os direitos dos alunos em contexto escolar: uma
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O Direito dos Alunos à Participação em Contexto Escolar
Student’s Right to Participation in the School Context
Filomena Sobral
Lídia Grave-Resendes
Universidade Aberta, Portugal
Resumo
A presente comunicação tem por objectivo apresentar uma parte da investigação por nós
desenvolvida sobre os Direitos dos Alunos em Contexto Escolar. O estudo desenvolvido numa
Escola Secundária no Concelho de Odivelas, teve como finalidade primordial conhecer as
percepções dos alunos sobre os seus direitos, incluindo o direito à participação no contexto
escolar, procurando descortinar se os mesmos eram ou não respeitados.
Para a concretização dos objectivos propostos, desenvolveu-se um estudo de caso,
recorrendo a uma abordagem metodológica predominantemente quantitativa, com recurso a
técnicas variadas, designadamente a do inquérito por questionário.
A análise dos resultados obtidos permitiu-nos concluir que os alunos participam mais
activamente a nível micro e que, em contrapartida, a sua participação a nível meso, é mais
passiva.
As competências de participação dos alunos não estão a ser devidamente estimuladas,
sobretudo pelos responsáveis dos órgãos de administração da escola.
Ainda existe um caminho a percorrer pela comunidade educativa, no sentido de
considerarem os alunos como sujeitos de direitos, reconhecendo-lhes o direito de participarem
activamente, num clima democrático, favorecendo o seu desenvolvimento integral e a plena
igualdade de oportunidades a todos os alunos, contribuindo, assim, para a preservação das
sociedades democráticas.
Palavras-chave: Direitos do aluno; Gestão institucional participada; Inclusão; Participação activa.
Abstract
Our communication has as a main objective the presentation of the research we developed
on the Rights of Students in the School Context. The study was performed at the Escola
Secundária (Odivelas High School) in the town of Odivelas. Its main goal was to know the
students` perceptions about their rights, including the right to participate in school and to try to
discover if those rights were being respected.
For the materialization of these objectives, we developed a case study, using mainly a
quantitative approach, namely inquiry by questionnaire.
The analysis of the results, allows us to conclude, that students participate more actively at a
micro level, but are quite passive at a mezzo level.
The competencies for student participation are not properly encouraged, especially by
school management.
The school community still has a long way to go, in considering the students as subjects
with rights, recognizing their right to participate actively in a democratic environment,
encouraging their full development and equality of opportunities to all students, thus
contributing to the preservation of democratic societies.
Key words: Students`s rights; School management; Participation; Inclusion; Active
participation.
Introdução
No mundo globalizado e complexo em que vivemos, a preservação das sociedades
democráticas requer a existência de cidadãos modernos, distintos do modelo
característico das sociedades autoritárias.
O desenvolvimento das competências de participação é um dos factores
fundamentais para a formação desses modernos cidadãos, assumindo a escola um papel
primordial no desenvolvimento das competências necessárias para a participação activa
dos jovens na sociedade, proporcionando-lhes oportunidades para poderem participar na
comunidade onde se encontram inseridos.
A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989 constitui um marco histórico na
consideração das crianças como sujeitos de direitos. Para a mudança do seu estatuto é
de fundamental importância a consagração na Convenção, no artigo 12º, do princípio do
respeito pelas opiniões da criança, que implica não só o direito destas expressarem
livremente as suas opiniões em todos os assuntos que lhes digam respeito, bem como o
direito dessas opiniões serem tomadas em consideração nas decisões que são tomadas.
A família, a escola, os media, as organizações não governamentais e as instituições
políticas devem criar oportunidades para que as crianças e os jovens desenvolvam as
suas competências de participação.
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A escola assume um relevante papel na aquisição pelas crianças e pelos jovens das
competências necessárias para a realização dos seus direitos de participação, através da
adopção de métodos de ensino-aprendizagem interactivos, currículos adequados aos
interesses dos alunos, do desenvolvimento de atitudes e comportamentos democráticos,
para o que assume especial relevância, o estabelecimento de um ambiente democrático
dentro da escola, onde valores como a justiça social e a responsabilidade para com a
sociedade sejam constantemente estimulados. A organização das escolas e as suas
estruturas decisórias também devem ter em conta a opinião dos alunos, estimulando a
sua participação activa nessas estruturas desejavelmente democráticas.
