujas
práticas de leitura literária se dão na tensão entre os discursos e seus suportes, quanto
nos processos de subjetivação que organizam modos de legibilidade e visibilidade que
se dão na fissura, nas quais a negociação de sentidos é possível.
Ao partilhar experiências sensíveis com e a partir da leitura do livro ilustrado,
observamos o quanto as crianças se mobilizam em função dos sentidos produzidos com
e a partir da interação com as palavras e imagens. Com isso, falam de sentimentos que
são singulares e subjetivos, partilhando-os com a comunidade com quem se relacionam.
Neste evento, observa-se que a professora mantém a postura de deixar as
perguntas sem resposta e, segue a leitura como forma de elucidar a dúvida, a partir das
pistas que o próprio desenrolar da narrativa vai deixando. Sua mediação dialógica
contribui para que as crianças compartilhem suas experiências, pensamentos e volições,
produzindo sentidos no coletivo, constituindo-se enquanto sujeito que interage na e pela
linguagem. O evento reitera que a leitura em grupo pode ser partilha do sensível.
4.4 “Eu queria que a raposa fosse do bem” – “Raposa” entre modos de ver e modos
de ler, o dizer25
Nesta sessão analisaremos dois eventos de leitura individual, que sucederam a
leitura coletiva de “Raposa”, escrito por Margareth Wild e ilustrado por Ron Brooks.
Privilegiamos, portanto, a interação da criança com o livro ilustrado, de modo a
compreender outras relações que se estabelecem na escola.
“Raposa” é uma fábula contemporânea, que discute lealdade, amizade, inveja e
traição. Após um incêndio na floresta, Cão, um cachorro cego de um olho, salva
Gralha, que teve a asa queimada. Ambos estreitam laços afetivos e passam a
complementar-se mutuamente: Cão é as asas de Gralha e esta, por conseguinte, é os
olhos de Cão, como podemos observar na página dupla a seguir:
25Tomei emprestado dos escritos de Belmiro (2012) essa expressão, quando ela se propõe pensar os
sentidos da leitura literária para crianças na relação com as duas linguagens, a visual e a verbal.
Raposa chega “depois das chuvas, quando os brotos aparecem por toda parte”
(Wild, 2005, p. 15) e junta-se a eles. Entretanto, está sempre à espreita e, no interior do
lugar onde ora habitam, “seu cheiro parece penetrar na caverna – um cheiro de raiva,
inveja e solidão.” (idem, p. 18).
Ardilosa, Raposa tenta gradativamente convencer Gralha a dar um passeio
montada em suas costas e, de maneira sutil tenta arruinar a relação de carinho e afeto
que existe entre Cão e Gralha. As ilustrações transbordam de uma página a outra e as
texturas, cores e traços criam ritmos visuais. Os tons terrosos, que vão do laranja ao
marrom, predominam e sugerem o clima de excitação e perigo da narrativa. As palavras
se integram às imagens e deslocam-se de um lugar a outro, potencializando a ideia de
movimento e aumentando o poder das sequências e, com isso, o leitor é obrigado a
mudar a posição do livro.
Belmiro (2014, p. 2-3) dedica-se a analisar um componente da narrativa que
considera fundamental nos livros de literatura infantil: a presença de sequências
descritivas e suas decorrências na construção do discurso ficcional, enfatizando o
quanto estas “interferem e movimentam a narrativa”. Segundo a autora, “as lacunas que
Ilustração 38
Ilustração 39
os textos literários contêm permitem ao leitor implícito preencher com base nos seus
conhecimentos cognitivo, social e cultural.” Para ela, essas brechas “abrem espaços para
uma participação ativa [...] ajudam no desenvolvimento da competência literária do
leitor”, convocando-o “a se tornar sujeito da produção de sentidos, preenchendo esses
vazios, mais do que fazê-lo acompanhar simplesmente o enredo.”
“Raposa” é concebida enquanto obra polissêmica, polifônica e aberta à
imaginação do leitor. Para Larrosa (1999, p. 49) “a linguagem é algo que faz com que o
mundo esteja aberto para nós”. O autor enfatiza a necessidade de livros, filmes e
paisagens estarem abertas, ampliando a possibilidade de experiência dos sujeitos,
repletos de mistérios, renovando nossas apostas na vida que segue. É o que parece ser a
proposta deste livro ilustrado que, com um projeto gráfico inovador torna legível e
visível não apenas as imagens, mas também o texto verbal, que constitui-se enquanto
imagem, em função do tratamento diferenciado dado à tipologia, denominado
enunciação gráfica (RAMOS, 2011, p. 145), como podemos perceber nas ilustrações
abaixo:
Belmiro (2014) trabalha com três aspectos da descrição/narração: o estilo, a
metonímia e a leveza. Com isso, apresento uma ampliação às análises da autora,
propondo outros modos de ver e modos de ler, o dizer (BELMIRO, 2012), a partir de
um 4º aspecto: a visibilidade. Segundo a autora (2012, p. 127), é preciso
superar a dicotomia ver versus ler, adicionando ao ver o estatuto de
ler alguma coisa, e ao ler, as condições de poder ver alguma coisa. O que nos une é o dizer e isso solicita uma discursividade que recupera a
presença dos interlocutores e seus atos de fala (grifos da autora).
Ilustração 40
Calvino (1990, p. 99) discute o aspecto da visibilidade atribuindo um significado
singular à imaginação. Para ele, é possível distinguir dois tipos de processos
imaginativos:
o que parte da palavra para chegar à imagem visiva e o que parte da
imagem visiva para chegar à expressão verbal. O primeiro processo é
o que ocorre normalmente na leitura: lemos, por exemplo, uma cena
de romance ou reportagem de um acontecimento num jornal, e conforme a maior ou menor eficácia do texto somos levados a ver a
cena como se esta se desenrolasse diante dos nossos olhos, se não toda
a cena, pelo menos fragmentos e detalhes que emergem do indistinto.
