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Parecer nº 7/1999
Data da votação: 24-06-1999
Conclusões:
1ª A Lei das Autarquias Locais (LAL) impõe a venda em hasta pública dos bens imóveis
pertencentes à freguesia ou ao município, independentemente do valor, quando a alienação
decorra da execução do plano de actividades da autarquia e a deliberação da junta ou da
câmara, consoante o caso, seja aprovada por maioria de dois terços dos membros em
efectividade de funções artigos 27º, nº 1, alínea j), e 51º, nº 1, alínea e);
2ª Devem igualmente ser vendidos em hasta pública os bens imóveis cujo valor não exceda
os 2500 (no caso da junta de freguesia) ou os 25000 contos (no da câmara municipal)
artigos 27º, nº 1, alíneas i) e j), e 51º, nº 1, alíneas d) e e), da LAL;
3ª Estando em causa bens imóveis de valor superior a 2500 ou a 25000 contos, a
assembleia de freguesia ou a assembleia municipal, respectivamente, ao autorizarem a
alienação, fixarão as respectivas condições gerais, podendo determinar que a venda seja
efectuada com recurso à hasta pública artigos 15º, nº 1, alínea o), e 39º, nº 2, alínea i), da
LAL;
4ª Sempre que a venda de bens imóveis não tiver de ser feita em hasta pública, os órgãos
autárquicos competentes deverão optar pela modalidade de venda que melhor satisfaça a
prossecução dos interesses próprios das populações respectivas artigo 235º, nº 2, alínea c),
da Constituição, no estrito respeito pelos princípios que regem a actividade administrativa –
prossecução do interesse público, respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos
dos cidadãos, legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé
(artigos 266º da Constituição, 4º, 6º e 6º-A do Código do Procedimento Administrativo);
5ª A venda de bens imóveis pelas autarquias locais deve ser celebrada por escritura pública.
Senhor Secretário de Estado da Administração Local
e Ordenamento do Território,
Excelência:
1.
No seguimento de sugestão da Auditoria Jurídica do Ministério do Equipamento, do
Planeamento e da Administração do Território, dignou-se Vossa Excelência colocar à
consideração do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República as seguintes
questões:
1ª A venda dos bens imóveis das autarquias apenas pode ser efectuada por arrematação
em hasta pública?
2ª Qual «a forma que devem revestir as transmissões para particulares, de bens próprios
imobiliários dos órgãos autárquicos, por hasta pública, nomeadamente por força do
preceituado na alínea j) do nº 1 do artº 27º da LAL (Lei das Autarquias Locais – Decreto-Lei
nº 100/84, de 29 de Março)»?
Cumpre emitir parecer ([1]).
2.
Ao nível da estrutura organizativa democrática do Estado, o artigo 6º, nº 1, da Constituição
consagra um princípio constitucional geral – o princípio de que o Estado é unitário -, e, entre
outros, o princípio da autonomia local, que implica a existência de autarquias locais,
«pessoas colectivas territoriais, dotadas de órgãos representativos, que visam a
prossecução de interesses próprios das populações respectivas» (artigo 235º, nº 2, da
Constituição); as autarquias locais são, no continente, as freguesias, os municípios e as
regiões administrativas e, nas regiões autónomas, os municípios e as freguesias [artigos
236º da Constituição e 1º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, diploma vulgarmente
conhecido por Lei das Autarquias Locais – LAL –, sigla que, doravante, passaremos a
utilizar ([2])].
A autonomia local é um conceito dinâmico, revestindo «uma tendência expansiva que
apenas é limitada por razões de eficácia administrativa. A administração local autónoma
está presente onde estejam interesses próprios dos respectivos habitantes, embora se
aceite que, para certos assuntos, lhes caiba não o poder de decisão, mas apenas um poder
de participação ou consulta de intensidade variável» ([3]); além disso, não é incompatível
com a existência, sobre as autarquias, de tutela administrativa, a qual «consiste na
verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos
e segundo as formas previstas na lei» (artigo 242º, nº 1, da Constituição) ([4]).
A inexistência de regiões administrativas, o papel pouco significativo desempenhado pelas
freguesias no conjunto da nossa Administração Pública e o lastro histórico do municipalismo
em Portugal erigem o município em paradigma do poder local - «Em certo sentido, falar de
poder local é falar de poder municipal» ([5]).
As autarquias locais detêm um conjunto de poderes constitucionalmente garantidos – o
poder de dispor de órgãos próprios eleitos democraticamente (artigos 235º e 239º), o poder
de exercer sob responsabilidade própria tarefas adequadas à satisfação das necessidades
e interesses próprios das populações respectivas (artigo 235º), o poder regulamentar (artigo
241º) e o de dispor de património e finanças próprios (artigo 238º, tal como os anteriores, da
Constituição).
O princípio da autonomia local das autarquias requer, entre outras coisas, que estas
«disponham de meios financeiros suficientes (para o desempenho das atribuições de que
são constitucional ou legalmente incumbidas) e autónomos (a fim de o exercício de
competências e atribuições não ficar dependente dos meios financeiros do poder central,
como comparticipações, subsídios, etc.) e que gozem de autonomia na gestão desses
meios (autonomia financeira)» ([6]).
A Lei nº 42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais), estabelece no nº 3 do artigo 2º
que a autonomia financeira dos municípios e das freguesias assenta, designadamente, nos
seguintes poderes dos seus órgãos:
«a) Elaborar, aprovar e modificar as opções do plano, orçamentos e outros documentos
previsionais;
b) Elaborar e aprovar os documentos de prestação de contas;
c) Arrecadar e dispor de receitas que por lei lhes forem destinadas e ordenar e processar as
despesas legalmente autorizadas;
d) Gerir o seu património, bem como aquele que lhes for afecto.»
As autarquias têm, portanto, património próprio, isto é, «gozam de capacidade para adquirir
e fruir de bens, móveis ou imóveis (autonomia patrimonial). O património tanto pode incluir
bens sujeitos ao domínio privado como ao domínio público (bens do domínio público das
autarquias).» ([7])
E têm as autarquias, entre outras, competência para gerir e administrar o seu património
(cfr. artigos 15º, 27º, 39º e 51º da LAL).
Numa acepção objectiva, entende-se por domínio público o conjunto das coisas que,
pertencendo ao Estado, às regiões autónomas ou às autarquias locais [artigo 84, nº 2, da
Constituição ([8])], «são submetidas por lei, dado o fim de utilidade pública a que se
encontram afectadas, a um regime jurídico especial caracterizado fundamentalmente pela
sua incomerciabilidade, em ordem a preservar a produção dessa utilidade pública» ([9]).
Estes bens, por integrarem o domínio público, consideram-se fora do comércio e não podem
ser objecto de direitos privados (artigo 202º, nº 2, do Código Civil).
A par dos bens integrados no seu domínio público, os entes públicos territoriais possuem
igualmente um domínio privado, integrado pelos «bens que, por não se encontrarem
integrados no domínio público, estão, em princípio, sujeitos ao regime de propriedade
estatuído na lei civil e, consequentemente, submetidos ao comércio jurídico
correspondente»; os bens do domínio privado costumam ser classificados em bens do
domínio privado disponível ou do património financeiro e bens do domínio privado
indisponível ou do património administrativo (os bens desta segunda categoria – a que
pertencem os indispensáveis ao funcionamento dos serviços públicos – estão sujeitos a um
regime que os aproxima dos bens do domínio público) ([10]) ([11]).
Podemos agora precisar o objecto da consulta - os bens imóveis a que se reportam as
questões postas à consideração do Conselho Consultivo fazem parte do domínio privado
disponível ou património financeiro das autarquias locais.
3.
Comecemos por referir o actual enquadramento legislativo das questões suscitadas, com
menção, enquanto subsídios para a sua melhor interpretação, dos respectivos antecedentes
próximos.
3.1. Na LAL estabelece-se, designadamente, quanto às competências da assembleia de
freguesia e da junta de freguesia:
«Artigo 15º
(Competência)
1 – Compete à assembleia de freguesia:
(...)
o) Autorizar a junta de freguesia a adquirir, alienar ou onerar bens imóveis de valor superior
a 2500 contos, fixando as respectivas condições gerais, podendo determinar,
nomeadamente, o recurso a hasta pública;
(...)
2 (...)
3 (...)
4 (...)»
«Artigo 27º
(Competência)
1 – Compete à junta de freguesia:
(...)
i) Adquirir os bens móveis necessários ao funcionamento regular dos serviços e alienar os
que se tornem dispensáveis, bem como, mediante autorização da assembleia de freguesia,
quando for caso disso, adquirir, alienar ou onerar bens imóveis;
j) Alienar em hasta pública independentemente de autorização da assembleia de freguesia,
bens imóveis, ainda que de valor superior ao estabelecido na alínea o) do nº 1 do artigo 15º,
desde que tal alienação decorra da execução do plano de actividades e a respectiva
deliberação seja aprovada por maioria de dois terços dos membros da junta em efectividade
de funções;
(...)
2 – A alienação de bens e valores artísticos do património da freguesia será objecto de
legislação especial.»
Quanto às competências da assembleia municipal e da câmara municipal, a LAL, no que
interessa realçar, prescreve:
«Artigo 39º
(Competência)
1 – Compete à assembleia municipal:
(...)
2 – Compete ainda à assembleia municipal, sob proposta ou pedido de autorização da
câmara:
(...)
i) Autorizar a câmara municipal a adquirir, alienar ou onerar bens imóveis de valor superior a
25000 contos, fixando as respectivas condições gerais, podendo determinar,
nomeadamente, o recurso à hasta pública, bem como bens ou valores artísticos do
município, independentemente do seu valor, sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 51º;
(...)
3 (...)
4 (...)»
«Artigo 51º
(Competência)
1 – Compete à câmara municipal, no âmbito da organização e funcionamento dos seus
serviços, bem como no da gestão corrente:
(...)
d) Adquirir os bens móveis necessários ao funcionamento regular dos serviços e alienar os
que se tornem dispensáveis, bem como, mediante autorização da assembleia municipal,
quando for caso disso, adquirir, alienar ou onerar bens imóveis;
e) Alienar em hasta pública, independentemente de autorização da assembleia municipal,
bens imóveis, ainda que de valor superior ao estabelecido na alínea i) do nº 2 do artigo 39º,
desde que tal alienação decorra da execução do plano de actividades e a respectiva
deliberação seja aprovada por maioria de dois terços dos membros da câmara municipal em
efectividade de funções;
(...)
2 (...)
3 (...)
4 (...)
5 – A alienação de bens e valores artísticos do património do município será objecto de
legislação especial.» ([12])
Finalmente, o artigo 87º da LAL, sob a epígrafe «Alvarás», dispõe:
«Salvo se a lei prescrever forma especial, o título dos direitos conferidos aos particulares,
investindo-os em situações jurídicas duradouras, por deliberação dos órgãos das autarquias
locais ou decisão dos seus titulares, será um alvará expedido pelo respectivo presidente.»
([13])
3.2. Agora as disposições do Código do Notariado em vigor ([14]):
Os artigos 80º e 81º constituem a secção I («Escrituras públicas em geral») do capítulo II
(«Actos Notariais em especial») do título II («Dos actos notariais») do actual Código do
Notariado e estabelecem, nomeadamente:
«Artigo 80º
(Exigência de escritura)
1 – Celebram-se, em geral, por escritura pública, os actos que importem reconhecimento,
constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade,
usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão sobre coisas imóveis.
2 – Devem especialmente celebrar-se por escritura pública:
a) As justificações notariais;
b) Os actos que importem revogação, rectificação ou alteração de negócios que, por força
da lei ou por vontade das partes, tenham sido celebrados por escritura pública, sem prejuízo
do disposto nos artigos 221º e 222º do Código Civil;
c) Os actos de constituição, alteração e distrate de consignação de rendimentos e de
fixação ou alteração de prestações mensais de alimentos, quando onerem coisas imóveis;
d) As habilitações de herdeiros e os actos de alienação, repúdio e renúncia de herança ou
legado, de que façam parte coisas imóveis;
e) Os actos de constituição, dissolução e liquidação de sociedades comerciais, sociedades
civis sob a forma comercial e sociedades civis das quais façam parte bens imóveis, bem
como os actos de alteração dos respectivos contratos sociais;
f) Os actos de constituição de associações e de fundações, bem como os respectivos
estatutos e suas alterações;
g) Os actos de constituição, de modificação e de distrate de hipotecas, a cessão destas ou
do grau de prioridade do seu registo e a cessão ou penhor de créditos hipotecários;
h) A divisão, a cessão e o penhor de participações sociais em sociedades por quotas, bem
como noutras sociedades das quais façam parte coisas imóveis, com excepção das
anónimas;
i) O contrato-promessa de alienação ou oneração de coisas imóveis ou móveis sujeitas a
registo e o pacto de preferência respeitante a bens da mesma espécie, quando as partes
lhes queiram atribuir eficácia real;
j) As divisões de coisa comum e as partilhas de patrimónios hereditários, societários ou
outros patrimónios comuns de que façam parte coisas imóveis;
l) O arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal e os arrendamentos sujeitos
a registo;
m) O trespasse e a locação de estabelecimento comercial e industrial.»
