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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM UMA CIDADE-EMPRESA:
O caso do município de Ouro Branco
Camila Martins da Luz Fernandes
Belo Horizonte
2019
Camila Martins da Luz Fernandes
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM UMA CIDADE-EMPRESA:
O caso do município de Ouro Branco
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Ciências Sociais.
Orientador: Dr. Carlos Alberto de Vasconcelos
Rocha
Área de concentração: Cidades: Cultura, Trabalho e
Políticas Públicas.
Belo Horizonte
2019
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Fernandes, Camila Martins da Luz
F363p A produção do espaço urbano em uma cidade-empresa: o caso do município
de Ouro Branco / Camila Martins da Luz Fernandes. Belo Horizonte, 2019.
178 f.: il.
Orientador: Carlos Alberto de Vasconcelos Rocha
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
1. Industrialização - Ouro Branco (MG). 2. Urbanização. 3. Cidades e vilas -
Estatutos. 4. Planejamento urbano - Ouro Branco (MG). 5. Indústrias. I. Rocha,
Carlos Alberto de Vasconcelos. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. III. Título.
CDU: 711.4
Ficha catalográfica elaborada por Fabiana Marques de Souza e Silva - CRB 6/2086
Camila Martins da Luz Fernandes
A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM UMA CIDADE-EMPRESA:
O caso do município de Ouro Branco
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Ciências Sociais.
Área de concentração: Cidades: Cultura, trabalho e
Políticas Públicas.
Professor PhD Carlos Alberto de Vasconcelos Rocha – PUC Minas (Orientador)
Professora Drª. Luciana Teixeira de Andrade – PUC Minas (Banca Examinadora)
Professora Drª. Júnia Maria Ferrari de Lima – UFMG (Banca Examinadora)
Belo Horizonte, 26 de Junho de 2019.
À minha estimada Ouro Branco.
Ao meu grande herói, meu pai.
Por uma vida, foi trabalhador da Açominas.
Para ele e por ele.
AGRADECIMENTOS
Dissertar sobre Ouro Branco foi em grande parte, um processo solitário. Guardei em
meu íntimo minhas convicções e fui atrás do conhecimento de uma forma incansável. É óbvio
que eu encontrei obstáculos e só adiante percebi que foram criados de forma proposital, pelos
atores que conflitam sobre a propriedade e o direito à cidade.
Obrigada, Deus, por ter me revestido de forças e autonomia para buscar respostas e
ousado ser crítica num município onde os poderes se confundem; onde as vozes são caladas.
Ao meu orientador Carlos, que pacientemente respeitou meu tempo nesta jornada e,
em inúmeros encontros, me mostrou caminhos sábios para eu construir esta pesquisa.
Obrigada pelo estímulo, apoio e, sobretudo, por acreditar nesse projeto. Gratidão!
Ao Philippe, que não somente compreendeu minha ausência, mas esteve ao meu lado
incondicionalmente, mesmo que custasse fins de semana e madrugadas. Obrigada pelo amor,
paciência, compreensão e incentivo. Você foi essencial nesta jornada e ela não acaba aqui.
A minha mãe e minha tia Maria José por fazerem-se presentes. Com elas eu aprendi
que as dificuldades são inesgotáveis fontes de saber.
Ao meu pai, que ousou uma nova vida numa cidade desconhecida. Com lágrimas nos
olhos recordo-me de vê-lo chegar às 8:45 horas com uma “sacolinha” de lanche que a
Açominas fornecia aos trabalhadores nos dias de “00 hora.” Ainda lembro de como era nossa
casa, hoje reformada, mas guardo carinhosamente as lembranças da minha infância. Ainda
sinto o cheiro de terra molhada, do frio que se fazia na cidade, dos meus queridos vizinhos.
São minhas raízes.
Obrigada pai e mãe, por terem compreendido minha ânsia de conhecer o mundo de
outras pessoas.
Ao meu amigo Gê, por não só acreditar na minha capacidade, mas por me incentivar
incansavelmente a prosseguir com minhas pesquisas e aflorar meu senso crítico. Sem você
nada disso seria possível, Gê! Amizade, gratidão e amor são os elos da nossa relação.
Obrigada!
Ao meu primo Teago por acreditar nesse projeto de vida e ser meu irmão de alma e
coração. Eu amo muito você, primo!
Aos meus amigos Alê e Carol, por me induzirem o riso mesmo diante de tantas
aflições. Aquele “Acredita Cah” foi, por muitas vezes, injeção de ânimo. Obrigada!
À amiga Cris, pela presença, pela força, por dividir comigo seu mundo e compreender
o meu de forma ímpar. Minha ruiva manauara, obrigada pela irmandade!
Aos amigos Célia, Sandra, Luís e Wallison, que o mestrado sutilmente me trouxe.
Ao Dr. Maurício, pelo estímulo, pelo apoio e pelas inúmeras prosas sobre Ouro
Branco. Obrigada por dividir comigo sua experiência na cidade desde a década de 1980.
Obrigada pelo seu tempo valioso. Obrigada pela amizade construída.
Aos munícipes de Ouro Branco, que não mediram esforços para me contar as suas
histórias de vida e fizeram questão de, detalhadamente, me contarem seus sentimentos, o que
viveram e seus sonhos. Agradeço com o coração pulsando de alegria, ainda que grande parte
deles optaram por não serem identificados, afinal de contas, existe um medo de retaliação. É
para eles e por eles essa pesquisa. Eles merecem ser reconhecidos. Eles são a alma da cidade.