Para explicitar o segundo processo imaginativo, Calvino utiliza como exemplo o
cinema e a maneira como se expressa. Segundo o autor (ibid, idem),
No cinema, a imagem que vemos na tela também passou por um texto escrito, foi primeiro “vista” mentalmente pelo diretor, em seguida
reconstituída em sua corporeidade num set, para ser finalmente fixada
em fotogramas de um filme. Todo filme é, pois, o resultado de uma sucessão de etapas, imateriais e materiais, nas quais as imagens
tomam forma; nesse processo, o “cinema mental” da imaginação
desempenha um papel tão importante quanto o das fases de realização
efetiva da sequências [...] Esse “cinema mental” funciona continuamente em nós – e sempre funcionou, mesmo antes da
invenção do cinema – e não cessa nunca de projetar imagens em nossa
tela interior.
Calvino inclui a visibilidade como valor a ser preservado neste milênio e alerta
para o perigo de perdermos a capacidade de “pensar por imagens” e fabular com e a
partir das imagens mentais e visuais. “Raposa” é um exemplo de livro infantil
contemporâneo que produz sentidos múltiplos, convocando o leitor à contemplação
ativa, ações puramente estéticas, como propõe Bakhtin (2011, p. 23), que dão
acabamento à obra, com e a partir das palavras e imagens que evoca.
Nos eventos a seguir podemos observar do lugar exotópico que a criança ocupa,
uma posição exterior que condiciona o excedente de visão.
Esse excedente da minha visão, do meu conhecimento, a minha posse
– excedente sempre presente em face de qualquer outro indivíduo – é
condicionado pela singularidade e pela insubstitubilidade do meu lugar no mundo: porque nesse momento e nesse lugar, em que sou o
único a estar situado em dado conjunto de circunstâncias, todos os
outros estão fora de mim (Bakhtin, 2011, p. 21)
A professora lê com e para as crianças o livro “Raposa”.
Após a leitura, um menino sussurra:
José Renato: Eu queria que a raposa fosse do bem.
A professora reproduz a enunciação do menino ao grupo: Professora: Olha, o José Renato disse que queria que a raposa fosse do
bem. – e pergunta – E vocês, o que acham?
Clarice: Eu acho que ela não era do bem. Maria Luiza: É, ela era
má.
A conversa termina aí, pois a professora de Informática espera pela
turma na porta da sala. Apesar disso, duas crianças disputam o livro. Uma delas desiste e acompanha o grupo, a outra, senta-se numa mesa
e folheia as páginas do livro. Ela passa as páginas rapidamente e
parece procurar por alguma parte da história. Ao se deparar com a imagem da gralha em cima da raposa, para, observa...
... e diz, olhando na minha direção:
Luana: Viu como ela é má?
Depois, fecha o livro rápido e sai da sala, para juntar-se ao grupo que, a essa altura já deve estar na sala de Informática.
(Caderno de campo, 21/5/2013).
Ilustração 41
Fotografia 70
Como observamos, as crianças vão negociando sentidos a partir das imagens que
criam em função do texto verbal e, por outro lado, expressam verbalmente os
sentimentos suscitados pelas ilustrações. Com isso, vão dando acabamentos possíveis à
obra. O menino expressa o desejo de que Raposa “fosse do bem” e, embora a obra não
enfatize o maniqueísmo: neste caso, bem versus mal, o diálogo entre as crianças
evidencia essa dualidade. Para Bakhtin (2011, p. 378) "o sujeito da compreensão não
pode excluir a possibilidade de mudança e até de renúncia aos seus pontos de vista e
posições já prontos. No ato de compreensão desenvolve-se uma luta cujo resultado é a
mudança mútua e o enriquecimento". O evento seguinte amplia essa discussão, uma vez
que uma criança, no dia seguinte da leitura coletiva de “Raposa”, busca o livro e resgata
a experiência vivida anteriormente, como podemos observar:
Clarice: Olha os olhos dela! (observa a imagem da capa)
A menina começa a manusear o livro: vira as páginas, observa as
ilustrações e segue o texto escrito com os dedos, narrando para si,
baixinho, a história. Clarice: A Gralha e o Cão eram amigos...
Ilustração 42
Fotografia 71
Ao deparar-se com a ilustração da raposa, demonstra incômodo, fecha o
livro...
.
.
.
e diz:
Clarice: Ai, eu tenho medo!
Repentinamente levanta-se e sai.
(Observação do Campo, 22/05/2014)
Notamos que Clarice manuseia o livro, repete gestos de leitura e, enquanto narra
para si mesma a história, fabula e, é afetada pelos efeitos produzidos pelas palavras e
imagens, que dão visibilidade à sua imaginação. A reação da menina revela um dos
sentidos possíveis, atualizando-o com e a partir do contato com outros sentidos,
oriundos da leitura coletiva, que antecedeu este evento, mas também de seu próprio
discurso interior. Conforme aponta Bakhtin (2011, p. 382)
O sentido é potencialmente infinito, mas pode atualizar-se somente em
contato com outro sentido (do outro), ainda que seja com uma pergunta do discurso interior do sujeito da compreensão. Ele deve
sempre contatar com outro sentido para revelar os novos elementos da
sua perenidade (como palavra revela os seus significados somente no contexto). Um sentido atual não pertence a um (só) sentido mas tão
somente a dois sentidos que se encontraram e contataram. Não pode
haver "sentido em si" ele só existe para outro sentido, isto é, só existe
com ele. Não pode haver um sentido único, ele está sempre situado entre os sentidos, é um elo na cadeia dos sentidos, a única que pode
existir realmente em sua totalidade. Na vida histórica essa cadeia
cresce infinitamente e por isso cada elo seu isolado se renova mais e mais, como que torna a nascer.