«Artigo 81º
(Legislação especial)
São praticados nos termos da legislação especial respectiva:
a) Os actos em que intervenham como outorgantes pessoas colectivas de direito público ou
qualquer outra entidade pública;
b) Os actos entre as caixas de crédito agrícola mútuo e os seus sócios;
c) Os actos a que se refere o Decreto-Lei nº 32765, de 29 de Abril de 1943;
d) Os actos a que se refere o Decreto-Lei nº255/93, de 15 de Julho;
e) Os actos a que se refere o Decreto-Lei nº 267/93, de 31 de Julho;
f) Outros actos regulados na lei.» ([15]) ([16]) 4.
No processo civil executivo, antes da reforma de 1995/96 ([17]), a venda judicial dos bens
penhorados era normalmente feita por arrematação em hasta pública, salvo se, em casos
contados, se decidisse que fosse feita por meio de propostas em carta fechada (artigos
883º, nº1, e 889º do Código de Processo Civil).
Considerava-se que aquela modalidade de venda inspirava mais confiança, por impedir
«eventuais conluios entre vendedores e adquirentes» ([18]), tal como propiciava uma «maior
eficiência normal dos seus resultados, tanto pelo acesso ilimitado dos interessados até ao
momento da venda, como pela posição mais favorável de que beneficiam» ([19]).
Antes (artigo 883º, nº 2), como depois da reforma (artigo 886º, nº 3), a venda pode ainda ser
feita extrajudicialmente, revestindo então as formas de venda em bolsas de capitais ou de
mercadorias, venda directa a entidades que tenham direito a adquirir determinados bens,
venda por negociação particular e venda em estabelecimento de leilões.
Presentemente, a venda judicial dos bens nas execuções é efectuada por meio de
propostas em carta fechada (artigo 889, nº 1, do Código de Processo Civil).
A viragem é assim justificada na exposição de motivos da reforma, constante do Decreto-Lei
nº 329-A/95:
«No que se reporta à venda de bens penhorados – para além de se ampliarem e
flexibilizarem as situações em que é possível proceder às diversas modalidades de venda
extrajudicial -, estabelece-se como forma de venda judicial a venda mediante propostas em
carta fechada, inspirada no regime já em vigor no Código de Processo Tributário,
eliminando-se – por razões que obviamente se prendem com a indispensável “moralização”
e transparência da acção executiva, nesta fase essencial – a arrematação em hasta pública
(...)»
Mais incisivo, LEBRE DE FREITAS refere, a este propósito, que «o legislador visou (...)
acabar com os frequentes conluios entre os concorrentes à hasta pública, substituindo a
venda por arrematação pela venda por propostas em carta fechada» ([20]).
5.
Posto isto, procuremos a resposta para a primeira questão.
5.1. De acordo com o disposto nos artigos 15º, nº 1, alínea o, e 27º, nº 1, alíneas i) e j), da
LAL, compete à junta de freguesia, no domínio da gestão do seu património imobiliário
([21]):
i) alienar, sem necessidade de autorização da assembleia de freguesia, bens imóveis de
valor inferior a 2500 contos [artigos 15º, nº 1, alínea o), e 27º, nº 1, alínea i), 2ª parte];
ii) alienar em hasta pública, independentemente de autorização da assembleia de freguesia,
bens imóveis, ainda que de valor superior a 2500 contos, deste que tal alienação decorra da
execução do plano de actividades e a respectiva deliberação seja aprovada por maioria de
dois terços dos membros da junta em efectividade de funções [artigos 15º, nº 1, alínea o), e
27º, nº 1, alínea j)];
iii) alienar bens imóveis de valor superior a 2500 contos, mediante autorização da
assembleia de freguesia, que fixará as condições gerais, «podendo determinar,
nomeadamente, o recurso à hasta pública» [artigos 15º, nº 1, alínea o)].
Regime idêntico é aplicável à câmara municipal, à qual compete, nos termos do disposto
nos artigos 39º, nº 2, alínea i), e 51º, nº 1, alíneas d) e e), da LAL:
iv) alienar, sem necessidade de autorização da assembleia municipal, bens imóveis de valor
inferior a 25000 contos [artigo 39º, nº 2, alínea i), e 51º, nº 1, alínea d), 2ª parte];
v) alienar em hasta pública, independentemente de autorização da assembleia municipal,
bens imóveis, ainda que de valor superior a 25000 contos, deste que tal alienação decorra
da execução do plano de actividades e a respectiva deliberação seja aprovada por maioria
de dois terços dos membros da câmara municipal em efectividade de funções [artigo 51º, nº
1, alínea e)];
vi) alienar bens imóveis de valor superior a 25000 contos, mediante autorização da
assembleia municipal, que fixará as condições gerais «podendo determinar,
nomeadamente, o recurso à hasta pública» [alínea i) do nº 2 do artigo 39º].
Nos casos referidos em i) e iv) – venda pela junta ou pela câmara de bens imóveis de valor
inferior a 2500 e 25000 contos, respectivamente, como nem a alínea i) do nº 1 do artigo 27º,
nem a alínea d) do nº 1 do artigo 51º fazem referência à modalidade de venda, tem-se
entendido que a alienação deverá ser feita por hasta pública, por virtude do carácter
abrangente das alíneas subsequentes dos mesmos números e artigos; isto é, a modalidade
de venda prevista nestas alíneas – a hasta pública –, recobre igualmente as alienações
previstas naquelas, assim se preservando a harmonia e a coerência do sistema.
Acresce que, se o legislador entendeu optar pela hasta pública nos casos em que,
independentemente do valor do imóvel, a alienação decorre da execução do plano de
actividades da autarquia, por maioria de razão se deverá exigir a hasta pública quando as
vendas não foram sequer previstas no plano de actividades.
Vai no sentido desta solução a doutrina mais recente e autorizada que se pronunciou sobre
esta matéria.
Assim, quanto à junta de freguesia, em comentário à alínea j) do nº 1 do artigo 27º –
disposição homóloga da alínea e) do 1 do artigo 51º, ambos da LAL – já se afirmou:
«A forma como tal alínea está redigida leva a entender que nestes casos, a hasta pública é
obrigatória qualquer que seja o valor atribuído aos bens a alienar, mas, se de valor superior
a 2500 contos só se tal alienação decorre da execução do plano de actividade aprovado e
não haja expressa deliberação da assembleia.» ([22])
E quanto ao regime de alienação de imóveis constante da LAL, com menção expressa das
normas referentes ao município, ainda mais recentemente, defendeu-se:
«Quanto à alienação dos imóveis das autarquias locais dispõem o art. 39º e o art. 51º da
LAL, em termos coincidentes com o que vimos acima a propósito da aquisição, por elas,
dessa espécie de bens.
«A única particularidade a assinalar é que a alienação se fará sempre através de hasta
pública, quando a decisão de alienar pertença exclusivamente à Câmara Municipal – à
revelia, portanto, de autorização específica da respectiva Assembleia e qualquer que seja o
valor do bem – nos termos referidos na alínea e) do nº 1 do art. 51º desse diploma.» ([23])
Perante o exposto, é possível concluir que a lei impõe a venda em hasta pública de bens
imóveis pertencentes à freguesia ou ao município, independentemente do valor, quer
quando a alienação decorra da execução do plano de actividades da autarquia e a
deliberação da junta ou da câmara, consoante o caso, seja aprovada por maioria de dois
terços dos membros em efectividade de funções, quer nos demais casos em que o valor
dos bens não excede os 2500 (no caso da freguesia) ou os 25000 contos (no do município).
Estando em causa bens de valor superior a 2500 ou a 25000, a assembleia de freguesia ou
a assembleia municipal, respectivamente, ao autorizarem a alienação, fixarão as
respectivas condições gerais, podendo determinar que a venda seja efectuada,
nomeadamente, com recurso à hasta pública.
A referência exemplificativa à hasta pública (nomeadamente) e o carácter facultativo da sua
utilização(podendo) levam-nos a admitir que não existia (nem existe) obstáculo legal a que
os órgãos colegiais autárquicos optem, antes como agora, pela venda por propostas em
carta fechada em vez da hasta pública.
Sempre que a venda de bens imóveis não tiver legalmente de ser feita em hasta pública, os
órgãos autárquicos competentes deverão optar pela modalidade de venda que melhor
satisfaça a prossecução dos interesses próprios das populações respectivas [artigo 235º, nº
2, alínea c), da Constituição], no estrito respeito pelos princípios que regem a actividade
administrativa – prossecução do interesse público, respeito pelos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos, legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça,
imparcialidade e boa fé (artigos 266º da Constituição, e 4º, 6º e 6º-A do Código do
Procedimento Administrativo) ([24]).
5.2. No seu conjunto, este quadro enferma de alguma rigidez, traduzida, ademais, na
prevalência de uma modalidade de venda – a hasta pública – que a lei processual civil
acaba de afastar em nome da moralização e da transparência da acção executiva.A
atenuação da aura de que, nesta matéria, gozava a venda por arrematação em hasta
pública ajuda-nos a compreender a preocupação da Auditoria Jurídica no sentido de se
proceder à adequação da legislação autárquica às alterações legislativas verificadas no
processo civil.
Na verdade, o campo de imposição legal da hasta pública deixa aos órgãos autárquicos
uma reduzida margem de recurso a outras modalidades de venda, designadamente à venda
por propostas em carta fechada, que a assembleia de freguesia ou a assembleia municipal
apenas podem impor como modalidade de venda quando o valor dos bens imóveis
ultrapasse os 2500 ou 25000 contos, respectivamente.
Assim, o actual reconhecimento legislativo das vantagens da transparência da venda por
propostas em carta fechada, preferida face à venda por arrematação em hasta pública,
constitui motivo de ponderação do alargamento da sua consagração prioritária ou da
flexibilização da sua utilização no domínio da legislação autárquica. Podê-lo-ão reclamar,
numa perspectiva axiológica, as suas anunciadas vantagens, numa perspectiva sistémica, a
coerência e harmonia do ordenamento jurídico e, numa óptica de política legislativa, o
alargamento do campo de afirmação do princípio da autonomia das autarquias locais num
domínio que tem essencialmente a ver com o equipamento social – v. g., habitações sociais
e estruturas de apoio à infância e à terceira idade – áreas onde existe uma tendência para
confiar às autarquias locais um papel cada vez mais relevante ([25]).
6.
Abra-se um parêntesis para se questionar se a reforma do processo civil de 1995/96 não
será susceptível de perturbar o teor das conclusões acabadas de alcançar.
Justifiquemos a pergunta e procuremos responder-lhe.
Quando afirmámos que a venda judicial dos bens nas execuções é agora efectuada por
meio de propostas em carta fechada (artigo 889, nº 1, do Código de Processo Civil),
dissemos também que a reforma, por razões de moralização e transparência da acção
executiva, eliminou do Código a venda por arrematação em hasta pública.
A LAL, quando refere como modalidade de venda a hasta pública, não desenvolve nem
explicita o regime desta; tal explicitação também não consta de forma sistemática do direito
administrativo, sem embargo de, na jurisprudência, encontrarmos referências dispersas à
definição pontual das condições gerais da hasta pública para uma determinada alienação,
feita, no uso das suas competências, pelos órgãos autárquicos que as promovem ([26]).
Assim, quando os artigos 15º, nº 1, alínea o), 27º, nº 1, alínea j), 39º, nº 2, alínea i), e 51º, nº
1, alínea e), da LAL se fala em alienação em hasta pública está-se, na falta de outras
disposições, a remeter para o que, sobre tal matéria dispõe (recte, dispunha) o Código de
Processo Civil, o que aliás, era expressamente reconhecido, por ex., por entidades ligadas
ao exercício de funções tutelares sobre as autarquias locais:
«A venda em hasta pública é (...) uma forma específica de alienação, mas implicando actos
que a colocam num plano distinto da venda pura e simples. A hasta pública mais não é que
uma maneira solene de acordar o preço e escolher o comprador, caracterizando-se pela
publicidade e oficialidade conferidas aos actos, é efectuada em sessão pública aberta a
todos os cidadãos, avisados por editais, e que se podem candidatar ao “negócio” em
igualdade de posições (com excepção dos casos de preferência gerais próprios de certos
bens e certos indivíduos).
«Basta aliás ponderar os preceitos que no Código de Processo Civil regulam toda a matéria
respeitante à venda judicial (...), referência obrigatória na falta de regras específicas
vigentes nesta matéria para as autarquias locais.» ([27])
As referidas normas da LAL, na dimensão agora em destaque, assumem, portanto, a
natureza de normas remissivas, de remissão ou indirectas – normas em que o legislador,
«em vez de regular directamente a questão de direito em causa, lhe manda aplicar outras
normas do seu sistema jurídico, contidas no mesmo ou noutro diploma legal» ([28]).
«As normas remissivas constituem um instrumento de técnica legislativa a que se recorre
com frequência e que tem cabimento sempre que um dado facto ou instituto jurídico possui
já uma disciplina jurídica própria e o legislador quer que essa disciplina se aplique também a
outro facto ou instituto. Para tal efeito, elabora então uma norma em que declara que as
relações jurídicas que a este último respeitam se regulam (mutatis mutandis) pelas normas
que integram o regime jurídico do primeiro.» ([29])
Na taxinomia das normas de remissão, esta diz-se estática ou material quando é feita para
certa norma, em atenção ao seu conteúdo; a remissão diz-se dinâmica ou formal quando é
feita para certa norma, em atenção apenas ao facto de ser aquela que em certo momento,
regula determinada matéria, aceitando-se o conteúdo, ainda que posteriormente alterado,
da norma remitida ([30]) ([31]).
