oásis no sertão
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Série Oásis no Sertão – Diario de Pernambuco
- 06/01/2013
Caderno: Política / Página: A8
O verde que resiste à seca
Terça-feira, 18 de dezembro do ano passado. Às 5h30, a equipe de reportagem do
Diario de Pernambuco saía do Recife rumo ao Sertão pernambucano. Na pauta, nada
de terra seca, rebanhos perdidos, fome, tristeza ou morte. Apesar de a região viver a
maior estiagem dos últimos 40 anos, repórter, fotógrafo e motorista percorreram
2.070 quilômetros em busca de pequenos produtores rurais que, contrariando a seca,
uma realidade desalentadora e pouco ou nenhum apoio do poder público municipal,
adquiriram técnicas de produção, tiveram educação agroecológica, assistência técnica
e transformaram seus quinhões de terra em pequenos oásis sertanejos. Todos os
homens e mulheres que, mesmo sem chuva, fazem brotar do chão antes árido o fruto
de sua sobrevivência, e do rosto, sorrisos que iluminam tanto quanto o sol de todo dia.
A primeira parada foi no Sítio Santo Antônio, zona rural de Carnaíba, município
localizado no Sertão do Pajeú, a 400 quilômetros do Recife. A impressão que se tem ao
se dirigir ao local é a de que os galhos secos que ladeiam a estrada de terra cinzenta
não permitiriam jamais vida naquele destino. Mas Ednaldo Rodrigues Nascimento, 44
anos, e Josefa de Cássia Rodrigues, 40, aguardavam a equipe com expressão de alegria.
Afinal, iriam mostrar a proeza de fazer brotar o verde de um pedaço de chão no
Semiárido. O casal de agicultores comemorava 23 anos de casamento. Não com festas
e convidados. Mas de uma forma que, segundo eles, é o segredo da felicidade em mais
de duas décadas: arando, juntos, a terra umedecida pela água das chuvas que caíram
há mais de um ano e foi armazenada nas duas cisternas de 52 mil e 16 mil litros que
construíram na propriedade.
Num terreno de 1,5 hectare, Ednaldo e Josefa tinham para colher coentro, alface,
couve, espinafre, rúcula, cebolinha e salsa. Em tempos mais “molhados”, acrescentam
ao cardápio cenoura, beterraba, cebola e algumas espécies frutíferas (goiaba, acerola,
caju e manga, por exemplo). Das oito horas de trabalho diário, cinco são na roça. Uma
média de vinte canteiros são plantados por mês. Só de coentro tem sido colhidos cerca
de 1,5 mil molhos por semana. Uma rotina aparentemente incompatível com a maior
seca dos últimos tempos. Além de alimentar toda a família, formada por mais cinco
filhos, a produção de Ednaldo, mais conhecido por Seu Nino, também vai parar duas
vezes por semana nas feiras agroecológicas de Afogados da Ingazeira, a 27 quilômetros
de Carnaíba, e de Tabira, a 191 quilômetros.
“Mantenho a minha horta com água de poço amazonas, que eu mesmo construí.
Utilizo a água pra irrigar os canteiros, para os animais e para todo o consumo
necessário. Foi um investimento meio alto pra nossa condição aqui, mas tem retorno.
No mais novo (poço),que está com 20 dias (à época), já investi em torno de R$ 3 mil. E
esse dinheiro foi todo tirado daqui de dentro, de nossa horta, do nosso trabalho”,
afirmou, orgulhoso.
Além de armazenar e utilizar de forma equilibrada a água, Seu Nino também aprendeu
técnicas de aragem e irrigação e a produzir e utilizar defensivos e adubos orgânicos.
Em sua propridade foi construído, com a orientação da ONG Diaconia, um minhocário.
Trata-se de um sistema de produção de adubo orgânico que consiste na construção de
uma cisterna de cimento que deve ser preenchida com esterco animal. Em seguida são
adicionadas minhocas. Estas se reproduzem e transformam o esterco em humus, que
garante a qualidade de vida e a alegria daquela família.
