o poderoso chefÃo no divÃ
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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
CLAYTON HERRISON SANTOS CRUZ
O PODEROSO CHEFÃO NO DIVÃ: UMA ANÁLISE
PSICOLÓGICA DO PROTAGONISTA DON VITO CORLEONE
SÃO PAULO 2012
CLAYTON HERRISON SANTOS CRUZ
O PODEROSO CHEFÃO NO DIVÃ: UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA DO PROTAGONISTA DON VITO CORLEONE
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Rogério Ferraraz.
SÃO PAULO 2012
CLAYTON HERRISON SANTOS CRUZ
O PODEROSO CHEFÃO NO DIVÃ: UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA DO PROTAGONISTA DON VITO CORLEONE
Dissertação de Mestrado apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Contemporânea da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr. Rogério Ferraraz.
Aprovado em ----/-----/-----
Prof. Dr. Rogério Ferraraz
Prof. Dr. Alfredo Luiz Paes de Oliveira Suppia
Prof. Dr. Luiz Antonio Vadico
DEDICATÓRIA
Dedico esta pesquisa a toda minha família, especialmente, a minha filha
Sophia por, mesmo sem saber, ser o mais forte dos estímulos em minha persistência
em busca desta conquista.
AGRADECIMENTOS
Ao meu professor, orientador Rogério Ferraraz, pelo incentivo, paciência e a
forma que me tranquilizou nos momentos de intranquilidade durante o
desenvolvimento e construção da minha dissertação.
À professora Maria Ignês Carlos Magno, que muito me incentivou desde o
início do curso até minha conclusão.
Agradeço aos professores do Programa de Mestrado em Comunicação por
todo apoio e o conhecimento que me transmitiram.
Aos meus familiares, mãe (Helia), irmã (Juliana), esposa (Abkeila) e filha
(Sophia), agradeço pelo amor e compreensão por meus momentos de ausência.
Aos amigos que fizeram parte desses momentos, sempre me ajudando e
incentivando, em especial à psicóloga Cintia Marília, publicitária Rosangela
Albuquerque e ao administrador Arthur Passos.
Agradeço ao professor da minha graduação, mestre João Ezequiel Grecco,
pela atenção dada.
RESUMO
Esta dissertação busca desenvolver a análise do filme O poderoso chefão –
parte 1 (The godfather, 1972), de Francis Ford Coppola, através de conceitos
técnicos, estéticos e, principalmente, psicanalíticos. O objetivo principal desta
pesquisa é demonstrar como essa obra fílmica paradigmática, pode ser analisada de
várias formas, tanto através da técnica e da estética, como também através de
conceitos psicanalíticos, aplicados aqui sobre a configuração de um personagem
específico, o protagonista Don Vito Corleone (Marlon Brando). Para tanto, foram
utilizados como referências teóricas tanto bibliografias sobre cinema e análise de
filme, como também bibliografias sobre Psicologia e Psicanálise. Com isso, foi
possível constatar o expressivo uso que Coppola faz da iluminação e dos
enquadramentos bem como a aplicação dos seguintes conceitos psicanalíticos na
construção do personagem Don Vito Corleone: “aprender com a experiência”,
“pulsão de vida e pulsão de morte”, “fantasia ou realidade” e “identificação projetiva”.
Palavras-chave: Cinema. Análise de filme. Psicologia. Psicanálise. Estética. “O poderoso
chefão”.
ABSTRACT
This text intend to develop the analysis of the movie The Godfather - Part 1
(1972), from Francis Ford Coppola, going through, technical, aesthetic, and
especially psychoanalytic concepts. The main objective of this research is to
demonstrate how this paradigm movie, can be analyzed in several ways, through the
technique and aesthetics, as well as through psychoanalytic concepts, applied here
on the configuration of a specific character, the protagonist Don Vito Corleone
(Marlon Brando). Therefore, it were used as bibliographies references on both,
theoretical analysis of cinema and film, as well as bibliographies on Psychology and
Psychoanalysis. Hence, it was possible to see the expressive use of lighting and
frameworks, that Coppola did, as well as the following application of psychoanalytic
concepts on the construction of the character Don Vito Corleone: "Learning with the
experience", "life instinct and death instinct," "Fantasy or Reality," and "projective
identification".
Key-words: Film. Film Analysis. Psychology. Psychoanalysis. Aesthetics. “The Godfather”.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 09
1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PODEROSO CHEFÃO – PARTE 1 E O DIRETOR
COPPOLA ................................................................................................................. 13
1.1 Dificuldades para a produção da trama ........................................................... 18
2 UM OLHAR TÉCNICO E ESTÉTICO SOBRE O FILME ........................................ 24
3 UM OLHAR PSICANALÍTICO SOBRE O PROTAGONISTA DON VITO
CORLEONE .............................................................................................................. 47
3.1 Aprender com a experiência: fazer ou pensar ................................................. 51
3.2 Pulsão de Vida e Pulsão de Morte ................................................................... 56
3.3 Fantasia ou Realidade ..................................................................................... 60
3.4 Identificação Projetiva ...................................................................................... 69
CONCLUSÃO ............................................................................................................ 74
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 77
9
INTRODUÇÃO
Ao falarmos de produções cinematográficas, pode-se dizer que a relação com
a Psicologia tem sido uma constância, principalmente quando nos referimos à sua
existência nos personagens fílmicos. Vários autores (Espinal 1976; Paraire 1994;
Aumont 2004; Mckee 2006; entre outros) confirmam este pensamento quanto à
presença da Psicologia no ecrã cinematográfico.
Na Psicologia existem diferentes abordagens que buscam estudar o
comportamento, a exemplo da abordagem Comportamental, Gestalt e da
Psicanálise. Nesta dissertação, buscaremos aplicar conceitos da Psicanálise, ou
seja, da corrente psicanalítica, na análise de um filme, no caso O poderoso chefão –
parte 1 (The Godfather, 1972), de Francis Ford Coppola.
Iremos primeiramente apresentar o filme O poderoso chefão – parte 1, que foi
utilizado como objeto de estudo para algumas análises. Esta apresentação mostrará
que Francis Ford Coppola utilizou o best-seller homônimo de Mario Puzzo com
algumas adaptações, para produzir o filme que retrata uma família italiana de
mafiosos atuando na América. Mostraremos um breve contexto da vida do diretor
Coppola, o início de sua carreira, algumas de suas produções, os prêmios que
foram conquistados, e as dificuldades e os desafios que Coppola precisou enfrentar
na produção da trama O poderoso chefão – parte 1. Além disto, veremos como
sua família esteve envolvida e alguns acabaram por participar da filmagem deste
filme.
Este primeiro capítulo trará a visão de Kemp (2011) com relação ao Coppola,
ao falar da produção de O poderoso chefão – parte 1, de como isto transformou a
visão que Coppola tinha com relação aos filmes de gangsteres, trabalhando o
significado existente na época para o conceito de família para os americanos. Além
da visão de Paraire (1994) ao dizer que esta produção fez com que Coppola
voltasse a pertencer a um grupo de elite do meio cinematográfico após a produção
deste filme.
Coppola contribuiu fazendo com que muitos atores voltassem a também
participar da elite do cinema norte-americano, a exemplo do próprio Marlon Brando,
10
que atuou como o protagonista Don Vito Corleone, e como Coppola foi responsável
por parte da história do cinema norte-americano, através de fusões de gêneros e
estilos em seus filmes.
Ainda falando de Coppola, este estudo trará alguns aspectos que mostrarão o
estilo dele com relação à utilização da luz ou de sua ausência em suas produções,
tanto com a utilização de equipamentos técnicos como o da luz natural do dia ou
noite, através de algumas imagens selecionadas do filme, utilizando os conceitos da
“função simbólica” e “função dramática”, que foram descritos pelo autor Jacques
Aumont (2004) no livro O olho interminável.
Assim, no capítulo dois, outra análise a ser apresentada é a da utilização da
câmera, de como a posição deste equipamento pode afetar a percepção do
espectador, a exemplo de como fazer com que o espectador sinta-se como se
estivesse com a visão do personagem, ou de como fazer com que o espectador se
sinta como participante do filme, vigiando o que acontece nas cenas. A participação
do espectador pode ser de várias formas, até mesmo ficar na posição de
testemunha de determinada cena, ou de estar, por exemplo, como se estivesse
sentado próximo aos personagens diante de alguma cena.
A posição da câmera, dependendo de sua localização e posicionamento,
pode dar várias perspectivas na percepção do espectador. Às vezes, apenas um
cortar do corpo do personagem, ocultando a parte de baixo ou a parte de cima, ou
quando a câmera mostra o contexto da cena através do que há ao redor do
personagem, entre outras posições, mexe com a maneira com a qual o espectador
percebe a cena a que está assistindo.
Portanto, não se deve esquecer que, numa produção cinematográfica,
existem vários aspectos que podem ser analisados, a exemplo dos próprios
personagens.
Para Luis Espinal (1976), existem alguns componentes que têm papel
fundamental para a análise fílmica, denominados de simbólico, coletivo e individual.
Estes componentes são importantes, pois, juntamente com os personagens, criam
uma conversão dos sujeitos da narração cinematográfica, avançando uma ação,
criando uma dialética com os protagonistas.
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Além disto, para Espinal, a Psicologia também pode ser expressa de várias
maneiras, existindo uma diversidade imensa de aspectos psicológicos em cada
personagem de um filme. Neste estudo, serão demonstrados alguns meios que
contribuem para uma análise psicológica de personagens fílmicos.
Uma frase descrita no trabalho de Espinal (1976), que também irá nortear o objetivo
deste estudo, além das que serão destacadas neste trabalho com relação à
presença da Psicologia nos filmes, é a seguinte:
Nesta análise psicológica o personagem mais importante
é sem dúvida o protagonista. Definir a personalidade
psicológica do protagonista é essencial para a compreensão do
filme. (pág. 90)
Assim, já que “demonstrar a personalidade psicológica do protagonista é
essencial” nada mais ideal do que estudar o protagonista de O poderoso chefão –
parte 1, Don Vito Corleone, interpretado por Marlon Brando. Com o papel de chefe
da família Corleone, trata-se de um terreno fértil para a análise da identificação de
certos conceitos da Psicologia em um personagem ficcional.
Assim, iremos estudar, a partir do protagonista Don Vito Corleone, os
seguintes conceitos: “função alfa”, “pulsão de vida e de morte”, “fantasia ou
realidade” e “identificação projetiva”.
Na função alfa, que é responsável pela transformação e pelo desenvolvimento
das percepções e emoções do indivíduo, buscaremos utilizar o quanto que tal
função alfa pode estar presente no protagonista Don Vito Corleone, fazendo com
que ele possa ou não utilizar de tudo que já experienciou, como um fator que
contribui nas tomadas de decisões em sua vida e/ou negócios. Trata-se do
“aprender com a experiência”.
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As pulsões são algumas manifestações na vida psíquica das pessoas, que
são vistas através dos resultados de suas ações. Existem dois tipos de pulsões: a de
vida, que está relacionada às relações amorosas que o indivíduo estabelece com
todas as pessoas, mas, principalmente consigo mesmo, isto quando se refere à
autopreservação, a sua própria sobrevivência; e a de morte, que se refere às
manifestações de agressividade que voltam-se para si, uma força destrutiva que se
relaciona com o próprio indivíduo. Com isto, veremos qual dos dois conceitos,
pulsão de vida ou pulsão de morte, está mais presente em Don Vito Corleone.
Com relação à fantasia ou realidade, a fantasia é formada com o que temos
mais próximo da realidade, é uma construção imaginária que surge através de
experiências já vividas pelo indivíduo. Portanto, isto poderia se tornar uma questão:
como vive o protagonista Don Vito Corleone? Como um personagem que vive
encoberto pela manta da fantasia ou dentro da realidade da sociedade no qual ele
vive? Através deste estudo tentaremos responder esta questão, obtendo esta
resposta será uma maneira de mostrar a presença da Psicologia no protagonista do
filme.
Quanto à identificação projetiva, que resumidamente nada mais é que um
processo psicológico no qual o sujeito assimila alguns aspectos, propriedades ou
atributos de outro, em que haverá uma transformação no modelo deste outro, como
um todo ou parcialmente, podendo atribuir a si alguns traços pertencentes a este
outro. Assim, neste estudo, a intenção é buscar demonstrar a presença da
identificação projetiva em Don Vito Corleone.
Vamos, portanto, identificar alguns traços do perfil do comportamento do
protagonista Don Vito Corleone com o objetivo de comprovar a eficácia da aplicação
da Psicologia, que por minha escolha, estarei utilizando da abordagem de base
psicanalítica com linha freudiana, na análise do filme “O Poderoso Chefão – parte 1”.
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CAPÍTULO 1 - CONSIDERAÇÕES SOBRE O PODEROSO CHEFÃO – PARTE 1
E O DIRETOR COPPOLA
O cinema como arte ou indústria de divertimento, formou-se através de
dispositivos de imagens modernas, sendo que o ecrã cinematográfico de certa forma
poderia projetar os desejos e sonhos da grande massa popular.
Em 1972, Francis Ford Coppola, baseado no best-seller de Mario Puzo, dirigiu
o filme “O Poderoso Chefão – parte 1”, que retratava uma família italiana de
mafiosos atuando nos Estados Unidos e que enfrentava disputas internas e
externas, além do surgimento do narcotráfico.
Com o propósito de representar a questão da vivência familiar na máfia
italiana, o filme “O Poderoso Chefão – parte 1”, assim como no livro, porém com
algumas adaptações acerca do período em que ocorre o enredo, traz uma discussão
sobre a relação familiar e o papel que cada um pode acabar ocupando diante de
determinados acontecimentos.
Antes, porém, de adentrarmos na análise da obra, vale comentar alguns
detalhes sobre a carreira de seu realizador.
O diretor Francis Ford Coppola nasceu em Detroit em 7 de abril de 1939, foi
criado no bairro do Queens, em Nova York. Coppola é membro de uma família ítalo-
americana, cresceu em um ambiente artístico, influenciado pela mãe, que era atriz, e
pelo pai, que era músico, sendo que este chegou a colaborar com a trilha sonora de
alguns de seus filmes. Sua filha Sofia Coppola é também diretora de cinema, além
de Coppola ser o tio do renomado ator Nicolas Cage.
