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Derecho y Cambio Social
O MECANISMO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA
OMC:
ASPECTOS PROCEDIMENTAIS, EFICÁCIA DE SUAS
DECISÕES E BREVE ANÁLISE DE UM CASO BRASILEIRO
Vinícius Santos Simões1
Marcelo Fernando Quiroga Obregon2
Fecha de publicación: 02/01/2018
Sumário: Introdução. 1. Breve panorama do comércio
internacional. 2. O acordo geral de tarifas e comércio (GATT) e
a organização mundial do comércio (OMC). 3. Do sistema de
solução de controvérsias da OMC. 4. Exemplo de caso brasileiro
no Órgão de Solução de Controvérsias: o caso Estados Unidos-
Algodão. – Considerações Finais. – Referências.
Resumo: A OMC foi instituída em 1995 e conta, dentre outros,
com um órgão de solução de controvérsias (OSC) cujo objetivo
está em resolver problemas advindos do descumprimento de
cláusulas de acordos internacionais de comércio. Neste artigo,
far-se-á uma breve exposição no tocante às peculiaridades
procedimentais desse mecanismo, bem como das formas
1 Acadêmico de Direito na Faculdade de Direito de Vitória.
vs.smoes@gmail.com
2 Doutor em Direito .Direitos e Garantias Fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória -
FDV, Mestre em Direito Internacional e Comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, Especialista em Política Internacional pela Fundação Escola de Sociologia e
Política de São Paulo, Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo,
Coordenador Acadêmico do curso de especialização em Direito Marítimo e Portuário da
Faculdade de Direito de Vitória - FDV -, Professor de Direito Internacional e Direito Marítimo
e Portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória -
FDV.
mfqobregon@yahoo.com.br
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existentes de garantir a efetividade de suas decisões (ou relatórios
finais), ambas previstas no Entendimento Relativo às Normas e
Procedimentos de Solução de Controvérsias, além de se analisar
tais mecanismos à luz de um caso em que o Brasil foi parte, o caso
Estados Unidos-algodão. Como base teórica, preferiu-se por
utilizar primordialmente textos do economista Paul Krugman e do
ex-Secretário do Comércio Exterior, Welber Barral. Por fim, o
autor exporá seu ponto de vista sobre o tema, destacando as
dificuldades e os benefícios de utilização do sistema.
Palavras-chave: OMC. OSC. Solução de Controvérsias.
Procedimento.
THE WTO DISPUTE SETTLEMENT MECHANISM:
PROCEDURAL ASPECTS, EFFECTIVENESS OF ITS
DECISIONS AND BRIEF ANALYSIS OF A BRAZILIAN
CASE.
Summary: The WTO was established in 1995 and has, among
others, a dispute settlement body (CSO) whose objective is to
solve problems arising from non-compliance with clauses in
international trade agreements. In this article, a brief presentation
will be given on the procedural peculiarities of this mechanism,
as well as on existing ways of ensuring the effectiveness of its
decisions (or final reports), both of which are set out in the
Understanding on Dispute Settlement Rules and Procedures, in
addition to analyzing such mechanisms in the light of a case in
which Brazil was envolved, the US-cotton case. As a theoretical
basis, it was preferred primarily to use texts by the economist Paul
Krugman and the former Secretary of Foreign Trade, Welber
Barral. Finally, the author will present his point of view on the
theme, highlighting the difficulties and benefits of using the
system.
Keywords: WTO. CSO. Dispute Resolution. Procedure.
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INTRODUÇÃO
Pretende-se, com este artigo, analisar aspectos procedimentais do Sistema de
Resolução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio, além das
formas de garantia da eficácia das decisões proferidas (relatórios) pelo Órgão
de Solução de Controvérsias.
A tema vem a calhar principalmente por conta dos atuais pedidos de consulta
no órgão pelo Brasil, tanto envolvendo a Tailândia, relativamente à
concessão de subsídios aos produtores de açúcar, quanto envolvendo a
Indonésia, no que tange às restrições de importações de carne bovina
brasileira.
Nessa conjuntura também entram as atuais investidas do presidente norte-
americano no sentido de sobretaxar a importação de aço, às quais o governo
brasileiro informou, recentemente, que levaria o caso à OMC.
Inicialmente, buscar-se-á apresentar os fundamentos do comércio
internacional, bem como os motivos que levam países a adotar medidas
protecionistas.
Em seguida, far-se-á um apanhado histórico do Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (GATT), que precedeu a organização Mundial do Comércio, bem
como da própria OMC, estabelecendo um paralelo entre suas funções e o que
restou informado na parte inicial.
Abordar-se-á o tema principal, o Sistema de Solução de Controvérsias da
OMC, enfatizando aspectos procedimentais e formas de conferir eficácia às
suas decisões.
Por fim, entendi cabível a apresentação de um caso brasileiro no Órgão de
Solução de Controvérsias, para trazer à luz a aplicabilidade dos
procedimentos abordados anteriormente em casos práticos.
Ressalta-se que, por motivos óbvios, não se procura esgotar o tema, já
bastante abordado por diversos profissionais do mundo jurídico e
econômico, mas conferir uma visão geral do assunto e ao final, extrair
conclusões sobre o modo de funcionamento do Órgão de Solução de
Controvérsias.
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1 BREVE PANORAMA DO COMÉRCIO INTERNACIONAL
O comércio internacional pode ser definido como a circulação de bens e
serviços entre as fronteiras dos países. Visto que o Estado, como o
concebemos hoje, teve seus traços delineados no início da Idade Moderna, é
lícito deduzir que o nascimento do comércio internacional corresponde ao
mesmo período, inicialmente com o surgimento das práticas mercantilistas
e, com mais tardar, com o desenvolvimento do ideal do livre-comércio.