AÇÃO DO PODER PÚBLICO AINDA É TÍMIDA
A experiência bem sucedida de seu Nino e Dona Josefa não é regra geral na sertaneja
Carnaíba. Nem nos muitos municípios que compõem o Semiárido brasileiro. São
poucas as iniciativas que garantem a multiplicação das técnicas de convivência com
períodos de estiagem, embora sejam inúmeras as tecnologias que permitam isso. Se
multiplicadas, essas tecnologias permitirão produção, renda e qualidade de vida nas
terras esturricadas do Sertão. Chova ou faça sol.
Em Carnaíba, organizações sociais e não governamentais, em parceria com organismos
internacionais e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), repassam aos
produtores técnicas para segurança alimentar e hídrica e prestam assistência técnica e
financeira. A prefeitura, por sua vez, dá seus primeiros passos, e tenta o diálogo com a
sociedade por meio de ações pontuais: produção e distribuição de mudas em um
terreno de 45 hectares, localizado na comunidade de Barreiro de Fabiano, construção
de barreiros e perfuração de poços artesianos e amazonas.
O ex-prefeito Anchieta Patriota (PSB) garante que, durante seu governo, a prefeitura
também comprou a produção agropecuária de Carnaíba para uso na merenda escolar
das escolas da rede municipal. Ele disse ainda que no terreno citado, um técnico
agrícola e um engenheiro agrônomo ficam à disposição dos produtores para
orientações agroecológicas. “Temos algumas dificuldades, e entre elas está o acesso a
crédito em alguns bancos para fazermos mais”, destacou.
O socialista citou como um dos maiores desafios da gestão pública municipal a
manutenção do jovem no campo. “A rejeição que os jovens sertanejos vêm tendo para
a atividade agropecuária, que é árdua, dificulta o crescimento dessa atividade na
região semiárida. Há novas opções de emprego para eles, e isso torna ainda maior o
nosso desafio”, disse.
Sugestões
Segundo o assessor político-pedagógico da Diaconia em Afogados da Ingazeira, Adilson
Alves, a gestão passada fez muito pela educação e pela saúde, mas pecou no quesito
agricultura e pecuária. “O terreno para produção de mudas não deixa de ser um indício
de que a prefeitura despertou para a necessidade de reeducar o agricultor em sua
convivência com o Semiárido, mas ainda é pouco. Esperamos que o espaço seja melhor
utilizado pelo atual prefeito e que ele faça com a Secretaria de Agricultura o que seu
antecessor fez com as demais secretarias do município”, concluiu.
07/01/2013
Caderno: Política / Página: A5
Garantia de vida em cenário de desolação
Por volta das 16h do dia 19 de dezembro de 2012, uma quarta-feira, o sol ainda
queimava o que já havia queimado na vegetação do município de Flores, no Sertão do
Pajeú, distante 394 quilômetros do Recife. No Sítio São Bento, Sebastião de Sousa
Diniz, 36 anos, e o pai, Nilton Neves Diniz, 70, alimentavam as 36 cabeças de gado e as
30 ovelhas de sua propriedade com um dos sacos de forragem que começaram a
armazenar há mais de um ano. Não fosse a técnica aprendida, que permite manter o
alimento em excelentes condições por até cinco anos, o cenário daquele celeiro, de
vida e esperança, seria de morte. A mesma vista na beira da estrada que liga a zona
urbana à zona rural da cidade, onde dezenas de esqueletos de animais entristeciam o
caminho.
Como Seu Nino e Dona Josefa, de Carnaíba, cujas histórias foram contadas na edição
de ontem do Diario de Pernambuco, Sebastião e Nilton também são produtores rurais
que acreditam no trabalho e, não fossem as orientações que receberam da ONG
Centro Sabiá, teriam perdido todo o rebanho. “Ovelhas, não perdemos nenhuma este
ano. Das cabeças de gado, perdemos só quatro. A maioria dos produtores daqui estão
libertando seu rebanho porteira afora para que os bichos sigam seu destino, porque
eles não têm como alimentá-los. Seria bom que os outros produtores tivessem acesso
às informações que eu tive”, disse o mais novo.
As informações a que Sebastião se referiu diz respeito a algumas técnicas de
convivência com o Semiárido. Em especial o armazenamento de forragem. No ano
passado, pai e filho ainda não sabiam que era possível aproveitar a época de chuva e
guardar o alimento do rebanho por tanto tempo. Aprenderam. Escavaram um buraco
no chão (silo), jogaram dentro capim, cana de açúcar, milho e sorgo ensilados, pilaram
o conteúdo para que ficassem compactados, evitando a entrada de ar, cobriram com
terra e, em seguida, com uma lona. A seca chegou e as forragens, que também servem
como complemento alimentar de qualidade, vem salvando o rebanho, Sebastião, Seu
Nilton e toda a família.