Aos meus amigos de Ouro Branco, por terem relembrado junto a mim tantos casos da
nossa infância e adolescência. Prosas extensas e cheias de memórias afetivas.
À professora Drª. Léa Souki, por me permitir reafirmar meu amor pela política. À Drª.
Alessandra Chacham, pelas inúmeras discussões produtivas sobre gênero e raça. À Drª
Luciana Andrade pelos debates sócio urbanos, e em especial à Drª. Rita Fazzi.
À secretaria do programa de pós-graduação, que sempre nos apoiou enquanto
pesquisadores e vibrou conosco a cada passo dado na longa caminhada.
À Fundação João Pinheiro, por fornecer o Plano de Desenvolvimento urbano proposto
na década de 1970 para Ouro Branco. Um agradecimento especial à servidora Leila Anastácio
e ao departamento de biblioteca digital, por não medirem esforços para o desenvolvimento
dessa pesquisa.
À Fundação Israel Pinheiro, por fornecer os estudos iniciais que antecederam a
elaboração do Plano Diretor de Ouro Branco e pelas considerações feitas sobre o município.
Ao Cleber, diretor da Câmara Municipal de Ouro Branco por acolher a pesquisa e se
esforçar para obter informações tão importantes. Não menos importante, meu agradecimento
ao Marcelo Adriano, Secretário de Finanças e a Rosângela Halfeld, gerente de tributação, que
mesmo diante de inúmeras restrições e poucos recursos, se empenharam. Acredito que, no
fundo, eles compreendam quão importante é essa pesquisa para o município, ainda que
tensione a política e os agentes que determinam a posse sobre a propriedade.
À Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, que, através do Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais, possibilitou a realização desta dissertação.
À Belo Horizonte, que me acolheu, se fez casa e encheu minha bagagem de
conhecimento para que, com muita coragem e perseverança, eu me incline para o ato de
contribuir para que Ouro Branco seja uma cidade mais justa e humana para com os seus.
Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo:
Raiva e tenacidade. Ciência e indignação.
A iniciativa rápida, a reflexão longa,
A paciência fria e a infinita perseverança.
A compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto.
Apenas as lições da realidade podem nos ensinar como transformar a realidade.
Bertolt Brecht
RESUMO
A presente dissertação almeja, por meio de uma compreensão sócio urbana baseada
na relação entre os processos de industrialização e urbanização no estado de Minas Gerais,
atrelada a uma pesquisa de campo alicerçada em entrevistas, identificar e analisar a produção
do espaço urbano de Ouro Branco no que concerne o direito à cidade e à propriedade sob a
perspectiva do planejamento urbano proposto em dois momentos antagônicos: o
“planejamento privado” proposto em 1978 pela Fundação João Pinheiro à empresa
AÇOMINAS S/A implantada no território em 1976 e inaugurada em 1985; e em 2007 o
“planejamento público” desenvolvido pelo Poder Público municipal com parecer da Fundação
João Pinheiro e execução da Fundação Israel Pinheiro, ancorado à instituição do Plano Diretor
municipal enquanto instrumento de gestão democrática conforme previsto no Estatuto da
Cidade.
Para implantar o projeto urbanístico na década de 1970 e acolher os trabalhadores, que
se deslocavam para a região a fim de se inserirem nos quadros funcionais da empresa, a
mesma adquiriu uma expressiva quantidade de terrenos. O plano urbanístico contemplava os
princípios do Urbanismo progressista e para tanto, dividiu os trabalhadores dentre os bairros
planejados sob a perspectiva econômica, ou seja, cada bairro foi construído estrategicamente
no espaço a fim de agrupar trabalhadores e seus entes, cuja renda e ocupação na empresa eram
similares. Essa ação produziu no espaço uma segregação social, obedecendo a mesma
hierarquia praticada no processo de produção da empresa. A divisão por classes foi aguçada
ainda mais pela separação social ocasionada entre os “nativos” que continuaram a residir na
região central do município e os trabalhadores com vínculos empregatícios com a
AÇOMINAS S/A e que residiam nos bairros planejados. A desestatização da empresa ocorreu
em 1993, quando o patrimônio imobiliário foi repassado para a Mendes Júnior e
posteriormente para a atual Gerdau Açominas, que continua a manter grande parte das terras
urbanas que representam hoje vazios urbanos e não desempenham a função social da
propriedade.
A posição do Estado na atribuição de promover a função social à propriedade privada,
em detrimento do individualismo do direito de propriedade, é o subsídio para a efetivação do
direito à cidade, disciplinado na Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, os quais os instrumentos
urbanísticos estão incorporados ao Plano Diretor. Contudo, o Poder Público municipal que
recebe uma receita por parte dos impostos pagos pela empresa, não atua de forma autônoma
para garantir que exista equidade no acesso ao solo urbano e contribui portanto, para que a
cidade continue sendo uma cidade-empresa, ao passo que nutre os processos de segregação
socioespacial e de continuidade de uma sociedade excludente, à medida em que os
representantes do poder local são também proprietários fundiários e agentes imobiliários,
cujo os interesses individuais debruçam-se sobre a terra.
Palavras-chave: Industrialização. Urbanização. Urbanismo progressista. Estatuto da Cidade.
Cidade-empresa.