O direito de todas as crianças e jovens serem ouvidos em todos os assuntos que lhes
digam respeito, deve abranger todas as acções e decisões que afectem a sua vida, seja no
seio da família, da escola, da comunidade local e a nível da política local e nacional.
Abrange não só as decisões que digam respeito às crianças e jovens considerados
individualmente, como também as decisões a nível da política governamental e
legislativa, que tenham impacto na sua vida.
Para além das vantagens a nível individual, a educação das crianças e jovens para a
participação vai permitir o reforço das sociedades democráticas, permitindo a formação
de cidadãos modernos, aptos a intervir activamente na sociedade, distintos do modelo
característico das sociedades autoritárias.
Considerando ser de primordial importância conhecer as percepções dos jovens
sobre os seus direitos e, de um modo específico, sobre o respeito pelo seu direito de
participação no contexto escolar, desenvolvemos um estudo numa escola secundária do
concelho de Odivelas, recorrendo a uma abordagem metodológica predominantemente
quantitativa, com recurso a diversas técnicas, nomeadamente a do inquérito por
questionário.
Os resultados obtidos, que a presente comunicação pretende dar a conhecer,
permitiu-nos concluir que ainda existe um caminho a percorrer pela comunidade
educativa no sentido de se desenvolverem as competências de participação dos alunos,
essenciais para o desenvolvimento das sociedades democráticas.
1. Respeito pelas Opiniões da Criança
O princípio geral constante da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, do
respeito pelas opiniões da criança (direito de participação) é considerado de
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fundamental importância na implementação da Convenção e para a interpretação de
todos os outros artigos.
Este princípio implica que:
Toda a criança capaz de formar uma opinião, tem o direito de a expressar
livremente, em todos os assuntos que a afectem.
As opiniões das crianças devem ser tidas em consideração, atendendo à sua
idade e maturidade.
A aplicação do princípio do respeito pelas opiniões da criança, implica uma
mudança no estatuto da criança e da natureza da relação entre os adultos e as crianças,
conforme salienta Lansdown (2001,b):
Il demande que nous commencions à écouter ce que disent les enfants et à les prendre au sérieux. Il demande que nous reconnaissions la valeur de leur expérience, de leurs opinions et de leurs soucis spécifiques. Il demande également que nous interrogions sur la nature des responsabilités des adultes à l’égard des enfants. (p. 1)
Segundo aquela autora, para se interpretar correctamente o princípio contido na
Convenção sobre os Direitos das Crianças, há que atender não só às situações que o
legislador pretendeu abranger, como também às situações que o legislador não
pretendeu enquadrar no referido princípio. Assim, o princípio não confere às crianças o
direito de autonomia. Também, não confere às crianças o direito de controlarem todas
as decisões, sem terem em conta as implicações, quer para elas próprias, quer para as
outras pessoas. Também, não dá às crianças o direito de desprezarem os direitos dos
pais. De qualquer modo, tal direito atribui um estatuto às crianças, totalmente oposto ao
que tinham anteriormente, no qual, não eram ouvidas nos assuntos que lhes diziam
respeito (Lansdown, 2001b).
Por outro lado, a Convenção não estabelece um limite mínimo de idade para que as
crianças possam exercer o seu direito de participação. Assim, todas as crianças têm o
direito de exprimirem a sua opinião em todos os assuntos que lhes digam respeito (cfr.
Hodgkin e Newell, 1998, p. 149). Em relação às crianças muito novas e às crianças
deficientes, que podem ter dificuldade em exprimirem as suas opiniões através do
discurso oral, podem ser encorajadas a fazê-lo através do desenho, da poesia, dos jogos,
da escrita, dos computadores ou através de signos (cfr. Lansdown, 2001b, p. 2). Na
verdade, para Lansdown (2005, p. 20), o princípio tal como está consignado na
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Convenção, não limita a expressão das opiniões à linguagem verbal, podendo ser
utilizada qualquer forma de comunicação, mesmo a não verbal.
Para se respeitar as opiniões das crianças, é necessário assegurar que elas sejam
capazes de exprimirem as suas opiniões livremente. Deste modo, os Estados devem
assegurar, sem quaisquer limites e condicionalismos, essa liberdade às crianças. A este
propósito, Hodgkin e Newell (1998) salientam que “ this emphasizes that there is no
área of traditional parental or adult authority – the home or school for example – in
which children views have no place “ (p. 149). Qualquer limitação de idade imposta
pelos Estados ao direito das crianças serem ouvidas nos assuntos que lhes digam
respeito, não tem suporte legal na Convenção, mesmo que os Estados aleguem estar a
agir de acordo com o princípio do interesse superior da criança, para deixarem de
cumprir as obrigações a que estão obrigados pela Convenção.
