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PERSPECTIVAS PARA O COMÉRCIO EXTERIOR
Anos 90As transformações na indústria e as exportações brasileiras
Pedro da Motta VeigaConsultor da Funcex
A economia brasileira viveu, durante os anos 90, um período de transformações intensas e aceleradas, em
função da convergência entre a estabilização macroeconômica e as reformas regulatórias, que ampliaram o
grau de exposição dos produtores domésticos à competição internacional e reduziram o papel do Estado
como produtor de bens e serviços.
Com a década quase concluída, já é possível esboçar uma análise do que ocorreu com a indústria e com as
exportações brasileiras neste período de mudanças. Apoiando-se sobre os resultados de uma série de
estudos efetuados na segunda metade desta década, este trabalho busca trazer alguns elementos
analíticos que possam contribuir não somente para entender a trajetória recente da economia real, mas
também para discutir os desafios de política que se colocam para os próximos anos.
A indústria nos anos 90: fontes de transformação estrutural
A avaliação do desempenho da indústria e da evolução da estrutura industrial na década de 90 tem atribuído à
liberalização comercial um papel central entre os fatores que condicionarão o perfil da indústria brasileira na
virada do século. De um lado, os defensores da abertura comercial atribuem a ela os ganhos de produtividade e
o aumento da competitividade obtidos pela indústria ao longo da década. De outro, os críticos da liberalização
vêem na abertura “precipitada” a origem não só das dificuldades por que passou a indústria nesta década, mas
até mesmo de um processo de desindustrialização cujo paradigma seria o setor de bens de capital.
É indiscutível o papel da liberalização comercial como fator condicionante da evolução da indústria brasileira
nos anos 90. Genericamente, ela contribuiu de forma direta para moldar um ambiente de negócios caracteriza-
do por um grau de contestabilidade dos mercados muito superior àquele vigente nas décadas anteriores, tor-
nando a busca de aumentos de produtividade e de competitividade um objetivo central das estratégias empre-
sariais. Além disso, constituiu uma precondição essencial para a drástica redução dos níveis de inflação.
Diversos estudos ressaltaram o papel da abertura comercial como fator indutor do crescimento da produtivi-
dade da indústria, do aumento acentuado dos coeficientes de importação dos distintos setores e das
reduções de margens e de custos das empresas industriais (cf. a Tabela 1, abaixo. Veja-se, ainda, Moreira
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e Correa, 1997; Hay, 1997). Em alguns setores, o crescimento das importações significou a redução
substancial do valor agregado domesticamente pela indústria, como resultado de estratégias de des-
verticalização, de especialização e de aumento da eficiência das empresas.
Os impactos da liberalização sobre a participação da indústria no produto total da economia e sobre a estru-
tura industrial são menos claros e não há evidências de modificações estruturais cumulativas importantes na
década. De acordo com Bonelli e Gonçalves (1998), a participação da indústria no PIB total caiu um ponto
percentual (de 23% para 22%) entre 1990 e 1995, não havendo qualquer evidência de que a liberalização te-
nha acelerado a tendência de queda de participação registrada desde a década anterior. No que se refere à
estrutura industrial, também não parece ter havido mudanças significativas, ressaltando, entre 1990 e 1997, a
estabilidade das participações dos diferentes setores no produto industrial e, no caso das alterações registra-
das, a relevância de fenômenos com forte componente conjuntural. De fato, algumas das tendências de alte-
ração na estrutura industrial detectadas em estudos realizados até hoje poderiam refletir mais os impactos ini-
ciais da abertura e o crescimento da demanda doméstica posterior ao Plano Real do que deformações estrutu-
rais, irreversíveis no curto prazo. A Tabela 2, abaixo, confeccionada a partir de grupos de setores industriais,
confirma estas afirmações acerca da estabilidade da estrutura industrial brasileira nos anos 90, matizada pelo
crescimento da participação do complexo automotivo e pela perda de participação no produto industrial do gru-
po de difusores de progresso técnico, ou seja, dos produtores de bens de capital.
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Embora reconhecendo o papel fundamental da liberalização do regime de comércio para criar um ambiente
de negócios operando segundo uma lógica de busca de produtividade e de aumento de eficiência, é
importante não atribuir exclusivamente a esta mudança o perfil industrial que emerge ao final da década.
Passados cinco anos da conclusão do processo de liberalização comercial, a relevância deste fator para o
desempenho da indústria na década parece solidamente estabelecida, mas tornou-se clara a importância de
agregar à análise outros fatores. Indo além da constatação de que as mudanças operadas na política
comercial reduziram bastante os níveis de proteção concedida a todos os setores, o primeiro destes fatores
refere-se às características específicas da liberalização comercial e à política de importação posterior a
1994 e, em especial, ao grau de discriminação intersetorial resultante da evolução destes processos.
Na realidade, estes processos parecem ter gerado uma estrutura de proteção do valor agregado industrial
fortemente heterogênea, em termos intersetoriais, beneficiando, em boa medida, os mesmos setores
favorecidos pela política industrial e de apoio às exportações das décadas anteriores: setores auto-
mobilístico, eletroeletrônico e de bens de capital (ver Tabelas 3 e 4). Neste sentido, a política de importação
dos anos 90 introduz uma ruptura significativa com a tradição protecionista da política comercial brasileira,
mas ao fazê-lo não abandona a opção por estruturas de proteção e de incentivos fortemente dis-
criminatórias em termos intersetoriais.