Desse modo, é possível perceber a produção de sentidos como uma rede tecida na
relação com o eu e com o outro, na qual cada sentido é tecido na e a partir da relação
com os demais. Como diria o poeta Manoel de Barros (2010), “que a importância de
uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc./ Que a
Ilustração 43
importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em
nós”. Para Corsino (2012), p. 4-5)
A percepção se dá de forma contextual e o sentido é produzido na
linguagem. É na linguagem que o sujeito se inter-relaciona e penetra na cultura, desde que nasce. Ela o constitui, mas também se renova a
cada ato enunciativo, num duplo movimento de reflexão e de refração
do mundo, de conservação e criação que o coloca – desde muito cedo – num lugar ativo de produção de algo novo e único, na/da cultura.
Segundo Chartier (1996, p. 20), “cada leitor, a partir de suas próprias
referências, individuais ou sociais, históricas ou existenciais, dá um sentido mais ou
menos singular, mais ou menos partilhado, aos textos de que se apropria” e é justamente
no âmbito do que está “fora-do-texto” que tratamos nesta análise, nos modos singulares
com que as crianças dão sentido ao texto verbal e visual em “Raposa”.
Finalizamos este capítulo que evidenciou a análise dos eventos produzidos no
campo empírico com e a partir da leitura de diferentes livros ilustrados. Passamos,
portanto, às considerações finais.
Considerações finais – Experiências de leitura com e a partir do livro ilustrado
Vejo a palavra enquanto ela se nega a me ver. A mesma
palavra que me desvela, me esconde. Toda palavra é
espelho onde o refletido me interroga (QUEIRÓS,
2011).
Assim como o poeta, neste momento de elaborar as considerações finais desta
dissertação de mestrado, sinto que a palavra, paradoxalmente, me interroga, me desvela
e também me encobre e me distancia. O distanciamento, posição necessária ao
pesquisador, que para Bakhtin assume o conceito de exotopia, ajuda a pensar os achados
da pesquisa de um lugar exterior. Permite ao pesquisador construir seu excedente de
visão em relação ao outro - às falas, gestos e ações dos diferentes sujeitos que
compuseram o campo empírico da pesquisa. Excedente de visão que é situado, um
acabamento possível dado pelo pesquisador, ao longo de seu trabalho de montagem. A
procura por orquestrar as diferentes vozes – do referencial teórico, das crianças, das
professoras, das obras lidas – me desvela, mas também evidencia os silêncios, o que não
foi possível dizer, o que ficou encoberto. Portanto, a finalização é uma conclusão em
aberto, há sempre possibilidade de outros acabamentos.
O objetivo principal desta pesquisa foi conhecer e analisar as relações que as
crianças da Educação Infantil do Colégio Pedro II estabelecem com e a partir da leitura
do livro ilustrado na escola. Embora estivesse movida pelas questões que perseguia, em
função dos objetivos que tracei para este trabalho, os rumos que esta pesquisa foi
tomando têm relação com o modo de olhar para o campo e para os seus sujeitos.
Observar, participar, ver e ouvir como as crianças interagiam com palavras e imagens
dos livros ilustrados, que eram lidos com e pelas professoras; dispor a câmera na
direção das crianças, mudando o enquadramento, o plano de filmagem, de modo a
captar a voz, os gestos e o corpo das crianças nos acontecimentos de leitura literária;
cotejar os registros transcritos em texto escrito e em imagens, das crianças e professoras
e das crianças entre si, na relação com o livro ilustrado; interpretá-los, buscando
apreender os significados por elas produzidos a partir de suas experiências com o texto
literário; organizar os discursos das crianças, mediados pelas professoras, na relação
com o livro ilustrado, numa coleção capaz de dar sentido aos objetivos pretendidos;
dispor cada um dos acontecimentos do campo empírico, de modo que cada um deles
pudesse produzir significados em relação aos demais; tudo isso foi sendo tecido num
texto em que as vozes dos diferentes sujeitos pudessem dialogar com as outras vozes,
compondo o texto dissertativo.
Durante o tempo em que estive com as crianças e professoras, procurei olhar para
as relações que elas estabeleciam com o livro de literatura infantil, procurando me
distanciar do lugar de professora e me recolocar no campo como pesquisadora, para
compreender como leem os livros ilustrados. No período em que estive imersa no
campo, como a “Carol-pesquisadora”, procurei assumir uma postura dialógica e
alteritária como princípio metodológico, me colocando como um outro na relação com
as crianças e com as professoras.
As questões que persegui orientaram o percurso ao longo da caminhada, desde a
entrada no campo até as diversas leituras do material produzido, em busca dos achados da
pesquisa. Que experiências o livro ilustrado proporciona às crianças em idade pré-
escolar? Como elas interagem com os livros ilustrados que os adultos leem para e com
elas na escola? Que diálogos as crianças estabelecem com e a partir das histórias lidas?
Como o livro ilustrado é lido nos espaços escolares? Na busca de olhar e ver os sentidos
produzidos com e a partir da leitura literária nessa tripla articulação entre as crianças, as
professoras-mediadoras e o livro ilustrado, procurei evidenciar nos achados do campo o
pequeno mundo próprio das crianças em relação a esse mundo maior, como propõe
Benjamin, de modo que as questões apresentadas nesta dissertação pudessem suscitar
outras tantas.
No primeiro capítulo apresentei os referenciais teórico-metodológicos da
pesquisa, assumindo uma perspectiva de pesquisa em Ciências Humanas, que concebe
os pesquisados como sujeitos, com experiências singulares, historicamente situados,
produzidos e produtores de cultura, constituídos na e pela linguagem. Direcionar o olhar
para os sujeitos-crianças e adultos na relação com o livro ilustrado, considerando essas
premissas, é assumir um lugar junto ao grupo observado. Lugar que não é neutro, nem
indiferente e que, pela própria presença intervém, altera e se altera. A pesquisa abriu um
espaço de interlocução na turma pesquisada e se constituiu como momentos de reflexão
com as professoras, que olhavam também para a leitura com e para as crianças e suas
reverberações, se indagando e repensando a própria prática pedagógica.