Ingressou na Hofstra University em 1955, onde cursou cinema. Após esse
período mudou-se para Los Angeles, para estudar na Universidade da Califórnia
(UCLA), nesta época atuou como assistente do famoso diretor Roger Corman numa
série de filmes de baixo orçamento, dirigindo seu primeiro longa-metragem em 1962,
“The Bellboy and The Playgirls”. No mesmo ano, lançou “Os Amantes do Nudismo”
e, em seguida, comandou o thriller “Dementia 13”, já em 1963. Essas primeiras
produções não fizeram sucesso junto ao público e seu trabalho só passou a ser
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reconhecido em 1966, quando trabalhou na comédia “Agora Você é um Homem”,
pela qual foi indicado ao prêmio Palma de Ouro1.
O ano de 1963 foi importante em sua vida, pois se casou com Eleanor
Coppola com quem teria quatro filhos. Sua carreira profissional como produtor, e
assim prosseguiu, colaborou em vários roteiros, inclusive de adaptação de um texto
do dramaturgo Tennessee Williams.
Coppola foi assistente do diretor e produtor Roger Corman e veio a se tornar
um grande líder da vanguarda cinematográfica americana, segundo Paraire (1994),
na década de 60 que Coppola iniciou sua tentativa de começar sua produção
independente, sem jamais ter esquecido os aspectos comerciais envolvidos, onde
ele tinha preferências por roteiros e imagens de grandes repercussões.
Juntamente com o então jovem diretor George Lucas, criou em 1969 a
produtora independente American Zoetrope. Primeiro grande destaque ocorreu em
1970, quando o roteiro adaptado de Coppola para o filme “Patton” foi indicado ao
Oscar. Em 1972, Coppola dirigiu “O Poderoso Chefão”, que lhe valeu indicação ao
Oscar2 por melhor roteiro e melhor diretor, além do prêmio Globo de Ouro3 pela
direção e roteiro.
Para Philip Kemp (2011), O poderoso chefão foi um dos clássicos dos filmes
policiais que na década de 1970 denunciou a queda, ou seja, a falência moral da
nação americana através das lentes da história. Francis Ford Coppola a partir deste
filme deu uma nova visão aos filmes de gangsteres, colocando a máfia bem no meio
da vida americana, e coincidentemente dando novo significado para o conceito de
família, um dos mais americanos dos conceitos. Coppola fez uma adaptação para o
best-seller de Mario Puzo conseguindo transformar O poderoso chefão num filme de
arte além do grande sucesso obtido comercialmente, marcando o fim da era clássica
de Hollywood e o nascimento da era dos megafilmes. Para Kemp, o patriarca Don
1 O prêmio Palma de Ouro é um prêmio, do Festival de Cinema de Cannes, este prêmio é entregue desde a
década de 1950 para o melhor filme do festival, os filmes são selecionados por um grupo de profissionais internacionais ligados ao cinema. 2 Oscar é um prêmio entregue anualmente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em
reconhecimento aos profissionais da indústria cinematográfica a exemplo de diretores, atores e s, esta premiação foi fundada em Los Angeles, Califórnia, em 1927. 3 O prêmio Globo de Ouro também é entregue anualmente aos melhores profissionais do cinema e da TV dos
Estados Unidos, ele é entregue pela Associação de Correspondentes Estrangeiros de Hollywood desde 1944.
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Vito Corleone, da família Corleone, de maneira exímia representou tudo o que
Coppola tinha de pretensão para a velha Hollywood.
Philip Kemp (2011):
O filme foi um sucesso de público e crítica, deixando um
legado e se introduzindo na cultura popular com frases como
“Luca Brasi dorme com os peixes” e “Faça uma oferta que ele
não possa recusar”. (pág. 342)
Segundo Paraire (1994), assim, como outros gênios da década de 70, Francis
Ford Coppola pode ser considerado como um novo líder do cinema americano. Nos
anos 70, ele alternou entre seus filmes, sucessos e fracassos. O poderoso chefão foi
considerado seu primeiro sucesso, sendo bem acolhido pelo público, com o bom
desempenho de Marlon Brando que atuou como o personagem Don Vito Corleone.
Este filme conquistou o Oscar de melhor filme, de melhor roteiro e de melhor ator.
Por ter gosto direcionado a grandes projetos cinematográficos, fazendo com que ele
viesse a cometer possíveis erros de maneira sequenciais, a exemplo do filme
Apocalipse já que o mesmo teve um custo enorme e mesmo após 10 (dez) anos
após seu lançamento, ainda não tinha rendido ao menos 1 (um) milhão de dólares
ou outros filmes como O fundo do coração (1981), O selvagem da motocicleta
(1983) e Vidas sem rumo (1983) que também foram grandes fracassos, com
faturamento equivalente apenas ao custo da produção.
Segundo Paraire (1994), o filme O poderoso chefão, fez grande renovação se
for observado sob o aspecto de um gênero corroído como o dos filmes sobre a
máfia. O poderoso chefão é um filme que trouxe um restabelecimento bastante
considerável sobre este tipo de filme diante de vários aspectos, como por exemplo:
do cinismo e pela crueldade dos grandes chefes do crime organizado, o desdém
pela vida de cada ser humano, o antigo respeito pelas tradições familiares dentro de
um contexto totalmente imoral, ao mesmo tempo pais de família e gângsteres, além
de uma reconstituição extensa da Psicologia desses imigrantes, ou seja,
características que fizeram desta produção um grande sucesso mundial, tendo após
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dois anos uma continuação bem mais rápida e movimentada surpreendendo pelo
seu realismo comovente.
Paraire (1994) disse, referindo-se ao filme O poderoso chefão – parte 1: É a
glória para Coppola após tantos anos passados fora do establishment4(pág. 93).
Portanto, o filme O poderoso chefão – parte 1 fez com que Coppola passasse a
pertencer a um grupo de pessoas de forte influência no meio cinematográfico.
No ano seguinte, produziu o filme de George Lucas, “Loucuras de Verão”, um
grande sucesso, que obteve cinco indicações ao Oscar. Em 1974, depois de ter
escrito o roteiro para "O Grande Gatsby", dirigiu "A Conversação”, produção pela
qual foi nomeado para os prêmios de melhor filme e roteiro no Oscar, e que lhe
rendeu a Palma de Ouro e o Prêmio do Júri Ecumênico, no Festival de Cannes,
sendo indicado também ao Globo de Ouro nas categorias de direção e roteiro.
Ainda em 1974, lançou o filme “O Poderoso Chefão: parte II”, pelo qual
ganhou o Oscar em três categorias: diretor, roteiro e filme, fazendo da produção a
primeira seqüência a receber um Oscar na categoria de melhor filme. Foi também
nomeado para o Globo de Ouro por melhor diretor e roteiro.
Em 1979, ocorreu um projeto de destaque, na adaptação do romance clássico
de Joseph Conrad “O Coração das Trevas”, ambientado na Guerra do Vietnã, filme
que recebeu o título de “Apocalypse Now”. A produção, que contou novamente com
Marlon Brando no elenco, passou por tantas dificuldades que colocaram em risco a
conclusão do filme, pois, durante as gravações, o protagonista capitão Benjamin L.
Willard (Martin Sheen) sofreu um ataque cardíaco; Brando estava com a aparência
inchada, atrapalhando assim a apresentação de seu personagem; um furacão
destruiu os sets; e o orçamento estourou. Após tantos problemas, quando o filme
finalmente foi lançado, em 1979, ninguém esperava um bom resultado, nem mesmo
a equipe e o próprio diretor. Por isso, foi uma grande surpresa quando a produção
obteve a aprovação do público, tendo concorrido ao Oscar nas categorias de melhor
diretor, roteiro e filme. Coppola também recebeu o Globo de Ouro de melhor diretor
e a Palma de Ouro, no Festival de Cannes.
4 Segundo o dicio.com.br establishment é: Grupo sociopolítico que exerce sua autoridade, controle ou
influência, defendendo seus privilégios; ordem estabelecida, sistema.
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Na década de 1980, Coppola dirigiu diversos filmes, alguns além de não
alcançar o mesmo sucesso de seus filmes anteriores, quase acabaram com tudo o
que ele havia construído ao longo dos anos em termos de imagem. Em 1982,
Coppola filmou “O Fundo do Coração”, que foi tão mal recebido pelo público, que se
tornou o maior fracasso de toda a sua carreira, deixando uma dívida de US$ 30
milhões, o que provocou a quebra do seu estúdio. Coppola, perturbado pela falência
da sua empresa, dirigiu diversos longas, que o ajudaram a se reerguer. Até 1989,
ele esteve à frente de produções como: “Vidas Sem Rumo” (1983); “O Selvagem da
Motocicleta” (1983); “Cotton Club” (1984), que lhe rendeu uma indicação ao Globo
de Ouro por seu trabalho como diretor; “Peggy Sue - Seu Passado a Espera” (1986);
“Jardins de Pedra” (1987); “Tucker, Um Homem e Seu Sonho” (1988); e um dos
segmentos de “Contos de Nova York” (1989), longa composto por três episódios que
também contou com a contribuição de Martin Scorsese e Woody Allen.
Após a recuperação financeira da indústria cinematográfica em 1990, lançou
“O Poderoso Chefão: Parte III”, grande sucesso de bilheteria, que foi indicado ao
Oscar de melhor diretor e melhor filme, além de ter concorrido ao Globo de Ouro de
melhor diretor, roteiro e filme, mas sem vencer nenhuma premiação. No mesmo
período, Coppola começou a trabalhar nas filmagens de “Drácula de Bram Stoker”,
que só foi lançado em 1992.
Em 1996, Coppola comandou “Jack”, que contou com Robin Williams no
papel principal. E, em seguida, filmou “O Homem que Fazia Chover” em 1997, em
que dirigiu os atores Matt Damon e Danny DeVito.
Após uma década do lançamento de sua última produção, Coppola voltou à
tela com o drama “Velha Juventude”, longa que foi exibido no Festival do Rio de
2008.
Em seguida, Coppola concluiu as filmagens do drama “Tetro”, que foi
inteiramente rodado na Argentina e na Patagônia e teve sua estréia no Brasil em
2009.
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Coppola foi um dos responsáveis por parte da história do cinema
contemporâneo norte-americano, ele é um dos cineastas que consegue criar uma
fusão de gêneros e estilos em seus filmes, já que trabalhou em comédias, dramas,
suspenses, policiais e romances, sem perder, no entanto, os traços característicos
de sua direção. Em todas as suas produções, evidencia-se sua assinatura. Por ter
descendência italiana, faz uso constante de elementos da cultura italiana e até
mesmo na escolha da equipe de produção e elenco, que se repete continuamente,
sempre dando preferência aos membros de sua família, ao fazer a escolha destes, a
exemplo do filme “O Poderoso Chefão – parte 1”, onde seu pai compôs músicas e
apareceu no filme tocando um piano, a mãe de Coppola também apareceu no filme
como figurante, a irmã de Coppola interpretou a personagem Connie Corleone (Talia
Shire), além da filha dele, que era recém-nascida e interpretou o filho recém nascido
dos personagens Connie e Carlo Rizzi (Gianni Russo).
1.1 Dificuldades para a produção da trama
Baseado no livro escrito por Mario Puzo, este é um dos filmes que conquistou
muitos admiradores por todo o mundo, sendo possivelmente visto até os dias atuais
como um dos melhores filmes já produzidos na história do ecrã cinematográfico,
conquistando muitos prêmios conforme visto no decorrer deste trabalho.
Esta foi uma história criada com o intuito de utilização pelo cinema, mesmo
que toda esta trama tenha sido adaptada através de uma obra literária em torno da
década de 1960. Um dos principais estúdios americanos do cinema, a Paramount
Pictures, efetivou a contratação do escritor Mario Puzo, com o intuito de escrever um
roteiro, que apresentasse uma história de família de mafiosos, uma delas sendo a
família Corleone, que acabou por não ter uma aceitação à época. Foi através de
muita insistência que Mario Puzo publica sua idéia, sua trama, em forma de um livro
no ano de 1969, que em pouco tempo veio a se tornar um best-seller, ou seja, um
livro totalmente popular entre os leitores, literatura de massa e sendo incluído na
relação dos livros mais vendidos.
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Para Jameson (1995), O poderoso chefão é uma obra tão bem produzida, tão
bem sucedida, que, independente da cultura, a cultura de massa ou a alta cultura,
faz com que os espectadores de certa forma suspendam completamente suas vidas
reais e as preocupações presentes de seu cotidiano. O poderoso chefão é um filme
que, por pertencer a uma cultura de massa, faz com que mantenha uma relação
direta com as questões pessoais e psicológicas do espectador, ou seja, relações
com as repressões, com as angústias e preocupações do convívio social,
esperanças e pontos cegos, ambivalências das próprias idéias, de suas ideologias,
relações do imaginário (fantasias, esperanças, sonhos, etc). A construção narrativa
de resoluções imaginárias e a projeção de uma ilusão ótica de harmonia social
fazem com que cada indivíduo recalque cada uma destas relações de sua vivência
pessoal.
Jameson (1995) afirma:
É como se os impulsos ideológicos e utópicos em
operação em O poderoso chefão – parte 1 pudessem na parte
seguinte ser observados como agindo por si mesmos em
direção à tona e a um primeiro plano temático e reflexivo.
(pág. 34)
Isso porque foi um filme que conseguiu reunir duas dimensões: ideologia e
utopia, numa estrutura de única classificação. Utópico porque este texto
cinematográfico conseguia mostrar em seu material uma antiga família patriarcal,
desprendendo de forma lenta desse traço inicial e ideológico, dando margem a um
novo caminho ao passado para uma remontagem de origens históricas, revelando
suas origens, raízes numa formação dentro da sociedade americana, pré-capitalista
de uma Sicília atrasada e feudal. Jameson (1995) fala também que esses dois
impulsos narrativos acabam sendo o oposto um do outro, um deles que é o mito de
uma ideologia onde a Máfia, que acaba gerando uma visão autêntica utópica de uma
libertação revolucionária, e quanto ao conteúdo utópico do paradigma familiar que
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finalmente mostra a hipocrisia a si mesmo como sobrevivência de forma antiquada,
arcaica, de repressão, sexismo e violência em seus negócios.
Diante deste estouro, na cultura de massa, a história de uma família de
mafiosos escrita por Mario Puzo chama a atenção da Paramount Pictures que,
finalmente, decide colocá-la nas telas do cinema, sob a direção de Francis Ford
Coppola.