A despeito da existência de inúmeras teorias que buscam fundamentar o
comércio internacional, segundo entendimento perfilhado por Paul
Krugman3, podemos dizer que os países dele participam por dois motivos: o
primeiro diz respeito à disparidade existente entre os recursos internos, o que
lhes permitem benefícios mútuos com as trocas comerciais; o segundo,
decorrente do primeiro, diz respeito à especialização na produção, o que leva
a economias de escala, ou seja, ao se especializarem nos fatores de produção
dominantes em seu território, os países produzem em escala maior e de forma
mais efetiva, o que é preferível à produção independente de todos os bens de
produção (gerando lentidão e perda de qualidade).
Dito de forma mais sucinta, cada país se especializa no bem em relação ao
qual tem mais vantagens comparativas4 ou, trocando em miúdos, menor
custo de oportunidade5 relativamente a outros países. Quanto maior a
especialização, melhor e maior será a produção. Por isso que, ainda que um
país produza mais em qualquer área relativamente a outro, ele se
especializará somente na produção do bem que lhe traga um menor custo e
importará os demais.
3 KRUGMAN, Paul; OBSTFELD, Maurice. Economia Internacional: teoria e política. 8ª edição,
São Paulo: Pearson Prentice Hall. p. 13.2010,
4 O princípio das vantagens comparativas fornece um modelo teórico básico para explicação dos
fundamentos do comércio internacional. Foi inicialmente elaborado por David Ricardo, em
1817. Não se desconhece a existência de novas teorias que buscam explicar o fenômeno do
comércio internacional, mas é interessante notar como os modelos modernos ainda a utilizam,
inclusive a Teoria Moderna do Comércio Internacional (Modelo de Hecksher Ohlin), “o qual
postula que as vantagens comparativas e, logo, a direção do comércio, estarão dadas pela
escassez ou abundância relativa dos fatores de produção. ” In: VASCONCELLOS, Marco
Antônio Sandoval de. Economia: micro e macro. 4. ed. São Paulo: Atlas, p. 357.2010.
5 O custo de oportunidade pode ser definido como o custo de algo em termos do que se
renunciou por escolhê-lo. Dizer que um país tem menor custo de oportunidade em um bem
relativamente a outro significa, por exemplo, afirmar que a Colômbia tem menor custo de
oportunidade na produção de rosas a computadores (pois ao produzir 01 rosa, deixa de
produzir 0,5 computador), do que os Estados Unidos (pois ao produzir 01 rosa, deixa de
produzir 02 computadores) – modelo hipotético.
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Ludwig von Mises6, em um exemplo de sua obra, resume bem a sistemática
do comércio internacional:
Os habitantes do Jura suíço preferem fabricar relógios em vez de cultivar
trigo. Fabricar relógios é, para eles, a maneira mais barata de adquirir trigo.
Por outro lado, plantar trigo é a maneira mais barata de adquirir relógios, para
um agricultor canadense. O fato de que os habitantes do Jura não plantam
trigo e os canadenses não fabricam relógios merece tanto destaque quanto o
fato de que os alfaiates não fazem os seus sapatos e os sapateiros não fazem
suas roupas.
Mas o que faz com que um país tenha maiores vantagens comparativas que
os outros? Os economistas costumam reunir três fatores determinantes:
diferenças de clima, de fatores de produção e de tecnologia.
O comércio internacional é visto de forma positiva, pois diminui o preço dos
bens e serviços no mercado, aumenta a quantidade de produtos ofertados (no
caso das importações); e aumenta o lucro dos produtores internos (no caso
das exportações).
Portanto, o comércio internacional produz benefícios mútuos aos países que
dele participam7. Ainda assim, muitos países tendem a seguir medidas
protecionistas, adotando tarifas e outras barreiras para limitar as importações
e concedendo subsídios para aumentar as exportações.
Três argumentos comuns para sustentar políticas protecionistas são: a
proteção da segurança nacional, a criação de empregos e o aumento da
indústria nascente.
O primeiro deles parte do pressuposto de que, no caso de conflitos
internacionais, a quantidade de bens ofertados no mercado, especialmente os
importados, poderá diminuir e causar prejuízos à população. Por conta disso,
adotam-se barreiras nas importações de bens considerados essenciais, como
os alimentos.
Nesse sentido, por exemplo, atuam os Estados Unidos e a União Europeia,
que adotam cotas de importação ao açúcar proveniente dos países de clima
tropical, além de subsidiar os agricultores internos na produção de açúcar
proveniente da beterraba.8
6 MISES, Ludwig von. Ação Humana. 3. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, p.
460.2016.
7 KRUGMAN, Paul. WELLS, Robin. Introdução à Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, p.
363.2007.
8 Cf. KRUGMAN, Paul. WELLS, Robin. Op. cit., p. 367.
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O segundo argumento aduz que a restrição às importações enseja o aumento
de empregos em âmbito nacional, já que haverá um aumento da demanda e
as empresas teriam que aumentar sua produção.
O último deles, mas utilizado por países emergentes, afirma que o livre-
comércio pode prejudicar a produção industrial incipiente, que requer um
período de proteção temporário para se estabilizar no mercado.
Paul Krugman afirma que, na realidade, as três justificativas acima utilizadas
têm pouco a ver com o efetivo motivo da proteção comercial. Para o autor, a
adoção de políticas protecionistas decorre antes do lobby interno dos
produtores que competem com as importações, que têm uma organização e
força política muito superior ao interesse dos consumidores.9
O protecionismo tem efeitos adversos tanto sobre os consumidores internos,
quanto sobre os exportadores de países estrangeiros.