Para permitir que as crianças expressem livremente as suas opiniões, a Convenção
impõe aos adultos a obrigação de habilitarem as crianças a exprimirem as suas opiniões
em todos os assuntos que lhes digam respeito e encorajá-las para que o façam. No
entanto, as crianças não devem ser obrigadas a exprimirem as suas opiniões se não o
desejarem (cfr. Lansdown, 2005, p. 20; Hodgkin e Newell, 1998, p. 149). Segundo
Hodgkin e Newell (1998) “ ‘Freely’ implies without either coercion or constraint” ( p.
149).
O mesmo entendimento de que as crianças não devem ser forçadas a exprimir as
suas opiniões e a tomar decisões contra a sua vontade, é partilhado por Lansdown
(2005) “Respecto al deseo de asumir responsabilidades por cuenta propia, cabe
destacar que no se debe obligar a los niños a tomar, contra su voluntad, decisiones
para las cuales no se sientan preparados o que, simplemente, no quieran tomar” (p.
20).
Para se poder habilitar as crianças a exprimirem as suas opiniões é necessário,
segundo Holden e Clough (2005, p. 14), ajudá-las a adquirir as competências
necessárias para participarem activamente e a proporcionar-lhes oportunidades para
participarem na comunidade como cidadãos activos.
Para Verheyde (2006), os pais e a comunidade têm um papel a desempenhar no
desenvolvimento, nas crianças, das competências necessárias à realização dos direitos
de participação. No entender do autor:
They should create the opportunities for children to participate; they should give appropriate direction,
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guidance or advice to the child so that it increasingly assumes responsibilities, becomes active, tolerant and democratic, without being manipulative. In this way an appropriate climate for participation at school can be created. (p. 59)
Segundo Holden e Clough (2005, p. 14), para adquirirem tais competências, é
fundamental as crianças interiorizarem um conjunto de valores, nos quais baseiem as
suas decisões e expressem as suas opiniões. Os autores aconselham que sejam
ensinados às crianças os valores subjacentes aos princípios constantes da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, o que inclui a aprendizagem da justiça social e da
responsabilidade
Desenvolvendo a participação das crianças com base nos valores, preenche-se as
necessidades das crianças de se sentirem envolvidas, informadas e preparadas para
tomarem responsabilidades na sociedade.
A ONU, no Manual on Human Rights Reporting, 1997, sublinha o direito das
crianças a serem ouvidas em todos os assuntos que lhes digam respeito “ It should apply
in all questions, even those that might not be specifically covered by the Convention,
whenever those same questions have a particular interest for the child or may affect his
or her life.” (p. 428). Assim, aquele direito deve ser entendido de forma a abranger todas
as acções e decisões que afectem a vida das crianças, seja no seio da família, da escola,
da comunidade local e ao nível da política nacional. Engloba, deste modo, não só as
decisões que digam respeito às crianças consideradas individualmente, como também as
decisões a nível da política governamental e legislativa, que tenham impacto na vida de
todas as crianças. (cfr. Lansdown, 2005, p. 20). No Manual on Human Rights Reporting,
1997, a ONU salienta que
The intention is therefore to ensure that the views of the child are a relevant factor in all decisions affecting him or her and to stress that no implementation system may be carried out and be effective without the intervention of children in the decisions affecting their lives” (p. 428).
Por outro lado, o princípio implica que as opiniões das crianças devem ser levadas
seriamente em consideração, nas decisões que são tomadas e que lhes digam respeito.
Para Lansdown (2005) “...cela ne veut pas dire que l’on doive acquiescer à tout ce que
dit l’enfant, mais simplesment quón accorde à son opinion une juste considération” (p.
20)
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O peso que deve ser dado à opinião das crianças, num determinado assunto, deve ter
em conta, segundo Hodgkin e Newell (1998, p. 150), o duplo critério da idade e da
maturidade. Para aqueles autores “ age on its own is not the criterion; the Convention on
the Rights of the Child rejects specific age barriers to the significant participation of
children in decision-making” (p. 150).