A relevância desta característica é reforçada pelo fato de que sobreviveram e foram criados, ao longo da dé-
cada, regimes setoriais de incentivos ao investimento e à produção, que beneficiam, entre outros, setores já
favorecidos por níveis importantes de proteção comercial, na fase de pós-abertura. A existência destes regi-
mes constitui um outro fator condicionante da evolução da indústria nos anos 90. O regime automotivo é o
modelo mais completo, enquanto a Zona Franca de Manaus é o melhor exemplo de herança de incentivos,
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mantidos intactos ao longo da década. As condições mais favoráveis dos financiamentos concedidos pelo
BNDES aos setores de calçados e têxteis são formas mais brandas, mas nem por isto irrelevantes, de
discriminação a favor de alguns setores industriais. A estes regimes federais, somaram-se, a partir de
meados da década, as políticas estaduais de atração de investimentos, que se revelaram particularmente
ativas também nos setores automobilístico, eletroeletrônico e informática, têxteis/vestuário e calçados, ou
seja, voltados para setores também beneficiados, no plano federal, por programas ou regimes específicos
de incentivos (ver Quadro 1).
Portanto, as características discriminatórias, em termos setoriais, das políticas de comércio e industriais pra-
ticadas nos níveis federal e subnacional definem, adicionalmente ao crescimento do grau de contes-
tabilidade dos mercados proporcionado pela abertura comercial, um primeiro bloco de fatores
condicionantes da evolução da indústria nos anos 90.
O segundo bloco está relacionado à evolução do quadro macroeconômico e, em especial, aos impactos dos
desequilíbrios macroeconômicos vigentes antes e depois do Plano Real sobre as decisões produtivas e de
investimento. Aqui, cabe ressaltar pelo menos cinco elementos:
Em primeiro lugar, as taxas de juros domésticas se mantiveram elevadas e em níveis muito superiores
àquelas vigentes no mercado internacional durante grande parte da década, o que fez do acesso a fi-
nanciamentos externos ou públicos (via BNDES, por exemplo) um fator crítico na definição da capa-
cidade das empresas para implementarem estratégias de investimentos. Neste contexto, as regras
explícitas ou implícitas de acesso ao crédito público para investimento parecem ter atuado como um
princípio essencial de discriminação entre as empresas, condicionando de perto sua capacidade para
implementar estratégias ofensivas de modernização e reestruturação;
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Em segundo lugar, a apreciação cambial, entre julho de 1994 e janeiro de 1999, “maximizou”, os impac-
tos competitivos da liberalização comercial concluída em 1993 e incentivou a captação de recursos
financeiros externos, inclusive via financiamento às importações;
Em terceiro lugar, as fortes oscilações no nível de atividade econômica em um contexto de compressão
de margens pelas empresas tornaram particularmente difícil a sustentação de estratégias de cresci-
mento baseadas em volume e geraram uma constante vulnerabilidade financeira entre as firmas. Isto
significa que o stop and go na atividade econômica colocou as empresas industriais na dependência do
acesso ao crédito também para giro, reforçando a restrição financeira referida acima.
Em quarto lugar, o crescimento da demanda doméstica posterior ao Plano Real beneficiou de forma
diferenciada os setores e empresas, favorecendo os produtores de bens de consumo duráveis e não
duráveis e induzindo, sobretudo entre 1995 e 1997, um ciclo de investimentos diretos estrangeiros volta-
dos principalmente para estes setores; e
Em quinto lugar, a elevação da carga tributária sobre as empresas e, em especial, dos impostos “em
cascata” onerou relativamente mais as empresas dos setores terminais das cadeias produtivas e, em
especial, daquelas que não têm condições de repassar estes aumentos de custos a seus preços. Este
mesmo processo desestimula estratégias de especialização e de desverticalização, que podem ser es-
senciais para o aumento da eficiência da cadeia produtiva.
Um terceiro bloco de fatores condicionantes da evolução da indústria diz respeito às características de
certas reformas regulatórias introduzidas ao longo dos anos 90 e que determinaram o surgimento de um
viés setorial e/ou microeconômico. Entre estas reformas, cabe destacar o programa de privatizações e a
participação do Brasil no processo de integração sub-regional. Garrido e Peres (1997) observam que, em di-
versos países da América Latina, o modus operandi destas mudanças tendeu a beneficiar os grandes gru-
pos econômicos nacionais, seja pelo “acesso privilegiado (destes) às principais privatizações”, seja pelo
controle exercido por ele ou por suas representações classistas sobre o processo de participação do setor
privado nas negociações comerciais internacionais, abundantes na região na presente década.
No caso do Brasil, a afirmação dos autores parece plenamente válida,1 mas caberia agregar aos grandes
grupos nacionais as empresas transnacionais, inicialmente discriminadas no processo de privatização e
fortemente presentes nas negociações com os parceiros brasileiros no Mercosul e na Aladi. Além disto, as
negociações comerciais no Mercosul claramente definiram um perfil de participação do Brasil, onde ressalta
a preocupação com a proteção dos setores de bens de capital, de automóveis, informática e
telecomunicações em relação ao resto do mundo (exceções nacionais à TEC, regime automotivo).