Para construir um silo com capacidade para 1,5 mil quilos do alimento (o mais
comum), é necessário um investimento de R$ 140. Geralmente a orientação dada é a
de que o produtor construa quantos silos forem necessários, dependendo do número
de animais que produz. Cada animal grande consome, em média, 5 quilos por dia. “O
objetivo do armazenamento é fazer com que o produtor tenha complemento
alimentar de qualidade para o rebanho e alimento de emergência para períodos de
seca”, informou o técnico do Centro Sabiá, Lucimário Almeida dos Santos.
Em Flores existem 22 produtores que já se beneficiam da técnica. Todos com o apoio
da ONG. “Nós, que trabalhamos diariamente com esses produtores, percebemos que
falta repasse de informações sobre tecnologias que garantam a produção
independentemente da época. Se as prefeituras também difundissem essas
tecnologias existentes, a maioria simples, estariam ajudando a capacitar produtores,
preservar o meio ambiente e garantir qualidade de vida para os sertanejos e suas
famílias”, observou Lucimário.
FALTA FOCO AO PODER PÚBLICO
Em oito anos de mandato, o ex-prefeito do município de Flores, Marconi Santana
(PTB), demonstrou boas intenções no combate aos efeitos das estiagens. Perfurou 105
poços nas comunidades rurais (uma média de 13 por ano), construiu e desassoreou 40
barragens, distribuiu mudas de caju entre produtores e um caminhão de milho por
ano, durante as festas juninas. A seca chegou, as barragens secaram, o milho acabou e
a população, formada por 22,1 mil habitantes, sofre com a seca. E reclama de não ter
recebido o que já começa a perceber como essencial: orientações e assistência técnica
para a convivência com o Semiárido.
De acordo com informações do site da prefeitura, a economia da cidade é baseada na
agropecuária, tendo como destaque as atividades pastoris, a bovinocultura e a
caprinocultura. Mas, segundo o assessor do ex-prefeito, Júnior Campos, espécie de
porta-voz do petebista, a Secretaria de Agricultura na gestão de Marconi Santana tinha
como atribuição realizar o cadastro dos agricultores da cidade, efetuar a distribuição
dos milhos, das mudas e colocar um técnico agrícola à disposição dos produtores para
ensinar-lhes técnicas de cultivo das mudas distribuídas. “O prefeito lançou dois
programas, o Água é Vida e Frutos do Progresso”, acrescentou. No primeiro, estão
contempladas a perfuração de poços e construção e o desassoreamento das
barragens, e no segundo, a distribuição das mudas de caju.
Representantes de ONGs que trabalham na região fazem um alerta: enquanto as
prefeituras não saírem das ações pontuais e não elaborarem um Plano de Convivência
com o Semiárido, a seca continuará matando e fazendo sofrer aquele que é
responsável por colocar comida na mesa de muitos brasileiros, que é o pequeno
produtor rural.
Entre as sugestões feitas por técnicos, agrônomos, engenheiros e assistentes sociais
que trabalham no campo está o desenvolvimento de ações integradas entre as
diversas secretarias municipais e o diálogo com a sociedade civil por meio de
associações de agricultores, sindicatos de trabalhadores rurais, organizações sociais
que atuem no município e conselhos municipais de desenvolvimento rural sustentável.
“Essa é a melhor forma de um prefeito contribuir na construção desse plano, que
precisa contemplar ações e estratégias permanentes e de longo prazo”, afirmou o
coordenador de Articulação Política do Centro Sabiá, Adeildo Fernandes.
08/01/2013
Caderno: Política / Página: A5
Conhecimento: arma para vencer a aridez
Quinta-feira, 20 de dezembro de 2012. O local é o assentamento Serra da Geladeira,
em Exu, município do Sertão do Araripe, localizado a 630 quilômetros do Recife. O
personagem: Raimundo Valmir Batista, 40 anos. Denir, como é chamado, é quem
conta a própria história, que começa com a percepção de que passou toda a vida
cometendo equívocos no preparo da terra, produzindo menos que sua capacidade e
destinando parte do suor de seu trabalho aos atravessadores (pessoas que compram
barato ao produtor e revendem mais caro ao consumidor).