ABSTRACT
This dissertation aims, through a social urban understanding based on the relationship
between the processes of industrialization and urbanization in the state of Minas Gerais,
linked to a field research based on interviews, to identify and analyze the production of urban
space of the city of Ouro Branco in regards to the city and property rights from the
perspective of urban planning proposed in two antagonistic moments: the “private planning”
proposed in 1978 by the João Pinheiro Foundation to the company AÇOMINAS S / A,
established in the territory in 1976 and inaugurated in 1985; and in 2007 the “public
planning” developed by the municipal government with the evaluation of the João Pinheiro
Foundation and implementation by the Israel Pinheiro Foundation, anchored to the
establishment of the Municipal Master Plan as a democratic management tool as foreseen in
the City Statute.
In order to implement the urbanization project in the 1970s and welcome the workers,
who moved to the region so as to join the company's labor force, the company acquired a
significant amount of land. The urban plan contemplated the principles of Progressive
Urbanism and, for this purpose, divided the workers among the planned neighborhoods from
an economic perspective, that is, each neighborhood was strategically built within the space in
order to group workers and their loved ones, whose income and occupation in the company
were similar. This action produced a social segregation within the space, obeying the same
hierarchy practiced in the company's production process.The division by classes was further
heightened by the social separation caused between the “natives” who continued to reside in
the central region of the municipality and the workers with employment ties to AÇOMINAS
S / A and who lived in the planned neighborhoods. The privatization of the company occurred
in 1993, when the real estate was transferred to Mendes Júnior and later to the current Gerdau
Açominas, which continues to keep much of the urban land that today represent urban voids
and do not perform the social function of property.
The position of the State in the attribution of promoting the social function of private
property, to the detriment of the individualism of the right to property, is the subsidy for the
realization of the right to the city, regulated by Law 10.257 of July 10, 2001, of which the
urban instruments are incorporated into the Master Plan. However, the municipal government
that receives revenue from the taxes paid by the company, does not act autonomously to
ensure that there is equity in regards to the access to urban land and thus contributes to the
city remaining to be a business city, while it nourishes the processes of socio-spatial
segregation and the continuation of an exclusionary society, as local government
representatives are also landowners and real estate agents, whose individual interests dwell on
the land.
Keywords: Industrialization. Urbanization. Progressive urbanism. Statute of the City.
Business-City.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Taxas Regionais de Urbanização ....................................................................... 51
Tabela 2 - Crescimento da população urbana brasileira nas regiões entre as décadas de
1950, 1960 e 1980 ............................................................................................................... 52
Tabela 3 - Produção de Aço em Lingotes em MG, RJ, SP e Brasil entre 1960 a 1970 ...... 64
Tabela 4 - Síntese da industrialização em Minas Gerais de 1920 a 1970 ........................... 67
Tabela 5 - Recenseamento ano-base 1950 no distrito de Ouro Branco ............................... 71
Tabela 6 - A produção agrícola no município de Ouro Branco em 1955 ............................ 71
Tabela 7 - Participação dos acionistas na implantação da AÇOMINAS S/A em 1984 ...... 79
Tabela 8 – A população dos municípios de Congonhas, Conselheiro Lafaiete e Ouro
Branco nas décadas de 1970, 1980 e 1990 .......................................................................... 88
Tabela 9 - Taxa de crescimento dos municípios de Congonhas, Conselheiro Lafaiete e
Ouro Branco ........................................................................................................................ 88
Tabela 10 - Patrimônio imobiliário da AÇOMINAS em 1979 ........................................... 91
Tabela 11 - Áreas urbanizadas – Fase I – 1976 a 1984 ....................................................... 94
Tabela 12 - Distribuição parcial da população por tipos de habitação e faixas de renda .... 96
Tabela 13 - Dimensionamento de lotes e construções por tipo de habitação e faixas de
renda (m²) ............................................................................................................................ 96
Tabela 14 - Número de trabalhadores/cargo em 1992 ....................................................... 108
Tabela 15 - Número de residências/bairro em 1992 .......................................................... 108
Tabela 16 - População total x Presença comunitária na elaboração do Plano Diretor ...... 112
Tabela 17 - Parâmetros Urbanísticos LUOS/1978 ............................................................ 115
Tabela 18 - Parâmetros Urbanísticos LUOS/2010 ............................................................ 116
Tabela 19 - População total x Presença comunitária na elaboração do Plano Diretor ...... 116
Tabela 20 - População de Ouro Branco de acordo com os Censos de 1970 a 2010.......... 130
Tabela 21 - Cota-Parte do ICMS distribuído por município ............................................. 151
Tabela 22 - Impostos da GERDAU recebido pela PMOB entre os anos de 1983 a 2018 . 152
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 - Localização do município de Ouro Branco na região do Alto Paraopeba ........... 69
Mapa 2 - Localização regional do projeto da AÇOMINAS ................................................ 78
Mapa 3 - Localização Usina e configuração da estrutura urbana do município de Ouro
Branco .................................................................................................................................. 91
Mapa 4 - Setorização LUOS/1978 e esquema de quadrantes ............................................ 114
Mapa 5 - Zoneamento LUOS/2010 e esquema de quadrantes .......................................... 114
Mapa 6 - Quadrante 1 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ............................................. 117
Mapa 7- Quadrante 1 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 .............................................. 117
Mapa 8 - Quadrante 2 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ............................................. 118
Mapa 9 - Quadrante 2 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 ............................................. 119