Para Lansdown (2005, p. 40), a Convenção não estabelece uma idade a partir da qual
as crianças podem exercer os seus direitos. Aliás, a Convenção exige que se reconheçam
e se respeitem as faculdades individuais de cada criança em relação a cada um dos seus
direitos. Para a autora, o princípio constante do art. 5º da Convenção sobre os Direitos
da Criança constitui um desafio para aqueles que defendem que as crianças só adquirem
a competência necessária para exercerem os seus direitos, quando atingem os dezoito
anos de idade. Segundo Lansdown (2005):
Existe una consiguiente obligación, que incumbe a los padres y, en medida correspondiente, al Estado, de permitir que los niños asumam gradualmente la responsabilidad de las decisiones que desean tomar, por su competência, están en condiciones de hacerlo. (p. 40)
As capacidades, faculdades ou competências abarcam um conjunto de qualidades
(morais, sociais, cognitivas, físicas e emocionais), cujo desenvolvimento não se processa
de um modo igual e rígido. Na verdade, o processo de desenvolvimento das capacidades
não ocorre de um modo uniforme e de acordo com etapas rígidas, dependendo de
inúmeros factores como o contexto social, o tipo de decisões, a experiência da criança e
o apoio dado pelos adultos, que influenciam a capacidade das crianças de
compreenderem os assuntos que lhes dizem respeito.
Assim, o peso que deve ser dado à opinião das crianças deve ter em conta o seu nível
de compreensão relativamente aos assuntos que estejam em causa. Para Lansdown
(2005), isto não implica automaticamente que deva ser dado menos importância às
opiniões das crianças muito novas. Na verdade, a autora afirma que existem muitos
assuntos para os quais, as crianças muito pequenas têm capacidade para compreenderem
e darem opiniões muito sensatas. Para a autora:
...cuando se trata de determinar cuánto peso se há de conceder a las opiniones del niño, es necesario aplicar un umbral de competencias más elevado. En este sentido, el artículo 12 estabelece explícitamente que cuanto mayores son la edad y la capacidad del niño, tanto más atentamente deben ser consideradas sus opiniones. (p. 20).
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Lansdown (2005, p. 20) identifica quatro níveis de participação no processo de
decisão:
ser informado;
expressar uma opinião informada;
conseguir que a opinião seja tomada em consideração;
ser o principal responsável ou corresponsável na tomada de decisões.
Segundo a autora, o princípio do respeito pelas opiniões da criança constante da
Convenção sobre os Direitos da Criança, prevê que todas as crianças capazes de
expressarem as suas opiniões, têm direito de participar nos três primeiros níveis. Mais, a
autora refere que embora, explicitamente, a Convenção não tenha disposições que
contenham o direito à informação, entende que esse direito está implícito na obrigação
que recai sobre os adultos, de garantirem o direito às crianças de se expressarem
livremente. No entanto, o direito de participação na tomada de decisões em todos os
assuntos que lhes dizem respeito, previsto na Convenção, não abrange o quarto nível
referido por Lansdown, entendendo a autora que os adultos são sempre os responsáveis
pela tomada de decisões, que pressupõem sempre a informação e a influência das
opiniões das crianças (cfr. Lansdown, 2005, p. 20).
Na opinião de Lansdown (2005, p. 20), os adultos responsáveis pelas crianças,
devem orientá-las para que elas possam exercer os seus direitos, de acordo com a
evolução das suas faculdades. À medida que as crianças vão desenvolvendo as suas
competências e, consequentemente, a vontade de assumirem a responsabilidade pelas
decisões, os adultos devem transferir a responsabilidade para as crianças tomarem as
decisões.
Os diversos estudos que têm sido desenvolvidos neste âmbito, demonstram, contudo,
que as capacidades das crianças têm sido subestimadas. Para Eriksson (2001) “ They can
make choices, express opinions and understand relevant information an early age” (p.
221). Segundo a autora, a aprendizagem dos princípios e das práticas democráticas deve
iniciar-se antes das crianças entrarem para a escola, nomeadamente, nas creches e nos
jardins de infância. A partir dos três a quatro anos de idade, podem ensinar-se às
crianças os princípios da participação democrática. Pode ensinar-se as crianças a
assumirem responsabilidades dentro dos grupos formais ou informais a que pertencem.