Quando na LAL se fala em hasta pública, cremos encontrar-nos, em princípio, perante uma
remissão dinâmica, feita para as normas, qualquer que seja o seu conteúdo no decurso do
tempo, do diploma – o Código de Processo Civil –, que regula tal modalidade de venda.
Por regra, a remissão legal é dinâmica ou formal; depõem neste sentido as razões de fundo
que justificam a existência de normas remissivas - a economia de textos e a igualdade de
institutos e soluções ([32]).
A circunstância de num dado momento – o da reforma do processo civil de 1995/96 –, a
hasta pública ter deixado de figurar naquele diploma, não esvazia a remissão nem permite
que, pela via da interpretação abrogante ou correctiva das normas da LAL que referem a
hasta pública, se considere que a remissão passa a ser feita para as normas do Código de
Processo Civil que regulam a agora considerada modalidade-regra, a venda por propostas
em carta fechada.
Não se mostra que o legislador processual civil haja tido o propósito de banir da ordem
jurídica portuguesa a venda por arrematação em hasta pública, que aliás, continua a ser
consagrada noutros domínios e ramos do direito.
Na verdade, para a alienação de imóveis do Estado, o Decreto-Lei nº 309/89, de 19 de
Setembro (como antes o Decreto-Lei nº 309/83, de 1 de Julho), estabelece o regime da
hasta pública, que não é, em qualquer dos diplomas, objecto de regulamentação ([33]).
Por seu turno, o Código de Processo Tributário ([34]), na versão originária, consagrava a
regra da venda dos bens penhorados por meio de propostas em carta fechada (artigo 321º)
ou, verificada a inexistência de proponentes ou a existência apenas de propostas de valor
inferior ao valor base anunciado, a «venda por uma das modalidades extrajudiciais previstas
no Código de Processo Civil» (artigo 325º, nº1).
Todavia, logo numa das primeiras alterações de que foi objecto (a do Decreto-Lei nº 47/95),
com vista à «flexibilização dos poderes da administração fiscal no processo de execução
fiscal», aditou-se ao artigo 322º um nº 3, do seguinte teor: «Se o chefe da repartição de
finanças entender que é a modalidade mais adequada à natureza dos bens penhorados, a
venda pode efectuar-se por arrematação em hasta pública.» Esta alteração originou naturais
adaptações do texto legislativo e a introdução de uma disposição - o nº 3 do artigo 326º -,
onde se estabelece: «Na arrematação, para além das regras especiais contidas na presente
subsecção, aplicar-se-ão as disposições do Código de Processo Civil.»
Em suma, supressão da hasta pública do Código de Processo Civil significa tão-só que a
mesma deixou de existir como modalidade de venda nos tribunais judiciais, não que tenha
deixado de existir como modalidade de venda simplesmente.
E nestes casos, isto é, quando outros diplomas legais a continuam a consagrar, poderá,
quando for caso disso, continuar a falar-se de remissão para o Código de Processo Civil; a
remissão considera-se então feita para as concretas normas deste Código, que, antes da
reforma de 1995/96, regulavam a venda por arrematação em hasta pública (artigos 889º a
911º); a remissão, por outras palavras, como que se estabilizou naquelas concretas normas;
dir-se-á que, em vez da remissão dinâmica, nos encontramos agora perante uma remissão
estática ([35]).
Em suma, as alterações verificadas no âmbito do processo civil não alteram as conclusões
a que chegámos em 5.1.
7.
Embora em contextos legislativos diferentes do actual, a segunda questão foi já objecto, na
doutrina e na jurisprudência, de respostas desencontradas, cujos termos importa conhecer.
7.1. No parecer nº 105/51 ([36]), o Conselho Consultivo analisou a questão de saber «qual a
forma que devem revestir as transmissões, para particulares, de bens próprios imobiliários
dos corpos administrativos realizadas em hasta pública por força do preceituado no artº
358º e seu § 1º do Código Administrativo»: entendiam algumas «instâncias oficiais que
essas transmissões ficam devidamente tituladas com o auto de arrematação, e que para o
registo da transmissão basta o alvará expedido nos termos do artº 356º daquele Código»;
doutrina contrária sustentava que «também para esta espécie de transmissão de
propriedade imobiliária é indispensável escritura pública».
Ao tempo, o artigo 356º e § 1º do Código Administrativo estabeleciam que, salvo os casos
para que a lei prescrevesse forma especial (§ 1º), o «título dos direitos conferidos aos
particulares por deliberações dos corpos administrativos que os invistam em situações
jurídicas permanentes será um alvará expedido pelos respectivos presidentes» (corpo do
artigo). E o Código do Notariado ([37]) estabelecia no artigo 163º, 1º, o princípio de que só
poderiam provar-se por escritura pública as «transmissões de bens ou direitos imobiliários»;
mas logo no § 1º exceptuava deste princípio, designadamente, (1º) os «actos e contratos
relativos a bens do Estado, município ou freguesia», e (3º) os «actos e contratos regulados
pelas disposições da lei de processo», que «continuarão a praticar-se na forma da
legislação respectiva».
Na articulação das disposições legais citadas, afirmava-se no parecer nº 105/51:
«Aproximando deste preceito [o artigo 356º do Código Administrativo] o artº 163º nº 1 e seu
§ 1º nº 1 do Código do Notariado (...) é fácil verificar que este último diploma remete, em
matéria de transmissão de imobiliários dos corpos administrativos, para a lei administrativa.
«É a esta que temos de nos reportar para saber se há forma especial.
«Note-se que a remissão feita nesta matéria para a lei administrativa não tem, como à
primeira vista poderia parecer, o alcance restrito de em todos os casos manter a exigência
de escritura pública, e de apenas permitir que ela seja lavrada pelo chefe da secretaria da
câmara.
«A excepção é ampla, e se dúvidas houvesse cortava-as de vez o seu nº 3º - actos e
contratos regulados pelas disposições das leis de processo – em que a transmissão de
imobiliários pode ser feita sem escritura pública (v. g. venda judicial em processo de
execução). Também a transmissão de imobiliários do Estado, exceptuada a par daquela que
nos ocupa, está sujeita a forma especial, que em muitos casos dispensa a escritura pública.
«Tudo isto mostra afinal que o título genericamente admitido pelo corpo daquele artº 356º do
Código Administrativo abrange os próprios bens imobiliários, visto que o seu § 1º não lhes é
aplicável.»
Afastada a necessidade de escritura, o parecer afasta também a tese de que a transmissão
se poderia fazer através do título de arrematação, previsto no então artigo 905º, nº 2, do
Código de Processo Civil, acabando por concluir:
«1º - A transmissão de bens imobiliários dos corpos administrativos é titulada por alvará
expedido nos termos do artº 358º [terá querido dizer-se 356º] do Código Administrativo;
2º - O registo dessa transmissão pode efectuar-se com base naquele alvará, desde que
dele constem os elementos necessários para o registo; ou em face de certidão extraída do
auto de arrematação, depois de expedido aquele primeiro documento, e passada com os
requisitos exigidos no artigo 905º do Código de Processo Civil.»
Com fundamentação idêntica, o parecer nº 51/62 ([38]) alarga o âmbito de aplicação do
alvará às transmissões que eram referidas no § 3º do artigo 358º do Código Administrativo,
concluindo: (a) as transmissões de bens imobiliários resultantes de deliberações dos corpos
administrativos, referidas no § 3º do artigo 358º do Código Administrativo, são tituladas por
alvará expedido nos termos do artigo 356º do mesmo Código, sem necessidade de
celebração de escritura pública; (b) o registo dessas transmissões efectua-se com base
naquele alvará, devendo dele constar os elementos necessários para o registo.
Neste parecer, à objecção de que o regime daquele § 3º constituiria uma excepção ao do §
1º, «o que forçaria a lavrar-se escritura pública», em aplicação do regime geral constante do
Código do Notariado, responde-se, com alguma cautela e talvez uma excessiva
preocupação em respeitar o precedente constituído pelo parecer nº 105/51:
«Julgamos, no entanto, mais defensável o entendimento oposto. É que o § 1º contém uma
especialidade em confronto com o regime geral do artº 356º: esta especialidade é a de fazer
preceder o alvará de uma hasta pública.
«Ora afastada esta exigência especial, fica de pé o princípio geral que manda titular tais
deliberações por alvará. Por outras palavras, excluída a especialidade da deliberação,
impõe-se aplicar-lhe o regime geral das deliberações que invistam os particulares em
situações jurídicas permanentes.
«Esta interpretação é a única harmonizável com a doutrina do anterior parecer já citado [o
parecer nº 105/51].
«Na verdade, desde que foi atribuído ao alvará o valor de título dos referidos direitos,
haverá agora que reconhecer-lhe igual valor. A não ser assim, e a entender-se necessária a
escritura pública, ficariam a existir dois títulos, e ambos com igual valor jurídico, visto que
não tem alcance prático na lei portuguesa a distinção, em matéria de compra e venda de
imobiliários, entre formalidades substanciais e probatórias. Umas e outras condicionam a
validade dos contratos respectivos (-).
«E como o único título exigido pela lei administrativa é o alvará, atribuímos assim todo o
alcance à excepção do referido preceito do Código do Notariado, visto serem esses os
“termos da legislação especial respectiva”.»
Na sessão de 13 de Novembro de 1969, o Conselho Consultivo aprovou o parecer nº 46/69
([39]), no qual, reconhecendo não haver qualquer fundamento legal para alterar a doutrina
do parecer nº 105/51, adapta-a «ao caso concreto que se refere a uma alienação por título
gratuito e em relação à qual, por isso, não pode haver hasta pública, que é o acto público de
adjudicação dos bens ao adquirente».
No que importa realçar, concluiu-se neste parecer:
«4º - Sendo aplicáveis às Misericórdias as disposições relativas à alienação de bens
próprios dos concelhos, a transmissão de seus bens imóveis, mesmo que gratuita, é titulada
por alvará expedido nos termos do artº 356º do Código Administrativo.
5º - Esse alvará é documento bastante para os efeitos prescritos no artº 95º do Código do
Registo Predial.» ([40])
Na jurisprudência, a solução exposta foi sustentada no acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo de 16 de Janeiro de 1963 ([41]) e parece obter, por forma implícita,
acolhimento em acórdão do mesmo Tribunal, de 24 de Junho de 1964, onde, a latere
(estava em causa questão relacionada com o pagamento de sisa), se afirma que, «nos
termos do artigo 356º do Código Administrativo só o competente alvará expedido pelo
Presidente da Câmara Municipal constitui título dos direitos conferidos aos particulares por
deliberações camarárias que os invistam em situações jurídicas permanentes, e no caso
dos autos não se mostra que esse título tivesse sido passado a favor da recorrida, mas
certo é também que a falta de emissão desse alvará não dispensa o pagamento da sisa»
([42]) ([43]).
7.2. A via da escritura pública foi, nos contextos legais supra-delineados, defendida, quer na
doutrina quer na jurisprudência.
Na doutrina, foi-o por CAMPOS COSTA em 1965 ([44]).
Este Autor começa por constatar que a teoria segundo a qual as hastas públicas
administrativas são tituladas por meio de alvará tem o seu fundamento na letra do artigo
356º do Código Administrativo e na alegada circunstância de a transmissão, quando feita
em hasta pública, não deixar de ter lugar, nos termos daquela disposição, por deliberação
do corpo administrativo.
Rebate, depois, esta teoria com três ordens de considerações.
Por um lado, a hasta pública administrativa «é uma simples modalidade do contrato de
compra e venda em que o vendedor procura obter o maior preço possível através de uma
oferta dirigida ao público em geral»; ora, «sendo a hasta pública um verdadeiro contrato de
compra e venda, não é legítimo afirmar que o comprador foi investido numa situação jurídica
por deliberação do corpo administrativo, ou seja, do vendedor. A situação de novo
proprietário dos bens transmitidos resultou da fusão das duas vontades - a do comprador e
a deliberação do vendedor -, e não apenas do acto unilateral do corpo administrativo.» ([45])
Depois - continua-, como resultava dos artigos 356º e 77º, nº 12, do Código Administrativo,
«os alvarás são documentos expedidos pelos presidentes para executarem ou fazerem
executar as deliberações camarárias»; logo, «o alvará não é requisito de validade, mas
apenas elemento indispensável para a execução de algumas deliberações» ([46]).
Por último, afirma CAMPOS COSTA ([47]):
«A definição de alvará só surgiu no Código Administrativo de 1940, pois ela não aparece em
nenhum dos anteriores códigos. Em todo o caso, há muito que os códigos administrativos
falavam nessa espécie de documento, nunca se havendo sustentado que as alienações em
hasta pública eram tituladas por meio de alvará. Assim apesar de os Códigos
Administrativos de 1842 (§ 2º do artº 157º) e de 1936 (artº 77º, nº 22) se referirem já aos
alvarás, sempre a prática foi no sentido de se titularem as alienações, mesmo em hasta
pública, através de escritura, à qual, de resto, o nº IX do artigo 131º do Código
Administrativo de 1842 fazia expressa alusão, ao declarar que “o presidente da câmara é
especialmente encarregado de efectuar todos os actos de aquisição, alienação, transacção,
arrendamento e semelhantes (...) e de assinar as competentes escrituras e obrigações”.