Mapa 10 - Quadrante 3 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ........................................... 120
Mapa 11 - Quadrante 3 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 ........................................... 120
Mapa 12 - Quadrante 4 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ........................................... 121
Mapa 13 - Quadrante 4 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 ........................................... 121
Mapa 14 - Quadrante 5 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ........................................... 122
Mapa 15 -Quadrante 5 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 ............................................ 122
Mapa 16 - Quadrante 6 – Mapa de zoneamento LUOS/1978 ........................................... 124
Mapa 17 - Quadrante 6 – Mapa de zoneamento LUOS/2010 ........................................... 124
Mapa 18: Street map com localização dos setores de função urbana ................................ 142
Mapa 19 - Imagem de satélite com localização de alguns equipamentos urbanos ............ 142
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Praça Santa Cruz ................................................................................................ 70
Figura 2 - Matriz de Sto. Antônio ....................................................................................... 70
Figura 3 - Rua Santo Antônio .............................................................................................. 72
Figura 4 - Praça Santa Cruz ................................................................................................. 72
Figura 5- Bairros Pioneiros e Inconfidentes ........................................................................ 97
Figura 6 - Bairro Siderurgia ................................................................................................ 97
Figura 7 - Prédios Bairro Siderurgia ................................................................................... 97
Figura 8 - Esquema de Passeio ............................................................................................ 97
Figura 9 – Construção do bairro Siderurgia ........................................................................ 98
Figura 10 – Escola Livremente; Siderurgia ......................................................................... 98
Figura 11 – Vista superior do município. Ao lado esquerdo, a área planejada ................. 109
Figura 12 – Avenida Mariza de Souza Mendes ................................................................. 136
Figura 13 – Rua da Lavoura .............................................................................................. 136
Figura 14 – Rua Santo Antônio ......................................................................................... 136
Figura 15 - Vista do setor 16. Ao fundo, campus UFSJ .................................................... 143
Figura 16 - Vista do setor 9. À esquerda, FOB. À direita, Av. Mariza de Souza Mendes 143
Figura 17 – Habitações Bairro Soledade ........................................................................... 144
Figura 18 – Vazios urbanos Setor 9 .................................................................................. 144
Figura 19 – Vista para o centro histórico a partir do mirante da Praça de Eventos .......... 145
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ACESITA Cia. Aços Especiais Itabira
AÇOMINAS Cia. Aços de Minas Gerais
AEA Associação dos empregados da Açominas
ALCOMINAS Companhia de Alumínio Minas Gerais
AUVA Aglomerado Urbano do Vale do Aço
BDMG Banco de Desenvolvimento d Minas Gerais
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento
BNH Banco Nacional da Habitação
CA Coeficiente de aproveitamento do solo
CAMIG Companhia Agrícola de Minas Gerais
CASEMG Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais
CBUM Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas
CEA Clube de Participação Acionária dos Empregados da AÇOMINAS
CEMIG Companhia Elétrica de Minas Gerais
CIAM Congresso Internacional de Arquitetura Moderna
CIMINAS Cimentos Minas Gerais
CMOB Câmara Municipal de Ouro Branco
CONSIDER Conselho Nacional da Indústria de Não-Ferrosos e Siderúrgicas
COPASA Companhia de saneamento de Minas Gerais
COSIPA Companhia Siderúrgica Paulista
CSBM Companhia Siderúrgica Belgo Mineira
CSN Companhia Siderúrgica Nacional
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
DER-MG Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais
EFVM Estrada Ferroviária Vitória-Minas
FIP Fundação Israel Pinheiro
FIPLAN Financiamento para o Planejamento Urbano
FJP Fundação João Pinheiro
FOB Fundação Ouro Branco
FRIMISA Companhia Frigoríficos de Minas Gerais
HIDROMINAS Águas Minerais de Minas Gerais
HRC Hospital Municipal Raymundo Campos
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMS Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços
IEPHA Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Ambiental
IFMG Instituto Federal de Minas Gerais
INDI Instituto de Desenvolvimento Industrial
IPTU Imposto Predial e Territorial urbano
ISSQN Imposto sobre serviços de qualquer natureza
ITBI Imposto sobre transmissão de bens imóveis
LUOS Lei de Uso e Ocupação do Solo
MA Modelo de Assentamento
METAMIG Metais de Minas Gerais S/A
MP Medida Provisória
PD Plano Diretor
PDU Plano de Desenvolvimento urbano
PESOB Parque Estadual da Serra de Ouro Branco
PMOB Prefeitura Municipal de Ouro Branco
PND II Plano Nacional de Desestatização II
PRODEPO Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Polos Econômicos
PROHEMP Programa Habitacional para Empresa
SEPLAN-MG Secretaria de Planejamento do Estado de Minas Gerais
SERBID Serviço de Divulgação e Biblioteca
SESI Serviço Social da Indústria
SFH Sistema de Financiamento Habitacional
SIDERBRÁS Junta de Siderúrgica Brasileira
SINDOB Sindicato dos metalúrgicos de Ouro Branco
SIVALPA Siderúrgica do Vale do Paraopeba
SME Sociedade Mineira de Engenheiros
SOEICOM Sociedade de Empreendimentos Industriais, Comerciais e Mineração
TELEMIG Telecomunicações de Minas Gerais S/A
TO Taxa de ocupação do solo
UFSJ Universidade Federal de São João Del Rey
USIMINAS Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais
ZAR Zona de Adensamento restrito
ZC Zona Central
ZE Zona Especial
ZEIS Zona Especial de Interesse social
ZI Zona Industrial
ZIH Zona de Interesse Histórico
ZM Zona Mista
ZPAM Zona de Proteção Ambiental
ZR Zona Residencial
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16
1 A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO.................................................... 22
1.1 Produção e reprodução do espaço urbano: uma abordagem conceitual ............... 22
1.2 O Urbanismo Progressista: uma crítica à tecnocracia e a segregação socioespacial33
2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO URBANO-INDUSTRIAL NO BRASIL E EM