Francis Ford Coppola enfrentou muitos desafios para que tudo ocorresse
conforme o planejado, mesmo assim, surgiram algumas barreiras, alguns obstáculos
como o do orçamento, já que a Paramount Pictures queria evitar gastos através da
criação deste enredo sendo passado em meados de 1900; o diretor Francis Ford
Coppola lutou perseverantemente de forma a conseguir que o filme “O Poderoso
Chefão – parte 1” acontecesse durante as décadas de 1940 e 1950, o que
demandaria maior investimento.
Após enfrentar a dificuldade com relação à disponibilização de orçamento
para a produção do filme, Francis Ford Coppola se deparou com outra questão,
que foi a de situar o ator Marlon Brando como o protagonista Don Vito Corleone,
tendo como preocupação a fama de Marlon Brando em Hollywood de ser
relacionado como uma pessoa descomprometida com seus deveres e obrigações.
Porém, nos testes de filmagem que Francis Ford Coppola realizou, conseguiu
escalá-lo em seu elenco de longa-metragem, juntamente com o jovem e iniciante
ator Al Pacino.
Como dito anteriormente, este filme conta a história de uma família de
mafiosos, a família de Don Vito Corleone, conhecida nos Estados Unidos como uma
das máfias mais poderosas e ele, o Don Vito Corleone, como um dos homens mais
“respeitados” por alguns e temidos por outros de toda a América.
Com este contraste em sua fama, de respeito e de temor por muitos, Don Vito
Corleone almejava que o nome de sua família fosse limpo, já que havia a busca na
legalização de suas empresas e operações; Michael Corleone que era um dos filhos
de Don Vito Corleone era uma das esperanças para alcançar este objetivo, isto seria
feito inserindo-o na carreira política. No entanto, algumas fatalidades que ocorreram
durante esta trama impediram que as coisas saíssem como planejadas, fazendo
21
com que esta oportunidade, considerada promitente, ou seja, uma promessa, e
almejada por todos os outros mafiosos da América, não desse certo.
Outra oportunidade considerada como promissora para as outras famílias de
mafiosos da América era a de aceitar o narcotráfico, o envolvimento nas drogas,
porém, Don Vito Corleone não aceitou que sua família se envolvesse e esta
negação, desta ligação da família Corleone com o narcotráfico, fez com que todos
que eram a favor desta nova prática em seus negócios realizassem um atentado
contra a sua vida.
Don Vito Corleone sobrevive ao atentado, porém, permanece infrutuoso, inútil
para os negócios da família e em cuidar de sua segurança no hospital, fazendo com
que outra pessoa venha a defender a família Corleone, para que outras famílias de
mafiosos não viessem a conspirar contra todos que estivessem com a família. Este é
o momento no qual Michael Corleone se posiciona em defesa de seu pai e de sua
família, sendo que com o tempo começa a perceber sua inserção nos negócios da
família, da máfia, posicionando-se no comando já que os Corleone dependiam dele,
possivelmente por terem, ou seja, obtinham características semelhantes a de seu
pai Don Vito Corleone, a exemplo do pensar e não expor seus pensamentos antes
de qualquer ato ou decisão.
Sob o ponto de vista de Robert Mckee (2006), no filme O poderoso chefão, a
família Corleone não é a única família apresentada como corrupta, pelo contrário,
todas as outras famílias vistas no filme estão envolvidas diretamente com a máfia,
além de que aqueles que deveriam cuidar do interesse da sociedade também estão
envolvidos com os mafiosos, a exemplo dos policiais e juízes.
Todos no filme O poderoso chefão têm, de alguma forma, algum envolvimento
com a criminalidade ou é claramente um criminoso, porém, o que diferencia os
Corleone dos demais personagens do filme é que eles têm uma qualidade positiva
no ponto de vista do Mckee, que é a lealdade, diferentemente dos outros clãs de
mafiosos, onde cada gangster não tem a menor preocupação em esfaquear o outro
pelas costas, independente de quem seja. Esta característica da lealdade na família
Corleone e do esfaquear pelas costas dos outros clãs mafiosos, faz com que os
Corleone sejam vistos como a família do Poderoso Chefão como os “caras
22
malvados”, mas, “do bem”, enquanto as outras famílias como os somente caras
malvados, sem escrúpulos. (Mckee, 2006)
Para Mckee (2006), de certa forma a Psicologia também está presente no
filme O poderoso chefão, já que para ele, o espectador enxerga algo visto como
qualidade positiva, já que existe uma manipulação nas emoções do espectador
movimentando-o em direção aos personagens encontrando algum tipo de
sentimento, a exemplo da empatia pelos gangsteres. Ou seja, o espectador tem o
papel de colocar no filme, sentidos diversos. Assim, segundo Bordwell (1991):
“Ao ver um filme, o receptor identifica certas indicações
que o incitam a executar numerosas atividades de inferência,
que vão desde a atividade obrigatória e rapidíssima de
perceber o movimento aparente, passando pelo processo mais
‘penetrável do ponto de vista cognitivo’, de construir, digamos,
vínculos entre as cenas, até ao processo ainda mais aberto de
atribuir significados abstratos ao filme. Na maioria dos casos o
espectador aplica estruturas de conhecimento às indicações
que reconhece dentro do filme” (pág. 3).
O filme “O Poderoso Chefão – parte 1” retrata, em seu contexto, muita
conspiração, violência, traição, e estes são aspectos totalmente ligados ao sadismo5
e masoquismo6 que são pontuados pela destrutividade, que está relacionada à
pulsão de morte. Para Freud (1920), a pulsão é algo diferente de instinto, que
representa um objeto predeterminado biologicamente, a pulsão está relacionada a
formas de satisfações diversas e insaciáveis, relacionada diretamente ao desejo e
não à necessidade. Para Freud (1920), o homem possui conflitos permanentes entre
5 Segundo o Dicionário de Psicanálise de Elisabeth Roudinesco (1998), o sadismo é designado a uma perversão
sexual, podendo ter relação direta com pancadas, flagelações, humilhações físicas e morais, baseado num modo de satisfação ligado ao sofrimento infligido ao outro. 6 Segundo o Dicionário de Psicanálise de Elisabeth Roudinesco (1998), o masoquismo, assim, como o sadismo é
designado de uma perversão sexual, tendo ligação com a fustigação, flagelação, humilhação física e moral, em que a satisfação provém do sofrimento vivido e expresso pelo próprio sujeito, em estado de humilhação.
23
pulsões opostas, a pulsão de vida e a de morte, que existem em seu interior, no
próximo capítulo, este tema será tratado de forma mais aprofundada.
Possivelmente este filme também retoma muitos valores importantes para a
sociedade, a exemplo dos valores da família, a estima pelo casamento, a educação
e a criação dos filhos, a felicidade da união, entre outros valores.
Portanto, este filme é muito mais que uma simples narrativa cinematográfica
de mafiosos, demonstrando aos espectadores a intensidade da dor humana, as
angústias vividas por todos diante de outros contextos, destacando assim alguns
instintos de cuidado e preocupação com o outro, com a família.
24
CAPÍTULO 2 - UM OLHAR TÉCNICO E ESTÉTICO SOBRE O FILME
O estilo de direção dos diretores é como se fosse uma identidade, uma marca
no qual se pode identificar as características no qual cada um desses diretores
projetam no ecrã cinematográfico aquilo no qual acreditam ser o melhor para cada
filme produzido.
O estilo do diretor Francis Ford Coppola, em “O poderoso chefão – parte 1”
pode ser relacionado, entre outros elementos, à forma de utilização da luz.
Mas, o que será esta luz no cinema? Qual a sua natureza e qual papel dela
na ecrã cinematográfico?
Jacques Aumont (2004) no livro “O olho interminável”, diz que a luz está
sempre presente de uma maneira que sempre caia sobre as coisas existentes num
filme, ou seja, a forma que a luz é utilizada. Tem função importantíssima para
alcançar os objetivos de quem a produz. Porém, em nosso objeto de estudo “O
Poderoso Chefão – parte 1”, nota-se a ausência de luz logo no início. O espectador
apenas escuta a fala de um personagem que vai até Don Vito Corleone pedir “um
favor” em justiça ao ataque que sua filha havia sofrido, com forte agressão física e
psicológica. Aos poucos, a cena vai se tornando nítida, com a luz ocupando seu
espaço e sobre o espaço na cena.
Segundo Jacques Aumont (2004), existe:
Uma função simbólica: ela liga a presença da luz na
imagem a um sentido. Princípio banal, mas que, no caso da
luz, toca sempre o sobrenatural, o sobrehumano, a graça e a
transcendência. (pág. 173)
25
Para Aumont (2004), esta função simbólica estará sempre ligada a uma
condição de simbolismo percebido, o cinema acaba tendo por colocar uma cortina,
disfarçá-la, num filme esta luz com uma função simbólica, dando sentido a uma
imagem. É necessário que seja sempre utilizada com muito cuidado a proporção
desta luz, principalmente nas produções contemporâneas onde os espectadores não
aceitarão o símbolo, já que poderá dar outro sentido diante da percepção do
espectador, a não ser que passe suavemente.
Pensando por este aspecto de que a luz tem uma função de dar sentido à
imagem, podemos dizer que a sua ausência também tem seu papel simbólico
fundamental diante de uma cena. No caso da cena citada acima, do início do filme,
pode-se dizer que esta ausência de luz tem o papel de dar, ao contexto da cena,
algo que não pode ser presenciado, ou seja, não deve haver testemunhas do que
ocorre naquele espaço físico. O filme, aliás, traz muitas cenas com este significante
de algo que não deve ser visto, ou testemunhado.
Segundo Aumont (2004): "a própria quantidade de luz que cai sobre o sujeito
pode enriquecer um retrato psicológico" (pág. 38). A luz tem funções diversas em
qualquer produção cinematográfica, algumas são utilizadas para distinguir o
momento horário da cena de maneira com que o espectador, com relação a um
ambiente externo, seja possível perceber se está de dia ou de noite, ou num por do
sol ou clarear do dia, num ambiente interno existem muitas funções simbólicas
também, como dar ênfase em algum objeto que terá papel fundamental na cena,
como também, dar um retrato psicológico conforme citação acima de Jacques
Aumont, entre muitos outros.
Coppola trabalha com a luz de forma diferenciada, independente de ser um
ambiente externo ou interno ele a utiliza com certa frequência direcionando-a para o
protagonista, é perceptível o quanto é importante para ele dar um sentido simbólico
a trama trabalhando desta forma, isto até se repete em outros filmes no qual ele
dirigiu, a exemplo de “Drácula de Bram Stoker”, de 1992.
26
Nas cenas abaixo, é possível observar como a luz foca diretamente o
protagonista e como os objetos ou pessoas ao seu redor praticamente não
aparecem, ou se aparecem é de maneira mais discreta ou em sombra para que não
seja tirado o foco ou simbolismo que o diretor Francis Ford Coppola tenta repassar
ao protagonista da cena.
7
8
9
7 Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 1, chamada “Creio na América” do DVD, ou pode ser
encontrada também em 1 minuto e 35 segundos.
8 Esta cena encontra-se na seleção de Cenas de número 1, do DVD, ou pode ser encontrada também aos 5
minutos e 30 segundos.
27
Na forma de utilização da luz, Francis Ford Coppola não se limita apenas a
um ambiente interno quando produz um filme cinematográfico, através de luzes de
projetores, mas, também a cenas produzidas em ambientes externos que utiliza a
luz do dia, contribuindo para a criação de significação de um simbolismo. Coppola
tem um estilo com relação à luz que a utiliza estrategicamente, não somente as
luzes dos projetores como notado nas imagens acima, mas, também na utilização da
luz natural.
Jacques Aumont (2004) fala de outra função da luz:
Uma função dramática, ligada à organização do espaço,
mais precisamente à estruturação desse espaço como cênico.
Os meios de ação da luz são aí quase inumeráveis, e não há
razão para não inventar novos continuamente. Ela pode,
banhando o conjunto da cena, indicar sua profundidade,
salientar e mesmo definir o lugar das figuras. (pág. 174)
O cinema encontra cada vez mais novas fontes de luminosidade que estão
disponíveis em muitos objetos e lugares, a exemplo da luz solar, a combinação da
luz solar com os refletores, arcos de carbono e tubos de mercúrio.
A função da dramaticidade através da maneira que a luz é utilizada tem
função essencial, e é muito presente em diversos filmes produzido por Coppola. Em
“O Poderoso Chefão – parte 1” não é diferente, é perceptível que em diversas cenas
a luz é uma das principais ferramentas utilizadas para alcançar uma maior
dramaticidade entre os protagonistas.
Na figura abaixo notamos o quanto o posicionamento da câmera influencia no
contexto que está sendo apresentado. Nesta cena o personagem que inicia sua fala
com a ausência da luz, logo na abertura do filme, com o intuito de obter do
protagonista Don Vito Corleone, “um favor” de “justiça”, tem a luz do projetor posta
9 Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 2, chamada “O Casamento” do DVD, ou pode ser
encontrada também aos 14 minutos e 09 segundos.
28
em sua direção e ao mesmo tempo deixa o Don Vito aparecendo em sombra, sem a
presença da luz, deixando de identificá-lo de forma clara, ocultando também a
expressão do seu rosto diante do pedido que está sendo feito a ele. A posição da
câmera contribui consideravelmente para que isto ocorra, porém, seria bem diferente
se a iluminação da cena fosse maior a ponto de iluminar totalmente ou em parte o
rosto do Don Vito Corleone diante deste contexto.
10
Outra cena (imagem abaixo) nesta trama que contribui claramente para que a
função de dramaticidade descrita por Jacques Aumont (2004) seja identificada, é a
em que o protagonista Tom, que é o filho adotivo do Don Vito Corleone e ao mesmo
é seu conselheiro e advogado da família, vai ao encontro do inimigo que foi um dos
que tramaram a tentativa de assassinato do Don Vito Corleone. Nesta cena,
percebe-se que a luz vem apenas de um dos lados do ambiente de forma a deixar
apenas uma parte de seu rosto visível e a outra parte com a ausência da luz.
10
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 1, chamada “Creio na América” do DVD, ou pode ser encontrada também ao 1 minuto e 40 segundos.
29
11
No momento em que o Michael Corleone vai a sua casa se reunir com a
família e entra pela porta (figura abaixo), mostra algo interessante com relação à luz
novamente, é possível ver que os outros personagens não são vistos pela mesma
luminosidade que é possível ver o Michael Corleone ou pelo menos estejam visíveis
através da luz como ele, novamente Francis Ford Coppola utiliza a luz na direção
somente do protagonista da cena, porém, fazendo uma analogia desta luz no rosto
apenas do Michael, de que algo estaria por vir e que ele representaria algo
importante, ou seja, foi o que realmente ocorreu, ele se posicionou perante a família
em ocupar o lugar do pai, a ser o herói e protetor da família Corleone.