Contudo, estas competências desaparecem, muitas vezes, quando as crianças atingem os
dez anos de idade. Segundo aquela autora, tal deve-se ao facto dos educadores de
infância terem aprendido a trabalharem mais no desenvolvimento das competência das
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crianças, enquanto os professores das escolas secundárias aprenderam mais sobre os
conhecimentos que têm de transmitir às crianças e sobre os métodos de ensino-
aprendizagem. Para Eriksson (2001, p. 221), a formação dos professores tem que ser
alterada, em termos de garantirem uma continuidade no desenvolvimento das
competências de participação das crianças.
De acordo com Fredriksson (2001, p. 68), as escolas devem assumir a obrigação de
se organizarem, de modo a darem oportunidades aos alunos para que possam exprimir as
suas opiniões. Contudo, é necessário treinar a capacidade dos alunos para poderem
exprimir as suas opiniões. Para aquele autor “ ...schools have an important task to teach
children how to express an opinion, both orally and in writing, and how to participate in
a discussion” (p. 68).
É, assim, importante, não só que as crianças aprendam a ler e a escrever, mas
também que aprendam a analisar a informação de uma forma crítica. As crianças não
devem ser forçadas a pensar e a acreditar somente de uma certa forma, devendo
promover-se o desenvolvimento do seu espiríto crítico. Para Fredriksson (2001) “
Important objectives for education therefore are to develop the skills necessary to
compile and work with information, to make judgements and to express opinions” (p.
68).
As opiniões, as crenças e as convicções dos alunos devem ser respeitadas. No
entanto, isto não significa que os professores devam aceitar sempre, as crenças e as
convicções das crianças. Os professores podem discutir e argumentar com os alunos,
mas de modo a respeitar o direito da criança a ter as suas próprias crenças e convicções.
Por outro lado, também deve ser dado o direito às crianças de formarem as suas
próprias associações de estudantes. Para Fredriksson (2001, p. 68), este direito não
depende da idade das crianças, embora considere que as diferenças de idade devem ser
tidas em consideração.
Segundo Flekkoy (2001), o direito de associação das crianças nas escolas é
importante, pois no seu entender “ They can learn the rules for democratic decision-
making or debate, as well as get information about the views and values of the group.
On the other hand some groupings will conflict with values of the society” (p. 175).
Os países com regimes autoritários, não estão interessados em implementar o direito
de participação e de associação das crianças, pois se estas forem encorajadas a
expressarem livremente as suas opiniões, podem futuramente alterar o clima político
(cfr. Fredriksson, 2001, p. 69).
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Uma vez analisados os aspectos fundamentais do princípio do respeito pelas
opiniões da criança, vamos de seguida, abordar a questão da importância da educação
das crianças para a participação.
2. A Importância da Educação para a Participação
A educação das crianças para a participação afigura-se fundamental por diversas
razões.
Holden e Clough (2005, p. 15), referindo-se a Hicks e Holden, sublinham que as
investigações que têm sido realizadas, demonstram que as crianças estão preocupadas
com a degradação do meio ambiente, com o crescimento da criminalidade, com a
violência e com a desigualdade social, tanto a nível local, como a nível global. Para
além disso, desejam ter um papel activo na melhoria das condições sociais e ambientais.
Para tal, Holden e Clough (2005) entendem que “facilitating values-based participation
answers the needs of children to feel involved, informed and prepared for taking
responsabilities. It is thus of benefit to the child” (p. 15).
Na opinião de Rudduck, citado por aqueles autores, não ter em consideração a
opinião das crianças é característico de uma atitude tradicional e ultrapassada de que as
crianças não teriam capacidade de reflectir sobre os assuntos que lhes dizem respeito.
Para além disso o mesmo autor considera que existe uma desadequação entre o
curriculum e o ambiente da escola e a maturidade que as crianças têm hoje em dia (cfr.
Holden e Clough, 2005, p. 15).
Nesse sentido, Griffith, referido por Holden e Clough (2005), alerta para o perigo
dos conteúdos curriculares não estarem adequados aos interesses dos alunos (cfr.
Holden e Clough, 2005, p. 15).
Outro argumento referido por Holden e Clough (2005), a favor da educação das
crianças para a participação, é o benefício que daí decorre para a sociedade. Na verdade,
essa educação vai permitir o reforço do poder das sociedades democráticas, uma vez
que vai permitir a formação de cidadãos que possam intervir activamente na sociedade.