MINAS GERAIS ................................................................................................................. 43
2.1 A formação urbano-industrial no Brasil: uma breve contextualização ................. 43
2.2 A industrialização em Minas Gerais e a relação com a formação socioespacial
entre os anos de 1930 a 1970 ............................................................................................... 53
3 A IMPLANTAÇÃO DA AÇOMINAS S/A EM OURO BRANCO ........................... 69
3.1 O município de Ouro Branco: de povoado à cidade, do ouro ao aço ................... 69
3.2 Da luta pela implantação da AÇOMINAS S/A no município de Ouro Branco à
privatização da empresa....................................................................................................... 73
4 UM DEBATE ACERCA DOS VAZIOS URBANOS VERSUS A FUNÇÃO SOCIAL
DA PROPRIEDADE ........................................................................................................... 86
4.1 A cidade-empresa: da concepção à implantação do projeto urbanístico proposto
pela Açominas ao município de Ouro Branco ..................................................................... 87
4.2 A LUOS/1978 e a LUOS/2010: um debate acerca dos zoneamentos e parâmetros
urbanísticos propostos ....................................................................................................... 111
4.2.1 O Quadrante 1 ................................................................................................. 117
4.2.2 O Quadrante 2..................................................................................................118
4.2.3 O Quadrante 3 ................................................................................................. 120
4.2.4 O Quadrante 4 ................................................................................................. 121
4.2.5 O Quadrante 5 ................................................................................................. 122
4.2.6 O Quadrante 6 ................................................................................................. 124
4.3 Os impactos urbanos oriundos do plano urbanístico progressista implantado em
Ouro Branco em 1978 e a função social da propriedade ................................................... 127
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 156
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 159
APÊNDICES ..................................................................................................................... 168
APÊNDICE A – Roteiro das Entrevistas semiestruturadas .............................................. 168
APÊNDICE B – Dados dos entrevistados ......................................................................... 171
ANEXOS ........................................................................................................................... 172
ANEXO A ......................................................................................................................... 172
ANEXO B ......................................................................................................................... 173
ANEXO C ......................................................................................................................... 174
ANEXO D ......................................................................................................................... 175
16
INTRODUÇÃO
A década de 1930 é um marco nas profundas transformações ocorridas no Brasil. No
âmbito econômico ocorreu uma transição no movimento de industrialização que, antes
induzida pelo setor exportador, passa a partir desse período a se voltar para o mercado
nacional.
Em Minas Gerais a industrialização teve expansão no setor minero-metalúrgico-
siderúrgico, principalmente em virtude da riqueza mineral do solo e por também ter recebido
como efeitos de estímulo os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. É em função da
guerra que alguns importantes projetos na área de metalurgia e mineração foram definidos no
início da década de 1940 como prioridade para o governo do estado, ao passo que a extração
de minério de ferro e também a produção de aço passaram a ser ações prioritárias para as
potências bélicas aliadas - EUA e Inglaterra. Esse interesse culminou nos chamados “Acordos
de Washington”, na criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda
no Rio de Janeiro e também a criação da Vale do Rio Doce, em 1942, instalada no território
mineiro. Sob o argumento de necessidade do desenvolvimento da indústria nacional, o
governo brasileiro criou oportunidades para que o capital estrangeiro adentrasse na economia
do país e isto propiciou o crescimento do setor industrial dinamizando, contudo, a economia.
Em contrapartida, em meados da década de 1930, as cidades brasileiras começaram a
apresentar altas taxas de urbanização e significativo aumento de contingente populacional,
impulsionado pela mudança do padrão tecnológico no campo e pela dinâmica expressa pelo
fluxo migratório em direção às cidades, que, por sua vez, não dispunham de infraestrutura
suficiente para abrigar a numerosa população.
Do ponto de vista urbanístico, o intenso crescimento urbano provocou acentuados
desequilíbrios na provisão de serviços públicos, pois a população se instalou nas áreas
periféricas das cidades e isto ocasionou um processo permanente de segregação territorial,
formando territórios de pobreza com precária infraestrutura urbana e condições de habitação.
Junto a isso, Belo Horizonte não ofertava infraestrutura necessária para a instalação de
grandes indústrias, inclusive porque, nesta época, a capital enfrentava problemas oriundos da
insuficiente rede de instalações de energia elétrica e a precariedade nas estradas; logo, a
instalação de grandes indústrias na região central do estado era inviável.
As empresas foram então locadas no interior do estado, junto a cidades com base
urbana muito incipiente, porém localizadas relativamente próximas às matérias-primas
17
necessárias à produção. Isso alavancou a implantação da infraestrutura urbana nas cidades sob
a responsabilidade da empresa, uma vez que havia a necessidade de acolher a mão-de-obra
atraída para a região em função da instalação da indústria.
Costa (1979), Diniz (1981) e Piquet (1998) elucidam os termos “cidades mono-
industriais” e “cidades empresa” em alusão ao desenvolvimento econômico de municípios que
tiveram uma empresa instalada e assumiram, para tanto, a responsabilidade pela provisão de
moradia aos trabalhadores, implantação de serviços públicos urbanos e toda a estrutura urbana
necessária à produção. Municípios como João Monlevade, que acolheu a Companhia
Siderúrgica Belgo Mineira em meados da década de 1930, Itabira, que acolheu a Companhia
Vale do Rio Doce no início da década de 1940 e Ipatinga, que recebeu em seu território a
implantação da USIMINAS inaugurada em 1962, são exemplos de cidades-empresa.