Em virtude disso, as políticas comerciais dos países preocupam uns aos
outros, levando-os a adotar acordos de comércio internacional, que são,
basicamente, acordos nos quais os signatários se comprometem a adotar
menos barreiras comerciais se os demais também o fizerem.
A OMC surge, nesse sentido, como importante órgão de supervisão de
acordos internacionais, conforme se verá adiante.
2 O ACORDO GERAL DE TARIFAS E COMÉRCIO (GATT) E A
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC)
Em meio ao caos e insegurança do período entre guerras, os países passaram
a, cada vez mais, adotar medidas protecionistas e unilaterais nas políticas
comerciais. Tais anos resultaram em grande instabilidade econômica e
demonstraram ao mundo que “o unilateralismo é o pior dos remédios”10, pois
ocasionara quase um colapso no sistema econômico mundial11.
No término da Segunda Guerra Mundial, os países sentiram a necessidade
de reorganizar o comércio internacional em novas bases, de cunho liberal.
Nesse sentido, foi organizada a Conferência de Bretton Woods, em 1944, que
teve como objetivo primordial a reconstrução da economia mundial,
resultando na fundação da Organização Internacional do Comércio (OIC),
do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial.
9 Cf. KRUGMAN, Paul. WELLS, Robin. Op. cit., p. 367.
10 BARRAL, Welber Oliveira. O comércio internacional. Belo Horizonte: Del Rey, p. 26, 2007.
11 BARRERO, Esther López. Regulación del comercio internacional: La OMC. Valencia: Tirant
lo Blanch, p. 44. 2010.
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Das três instituições, somente a primeira deixou de ser efetivamente criada,
pois sua carta constitutiva, a “Carta de Havana”, não foi ratificada pelos
Estados Unidos, apesar de ter sido submetida várias vezes ao Congresso
norte-americano.
Em 1950, o presidente norte-americano, Truman, anunciou que não mais
submeteria ao Congresso a aprovação da OIC. Com isso, o principal
instrumento de regulação das relações comerciais internacionais ficou sendo
o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), um acordo provisório
negociado em uma das comissões de criação da OIC.
Para Vera Thorstensen, o GATT, apesar de inicialmente ter sido concebido
como simples acordo, forneceu “a base institucional para diversas rodadas
de negociações sobre comércio, coordenador e supervisor das regras do
comércio até o final da Rodada Uruguai e a criação da atual OMC”.12
Foram realizadas oito rodadas de negociações comerciais na vigência do
acordo, que resultaram em um conjunto de regras do comércio internacional
fundadas em um comércio livre. Vera Thorstensen, ao dissertar sobre o
assunto, afirma que todas as rodadas são consideradas um sucesso, quando
se verifica que resultaram numa redução tarifária de 40%, em 1947, a 5%,
em 1994, quando finalizada a Rodada de Uruguai.13
Paulo Estivallet de Mesquita, também enfatizando o sucesso do GATT,
aduz14:
O GATT teve um sucesso inegável, tanto em termos de liberalização
comercial como de criação de um sistema efetivamente multilateral. O
número de partes contratantes passou de 23 em 1947 para 50 no final da
Rodada Kennedy, vinte anos mais tarde, e dobrou novamente na década
seguinte. As reduções tarifárias ajudaram a manter taxas elevadas de
crescimento do comércio internacional – em torno de 8%, em média, nas
décadas de 1950 e 1960. O comércio internacional de manufaturas, como
proporção da produção mundial, triplicou entre 1945 e 2000.
Apesar disso, por ser apenas um acordo internacional “provisório”, começou
a ficar claro para os países signatários (inclusive com o surgimento de
inúmeros problemas para os quais o GATT não tinha estrutura para resolver)
que ele não era mais suficiente para regular as relações comerciais.
12 THORSTENSEN, Vera Helena. OMC - Organização Mundial do Comércio: as regras do
comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. 2. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Edições Aduaneiras, p. 130, 2001.
13 THORSTENSEN, Vera Helena. Op. cit., p. 130.
14 MESQUITA, Paulo Estivallet de. A Organização Mundial do Comércio. Brasília: FUNAG, p.
41, 2013.
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Assim, no término da Rodada de Uruguai, concluída em 1994, as partes
contratantes do GATT assinaram o Tratado Constitutivo da OMC (Acordo
de Marraquexe), criando efetivamente esse órgão internacional, cuja
estrutura organizativa se localiza atualmente em Genebra, Suíça.
Atualmente composta por 164 países15, a Organização Mundial do Comércio
apresenta-se como órgão multilateral organizativo do comércio
internacional, cujas funções precípuas estão descritas no art. 3° do acordo
que a criou, in litteris16:
1. A OMC facilitará a aplicação administração e funcionamento do presente
Acordo e dos Acordos comerciais multilaterais e promoverá a consecução de
seus objetivos e constituirá também o quadro jurídico para a aplicação,
administração e funcionamento dos Acordos comerciais Plurilaterais. 2. A
OMC será o foro para as negociações entre seus Membros acerca de suas
relações comerciais multilaterais em assuntos tratados no quadro dos acordos
incluídos nos Anexos ao presente Acordo. A OMC poderá também servir de
foro para ulteriores negociações entre seus Membros acerca de suas relações
comercias multilaterais e de quadro Jurídico para a aplicação dos resultados
dessas negociações secundo decida a Conferência Ministerial. 3. A OMC
administrará o entendimento relativo às normas e procedimentos que regem
a solução de controvérsias (denominado a seguir ‘Entendimento sobre
Solução de controvérsias’ ou ‘ESC’) que figura no Anexo 2 do presente
Acordo. 4. A OMC administrará o mecanismo de Exame das Políticas
comerciais (denominado a seguir ‘TPRM’) estabelecido no anexo 3 do
presente Acordo. 5. Com o objetivo de alcançar uma major coerência na
formulação das políticas econômicas em escala mundial, a OMC cooperará
no que couber com o Fundo Monetário Internacional e com o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento e com os órgãos a eles
afiliados.