Ao lado destes três blocos de fatores, houve certamente outros que tiveram papel relevante para a evolução
da indústria na década. Dois deles merecem destaque, nos limites deste trabalho.
Primeiro, a situação dos diferentes setores e empresas no início da década, ou seja, sua posição “de
entrada” nos anos 90. Ferraz et alii (1996) fazem referência a este fator, como importante condicionante das
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trajetórias posteriores de evolução da indústria. Neste caso, contam tanto os ganhos de produtividade e
competitividade e os investimentos feitos antes dos anos 90, quanto as competências e habilidades acu-
muladas nas diferentes empresas e setores, definindo condições diferenciadas para enfrentar a mudança
de ambiente que marcaria os anos 90. Os setores produtores de commodities industriais e de bens de con-
sumos duráveis, controlados respectivamente por grandes grupos econômicos nacionais e por empresas
transnacionais, são identificados pelos autores como sendo os que desfrutavam, no início da década, de
melhores condições para enfrentar a transição.
Segundo, a abundância de recursos financeiros internacionais, disponíveis a partir de 1994, que aumentou a
competitividade das importações frente à produção doméstica, afetando especialmente o setor de bens de capi-
tal, e que representou, para as grandes empresas nacionais e transnacionais, uma importante fonte de recursos
para investimentos e capital de giro a taxas muito inferiores àquelas praticadas no mercado doméstico.
Este conjunto de fatores “moldou” a evolução da indústria brasileira ao longo da década de 90, de-
terminando o surgimento de um perfil industrial cujas características mais notáveis são as seguintes:
Não ocorreu nenhum processo amplo ou cumulativo de desindustrialização, como previam os críticos da
abertura comercial: houve perda de valor agregado doméstico, como resultado de estratégias em-
presariais de superação de ineficiências estruturais da indústria, herdadas do período de protecionismo
generalizado. Esta perda de valor agregado foi particularmente importante em alguns segmentos e se-
tores, como o de bens mecânicos de capital, e foi intensificada pela apreciação cambial e pela abundância
de financiamento às importações. É, portanto, pelo menos em parte, passível de alguma reversão. No
essencial, porém, pode-se considerar que esta tendência apenas estaria corrigindo, segundo critérios de
eficiência e de competitividade, excessos do modelo dominante na fase de substituição de importações;
É inegável o comprometimento do desempenho agregado da indústria, em termos de crescimento do
produto, de investimentos e de exportações. Os fatores relacionados aos desequilíbrios macroeco-
nômicos, que se mantiveram antes e depois do real, parecem ter desempenhado o papel central;
As mudanças na estrutura industrial foram limitadas e parecem associadas, tanto em termos de desem-
penho produtivo quanto de novos investimentos, à liberalização das importações, mas também ao
crescimento do mercado doméstico posterior a 1994, à vigência de regimes setoriais de incentivos e,
secundariamente, à formação do Mercosul. Apresentam pois um certo grau de reversibilidade e podem
revelar tendências não-cumulativas, no caso de mudanças drásticas no quadro macroeconômico;
Houve um aumento considerável da participação de empresas transnacionais em setores como os de
alimentos, eletrodomésticos e autopeças, crescimento apoiado principalmente na aquisição de
empresas de capital até então majoritariamente nacional;
O núcleo dinâmico da indústria, no que se refere a ganhos de competitividade, à introdução de novas
técnicas de qualidade e produtividade e ao volume de novos investimentos inclui os setores de bens de
consumo duráveis (cadeia automotiva, eletrônicos de consumo, eletrodomésticos), alguns setores pro-
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dutores de não-duráveis (alimentos e bebidas, higiene e limpeza) e de bens intermediários (química,
borracha, siderurgia). São setores fortemente dominados por empresas transnacionais ou por grandes
grupos econômicos nacionais;
Não há qualquer evidência de um downgrading da estrutura industrial ou da pauta de exportações com
concentração crescente em torno de setores produtores de commodities intensivos em recursos naturais.
A estrutura industrial não se moveu na direção destes setores e o mesmo pode ser dito da pauta de
exportações, bastante concentrada, desde a década anterior, em commodities industriais e agrícolas;
Se as previsões pessimistas acerca da mudança estrutural na indústria e em sua inserção internacional não
se confirmaram, é preciso reconhecer que i) a dinâmica industrial dos anos 90 não foi capaz de pôr em
marcha um círculo virtuoso de expansão significativa da capacidade produtiva da indústria via novos
investimentos; e ii) “a abertura comercial (ii.a) não reorientou, até o momento, a economia em direção às
atividades exportadoras” (Fonseca et alii, 1998), (ii.b) não alterou o padrão setorial de especialização
internacional da indústria, herdado da década de 80, e (ii.c) não foi capaz de eliminar mecanismos setoriais
de promoção e proteção que reproduzem, ainda no final da década de 90, um razoável viés antiexportador.
Este conjunto de evoluções, que resiste a simplificações e a visões esquemáticas, resulta do jogo dos fa-
tores condicionantes já referidos, cuja característica essencial é o fato de introduzir, no ambiente de ne-
gócios da indústria, tanto restrições e ameaças, quanto fortes oportunidades para as empresas com
produção no país ou interessadas em aí investir. A presença simultânea, na década de 90, de intensas
ameaças e de importantes oportunidades, sucedendo a um período de retração generalizada do inves-
timento e de estagnação da produção e da produtividade industrial, certamente produziu diferenciações
inter e intra-setoriais, em função da atuação do conjunto de fatores condicionantes.