O Regime Militar, inaugurado em 1964, demarcou um período de forte centralização
política e administrativa com relevante desenvolvimento econômico, principalmente em torno
da industrialização; porém representou também uma perda de autonomia dos municípios em
relação às políticas sociais.
Na questão urbana, o planejamento das cidades nos governos militares passou a ser
executado de forma excessivamente técnica e centralizada. Os planos de desenvolvimento
urbano se voltavam para uma concepção tecnocrática, aliada aos princípios do urbanismo
progressista, propostos na Carta de Atenas, por Le Corbusier, cujo espaço urbano deve ser
ordenado conforme as funções circular-habitar-trabalhar e recrear.
Nessa direção, no início da década de 1970, sob o regime militar, voltou à discussão a
implantação de uma siderúrgica na região do Alto Paraopeba, segundo o Decreto 4.801, de
1924, do então Presidente da República Arthur Bernardes. Após inúmeras tentativas de
instalação, desde 1924, em janeiro de 1976 a USIMINAS, enquanto consultora da
AÇOMINAS S/A, recomendou que a localização da mesma fosse no município de Ouro
Branco, por diversas questões, entre elas a proximidade com Belo Horizonte
(aproximadamente 100 km) e as rodovias de ligação existentes, a construção estratégica da
usina junto ao mercado consumidor considerando a disponibilidade de transporte e a obtenção
de matérias-primas.
Tendo como referência a simultaneidade entre os processos de industrialização e
urbanização em Minas Gerais sobre o acervo da produção do espaço urbano produzidos no
contexto de uma cidade-empresa, esta dissertação tem como objetivo a explanação acerca da
construção do espaço urbano de Ouro Branco, considerado por autores como Diniz (1978),
Costa (1979), Costa e Costa (1998) e outros como a última cidade planejada na década de
18
1970 para acolher uma indústria, cujo projeto urbanístico foi proposto e executado segundo a
visão da empresa.
A Fundação João Pinheiro, em 1978 apresentou, no entanto, o PDU – Plano de
Desenvolvimento Urbano, baseado nos princípios do urbanismo progressista e sob um
planejamento muito semelhante ao proposto e executado em Ipatinga pelo arquiteto Rafael
Hardy Filho na década anterior.
Para a implantação do plano urbanístico, a então estatal AÇOMINAS S/A adquiriu,
por meio de ações de desapropriação e doação - ambas promovidas pelo Estado, grandes
extensões de terra urbana e construiu, além da infraestrutura necessária, as habitações que
acolheriam os trabalhadores que chegavam em grande número no município que contava até
então com pouco mais de 4.000 habitantes, sendo 70% deles residentes nas áreas rurais. O
projeto urbanístico proposto pela Fundação João Pinheiro, todavia, não contemplava o
crescimento e o desenvolvimento do espaço urbano a partir do núcleo central da cidade, que
abrigava, em geral, a população nativa. Isso criou uma primeira divisão: no centro histórico
estavam os “nativos” e seus entes e, na área planejada pela empresa, seriam acolhidos os
trabalhadores da empresa.
A organização da área planejada proposta ancorou-se na divisão dos espaços segundo
os zoneamentos, de forma que cada área específica possuía parâmetros urbanísticos próprios,
sendo divididas em áreas de função de preservação, de função agrícola, de função industrial e
de função urbana (que englobava também as áreas de expansão urbana).
A ocupação se deu em função da separação de classes, ou seja, a mesma hierarquia
designada na divisão do trabalho dentro da empresa conforme à produção, foi transposta para
o espaço; logo, cada bairro ou unidade de vizinhança, acolhia trabalhadores de acordo com a
similaridade da renda e do trabalho executado na empresa e cada agrupamento dispunha de
um espaço de recreação e escolas para que os filhos desses respectivos trabalhadores
pudessem estudar.
De um lado, a necessidade de mão-de-obra para compor o quadro de produção da
AÇOMINAS S/A atraiu centenas de homens junto às suas famílias, com diversos hábitos e
valores e que buscavam, além da oportunidade de trabalho, a concretização do sonho de se
viver em uma cidade próspera. Do outro, uma população natural de Ouro Branco, com
expressões culturais e sociais intrínsecas, que passaram a dividir o território com migrantes
considerados pela população nativa como “forasteiros” e com o agravante de não serem
inclusos nos quadros de trabalho ofertados pela empresa e na transformação espacial que a
mesma imputou ao espaço de modo a abrigar exclusivamente seus funcionários. Toda essa
19
planificação projetou no espaço um caráter segregador, ao passo que criaram-se duas
centralidades muito distintas e cada bairro da área planejada possuía ainda em seu entorno
uma boa área não construída (além dos setores considerados de expansão urbana), de forma
que o argumento era que cada setor pudesse futuramente crescer sem interferir na organização
espacial de outro setor.
Em 1993 a empresa foi privatizada devido ao seu quadro financeiro, o que fez com
que esta fosse incluída no Plano Nacional de Desestatização II (PND II), do governo do
presidente Collor. O grande impasse é que as terras adquiridas na década de 1970, enquanto
estatal, foram repassadas à empresa Mendes Junior, que arrematou a AÇOMINAS S/A no
leilão. Posteriormente, o grupo Gerdau assumiu o controle e mantém em seu quadro
patrimonial extensas áreas de terra que configuram vazios urbanos, uma vez que, além de não
cumprirem sua função social na cidade, são amparados de infraestrutura parcial ou total.