12
11
Estas imagens refere-se a cena encontrada na seleção de cenas de número 7, chamada “Luca Brasi dorme com os peixes” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 49 minutos e 27 segundos. 12
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 7, chamada “Luca Brasi dorme com os peixes” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 52 minutos e 27 segundos.
30
Para Vladimir L. Propp (2001) em “Morfologia do Conto Maravilhoso”, ele fala
do herói, O Herói-Buscador que Aceita ou Decide, Reage.
Este momento se caracteriza, por exemplo, por palavras
como: “Permite-nos partir em busca de tuas princesas”, e
outras. Às vezes, este momento não é mencionado com
palavras, mas a decisão de vontade precede evidentemente a
procura. Este momento é característico somente dos contos
onde o herói é o buscador. Os heróis expulsos, mortos,
enfeitiçados, substituídos, não têm a vontade de libertar-se; e
então este elemento está ausente. (pág. 25)
É o que acontece com o personagem Michael Corleone, por isso ele é
naturalmente nomeado pela família Corleone o novo herói e futuramente por seu pai
como o Don Michael Corleone, a nomeação pela família não precisou ser
mencionado através de palavras e sim pela responsabilidade que o próprio Michael
decide por vontade própria.
Desde o início do filme, a maioria das cenas em que o Michael Corleone
aparece, é sempre dando foco a um dos lados da face e o outro lado sempre
aparecendo com pouca ênfase, ou seja, a luz que ilumina apenas um lado de sua
face é apenas para mostrar o lado do filho, daquele que iria realizar o sonho, o
desejo do pai, e a face que mais aparece sob a luz do projetor é sempre o lado
direito do seu rosto, o lado do homem que segue as leis da sociedade enquanto o
lado esquerdo estava por vir.
Houve um momento em que a luz retorna em sua função simbólica, quando
os irmãos e os capangas de confiança estão numa reunião discutindo o atentado
que o Don Vito Corleone sofreu, e é nesta cena em que o enredo se fortalece,
quando a face esquerda de Michael Corleone começa a ser mais bem iluminada
pela luz do projetor, é nesta cena que ele vai decidir se posicionar como parte dos
negócios da família Corleone.
31
Já nas figuras abaixo ocorre o posicionamento definitivo de herói e o seu
papel na família Corleone, de ser o novo Don, é o momento em que a luz não
mostra apenas o Sonny e o Tom, como de costume a luz sempre procura dar foco
ao protagonista, mas, sim de mostrar o Michael Corleone como o estrategista diante
dos irmãos numa discussão do que pode ser feito. Na segunda figura, além de a luz
focar todo o rosto dele, desenhando o seu lado real, dando força à função dramática
simbolizando o surgimento do Don Michael Corleone, o homem de poder, começa a
haver uma organização do espaço e da situação, estruturando a cena diante desta
reviravolta do contexto fílmico.
13
O próprio Jacques Aumont (2004) cita situações de cenas irreais onde apenas
a sombra já é suficiente para que se possa dar existência a um personagem, sendo
assim uma inscrição de um espaço dramático.
13
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 7, chamada “Luca Brasi dorme com os peixes” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 54 minutos e 25 segundos.
32
A imagem abaixo traduz o que Jacques Aumont quis dizer com relação à
concretização da existência através de uma sombra, e na trilogia “O Poderoso
Chefão”, evoca claramente esta questão, é possível já visualizar um início desta
dramatização no título, que já traz o adjetivo “Godfather”, ou seja, “Padrinho” e
fazendo uma comparação deste título com a imagem abaixo em que o Michael
Corleone entra numa sala, será notável que é a sombra de alguém que pode ter
uma representação de o “Padrinho” dentro da família Corleone, nas laterais de sua
cabeça tem dois focos de luz que não clareiam em nada a sala, mas, com esta
sombra entrando na sala, ela insere outra conotação a cena, alguém que entra neste
ambiente para mudar a situação atual, irá salvar, tem força, tem poder para isto.
14
Trata-se de um filme violento que retrata a luta da família siciliana Corleone
para permanecer no poder, numa corrupta, enganosa e traiçoeira América pós-
guerra.
Filmado na década de 70 com a utilização de duas câmeras, o longa foi
realizado em 62 dias. O orçamento era baixo, em torno de US$ 2,5 milhões, assim
como o tempo disponível para sua conclusão. Muitos dos atores eram novos, em
início de carreira, e acabaram tendo muito sucesso, a exemplo do ator Al Pacino,
sem dizer que muitos dos figurantes eram parentes do diretor Coppola, além de que
o responsável pela música foi seu pai, a cantora que teve durante a festa do início
14
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 7, chamada “Luca Brasi dorme com os peixes” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 52 minutos e 30 segundos.
33
do filme de casamento foi sua tia, sendo que tanto a orquestra e a tia eram
profissionais e não atores. Até mesmo o gato que aparece na primeira cena do filme
no colo do Don Vito Corleone, não estava no roteiro e foi colocado de repente ao ser
encontrado nos estúdios durante as gravações, um acaso aproveitado pelo Coppola.
Qualquer análise desta obra deve observar como pequenos detalhes
técnicos, como a localização da câmera ou o som utilizado em determinada cena,
têm um papel importante para causar algum tipo de reação no espectador e como
cada um desses detalhes é importante para a construção da narrativa deste filme,
fazendo com que seja considerado um clássico até os dias atuais.
Através da tela totalmente escura, ouve-se apenas a voz do personagem
Bonasera (Salvatore Corsitto) pedindo um favor, justiça pela agressão que sua filha
sofreu por dois homens, no qual na busca pela justiça através do tribunal e o
insucesso nisto, sentiu-se obrigado a pedir ao Don Vito Corleone esta vingança; a
tela inicia escura e vai clareando aos poucos onde a câmera está focada no rosto do
Bonasera e aos poucos vai se distanciando até posicionar-se por trás do ombro
direito do Don Vito Corleone. Importante citar que este distanciamento da câmera,
para a época, era de alta tecnologia, com a utilização de lentes de zoom
computadorizadas.
15
15
Estas 4 (imagens) são pertencentes a primeira cena do filme, na seleção de cenas 1, chamada “Creio na América”.
34
O primeiro ponto que podemos abordar é que, durante a tela escura,
Bonasera diz “acredito na América”, e o filme coloca a América como cheia de leis
que às vezes não conseguia proteger os cidadãos, acabava sendo necessária a
procura por um “padrinho”, um protetor; existe uma contradição: ao mesmo tempo
em que se acredita e se confia nas leis dos tribunais, destaca-se a busca de justiça
através do apadrinhamento, das trocas de favores.
35
Quanto às lentes de zoom computadorizadas, dá a percepção diante de um
mesmo cenário de fatores diferentes, inicialmente se vê apenas o rosto do
personagem Bonasera e com o distanciamento da câmera através do zoom,
podemos conhecer o cenário em que ele estava envolvido, as outras pessoas
envolvidas na cena.
Segundo Jullier e Marie (2009), o ponto de vista que, antes de tudo, é
apresentado pela localização da câmera, é o ponto de observação da cena, de onde
parte o olhar, sendo que cada posição de câmera traz uma conotação, uma
percepção ao espectador.
No filme, tivemos alguns pontos de vista e cada um traz uma percepção
diferente, como observamos a seguir:
Campo/contracampo – neste filme “O Poderoso Chefão parte 1” foram muito
notáveis as muitas posições de câmera de campo/contracampo, logo no início do
filme já podemos observar algumas cenas com esta posição, a primeira é por cima
dos ombros do Don Vito Corleone, tanto no ombro direito como no ombro esquerdo.
16 17
16
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 1, chamada “Creio na América” do DVD, ou pode ser encontrada também ao 1 minuto e 40 segundos. 17
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 3, chamada “Johnny Fontane” do DVD, ou pode ser encontrada também ao 18 minutos e 40 segundos.
36
Segundo Jullier e Marie (2009), esta posição dá a impressão de que o
espectador quase estivesse no próprio olhar do Don Vito Corleone, ou como se o
espectador fosse um terceiro personagem do filme participando da cena perto do
ouvinte, mas, em uma das cenas próximo do personagem que fala e a outra
distante.
Câmera Alta – quando a câmera está nesta posição dá uma outra conotação,
uma percepção diferenciada da mostrada anteriormente de campo/contracampo.
Segundo Jullier e Marie (2009), neste caso de câmera alta dá ao espectador não
a sensação de participante da cena, mas como uma vigilância da cena e também a
sensação que tem o protagonista de estar investido numa tarefa para além dele.
18
Esta é uma imagem que mostra logo no início do filme a festa do casamento
da filha do Don Vito Corleone. O mais interessante ao observar é que a câmera está
do lado externo da residência, do local da festa, uma cena que foi próxima de outra
cena que mostra a ação externa do FBI em anotar as placas dos veículos dos
convidados desta festa, tirando fotos do lado de fora da festa e tentando fotografar o
que ocorre nela, já que sabem da existência de alguns gangsteres presentes; a
posição desta câmera comprova diante deste contexto, que tem uma forte função de
dar ao espectador a sensação de que está em vigilância à distância e de que tem a
função de limpar a cidade dos malfeitores; outro fato importante é que podemos
18
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 2, chamada “O casamento” do DVD, ou pode ser encontrada também ao 7 minuto e 30 segundos.
37
notar que a câmera está no mesmo nível da árvore, podendo provocar a fantasia
dos espectadores, talvez colocar em alguns segundos algumas questões do tipo:
tem alguém em cima da árvore? Seria o FBI? Ou algum gangster não convidado?
Talvez apenas jornalistas fotografando?
A cena abaixo, de tentativa de assassinato do Don Vito Corleone vista de
cima pela localização da câmera, apesar do diretor Coppola ter a intenção apenas
de mostrar as laranjas caindo no chão, ela também retrata a sensação de vigilância,
testemunha.
19
Na imagem abaixo, em que mostra o cantor Johnny Fontane (Al Martino)
chegando na festa do casamento da Connie, filha de Don Vito. Don Vito é seu
padrinho e o ajudou em sua carreira através de seus negócios de troca de favores, o
Don Vito fez com que o empresário que tinha um contrato no qual prendia este
cantor a ele, aceitasse, contra sua vontade, a rescisão do contrato num valor muito
baixo. Nesta cena, é possível notar que a câmera apesar de não se localizar num
lugar alto e sim em nível com os atores, ela também dá ao espectador a sensação
de vigilância, o que mais contribui para isto é por estar atrás dos arbustos.
19 Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 6, chamada “Don Corleone baleado” do DVD, ou pode
ser encontrada também aos 44 minutos e 35 segundos.
38
20
“Olhar no lugar21” – este tipo de cena onde a localização da câmera ocupa o
lugar dos olhos do personagem, como se o espectador fosse determinado
personagem, posição esta privilegiada pelo espectador.
22
20
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 3, chamada “Johnny Fontane” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 18 minutos e 40 segundos. 21
O termo “Olhar no Lugar” é utilizado por Jullier e Marie (2009), porém, é conhecido também como “câmera subjetiva” ou “plano ponto de vista”. 22
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 6, chamada “Don Corleone baleado” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 43 minutos.
39
Esta é uma cena no qual o Don Vito Corleone está de frente com seu
capanga Luca Brasi solicitando que ele execute um trabalho. Neste momento, a
câmera está localizada numa posição no qual o espectador fica com a visão do Don
Vito Corleone, causando aos espectadores determinadas sensações, talvez a
realização de fantasias caso tenha alguma identificação pelo personagem, ou talvez
a cena possa exercer uma função terapêutica.
Segundo Jean Epstein (Ismail Xavier, org.):
“No plano social, essa agressão individual das
mentalidades corresponde a um regime da alma coletiva que
constitui também as psicoses, psicoses coletivas, sobre as
quais o cinema pode exercer uma ação, libertadora
terapêutica.” (pág. 307)
23
Esta segunda cena de um “olhar no lugar” ou “câmera subjetiva”, acontece
com o personagem Michael no momento em que segura um jornal e através da
notícia impressa descobre que o pai sofreu um atentado, uma tentativa de
assassinato. O mais interessante nestas duas cenas é que elas envolvem uma
“continuação”, no sentido de que a primeira é do poderoso chefão, o Don Vito
23
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 6, chamada “Don Corleone baleado” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 46 minutos e 20 segundos.
40
Corleone, e esta segunda cena se refere ao seu filho, que ocupará o lugar de Don,
sendo que o filme finalizará com o Michael Corleone como o novo Don.
Testemunha da Cena – nos parágrafos anteriores foi falada da sensação do
espectador de estar em vigilância, causada pela posição, pela localização da
câmera, independente de estar alta ou em nível dos personagens, mas, temos
também as sensações que, diante do ocorrido da cena, não provocam apenas a
idéia de vigilância, e sim a de testemunhar algo que ocorre nela.
24
24
Estas 3 (três) imagens são pertencentes a cena que pode ser encontrada na seleção de cenas de número 6, chamada “Don Corleone baleado” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 43 minutos e 25 segundos.
41
Podemos perceber que há dois peixes entre a câmera e os personagens que
estão assassinando o capanga leal de Don Vito Corleone, conhecido como Luca
Brasi; os peixes também têm um significado para os sicilianos, pois a família
Corleone é avisada através do envio do colete de Luca Brasi com um peixe morto, e
mesmo sem nenhum bilhete informando a morte dele, os sicilianos já entendem o
recado de que Luca Brasi está “dormindo com os peixes”.
Situação no eixo – esta é uma situação no qual a câmera está colocada na
altura dos olhares, isso ocorre durante praticamente todo o filme, a câmera está
quase sempre numa localização que se enquadra com os personagens que querem
focar, até mesmo quando estão sentados.
25
25
Estas 2 (duas) imagens são pertencentes a cena que pode ser encontrada na seleção de cenas de número 2,
chamada “O Casamento” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 14 minutos e 11 segundos.
42
Na cena em que Michael conversa com sua amiga que futuramente vem a ser
sua esposa, ambos estão sentados e notamos como é uma situação que se
encontra no eixo dos olhares deles independente de estar sentado, neste momento
o espectador pode sentir-se também sentado próximo destes personagens, assim
como nas outras cenas com os atores em pé que trazem a percepção ao espectador
de também estar em pé.