Também é bastante notório o fato de a OMC estar pautada em alguns
princípios-guias em sua atuação. O sítio eletrônico do Ministério de Relações
Exteriores elenca cinco deles17:
1. Não-discriminação: É o princípio básico da OMC. Está contido no Art. I
e no Art. III do GATT 1994 no que diz respeito a bens e no Art. II e Art. XVII
15WTO. Members and Observers. Disponível em: <
https://www.wto.org/english/thewto_e/whatis_e/tif_e/org6_e.htm >. Acesso em: 19 de março
de 2018.
16 BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Acordo Constitutivo da
organização Mundial do Comércio. Disponível em:
< http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1196451535.doc. >. Acesso em: 14 de março de
2018.
17 BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Princípios. Disponível em: <
http://www.mdic.gov.br/index.php/comercio-exterior/negociacoes-internacionais/1886-omc-
principios >. Acesso em: 14 de março de 2018.
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do Acordo de Serviços. Estes Artigos estabelecem os princípios da nação
mais favorecida (Art. I) e o princípio do tratamento nacional (Art.III). Pelo
princípio da nação mais favorecida, um país é obrigado é estender aos demais
Membros qualquer vantagem ou privilégio concedido a um dos Membros; já
o princípio do tratamento nacional impede o tratamento diferenciado de
produtos nacionais e importados, quando o objetivo for discriminar o produto
importado desfavorecendo a competição com o produto nacional. 2.
Previsibilidade: Os operadores do comércio exterior precisam de
previsibilidade de normas e do acesso aos mercados tanto na exportação
quanto na importação para poderem desenvolver suas atividades. Para
garantir essa previsibilidade, o pilar básico é a consolidação dos
compromissos tarifários para bens e das listas de ofertas em serviços, além
das disciplinas em outras áreas da OMC, como TRIPS, TRIMS, Barreiras
Técnicas e SPS que visam impedir o uso abusivo dos países para restringir o
comércio. 3. Concorrência leal: A OMC tenta garantir não só um comércio
mais aberto mas também um comércio justo, coibindo práticas comerciais
desleais como o dumping e os subsídios, que distorcem as condições de
comércio entre os países. O GATT já tratava destes princípios nos Art. VI e
XVI, porém estes mecanismos só puderam ser realmente implementados após
os Acordos de Antidumping e Acordo de Subsídios terem definido as práticas
de dumping e de subsídios e previsto as medidas cabíveis para combater o
dano advindo destas práticas. 4. Proibição de restrições quantitativas: O
Art. XI do GATT 1994 impede o uso de restrições quantitativas (proibições
e quotas) como meio de proteção. O único meio de proteção admitido é a
tarifa, por ser o mais transparente. As quotas tarifárias são uma situação
especial e podem ser utilizadas desde que estejam previstas nas listas de
compromissos dos países. 5. Tratamento especial e diferenciado para
países em desenvolvimento: Este princípio está contido no Art. XXVIII bis
e na Parte IV do GATT 1994. Pelo Art. XXVIII bis do GATT 1994, os países
desenvolvidos abrem mão da reciprocidade nas negociações tarifárias
(reciprocidade menos que total). Já a Parte IV do GATT 1994 lista uma série
de medidas mais favoráveis aos países em desenvolvimento que os países
desenvolvidos deveriam implementar. Além disso, os Acordos da OMC em
geral listam medidas de tratamento mais favorável para países em
desenvolvimento.
Os arts. 4° e 6° do sobredito acordo dispõem sobre a estrutura organizativa
da OMC, que dentre outros órgãos, é composto pelo Conselho Geral,
Conselho Para o Comércio de Bens, Conselho Para o Comércio de Serviços,
Órgão de Exame de Políticas Comerciais e, de não menos importância, o
Órgão de Solução de Controvérsias.
Passada a breve exposição da história e princípios norteadores da OMC,
cumpre perquirir quanto à estrutura e procedimentos do Órgão de Resolução
de Controvérsias, verdadeiro objeto deste artigo.
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3 DO SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA OMC
O sistema de solução de controvérsias da OMC foi criado durante a Rodada
de Uruguai, constituindo-se como um modelo mais claro de resolução de
controvérsias do que o utilizado pelo GATT. Aliás, o sistema utilizado pelo
GATT era um de seus pontos fracos, cujos mecanismos obstaculizavam a
efetividade de suas decisões.
A nova forma de solução de controvérsias restou regulada pelo Anexo 2 do
acordo constitutivo da OMC, intitulado Entendimento Relativo às Normas e
Procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC).
O Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) é composto por todos os
Membros da OMC, que se reúnem mensalmente para tomada de decisões.
Como a finalidade da OMC está em se prezar pelo fortalecimento
multilateral do comércio, atuando no sentido de garantir regras mínimas que
permitem a manutenção do livre-comércio, pode-se dizer que, indiretamente,
o Órgão de Solução de Controvérsias constitui um de seus elementos-chave,
provendo a solução de disputas que têm como origem a adoção de políticas
comerciais violadoras das regras da OMC.