As ameaças e oportunidades geradas pelos fatores aqui considerados não se distribuíram homogeneamente por
todo o tecido industrial, mas determinaram o surgimento de estruturas fortemente diferenciadas de incentivos
para investir e produzir e para adotar estratégias mais ou menos ofensivas de adaptação ao novo ambiente. A
distribuição diferenciada de incentivos se deu segundo três critérios: o porte das empresas, sua origem de capital
e os setores a que pertencem. Este ponto voltará a ser discutido na quarta seção do trabalho.
O desempenho das exportações nos anos 90
Entre 1964 e 1990, as exportações brasileiras experimentaram um duplo movimento: de crescimento, em
termos de valores exportados, e de diversificação. No que diz respeito ao crescimento, passa-se, entre 1964
e 1990, de médias anuais nominais em torno de US$ 1,6 bilhão, no triênio 1964/66, para US$ 33,2 bilhões,
em 1988/90. Este crescimento não é, porém, linear: há períodos de forte crescimento, concentrados no final
dos anos 60 e início dos 70, bem como nos primeiros anos da década de 80, e períodos com taxa reduzida
de crescimento e fortes variações entre os desempenhos anuais – o que constitui a regra nos anos 80.
Entre meados da década de 60 e o primeiro choque do petróleo, a participação das exportações brasileiras
no comércio mundial passou de 0,8% para 1,1%, caindo de novo para 0,9%, no final dos anos 70. Entre
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1979 e 1984, um novo ciclo de crescimento acelerado das exportações leva a participação do país no
comércio mundial ao nível de 1,4%, que não se sustenta nos anos seguintes: gradativamente, esta parti-
cipação reduz-se aos atuais 0,9%. Para alguns autores, data de meados da década de 80 o início de um
longo processo de deterioração da competitividade das exportações de bens industriais produzidos no
Brasil, ainda não revertido.
Na segunda metade dos anos 80, a deterioração da situação macroeconômica e o crescimento da inflação
comprometem o desempenho presente e futuro das exportações ao determinar a tendência recorrente à
queda das taxas de câmbio reais, a queda das taxas de investimento e o desmantelamento do aparato insti-
tucional e financeiro de apoio às exportações.
Todos os indicadores de competitividade utilizados por Bonelli (1992) – relação câmbio-salário, taxas de
câmbio reais, índices relativos de preços de exportação e custos unitários de mão-de-obra – sancionam a
constatação de perda de rentabilidade da atividade exportadora a partir de meados dos anos 80, e o
esgotamento, a partir de então, do “efeito competitividade” sobre o desempenho das exportações
brasileiras. Segundo Bonelli, a partir de 1984, a contribuição do “efeito competitividade” ao desempenho
agregado das exportações brasileiras torna-se negativa.
A perda de dinamismo das exportações, sobretudo no caso de manufaturados, interrompe o processo de
diversificação da pauta de produtos e de redução da participação dos produtos de origem agropecuária
(café solúvel, carne bovina industrializada, madeira e fios/tecidos de algodão). O crescimento observado, na
década de 70, da participação de bens de capital mecânicos e elétricos e de material de transporte na pauta
de exportações também não se sustenta durante a década de 80 e, sobretudo, na segunda metade desta.
Estudo recente, Fasano (1998) sugere que a deterioração do desempenho comercial dos produtos manu-
faturados brasileiros de fato se iniciou na segunda metade dos anos 80, tendo o Brasil perdido market-share
nos seus principais mercados de exportação, à exceção dos países do Mercosul. A participação dos
manufaturados brasileiros nas importações dos Estados Unidos, por exemplo, se reduziu, entre 1985 e
1990, de 1,76% para 1,39%, ou seja, uma redução equivalente a 21%, no período. No mercado do Japão, a
participação dos manufaturados brasileiros cai de 1,41% para 1,16%, registrando redução equivalente a
17,8 % no período entre 1985 e 1990.
Estes dados, juntamente com os indicadores de especialização internacional (ou vantagens comparativas
reveladas) da indústria, parecem confirmar que, já no final dos anos 80 e no início da corrente década, o
dinamismo das exportações do país se havia reduzido fortemente, levando a perdas significativas de
market-share nos principais mercados e à crescente concentração da especialização comercial do Brasil em
commodities intensivas em recursos naturais.
A década de 90 não introduziu nenhuma alteração radical em relação ao quadro herdado dos anos 80. No
nível setorial, o desempenho da década de 90 traz escassas novidades: de fato, a característica mais
notável do período envolve o esgotamento do processo de transformação estrutural da pauta exportadora,
iniciado no final da década de 60 e explicitado pela crescente participação dos produtos manufaturados nas
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exportações brasileiras. Assim, durante a década de 90, parece esgotar-se o dinamismo dos setores
emergentes da década de 80, sem que outros setores apresentem desempenho que permita identificar no-
vos “pólos de dinamismo”.