Beck, referido por Holden e Clough (2005, pp-15-16), salienta a necessidade e a
importância de existirem cidadãos competentes, capazes de avaliarem criticamente os
progressos científicos e tecnológicos, considerando não só os riscos como os benefícios
envolvidos. Também Griffith relembra a importância da dimensão moral que está
incluída nessa competência, uma vez que, no seu ponto de vista, envolve a
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responsabilidade, que é manifestada numa preocupação moral pela justiça social (cfr.
Holden e Clough, 2005, p. 16). Assim, para Holden e Clough ( 2005) “ A curriculum
which develops the skills of critical reflection and assists values-based participation can
begin to meet the identified needs of both children and society” (p. 16).
Considerando a importância da educação das crianças para a participação, vamos de
seguida, analisar a escola como veículo de implementação dos direitos de participação.
3. A Escola e os Direitos de Participação
O Comité dos Direitos da Criança reconhece que, para implementar o princípio do
respeito das opiniões das crianças é necessário mudar atitudes e práticas, no seio da
família, da escola e da comunidade.
Nesse sentido, o Comité dos Direitos da Criança apontou diversas estratégias para
implementar o princípio do respeito dos direitos da criança, incluindo a educação,
programas de informação e formação contínua de todas as pessoas que lidam com as
crianças (cfr. Hodgkin e Newell, 1998, p. 153).
As escolas devem desenvolver um ambiente democrático, propício ao
desenvolvimento nos alunos, das competências necessárias para o exercício do direito
de participação.
Também para Hammarberg (1977) “ L’école est naturellement un lieu important
pour l’éxercice de ce droit” (p. 24).
Com base em investigações desenvolvidas e pela sua própria experiência adquirida
como director de escolas na Grã-Bretanha, Trafford (2006) identificou os seguintes
benefícios da participação dos alunos no contexto escolar:
Melhoria no comportamento;
Aumento da assiduidade;
Redução do bullying;
Melhoria da adesão às regras;
Reforço do respeito nas relações entre professores/alunos e entre alunos/alunos;
Fortalecimento do sentimento de pertença à escola entre alunos, docentes e
funcionários;
Aumento do sucesso educativo;
Para efectivar o direito de participação das crianças, é necessário educá-las nesse
sentido, o que envolve o desenvolvimento de competências sociais, comunicacionais e
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do espírito crítico, bem como proporcionar oportunidades para que as crianças possam
praticar e desenvolver essas competências.
Para este efeito, torna-se necessário que as escolas reconsiderem as suas práticas em
relação à participação dos alunos e que os professores se envolvam na reavaliação do
seu papel.
Referindo-se ao papel dos professores, Holden e Clough (2005) salientam que “
There are implications for teachers in terms of the values they hold, the freedom and
autonomy they give their pupils, and the choices they make within the curriculum” (p.
16).
Para Lansdown (1998), as escolas e os governos, ao ignorarem as opiniões dos
alunos, estão a violar o direito de participação previsto na Convenção sobre os Direitos
da Criança.
Refere ainda a autora que os alunos podem contribuir, com as suas opiniões, com a
sua experiência e com a sua criatividade, para a elaboração dos programas escolares. De
facto, os programas escolares, ao serem elaborados pelos governos, não deixam margem
para a introdução de novas ideias que os alunos expressam nas aulas, nem para
introduzir temas sobre os quais eles gostariam de obter respostas.
Atendendo ao descontentamento e desinteresse pela escola, manifestado pelos
alunos em todo o mundo, e ao aumento das taxas de abandono escolar, os governos
deviam procurar a colaboração dos alunos na elaboração dos programas escolares.
Salienta, ainda, aquela autora, que os alunos deviam participar nos debates sobre os
efeitos das políticas educativas dos governos e nas estratégias a adoptar para a obtenção
de uma maior eficácia na escolarização dos alunos. E salienta a existência, em certos
países europeus, de redes regionais de estudantes que têm um papel importante no
contributo que dão ao governo, sobre as questões educativas, ao transmitir-lhes o ponto
de vista dos alunos sobre diversas questões. Também nas escolas existem estruturas
democráticas onde os alunos podem discutir os seus pontos de vista.