No segundo capítulo, fiz um breve histórico da relação entre texto escrito e
ilustração na literatura infantil, traçando um percurso desde as primeiras obras ilustradas
até o livro infantil contemporâneo, como também é chamado o livro ilustrado no Brasil,
produção artística que conjuga texto verbal e imagético. Apontei possibilidades de
rompimento com a visão moralizante da literatura infantil, garantindo o status de
artístico há tempos negado às obras dedicadas à infância. Do ponto de vista da
materialidade do livro, percebemos que as influências do design atualizaram a maneira
como o objeto livro se apresenta e como a leitura se dá. A interação com um suporte em
que as imagens predominam, suscita uma outra relação com a leitura, fora das margens
e linhas da escrita, que inclui o impresso como um todo. Este caráter híbrido das
semioses nos livros ilustrados tem implicações também nas formas de mediação destas
obras junto às crianças, pois a natureza da obra impõe uma mediação dialógica que
altera até mesmo a postura corporal dos leitores.
No terceiro capítulo, fiz a contextualização do campo, evidenciando os espaços-
tempos da Educação Infantil do Colégio Pedro II e, enfatizei o trabalho com a literatura
infantil desenvolvido com o grupo observado. Ficou evidente que a formação das
professoras e suas reflexões enquanto mediadoras de leitura interferiram nas formas de
lerem com e para as crianças, nos modos como as crianças dialogavam e se
relacionavam com e a partir do livro ilustrado. Percebi que as professoras tinham uma
prática bastante instigadora de provocar novas descobertas e de valorizar os discursos
das crianças. Além disso, é preciso marcar a integração das diferentes linguagens no
trabalho que elas realizam na sala de atividades. Embora o documento oficial da
instituição enfatize o movimento como eixo principal do trabalho, nesta etapa da
Educação Básica, para as professoras do grupo investigado, não há hierarquização dos
conhecimentos.
No quarto e último capítulo, são analisados os livros ilustrados,selecionados a
partir do diálogo com as professoras, juntamente com os eventos de leitura com/ para e
pelas crianças. Este capítulo traz a leitura literária do livro ilustrado na escola,
geralmente coletiva. O livro ilustrado, endereçado a leitores de diferentes idades e
experiências (“dupla audiência”), implica em uma leitura também em diferentes
níveis(do adulto leitor experiente e da criança observadora) e não linear, em que se
somam imagens e palavras,gestos, corpo, voz, olhares que se desdobram em
brincadeiras, desenhos, dramatizações, e cumprem seu papel humanizador, como aponta
Candido, uma vez que abrem espaço para a imaginação e para a criação dos sujeitos
envolvidos.
Ao analisar o livro ilustrado e a leitura na escola, precisamos considerar as
mudanças que o seu suporte produz, pois trata-se de uma produção contemporânea, que
acolhe pelo menos duas linguagens, a verbal e visual, produzindo uma outra relação
com este artefato, uma vez que ele também mudou. Os livros ilustrados trazem uma
narrativa verbal-visual polifônica, polissêmica e aberta a compreensões singulares, o
que faz com que os sentidos atribuídos a ele, se alterem a cada vez que é lido,
observado, manuseado.
Este estudo evidenciou as práticas de leitura como atividades dialógicas que
deixam brechas para múltiplas compreensões, convocam o leitor para tomar parte da
narrativa, engendram reflexões singulares, contribuindo para a sensibilização dos
leitores-crianças, mas afetando também os leitores/ mediadores-adultos. Considerando a
escola como espaço privilegiado a essa sensibilização e, o contexto escolar como
possibilidade de acesso das crianças à leitura literária, esta pesquisa pretendeu olhar
para as relações que as crianças estabeleciam com e a partir da narrativa verbal e visual
dos livros infantis contemporâneos. Nesse sentido, que diálogos, ampliações e
experiências a leitura do livro ilustrado pôde provocar nas crianças? Vale ressaltar que
as observações na pesquisa empírica foram realizadas em uma turma do Grupamento III
da Educação Infantil, na qual a interação das crianças com a obra aconteceu de forma
mediada pela leitura de um adulto. Passemos então às considerações tecidas:
1. Quanto à organização e disponibilização dos acervos: como e de que modos os
livros de literatura infantil são disponibilizados nos diferentes espaços da Educação
Infantil do Colégio Pedro II?
Sala de leitura: o acervo disponível na Sala de Leitura estava organizado segundo o
critério de classificação por editora, o que desvaloriza a obra enquanto bem cultural,
autoral. Além disso, há uma ênfase nas produções de uma editora em especial, o que
limita o acessoa obras literárias, especialmente de autores brasileiros. Nesse sentido,
seria interessante pensar na aquisição de um acervo diversificado, não só no âmbito do
mercado editorial, mas que valorizasse as produções nacionais, de diferentes autores e
ilustradores. Em relação à disposição do acervo, é preciso pensar em uma organização
que garanta a autonomia das crianças na localização do livros, valorizando o aspecto da
autoria das obras.
“Canto da leitura”: com relação ao acervo de literatura infantil da sala de atividades,
observamos um cuidado não só na escolha dos títulos, mas na maneira de sua
disposição, criando um ambiente aconchegante e convidativo, que garantia a autonomia
e o cuidado por parte das crianças. Entretanto, talvez fosse importante investir na
renovação mais frequente deste acervo, uma vez que algumas crianças deixavam de se
interessar por ele em função da falta de diversificação.
“Ciranda Literária”: os livros deste projeto da Educação Infantil foram selecionados
cuidadosamente por uma das professoras, que ouviu sugestões da parceira de trabalho.
Os livros foram escolhidos em função dos mesmos critérios que fizeram com que as
professoras selecionassem os livros ilustrados lidos com e para as crianças: “as
ilustrações e o texto verbal”; elementos que “despertassem sentimentos” e; ainda, que
pudessem “chamar a atenção das crianças”. O clima acolhedor criado pelas professoras,
somado a qualidade do acervo e a uma proposta que integra a escolha de livros de
literatura infantil para serem lidos na relação das crianças com as famílias, evidenciou o
quanto este projeto é encarado com seriedade e entusiasmo pelos sujeitos desta
pesquisa.