Nos seus principais mercados de exportação, os produtos manufaturados do Brasil continuaram a perder posi-
ções: assim, entre 1990 e 1996, a participação destes produtos no total das importações de manufaturados dos
Estados Unidos passou de 1,39% para 0,95%, uma redução equivalente a 31,7% da participação observada no
primeiro dos dois anos considerados. No caso do mercado do Japão, a queda é da mesma magnitude (32%) e
na Alemanha, ela atinge 32,7% (Fasano, 1998). Ou seja, acentuou-se, nesta década, o processo de perda de
market-share registrada pelos produtos manufaturados brasileiros desde meados dos anos 80.
Dois estudos recentes (Fonseca e Velloso, 1998; Martins e Moreira, 1998) analisam os fatores deter-
minantes do desempenho das exportações brasileiras para os países da OCDE (que absorvem cerca de
75% das vendas externas do país) na década de 90. O estudo de Martins e Moreira (1998) refere-se ao
conjunto das exportações, mas também apresenta resultados desagregados para os produtos primários e
para os produtos industrializados. A perda de participação das exportações brasileiras nos mercados da
OCDE resulta do desempenho dos produtos industrializados, segundo estes autores, e é essencialmente
atribuível ao efeito competitividade, que foi “tão negativo (-35,6%) que superou os efeitos composição e
mercado(...). Este resultado sinaliza a importância das variáveis preço e não-preço (efeito competitividade)
no desempenho exportador brasileiro, uma vez que foram estes elementos que determinaram a perda de
mercado das exportações como um todo”. Portanto, as exportações industriais brasileiras perderam
mercado na década de 90 em função de seu desempenho em termos de preço e de fatores de com-
petitividade não-preço, e não por exportar produtos cuja demanda internacional se revela pouco dinâmica.
No caso dos produtos primários, o desempenho registrado pelos autores é “superior ao necessário para
manter seu market-share no comércio internacional”, tendo a exportação destes produtos crescido 11,2%,
entre 1990 e 1995, contra um crescimento médio das importações da OCDE da ordem de 9% no período. A
Tabela 5 apresenta os principais resultados do exercício realizado por Martins e Moreira (1998).
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Fonseca e Velloso (1998) chegam a conclusão semelhante em sua análise do desempenho exportador das
manufaturas brasileiras na década de 90. Para estes autores, “o problema da falta de dinamismo das expor-
tações brasileiras vai além da composição da pauta de exportação. A falta de dinamismo das exportações
brasileiras é generalizada, sendo que, mesmo nos produtos tradicionais de exportação do Brasil e naqueles
em que o país apresenta vantagem comparativa com relação ao resto do mundo, o Brasil vem perdendo
mercado”. A análise destes autores, feita a três dígitos da SITC, para o conjunto de produtos manufaturados
exportados para os mercados da OCDE, revelou que “o problema das exportações brasileiras de manufa-
turados não se deve à sua ausência nos mercados “dinâmicos”, mas sim à sua falta de competitividade
frente às demais economias (...) A perda de participação brasileira no comércio internacional é conseqüên-
cia da falta de competitividade generalizada dos produtos brasileiros”.
Um trabalho recente da Funcex – Motta Veiga et alii (1999) – sobre o desempenho exportador do Brasil
para o mercado dos EUA na década de 90 sanciona, para o caso deste mercado, a conclusão de que a
composição setorial da pauta desempenha papel secundário na explicação do fraco desempenho expor-
tador do Brasil, ao longo desta década. O trabalho investigou basicamente os determinantes do baixo
dinamismo das exportações brasileiras naquele mercado. De fato, em uma década onde o baixo dinamismo
das exportações brasileiras foi a principal característica de seu desempenho, as vendas para o mercado dos
EUA – cujas importações totais cresceram 10,3% ao ano, entre 1992 e 1997 – se destacam por uma ten-
dência à estagnação, reforçada ao longo da década.
De acordo com este estudo, a comparação entre a composição das pautas de exportações para os EUA e
para o mundo não sugere nenhuma “desvantagem” para a primeira, capaz de contribuir para explicar o mau
desempenho das exportações para os EUA quando comparadas àquelas para o mundo: de fato, os traços
distintivos acima identificados na pauta de exportações para os EUA sugeririam antes que esta é “qualita-
tivamente” superior, em termos tecnológicos e de dinamismo de mercados, do que a pauta para o mundo.
Portanto, ao contrário do que se poderia intuitivamente supor, o efeito-composição da pauta, quando
avaliado pelo critério de adequação às características da demanda internacional, não parece capaz de con-
tribuir para explicar o baixo dinamismo das exportações brasileiras para os EUA, quando comparadas ao
desempenho exportador do país para o mundo. Ao contrário, pelo menos do ponto de vista da adequação
ao dinamismo da demanda, seria de se esperar um desempenho superior das exportações para os EUA
comparativamente ao desempenho das vendas para o mundo. O mesmo tipo de mensagem é transmitido
pela análise do desempenho exportador do Brasil para os EUA e para o Mundo, na década de 90, de
acordo com a intensidade tecnológica dos produtos industrializados exportados.2
No caso do mercado dos EUA, se a composição setorial da pauta não explica o baixo dinamismo das expor-
tações, este parece relacionado com i) perdas de market-share setoriais determinadas ou impactadas pelo
efeito Nafta; ii) barreiras tarifárias e não-tarifárias às exportações brasileiras; e iii) outros fatores, como ga-
nhos de competitividade vinculados a aspectos macroeconômicos (evolução das paridades cambiais entre o
Brasil e seus concorrentes no mercado dos EUA) e a desempenhos microeconômicos, que provavelmente
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tiveram papel importante nos ganhos de mercado registrados pelos concorrentes do Brasil, especialmente a
China, os países asiáticos emergentes e o México.