“Eu usava veneno na plantação, arrancava e queimava as espécies nativas e os restos
de cultura e jogava fora qualquer chance de ter uma produção que me desse a
tranquilidade que hoje minha terra me dá”, disse Denir, há 10 anos produtor e
beneficiador de mandioca e derivados. Nesse período, contou com a ajuda do Centro
de Habilitação e Apoio ao Pequeno Agricultor do Araripe (Chapada), uma organização
não-governamental, e, sem receber nenhuma orientação do poder público municipal,
mudou radicalmente sua rotina, seus conceitos e a sua vida.
“Tudo começou quando eu estava queimando um pé de jiquiri, para ver se ela não
nascia mais ali. Eu estava todo preto, coberto de cinzas, quando os técnicos do
Chapada chegaram em minha propriedade. Naquela hora fiquei sabendo que o que eu
estava fazendo era destruir a minha terra”, afirmou. Convidado a visitar experiências
com casas de farinha na Bahia, Denir aprendeu o que 30 anos nunca o ensinaram. “A
gente sempre acha que, no Sertão, a produção tem que ser pouca e difícil. Ninguém
nunca me disse que as espécies nativas protegem o terreno, que os restos das outras
plantas (culturas) adubam a terra e que o ideal é fazer consórcios de espécies, nativas
e não nativas, frutíferas e florestais, que é uma forma de ter sempre algo para colher”,
afirmou.
Na visita à Bahia, o agricultor ficou impressionado com o que viu. E tomou uma
decisão: produziria a melhor farinha da cidade. Aos poucos, com as novas informações
e o aumento gradativo de sua produção, foi montando sua própria casa de farinha.
Vendeu um carro velho de sua propriedade (do ano de 1994), juntou decisão,
informação e talento como empreendedor e alcançou o objetivo. Passou a cultivar 40
espécies alimentícias e florestais e a vender, em vez de mandioca bruta, frutas, farinha,
goma, tapioca e puba (massa extraída da mandioca fermentada e largamente utilizada
na produção de bolos, biscoitos e diversas outras receitas típicas do Norte e Nordeste
brasileiros).
“Eu vi que o segredo do sucesso está em a gente ter acesso à informação, ser
capacitado”, observou o produtor, que foi em busca de mais informação. Fez o curso
de Boas Práticas de Fabricação, do Programa Alimento Seguro, do Serviço Nacional da
Indústria (Senai), e o curso de Custo de Produção, do Serviço Brasileiro de Apoio às
Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Descobriu que podia tirar proveito também da
casca da mandioca e da maniva (caule), como complemento de ração animal, e a
afastar as formigas com a manipueira (líquido extraído durante o processamento da
mandioca).
A história de Demir ainda não terminou. Com tanta queimada que fez, falta muito para
recuperar todo o terreno de 30 hectares. O certo é que, em 2000, ele produzia 60
toneladas por ano de mandioca, vendida aos atravessadores. Tirava, em média, R$ 3
mil nos 12 meses. Hoje, com a mandioca 100% processada em sua propriedade, Demir
tira R$ 5 mil por ano. “Mas isso é só com a mandioca. Eu tenho as outras 40 culturas
para complementar a nossa renda”, disse o agricultor.
AÇÃO DO PODER PÚBLICO É INSUFICIENTE
Disputa política acirrada e dificuldades para implementar medidas de convivência com
o semiárido. É assim no município de Exu. Lá, o prefeito Léo Saraiva (PTB) foi reeleito
no ano passado com a diferença de apenas um voto para o socialista Jailson Bento,
ligado ao governador Eduardo Campos e ao ministro da Integração Nacional, Fernando
Bezerra Coelho. As principais ações repetem a maioria das cidades sertanejas, ficando
entre perfuração de poços e construção de barreiros, distribuição de água em carros-
pipa e uma tímida tentativa de educação agroecológica.