“Hora da contação”: nesses momentos as professoras dedicavam-se não só a ler, mas a
narrar histórias da tradição oral, diversificando os modos de circulação da produção
cultural. Essa atividade fazia parte da rotina do grupo observado, embora os espaços de
diálogo com e a partir das leituras/ narrativas orais ocupassem pouco tempo.
2. Quanto à relação das crianças com os livros ilustrados: como elas interagem com
os livros ilustrados que os adultos leem para e com elas na escola?
Dupla audiência – por uma leitura para crianças e adultos de todas as idades: as
crianças do grupo observado interagiam com os livros lidos com e para elas de
diferentes maneiras, mas principalmente com os olhos bem abertos e os ouvidos atentos.
Elas observavam as ilustrações e se antecipavam à leitura da narrativa verbal que,
consequentemente as levava de volta às ilustrações. Esse jogo de ver e escutar era
constante durante todos os momentos de leitura. Atentas aos detalhes, as crianças se
mostravam capazes de perceber elementos nas imagens que surpreendiam os adultos.
Outro aspecto relevante diz respeito à compreensão de metáforas, uma vez que elas
suscitam a mediação de um leitor mais experiente. Entretanto, como contribuir para o
entendimento das crianças sem incorrer no erro da explicação vazia de sentidos? No
livro “Pedro e Lua”, Moraes (2009) se vale do uso de metáforas para construir uma
paisagem visual e, com isso, ampliar os sentidos atribuídos a elas. Entretanto, o que
para um adulto letrado pode parecer óbvio, às crianças produz um sentido literal,
causando estranhamento. A leitura, portanto, implica uma mediação mais dialógica,
uma vez que o modo como as crianças interagem com e a partir do texto visual e verbal
imprime o ritmo da leitura. A professora lê o texto verbal, as crianças escutam; ela
mostra as ilustrações, as crianças observam atentas, algumas levantam para ver mais de
perto, retornam ao lugar, comentam; a professora faz pausas, as crianças silenciam; a
professora levanta questões, responde perguntas devolvendo-as; contribui para a
produção de sentidos, ampliando-os à medida que chama a atenção para um ou outro
elemento das narrativas visual e/ou verbal.Com isso, a potência das imagens, enquanto
narrativas visuais, nos livros ilustrados propiciam a negociação constante de sentidos.
Os diálogos entre os leitores e os mediados pelas professoras permitiram acabamentos,
ainda que provisório, às enunciações. Nas observações, percebemos o quanto palavras e
imagens provocaram o imaginário das crianças, reverberando em brincadeiras e
desenhos após a leitura. Na relação com os outros, as crianças teciam as experiências e
imprimiam outros sentidos a elas. A leitura por palavras e imagens suscita uma
multiplicidade de sentidos, desde o mais literal, ao mais metafórico. Neste sentido, as
experiências dos leitores dão o tom dos sentidos apreendidos por eles. A subjetividade
de cada sujeito implica na compreensão que cada um tem da narrativa, o que confere à
obra muitos acabamentos. Além disso, o livro infantil contemporâneo apresenta uma
especificidade: a dupla audiência, dirigindo-se tanto ao leitor mais experiente, capaz de
compreender a linguagem metafórica, por exemplo e, ao leitor menos experiente, capaz
de compreenderaspectos visuais com mais propriedade.Portanto, surpreende também os
adultos que descobrem com as crianças outras possibilidades de ler/ver.
Entre aquilo que é e aquilo que não é – enfatizamos nesta leitura os diferentes modos
de ler, ver e sentir, pelas brechas da leitura do livro ilustrado, de forma que possamos
pensar a produção de sentidos propiciada pela interrelação entre palavras e imagens. As
obras infantis contemporâneas evidenciam o lugar da infância como espaço-tempo de
transgressão, inaugurando uma outra relação com o leitor-criança, longe dos
ensinamentos moralistas e conservadores. Em “Onde vivem os monstros”, Sendak
(2009) explora o universo do inconsciente infantil, expondo conflitos e tensões comuns
à infância, expresso por imagens associadas, ligadas por uma continuidade plástica e
semântica, apresentando uma coerência interna, num duplo movimento de autonomia e
dependência.Observamos que as crianças entram na história de corpo inteiro,
reproduzindo com voz e gestos as personagens. O texto verbal e visual polifônico é
enunciado por diferentes vozes: do narrador, do menino, da mãe, dos monstros, do
leitor/ mediador e do leitor-ouvinte pelas frestas deixadas às múltiplas compreensões e
pelos diálogos com e a partir da leitura. Desse modo, podemos afirmar que as
transformações sofridas pelo suporte alteram as práticas de leitura, o que, no caso dos
livros ilustrados, é evidenciado pela concomitância das narrativas visual e verbal, que
altera a maneira como as práticas de leitura acontecem, sendo necessária a interação do
leitor com o suporte, de maneira a fazer uma leitura simultânea entre as narrativas
verbal e a visual. Como esta simultaneidade nem sempre é possível, a leitura se dá por
idas e vindas, num vai e vem que quebra a linearidade imposta pela narrativa verbal
escrita, usual do suporte livro. As crianças do grupo investigado interagem com e a
partir da leitura mediada da professora, produzindo sons, grunhidos e gestos que
representavam monstros e se aproximam do livro entre uma virada de página e outra.
Nas brechas da leitura, entre palavras e imagens, as crianças vivem experiências
estéticas por aquilo que é e aquilo que não é.
O sensível partilhado: as crianças assumem diversas posturas corporais: deitadas,
sentadas, de joelho ou em pé, a medida que interagem com a narrativa verbal-visual e
conforme o ritmo da narrativa, se aproximam do livro, num movimento mimético, de
entrada na história, depois retornam ao lugar. Crianças e adultos partilham experiências
sensíveis com e a partir da interrelação entre as palavras e imagens, falam de
sentimentos que são singulares e subjetivos.