«Sendo assim, parece que o corpo do artigo 356º do Código Administrativo vigente mais
não quis do que definir o que fossem os alvarás, visto as leis anteriores serem omissas a tal
respeito. Simplesmente, se o preceito tivesse por objecto que os alvarás pudessem
formalizar as hastas públicas, natural é que se adoptasse uma redacção mais clara quanto a
esse propósito, sabido que a prática anterior era diferente. Ora, da letra do artigo 356º
apenas resulta que o alvará é o título constitutivo de direitos conferidos unicamente por
deliberações dos corpos administrativos, e não quando esses direitos derivam de um acordo
de vontades.»
Na jurisprudência, a via da escritura pública foi defendida no acórdão de 28 de Março de
1979 do Supremo Tribunal Administrativo ([48]). Depois de se realçar a regra de que o
contrato de compra e venda de bens imóveis tem de ser celebrado por escritura pública, sob
pena de nulidade, e de se referir que, segundo o preceituado no artigo 90º, alinea a), do
Código do Notariado então em vigor, os actos em que intervenham como outorgantes
pessoas colectivas de direito público são praticados nos termos da legislação especial,
escreve-se no acórdão:
«Há, por conseguinte, que averiguar, qual é essa lei especial (cognição) e que determinar
qual é a forma que ela estabelece para a transmissão dos bens imóveis próprios das
câmaras municipais (interpretação ou hermenêutica).
«Ora, essa lei especial é o Código Administrativo.
«E no seu artigo 358º e § 1º estabelece-se, designadamente, que as deliberações que
envolvam alienação de bens próprios imobiliários dos corpos administrativos só serão
válidas quando tomadas por maioria absoluta do número legal dos seus membros e que a
alienação será feita em hasta pública, precedendo edital de pelo menos vinte dias – salvas
as excepções consignadas no § 3º do mesmo artigo (cfr., ainda, o artigo 51º, nºs 6 e 7).
«Como logo se deixa ver a natureza das deliberações e a obrigatoriedade da hasta pública
nada têm a ver com a exigência da escritura pública.
«A obrigatoriedade da hasta pública visa, sem dúvida, os objectivos de se conseguir o preço
mais elevado e de patentear a ausência de conluios entre as vendedoras e os adquirentes,
como logo o revela a cuidadosa imposição de que se publiquem editais de pelo menos vinte
dias.
«A hasta pública cifra-se, pois, no fim de contas, numa mera licitação.
«É que o conteúdo dos editais que anunciam a praça não consubstancia uma proposta de
contrato, mas um simples convite a que sejam feitas propostas, visto que o contrato não fica
perfeito com o fim da licitação, seguindo-se-lhe (...) a adjudicação, isto é, a deliberação da
câmara alienante de aceitação da proposta que ofereça melhor preço (ou, porventura,
outras condições de preferência exigidas na lei) ou seja, em suma, da proposta preferida
para a elaboração do contrato (sobre esta noção de adjudicação, ver, p. ex., Marcello
Caetano, Manual, vol. I, 10ª edição, nº 235).
«Não pode, assim, a acta da deliberação da adjudicação tomar-se como um documento que
formaliza o contrato de compra e venda em hasta pública dos bens imóveis das câmaras
municipais: de resto, para tanto, seria necessário que, da legislação especial para que
remete o artigo 90º, a), do Código do Notariado (no caso do Código Administrativo), se
inferisse, claramente, como, por ex., do C. P .C., a respeito da arrematação judicial – artigo
905º, 2 – a existência de documento diverso da escritura para a prova do contrato, o que na
realidade não acontece.
«Também o alvará referido no artigo 356º do Código Administrativo não é documento que
formalize o contrato em referência.
«O alvará é um documento expedido pelos presidentes das câmaras para executarem, ou
fazerem executar, as deliberações camarárias, conforme se colige do preceituado nas
disposições conjugadas dos arts. 77º nº 12 e 356º e seu § 2º, ambos do Código
Administrativo.
«Não é, portanto, o alvará requisito de validade: é requisito de executoriedade de certas
deliberações camarárias.
«Repare-se, por outro lado, que no contrato de compra e venda – contrato bilateral ou
sinalagmático – não pode dizer-se que o comprador seja investido na situação de
proprietário pelo vendedor, e isto quer se trate de venda em hasta pública, quer de ajuste
directo (§ 3º do art. 358º do C. Adm.), sendo de salientar que, nesta última hipótese, a
necessidade de escritura se apresenta particularmente nítida.
«Acontece que o alvará é documento de que já falavam as leis anteriores ao Código
Administrativo e, segundo informa Campos Costa (lugar cit.), sempre a prática foi no sentido
de se titularem as alienações de bens imóveis das Câmaras, mesmo as precedidas de
hasta pública, por escritura, à qual o artigo 131º do Código Administrativo de 1842
expressamente se referia.
«Observe-se ainda que de acordo com o disposto no artigo 137º, nº 12 do Código
Administrativo, compete ao chefe de secretaria da Câmara municipal “exercer as funções de
notário em todos os actos e contratos em que a câmara seja outorgante”; ora, a entender-se
que era o alvará que titulava todos os actos e contratos em que os particulares fossem
investidos em situações jurídicas permanentes, incluindo-se nestes os contratos de compra
e venda de imóveis, a bem pouco ficaria reduzida a actividade notarial do chefe de
secretaria da câmara; a bem pouco e ao menos importante: aos actos e contratos em que
os particulares fossem investidos em situações jurídicas permanentes... O que é
manifestamente de rejeitar.
«As considerações expostas conduzem à conclusão que é de exigir a escritura como
formalidade ad substantiam da venda de bens imóveis das câmaras municipais.
«Todavia (e nisto consiste, neste caso, a excepção a que se reporta a alínea a) do art. 90º
do C. Not.) trata-se de uma escritura que, diferentemente das aludidas no artigo 89º a) do
mesmo código, não é lavrada por notário público (art. 5º, 1, b) ainda do C. Not.) mas pelo
chefe de secretaria da câmara e que, além disso tem de ser precedida de hasta pública e
adjudicação, nos termos que ficaram explanados.» ([49]).
Ao nível da Administração, defendeu o Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e
do Notariado, em parecer de 19 de Outubro de 1988, que o alvará expedido ao abrigo do
artigo 87º da LAL, «pela interpretação adequada da sua letra e do seu espírito, não serve de
título a vendas de lotes de terreno que o Município esteja autorizado a fazer. Nos termos da
al. a) do artº 89º, da al. a) do artº 90º do Código do Notariado e do artigo 875º do Código
Civil, tais actos devem ser titulados por escritura pública.»
Destacamos deste parecer:
«No seu artigo 89º, o Código do Notariado impõe a escritura pública, como condição de
validade formal da transmissão de bens imobiliários.
«Desta regra é excepcionado, entre outros, o caso em que a lei especial regule a forma de
transaccionar bens pertencentes às pessoas colectivas de direito público, entre as quais,
como é sabido, se contam as autarquias locais (artº 90º, al. a) do Código do Notariado).
«Quando, porém, a lei diz que são praticados nos termos da legislação especial respectiva
os actos em que intervenham como outorgantes pessoas colectivas de direito público, no
tocante às autarquias locais e tendo em vista o que preceitua na sua lei especial (DL nº
100/84), quer-se dizer que a venda de bens imobiliários que lhes pertençam, deve ser feita,
mediante aprovação do executivo que deverá seguidamente obter autorização da
Assembleia Municipal, a qual ainda terá competência para fixar as normas que a regularão e
para determinar, quando a maioria dos membros presentes assim o entender, o recurso à
hasta pública.
«Os que defendem, todavia, que o processo de venda terminará pela emissão do respectivo
alvará assinado pelo Presidente da Câmara, apenas poderão alicerçar a sua posição no
normativo do artigo 87º da mencionada Lei das Autarquias Locais (...)
«Para além deste preceito legal, não se vislumbra qualquer outro que, adequadamente, se
possa aplicar ao caso em apreço.
«Portanto, é sobre o referido artº 87º que teremos de fixar a nossa atenção extraindo as
conclusões resultantes da sua interpretação literal e objectiva.
«Quando se diz que o título dos direitos conferidos aos particulares será um alvará expedido
pelo respectivo presidente, faz-se, desde logo, pensar que o referido alvará servirá para
titular actos unilaterais da Administração. Na verdade, dentro das atribuições dos órgãos
autárquicos do Município e da Freguesia, conta-se a possibilidade de esses mesmos órgãos
conferirem aos particulares certos e determinados direitos.
«A expressão que estamos a analisar inculca de forma bem clara e transparente no sentido
de esses direitos serem atribuídos aos particulares por decisão unilateral da Administração
das referidas autarquias e não por qualquer motivação contratual.
«E quando o mencionado artº 87º acrescenta que esse título terá por fim investir os
particulares em situações jurídicas duradouras, quer, sem dúvida significar que essas
situações em que os particulares são investidos terão um limite temporal determinado
podendo ser mais ou menos duradouras.
«Conforme se lê a pág. 86 do “Formulário do Registo Predial” de Seabra Magalhães, “a
alienação de bens próprios imobiliários de pessoa colectiva de direito público, com a
consequente transferência da propriedade a favor do arrematante, não se reconduz, por
certo, a um acto dessa natureza”, querendo nesta última expressão, reportar-se ao acto
administrativo unilateral.
«Com efeito, a lei determina, por vezes, a necessidade de que esse tipo de actos revista a
forma escrita e, em certos casos, estabelece mesmo, como condição de validade, os
requisitos a que o escrito há-de obedecer ou a fórmula que há-de reproduzir. O título que
confere certos e determinados direitos aos particulares, investindo-os em situações
duradouras, por deliberação dos órgãos das autarquias locais ou da decisão dos seus
titulares, terá a simples forma de alvará.
«Mas, então, qual a natureza jurídica desses actos?»
Responde o parecer do Conselho Técnico que o artigo 87º «apenas abrange os actos
administrativos que estão na esfera da concessão através dos quais são transferidos,
temporariamente, poderes jurídicos de acção da esfera jurídica da administração para a
esfera do concessionário, radicando-se neste último como autênticos direitos subjectivos»; e
exemplifica com o caso de a administração conceder a um indivíduo ou a uma sociedade o
direito de explorar uma esplanada, durante certo tempo, situada em terrenos que
pertencem, normalmente, ao domínio público da autarquia - tal concessão será titulada por
um alvará expedido pelo respectivo presidente.
Conclui-se, a terminar, que, «porque a lei especial - a Lei das Autarquias Locais - não refere
qualquer documento próprio para titular o contrato pelo qual o Município vende imóveis aos
particulares, nos termos do artºs 89º, al. a) e 90º al. a) do Código do Notariado, dado que se
trata de actos que importam aquisição do direito de propriedade, devem ser celebrados por
escritura pública.»
O Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado reafirmou esta posição
em parecer de 26 de Janeiro de 1996, onde, entre o mais, se diz que «o acto translativo do
direito de propriedade, o negócio jurídico, é - mesmo sendo um dos outorgantes o Estado, a
Autarquia, ou outra pessoa colectiva de direito público - eminentemente de direito privado e
rege-se pelas correspondentes normas de direito civil. Nunca corresponde a um dictat da
Administração que investe o particular nesse direito, que lhe concede determinada licença».
Noutro passo, acrescenta-se que a via da escritura pública «é, também, ao que pudemos
apurar, a opinião da administração local e dos próprios serviços que inspeccionam as
autarquias locais e sancionam a prática nelas seguida» ([50]), tal como constitui «o
procedimento geralmente seguido em todas as câmaras, trate-se ou não de vendas de
prédios em hasta pública. Realizada esta é lavrado o que se poderá denominar “auto de
arrematação” e, posteriormente, marcada e outorgada a escritura pública, ainda que
continue (anomalamente) a ser celebrada na secretaria. E não se diga que para as
freguesias existe qualquer privilégio especial. Tanto o artigo 107º da Lei nº 79/77, como o
artigo 87º do Decreto-Lei nº 100/84 se referem genericamente aos “órgãos das autarquias” -
quaisquer que eles sejam.»
8.
Cremos dispor já de elementos bastantes para uma resposta à segunda questão – a da
forma que devem revestir as transmissões para particulares de bens imobiliários das
autarquias.
A questão não é simples, já pela sua complexidade (passe a redundância), já pela sua
patente conexão com ramos diversos do direito, já porque uma das soluções possíveis foi
reiteradamente defendida pelo Conselho Consultivo (o que, se potencia a inércia, exige, na
mudança, uma particular ponderação).
8.1. Reconhece-se que o argumento histórico avançado por CAMPOS COSTA, foi perdendo
a sua já reduzida importância, perante a circunstância de o artigo 356º (corpo e § 1º) do
Código Administrativo ter sido recuperado, com alterações pouco significativas, primeiro
pela Lei nº 79/77 (artigo 107º), depois pelo Decreto-Lei nº 100/84 (artigo 87º).