A mesma autora realça o exemplo da Áustria, onde se tem dado grande importância
à contribuição das crianças, criando legislação que atribui aos alunos, o direito de
participarem activamente no funcionamento das escolas. Os alunos têm direito a
participar na organização das aulas, na selecção dos materiais didácticos, na redacção de
revistas escolares, nas visitas a instituições públicas e na escolha das personalidades
convidadas a efectuarem conferências na escola. Também, criaram a Assembleia de
Representantes de Alunos, onde participam os representantes de cada turma, para
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discutir as diversas questões que são de interesse para os alunos. Também os alunos
elegem os membros dos órgãos de gestão das escolas. Os alunos intervêm nas reuniões
em que se decide a aplicação de sanções disciplinares aos alunos, tais como a expulsão e
transferência de escola. No final do ano escolar, os representantes das escolas de cada
região elegem uma Representação Provincial de Alunos para o ano escolar seguinte.
Esta organização representa os interesses dos alunos de cada região, perante as
autoridades escolares, a inspecção e o parlamento. Dão, assim, um importante
contributo, dando pareceres sobre questões muito importantes em matéria de educação e
ensino, formulando recomendações sobre anteprojectos de lei, apresentando pedidos,
formulando queixas e contribuindo para a planificação e organização das actividades
educativas.
Por outro lado, também, refere aquela autora que “ La organización de las escuelas
y las estructuras que en ellas se ocupan de tomar decisiones por lo general son
jerárquicas, formales y poco democráticas” (p. 62).
Constata-se, assim, que a forma de organização das escolas leva, na maioria dos
casos, a que os alunos não sejam ouvidos, não se tendo em conta as suas opiniões nas
decisões que são tomadas. Ora, a Convenção sobre os Direitos da Criança obriga os
governos a adoptar legislação que preveja a adopção de estruturas democráticas dentro
das escolas, criando oportunidades para que os alunos possam manifestar as suas
opiniões e intervenham nas decisões que são tomadas. Acresce que “ es necesario que
existan estructuras democráticas tales como hors de debate, consejos escolares y
mecanismos de representación en los organismos administrativos, de manera que se
asegure la participación activa de los niños” (p. 62).
Lansdown realça também que, no entanto, deve assegurar-se que essas estruturas,
em que os alunos participam, tenham um poder real de intervenção, pois a maior parte
das vezes, são inúteis e não têm um poder efectivo, pois não exercem qualquer
influência nas decisões que são tomadas no seio da escola.
Os alunos, também, deviam participar na elaboração das normas de funcionamento e
disciplina da escola. Salienta Lansdown (1998) que é necessário estabelecer um
ambiente democrático dentro da escola, onde os alunos sintam que se respeita o valor da
justiça. Assim, para a autora, as regras devem aplicar-se de igual modo para todos,
sejam para adultos ou para as crianças e os comportamentos que sejam proibidos às
crianças, não devem ser permitidos aos adultos. Só assim, se pode criar um ambiente
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democrático dentro da escola. Por outro lado, na aplicação de sanções disciplinares,
deve ser dada sempre a possibilidade de o aluno ser ouvido.
No que respeita aos métodos de ensino-aprendizagem utilizados pelos professores, a
autora refere que, tradicionalmente, o ensino é um processo unidirecional e não
interactivo, sendo um condicionalismo, pois os alunos são dissuadidos de fazer
perguntas e de manifestarem a sua curiosidade.
Nesta perspectiva a autora propõe que:
…hace falta que se consulte a los niños, invitándolos a tomar parte en la exploración de métodos didácticos eficaces, sino que además debería hacerse un esfuerzo por crear en la clase una atmósfera en la cual se aliente a los niños a ser curiosos, a discutir, a desafiar, a ser creativos, a buscar y descubrir, a ser escuchados y respetados. (p. 65)
Torna-se, assim, necessário os governos e os agentes educativos empenharem-se no
desenvolvimento de um modelo educativo mais participativo, contribuindo para o
desenvolvimento de escolas mais eficazes, centradas nas crianças, respeitando o espírito
da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989.
4. Conclusões gerais do estudo
Na investigação por nós desenvolvida numa escola secundária do concelho de
Odivelas, concluiu-se que os professores desta escola adoptam métodos de ensino-
aprendizagem interactivos, o que se verifica, principalmente, nas disciplinas da área das
Ciências Humanas.
Também no que se refere aos níveis de participação nos processos de decisão,
concluiu-se que o direito dos alunos à informação se circunscreve à informação que lhes
é transmitida relativamente a determinados aspectos como o plano do seu curso, o
programa e os objectivos de cada disciplina, os processos e critérios de avaliação, as
normas de utilização e de segurança dos materiais e equipamentos na escola e o
funcionamento de algumas instalações, como o Centro de Recursos e os laboratórios.