O Tribunal - nesta mesma cena acima, do Michael conversando com a sua
amiga, pode representar também ao espectador, a idéia, a sensação de estar num
tribunal, já que se ouve um personagem de cada vez, como se cada parte tivesse
sua versão de algum fato, de algum conteúdo em questão.
O Ar, em cima ou embaixo – Na cena em que Sonny Corleone está com sua
amante em busca de um lugar em que possam ficar a sós, inicialmente os
personagens estão com a câmera numa situação no eixo, mas, com o decorrer do
tempo, a cena fica com um ar abaixo dos personagens e ao mesmo tempo a parte
de cima não está com um ar e sim coberta pelo teto de madeira do andar debaixo da
casa.
26
26
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 3, chamada “Johnny Fontane” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 23 minutos e 15 segundos.
43
O que mais chama a atenção nesta cena é o fato de o teto cobrir a parte de
cima, ou seja, a câmera não se movimenta, não acompanha os personagens a fim
de continuar visualizando ambos por inteiro. Em seguida, ambos vão para um
cômodo onde irão se relacionar escondidos, pois ele é casado; podemos pensar que
o fato do teto cobri-los, esconder o rosto deles seja pela questão do segredo sobre a
traição dele com a esposa, por isso o teto acaba tendo a função de dar esta
conotação.
O Plano Geral – geralmente tem a função de ligar o personagem ao ambiente.
Segundo Jullier e Marie (2009), o plano geral insere o sujeito/personagem em seu
ambiente, geralmente dando uma idéia das relações entre eles.
Nesta imagem, Michael Corleone encontra-se numa cena27 conhecida como
plano geral como se pode notar nesta imagem, que ela lhe dá total e perfeita
percepção de solidão, assim como o ambiente, onde não tem nenhum outro ser vivo
presente, com um muro atrás dele demonstrando como ele possivelmente se sente
neste momento, preso e só, assim como em sua vida, já que recentemente seu pai
sofreu um atentado e da mesma forma ele demonstra sentir-se preso, já que neste
momento não sabe o que fazer. Michael encontra-se sozinho também com seus
pensamentos sem saber e ter com quem compartilhar, já que todos os familiares
27
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 8, chamada “Michael vai ao hospital” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 58 minutos e 15 segundos.
44
pertencentes aos negócios da família o tratam como excluído, como se não pudesse
oferecer nenhuma solução que possa ajudar seu pai Don Vito Corleone.
Objetiva com foco duplo - esta posição/localização de câmera busca captar
dois personagens, sendo que um deles não está diretamente no diálogo da cena,
mas tem algo relacionado a este, podendo ser alguma afinidade, ou qualquer outro
tipo de relação diante da narrativa do filme.
28
Reparemos nesta imagem com o Don Vito Corleone e seu filho Sonny. Uma
das semelhanças dos dois no filme é que ambos irão morrer, um é o Don (pai) e o
outro possível sucessor (filho) caso não tivesse morrido, mas, diante do contexto
desta cena, o Don Vito Corleone fala com seu afilhado Johnny Fontane que é cantor
em Hollywood e veio lhe pedir um “favor” e o Don Corleone lhe pergunta:
- Don Vito Corleone: Dedica-se a família?
- Johnny Fontane: É claro que sim!
- Don Vito Corleone: Ótimo, porque um homem que não se dedica a família
jamais será um homem de verdade!
28
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 3, chamada “Johnny Fontane” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 23 minutos e 20 segundos.
45
Ao mesmo tempo em que o Don Corleone fala isto ele olha para o filho já
sabendo que o filho trai a esposa, e que a traía com outra mulher alguns segundos
antes de entrar na sala.
Segundo Jullier e Marie (2009), as combinações audiovisuais não podem
impedir o som de existir e de fazer efeito acima da imagem, ou seja, dependendo da
imagem que é vista mesmo num filme mudo, é possível imaginar o som que lhe
pertence. O mais simples é seguir a separação da matéria sonora em ruídos,
músicas e palavras, levando em consideração os seus possíveis papéis. Neste filme
há uma cena que demonstra isso claramente.
29
Durante esta cena, Michael está numa reunião com o chefe de polícia e um
gangster das drogas que querem fazer negócio com a família Corleone e que
tentaram assassinar Don Corleone por este não aceitar fazer negócio num outro
encontro que tiveram. A intenção de Michael foi ir a este encontro para matar
ambos. Nesta cena, há dois fatos sonoros que podemos destacar:
- O primeiro fato foi que durante o encontro, houve um momento em que
Michael e o gangster conversam em Italiano, mas, sem tradução, como se a
intenção fosse que outros personagens presentes na cena não pudessem
testemunhar o contexto da conversa (negócios de droga), causando sensações de
29
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 10, chamada “Que tal a comida italiana aqui?” do DVD, ou pode ser encontrada também há 1 hora 24 minutos e 24 segundos.
46
curiosidade para quem assiste, ou forçando o espectador a não se prender a
conversa e sim ao Michael para o segundo fato;
- O segundo fato a destacar desta cena é que durante esta conversa Michael
deixa de prestar atenção no que o gangster fala. Surge o som de um trem ao fundo
em alta velocidade causando a impressão da alta velocidade do coração de Michael
por estar nervoso em querer matá-los. Em seguida, o som do trem que era de alta
velocidade agora é de que está freando fortemente e, ao mesmo tempo em que está
acabando o som da freada forte, Michael também acaba com seu nervosismo
atirando no policial corrupto e no gangster.
O cinema, mesmo em cenas que abdicam do diálogo, abre perspectivas e
interpretações apenas com análise de imagem e do som. Vimos nesta análise do
filme “O Poderoso Chefão parte 1” como cada posição/localização da câmera diz
muitas coisas relacionadas à narrativa do filme. Esta análise nos abriu a
possibilidade de compreender melhor os elementos audiovisuais, tendo a câmera e
o som como operadores do discurso.
Um discurso articulado em torno da construção precisa dos personagens, em
especial do protagonista Don Vito Corleone, que apresenta em seu desenho muitas
características que podem ser vistas sob o olhar da psicanálise, assunto que será
tratado o próximo capítulo.
47
CAPÍTULO 3 - UM OLHAR PSICANALÍTICO SOBRE O PROTAGONISTA
DON VITO CORLEONE
Para Luís Espinal (1976), em Consciência crítica diante do cinema, o
personagem faz parte dos três componentes do argumento de um filme, juntamente
com a ação e o ambiente. Estes componentes são importantes para uma análise do
argumento do filme. Para ele, no âmbito dos personagens estão os protagonistas,
que são os agentes de destaque de uma ação, ao contrário dos antagonistas, que
são os personagens de oposição que impedem o avançar da ação e que criam uma
dialética com os protagonistas, obrigando-os a uma superação, fazendo com que
sejam convertidos nos sujeitos da narração cinematográfica.
Espinal (1976) afirma que existem três níveis de protagonistas, o simbólico, o
coletivo e o individual. Ele diz que: Estes três protagonistas, no fundo, são um só;
são três concreções de uma mesma realidade (pág. 65).
Se analisarmos alguns personagens da família Corleone, em O poderoso
chefão – parte 1, será possível notar que a função simbólica de cada um deles vem
a ser o papel de mafiosos e que fazem o que é necessário para ajudar aos que
solicitam seus favores, além de sempre respeitarem suas tradições. Identificando o
nível coletivo destes personagens, eles fazem parte de família de mafiosos de
origem italiana, suas relações também são com outras famílias de mafiosos onde a
maior parte também é de origem italiana.
Segundo Espinal (1976), a Psicologia dos personagens no cinema pode ser
expressa de múltiplas maneiras, ou seja, existe uma diversidade imensa para que
possam ser identificados aspectos psicológicos individuais de cada personagem.
Assim, ele fala de 5 (cinco) maneiras que contribuem para uma análise da Psicologia
dos personagens, podendo ser vista por meio:
48
1. Das ações dos personagens, através de seus gestos, como por
exemplo, a agressividade demonstrada numa ação;
2. Através das atitudes dos personagens, onde pode ser notada mediante
as reações do personagem diante da realidade de diversos gestos
existentes na cena;
3. Diante da interioridade dos personagens, onde o protagonista pode
expressar, apresentando de maneira explícita contextos que não
seriam identificados pelos outros personagens, a exemplo de seus
sonhos e suas obsessões interiores;
4. Outro meio de análise da Psicologia do personagem é o próprio diálogo
sobre ele mesmo, a forma que o personagem é definido por ele e pelo
o que os demais dizem sobre ele;
5. E por meio da ambientação da situação, tudo que aquilo que está se
apresentando no ambiente e símbolos que as acompanham.
Para Espinal (1976):
Nesta análise psicológica o personagem mais importante é
sem dúvida o protagonista. Definir a personalidade psicológica
do protagonista é essencial para a compreensão do filme. (pág.
90)
Em contrapartida, Ismail Xavier (2008), em A Experiência do Cinema, acredita
que com a mesclagem de fato e símbolo na ficção, ou seja, o juntar de coisas
diferentes, o espectador acaba se envolvendo com a história, porém guardando a
consciência de que não é algo real. Em outras palavras, Xavier diz:
“... o espectador não é um elemento passivo, totalmente
iludido. É alguém que usa de suas faculdades mentais para
participar ativamente do jogo.” (2008, pag. 20)
49
Ou seja, o participar da ficção cinematográfica, sabendo que não é algo real,
e sim um jogo através de objetos com investimentos intelectuais e emocionais.
Podemos nos questionar de que forma o cinema, esta tela luminosa, este
espaço mágico, nos desperta, projeta no espectador, através de um filme, os seus
desejos e sonhos.
Existem diversas considerações que podem ser feitas no filme “O Poderoso
Chefão parte 1”, sobre a construção dos personagens que extrapolam a forma com
que geralmente são visualizadas as famílias dos gangsteres.
No entanto, ao invés de analisarmos alguns personagens de maneira sucinta
em relação ao nível individual, onde podem ser identificadas as características de
cada um deles, será feita uma análise psicológica de um dos personagens da família
Corleone de forma mais aprofundada, utilizando de conceitos psicanalíticos,
observando as semelhanças e ambivalências. Buscaremos, assim, analisar a
construção de um único personagem, Don Vito Corleone (Marlon Brando), pois se
trata do grande protagonista desta história. Lembrando que a análise pode ser
diversa diante do próprio protagonista, como a Psicologia estática, a evolução
psicológica e a ação interior.
O objetivo central é mostrar que este filme pode ser analisado tanto pelas
técnicas cinematográficas, a exemplo do que fizemos no capítulo 2, como pelo
desenho dos personagens, com a intenção de encontrar traços da presença da
Psicologia, conforme modelos já seguidos por alguns autores. Serão identificados,
através do perfil do personagem Don Vito Corleone, características que vão ao
encontro de alguns conceitos de base psicanalítica.
Vamos utilizar o personagem Don Vito Corleone, interpretado por Marlon
Brando, para tentar responder a estas questões. O chefão dos mafiosos era uma
pessoa que tinha classe, bem diferente de muitos bandidos em outros filmes de
mafiosos, ele possuía uma ética bem particular e mesmo sendo o chefe da máfia ele
buscava cultivar o convívio familiar, evitava atacar inocentes, exterminando apenas
aquelas que dificultavam seus “negócios”, uma das provas disto é quando Don
Corleone, atendendo a um amigo da família que lhe pede um favor (matar uma
pessoa por ter agredido a filha), ele se recusa, pois, o máximo que pode fazer é
50
devolver o que foi feito, “uma agressão”, já que a filha deste homem ainda
permanecia viva. Mesmo que Don Vito Corleone fosse um personagem que agia
fora da lei, ele seguia um código de conduta. Don Vito sempre cativou a todos, não
apenas aos personagens do filme, mas, principalmente aos espectadores.
Algumas imagens abaixo demonstram um pouco disto:
30
Quando Don Vito Corleone vai ao meio da festa de casamento de sua filha
Connie, cumprimenta aos convidados e familiares, aguarda toda a família se reunir
para tirar a foto familiar, porém ao olhar para o lado, percebe a ausência do seu filho
caçula Michael Corleone. Don Vito recusa-se, não aceita que a foto da família seja
tirada pelo fotógrafo, sendo que ainda falta um membro da família.
30
Estas imagens refere-se a cena encontrada na seleção de cenas de número 2, chamada “O casamento” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 7 minutos e 40 segundos.
51
O filme utilizou o personagem Don Vito Corleone para que pudesse ter a
possibilidade de projetar, nas pessoas, seus desejos e sonhos de ser admirado,
independente de suas ações, ou do sonho de ser um bom pai ou mãe com seus
filhos, cuidar bem de sua família, de ser bem sucedido em sua atuação profissional.
Uma matéria divulgada no site gazetaonline.globo.com em 05/10/2010 onde o
cineasta, documentarista e produtor cinematográfico brasileiro José Padilha com um
comparativo do personagem Capitão Nascimento do filme Tropa de Elite 2 a 007 e
até mesmo ao chefe da magia Don Vito Corleone do filme “O Poderoso Chefão”
parte 1, onde ele diz:
"O Don Corleone. É um personagem carismático, de
apelo popular, embora seja um mafioso assassino..."
Além de Don Vito ser um personagem que tem muita proteção, não somente
dos seus capangas, mas também de sua família, que lhe são muito fiéis e alguns
com lealdade inquestionável, principalmente, quando nos referimos aos seus filhos,
tantos os biológicos como o filho adotivo. Foi possível identificar em uma das cenas,
mais especificamente a que ele ficou internado após um atentado sofrido, que Don
Vito Corleone também tem a lealdade de pessoas não pertencentes à família, já que
um amigo ao visitá-lo no hospital, se dispôs a ajudar na segurança, colocando sua
vida em perigo, até que chegassem os capangas da família Corleone.
3.1 Aprender com a experiência: fazer ou pensar
Wilfred Ruprecht Bion foi um psiquiatra que teve grande interesse pela
psicanálise e deu início nesta busca através de análise supervisionada pela
psicanalista Melanie Klein, ele foi um importante guia para os movimentos da
psicoterapia de grupo. Em uma de suas obras “O aprender com a experiência”
(1991), Bion, W.R. inicia uma investigação de uma função desconhecida, que ele
chama de Função Alfa. Ele define esta Função Alfa como uma ferramenta de
52
investigação que se ocupa do pensar, do pensamento e da aprendizagem através
da experiência emocional. A Função Alfa produz nas pessoas os Elementos Alfa e
Wilfred Ruprecht Bion alega que estes elementos são os antecessores da memória,
do pensar inconsciente de vigília, dos pensamentos oníricos.