Das principais medidas adotadas pela gestão petebista, o secretário de Agricultura,
Paulo Henrique, lembrou quatro: distribuição de sementes de milho e feijão no mês de
janeiro, perfuração de 110 poços, construção de 500 barreiros e assistência técnica a
pequenos produtores rurais dentro do Programa Balde Cheio, da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Essa última é a que mais se aproxima das ações de
reeducação do produtor para a convivência com o semiárido, mas só atendeu a quatro
pequenos produtores nos últimos dois anos, e deve atender a mais seis. O objetivo é
repassar orientação sobre adubação, aragem, correção do solo e análise da água.
“Temos dois técnicos que foram treinados para repassar essas informações aos
pequenos produtores. Acredito que isso vai continuar nos próximos anos”, afirmou
Paulo Henrique, que, apesar de não saber se continuará no cargo na nova gestão, falou
em nome do prefeito. “Ele deve continuar perfurando poços e construindo barreiros. A
prefeitura também deve ampliar o abastecimento d’água com carros-pipa e implantar,
junto com o governo federal, o sistema de abastecimento d’água no Distrito de Zé
Gomes e nas serras vizinhas a partir da nascente do Jenipapo, que fica na Serra das
Mangueiras, e vai beneficiar mais de mil famílias”.
O secretário de Administração e Planejamento da prefeitura, Antônio Dioclécio,
acrescentou à lista de ações uma parceria realizada com o Sebrae (Serviço Brasileiro de
Apoio às Pequenas e Médias Empresas) para a capacitação dos produtores de gado,
ovelhas e cabras. Nos cursos eles receberam orientações sobre ordenha e
higienização.
Léo Saraiva não estava na cidade durante a visita da equipe de reportagem (20 de
dezembro) nem retornou às ligações feitas ontem pela redação.
09/01/2013
Caderno: Política / Página: A5
Quando a política ajuda a vencer as adversidades
Doze quilômetros de poeira ligam o centro de Dormentes à propriedade de Maria
Mazarelo, 40 anos, no Sítio Pimenta. O município, localizado a 649 km do Recife, está
na porção mais seca do Sertão do São Francisco, que ao sul é banhado pelo rio de
mesmo nome. A estrada de terra não nega que a maior estiagem dos últimos 40 anos
também chegou por aquelas paragens. Mas, em frente à residência de Mazarelo, o
balido de ovelhas, carneiros, cabras e bodes é capaz de transformar a expectativa
inquietante de um visitante de primeira viagem. Do temor de encontrar carcaças, ele
passa à certeza de que, ali, o trabalho de um pequeno produtor sertanejo não foi em
vão.
Mais de cem animais – gordos e grandes – enchem o curral da dormentense. Uma
produção que não está entre as maiores dos pequenos criadores locais, mas que é
cinco vezes a média de animais que Mazarelo e os pais tinham em casa quando ela
ainda era criança. “Nós não passávamos nunca de 20 matrizes (fêmeas usadas para
reprodução). E quando me casei, há 17 anos, o máximo que consegui juntar foi 50”,
afirmou. Uma vitória conquistada com cooperativismo, mas também com a ajuda do
poder público - um dos poucos casos entre as prefeituras pernambucanas.
Algumas técnicas de criação e tecnologias mudaram o rumo da vida daquela mulher.
Entre elas está a hidroponia, uma forma de cultivar plantas sem solo, onde as raízes
recebem uma solução balanceada que contém água e todos os nutrientes essenciais
ao desenvolvimento da planta. “Aprendi a plantar milho e sorgo, que são usados no
processo, e hoje sei engordar meus animais mesmo no período de seca”, contou.
Para a hidroponia, Mazarelo construiu 15 canteiros de 5 metros por um metro em uma
área de sua propriedade, que tem, ao todo, 54 hectares. Forrou cada um com uma
lona plástica, sobre a qual coloca o bagaço da cana que adquire com a ajuda da
Associação dos Criadores do Pimenta. Por cima do bagaço da cana, joga milho – que
precisa ficar de molho por 24 horas –, e depois cobre com uma última camada de
bagaço de cana (essa pode ser substituída por palha de milho, feijão, arroz ou capim
seco triturado). “É preciso molhar o canteiro duas vezes ao dia. São 30 litros de água
que usamos diariamente”, informou. Em 15 dias, um canteiro já está verde e pronto
pra ser triturado e servido como alimento de excelente qualidade para o rebanho.