Um número importante de trabalhos realizados pela Funcex nos últimos anos traçou uma detalhada radio-
grafia do desempenho das exportações brasileiras, na década de 90, em termos de composição empresarial
do universo exportador (ver especialmente Motta Veiga et alii, 1998). Este conjunto de trabalhos sugere que
se consolida, ao longo dos anos 90, um padrão de inserção externa via exportações marcadamente di-
cotômico: de um lado, empresas (em geral de grande porte) que integraram as exportações a suas estraté-
gias de crescimento, e de outro, empresas que parecem entrar e sair da atividade exportadora com certa fa-
cilidade e que têm uma relação “oportunista” com a atividade exportadora.
As características mais relevantes detectadas por estes estudos, no plano microeconômico, foram as seguintes:
O número de empresas exportadoras cresce significativamente entre 1990 e 1993, mas se estabiliza a
partir daí e, no caso de certas faixas de tamanho de empresa (pequeno porte) e de alguns estados,
apresenta queda não-desprezível. O resultado é uma crescente concentração das exportações nas
faixas de valor mais elevado. Os grandes exportadores (vendas acima de US$ 20 milhões/ano)
responderam, em 1996, por 73,8% das exportações totais, participação que, em 1993, era de 68,6%.
Em contrapartida, a participação de pequenos e médios exportadores (até US$ 3 milhões/ano) na pauta
cai, entre 1993 e 1996, cerca de 20%. Além disso, a quase totalidade do crescimento das exportações
brasileiras, entre 1993 e 1996, é atribuível ao desempenho dos grandes exportadores. De fato, o
desempenho deste grupo explica 96,1% daquele crescimento;
Há uma relevante associação positiva entre continuidade na atividade exportadora e tamanho do
exportador: em 1996, 93% das exportações efetuadas na faixa superior a US$ 50 milhões/ano eram
feitas por exportadores contínuos.
Um exercício adequado para captar a “anatomia microeconômica” do desempenho exportador do Brasil, na
década corrente, é aquele proposto por Roberts e Tybout (1997) para o México, a Colômbia e Marrocos e
aplicado pelo Centro de Estudios para la Producción (1997), do governo da Argentina, para este país. Trata-
se de decompor o crescimento das exportações em dois fatores: os incrementos atribuíveis às empresas
que já exportavam no início do processo e aqueles vinculados a mudanças no universo das empresas
exportadoras. Este último fator, por sua vez, pode ser decomposto em dois efeitos: um decorrente da
entrada líquida de novas empresas na atividade exportadora e outro provocado pela substituição das
empresas desistentes pelas iniciantes.3
O Quadro 2 a seguir apresenta os resultados do exercício para o caso do Brasil e para o período 1990/96.
Os dados confirmam que a contribuição das empresas contínuas ao desempenho exportador do Brasil, no
período, é o elemento mais importante da “anatomia microeconômica” do setor exportador. Há uma forte
contribuição negativa das desistentes (-45,1%) e uma contribuição positiva de cerca de 26% das
exportadoras iniciantes. O efeito entrada líquida é discretamente positivo, refletindo o aumento (líquido) do
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número de exportadores no período, mas o efeito substituição é fortemente negativo, já que as exportações
médias das desistentes eram muito maiores do que as das empresas iniciantes.
Quadro 2 Contribuição das Empresas Exportadoras (Classificadas por Tipo)
ao Crescimento das Vendas Externas (1990/96)
Nº de empresas Exportação Média(US$ milhões)
1990 1996 1990 1996
CrescimentoExportações
1990/1996(US$ milhões)
Contribuição aocrescimento (%)
Exportação total(exclui “outras”)
7.435 10.06 4,11 6
4,37 13.430 100,0
Contínuas 3.951 4.673 6,22 8,69 16.040 119,4 Iniciantes - 5.393 - 0,64 3.452 25,7 Desistentes 3.484 - 1,74 - -6.062 -45,1 Efeito entradalíquida
1.909 1.222 9,1
Efeito substituição 3.484 -3.832 -28,5
A comparação com os resultados dos estudos realizados em outros países revela que, apesar do conceito
mais restritivo aqui aplicado às empresas “contínuas”, o traço diferenciador do desempenho brasileiro é a
magnitude da contribuição deste grupo, mesmo em relação àqueles países onde a dinâmica de crescimento
das exportações foi puxada pelos “contínuos” (ou incumbents): México (85%, entre 1986 e 1990) e
Argentina (84%, entre 1992 e 1996). No caso da Colômbia e Marrocos, a contribuição dos novos
exportadores ao crescimento equivale a percentuais superiores a 50%, sendo que, em nenhum dos casos
observados, o efeito substituição é negativo, como no caso do Brasil. É importante ressaltar que, nos
demais casos, estava-se diante de fenômenos de booms exportadores, caracterizados por taxas elevadas
de crescimento das exportações. Nos países onde se verificaram as maiores taxas de crescimento das ex-
portações (Argentina e México), a participação dos exportadores contínuos foi relativamente mais im-
portante. O caso do Brasil combina, no entanto, fortíssima contribuição dos incumbents e modestas taxas
de crescimento das exportações na década.