Por sua vez, o recurso à hasta pública, referido na LAL, não é a mesma coisa que venda
judicial por arrematação em hasta pública, regulada no Código de Processo Civil antes da
reforma de 1995; a referência tem natureza remissiva conforme o referido em 6., mas a
remissão desempenha uma função modelar na elaboração de normas procedimentais
reguladoras da venda, tem carácter subsidiário, e quando opera tem que ser utilizada com
as adaptações devidas - não é, por exemplo, reconhecidamente, aplicável o nº 2 do artigo
905º relativo à emissão de título de arrematação (agora, relativamente à venda por
propostas em carta fechada, designado, título de transmissão - artigo 900º, nº 2, do Código
de Processo Civil) ou pelo menos, tal título, emitido fora do âmbito da venda judicial, não
constitui documento bastante para efeitos de registo - cfr. o artigo 92º, nº 1, alínea h), do
Código de Registo Predial.
Decisivamente, afigura-se-nos que a resposta à questão que nos ocupa passa, no
essencial, pela ponderação articulada da natureza do alvará e da natureza do negócio
jurídico que se pretende celebrar.
8.2. A definição legal de alvará ([51]) apenas surge no Código Administrativo de 1940, em
cujo artigo 356º se estabelece: «O título dos direitos conferidos aos particulares por
deliberações dos corpos administrativos que os invistam em situações jurídicas
permanentes será um alvará expedido pelos respectivos presidentes.»
Na doutrina, o alvará aparece definido como o «título pelo qual se dá forma externa e
publicidade, a resoluções de entidades públicas, com eficácia temporária ou permanente,
conferindo direitos, investindo alguém em situações jurídicas especiais ou permitindo a
quem satisfaça determinados requisitos uma situação ou actividade vedadas» ([52]); ou,
mais simplesmente, como «um documento firmado pela autoridade competente pelo qual
esta faz saber a quem dele tome conhecimento a existência de certo direito constituído em
proveito de determinada pessoa» ([53]) ([54]).
Sobre Alvarás dispõe presentemente o já citado artigo 87º da LAL: «Salvo se a lei
prescrever forma especial, o título dos direitos conferidos aos particulares, investindo-os em
situações jurídicas duradouras, por deliberação dos órgãos das autarquias locais ou decisão
dos seus titulares, será um alvará expedido pelo respectivo presidente.»
Há, como vimos ([55]), uma grande similitude entre esta disposição e o revogado artigo 356º
do Código Administrativo (mesmo a ressalva de a lei prescrever forma especial, constava já
do § 1º deste último artigo – Exceptuam-se os casos para que a lei prescreve forma
especial).
Anote-se, todavia, a alteração da qualificação das situações jurídicas em que os particulares
são investidos: antes eram permanentes, agora são duradouras.
É possível, no quadro legislativo vigente, referenciar a expressa exigência de alvarás para
finalidades diversas; alguns exemplos:
- «As farmácias só poderão funcionar mediante alvará passado pela Direcção-Geral de
Saúde» em benefício de farmacêutico ou de sociedade em nome colectivo ou por quotas, se
todos os sócios forem farmacêuticos e enquanto o forem (base II, nºs 1 e 2, da Lei nº 2125,
de 30 de Março de 1965);
- Alvarás de concessão de terrenos nos cemitérios emitidos pelos presidentes da câmara ou
da junta de freguesia competentes (artigo 36º do Modelo de Regulamento dos Cemitérios
Municipais e do Modelo de Regulamento dos Cemitérios Paroquiais, aprovados pelo
Decreto nº 48770, de 18 de Dezembro de 1968);
- Alvarás de licença para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos
[artigo 51º, nº 1, alínea j), da LAL];
- Alvará de empreiteiro de obras públicas, previsto no artigo 3º, nº 1, alínea a), do Decreto-
Lei nº 100/88, de 23 de Março, diploma que aprovou o Regime Jurídico do Acesso e
Permanência na Actividade de Constructor Civil e Obras Públicas ([56]);
- Alvará de licença de construção de obras particulares (artigos 9º, 21º, 22º e 26º) e alvará
de licença de utilização [artigo 28º, todos do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro
([57])];
- O alvará como título de licenciamento da operação de loteamento ou das obras de
urbanização [artigos 28º a 31º do Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro ([58])];
- Alvará de loteamento emitido no processo de reconversão das áreas urbanas ilegais
(artigos 29º e 30º do Decreto-Lei nº 91/95, de 2 de Setembro);
- Alvará para o exercício de actividade de radiodifusão [Decreto-Lei nº 130/97, de 27 de
Maio ([59])]: são atribuídos mediante concurso público, por despacho conjunto dos membros
do Governo responsáveis pelas áreas da comunicação social e das comunicações, pelo
prazo de 15, 12 e 10 anos, respectivamente, para as rádios de cobertura geral, regional e
local, podendo ser renovados por iguais períodos de tempo, mediante solicitação do
respectivo titular - artigos 7º, 12º e 13º ([60]);
- Alvará de licença de utilização turística (artigos 28º e 29º do Decreto-Lei nº 167/97, de 4 de
Julho);
- Alvará de licença de utilização para serviços de restauração ou de bebidas (artigos 14º e
15º do Decreto-Lei nº 168/97, de 4 de Julho).
8.3. Resulta dos exemplos mencionados que o alvará não é um instrumento privativo da
administração local, sendo genericamente utilizado ao nível da Administração Pública.
Em qualquer dos casos identificados, encontramo-nos, na definição de alvará de
MARCELLO CAETANO, perante documentos firmados pela autoridade competente a dar
conhecimento da existência de certo direito constituído em proveito de determinada pessoa,
ou, na terminologia do artigo 87º da LAL, perante uma deliberação de um órgão da
autarquia local ou uma decisão do seu titular a conferir direitos aos particulares investindo-
os em situações jurídicas duradouras.
Trata-se, tendencialmente, de actos de autoridade que culminam um determinado
procedimento, em geral desencadeado pelo próprio beneficiário ([61]).
A Administração intervém, não em pé de igualdade com os particulares mas numa posição
de supremacia. Donde a imposição frequente de condicionamentos e controlos da
actividade em causa, e mesmo a tipificação como infracções, por regra de natureza contra-
ordenacional ([62]) mas, por vezes também de natureza criminal ([63]), de condutas
violadoras de obrigações do respectivo titular.
O alvará é, por regra, considerado como uma forma solene de acto administrativo ([64]).
ESTEVES DE OLIVEIRA ([65]), depois de referir que a forma escrita do acto não é
suficiente nos casos em que a lei exige formas solenes, como seja o alvará, acrescenta que
há casos em que o alvará «é configurado de modo diverso por lei: assim sucede com o artº
107º da LAL [então a Lei nº 79/77] em que o alvará - expedido pelo Presidente da Câmara -
não é o próprio acto que conferiu direitos ao particular, mas apenas o título que integra a
decisão ou deliberação dos órgãos competentes da autarquia. O alvará não se deve
considerar a forma do próprio acto, mas um mero requisito da sua executoriedade ou uma
formalidade ad probationem».
De todo o modo, nos casos de venda, pelas autarquias locais, de bens imóveis
pertencentes ao seu património privado disponível, não nos confrontamos com uma
situação similar às acima descritas e cuja caracterização essencial procurámos esboçar.
Aqui encontramo-nos, em termos gerais, perante um contrato de direito privado, isto é,
perante um «acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta
ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente
harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses»
([66]).
Mais especificamente, estamos perante um contrato de compra e venda – «contrato pelo
qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro direito, mediante um preço» (artigo
874º do Código Civil) –, sendo certo que a constituição ou transferência de direitos reais
sobre coisas determinadas se dá por mero efeito do contrato, salvas as excepções previstas
na lei (artigo 408º, nº 1, também do Código Civil); da definição dada pelo citado artigo 874º
resultam as características fundamentais da compra e venda, que é um contrato oneroso
(cfr., a propósito, o artigo 612º), bilateral (artigos 428º e segs.), com prestações recíprocas
(cfr. artigo 424º, tal como os anteriores, do Código Civil) e dotado de eficácia real ou
translativa ([67]).
Com este perfil, o contrato de compra e venda de bens imóveis por parte das autarquias
locais não cabe na previsão do artigo 87º da LAL – na verdade, não nos encontramos
perante uma situação em que o comprador é investido na propriedade do imóvel por
deliberação dos órgãos das autarquias locais ou decisão dos seus titulares. Tais deliberação
ou decisão revestem natureza unilateral, e têm como objecto assentir na venda, escolher a
modalidade de venda ou eleger o co-outorgante.
Além disso, a qualificação como duradouras (que atenua a qualificação de permanentes,
constante do Código Administrativo) das situações jurídicas tituladas pelo alvará, inculca a
ideia de que se visam situações estáveis mas finitas ou renováveis; pelo contrário, na
sequência de um contrato de compra venda, o comprador não só fica investido (por efeito
do contrato celebrado na forma legal, que não por virtude da deliberação ou da decisão de
venda) numa situação definitiva, como “perde o contacto” com o vendedor.
Aquele que era o ponto de partida e pressuposto essencial da doutrina primeiramente
enunciada - a susceptibilidade de as expressões deliberações dos corpos administrativos
(Código Administrativo) decisão ou deliberação dos órgãos das autarquias locais (LAL de
1977) e por deliberação dos órgãos das autarquias locais ou decisão dos seus titulares (LAL
de 1984) poderem abranger qualquer situação jurídica - fragiliza-se quando atentamos na
natureza privada e no carácter sinalagmático do contrato de compra e venda de bens
imóveis por parte das autarquias.
É claro que a celebração do contrato pela autarquia pode ter que ser precedida da prática,
pelos órgãos autárquicos, de actos a autorizar e/ou a fixar as condições de venda. Actos
que traduzem os momentos relevantes da formação da vontade administrativa de contratar,
e sobre cuja qualificação – como actos administrativos ou como declarações negociais de
direito privado – a jurisprudência e a doutrina divergem ([68]). Tais actos, todavia, precedem
a venda, não a integram.
A venda de bens imóveis pelas autarquias locais efectua-se, pois, mediante a celebração de
contrato de compra e venda com o comprador.
Qual o suporte formal deste contrato?
Recordemos, para melhor enquadramento, disposições do Código do Notariado, já nossas
conhecidas:
«Artigo 80º
(Exigência de escritura)
1 - Celebram-se, em geral, por escritura pública, os actos que importem reconhecimento,
constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade,
usufruto, uso e habitação ou servidão sobre coisas imóveis.
2 - (...)»
«Artigo 81º
(Legislação especial)
São praticados nos termos da legislação especial respectiva:
a) Os actos em que intervenham como outorgantes pessoas colectivas de direito público ou
qualquer outra entidade pública;
(...)»
A regra geral é, pois, a de que o contrato de compra e venda de bens imóveis tem de ser
celebrado por escritura pública, sob pena de nulidade (artigos 875º e 220º do Código Civil);
exceptuam-se, entre outros, os actos em que intervenham como outorgantes pessoas
colectivas de direito público ou qualquer outra entidade pública, que são praticados nos
termos da «legislação especial respectiva».
Esta legislação especial seria, no caso das autarquias locais, a LAL ou o Código
Administrativo. Revogadas as pertinentes disposições deste diploma, resta a LAL em vigor,
concretamente o seu artigo 87º.
Vimos, porém, que a previsão deste dispositivo não abarca os contratos de compra e venda
de imóveis outorgados pelas autarquias. O mesmo é dizer que, para estes contratos não
existe, no direito administrativo, legislação especial.
Não existindo, os contratos de compra e venda de bens imóveis pertencentes ao domínio
privado disponível das autarquias estão sujeitos à regra geral da celebração por escritura
pública.
Refira-se, a terminar, que a posição assumida não é indiferente nem às alterações
legislativas verificadas desde 14 de Fevereiro de 1952 (data do parecer nº 105/51) nem à
evolução verificada nas últimas décadas no direito administrativo, designadamente ao
esbatimento das suas fronteiras com o direito privado, revelado pela confluência de dois
fenómenos: de um lado, a privatização do universo regido pelo direito administrativo
(concretizada na gestão privada das empresas públicas, na responsabilidade civil da
Administração e - factor que aqui importa realçar -, nos contratos de direito privado
outorgados por esta) e, por outro, na publicização do universo regido pelo direito privado
([69]).
9.