Maria Mazarelo aprendeu também que é preciso manter os animais em áreas
distintas, de acordo com seus tamanhos e funções na produção. Enquanto uns estão
no curral, outros estão na roça. Perfurou um poço e construiu duas cisternas de 16
litros cada, sendo uma para a produção e outra para uso da família. Deixou de fazer
bico trabalhando com outras atividades e de sofrer sem saber como seria o final do
mês de sua família, formada por ela, o marido e dois filhos adolescentes. Só com o
rebanho, ela passou a lucrar o dobro do que lucrava há até sete anos. Investiu na
criação e na casa. “Tem muita coisa boa que a seca nos ensinou. E uma delas é a viver
bem. Hoje temos conforto, carro, moto e internet”, observou.
CONTRAPARTIDA VITAL PARA PRODUÇÃO
Uma diferença entre Maria Mazarelo e os demais personagens apresentados na série
de reportagem “Oásis no Sertão”, que o Diario de Pernambuco vem publicando desde
o último domingo (6), é que ela não é um caso isolado na cidade onde vive. A receita
que utilizou para chegar aonde chegou é a mesma usada por todos os pequenos
criadores de Dormentes: o associativismo, incentivado pela prefeitura municipal, uma
das poucas no estado que tomou as rédeas da situação e uniu criadores em defesa da
produção local.
Com a formação das associações, que começarem há sete anos, o poder municipal dá
exemplo. Mostra que é possível participar, mesmo com pouco dinheiro, da difusão de
alternativas de convivência com o semiárido. Atualmente existem na cidade mais de
50 associações de criadores. “Antes de nos organizarmos em associações, não
sabíamos nem vender nossos rebanhos. Mas a prefeitura construiu um pátio e
inaugurou uma feira, contratou uns técnicos para dar assistência aos associados e
agora somos os maiores produtores de ovinos do estado”, afirmou o presidente da
Associação de Criadores do Pimenta, Luzivaldo Leonardo de Macedo.
Tecnologia
Novas e eficientes tecnologias de produção foram repassadas para os diversos grupos
de criadores. Os resultados vão do aumento da produção à excelência na qualidade do
rebanho, que não se altera nos períodos de estiagem. Dormentes tem hoje sua própria
raça, a bergamês, fruto do cruzamento entre Bergamaça com Santa Inês. A média de
animais por criador na cidade subiu para 200. Antes, os rebanhos dos pequenos
produtores eram de, no máximo, 50 cabeças. A prefeitura também criou a Caprishow,
evento voltado à promoção da ovinocaprinocultura e envolvendo a participação de
artistas diversos, realizado no último final de semana do mês de maio. Em 2013 irá
para a sua 7ª edição. “Temos clientes fixos em Petrolina e em muitas cidades de quase
todos os estados do Nordeste (exceção da Bahia e Sergipe). Mas todo ano essa lista de
clientes cresce com a divulgação de nossa atividade”, afirmou Luzivaldo.
10/01/2013
Caderno: Política / Página: A6
Mãos dadas para vencer os rigores da estiagem
Bodocó, Sertão do Araripe, a 640 quilômetros do Recife. Última parada da equipe de
reportagem do Diario de Pernambuco para a série de reportagem “Oásis no Sertão”,
que vem sendo publicada desde o último domingo (6). O município, de 35,4 mil
habitantes, é considerado a maior bacia leiteira do estado. Mas é lá, no coração da
terra do gado, que a agricultora Rosemeire Moreira Santos, 32 anos, dribla a seca se
destacando como uma das melhores horticultoras da região.
Casada com o ex-pecuarista José Humberto Horas, ela convenceu o marido a aderir à
horta. “Estava na hora de mudar de direção. Mostrei a ele que só como produtor de
gado, em períodos de estiagem, o gado morria, e em períodos de chuva, o preço caía.
Melhor é ter, como temos hoje, 40 espécies de hortaliças brotando do chão,
enriquecendo o solo e alimentando nossa família em período seco ou molhado”,
declarou Meire.
A horta do casal está em meio hectare do quintal de casa, e sustenta seis pessoas da
família. O que é colhido segue para restaurantes e hotéis da região e para as feiras
agroecológicas de Bodocó e Exu. Durante a entrevista, os agricultores, integrantes do
Programa Quintais Produtivos, da ONG Centro de Habilitação e Apoio ao Pequeno
Agricultor do Araripe (Chapada), pararam duas vezes para atender a clientes que
preferem comprar as verduras retiradas, na hora, da terra.