Entre modos de ver e modos de ler, o dizer: pensar os sentidos da leitura literária para
crianças na relação com as duas linguagens, a visual e a verbal não nos pareceu tarefa
fácil, tendo em vista o caráter híbrido das obras literárias contemporâneas. A presença
de sequências descritivas e suas decorrências na construção do discurso ficcional
interferem nos modos de ver e ler o texto verbal-visual dos livros ilustrados. Nesse
sentido, o livro infantil contemporâneo convoca o leitor a uma participação ativa do
leitor, de maneira que ele se torna sujeito da produção de sentidos, preenchendo os
vazios deixados pelo texto verbal assim como pelas ilustrações, evocando a capacidade
de “pensar por imagens” e fabular com e a partir das imagens mentais e visuais, criadas
tanto em função das palavras quanto das imagens. A criança, enquanto manuseia o livro,
repetindo gestos de leitura e narrando para si mesma a história, é afetada pelas palavras
e imagens, que dão visibilidade à sua imaginação o que possibilita que a produção de
sentidos seja tecida na relação com o eu e com o outro e destes com os demais.
3.Quanto à mediação da leitura do livro ilustrado na escola: como as professoras
leem o livro ilustrado com e para as crianças?
Mediação dialógica: esta pesquisa evidenciou que as professoras possuem um amplo
investimento na formação profissional e ambas têm contato com diferentes formas de
expressão artística, o que confere um caráter mais de escuta ao trabalho com as crianças.
Trabalho também comprometido com princípios éticos, estéticos e políticos. Durante os
momentos de leitura, observamos que elas permitem que as crianças tomassem a
palavra, criando um clima de respeito entre elas, de modo que todas tivessem vez para
enunciar e escuta de suas vozes. Além disso, é preciso destacar que a leitura prévia das
obras pelas professoras fez com que elas se apropriassem do discurso verbal visual de
cada livro lido. Portanto, liam com e para as crianças de maneira pausada, exibindo as
imagens, escutando e dialogando com e a partir das obras literárias, de maneira que as
crianças pudessem tecer comentários e observar mais detidamente as ilustrações ora do
lugar de onde estavam, ora se aproximando do livro, enfatizando um ou outro elemento
da narrativa. Ambas assumiam uma postura dialógica na mediação da leitura, deixando
a movimentação livre das crianças, ouvindo os comentários que emergiam do discurso
verbal e visual, e múltiplos sentidos que os atribuíam. Essa mediação dialógica
contribuiu para que as crianças compartilhassem suas experiências, pensamentos e
volições, produzindo sentidos no coletivo. Observamos que, na mediação, elas
procuram deixar as brechas, devolvendo as perguntas das crianças sob a forma de
indagações que provocavam a produção de sentidos nos âmbitos coletivo e individual.
Essa pesquisa aponta para a possibilidade de se pensar na leitura literária para
além da Educação Infantil, abarcando leitores em fase de alfabetização inicial e outros
já alfabetizados, de modo a conhecermos que outras relações podem ser produzidas com
e a partir da leitura do livro ilustrado na escola. Obras como “Onde vivem os monstros”,
analisada neste trabalho de dissertação, são cada vez mais apropriadas pelo cinema e por
outras mídias digitais, como é o caso dos jogos eletrônicos, produzindo outros sentidos
com e a partir do texto original. Sendo assim, a expressão narrativa transmidiática tem
sido empregada para designar essas interrelações entre diferentes mídias e, a literatura
tem inspirado uma série de produções nesse sentido. Contudo, os estudos no campo da
Educação ainda têm produzido muito pouco sobre as relações da literatura e as
diferentes mídias, o que se coloca como uma possibilidade de investigação bastante
relevante.
Esta pesquisa traz contribuições relevantes para se pensar a formação de
mediadores de leitura comprometidos com a produção de sentidos que a literatura
infantil propicia, de modo que possamos pensar na partilha sensível com e a partir o
texto verbal e visual de forma mais democrática, compromissada com práticas críticas,
dialógicas e discursivas, no intuito de auxiliar na produção de uma escola povoada de
outros sentidos.
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Ludmila Thomé; CORSINO, Patrícia. Critérios para a constituição de um
acervo literário para as anos iniciais do Ensino Fundamental: o instrumento de avaliação
do PNBE 2005, p.79-91. In: PAIVA, A. et alli (orgs.). Literatura: Saberes em
movimento. Ceale, Autêntica, 2005.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BELMIRO, Celia Abicalil. Dimensões discursivas nas narrativas do livro ilustrado.
Wrab, 2014 (no prelo).
______________________. Entre modos de ver e modos de ler, o dizer. Educação em
Revista (UFMG. Impresso), v. 4, p. 105-131, 2012. Acesso em: 23 abr. 2012.
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I: Magia e Técnica, Arte e Política.
São Paulo: Brasiliense, 1994.
_________________. Reflexões: a criança, o brinquedo, a educação. São Paulo:
Summus, 1984.
BOURDIEU, Pierre; CHARTIER, Roger. A leitura: uma prática cultural. In:
CHARTIER, Roger (Org.) Práticas da leitura. Tradução Cristiane Nascimento. São
Paulo: Estação Liberdade, 1996. p. 231-253.
CALVINO, Ítalo. Visibilidade. In: CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo
milênio: lições americanas. Tradução Ivo Barroso. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.
CAMARGO, Luis Hellmeister de. Poesia infantil e ilustração: estudo sobre Ou isto ou
aquilo, de Cecília Meireles. Dissertação (Mestrado em Teoria da Literatura) – Instituto
de Letras e Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.
CARVALHO, Manuel Jorge Pereira. A interação semiótica texto-imagem nas obras
impressas e ilustradas de literatura infantil: ler, ver, desconfiar... Portugal: Universidade
do Minho, Estudos da Criança, especialização em Comunicação Visual e Expressão
Plástica, 2006. (Dissertação de Mestrado)
CANDIDO, Antônio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antônio. Vários escritos.
Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011.
CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. Tradução Cristiane Nascimento. São Paulo:
Estação Liberdade, 1996.