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1ª A Lei das Autarquias Locais (LAL) impõe a venda em hasta pública dos bens imóveis
pertencentes à freguesia ou ao município, independentemente do valor, quando a alienação
decorra da execução do plano de actividades da autarquia e a deliberação da junta ou da
câmara, consoante o caso, seja aprovada por maioria de dois terços dos membros em
efectividade de funções [artigos 27º, nº 1, alínea j), e 51º, nº 1, alínea e)];
2ª Devem igualmente ser vendidos em hasta pública os bens imóveis cujo valor não exceda
os 2500 (no caso da junta de freguesia) ou os 25000 contos (no da câmara municipal)
[artigos 27º, nº 1, alíneas i) e j), e 51º, nº 1, alíneas d) e e), da LAL];
3ª Estando em causa bens imóveis de valor superior a 2500 ou a 25000 contos, a
assembleia de freguesia ou a assembleia municipal, respectivamente, ao autorizarem a
alienação, fixarão as respectivas condições gerais, podendo determinar que a venda seja
efectuada com recurso à hasta pública [artigos 15º, nº 1, alínea o), e 39º, nº 2, alínea i), da
LAL];
4ª Sempre que a venda de bens imóveis não tiver de ser feita em hasta pública, os órgãos
autárquicos competentes deverão optar pela modalidade de venda que melhor satisfaça a
prossecução dos interesses próprios das populações respectivas [artigo 235º, nº 2, alínea
c), da Constituição], no estrito respeito pelos princípios que regem a actividade
administrativa – prossecução do interesse público, respeito pelos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos, legalidade, igualdade, proporcionalidade, justiça,
imparcialidade e boa fé (artigos 266º da Constituição, 4º, 6º e 6º-A do Código do
Procedimento Administrativo);
5ª A venda de bens imóveis pelas autarquias locais deve ser celebrada por escritura pública.
VOTOS
(Carlos Alberto Fernandes Cadilha) - Vencido quanto à 5.ª conclusão pelas razões que
sucintamente passo a referir:
A hasta pública como modalidade de alienação de bens imobiliários das autarquias locais,
prevista nos artigos 15º, n.º 1, alínea j), 39º, n.º 2, alínea i), e 51º, n.º 1, alínea d), da LAL,
não constitui apenas um procedimento pré-contratual destinado a escolher o co--
contratante, mas é a própria forma de que se reveste a alienação.
O correspondente procedimento terá necessariamente de regular-se pelas disposições
aplicáveis do Código de Processo Civil (as dos artigos 889º a 905º na redacção anterior à
reforma de 1995--1996), visto que é para esse específico formalismo que remetem as
normas administrativas que prevêm a hasta pública.
Haverá por isso que lavrar-se um auto de arrematação que descreva as incidências da
licitação, a identidade do arrematante e o preço pelo qual é efectuada a venda, fixando os
elementos essenciais do contrato.
O auto de arrematação, sendo lavrado pelo oficial administrativo constitui um documento
autêntico, nos termos do artigo 371º do Código Civil, podendo corresponder à forma exigida
para o tipo de contrato (cfr. artigos 219º do Código Civil e 184º do Código de Procedimento
Administrativo), e do qual é possível extrair o adequado título jurídico de transmissão. Nesse
sentido poderá invocar-se, em relação aos contratos outorgados pelo Estado, o artigo 13º
do Decreto--Lei n.º 211/79, de 12 de Julho, que, no seu nº 1, estatuia: “Os contratos (...),
quando devam ser reduzidos a escrito, constarão de documento autêntico oficial exarado ou
registado em livros próprios do Ministério ou do serviço interessado, e no qual servirá de
oficial público o funcionário designado nas respectivas leis orgânicas ou, no silêncio destas,
designado por despacho ministerial”
A exigência de escritura pública para formalizar as vendas de imóveis efectuadas nos
termos das referidas disposições da LAL reconduz a hasta pública a uma mera negociação
particular e desvirtua a sua própria finalidade jurídica, que é a de obter o melhor preço
através um procedimento que assegure a transparência administrativa.
É certo que as leis administrativas contemplam a escritura pública como instrumento
contratual e conferem ao assessor autárquico ou ao competente dirigente do serviço
administrativo funções notariais nesse âmbito (cfr. artigos 137, n .º 12, do Código
Administrativo, 13º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 116/84, de 6 de Abril, e 58ºdo Decreto-Lei n.º
247/87, de 17 de Junho).Mas isso sucede nos casos em que a lei não estabeleça outra
forma e, designadamente, quando os actos públicos do procedimento se circunscrevam à
escolha do co-contratante e não abranjam os próprios elementos integrantes do contrato.
Propenderia assim a manter a validade da doutrina do parecer da Procuradoria-Geral da
República de 14 de Fevereiro de 1952.
______________________________
Henrique Pereira Teotónio - Vencido quanto à 2ª conclusão:
nas vendas pelas autarquias locais de imóvel cujo valor não exceda os 2 500 contos para as
freguesias e os 25 000 contos para os municípios, a lei é omissa quanto à modalidade de
venda, sendo temerária a defesa de hasta pública. Aliás, não estatui a lei a sua
obrigatoriedade mesmo para valores superiores (ut conclusões 3ª e 4ª). A posição que fez
vencimento não deixa de avigorar mais uma modalidade de venda que o CPC, na recente
revisão, claramente, rejeitou ao eliminar a arrematação em hasta pública “por razões que
obviamente se prendem com a indispensável “moralização” e transparência” (do relatório do
Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro).
E com a seguinte declaração de voto:
a entidade consulente (ut despacho remissivo de 4.2.99 do SEALOT) pretendeu resposta
para a seguinte questão: conveniência quanto à alteração dos normativos legais que na
esfera das autarquias locais impõem a arrematação em hasta pública.
Deveria este Corpo Consultivo ter levado às conclusões a concreta questão. Até porque
compete ao seu Presidente “propor ao Ministro da Justiça providências legislativas com
vista… a pôr termo a decisões divergentes dos tribunais ou dos órgãos da administração
pública” [artigo 12º-2, g) da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, na redacção da Lei nº 60/98, de
27 de Agosto].
NOTAS
([1]) Por razões de ordem metodológica, pareceu-nos conveniente alterar a ordem por que
as questões vêm enunciadas.
Acompanham o pedido a tomada de posição da Comissão de Coordenação da Região do
Norte (Setembro de 1996) e três actas de reuniões de coordenação jurídica entre a
Direcção-Geral da Administração Autárquica, as Comissões de Coordenação Regional e o
Centro de Estudos e Formação Autárquica, efectuadas em 25 de Novembro de 1997, 27 de
Janeiro de 1998 e 26 de Fevereiro de 1998, bem como, da Auditoria Jurídica do Ministério
do Equipamento, do Plano e da Administração do Território, a informação nº 5/98, de 24 de
Agosto de 1998, subscrita por Consultor Jurídico, e parecer de 23 de Dezembro de 1998 do
Senhor Auditor Jurídico. Neste parecer, quanto à 1ª questão, sugere-se a alteração dos
pertinentes dispositivos da LAL, por forma a consagrar-se, como acontece no processo civil,
a venda por meio de propostas em carta fechada. E quanto à 2ª questão afirma-se:
«Relativamente à questão da transmissão do bem imóvel da autarquia para outrem, estatui
o art.º 87.º do DL nº 100/84, de 29/3, que o título dos direitos conferidos pela administração
local aos particulares, investindo-os em situações jurídicas duradouras, é o alvará. Acaso
inexista lei especial em contrário, é aquele o instrumento a que, nesta sede, deverão lançar
mão os órgãos autárquicos.
«O alvará, é, pois, documento bastante para a transmissão para particulares de bens
imóveis das autarquias. Inexistindo aqui a imposição de escritura pública (cf. art.º 80.º-2 e
81.º-a) Cód. Notariado, aprovado pelo DL n.º 207/95, de 14/8, mesmo na redacção dada
àquela disposição pelo DL n.º 40/96, de 7/5), deve àquele título ser conferida a pertinente
força documental (art.º 43.º-1). Aliás é o próprio Cód. Reg. Predial a referenciar,
expressamente, o alvará de loteamento como menção a levar à inscrição (al. f) do n.º 1 do
art.º 95.º, redacção do DL n.º 30/93, de 12/2).
«Porque se trata de facto sujeito a registo, do sobredito instrumento devem constar os
elementos indicados no art.º 44.º daquele primeiro diploma (i. é, descrição do prédio na
Conservatória e inscrição da propriedade em nome do alienante, inscrição na matriz e valor
– vd. também os art.ºs 54.º-1 e 2, 57.º-1 e 63.º do mesmo Cód. E ainda os art.ºs 28º, 30.º,
42.º-4 e cit. norma do 95.º, todos do Cód. Reg. Predial).
«Para o registo da transmissão assim operada é bastante o alvará, desde que não seja
omisso quanto às sobreditas menções (caso em que o registo seria nulo – al. b) do art.º
16.º).
«A solução é ainda a que advém do princípio doutrinário de que se a lei permite o mais
também deve permitir o menos, sendo ainda que o registo não é constitutivo do direito
transmitido.
«É esta também a doutrina tirada do Parecer de 13.11.69, prolatado no proc.º n.º 461969,
segundo o qual, nos termos do normativo cuja estatuição era, então, idêntica (art.º 356.º
Cód. Adm.º), a transmissão de bens imóveis próprios dos concelhos, bem como os das
Misericórdias, é titulada por alvará, que é documento bastante para efeitos registrais.
«Como é a solução que advém do acórdão do STA de 15.11.88-2.ª, proferido no procº n.º
23224, publicado nos Apêndices ao DR de 23.9.94, pág. 5449, aresto que debruçando-se,
no âmbito da Reforma Agrária, sobre acto administrativo atributivo de reserva, decidiu que o
titular desta goza do direito de propriedade sobre a respectiva área e tem direito a
passagem de “alvará, que dispõe de força probatória plena, nomeadamente para a primeira
inscrição predial”.»
([2]) O Decreto-Lei nº 100/84 foi rectificado no Diário da República, I-A Série, nº 150 (2º
Suplem.), de 30 de Junho de 1984; e foi alterado (sem reflexo no objecto da consulta) pelas
Leis nºs 25/85, de 12 de Agosto, 87/89, de 9 de Setembro, 18/91, de 12 de Junho, 35/91, de
27 de Julho, e 17/99, de 25 de Março.
Merece menção, nesta matéria, a Lei nº 23/97, de 2 de Julho, sobre as atribuições e
competências das freguesias.
([3]) ANTÓNIO CÂNDIDO DE OLIVEIRA, Direito das Autarquias Locais, Coimbra Editora,
1993, pág. 298; para mais desenvolvimentos, v. também págs. 223-253, maxime págs. 232-
237.
([4]) O regime jurídico da tutela administrativa a que estão sujeitas as autarquias locais e
entidades equiparadas consta presentemente da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto. Acerca da
tutela administrativa sobre as autarquias locais, v., por último, o parecer nº 131/96 do
Conselho Consultivo (Diário da República, II série, nº 285, de 11 de Dezembro de 1997).
([5]) J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 904.
([6]) AA. e ob. cits., pág. 889.
([7]) Ibidem, pág. 890. Em estudo intitulado “Domínio Público e Privado da Região” [JORGE
MIRANDA e JORGE PEREIRA DA SILVA (Org.), Estudos de Direito Regional, Lisboa 1997,
pág. 484], EDUARDO PAZ FERREIRA afirma que o cerne da autonomia reside na
«existência de domínios públicos na titularidade de diferentes entidades públicas de base
territorial». Sobre as finanças das autarquias locais, v. ANTÓNIO L. DE SOUSA FRANCO,
Finanças Públicas e Direito Financeiro, volume I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1993, págs.
209-219.
([8]) O nº 1 deste artigo contém a enumeração constitucional dos bens do domínio público.
([9]) JOSÉ PEDRO FERNANDES, entrada “Domínio público”, em Dicionário Jurídico da
Administração Pública, Volume IV, Lisboa, 1991, pág. 166.
([10]) Ibidem, págs. 160-161. V. também o parecer do Conselho Consultivo nº 4/95, ponto 4.
(Diário da República, II Série, nº 151, de 7 de Julho de 1995), e, para maiores
desenvolvimentos, MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 9ª edição
(Reimpressão), Vol. II, Almedina, Coimbra, págs. 879 e segs., e 960 e segs.
([11]) Encontramos em Itália uma terminologia distinta. Designam-se bens dominiais os
pertencentes ao Estado ou a outro ente público territorial (a região, a província e a comuna)
e sujeitos a um regime de direito público; são bens patrimoniais os que pertencem à
Administração a título de propriedade privada, sujeitos, por regra, ao regime de propriedade
privada disciplinado no Código Civil. Distingue-se, nesta segunda categoria, entre bens
patrimoniais indisponíveis – bens finais utilizados pelo seu valor de uso; por se destinarem
ao serviço gozam de uma tutela particular, que cessa quando termina tal afectação – e bens
patrimoniais disponíveis – que se destinam a produzir um rendimento (bens instrumentais);
enquadram-se também aqui os bens dominiais que deixaram de ser idóneos à utilização
pública e os bens patrimoniais indisponíveis uma vez terminada a sua afectação ao serviço
público (PIETRO VIRGA, Diritto Amministrativo, I Principi, 1, 4ª ed., Giuffrè editore, Milão,
1995, págs. 361-362; cfr. também ANGELO BUSCENA, entrada «Patrimonio dello Stato e
degli Enti pubblici», em Digesto delle Discipline Pubbliscistiche, XI, Utet, págs. 27-43).
([12]) Tanto quanto foi possível apurar, não foi, até ao momento, publicada a legislação
especial referida. E enquanto tal não acontecer «não poderá haver alienação de bens e
valores artísticos do património do município» (ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, Direito
Administrativo das Autarquias Locais, 2ª ed., Luso Livro, Lisboa, 1992, pág. 182).