Contudo, não é assegurado aos alunos o direito de lhes ser prestada toda a
informação necessária, para poderem expressar as suas opiniões sobre os assuntos que
14
são discutidos nas reuniões da Assembleia de Escola, do Conselho Pedagógico e da
Assembleia de Ano.
Relativamente ao direito dos alunos a expressarem uma opinião informada, o mesmo
não é concretizado, designadamente no que diz respeito à orientação educativa da
escola, expressa no Projecto Educativo. O mesmo acontece no que diz respeito ao
direito de voto que os representantes dos alunos têm nas eleições para o Conselho
Executivo, em que a maioria dos seus representantes revelou não votar, por considerar
não ser devidamente informado.
Contudo, o direito dos alunos a expressarem as suas opiniões é concretizado, através
das críticas que os mesmos costumam fazer ao funcionamento da escola, bem como
através das sugestões alternativas que costumam apresentar, embora neste caso, já não
de uma maneira tão expressiva. Também os alunos são ouvidos em todos os assuntos
que os afectam e lhes dizem respeito, pelo director de turma e pelos professores, o
mesmo já não se verificando com o Conselho Executivo.
Concluiu-se, também, que o direito dos alunos a conseguirem que as suas opiniões
sejam tomadas em consideração, não é respeitado pelos orgãos de administração e
gestão, relativamente às sugestões alternativas que costumam apresentar ao
funcionamento da escola, o mesmo ocorrendo com as opiniões dos alunos expressas nas
reuniões da Assembleia de Escola e da Assembleia de Ano.
Já quanto ao direito de serem corresponsáveis na tomada de decisões, isso só
acontece nas reuniões dos Conselhos de Turma, em que os representantes dos alunos
participam activamente, não ocorrendo o mesmo noutros órgãos de decisão importantes,
como nas reuniões da Assembleia de Escola, do Conselho Pedagógico e da Assembleia
de Ano.
Finalmente, concluiu-se que o direito de participação dos alunos é assegurado a
nível micro, na sala de aula e no Conselho de Turma, assim como nos assuntos que
dizem respeito ao aluno, a título individual e a nível de grupo-turma. Já quanto à
participação dos alunos a nível meso, a mesma é restrita ao direito à informação e à
expressão de opiniões relativa às regras de funcionamento da escola, mas já não a nível
de organização educativa, sendo que essas opiniões não são tidas em consideração pelos
orgãos de administração e gestão. Também a corresponsabilização pela tomada de
decisões só ocorre a nível de Conselho de Turma e não a nível dos orgãos de
administração e gestão da escola, não sendo facultadas as informações necessárias para
os alunos expressarem as suas opiniões de uma forma esclarecida.
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Em suma, as competências de participação dos alunos, essenciais para tornar os
jovens mais capazes e autónomos, não estão a ser devidamente estimuladas, sobretudo
pelos responsáveis dos orgãos de administração e gestão da escola, o que não contribui
para o desenvolvimento da sua personalidade.
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Verheyde, M. (2006). A Commentary on the United Nations Convention on the Rights of the Child. Article 28, The Right to Education. Leiden, Boston: Martinus Nijhoff Publishers.
Notas sobre as Autoras
(1) Licenciada em Direito, pela Universidade Católica Portuguesa e Mestre em
Administração e Gestão Educacional, pela Universidade Aberta, com a dissertação sob
o tema “ Os Direitos do Aluno em Contexto Escolar. Um estudo numa escola
secundária no concelho de Odivelas”, defendida em 2007. Presentemente é doutoranda
em Ciências da Educação, na Especialidade de Gestão Educacional, com a tese sob o
tema “ Direitos do Aluno em Contexto Escolar. Um Estudo Comparado Entre o Ensino
Público e Privado no Concelho de Lisboa”, sob a orientação da Professora Doutora
Lídia da Conceição Grave-Resendes. (filomena-sobral@clix.pt)
(2) Doutorada em 1989, pela Universidade de Boston em Educação. É Professora
Associada na Universidade Aberta e Coordenadora do Mestrado em Administração e
Gestão Educacional onde lecciona as disciplinas de Problemáticas Educativas
Contemporâneas, Gestão Escolar e Liderança e Inovação Pedagógica. Na mesma
universidade lecciona no Mestrado em Relações Interculturais a disciplina de Educação
para a Diversidade. (lidiagr@univ-ab.pt)
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