Paulo Eduardo Lilla e Sérgio Gusmão Suchodovski afirmam, nesse sentido,
que:
não é exagero afirmar que o ESC é o acordo multilateral mais importante
dentre os acordos abrangidos pela OMC, tendo em vista ser esse acordo o
responsável pela preservação dos direitos e obrigações dos países membros
da organização multilateral.18
Assim como os demais acordos multilaterais internos, o ESC não exige
manifestação de vontade secundária para sua atuação: todos os países
membros da OMC, pelo só fato de sê-lo, podem fazer parte do órgão. Não
há, porém, legitimidade dos países não-membros ou de agentes não-
governamentais.
3.1 ASPECTOS PROCEDIMENTAIS
Existe previsão para mais de um procedimento para solução de
controvérsias. Como não visa estimular a litigiosidade, há os procedimentos
alternativos, que privilegiam soluções mutuamente consentidas pelas partes,
tais quais o good office, a conciliação e a mediação, que inclusive podem ser
propostos ex officio pelo Diretor Geral da OMC.
18 LILLA, Paulo Eduardo. SUCHODOLSKI, Sérgio Gusmão. Conflitos de Jurisdição entre a
OMC e os Acordos Regionais de Comércio. Solução de Controvérsias: o Brasil e o
Contencioso na OMC: tomo II/ Maria Lúcia Lobate Mantovani Pádua Lima, Barbara
Rosenberg, coordenadoras. São Paulo: Série GV Law, p. 171.Saraiva, 2009.
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Os procedimentos alternativos podem ser utilizados a qualquer tempo pelas
partes, que têm voluntariedade na sua escolha.19 Não há regulamentação a
respeito de como exatamente funcionariam tais procedimentos, ficando a
critério das partes resolver como procederão. Eles também podem ser
utilizados de forma concomitante com a atuação do Grupo Especial, ou
Painel, que constitui a fase já contenciosa do procedimento principal.
Além dos métodos alternativos supracitados, também consta como tal a
arbitragem, que, neste caso, poderá ser utilizado tanto como método
alternativo, quanto como procedimento obrigatório.
A arbitragem pode ser utilizada sempre que as disputas “tenham por objeto
questões claramente definidas por ambas as partes”20. Caso resolvido o
imbróglio pela arbitragem, será feito um laudo arbitral, que deve ser acatado
pelas partes e notificado ao OSC e ao Comitê de acordos, hipótese na qual
qualquer membro da OMC poderá levantar questão a ele relacionada.
Por fim, há também acordos multilaterais com regras especiais de resolução
de controvérsias, que estão listados no apêndice do ESC, tais quais os
acordos sobre têxteis e vestuários, medidas sanitárias, barreiras etc.
Duas situações podem ensejar uma reclamação perante o OSC: o caso de
nullification (prejuízo de algum benefício decorrente de acordos) ou
impairment (quando um país impede que se atinja um objetivo do acordo).21
As disputas podem decorrer da violação de acordos abrangidos pela OMC,
pela não-violação e por outras situações. A primeira é a mais utilizada, visto
que gera presunção de prejuízo, ou seja, o Membro reclamante não precisa
comprová-lo, pelo menos a priori, bastando que comprove a violação de
alguma cláusula abordada.22
São etapas do procedimento comum de solução de controvérsias, que serão
melhor analisados a seguir: consultas bilaterais, painel, ocasionalmente,
órgão de apelação e a implementação.
3.1.1 Consultas
19 Art. 5.3 do ESC. Disponível em: BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e
Serviços. Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos de Solução de Controvérsias.
Disponível em: < http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1196686225.doc. >. Acesso em: 14
de março de 2018.
20 Art. 25.1 do ESC.
21 MELLO, Alessandra Ramos de. O Órgão de Solução de Controvérsias da Organização
Mundial do Comércio: Aspectos gerais sobre o procedimento quase judicial que regula o
comércio internacional. Monografia (Especialização em Direito Internacional) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, p. 25. 2009.
22 A presunção de prejuízo vem prevista no art. 3.8 do ESC.
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O art. 3.7 do ESC prioriza “a solução mutuamente aceitável para as partes
em controvérsia”, desde que esteja em conformidade com os demais acordos
do órgão.
O procedimento se inicia por iniciativa da parte reclamante, que deverá
formalizar pedido escrito de consultas indicando as razões, as medidas
violadoras e os fundamentos legais da controvérsia. A parte contrária terá
prazo de 10 (dez) dias para resposta, salvo se acordado de forma contrária.23
Nesta fase, as partes devem analisar com compreensão os argumentos
trazidos pela outra parte24, relativamente às medidas violadoras de acordos
internacionais. É fase de cunho obrigatório e confidencial; a suscitação de
questões nessa fase é necessária para que as mesmas questões sejam
debatidas nas fases subsequentes.
Dentro de trinta dias, contados do recebimento da solicitação, as partes
iniciam as consultas obrigatórias e devem negociar para tentar chegar a um
acordo. Esse acordo poderá ser realizado dentro do prazo máximo de 60
(sessenta) dias, contado da data do recebimento da solicitação25. Havendo
acordo, o conflito se encerra e as partes comunicam os seus termos ao OSC.
Em tese, a comunicação se deve ao fato de os demais membros do OSC
puderem ter interesse em não saírem prejudicados por acordos bilaterais, mas
nem sempre os termos são comunicados ou comunicados integralmente.26
No caso da ausência de acordo, a parte reclamante poderá requerer o painel
na forma do art. 6.2 do ESC, que deverá ser estabelecido na reunião seguinte,
exceto se decidido o contrário por consenso reverso (ou negativo).27 Os
demais membros da OMC poderão participar como terceiros interessados.