Portanto, ao longo dos anos 90, aceleraram-se e aprofundaram-se as principais tendências negativas que,
já na segunda metade da década anterior, vinham marcando o desempenho exportador do Brasil e, em
especial, de sua indústria. O processo de deterioração da competitividade da indústria brasileira que teve
início na segunda metade dos anos 80, afeta “horizontalmente” os diferentes setores da economia – embora
com modulações setoriais – e as mudanças regulatórias e estruturais por que passou a economia brasileira
na década de 90 não foram capazes de revertê-lo.
Conclusões e desafios de política
O contraste entre um processo de transformação industrial relativamente bem-sucedido, – ao menos
quando confrontado às hipóteses “catastrofistas” formuladas por alguns analistas no início da década – e
um desempenho exportador marcado pelo baixo dinamismo fornece a “pista” essencial para a identificação
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do principal desafio de política hoje colocado na área de indústria e comércio: trata-se de aumentar a
competitividade do parque industrial brasileiro e de ampliar o coeficiente de exportação da indústria.
De que depende a melhoria da competitividade da indústria brasileira e o crescimento de sua propensão ex-
portadora? Em grande parte, da continuidade da reestruturação industrial e empresarial em curso, mas tam-
bém da redução do viés anti-exportador da economia e do aperfeiçoamento dos instrumentos de política de
exportações. Os dois processos estão obviamente relacionados, na medida em que o futuro da reestruturação
industrial está condicionado, entre outras coisas, pela redução do viés antiexportador da economia.
A dinâmica industrial nos anos 90 foi marcada por três lógicas de diferenciação (ou de seleção) entre as em-
presas: as lógicas setorial, de porte das empresas/grupos e de origem do capital das firmas (essencial-
mente, a polarização entre transnacionais e grandes grupos de capital nacional). É a partir de esquemas
analíticos que privilegiam uma ou duas destas clivagens que se definem as posições em relação ao tema da
política industrial, nos últimos anos (ver Erber e Cassiolato, 1997; Mendonça de Barros e Goldenstein, 1997;
Hay, 1997; IEDI, 1998, entre outros).
De forma bastante esquemática, pode-se identificar algumas posições típicas na discussão de política industrial:
A que privilegia temas setoriais ou, preocupada i) com a qualidade “estrutural” da produção industrial
brasileira e de suas exportações, excessivamente concentradas em setores produtores de commodities
intensivas em recursos naturais, e ii) com os fenômenos de perda de densidade de algumas cadeias
produtivas, em função da abertura comercial;
A que identifica na crescente polarização entre, de um lado, grandes empresas e grupos econômicos
(nacionais e transnacionais), e de outro, as PMEs a principal heterogeneidade produzida pela evolução
da indústria nos anos 90. Nesta visão, trata-se de utilizar instrumentos horizontais de política
especificamente desenhados para atingir as PMEs a fim de preencher este gap, complementando tais
medidas com políticas horizontais voltadas para a criação de um ambiente favorável ao crescimento dos
investimentos e da produtividade. Esta visão, em geral, é compatível com a defesa de uma política ativa
de apoio às exportações e de ampliação da base de empresas exportadoras;
A que valoriza a oposição entre empresas transnacionais e grandes grupos nacionais (IEDI, 1998),
preocupada com a “desnacionalização” do controle das empresas brasileiras. Esta posição desemboca
em propostas i) de utilização discriminatória de incentivos e dos instrumentos de financiamento público
em benefício das empresas de capital nacional e ii) de indução à formação de grandes conglomerados
nacionais privados, dotados de escala empresarial adequada para enfrentar a competição das firmas
estrangeiras nos mercados globalizados de commodities.
As questões de política sugeridas por estas visões são respectivamente, as seguintes:
É prioritário, para o upgrade produtivo e tecnológico da estrutura industrial e das exportações de manufa-
turados, o deslocamento do vetor de produção industrial na direção de setores mais intensivos em
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tecnologia e mais dinâmicos no comércio internacional? Ou, alternativamente, trata-se de incrementar a
competitividade de todos os setores industriais, já que a perda de dinamismo das exportações industriais e
a vulnerabilidade da produção doméstica frente às importações refletem antes um problema horizontal (ou
seja, não específico de setores) de competitividade do que um problema de composição?
Mais além dos objetivos de promover a geração de emprego e renda, é relevante para o objetivo de
incrementar a competitividade da indústria brasileira, o upgrade produtivo das PMEs e sua articulação
com as grandes empresas?
A questão do fortalecimento do setor privado nacional e, em especial, dos grandes grupos nacionais deve
receber prioridade, ou é possível imaginar que os riscos associados à “desnacionalização” de empresas
exportadoras de commodities possam ser (parcialmente) compensados, na hipótese de aquisição destas
firmas por transnacionais, pela expansão da oferta exportável brasileira e a integração plena da produção
doméstica destes produtos às redes internacionais de financiamento, investimento e comércio?
A experiência do processo de reestruturação da indústria nos anos 90, bem como as características mais
marcantes do desempenho exportador neste período sugerem que o incentivo horizontal às exportações e a
implementação de políticas seletivas de integração de PMEs ao esforço de upgrade produtivo da indústria
deveriam constituir a prioridade central da política industrial.