Como no sistema capitalista o solo urbano é uma mercadoria, esses terrenos considerados
vazios urbanos representam, sobretudo, instrumentos para a especulação imobiliária.
Nesse ínterim, a Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade, dispõe sobre
a construção popular do Plano Diretor Municipal, necessário aos municípios com mais de 20
mil habitantes e também explana sobre os instrumentos urbanísticos que o Poder público
municipal pode-se amparar para garantir o direito à cidade e à propriedade.
Entretanto, o grande impasse se debruça no direito à cidade e à propriedade por
diversas hipóteses, como a falta de conhecimento técnico do poder público em executar o que
é previsto na legislação federal e reforçado no Plano Diretor, ou pela falta de interlocução
entre o poder local e a empresa, de forma a garantir a justiça social da propriedade ou ainda
não ser do interesse do próprio governo local, justamente porque muitos dos terrenos que
compunham o patrimônio da empresa são atualmente de propriedade hoje de atores políticos
ou proprietários fundiários e agentes imobiliários.
Essa dissertação tem como objetivo analisar a produção do espaço urbano em Ouro
Branco, que é uma cidade-empresa, cujo plano urbanístico produziu um arcabouço técnico
capaz de provocar o questionamento em torno do direito à propriedade, principalmente porque
estes inúmeros vazios urbanos designam tantos outros impasses na vida socioeconômica do
município e limitam, inclusive, o desenvolvimento econômico da cidade.
Pretende-se entender o cenário político, econômico e social que favoreceu a
implantação do plano urbanístico, cuja sustentação se dá em função da divisão de classes.
Pretende-se também verificar, com isso, se na configuração desse arranjo socioespacial a
presença da empresa enquanto grande empregador no município e, consequentemente, maior
20
contribuinte de impostos aos cofres públicos, compromete o potencial do poder local na
execução do Plano Diretor. Ou seja, ainda que privatizada, a empresa exerce alguma
influência direta ou indiretamente no espaço urbano, nas decisões que competem ao poder
público municipal, que tem como prerrogativa garantir o direito à cidade e à propriedade?
A tarefa de escrever sobre o solo urbano de Ouro Branco é árdua e desafiadora. A
impressão é a de há um campo minado com vários atores que atuam sobre o espaço urbano,
que é tensionado de forma sistêmica e mútua por dois poderes que por vezes se confundem: o
poder público municipal e a empresa Gerdau Açominas. Essa tarefa se aprofunda à medida
em que os grupos sociais excluídos ganham voz, ocupam os espaços e se manifestam em meio
a tantos sentimentos sobre a aspiração dos mesmos em permanecer no território num ato
contínuo de (r)existência, vivência e sobrevivência.
Para a análise dessa experiência, primeiramente, foram pesquisadas as fontes
documentais referentes à elaboração do projeto de desenvolvimento urbano (PDU) e a Lei de
Uso e Ocupação do solo (LUOS), elaborados pela Fundação João Pinheiro em 1978, bem
como as referências teóricas que sustentaram as proposições. Salienta-se que essa forma de
planejamento é considerada por Costa (1979) como “planejamento privado”, já que sua
execução compete à empresa e é implantada segundo os interesses e necessidades da mesma.
Paralelamente, foi realizado o estudo em torno do Estatuto da Cidade, do Plano Diretor
municipal elaborado em 2007 e da LUOS, instituída em 2010. Costa (1979) designa este tipo
de planejamento como “planejamento público”, uma vez que sua elaboração é realizada pelo
poder público em conjunto com a população. Em seguida buscou-se fazer um estudo
bibliográfico que compusesse um meio de justificativa da produção do espaço urbano
segundo a ótica capitalista, ancorada nos princípios do urbanismo progressista e
principalmente na argumentação da divisão do espaço segundo a hierarquia das classes.
No terceiro momento da pesquisa foi realizado um trabalho de campo a partir do qual
foram levantados os relatos orais, obtidos através de entrevistas realizadas com os atores
sociais participantes do processo de transformação social, espacial e econômica vivenciados
no município na década de 1970 e também atores que participaram da elaboração do Plano
Diretor municipal em 2007. A riqueza dos relatos cedidos narra as histórias de vida dos
indivíduos e suas aspirações para o desenvolvimento econômico da cidade, o que permitiu a
reconstituição dos fatos de acordo com suas narrativas e interpretações, determinando um
diálogo múltiplo entre o passado e o presente.
Os entrevistados foram divididos entre os indivíduos naturais de Ouro Branco e os que
migraram para a cidade e região em busca de trabalho e novas oportunidades. Buscou-se
21
entrevistar pessoas entre 15 e 95 anos de idade correspondentes a diversas classes e residentes
em bairros distintos a fim de obter-se uma pluralidade de fatos e exposições conforme seus
segmentos sociais e suas relações com o espaço. No total foram entrevistados 30 indivíduos,
entre homens e mulheres, dos quais 15 desempenham e/ou desempenharam atividades junto a
AÇOMINAS S/A e agora Gerdau Açominas e os 15 restantes não mantiveram vínculos
empregatícios com a empresa. Muitos dos entrevistados que não possuem ou não possuíram
vínculos diretos com a empresa e são migrantes (como é o caso de inúmeras esposas que
migraram para a região para acompanhar o cônjuge que compunha o quadro funcional da
empresa) tiveram muita importância na elaboração desta pesquisa, porque, como os maridos
trabalhavam na siderúrgica, cabiam a elas os cuidados com a casa, os filhos e a manutenção
da vida social no bairro.
As entrevistas semiestruturadas ocorreram entre janeiro de 2018 e julho de 2018.