Os painelistas são três ou, excepcionalmente, cinco indivíduos qualificados,
geralmente diplomatas, juristas, acadêmicos ou especialistas em Direito
Internacional, eleitos dentre representantes de governos ou não, cuja eleição
deve contar com a anuência dos “disputantes” dentro de 20 dias, caso
23 Art. 4.3 do ESC.
24 Art. 4.2 do ESC.
25 Art. 4.7 do ESC. No caso de urgência, entretanto, as consultas são iniciadas em prazo não
superior a 10 (dez) dias contados da data do recebimento de solicitação, sendo que o pedido de
abertura de painel poderá ser formulado em prazo não superior a 20 (vinte) dias, do
recebimento da solicitação.
26 Art. 3.6 do ESC.
27 Art. 6.1 do ESC.
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contrário poderão ser eleitos pelo próprio diretor Geral, após indicação pelo
Secretariado.28
Os painelistas não podem participar de casos em que seu país de origem
esteja envolvido e devem apresentar relatório sobre a controvérsia e uma
análise jurídica quanto aos fundamentos da reclamação, conforme se verá
abaixo.
3.1.2 Painéis
O painel será estabelecido, portanto, nas seguintes hipóteses: ausência de
resposta do reclamado no prazo de 10 dias; no prazo de 30 dias a partir do
recebimento da solicitação, caso o país demandado não a responda; 60 dias
após o início das consultas, caso não haja acordo após as tentativas, ou ainda,
por consenso entre as partes.
A competência do painel está em se “examinar a questão submetida e
estabelecer conclusões que auxiliem o OSC a fazer recomendações ou emitir
decisões”29, sendo que em nada poderá estender-se para além desses limites.
Bem por isso é que se veda aos painelistas o aumento ou diminuição dos
direitos e obrigações contidos nos acordos internacionais.30 Seria no mínimo
estranho se fosse o contrário, já que se submeteria ao arbítrio de alguns
indivíduos o destino da economia mundial.
Os membros do painel se reúnem com as partes para determinar os prazos
do procedimento e os termos de referência do painel. O prazo para conclusão
do painel, entretanto, é fixo, sendo de seis meses ou, no caso de urgência,
três meses, não podendo exceder nove meses, em qualquer caso31. Os termos
de referência, por outro lado, constituem os limites dentro dos quais será
discutida a controvérsia (seria algo como a fixação dos pontos controvertidos
da demanda) e são distribuídos a todos os membros do OSC.
Há a apresentação de pedido inicial, resposta e possibilidade de manifestação
de terceiros. O painel tem amplos poderes investigativos para buscar
informações e recomendações técnicas, devendo os membros participantes
contribuir para tal32. A ausência de especificação ou sanções para o caso de
um país não contribuir faz com que estes acabem por omitir informações
relevantes. Por exemplo, no caso Canadá-Aeronaves, o governo canadense
28 Arts. 8.6 e 8.7 do ESC.
29 Arts. 7.1 e 11 do ESC.
30 Art. 3.2 do ESC.
31 Arts. 12.8 e 12.9 do ESC.
32 Art. 13.1 do ESC.
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se recusou a entregar documentação solicitada, alegando estar abarcada por
confidencialidade.
Quanto ao ônus da prova, na ausência de regras específicas, utiliza-se o
princípio geral do direito processual que aduz que pertence a quem alega.
Antes de produzir um relatório definitivo, o painel ainda submete um esboço
preliminar às partes (o interim report), contendo a exposição dos fatos e
argumentos; estas têm a prerrogativa de requerer uma reunião com os
painelistas para discutir os assuntos abordados, dentro de um prazo. Após
esse prazo, ainda é realizado um relatório provisório com as conclusões e
determinações do Painel, que é novamente submetido às partes para que se
manifestem, oportunidade em que poderão pedir a revisão do relatório.33
O relatório definitivo (que poderá ser o provisório, caso este não seja
questionado) é publicado a todos os membros da OMC, que poderão se
manifestar quanto ao seu conteúdo, além de ser disponibilizado no sítio
eletrônico.
Por fim, o relatório definitivo é submetido ao OSC para que seja aprovado,
exceto no caso de consenso reverso ou da apresentação de recurso por
alguma parte. Neste último caso, as partes devem notificar o OSC antes da
decisão quanto à aprovação.
3.1.3 Órgão Permanente de Apelação
O Órgão de Apelação tem caráter permanente e é composto por sete
membros para um mandato de quatro anos, sendo que três atuam nos casos
apresentados. A competência do órgão se restringe à análise de questões de
direito e interpretações adotadas pelos painelistas, não sendo analisadas
questões de fato previamente debatidas, embora, de fato, seja muito difícil
definir a diferença entre matéria fática e de direito.
Além disso, ao contrário do que ocorre com os membros do Painel, o Órgão
de Apelação deverá levar em conta todos os argumentos suscitados pelas
partes. Isso advém do fato de que o órgão tem responsabilidade não só de
solucionar conflitos, mas também de estabelecer interpretações gerais dos
acordos abrangidos pela OMC.
As deliberações dos juízes são confidenciais e o relatório final aprovado
poderá ratificar, revogar ou modificar o relatório do Painel. Não é permitida
manifestação das partes quanto ao seu conteúdo, sendo ele submetido ao
OSC, que deverá se manifestar quanto a sua adoção em trinta dias. Poderá
haver, também neste caso, sua rejeição por consenso reverso (ou negativo).