Vamos tentar imaginar a Função Alfa entre a mãe e o bebê; quando que esta
função fracassa? Isto ocorre quando o aparelho psíquico do bebê não fabrica
Elementos Alfa, assim, as experiências emocionais deste bebê são metabolizadas,
ficando como coisa em si mesma e não no outro. Segundo Bion, ocorrendo este
fracasso, os Elementos Beta que tem a função de facilitar a identificação projetiva31,
deixam de ser transformados em Elementos Alfa.
Graças à função alfa e ao aparelho de pensar descrito por Bion (1991), esta
ferramenta de simbolização é diretamente responsável pela transformação de
percepções e emoções brutas em elementos psíquicos, como também pelo
desenvolvimento das percepções e emoções em termos de diferentes níveis de
abstração e complexidade e também por seus distintos usos possíveis.
Existe também a possibilidade de guardar essas experiências vividas como
recordações, utilizá-las para pensar, e transformá-las em diferentes formas
simbólicas de comunicação, o que é diferente de apenas registrar e reter fatos
manipulá-los logicamente e transmitir esta informação.
No filme “O poderoso chefão – parte 1”, foram apresentados muitos
personagens com esta característica da Função Alfa, como, por exemplo, os chefes
das diferentes famílias de gangsteres. Na família Corleone, foi notada em três
personagens: no Tom (Robert Duvall) que é filho adotivo, conselheiro e advogado da
família, em Michael Corleone (Al Pacino) e, principalmente, em seu pai, no Don Vito
Corleone (Marlon Brando).
31
Para Melanie Klein (1946) a identificação projetiva é a função dos mecanismos psíquicos onde determinada pessoa deposita em um outro (objetos, pessoas), imagens e desejos criados por meio de fantasias. Um eu cria uma fantasia, ou uma imagem, ou uma idéia e projeta para fora de si, esse “eu” se identifica com essa fantasia, assim construindo a realidade psíquica.
53
Em uma das cenas, Don Vito Corleone está numa reunião de família
juntamente com seus filhos Santino (James Caan) e Tom. Nesta cena, Don Vito
solicita a seus filhos que eles coloquem sua opinião, sua visão em pauta com
relação à proposta que surgira recentemente do gangster Virgil Sollozzo (Al Lettieri).
Sollozzo é um gangster turco e seus negócios são as drogas, possuidor de campos
na Turquia com plantações de papoula, na Sicília ele tem laboratórios para
transformar em heroína e sua intenção em Nova York é se unir com algumas
famílias para que possa inserir seus negócios com maior segurança, ele é conhecido
como o rei das drogas. Nesta reunião com os filhos, Don Vito Corleone mais uma
vez apenas ouve o que eles têm a dizer sobre o Sollozzo, sua participação resume-
se apenas em perguntar tudo sobre os negócios e sua ficha na polícia, Don Vito
finaliza a conversa perguntando aos filhos o que acham, ambos (Tom e Santino)
dizem que existe muito dinheiro envolvido e o risco de não entrarem neste negócio e
afetar os negócios da família Corleone é muito grande, o Don Vito apenas ouve.
Esta reunião finaliza com a seguinte pergunta do Santino:
-“E aí, qual vai ser sua resposta? Papa!”
Mesmo assim, Don Vito permanece em silêncio fechando esta reunião
apenas com o balançar de sua mão direita, como de costume. No entanto, ele
direciona seu olhar para o abajur com a luz acesa. Isso, porém, não tem a função de
clarear o ambiente, mas sim de contribuir para o pensamento de Don Vito Corleone
ao olhar em sua direção, como se o seu pensar estivesse refletindo diante da
pergunta do Santino.
Nesta cena demonstra-se claramente o quanto para Don Vito Corleone se
dispõe a apenas ouvir o que o outro tem em seus pensamentos, neste caso dos
filhos, de forma alguma ele apresenta sua opinião ou possível ação, mesmo que
represente um grande risco para toda família Corleone caso não participem desta
proposta. O recusar da proposta diante dos riscos presentes faz com que ele não
tome nenhuma ação, denotando seu controle, sua maturidade emocional, seu alto
controle em ocupar-se do próprio pensar. Sua Função Alfa é muito bem estruturada,
54
com um controle muito grande dos seus pensamentos, de suas ações (o fazer) e
principalmente um controle emocional muito grande diante de riscos sinalizados e
presentes.
Outra cena que apresenta estas características próprias do Don Vito Corleone
é na cena sequencial da reunião que teve com os filhos Tom e Santino, ou seja,
numa cena foram perceptíveis estas características do Don Vito diante de familiares
e na seguinte mostrou-se da mesma maneira com pessoas de fora da família.
Na reunião seguinte com o Sollozzo, estão presentes Don Vito Corleone, seus
filhos Tom, Santino e Fredo (John Cazale), além de dois capangas de confiança da
família Corleone. Mais uma vez a cena inicia com outra pessoa expondo seus
pensamentos, nesta reunião é o Sollozzo que fala, ou seja, que faz sua proposta ao
Don Vito Corleone. Don Vito se mantém na direção de ouvir a intenção do Sollozzo,
o que ele tem em mente, em seus pensamentos, cada vez mais Don Vito faz
perguntas ao Sollozzo, como por exemplo:
-“Qual é o lucro da minha família?”
-“E qual é a parte da família Tattaglia32?”
Sollozzo responde a demanda do Don Vito em saber os pensamentos dele,
tanto que Sollozzo fala que cuidará da família Tattaglia e que dará à eles toda sua
parte e Don Vito Corleone diz:
-“Então eu recebo 30% por financiar, influência política e proteção legal!”
-“Por que veio até a mim? Por que mereço esta generosidade?”
32
Família Tattaglia é uma família de gangsteres, que estão envolvidos com a negociação deste novo negócio.
55
Outra vez Sollozzo responde as perguntas do Don Vito, mas Don Vito ainda
não disse nada com relação a sua intenção diante dos negócios, mesmo que já
saibamos que sua intenção é recusar, já que sua intenção para a família Corleone é
legalizar todos os seus negócios.
Isto poderia gerar uma questão de o porquê de perguntar tanto de um negócio
que não lhe interessa, sem ao menos dar sinais a ninguém, família ou pessoas fora
da família, de que não irá aceitar a proposta.
Finalmente nesta reunião com Sollozzo ele educadamente recusa a proposta,
por mais generosa ela possa ser, após saber sobre tudo que o Sollozzo pensa, ele
educadamente serve uma bebida a ele recusando a proposta e dizendo que iria
dizer os motivos desta recusa. No entanto, nesta mesma cena, após sua recusa,
Santino se expõe ao Sollozzo questionando-o das garantias que estava oferecendo
à família Corleone com relação ao dinheiro investido e que os Tattaglia iriam garantir
isto, Don Vito interrompe Santino com a seguinte frase ao Sollozzo:
-“Tenho uma fraqueza sentimental por meus filhos, eu os estraguei como
pode ver, eles falam quando deviam ouvir!”
Don Vito parabeniza e deseja boa sorte ao Sollozzo por seu novo negócio,
principalmente se não houver um choque este os negócios do Sollozzo com o da
família Corleone. Don Vito Corleone chama Santino de volta logo após a saída do
Sollozzo da sala e diz:
-“O que há com você? Acho que seu cérebro está amolecendo com esta
comédia em que você está atuando com aquela moça (amante do Santino). Nunca
mais diga a ninguém fora da família o que você está pensando. Pode ir!”
56
Em algumas cenas em que o protagonista Don Vito Corleone esteve
presente, a ausência de luz deixava sua expressão facial meio oculta, porém, é
nítido que em outras cenas a luz do projetor deu foco em seu rosto, contribuindo
significativamente para que pudessem ser visualizadas de forma clara suas
expressões faciais, sendo possível perceber seu controle emocional, seu pensar
antes do fazer ou qualquer tomada de decisão.
Em praticamente todas as suas cenas, o chefe da família Don Vito Corleone,
mostrou-se ser um homem que nunca iniciou as falas, nem mesmo falava o que
pensava antes de saber ou conhecer todo o contexto das situações e principalmente
o que o outro pensava. Este é um tipo de comportamento que a pessoa adquiriu
com a experiência. O controle emocional de Don Vito Corleone é muito
amadurecido. Isso pode ser notado também na cena em que estão todas as famílias
reunidas, lá Don Vito enfoca sua presença em ouvir e descobrir quem realmente
solicitou o assassinato do seu filho Santino.
3.2 Pulsão de Vida e Pulsão de Morte
Sigmund Freud (1920) convenceu-se que a agressão é um motivador tão forte
quanto o sexo para o comportamento humano, quando nos referimos a atos
impulsivos. As pulsões manifestadas na vida psíquica de um indivíduo passam a ser
vistas como resultado da ação que flui destas duas tendências, que nascem do nível
biológico.
Freud (1920) fez grandes descobertas sobre o que determina o Ser do
Psiquismo, ou seja, referentes ao descentramento do sujeito. Tais descobertas
tiveram grande importância para que os conceitos de Pulsão fossem criados,
formulados.
Partindo de “Além do Princípio de Prazer”, de 1920, surge mais dois novos
conceitos de pulsão. A pulsão de vida e a de morte passam a ser princípios que
regem o funcionamento da vida psíquica do ser humano.
57
A Pulsão de Vida é representada pelas relações amorosas estabelecidas pelo
sujeito com o mundo, com todas as outras pessoas e principalmente consigo
mesmo. A Pulsão de Vida está relacionada à autopreservação e à sobrevivência das
espécies, constituindo as forças criativas e sustentadoras da vida. Cuidar da saúde,
buscar um emprego, segurança, um relacionamento social e/ou amoroso, são
exemplos que podem ser citados.
Já a Pulsão de Morte é reconhecida pela manifestação da agressividade,
voltada para si mesmo; de maneira mais clara, a Pulsão de Morte consiste em uma
força destrutiva que pode se direcionar para o interior, na forma de masoquismo33 e
suicídio ou para o exterior por meio de agressão ou ódio.
Outras características de Pulsão de Vida são o “princípio do prazer” e as
“pulsões eróticas”. Quanto às Pulsões de Morte, estas carregam a marca de uma
compulsão à repetição de movimentos que tentam retornar à tentativa de “morte”,
além da agressividade que já a caracteriza. Apesar de a Pulsão de Vida e a Pulsão
de Morte parecerem conceitos opostos, ambas estão ligadas, unidas, pois, onde
existe a Pulsão de Vida também se encontra a Pulsão de Morte. Segundo Sigmund
Freud, (1920), esta conexão só seria desfeita através da morte (física) do sujeito.
A responsabilidade da elevação de uma tensão ou excitação da libido num
sujeito é da Pulsão de Morte, ou seja, esta elevação pode ser causadora de
angústias e frustrações no indivíduo, podendo afetar o controle de sua
agressividade. Somente a Pulsão de Vida, com sua função de escoar esta elevação
através do princípio de prazer, fará com que este indivíduo busque por objetos
minimizadores dos impactos da angústia, objetos de autopreservação, sustentadores
da vida.
No Filme “O Poderoso Chefão parte 1”, é possível visualizar a presença, a
todo o momento, da Pulsão de Vida quando nos referimos à segurança e
preservação da estrutura familiar e da Pulsão de Morte, ao nos referirmos às
agressões e exposições com os outros gangsteres. Por ser um filme que envolve a
33
Segundo o Dicionário de Psicanálise de Elisabeth Roudinesco, o masoquismo, assim, como o sadismo é designado de uma perversão sexual, tendo ligação com a fustigação, flagelação, humilhação física e moral, em que a satisfação provém do sofrimento vivido e expresso pelo próprio sujeito, em estado de humilhação.
58
disputa por território, por poder, entre “famílias” de gangsteres, o ódio e as
agressões sem pudor circulam a todo o momento pela trama.
Diante desta descrição do significado da presença tanto da Pulsão de Vida
como da Pulsão de Morte, notemos o quanto elas se fazem presentes em Don Vito
Corleone, principalmente quando nos referimos a Pulsão de Vida, apesar disso
parecer contraditório, já que ele é o chefe da família de gangsteres. Ao falarmos das
pulsões devemos levar em consideração todas as ações do sujeito, por menores que
sejam e independente do ambiente em que está inserido, ou das pessoas com que
se relaciona direta ou indiretamente.
Don Vito Corleone é um personagem que tem sua pulsão de morte muito
visível, principalmente por ser chefe da família Corleone, por ser um homem no qual
conquista a maioria das coisas através de “trocas de favores” e se a outra parte
nega o “favor” ele reage com agressão, a exemplo de uma situação aonde Johnny
Fontane (Al Martino) afilhado do Don Vito Corleone e cantor que chegou a fama
através de um dos favores de seu padrinho, vai até a festa de casamento da
Constanzia “Connie” Corleone (Talia Shire), filha de Don Vito Corleone, pedir um
novo favor, já que admite estar com a voz fraca e que necessita de um papel num
novo filme lhe colocaria no topo novamente, porém, o diretor do estúdio Jack Woltz
(John Marley) que comprou os direitos do livro que é um Best-seller, não quer lhe
dar o papel principal, dizendo-lhe que não tem nenhuma chance de conseguir.
Segundo Johnny, este papel seria ideal para ele, já que o personagem principal é
um cara como ele e nem necessitaria tanto esforço para atuar, somente ser ele
mesmo. Don Vito Corleone envia Tom até Califórnia para conversar com o diretor
Woltz, de início o diretor se recusa a falar com ele, mas, ao dizer que foi em nome
do Don Vito Corleone, o diretor recebe Tom em sua casa. Na casa de Woltz ele
apresenta ao Tom seu investimento, um cavalo campeão em corrida e diz que a
intenção é utilizá-lo para reproduzir. No jantar na casa do Woltz, Tom faz a proposta
a ele de que coloque Johnny neste novo filme, mas Woltz recusa, já que o Johnny
atrapalhou a carreira de uma atriz em destaque que estava sendo preparada pelo
Woltz. Na manhã seguinte, o diretor Woltz acorda em sua cama totalmente sujo de
sangue e quando olha para seus pés, vê a cabeça do seu cavalo, que usaria para
reprodução, cortada em sua cama.
59
A cabeça do cavalo cortada foi um recado dos Corleone com relação à
proposta recusada. O recado foi entendido e o diretor mudou sua posição inicial de
não aceitar Johnny para o papel principal do filme.