([13]) O Código Administrativo dispunha nos artigos 356º e 358º, aquele integrado na
Secção II (Deliberações), este constituindo a Subsecção I (Alienação dos bens próprios) da
Secção III (Especialidades de algumas deliberações), ambas constantes do Capítulo II (Do
funcionamento dos corpos administrativos) do Título IV (Do distrito) da Parte I (Da
organização administrativa):
«Artigo 356º
(Alvarás)
O título dos direitos conferidos aos particulares por deliberações dos corpos administrativos
que os invistam em situações jurídicas permanentes será um alvará expedido pelos
respectivos presidentes.
§ 1º Exceptuam-se os casos para que a lei prescreve forma especial.
§ 2º Os alvarás expedidos em execução de deliberações dos corpos administrativos serão
registados em livro próprio existente nas secretarias destes.
§ 3º As disposições deste artigo aplicam-se também nos casos em que o presidente da
câmara exerça competência própria e não de mera execução.»
«Artigo 358º
(Alienação de bens imobiliários)
As deliberações que envolvam alienação de bens próprios imobiliários dos corpos
administrativos só serão válidas quando tomadas por maioria absoluta do número legal dos
seus membros.
§ 1º A alienação será feita em hasta pública, independentemente das leis de
desamortização, precedendo edital de, pelo menos, vinte dias.
§ 2º O produto da alienação deverá converter-se em fundos ou outros bens que constituam
património do corpo administrativo.
§ 3º Exceptuam-se do disposto neste artigo e parágrafos as cessões para alinhamento
permitidas às câmaras municipais, a venda dos terrenos que sobram das expropriações por
utilidade pública, a adjudicação de moradias para classes pobres, a alienação a favor do
Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público e quaisquer outras alienações
exceptuadas por lei ou autorizadas pelo Governo.»
Estas disposições do Código Administrativo foram revogadas pelo artigo 114º da Lei nº
79/77, de 25 de Outubro, que, no quadro da Constituição de 1976, veio estabelecer as
atribuições das autarquias e competências dos seus órgãos. Segundo este diploma,
competia à assembleia de freguesia «Conceder autorização à junta para aquisição,
oneração ou alienação dos bens imóveis da freguesia, fixando as respectivas condições
gerais» [artigo 17º, nº 1, alínea m)] e à junta, entre outros, exercer os poderes que lhe
fossem conferidos por deliberação da assembleia [artigo 33º, alínea s)]. À assembleia
municipal competia «Autorizar a aquisição, oneração e alienação pela câmara de bens
imóveis cujo valor for superior a 500 contos, exceptuando cessões para alinhamento, e de
bens e valores artísticos do município, independentemente do seu valor» [artigo 48º, nº 1,
alínea l)], detendo a câmara municipal, entre outras, competência para executar e velar pelo
cumprimento das deliberações da assembleia municipal [artigo 62º, nº 1, alínea a)]; o artigo
107º da Lei nº 79/77, com a epígrafe «Alvarás», prescrevia:
«Salvo se a lei exigir forma especial, o título que integre decisão ou deliberação dos órgãos
das autarquias locais que confira direitos aos particulares, investindo-os em situações
jurídicas permanentes, será um alvará expedido pelo respectivo presidente.»
Todas estas normas da Lei nº 79/77 foram revogadas pelo artigo 97º da LAL.
([14]) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 207/95, de 14 de Agosto, alterado pelos Decretos-Leis
nºs 40/96, de 7 de Maio, 250/96, de 24 de Dezembro, 257/96, de 31 de Dezembro, e
380/98, de 27 de Novembro.
([15]) O Decreto Lei nº 32765 estabelece no seu artigo único: «Os contratos de mútuo ou
usura, seja qual for o seu valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados,
podem provar-se por escrito particular, ainda mesmo que a outra parte contratante não seja
comerciante». O Decreto-Lei nº 255/93 faculta a efectivação por documento particular
(constante de modelo previamente aprovado e com reconhecimento de assinaturas) da
compra e venda com mútuo de prédio urbano ou fracção autónoma destinados a habitação,
desde que o mutuante seja uma instituição de crédito autorizada a conceder crédito à
habitação. O Decreto-Lei nº 267/93 atribui ao notário a promoção e dinamização da
tramitação do processo de constituição (por escritura pública) de sociedades.
([16]) O Código do Notariado aprovado pelo Decreto-Lei nº 42933, de 20 de Abril de 1960,
em quanto nos interessa, estabelecia:
«Artigo 88º
(Actos a celebrar por escritura)
Devem celebrar-se por escritura pública, sob pena de nulidade:
a) Os actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou
extinção de direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície ou de
servidão sobre coisas imóveis;
(...)»
«Artigo 89º
(Excepções)
1. São praticados nos termos da legislação especial respectiva:
a) Os actos em que intervenham como outorgantes pessoas colectivas de direito público;
(...)
e) Os actos regulados pelas leis de processo.
(...)»
Mais tarde, o Código do Notariado aprovado pelo Decreto-Lei nº 47619, de 31 de Março de
1967, veio dispor:
«Artigo 89º
(Exigência de escritura)
Devem celebrar-se por escritura pública, além de outros especialmente previstos na lei:
a) Os actos que importem reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou
extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, enfiteuse, superfície ou de
servidão sobre coisas imóveis;
(...)»
«Artigo 90º
(Excepções)
São praticados nos termos da legislação especial respectiva:
a) Os actos em que intervenham como outorgantes pessoas colectivas de direito público
(...)
e) Os actos regulados pelas leis de processo.»
([17]) Operada pelos Decretos-Leis nºs 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de
Setembro, com início de vigência em 1 de Janeiro de 1997.
([18]) AMÉRICO DE CAMPOS COSTA, A transmissão de propriedade por meio de hasta
pública, separata de Ciência e Técnica Fiscal, nº 74 (Fevereiro de 1965), pág. 56.
([19]) ARTUR ANSELMO DE CASTRO, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 2ª
ed., Coimbra Editora, Limitada, 1973, pág. 199.
([20]) JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2ª edição,
Coimbra Editora, 1997, pág. 269, nota 6.
([21]) Abstraímos, no delineamento subsequente, quer quanto à junta quer quanto à câmara,
da alienação de bens e valores artísticos dos respectivos patrimónios, objecto de legislação
especial, como resulta das disposições legais transcritas (supra, 3.1.).
([22]) JOÃO COUTO DAS NEVES, Guia Prático dos Eleitos da Administração Local –
Municípios e Freguesias, 2ª edição, Almedina, 1995, pág. 262.
([23]) MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e
outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa – Das Fontes às Garantias, Almedina,
Coimbra, 1998, pág. 82 (itálico nosso).
([24]) Sobre as vinculações jurídico-públicas da actividade de direito privado da
Administração Pública, v. MARIA JOÃO ESTORNINHO, A Fuga para o Direito Privado –
Contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública,
Almedina, Coimbra, 1996, págs. 163 e segs.
([25]) ANTÓNIO CÂNDIDO DE OLIVEIRA, ob. cit., pág. 297.
([26]) Cfr., v. g., o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Maio de 1990
(Apêndice ao Diário da República, 31 de Janeiro de 1995, pág. 3484), e o acórdão nº
421/98 do Tribunal Constitucional, de 3 de Junho de 1998, que julgou inconstitucionais
normas de um regulamento camarário para a venda de determinado bem em hasta pública
(Diário da República, II Série, nº 165, de 20 de Julho de 1998).
([27]) Apoio Jurídico às Autarquias Locais, 1991, vol. I, edição da Comissão Coordenadora
da Região de Lisboa e Vale do Tejo, pág. 37. Vão no mesmo sentido referências constantes
dos pareceres do Conselho Consultivo mencionados infra, no ponto 7.1., desde logo no
parecer no 105/51, onde se afirma que «a lei não dispensa a hasta pública como verdadeira
licitação», bem como de acórdãos identificados em 7.2.
([28]) J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 9ª
Reimpressão, Almedina, Coimbra, 1996, pág. 105.
([29]) J. DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1979, pág. 199.
([30]) CASTRO MENDES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1984, pág. 66 e segs.;
MENEZES CORDEIRO, “Anotação” à sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de
Lisboa de 15 de Março de 1987, em O Direito, Ano 121º, 1989, I (Janeiro-Março), págs. 192-
193.
([31]) Também o Conselho Consultivo tem, com alguma frequência, abordado questões
relacionadas com normas de remissão: a título exemplificativo, v. os pareceres nºs 109/85
(Diário da República, II Série, nº 189, de 19 de Agosto de 1986), 134/85 (inédito), 70/86
(Diário da República, II Série, nº 201, de 2 de Setembro de 1987), 73/87 (Diário da
República, II Série, nº 181, de 8 de Agosto de 1989), 92/87, de 11 de Fevereiro de 1988
(Diário da República, II Série, nº 218, de 20 de Abril de 1988), 82/88, de 13 de Julho de
1988 (inédito), 109/88-Compl., de 12 de Julho de 1989 (Diário da República, II Série, nº 223,
de 27 de Setembro de 1989), 121/88 (Diário da República, II Série, nº 205, de 5 de
Setembro de 1990), 40/90, de 7 de Novembro de 1991 (Diário da República, II Série, nº 168,
de 23 de Julho de 1992), 7/93, de 17 de Agosto de 1993 (inédito), 23/93, de 10 de Fevereiro
de 1994, e 48/95, de 18 de Abril de 1996 (os dois últimos homologados mas não
publicados).
([32]) Cfr. MENEZES CORDEIRO, ob. e loc. cits., e os pareceres nºs 109/88-Compl. e 7/93,
referidos na nota precedente.
([33]) O parecer nº 4/95 do Conselho Consultivo (Diário da República, II Série, nº 151, de 7
de Julho de 1995) analisa o âmbito objectivo da aplicação do Decreto-Lei nº 309/89 a partir
da questão – que resolve pela negativa –, da sua aplicabilidade à «alienação dos imóveis
adquiridos pelo Fundo de Turismo, em processo de execução dos seus créditos».
([34]) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, posteriormente alterado pelos
Decretos-Leis nºs 303/93, de 1 de Setembro, 47/95, de 10, de Março, 165/95, de 15 de
Julho (este alterado, por ratificação, pela Lei nº 4/96, de 27 de Fevereiro), 7/96, de 7 e
Fevereiro, pela Lei nº 10-B/96, de 23 de Março, pelo Decreto-Lei nº 125/96, de 10 de
Agosto, pela Lei nº 52-C/96, de 27 de Dezembro, e pelos Decretos-Leis nºs 23/97, de 23 de
Janeiro, 20/97, de 21 de Janeiro, 202/97, de 8 de Agosto, e 24/98, de 9 de Fevereiro.
([35]) Uma situação semelhante se passa no domínio das jurisdições administrativa e fiscal,
onde o Supremo Tribunal Administrativo tem qualificado de estática a remissão feita pelo
artigo 102º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos para a regulamentação do
recurso por oposição de julgados constante do Código de Processo Civil. Assim, apesar de
terem sido revogadas no âmbito da reforma do processo civil (artigos 3º e 17º, nº 1, do
Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), as normas dos artigos 765º a 767º do Código
de Processo Civil continuam aplicáveis, com as necessárias adaptações, à regulação da
tramitação do recurso por oposição de julgados para o Pleno da Secção - acórdão da 1ª
Subsecção, de 24 de Abril de 1996, Processo nº 36643 (Boletim do Ministério da Justiça, nº
456, pág. 253), acórdão da 1ª Secção de 16 de Outubro de 1997, Processo nº 40735
(Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, Ano XXXVII, nº 438, pág. 729),
acórdão do Pleno da 1ª Secção, de 31 de Março de 1998, Processo nº 41058 (Acórdãos
Doutrinais..., Ano XXXVII, nº 442, pág. 1262); acórdão de 12 de Maio de 1999, do Pleno da
5ª Secção, Processo nº 22143; no mesmo sentido JORGE SOUSA e SIMAS SANTOS,
Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, Editora Rei dos Livros, 1977, pág. 409.
([36]) Votado na sessão de 14 de Fevereiro de 1952, e homologado por despacho do
Ministro do Interior, de 22 de Fevereiro de 1952 (Diário do Governo, nº 176, de 26 de Julho
de 1952, e Boletim do Ministério da Justiça, nº 34, pág. 215).
([37]) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 26118, de 24 de Novembro de 1935.
([38]) Votado na sessão de 1 de Outubro de 1962; inédito, não homologado.
([39]) Não publicado nem homologado.
([40]) No parecer nº 46/69 (complementar), de 19 de Março de 1970 (inédito e não
homologado), ainda sobre Misericórdias, o Conselho concluiu: «Não há quaisquer razões
legais que imponham a modificação da conclusão 4ª do parecer desta Procuradoria-Geral nº
46/69, de 13 de Novembro de 1969, em abono da qual concorrem ainda as considerações
aqui expendidas.»
([41]) Apêndice ao Diário do Governo, nº 296, de 16 de Novembro de 1963, pág. 5.
([42]) Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, Ano III, Novembro de 1964,
nº 35, pág. 1360 e segs.