33 Arts. 15.1 e 15.2 do ESC.
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O relatório final indicará se a medida adotada pelo país demandado contraria
os acordos por ele adotado, devendo recomendar a adoção da medida
adequada. Além disso, poderá haver sugestão de como a medida
recomendada deverá se implementar.
3.1.4 Implementação
Uma vez aprovado pelo OSC, inicia-se a fase de implementação da decisão,
que tem por objetivo tornar a legislação interna do país compatível com as
obrigações assumidas em âmbito internacional.
A OMC é bastante característica relativamente a outras organizações
internacionais por prever determinados tipos de sanção pelo
descumprimento de suas decisões. Apesar de não se referir às medidas
adotadas para cumprimento coercitivo pelo demandante como sanções, o
termo tem sido utilizado para descrever o contido no art. 22 do ESC.
Em que pese isso, não há autorização para uso da força ou para exclusão do
país membro dos quadros da OMC, em virtude da própria proteção à
soberania do país. Vê-se, na verdade, que as denominadas “sanções” nada
mais são do que o que um país normalmente faria para proteção da economia
nacional, caso não levasse a questão para discussão no âmbito da OMC:
estabeleceria compensações ou retaliações (ou suspensão de concessões).
Após a obtenção da decisão, o membro reclamado deverá informar ao OSC
suas intenções de cumpri-la ou não. O órgão concederá lapso temporal
razoável para que o país modifique a legislação interna, que geralmente é de
03 a15 meses.
Não implementada a recomendação, o demandante poderá solicitar novas
consultas, buscando estabelecer uma compensação aceitável.
Mello define a compensação como sendo “concessões adicionais, acordadas
pela parte vencida normalmente em relação às áreas econômicas envolvidas
na disputa, em substituição para manter as barreiras de comércio
discutidas”.34
Caso não se obtenha acordo também nessa fase, o Estado demandante poderá
solicitar ao OSC autorização para “suspender concessões”, ou seja, retirar do
país demandado qualquer tipo de vantagem negociada no âmbito da OMC,
como vantagens tarifárias, etc. A suspensão de concessões, ou retaliação,
deverá ocorrer, preferencialmente, na mesma área comercial em que se
34 MELLO, Alessandra Ramos de. O Órgão de Solução de Controvérsias da Organização
Mundial do Comércio: Aspectos gerais sobre o procedimento quase judicial que regula o
comércio internacional. Monografia (Especialização em Direito Internacional) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, p. 44.2009.
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verificou a violação dos acordos, sendo excepcionalmente admitida a
retaliação cruzada (em outro setor da economia).
O reclamado poderá se manifestar contra o montante das vantagens
suspensas, hipótese em que a discussão será levada à arbitragem para
avaliação do valor devido.
A retaliação é o principal mecanismo da OMC utilizado para efetivar suas
decisões, ainda que seja a ultima ratio do sistema35:
De fato, a sanção econômico-comercial, materializada na forma de retaliações
e suspensão de benefícios, faz que (i) a demanda pelo Órgão de Solução de
Controvérsias seja muito maior que o recurso a outros ‘tribunais
internacionais’, demanda inclusive mais volumosa que a própria Corte
Internacional de Justiça; e (ii) o índice de cumprimento das decisões do OSC
seja bastante significativo. Ambos são indícios da importância e da
efetividade do mecanismo criado pela OMC.36
Por outro lado, a efetividade das retaliações depende muito do poder
econômico do país demandante. Muitas vezes a falta de poder econômico faz
com que as medidas adotadas pelo reclamante não surtam qualquer efeito
econômico sério ao país demandado.
As medidas retaliatórias devem ser temporárias, perdurando tão-somente
enquanto durar a política comercial do país demandado que seja
incompatível com a ordem internacional.
4 EXEMPLO DE CASO BRASILEIRO NO ÓRGÃO DE
SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS: O CASO ESTADOS
UNIDOS-ALGODÃO
O Brasil já atuou em 29 casos como demandante, 19 como demandado e 103
como terceiro interessado no Sistema de Solução de Controvérsias, sendo
um dos países de maior atividade no sistema, atrás dos Estados Unidos,
União Europeia, Canadá, China e Índia.37
35 O art. 3.7 do ESC é bastante claro quanto à utilização de retaliações somente como última
medida na resolução do problema havido entre as partes, vinda posteriormente à tentativa de
negociação, recomendação para supressão da medida violadora, e compensações.
36 BARRAL, Weber. PRAZERES, Tatiana. Solução de Controvérsias. In: O Brasil e a OMC. 2ª
Ed. Org.: Weber Barral. Curitiba: Juruá, p. 28.2002,
37 BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. O Sistema de Solução de Controvérsias da
OMC. Disponível em: < http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/diplomacia-
economica-comercial-e-financeira/15581-o-sistema-de-solucao-de-controversias-da-omc >.
Acesso em: 19 de março de 2018.
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Em um dos casos mais emblemáticos do qual fez parte, o Brasil questionou
os subsídios concedidos pelos Estados Unidos à produção interna e
exportação de algodão, entre o período de 1999 e 2002, que totalizavam US$
19,9 bilhões de dólares. Em 2001, os subsídios chegaram a ser equivalentes
a 130% da safra.
Por conta disso, em 27 de setembro de 2002, o país solicitou a abertura de
uma consulta relativamente aos subsídios concedidos.
Não obtido acordo, foi aberto também o painel, no qual os Estados Unidos
saíram vencidos pela prática de concessão de “subsídios acionáveis”,
aumentando indevidamente a participação dos EUA no mercado
internacional, o que gerava graves prejuízos ao mercado interno brasileiro.
Os EUA apelaram, mas ainda assim saíram vencidos na disputa. Decorrido
o prazo para que adotassem espontaneamente as recomendações, os EUA
nada fizeram.