De fato, o aproveitamento de novas oportunidades de crescimento das firmas e a capacidade de superação
das restrições típicas do período foram condicionadas principalmente pelo porte empresarial e, somente de
forma secundária, pela origem do capital das empresas e pelos condicionantes setoriais. Essencialmente do
porte empresarial dependeu i) o acesso a recursos baratos de financiamento – fundamentais até mesmo em
estratégias defensivas, no contexto dos 90 –; ii) a capacidade de interferir nas negociações comerciais e de
se beneficiar dos programas de privatização; iii) a capacidade para despertar o interesse dos governos
estaduais para a atração dos seus investimentos; e iv) a viabilidade de implementar estratégias de impor-
tação de insumos e matérias-primas mais baratas.
Estas prioridades devem estar combinadas com a intensificação dos esforços para reduzir o Custo Brasil, isto
é, os custos extraordinários associados ao investimento, à produção doméstica e ao processo de exportação.
Na área específica de comércio exterior, os desafios principais envolvem i) a redução do viés antiexportador
implícito na estrutura de proteção à produção doméstica (proteção que foi substancialmente ampliada com a
desvalorização do real), através da racionalização da Tarifa Externa Comum, fortemente marcada pela
escalada tarifária, ii) a superação das falhas de implementação que têm caracterizado os instrumentos de
política desenhados pelo governo federal nesta área, nos últimos anos, e iii) a adoção, nas negociações co-
merciais internacionais, de uma postura pautada pelos interesses dos setores exportadores e pela ne-
cessidade de manter a produção doméstica sob a disciplina competitiva dos bens importados.
No que se refere ao primeiro ponto, é importante avaliar todos os mecanismos de fomento e de proteção
setorial à luz do objetivo de reduzir o viés antiexportador da economia. Como se observou, na seção 2,
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permanecem vigentes vários mecanismos de promoção setorial e uma estrutura discriminatória de proteção
que não contribuem para a consolidação de um regime comercial favorável às exportações.
Por outro lado, as falhas de implementação na área de política de exportações têm-se revelado parti-
cularmente prejudiciais às empresas de menor porte. É o caso, por exemplo, da ampliação das linhas de
financiamento do BNDES e dos mecanismos de garantia de crédito introduzidos nos últimos anos, que
esbarraram sistematicamente nos obstáculos para atingir as PMEs.
No que concerne à agenda brasileira de negociações, ela é, à exceção dos temas agrícolas, es-
sencialmente defensiva, já que alimentada pelas preocupações com a fragilidade competitiva da indústria
brasileira (extensiva ao setor de serviços) e com a redução da margem de liberdade em áreas onde a
intervenção das políticas públicas é considerada fundamental para reduzir esta vulnerabilidade. Em
princípio, há duas maneiras de interpretar esta postura. De um lado, pode-se considerar que a estratégia
negociadora do Brasil e – de forma mais ampla – a política comercial do país confere absoluta prioridade à
percepção de que os setores produtivos locais ainda se caracterizam por fortes debilidades competitivas,
não superadas pelas mudanças introduzidas nos anos 90. Nesta leitura, a estratégia brasileira reflete a exis-
tência de limites estruturais da economia.
De outro lado, pode-se ver na estratégia de negociações – e na política comercial como um todo – uma
postura que se limita a sancionar e reproduzir uma situação onde as reformas visando à redução do Custo
Brasil estão longe de haver sido concluídas e em que se mantém um importante viés antiexportador na
economia brasileira. Nesta visão, retira-se da estratégia negociadora e da própria política comercial
qualquer função no sentido de pressionar os produtores domésticos para ampliar sua competitividade.
Nesta segunda leitura, a estratégia brasileira refletiria antes limites políticos do que estruturais.
Embora a constatação que orienta a primeira leitura seja essencialmente correta, ou seja, as mudanças
ocorridas na indústria brasileira não foram capazes de eliminar deficiências competitivas das empresas e do
ambiente de negócios no Brasil –, dela não decorre automaticamente uma estratégia que tome os limites
estruturais como um dado e exclua qualquer contribuição das negociações comerciais ao aumento da
competitividade dos produtores domésticos. Esta contribuição deve vir não somente da melhoria das
condições de acesso que podem beneficiar as exportações brasileiras, mas também do aumento da
exposição da economia do país à competição externa.
Notas
1 É importante lembrar que o programa de privatização se fez no Brasil sem maiores preocupações em relação aos impactos doprocesso sobre as condições de concorrência em cada setor (à exceção do que ocorreu no caso de serviços de telecomunicações) ecom forte presença dos fundos de pensão das empresas estatais, em geral associados a grandes grupos privados nacionais eestrangeiros.
2 O efeito-composição pode, no entanto, se revelar o principal fator explicativo do desempenho exportador, no caso de um estadocomo o do Rio Grande do Sul. De fato, outro trabalho da Funcex (Motta Veiga e Carvalho Jr., 1999) referendam esta conclusão nocaso das exportações gaúchas na década de 90.
3 No caso do Brasil, ao contrário dos demais países citados, o grupo dos incumbents foi definido não pela participação das empresasem dois pontos do tempo, mas por sua presença em pelo menos seis dos sete anos do período analisado. Neste sentido, o conceitousado neste estudo é mais restritivo.
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