Esta foi uma cena que mostrou claramente a agressividade de Don Vito
Corleone com as pessoas que recusam aceitar as propostas que ele propõe, ou
seja, é uma clara situação de exposição da Pulsão de Morte, já que Don Vito
Corleone coloca em prática sua agressividade (mesmo que ele não tenha feito o ato
da agressão, apenas ordenado), além da representação de um perigo para ele, pois,
se o diretor Woltz ou qualquer outra pessoa que recusasse as propostas resolvesse
se vingar, isto afetaria sua segurança, sendo um suicídio indireto (já que de certa
forma saberia quais seriam as consequências), como se não preocupasse com este
risco, se expondo frequentemente.
Porém, a Pulsão de Vida no personagem Don Vito Corleone é muito presente.
Podemos recordar de uma de suas falas como um exemplo que fica claro a
presença de Pulsão de Vida. Num encontro que ele tem com Sollozzo, em que este
oferece lucro financeiro, querendo em troca, influencia política e um valor para
financiar o início de suas operações na região, Don Vito diz:
-“Eu disse que o atenderia porque soube que é um homem sério, que deve
ser tratado com respeito, mas, devo lhe dizer não...”
Através do posicionamento da câmera e da luz do projetor em sua direção, foi
possível perceber que Don Vito estava com um terno simples e meio que amassado,
imagem que acentuava sua fala polida e educada, tratando Sollozzo de forma a
manter um bom relacionamento entre eles. Com todo este enredo, Don Vito
Corleone, servindo uma bebida a Sollozzo, lhe dá uma resposta negativa.
É claro a busca de uma Pulsão de Vida, pois, desta forma uma pessoa pode
tentar uma boa relação e deixar em aberto a possibilidade de novos negócios. O fato
de sair do hospital, de buscar sua recuperação, sua melhora e retornar à sua família,
seus negócios, também é uma Pulsão de Vida, pois, ele busca cuidar de sua saúde,
60
até mesmo quando se refere à alimentação ou beber o vinho, já que para ele, para a
saúde dele, é importante e faz bem beber vinho, além de abrir mão de sua posição
de Don passando para seu filho Michael Corleone, já que Don Vito Corleone começa
a perceber que não tem mais condições de permanecer neste contexto, em negócios
ilegais, já que existem outras famílias de gangsteres que buscam sua saída dos
negócios, deixando espaço para eles. Este abrir mão de tudo isto é uma forma de
denotar sua preocupação e seu interesse em cuidar de si, não colocar sua vida em
risco.
3.3 Fantasia ou Realidade
Segundo Sigmund Freud (1907), as fantasias originárias são decorrentes da
ligação com a observação da relação sexual dos pais na cena primária, ou seja,
qualquer acontecimento ocorrido que realmente foram traumatizantes para o sujeito,
que por vezes recorda e elabora, ou disfarça, através de fantasias.
Para Juan Nasio (1980):
“A fantasia é uma ação que se organiza seguindo os
contornos do objeto pulsional pela qual o sujeito se precipita,
foge para mais adiante. Assustado com a ocorrência,
angustiado diante do enigma di desejo do Outro, o sujeito se
restabelece com uma imagem que lhe vai servir de apoio. Pois,
sendo a fantasia uma construção, não se pode construí-la do
nada, são necessários materiais e modelo”. (pág. 67)
Nasio (1980) quer dizer que toda fantasia é constituída com o que temos de
mais próximo à realidade. A realidade psíquica de uma pessoa é recoberta de
fantasias, ou seja, é a maneira no qual o sujeito trata o real. Assim, a fantasia é uma
construção imaginária que surge pela experiência vivida pelo sujeito.
61
Podemos considerar a fantasia como experiências vivenciadas que marcaram
no inconsciente da pessoa, porém, estas marcas são de situações que não
ocorreram de verdade, também pode ser considerada a busca de produtos, de
realizações que em sua mente acredita que é em prol de seu prazer; algo que é
construído numa falha do pensamento, onde as atividades constituem-se pelas
cenas primárias, onde o corpo está fixado em expressões gestuais, expressões que
o individuo tenha observado, ou seja, o corpo está fixado na realidade.
Segundo Freud (1907):
“O trabalho mental vincula-se a uma impressão atual, a
alguma ocasião motivadora no presente que foi capaz de
despertar um dos desejos principais do sujeito. Dali retrocede a
lembrança de uma experiência anterior, na qual esse desejo foi
realizado, criando uma situação referente ao futuro que
representa a realização do desejo”. (p. 153)
Assim, podemos considerar a fantasia como algo que retoma ao passado do
sujeito, sendo envolvidos pelo desejo, já que permite a “liberação ilusória” de uma
realidade não satisfeita.
Podemos concluir que a fantasia pode ser considerada uma síntese integrada
de sentimentos, idéias, memórias e interpretações, em que os elementos afetivos
predominam, portanto, podemos pensá-la como um tipo de satisfação imaginária dos
desejos, da libido, mas podemos pensá-la também no sentido de uma falta sentida
pelo indivíduo.
Por diversas vezes, este conceito aparece na obra de Freud, através de
explicações diferentes: conscientes, inconscientes, pré-conscientes, fantasias, todas
elas têm em comum uma satisfação substitutiva da realidade que não foi satisfeita
para o sujeito.
62
Também existem aspectos positivos e negativos, dependendo do momento,
podem contribuir para a adaptação da pessoa, ou para um desvio da realidade,
fazendo com que esta permaneça num mundo irreal, bloqueando-a de lidar com os
problemas reais. Tudo dependerá de como o sujeito construirá e realizará esta
fantasia.
Como vimos, o filme inicia com uma cena34 com a tela totalmente escura, sem
nenhum traço de luz envolvendo o ambiente, apenas com a voz do italiano Bonasera
(Salvatore Corsitto), contando uma história que viveu recentemente através da
experiência trágica de sua filha. Esta única filha de Bonasera estava namorando um
americano, eles iam ao cinema, costumavam chegar tarde, mas Bonasera nunca se
envolveu, respeitando a privacidade da filha. Num dia, este namorado chamou mais
um amigo para ir junto ao casal ao cinema, fizeram-na beber uísque e tentaram
abusar dela, mas, ela resistiu mantendo sua honra, foi aí que os dois (namorado e
amigo dele) espancaram sua filha. Bonasera diz ter ido ao hospital, ter visto sua filha
com nariz quebrado, queixo despedaçado e fixo por um arame, com dificuldades
para chorar por causa da dor, mas Bonasera disse ter chorado porque ela era a luz
de sua vida. Nesta cena, a luz vai surgindo aos poucos focando o rosto de
Bonasera, ele está no escritório da casa de Don Vito Corleone.
Algumas das falas de Bonasera nesta cena que chamam a atenção ao
falarmos de fantasia e realidade são:
-“Eu acredito na América!”
-“Para termos justiça, temos que ir ao Don Corleone!”
-“Don Corleone faça justiça!”
34
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 1, chamada “Creio na América” do DVD, ou pode ser encontrada também ao 0 minuto e 01 segundo.
63
A realidade e a fantasia estão em contraste a todo o momento no filme “O
Poderoso Chefão parte 1”. A primeira frase do filme é “Eu acredito na América”,
frase que é completada como uma desilusão por Bonasera, já que no momento que
mais precisou do poder judiciário para obter uma justiça diante do abuso e agressão
física e psicológica que sua filha sofreu, acabou tendo uma desilusão, foi totalmente
frustrante ver o resultado da audiência e ver os agressores rindo de sua cara.
Este acontecimento traumatizante para Bonasera e os sentimentos daquele
momento, fizeram com que ele buscasse uma satisfação imaginária diante de uma
falta que ele vive com o poder judiciário.
Nas frases seguintes que Bonasera utiliza na presença de Don Vito Corleone:
“Para termos justiça, temos que ir ao Don Vito Corleone” e “Don Corleone faça
justiça”, apresenta claramente sua fantasia, mostra como vive a fantasia de que o
Don Vito Corleone é o salvador daquele momento, que é o homem que vai lhe dar a
justiça esperada e acredita ser a correta.
Nesta mesma cena, quando Don Vito Corleone fala com Bonasera, tem duas
frases que se destacam:
-“Por que você foi à polícia? Por que você não veio a mim primeiro?”
-“Vem até mim e pede pra matar por dinheiro! Isso não é justiça, sua filha
ainda está viva”!
Quando Don Vito Corleone diz a Bonasera que deveria ter procurado a ele ao
invés da polícia, Don Vito pode dar esta proteção, segurança a família de Bonasera
mais que a própria polícia, porém, é uma fantasia da parte dele se considerar a
representação da lei de toda uma sociedade, que pode dar esta proteção se
considerando o bem feitor, que sabe o que é a justiça para cada situação dos que
lhe pedem algum favor. Na segunda frase de Don Vito Corleone que ele diz “isso
não é justiça”, quando Bonasera pede para matar os dois agressores oferecendo
dinheiro em troca, Don Vito Corleone se coloca na posição do poder judiciário,
daquele que sabe o que é o correto ou não, ou seja, sabe qual é a justiça mais
64
adequada, onde ele acaba que por determinar o que seria justiça ou não diante do
pedido que lhe foi feito. A forma que Don Vito trata a realidade é uma construção
imaginária, já que vive como se não houvesse a polícia para buscar a justiça, como
se não existisse o poder judiciário para a tomada da decisão que seria seguida
conforme as leis daquela sociedade, isto é reforçado pela forma que ele vive, ou
situações em que ele viveu, onde tudo que ele conseguia era através de seus atos
e/ou de seus capangas, ou seja, sem a presença da polícia ou poder judiciário,
como se não existissem ou não tivesse nenhuma representação em sua vida.
A percepção do outro pode auxiliar na visualização do que às vezes
pensemos ser real, sendo apenas uma fantasia, a exemplo da cena apresentada
anteriormente no filme em que o Don Vito Corleone acredita ter o respeito e não o
medo, daqueles que lhe beijam a mão por lhe considerar um padrinho, alguém que o
protege, mas este ato é por medo de tê-lo como inimigo e não por respeito. A
exemplo da mesma cena acima, pois, chega o momento onde Don Vito Corleone e
Bonasera diz:
-Don Vito Corleone: “Nos conhecemos há muitos anos, mas é a primeira vez
que vem a mim se aconselhar ou pedir ajuda, não me lembro a última vez que me
convidou a tomar um café em sua casa, embora minha mulher seja madrinha de sua
única filha, mas, vamos ser francos, jamais quis minha amizade, e tinha medo de
ficar em débito comigo”.
-Bonasera: “Eu não queria me envolver em problemas”.
-Don Vito Corleone: “Eu entendo, você achou o paraíso na América, montou
um bom negócio, tinha uma boa vida, a polícia ate protegia, tinha os tribunais, não
precisava de um amigo como eu, mas agora vem a mim e diz Don Corleone faça
justiça, mas, você não pede com respeito, não oferece amizade, nem pensa em me
chamar de padrinho...”
Em seguida, a cena (imagem abaixo) se encaminha para o beijar da mão do
Don Vito pelo Bonasera, como pedindo que ele fosse seu amigo, seu padrinho,
porém, este pedir para ser seu padrinho, ou que fosse “seu amigo” como dito por
Don Vito, é em função de que Bonasera querer que ele fizesse algo que não
65
conseguiu pelos meios legais, pela justiça dos tribunais, buscando agora pelos
meios ilegais, que são os negócios da família Corleone. É notório que não existe um
respeito, pelo menos de uma grande parte dos personagens em que o protagonista
Don Vito Corleone acredita ter, pelo contrário, as pessoas só procuram por ele por
uma necessidade de algo não conseguido, senão preferem não se envolver nos
negócios dele pelo medo de se envolver em problemas, Don Vito Corleone tem
poder sim, porém, não tem o respeito que deseja das pessoas.
35
Outra cena (imagens abaixo) em que existe uma fantasia colocada no
protagonista Don Vito Corleone, é na cena em que Michael Corleone vai com sua
esposa Kay Adams (Diane Keaton) e seu filho pequeno até seu pai, em busca de
aconselhamento diante de questões dos negócios da família, neste momento
Michael já é o chefe dos negócios da família. Observa-se que o personagem Don
Vito Corleone assume uma postura de alguém que está aposentado, onde consta
até mesmo uma bicicleta de fundo como se fosse para seu lazer, ele pergunta ao
Don Michael sobre a esposa e o filho, querendo saber se estão felizes e tendo a
afirmação disto, em seguida diz que isto é bom, começa a falar da esperteza de seu
neto e sorri de alegria desta notícia. Don Vito começa a falar de que não queria isto
para o Michael Corleone e que imaginava isto que o Sonny passaria pelas questões
dos negócios da família. Outra frase interessante do protagonista Don Vito nesta
cena é quando ele diz:
35
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 1, chamada “Creio na América” do DVD, ou pode ser encontrada também aos 6 minutos e 25 segundos.
66
-“Eu trabalhei a vida toda e não me arrependo, para cuidar da minha família e
me recusei a ser um tolo, dançando conforme a música tocada nos tribunais”.
O protagonista Don Vito se comporta de maneira como se não fosse um
gangster, não fosse um chefe de família de mafiosos, no entanto ele sempre foi um
mafioso e não trabalhou de maneira honesta. Em seguida Don Vito fica apenas com
seu neto no quintal, numa parte em que tem algumas plantações e começa a brincar
com o seu neto com uma naturalidade, como se fosse uma personagem em que não
estivesse envolvido em nada fora da lei, como se fosse um personagem em que sua
vida fosse calma como qualquer outra, onde o chefe sai para trabalhar e ganhar o
sustento da família honestamente e retorna para sua casa para ficar com sua
família, e em sua aposentaria apenas aproveita os frutos colhidos por seu trabalho.
36
36
Esta cena encontra-se na seleção de cenas de número 20, chamada “Nunca desejei isto para você” do DVD, ou pode ser encontrada também às 2 horas 26 minutos e 40 segundos.
67
Nesta mesma cena (imagens abaixo) é onde o protagonista brinca com seu
neto a ponto de ambos darem muitas risadas, ocorre a sua morte de maneira
natural. Quem assiste a esta cena, possivelmente, acaba por transformá-lo num
mafioso “do bem”, ou seja, além da fantasia existente no protagonista, o cinema
trabalha de forma a transformar a percepção, a fantasia do espectador, através da
construção da cena com a utilização da luz natural do dia e o ambiente caseiro.