O Brasil, então, solicitou ao OSC para que pudesse adotar medidas
retaliatórias e obteve o direito, tanto em bens quanto em direitos de
propriedade, no montante de US$ 829 milhões de dólares no ano de 2009,
sendo que US$ 200 milhões poderiam ser objeto de retaliação cruzada.
Apesar disso, a comemoração havida pela notícia de autorização da
retaliação cedeu lugar à incerteza e apreensão. Dos diversos casos que já
haviam passado pela OMC, somente dois obtiveram autorização para
retaliação cruzada e em ambos os casos, os países demandantes não fizeram
uso de sua prerrogativa, principalmente devido às disparidades econômicas
que havia entre eles e os demandados.
O Brasil se colocaria, então, como o primeiro país que poderia fazer uso
efetivo da retaliação cruzada. Em 2010, os países fizeram um acordo para
que os Estados Unidos pagassem ao Instituto Brasileiro do Algodão o valor
anual de US$ 147, 3 milhões, deixando o país de fazer uso da punição a que
tinha ganhado o direito.
Entretanto, em outubro de 2013, os Estados Unidos interromperam o
pagamento aduzindo a inexistência de orçamento. Além disso, não houve
previsão de corte de subsídios nas leis agrícolas internas.
Contrariando o bom senso, o Brasil novamente solicitou a abertura de um
painel, em decisão bastante criticada. Preferiu privilegiar as relações
diplomáticas com a potência norte-americana, quando poderia fazer valer seu
interesse através do uso das retaliações.
Aliás, a decisão do Brasil pareceu incorreta sob dois enfoques: primeiro por
demonstrar sua inaptidão para fazer valer sua importância e posicionamento
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no comércio internacional; segundo por afirmar, em última instância, que as
decisões do OSC em nada foram úteis. Caminhou-se para a ausência de
soluções e o país deixou de tomar um lugar à mesa.
Ainda assim, em 1º de outubro de 2014, os países chegaram a um acordo
para o impasse, que dentre suas cláusulas previa, por exemplo, o pagamento
final de US$ 300 milhões dos EUA ao Instituto Brasileiro do Algodão,
acordo este que ainda está vigendo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se neste artigo explorar as etapas procedimentais do mecanismo de
resolução de controvérsias da OMC, além de discorrer brevemente quanto
aos instrumentos utilizados pelo Órgão de Solução de Controvérsias para
conferir efetividade às suas decisões.
Viu-se que a homeostase do comércio internacional é aperfeiçoada através
do ideal do livre-comércio, uma vez que as posturas em sentido contrário,
conjugadas no gênero comumente denominado protecionismo, são
prejudiciais às economias internas, a exemplo do que ocorreu no período
entre guerras.
Com a finalidade de ordenar a economia a nível internacional, fiscalizando
o cumprimento de acordos multilaterais e prezando pelo desenvolvimento de
um comércio internacional livre, foi criada a OMC, que em sua estrutura,
conta com um mecanismo de solução de controvérsias decorrentes de
descumprimentos de acordos multilaterais pelos países signatários.
A OMC foi precedida, historicamente, pelo Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio (GATT), que em seu bojo também contava com um sistema de
resolução de controvérsias. Ficou claro, entretanto, considerando a
complexidade dos problemas advindos com a globalização econômica, que
um mero acordo não poderia dar conta da regulação comercial internacional,
o que levou os países a se reunirem com a finalidade de criar um efetivo
órgão internacional que o substituísse.
Aliás, a resolução de controvérsias era regulada, pelo GATT, somente em
dois artigos, enquanto que o atual sistema adotado pela OMC conta com um
anexo ao acordo princípio de criação do organismo, no qual constam vinte e
sete artigos, sem contar os anexos que regulam procedimentos especiais.
Ainda que seja pensado para dar conta dos conflitos modernos, com
procedimento mais legalista que o mecanismo que o precedeu, o atual
sistema de solução de controvérsias abre grande espaço para a diplomacia, o
que por vezes resulta em uma lentidão na solvência do caso. Não são poucos
os casos brasileiros que extrapolaram o período de tempo previsto no próprio
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ESC, que aparentemente tem natureza meramente recomendatória, como o
próprio caso apresentado neste artigo.
Evidentemente, deve-se buscar uma adequação dos prazos previstos no
procedimento à complexidade das causas que são levadas, até por conta dos
inúmeros interesses materiais que permeiam os dissídios.
Entretanto, algumas etapas do procedimento parecem desnecessárias, como
a reabertura das consultas após o relatório final, caso o país demandado não
queira cumprir as recomendações do OSC, a fim de discutir possíveis
compensações econômicas.
Por fim, como órgão internacional, a OMC carece de força cogente para fazer
valer suas decisões, face ao princípio da soberania nacional dos países. Os
instrumentos utilizados para efetivar as decisões, como visto, seriam aqueles
que os países já utilizariam caso não optassem por ser mais diplomáticos nas
relações exteriores, como as compensações e as retaliações. A OMC apenas
autoriza a sua utilização.
Pode-se dizer, ainda, que tais instrumentos constituem–se como meras
ameaças ineficazes caso os Estados que os utilizem não tenham poder
econômico ou participação de peso no cenário internacional, para fazer valer
seus interesses frente a países mais desenvolvidos.
Apesar das críticas, é inegável o papel da OMC e, principalmente, do seu
mecanismo de solução de controvérsias na manutenção da ordem econômica
mundial, evitando com que o descumprimento de acordos multilaterais do
comércio desemboque na derrocada da economia mundial.
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