COLÉGIO PEDRO II. Projeto de implantação da primeira etapa (3 a 5 anos) da
Educação Básica no Colégio Pedro II.Rio de Janeiro: Colégio Pedro II, 2011. (no prelo)
CORSARO, William. Métodos etnográficos no estudo da cultura de pares e das
transições iniciais da vida das crianças. In: MÜLLER, Fernanda; CARVALHO, Ana
Maria Almeida Carvalho (orgs.). Teoria e prática na pesquisa com crianças. São
Paulo: Cortez, 2009.
_______________. Entrada no campo, aceitação e natureza da participação nos estudos
etnográficos com crianças pequenas. Educação e Sociedade, v.26, n.91. Campinas,
maio/ago.2005.
CORSINO, Patrícia. Linguagem e Sentido na Educação Infantil: uma homenagem a
Bartolomeu Campos de Queirós. Salto para o futuro. Tvescola. MEC. Ano XXII -
Boletim 7 - Outubro 2012.
________________. Literatura e infância: limites e possibilidades da literatura infantil
para crianças de zero a seis anos. In: Educação Infantil: Catálogo de documentos. Rio
de Janeiro: PUC-RJ, 2003.
DALCIN, Andréa Rodrigues. A leitura do livro ilustrado e livro-imagem: da criação ao
leitor e suas relações entre texto, imagem e suporte. IX AnpEd Sul, Seminário de
Pesquisa em Educação da Região Sul, 2012.
FERREIRA, Manuela. “- Ela é nossa prisioneira!” – questões teóricas, epistemológicas
e ético-metodológicas a propósito dos processos de obtenção da permissão das crianças
pequenas numa pesquisa etnográfica. Revista Reflexão e Acção, Santa Cruz do Sul, v.
18, n. 2, p. 151-182, 2010. Disponível em:
<http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/viewFile/1524/1133>
FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Discutindo sentidos da palavra intervenção na
pesquisa de abordagem histórico-cultural. In: FREITAS, Maria Teresa de Assunção,
RAMOS, Bruna Sola (Orgs.). Fazer pesquisa na abordagem histórico-cultural:
metodologias em construção. Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2010.
GALLO, S. Transversalidade e educação: pensando uma educação não-disciplinar. In:
ALVES, Nilda. (Org) O sentido da escola. Petrópolis: DP at Alli, 2008.
GREEMLAND, Anelise Meyer. NAU CATARINETA: uma leitura dialógica. Porto
Alegre: PUC, Faculdade de Letras, 2007. (Dissertação de Mestrado)
GENS, Armando. Livro com ilustração: um exercício do olhar. Revista
INTERDISCIPLINAR Ano VII, V.16, jul-dez de 2012 - ISSN 1980-8879 | p. 06-18.
GOULEMOT, Jean Marie. Da leitura como produção de sentidos. In: CHARTIER,
Roger (Org.) Práticas da leitura. Tradução Cristiane Nascimento. São Paulo: Estação
Liberdade, 1996. p. 107-116.
HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.
KRAMER, Sonia. Da formação de profissionais da educação infantil: contextos e
histórias. In: KRAMER, Sonia (org.). Profissionais da educação infantil: gestão e
formação. São Paulo: Ática, 2005, p. 15-36.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura à leitura de mundo. Rio de Janeiro: Ática, 2004.
LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista
Brasileira de Educação. Rio de Janeiro/São Paulo: ANPEd/Autores Associados. Nº 19,
Jan/Fev/Mar/Abr 2002, p. 20-28.
LEE, Suzy. A trilogia da margem: o livro imagem segundo Suzy Lee. São Paulo: Cosac
Naify, 2012.
LIMA, Graça. A ilustração no Brasil: a ilustração de livros para crianças e jovens no
Brasil. In: MENDONÇA, Rosa Helena (org.). A arte de ilustrar livros para crianças e
jovens. Salto para o futuro. Tvescola. MEC. Ano XIX, nº 7, junho/ 2009.
LIMA, Renata Vilanova. Ilustrações em traços e manchas do Design no livro-ilustrado
infantil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Design, 2012.
(Tese de Doutorado)
LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. São Paulo: Cosac & Naify, 2011.
MACEDO, Nélia Mara Rezende. Alterar, alterar-se: ser professora, ser pesquisadora.
In: PEREIRA, Rita Marisa Ribes, MACEDO, Nélia Mara Rezende (orgs.). Infância em
pesquisa. Rio de Janeiro: NAU, 2012, p.109-130.
MENDES, Cláudia. Nos livros infantis ilustrados de Roger Mello, uma viagem pela
diversidade cultural brasileira. 32º Congresso Internacional de IBBY. Santiago de
Compostela, 8-12 de setembro de 2010.
MORAES, Odilon; HANNING, Rona; PARAGUASSÚ, Maurício. Traço e prosa:
entrevistas com ilustradores de livros infanto-juvenis. São Paulo: Cosac & Naify, 2012.
NANNINI, Priscilla Barranqueiros Ramos. Ilustração: um passeio pela poesia visual.
São Paulo: Universidade Estadual Paulista, Programa de pós-graduação em Artes, 2007.
(Dissertação de Mestrado)
NECYK, Barbara Jane. Texto e Imagem: um olhar sobre o livro infantil contemporâneo.
Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Artes e Design, 2007. (Dissertação de Mestrado)
NIKOLAJEVA, Maria e SCOTT, Carole. Livro ilustrado: palavras e imagens. São
Paulo: Cosac & Naify, 2011.
OLIVEIRA, Rui. Pelos Jardins Boboli – Reflexões sobre a arte de ilustrar livros para
crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
PEREIRA, Rita Marisa Ribes, MACEDO, Nélia Mara Rezende (orgs.). Infância em
pesquisa. Rio de Janeiro: NAU, 2012.
PRADES, Dolores. Uma ponte para Sendak. Revista Emilia. Disponível em:
http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=185. Data de acesso: 28/12/2013.
QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Sobre ler, escrever e outros diálogos. Belo
Horizonte: Autêntica, 2012.