68
Uma cena que podemos destacar no filme com relação à realidade e a
fantasia é a que Don Vito Corleone, ao conversar com seu filho Michael Corleone
(quando este já estava como chefe da família), fala de seus sonhos em algo fora de
tudo àquilo que ele viveu, tanto que fala ao Michael de seu sonho em algo maior
(algo fora da criminalidade), em algo como em torná-lo senador ou talvez um
governador. Agora, como podemos analisar este “sonho” de Don Vito Corleone para
o seu filho Michael?
Diante da teoria freudiana, podemos pensar que este sonho do Don Vito
Corleone é um desejo diante de uma falta em sua vida, falta em viver com negócios
“legalizados”, mas Michael Corleone diz que isso pode acontecer. Porém, seus
novos negócios continuam sendo através de “trocas de favores”, onde o outro não
tem a opção de recusar já que as propostas são “irrecusáveis”, a exemplo da
seguinte cena:
Michael Corleone chega a Las Vegas a caminho de um dos cassinos no qual
a família Corleone tem sociedade, lá é recebido por seu irmão Fredo Corleone e
encontra uma recepção que não lhe agrada, com músicos e garotas para se divertir.
Michael pede para que Fredo solicite a saída dos músicos e das garotas, até ficar
somente o Fredo e o Johnny em uma das salas do cassino, já que a razão de sua
ida era fazer negócios. A primeira pessoa que Michael conversa, é com o cantor
Johnny, dizendo o quanto ele e Don Vito estão orgulhosos dele e que sabem o
quanto ele é grato pela ajuda que recebeu em sua carreira, em seguida Michael diz
que Don Vito quer lhe “pedir um favor”, dizendo que a família Corleone irá comprar a
outra parte do cassino pertencente ao Moe Greene (Alex Rocco). Neste momento,
Fredo entra na conversa e pergunta ao Michael se ele tem certeza disto, já que Moe
Greene adora este negócio, neste momento Michael utiliza da frase:
-Vamos fazer uma oferta irrecusável a ele!
69
Esta frase destaca claramente o quanto a fantasia se repete entre o Don Vito
e seu sucessor Michael Corleone. A fantasia é utilizada como um mecanismo de
defesa37 diante de situações em que há uma necessidade que na vida real não
poderia ser realizada. Ou seja, de forma socialmente aceitável, acaba sendo um
roteiro imaginário em que Don Vito Corleone e agora Michael Corleone utilizam,
representando de uma maneira mais ou menos deformada pelos processos
defensivos, ou seja, a realização de um desejo.
3.4 Identificação Projetiva
A identificação projetiva é um processo psicológico no qual a pessoa assimila
algum aspecto, propriedade ou atributo do outro, havendo uma transformação total
ou parcial, diante do modelo deste outro. Uma série de identificações vai constituir e
diferenciar a personalidade.
Não devemos comparar o termo identificação com outros conceitos próximos,
como por exemplo, incorporação e/ou introjeção, que são modelos da identificação
ou pelo menos de alguma circunstância no qual o processo mental é vivenciado e
simbolizado como uma manobra do corpo (devorar, ingerir, conter dentro de si, etc).
Melanie Klein (1946) utilizou a expressão de identificação projetiva de uma
maneira não sugerida em um primeiro momento, por causa da associação destas
duas palavras, ou seja, atribuir a outros traços de si próprio ou de alguma
semelhança geral consigo mesmo. Esta expressão que ela estabelece foi para
designar um mecanismo traduzido por fantasias em que o sujeito introduz a sua
própria pessoa parcial ou total no interior do objeto com a função de lesar, possuir
ou controlar.
37
De acordo com Freud (1937), os mecanismos de defesa são alguns processos do subconsciente desenvolvidos pela personalidade do indivíduo, que possibilitam a mente de desenvolver uma solução diante de conflitos, angústias, ansiedades, impulsos agressivos, ressentimentos e frustrações que não foram solucionados em sua consciência.
70
Temos a identificação projetiva normal e anormal. Bion (1991) disse ser
complexa a diferença entre a identificação projetiva normal e a anormal,
dependendo do grau de violência na execução deste mecanismo. A identificação
projetiva tem um dos objetivos de evacuar de modo intenso um estado mental
doloroso, podendo conduzir forçadamente a um objeto em sua fantasia com a
intenção de obter certo alívio imediato, muitas vezes querendo controlar de maneira
intimidadora do objeto. Outro objetivo é importar um estado mental como maneira de
comunicar-se com ele a respeito de seu estado. O objeto de sua fantasia deixa de
ser independente e funde-se o sujeito com o objeto. Isto poderá ter algumas
representações, como, por exemplo, uma maneira de se defender diante de uma
separação ou uma necessidade, ou inveja.
O ego38 não está sempre em estado de identificação com seus objetos, pode
variar dependendo da ocasião e de acordo com o contexto. Podemos citar um
exemplo de um ambiente, no trabalho, onde o sujeito pode se identificar de maneira
intensa com algum superior. Ou esta mesma pessoa, de volta ao lar, pode se
identificar com o pai ao brincar com os filhos.
A identificação projetiva também ocorre com uma boa parte dos personagens
do filme “O poderoso chefão – parte 1”, principalmente diante da possibilidade de ter
o poder do outro, o respeito que o outro possui diante da sociedade ou de seus
rivais. Não é à toa que dois dos capangas do Don Vito Corleone têm o objetivo de
formar a própria família, com a permissão d’O Padrinho, aquele é claro.
Na reunião que teve entre as famílias a pedido de Don Vito Corleone, houve
uma identificação projetiva entre ele e o outro chefe da família Tattaglia, que também
perdeu o seu filho nesta guerra que estava acontecendo, ambos se identificaram
projetivamente com a situação do outro, pois ambos perderam um ente querido, um
filho.
38
Segundo Sigmund Freud (1920), o ego é uma presença psíquica no contexto que abrande outras
duas instâncias: o superego e o id. Assim, o ego tornou-se, em grande parte, o inconsciente do sujeito.
71
Portanto, temos uma identificação projetiva mais evidente, que é por parte de
Michael Corleone diante de seu pai Don Vito Corleone. Nas cenas que ocorrem após
o atentado de morte que Don Vito sofre é que Michael começa a agir e,
provavelmente, a pensar de maneira bem próxima a do pai, até mesmo a forma
como age diante da família.
Uma cena que descreve claramente esta identificação projetiva de Michael
Corleone diante do seu pai Don Vito Corleone é numa reunião que ocorre após o
atentado ao Don Vito. Michael chega ao escritório na casa do seu pai e lá encontra
seu irmão Santino, Tom, Clemenza (Richard S. Castellano) e Tessio (Abe Vigoda)
onde todos eles falam da disponibilização de homens nas ruas cuidando da
segurança do Don Vito que ainda está no hospital, Santino o trata apenas como
irmão caçula e desprotegido, perguntando sobre como está seu olho já que tinha
sido agredido pelo capitão da polícia McCluskey (Sterling Hayden), dizendo “você
está lindo, está lindo. Está maravilhoso”. Santino agindo de maneira impulsiva fala
da proposta que o Sollozzo quer receber, porém, fala de uma forma menosprezando
e se sentindo onipotente diante do inimigo, enquanto Tom pergunta o que Sollozzo
ou Tattaglia disseram, Santino apenas menospreza, respondendo de maneira
gozadora a fala dos outros gangsteres. Tom diz que devem ouvir o que os
adversários têm a dizer e Santino continua respondendo diante das suas emoções.
Começa uma discussão do que fazer entre Santino e Tom, enquanto Michael
apenas fica sentado numa poltrona, em silêncio e ouvindo a tudo, assim, como Don
Vito Corleone costuma fazer.
Tom começa a falar do capitão McCluskey, dizendo que ele está fazendo a
segurança do turco Sollozzo, assim, ninguém pode atingi-lo da forma que Santino
quer, já que ninguém nunca se atreveu a atirar num capitão da polícia de Nova York,
e o desastre que isto representaria, já que todas as outras famílias de gangsteres
poderiam vir atrás dos Corleones, banindo-os, fazendo com que percam a proteção
política. Em seguida, pede para que Santino leve isto em consideração. Este é um
momento em que os ânimos se acalmam e Santino diz que eles irão esperar ao
invés de sair atacando. Num silêncio que ocupa o escritório, Michael se posiciona,
dizendo:
72
-“Não podemos esperar!”
Santino lhe pergunta:
-“O quê?”
Michael repete a frase de maneira mais incisiva, dizendo que não dá para
esperar. Michael começa a falar como o pai, dizendo que independente de ter um
trato ou não, Sollozzo irá atacar Don Vito Corleone novamente e diz que precisam
pegar o Sollozzo. Nesta hora, todos o ouvem, tanto que Santino pergunta o que
fazer com o capitão McCluskey, Michael silencia, apenas se coloca em ir numa
reunião que Sollozzo quer com o Michael já que para ele o Michael não está
envolvido nos negócios da família e teoricamente não representaria nenhum perigo
de ataque contra ele. Michael diz que vai à reunião, começa a falar de maneira
estratégica, como deve ser este encontro, que seja num lugar público e que se o
Clemenza conseguir um jeito de deixar uma arma escondida no lugar, eles matará
os dois. Neste momento, todos riem de Michael, menos o seu irmão Tom, que
concorda com o que ele diz. A cena fecha com Michael dizendo para Santino
seriamente:
-“Não é pessoal, Sonny, são negócios!”
Interessante que tudo o que Don Vito Corleone tentava ensinar ao filho
Santino com relação a não falar o que pensa para quem não é da família, Michael
fazia isto naturalmente, sempre pensando com frieza antes de qualquer palavra que
pudesse dizer ou qualquer ação que pudesse ter.
Na última conversa mostrada entre Michael e Don Vito, é como se o pai
colocasse um último desejo para que o filho se identificasse com ele e pudesse
realizá-lo futuramente, que é quando Don Vito fala sobre o sonho de que pudesse
ser diferente, pensando na política, no senado ou até mesmo num governo.
73
Enfim, estas análises evidenciam de forma irrefutável a presença de traços
psicanalíticos no protagonista do filme, tendo como contribuição central para isso o
diálogo entre os personagens, mas também a utilização de técnicas e fatores
estéticos.
74
CONCLUSÃO
Observamos, na Introdução desta dissertação, que uma obra cinematográfica,
no caso o filme O poderoso chefão – parte 1, pode ser analisada com o objetivo de
se encontrar aspectos psicanalíticos nos personagens, ou seja, constatar a presença
da Psicologia no ecrã cinematográfico.
Consideramos primeiramente, que existem diversas formas de se analisar um
filme. Através de técnicas cinematográficas, pode-se identificar muitas outras
características, que, de certa forma, assim como a presença da Psicologia no filme,
podem afetar direta ou indiretamente a percepção do espectador em relação ao
contexto fílmico.
No filme O poderoso chefão – parte 1, podemos apontar as seguintes
análises de técnicas cinematográficas:
A presença da luz, em que foi analisado, através de sua função
simbólica, relacionada a uma condição de simbolismo percebido, o
intuito de dar sentido a uma imagem, dependendo da proporção que a
luz está sendo colocada, e com isso, influencia a percepção do
espectador;
A presença da luz, através de sua função dramática, que está ligada à
organização de determinado espaço, ou seja, uma estruturação de um
espaço cênico, indicando a profundidade que determinado espaço tem,
ou pode demonstrar ter, no filme analisado. Esta função aparece com a
intenção de dar maior dramaticidade ao filme;
A ausência da luz, combinada com a construção sonora em
determinadas cenas também colabora na criação da expressividade e
dramaticidade;
O desenvolvimento de cada personagem no enredo e as relações que
cada um estabelece com o protagonista Don Vito Corleone, ajudando,
inclusive, a moldá-lo melhor, no caso de “O Poderoso Chefão – parte
1” a família é essencial na construção de Don Vito Corleone;
75
Os posicionamentos da câmera com diversos enquadramento, onde
cada um poderia influenciar também a percepção do espectador,
sendo que uma das idéias mais presentes é de poder dar ao
espectador a impressão de participar do filme, como por exemplo, estar
no olhar do personagem, em pé ou sentado ao lado do personagem,
escondido vigiando alguém, testemunhando algum acontecimento,
entre outras situações.
Podemos concluir então, através destas observações, que é possível analisar
um filme com ferramentas diferentes. Porém, em comum, elas têm a função de
influenciar a percepção do espectador diante do contexto das cenas apresentadas
no filme.
Além das análises feitas a partir da técnica e da estética, olhamos para o
protagonista do filme, Don Vito Corleone, demonstrando a presença da Psicologia
através de conceitos da Psicanálise. Assim, foi possível comprovar, conforme
defendido por alguns autores, como a Psicologia está presente num filme,
principalmente na construção de enredos e personagens.
Nesta dissertação, utilizamos o protagonista Don Vito Corleone como
parâmetro para se buscar a presença da Psicologia. Com isto, foram identificados
alguns conceitos, conforme apontados abaixo:
O “aprender com a experiência”, é uma característica bastante
presente no protagonista, já que ele é um personagem que
demonstrava saber utilizar de suas vivências, experiências,
recordações, de forma tomar decisões e a modificar o que estava
vivenciando.
A presença da “pulsão de vida”, através de sua relação familiar, alem
de sua relação consigo mesmo; e a “pulsão de morte”, já que o mesmo
permanece em negócios que lhe trazem perdas afetivas, gerando
angústias, frustrações e até mesmo o luto, além do risco que
representa para sua própria vida;
76
A presença de pensamentos fantasiosos, no que se refere a seus
objetivos e interpretações do contexto em que vive, mas também
seguir pensamentos de acordo com sua realidade, ao acreditar que é
possuidor de certo poder;
E, por último, o conceito de “identificação projetiva”, que ocorre
principalmente quando o protagonista Don Vito Corleone busca obter o
que o outro tem, neste caso o poder, além de ter se identificado com
outro personagem que também acabara de sofrer um luto pela perda
de um dos filhos.
Comprovamos, através da análise do protagonista do filme, que a Psicologia
não só está realmente presente no ecrã cinematográfico como é fundamental para a
construção de certos personagens fílmicos, como no caso exemplar dos mafiosos de
“O Poderoso Chefão – parte 1”.
Assim, como podem ser notados traços de "perversão" em Don Vito Corleone,
que confronta e desafia a lei tanto de forma direta como indireta. Porém, este é um
tópico a ser tratado em futuros trabalhos.
77
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