([43]) Atentas as particularidades da situação a que se refere, afigura-se-nos que o acórdão
do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Novembro de 1988 (supra, nota 1) terá
reduzido interesse para a resolução da questão que nos ocupa. O acórdão é tirado em
matéria relacionada com a reforma agrária, cujas bases gerais foram aprovadas pela Lei nº
77/77, de 29 de Setembro. Esta lei atribuía aos proprietários dos prédios expropriados o
direito de reserva de uma área da propriedade, a determinar de acordo com certos critérios
(artigo 25º e segs.); o titular do direito de reserva gozava dos direitos de propriedade da
área de reserva (artigo 38º, nº 1), sendo-lhe «entregue um alvará de concessão do seu
direito, que terá força probatória plena, nomeadamente para a primeira inscrição no registo
predial» (artigo 38º, nº 5). O acórdão em referência limita-se, no âmbito das disposições
legais mencionadas, a constatar que o titular da reserva goza do direito de propriedade
sobre a área desta e tem direito à passagem de alvará (emitido pelo Ministério da
Agricultura e Pescas), documento que tem força probatória plena, nomeadamente para a
primeira inscrição no registo predial. Nestas condições, pareceria, porventura, excessivo
que das disposições legais referidas e das particularidades desta matéria - a menor das
quais não é certamente a circunstância de a mesma pessoa ter sido antes dona do prédio
expropriado e ser agora titular do direito de reserva de uma área desse mesmo prédio -, se
pudessem extrair ilações acerca da pertinência e força jurídica atribuídas ao alvará.
Aliás, importa ter presente que a Lei nº 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da
Reforma Agrária), cujo artigo 51º revogou a Lei nº 77/77, manteve o direito de reserva
(artigo 13º), o qual passou a ser atribuído por despacho, que «tem força probatória plena,
nomeadamente para efeitos de inscrição no registo predial» (artigo 14º, nº 3).
Esta última lei veio a ser revogada pela Lei nº 86/95, de 1 de Setembro (Lei de bases do
desenvolvimento agrário).
([44]) Obra citada na nota 18.
([45]) Autor e ob. cits., págs. 55 e 64.
([46]) Ibidem, págs. 65-66. CAMPOS COSTA invoca, nesta parte, o que MARCELLO
CAETANO afirmava na 1ª edição do seu Manual de Direito Administrativo: «As nomeações
da competência dos corpos administrativos, como deliberações em reunião, têm que ficar
exaradas na respectiva acta, de que se extrairá alvará para execução e publicação no jornal
oficial».
([47]) Ob. cit., págs. 68-69.
([48]) Acórdãos Doutrinais..., Ano XVIII, nºs 212-213, págs. 752 e segs.
([49]) Outras decisões do Supremo Tribunal Administrativo têm subjacentes situações de
facto indiciadoras de opção pela via da escritura pública - cfr., quanto à alienação de lotes
de terreno pela autarquia, o acórdão de 10 de Maio de 1990 (Apêndice ao Diário da
República de 31 de Maio de 1995); quanto à cedência do direito de superfície, o acórdão de
1 de Abril de 1993 (Apêndice ao Diário da República de 19 de Agosto de 1996); e, quanto a
um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, o acórdão de 9 de Junho de 1998,
Processo nº 43744.
([50]) Citam-se, a este propósito, MANUEL PEREIRA e J. GOMES LUÍS, Autarquias Locais,
Rei dos Livros, pág. 115, JOÃO DO COUTO NEVES, Guia Prático dos Eleitos da
Administração Local, Almedina, Coimbra, 1988, pág. 278. Note-se, porém, que este último
autor, na 2ª edição desta obra (Almedina, 1995, pág. 374), substituiu a anterior anotação -
«Não têm validade jurídica os alvarás com que se pretenda provar o reconhecimento,
constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de propriedade (...)
sobre coisas imóveis - art. 89º do Código do Notariado» - por uma tomada de posição
diferente, embora não muito assertiva: «O art. 89º do Cód. do Notariado determina que
devem celebrar-se por escritura pública, além de outros, os actos que provem o
reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou extinção dos direitos de
propriedade, usufruto, uso e habitação, direito de superfície ou de servidão sobre coisas
imóveis. Todavia, tendo em conta o que estabelece o art. 90º do mesmo Código, tem-se
considerado excepção àquela regra os alvarás, passados para aquele efeito, quando por
pessoas colectivas de direito público, como acontece nas autarquias e ao abrigo deste art.
87º, mas é indispensável que dele constem todos os elementos necessários ao registo na
Conservatória do Registo Predial.»
([51]) Etimologicamente, a palavra vem do árabe - al-barãâ, «carta, cédula; recibo» (JOSÉ
PEDRO MACHADO, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 4ª ed., vol. I, Livros
Horizonte, Lisboa, pág. 219).
([52]) HENRIQUE MARTINS GOMES, «Alvará», em Dicionário Jurídico da Administração
Portuguesa, vol. I, 2ª ed., 1990, pág. 373; o teor do texto desta entrada remonta a 1965,
data da 1ª edição deste volume do Dicionário.
([53]) MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10ª edição
(Reimpressão), Almedina, Coimbra, 1980, pág. 196, nota (1). Partindo desta noção de
alvará, afirma-se no parecer nº 46/69 (compl.) do Conselho Consultivo: «a doutrina, na falta
de um conceito legalmente delimitado, tem considerado o alvará como uma forma solene de
um acto administrativo, definindo-o, com recurso ao disposto no artigo 356º do Código
Administrativo, como documento firmado pela autoridade competente – que não pode deixar
de ser aquela que possa praticar actos administrativos – pelo qual esta faça saber a quem
dele tome conhecimento a existência de certo direito constituído em proveito de
determinada pessoa».
([54]) No direito espanhol, com o nome albarán ou albalá, designam-se documentos
diversos, com aplicação nas relações jurídicas, que têm em comum a circunstância de
constituírem a prova da existência de um direito ou do cumprimento de uma obrigação por
parte do seu titular ou detentor (Nueva Enciclopedia Jurídica, Tomo II, Barcelona, Francisco
Seix, Editor, 1950, pág. 524).
No Brasil, DE PLÁCIDO E SILVA (Vocabulário Jurídico, vol. I, 11ª edição, Rio de Janeiro,
1991, pág. 143) escreve, quanto ao sentido actual do alvará:
«É a ordem escrita, emanada de uma autoridade, judicial ou administrativa, para que se
cumpra um despacho ou se possa praticar determinado ato.
Quando oriundo da autoridade judicial, o alvará tem a equivalência de mandado judicial. E
assim se diz alvará para levantamento de um depósito, alvará de suprimento de
consentimento ou de outorga.
O alvará judicial é o decreto mandado lavrar pelo juiz, para que se cumpra uma decisão por
ele tomada, seja em sentença dada, seja por mero despacho.
Quando expedido pela autoridade administrativa, o alvará implica uma licença. E assim se
diz: alvará de licença, alvará para construção, alvará para comércio ou para oficinas.
Também se diz alvará, para as licenças fornecidas pela autoridade policial, no sentido de
que o seu portador pratique o acto ali indicado: alvará para porte de arma.»
([55]) Supra, nº 3.1.
([56]) A alínea i) do nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 100/88, «para os efeitos deste
diploma», contém mesmo uma definição de alvará: «documento titulado a uma empresa,
relacionando todas as autorizações que detenha em cada um dos ramos de actividade -
empreiteiro de obras públicas, industrial de construção civil ou fornecedor de obras
públicas».
([57]) Alterado pela Lei nº 29/92, de 5 de Setembro, pelo Decreto-Lei nº 250/94, 15 de
Outubro (objecto da declaração de rectificação nº 2-B/95, de 31 de Janeiro, Diário da
República, I-A Série, de 31 de Janeiro de 1995, 3º Suplem.), e pela Lei nº 22/96, de 26 de
Julho. Não nos parece que da obrigação de inscrição no registo predial da emissão de
alvará de loteamento - artigo 95º, nº 1, alínea a), do Código de Registo Predial - algum
argumento decisivo se possa extrair para a resolução da questão que nos ocupa: uma coisa
é o registo da emissão do alvará de loteamento, outra a transmissão (eventualmente pela
autarquia) dos próprios lotes.
([58]) Alterado pela Lei nº 25/92, de 31 de Agosto, e pelos Decretos-Leis nºs 302/94, de 19
de Dezembro, e 334/95, de 28 de Dezembro.
([59]) Objecto da rectificação nº 11-A/97, Diário da República, I-A Série, de 30 de Junho (5º
Suplemento).
([60]) A par do alvará, as «estações emissoras e retransmissoras carecem de licença que
ateste a legalidade da sua utilização no quadro do respectivo alvará»; a licença é emitida
pelo Instituto das Comunicações de Portugal, é concedida pelo período (renovável) de cinco
anos, e «caduca quando, conjuntamente com o alvará, não forem transmitidas as
respectivas estação ou estações emissoras e retransmissoras» (artigo 24º do Decreto-Lei nº
130/97).
Sobre os conceitos de licença, autorização e concessão, podem ver-se os pareceres do
Conselho Consultivo nºs 42/93, de 7 de Julho de 1994 (inédito), e 33/98, de 28 de Maio de
1998 (Diário da República, II série, nº 197, de 27 de Agosto de 1998).
([61]) Tendencialmente, dissemos. Não está excluída a possibilidade de certo tipo de alvarás
conterem normas contratuais. Por exemplo, o alvará de loteamento pode conter normas
contratuais integrantes do chamado contrato de urbanização (o qual reveste natureza
administrativa) - quer «obrigações contratuais que se relacionam directamente com o
deferimento do pedido de licenciamento, e que constituem as diversas condições que o
loteador deverá observar», quer «aquelas outras que poderão ser livremente estabelecidas
entre a câmara municipal e os interessados na operação, e que ficam também a constituir o
objecto do contrato de urbanização»; este, «quando for celebrado, fica anexo ao alvará e as
estipulações passam a fazer parte integrante dele» (CARLOS ALBERTO FERNANDES
CADILHA, Aspectos contratuais do loteamento urbano - Contrato de urbanização, Coimbra,
1990, págs. 11-15, 19 e 34 [separata do vol. LXII (1986) do Boletim da Faculdade de Direito
de Coimbra].
([62]) Cfr., por exemplo, quanto ao regime dos loteamentos urbanos, os artigos 58º e 59º do
Decreto-Lei nº 448/91.
([63]) O artigo 59º do Decreto-Lei nº 445/91 considera crime de desobediência o desrespeito
do acto administrativo que determine a entrega do alvará de licença de construção.
([64]) Cfr. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10ª edição
(reimpressão), Almedina, Coimbra, 1980, pág. 474; J. M. SÉRVULO CORREIA, Noções de
Direito Administrativo, vol. I, Editora Danúbio, Lda, Lisboa, 1982, pág. 389; MÁRIO
ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, Almedina, Coimbra, 1980, pág. 465;
e JOSÉ MANUEL DA S. SANTOS BOTELHO, AMÉRICO J. PIRES ESTEVES e JOSÉ
CÂNDIDO DE PINHO, Código do Procedimento Administrativo, 3ª edição, Almedina,
Coimbra, 1996, pág. 157.
([65]) Direito Administrativo, cit., pág. 465, nota 3.
([66]) JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, vol. I, 8ª edição,
Almedina, Coimbra, 1994, pág. 221.
([67]) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume II, 4ª edição
revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 162. ([68]) Uma súmula das
diversas posições pode ver-se em MARIA JOÃO ESTORNINHO, ob. cit., págs. 306-310;
além dos autores e acórdãos aí citados. V. também AFONSO QUEIRÓ, Lições de Direito
Administrativo, vol. I, Coimbra, 1976, págs. 185-186, de que destacamos: «as pessoas
colectivas públicas têm ou podem ter um património privado, podem celebrar contratos de
direito privado», sendo certo que «a aplicação do direito privado pela administração é
precedida de actos administrativos»; e os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de
10 de Maio de 1990, de 1 de Abril de 1993, de 17 de Junho de 1997, Processo nº 41595, e
de 9 de Junho de 1998, Processo nº 43744.
V. também sobre esta matéria, v. JOSÉ MANUEL SÉRVULO CORREIA, Legalidade e
Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 532 e
segs.
([69]) JOÃO CAUPERS, Direito Administrativo, 2ª ed., Editorial Notícias, Lisboa 1996, págs.
48-49.
Deparamos com um exemplo recente da privatização do universo regido pelo direito
administrativo na Lei nº 58/98, de 18 de Agosto (Lei das Empresas Municipais,
Intermunicipais e Regionais). O seu artigo 5º, sobre a forma e publicidade destas empresas,
estabelece:
«1 - As empresas constituem-se por escritura pública.
2 - Para a celebração da escritura pública é também competente o notário privativo do
município onde a empresa tiver a sua sede.
3 - O notário deve, oficiosamente, a expensas da empresa, comunicar a constituição e os
estatutos, bem como as respectivas alterações, ao Ministério Público e assegurar a
respectiva publicação no Diário da República e num dos jornais mais lidos na área.»
Incidentalmente, deparamos no nº 2 transcrito com uma resposta possível à questão (não
colocada) de saber qual o notário competente para lavrar a escritura de compra e venda -
se o notário tout court, se o notário privativo da câmara municipal [artigo 3º, nº 1, alínea b),
do Código do Notariado].
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