RAMOS, Graça. A imagem nos livros infantis: caminhos para ler o texto visual. Belo
Horizonte: Autêntica 2011.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica
Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2009.
RODRIGUES, Carina (2009). O álbum narrativo para a infância: Os segredos de
um encontro de linguagens. In: Congreso Internacional Lectura 2009 – Para leer el
XXI. Havana: Comité Cubano del IBBY (CD-ROM – ISBN 978-959-242-138-7) (sem
paginação). (Doutoranda do Departamento de Línguas e Cultura da Universidade de
Aveiro/ Portugal)
SARMENTO, Manuel Jacinto. Sociologia da infância: correntes e confluências. In:
SARMENTO, Manuel Jacinto; GOUVEA, Maria Cristina Soares de (Orgs.). Estudos
da infância: educação e práticas sociais. Petrópolis: Vozes, 2008.
SATUÉ, Enric. Introdução. In: SATUÉ, Enric. Aldo Manuzio: editor, tipógrafo,
livreiro: o design do livro do Passado, do Presente e, talvez, do Futuro. Cotia, SP:
Ateliê Editorial, 2004.
SILVA, Márcia Cabral da. Infância e Literatura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2010.
TEZANI, Thaís Cristina Rodrigues. As interfaces da pesquisa etnográfica na educação.
Linhas - Revista do Programa de Mestrado em Educação e Cultura. v. 5, nº 1 Jan/ Jun.
2004. Universidade do Estado de Santa Catarina/ UDESC.
http://www.periodicos.udesc.br/index.php/linhas/article/viewFile/1237/1050.
VELHO, G. O desafio da proximidade. In: VELHO, Gilberto; KUSHNIR, Karina
(orgs.). Pesquisas Urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2003. p. 208-220.
VIGOTSKI, L. S. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico. Apresentação e
comentários Ana Luiza B. Smolka; Trad. Zoia Prestes. São Paulo: Ática, 2009.
VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo : Martins Fontes, 1987.
ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. São Paulo: Global, 2003.
Obras Literárias
BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1997, 5 ed.
BIBIAN, Simone. O menino, o cachorro. Rio de Janeiro: Manatï, 2007.
MORAES, Odilon. Pedro e Lua. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
SENDAK, Maurice. Onde vivem os monstros. São Paulo: Cosac & Naify, 2009.
WILD, Margareth. Raposa. São Paulo: Brinque-Book, 2005.
WRIGHT, Michael. Dado sempre acordado. São Paulo: Editora Caramelo, 2011.
ANEXO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Pesquisa: Infância, linguagem e escola: das políticas de livro e leitura ao letramento
literário de crianças de escolas fluminenses
Orientadora: Patrícia Corsino (tel.: (21) 8108-1798 / e-mail: patriciacorsino@terra.com.br)
Equipe de pesquisadores: Amanda Santos, Carolina Monteiro Soares, Dione Coelho, Hélen Aparecida Queiroz, Jordanna
Castelo Branco, Karla Righetto, Lauren Souza do Nascimento Marchesano, Leonardo Vilela, Maria Nazareth de Souza
Salutto Mattos, Monique Gonçalves Araujo, Rafaela Vilela, Rejane Xavier e Sônia Travassos.
CEP/SMS-RJ (tel.: 2504-3196/ e-mail: cepsms@rio.rj.gov.br)
Eu, ____________________________________________________, declaro estar de acordo em participar
da pesquisa Infância, linguagem e escola: das políticas de livro e leitura ao letramento literário de crianças de escolas
fluminenses, desenvolvida na UFRJ, sob coordenação da professora Patrícia Corsino, RG 03584643-5 e que conta com os
pesquisadores mencionados acima.
A referida pesquisa tem como objetivo principal traçar um panorama das políticas de livro e leitura de seis
municípios do Estado do Rio de Janeiro ao letramento literário das crianças da Educação Infantil e anos iniciais do Ensino
Fundamental. Num duplo movimento do macro das políticas ao micro da sala de aula e vice-versa, tem como proposta
conhecer e analisar: 1- como as políticas de acesso ao livro, à literatura e à leitura se articulam e repercutem na sala de
aula, 2- as mediações que se estabelecem entre a literatura e as crianças nas escolas, que inclui acervos, espaços e as
interações dos professores; 3-as apropriações e produções infantis provocadas pela leitura literária e 4-o lugar que a
literatura ocupa na formação das crianças – da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
CENTRO DE F I LOSOFIA E C IÊNCIAS HUMANAS- CFCH
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
LEDUC- LABORATÓRIO DE L INGUAGEM , LEITURA , ESCRITA
E EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL
DO RIO DE JANEIRO -
UFRJ
Estou ciente de que as observações e registros do cotidiano escolar, bem como as respostas às entrevistas
e questionários serão usados apenas para fins de pesquisa acadêmica, ficando garantida minha liberdade de desistência
de participar da pesquisa a qualquer momento, bem como o sigilo e o anonimato, sem que ocorra qualquer tipo de
coerção ou prejuízo. Fica garantida minha liberdade de não responder a questões que me causem algum
constrangimento.
Quanto a custos e receita, estas são nulas, não havendo qualquer tipo de despesa de minha parte, ou
ganho com minha participação nesta pesquisa.
Recebi todas as informações necessárias, estando ciente dos objetivos da pesquisa e disposta(o) a
contribuir para que seus resultados e reflexões possam servir também para a melhoria do processo educativo e/ou de
gestão de Unidades Escolares.
Serão mantidos todos os preceitos éticos legais durante e após o término da pesquisa.
Este termo será realizado em duas vias para que uma fique com o entrevistado e outra com o
pesquisador. Em caso de dúvida, poderei entrar em contato com o pesquisador pelos endereços ou telefones citados
acima.
Ciente dos termos propostos, concordo em participar da pesquisa.
Rio de Janeiro, _______ de _____________ de 2013.
Assinatura do participante
Assinatura do pesquisador
top related