Entre espécies conhecidas na mesa de todo brasileiro, eles reservaram um pedaço de
terra para cultivar uma novidade: a palma doce, específica para consumo humano e
rica em vitamina A. Com ela, Meire faz pastel, coxinha, doce e suco. Aprendeu em uma
das muitas capacitações de que participa. “Hoje ainda faço só para a família e amigos.
Mas um dia boto pra vender”, comentou. Defensora do meio ambiente, a horticultora
informou, num misto de euforia e emoção, que sua terra estava cada dia mais rica.
“Tão rica que voltamos a ver alguns animais que há tempos não apareciam por aqui,
como o pica-pau, o teju e a cascavel”, observou.
Na propriedade de Rosimeire, orientações sobre como trabalhar na terra esturricada,
entretanto, não chegaram apenas pelas mãos do Chapada. Vieram de funcionários da
prefeitura municipal. O ex-prefeito, Brivaldo Pereira Alves (DEM) integra a lista dos
poucos que conseguiram sair do lugar comum. Além de ações emergenciais, como a
distribuição de água em carros-pipa, ele colocou à disposição dos produtores dois
técnicos agrícolas em tempo integral durante toda a sua gestão (2009/2012). “Acho
que os prefeitos têm um papel muito importante nessa coisa de ensinar os produtores
a produzirem também na seca. Eles estão pertinho das pessoas, pertinho dos
produtores”, comentou a bodocoense.
Os próximos passos de Meire e Humberto estão meticulosamente traçados.
Pretendem construir uma cisterna calçadão (52 mil litros), para garantir água durante a
seca, e uma estufa coberta, para evitar prejuízos com possíveis enxurradas. O casal
também está tentando financiamento do Banco do Brasil para concluir a plantação
iniciada de sorgo e milho. Com o sustento da família garantido pela horticultura e a
terra recuperada, a nova produção alimentará uma pequena e nova criação de gado.
“Acho que agora estamos prontos para produzir também leite. Por que não?”,
questionou.
MINISTRO COBRA AÇÃO DE GESTORES MUNICIPAIS
A seca não é novidade. As perdas e o sofrimento causado por ela menos ainda.
Alternativas de convivência com as constantes estiagens, entretanto, vêm mudando.
Novas tecnologias são criadas para salvar produtores e produções, e precisam de
divulgação para que vidas sejam preservadas. Em meio à simplicidade de suas técnicas,
a informação é o maior dos adubos. Mas uma praga é capaz de pôr tudo a perder: a
falta de vontade e iniciativa política.
“Geralmente são tecnologias simples, que poderiam ser transmitidas pelos próprios
municípios. Por que essas tecnologias não são sempre replicadas? Porque depende da
iniciativa de cada prefeitura”, disse o ministro da Integração Nacional, Fernando
Bezerra Coelho. Responsável, no cargo, por promover medidas emergenciais e de
caráter estruturante de convivência com o semiárido em todo o país, o titular da pasta
garante, entretanto, que o ministério está estimulando uma maior participação do
município por meio de ações estruturantes.
O Programa Água para Todos é uma delas. Na conta do governo de Pernambuco, o
governo federal já depositou R$ 66 milhões para a perfuração ou recuperação de
poços, construção e desassoriamento de barragens, construção de sistemas
simplificados de abastecimento de água e aquisição de dessalinizadores, o que já foi
iniciado. A construção da Adutora do Pajeú também favorece alguns municípios
sertanejos pernambucanos, como Serra Talhada, Afogados da Ingazeira e São José do
Egito. A Adutora do Sirigi vai beneficiar municípios na Mata Norte, e a Adutora do
Agreste levará água do eixo leste da transposição do Rio São Francisco para quase 50
municípios.
Como ações meramente emergenciais, o ministro cita o que a maioria dos prefeitos
tem como principais em seus programas de governo: operação carro-pipa; cadastro
dos produtores para recebimento do Bolsa Estiagem; e distribuição de milho. “Isso a
gente também fez. Mas o que muito produtor precisa é de orientação. Quem tem essa
visão, ajuda. Basta querer”, disse o ex-prefeito de Bodocó, Brivaldo Pereira Santos, que
não conseguiu ser reeleito no ano passado.
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