Além dos entrevistados procurou-se conversar com uma série de outros moradores, como os
aposentados da empresa, os membros da ex-diretoria, os membros das associações de bairro,
os comerciantes, servidores públicos, funcionários da Gerdau Açominas e também de
empresas terceirizadas e alunos das redes pública e particular, além de alunos da UFSJ e do
IFMG.
A forma com que se processaram essas transformações junto aos inúmeros
questionamentos, somados à escassez de material que investigasse o espaço urbano de Ouro
Branco na caracterização de uma cidade-empresa culminaram no desafio de documentar as
informações existentes e discutir as mudanças ocorridas no município após a instalação da
empresa estatal, a fim de limiar um estudo acerca do processo de ruptura e desagregação da
cidade instituída, em virtude da nova dinâmica de desenvolvimento de cidades mono-
industriais prevista pelo Estado, principalmente durante o Regime Militar.
A dissertação se estrutura em quatro capítulos – dois que subsidiam a discussão teórica
e apoiam-se no entendimento da dinâmica da produção e reprodução do espaço capitalista e as
relações concomitantes e existentes entre os processos de urbanização e industrialização e
dois onde são apresentados os dados da pesquisa empírica, nos quais a evolução se dá nas
relações dispostas entre a implantação da AÇOMINAS S/A no território de Ouro Branco, a
configuração do ambiente construído na concepção da cidade-empresa e a atuação do poder
público no que diz respeito ao direito à propriedade, cujas terras não desempenham função
social no espaço.
22
1 A PRODUÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO
O presente capítulo apresenta considerações teóricas e reflexivas acerca da produção
social do espaço urbano, enfatizando os processos de construção e reprodução, bem como as
relações que estruturam esse encadeamento. A escolha da abordagem decorre não somente da
importância intrínseca dessas questões para o entendimento das transformações espaciais - de
cidades a espaços urbanos -, mas também do fato de que são aspectos que se apresentam de
forma particularmente adequada a um estudo acerca da conjuntura política, econômica e
social na criação das cidades-empresa.
1.1 Produção e reprodução do espaço urbano: uma abordagem conceitual
No tocante à produção do espaço conceitua-se neste estudo como uma ação
comunitária proveniente do trabalho humano; um produto social e histórico, produzido,
reproduzido e apropriado pela sociedade, sistematicamente. Pretende-se analisar o espaço
como o lugar onde se concretizam as relações econômicas e sociais ligadas “às
transformações da sociedade produzidas pelo esforço de acumulação de capital e pela luta de
classes” (GOTTDIENER, 1997, p.125).
A produção social do espaço é expressa por produtos reais - cidade1, lugar2, território3
- e envolta por relações sociais e momentos históricos. Conforme Santos (2004, p. 151), “sua
definição é árdua, porque a sua tendência é mudar com o processo histórico, uma vez que o
espaço geográfico é também o espaço social” e à medida que o homem estabelece relações
entre si e com a natureza para mediar a própria existência, substituindo a dimensão natural
pela dimensão artificial, essa produção é tida essencialmente como social, expressa contudo
pelos processos de industrialização e urbanização.
A industrialização é uma variável fundamental no processo de urbanização, cujo
espaço é o elemento físico pelo qual o homem atua, produz e materializa sua dimensão
artificial. A clareza no entendimento da dinâmica da produção social do espaço para a
acumulação capitalista e o desenvolvimento urbano é estruturada na indissociabilidade entre o
espaço e a sociedade, uma vez que, na medida em que a sociedade produz a vida, as
condições materiais necessárias à manutenção da mesma e induz as relações sociais, ela
1 Cidade é o centro de comando territorial da organização espacial (HAESBAERT, 2006). 2 Lugar é o ponto de recorte territorial, onde a pluralidade total dos elementos encontra sua síntese (SANTOS,
1996). 3 Território é o espaço inscrito obrigatoriamente dentro das relações de poder (HAESBAERT, 2006).
23
também produz, apropria e reproduz o espaço. Esse elo é que impede qualquer concepção de
dissociação entre espaço e sociedade.
A teoria da produção espacial, tanto para Lefebvre quanto para Castells, parte do
princípio de que o espaço é um produto material de uma dada formação social e defendem
uma teoria do espaço fundamentada no materialismo histórico4.
Lefebvre fundamenta sua teoria sob a afirmação de que a industrialização e a
urbanização são processos determinantes no mundo contemporâneo e o espaço é o lugar onde
as relações se reproduzem, sendo, contudo, palco das manifestações de conflito e de
contradições. Ainda segundo o autor “existe historicamente um choque violento entre a
realidade urbana e a realidade industrial” (LEFEBVRE, 2008, p. 16), porque o capitalismo é
visto como um processo cuja hegemonia está assentada nas relações de propriedade e o
espaço é o produto, sem distinção, de dimensões políticas e econômicas.
Lefebvre afirma ainda que a cidade preexiste à industrialização e o espaço não se
limita a uma localização geográfica ou às relações sociais de posse ou de propriedade, pois
entende-se que o urbano (a realidade urbana) é, ao mesmo tempo, espacial e temporal:
“espacial, porque o processo se estende no espaço que ele modifica; temporal, uma vez que se
desenvolve no tempo, aspecto de início menor, depois, predominante, da prática e da
história.” (LEFEBVRE, 1999, p.20). Da mesma forma admite-se, conforme Harvey (2005,
p.65), que “o espaço é a condição fundamental à acumulação capitalista numa escala
geográfica expansível e intensificada”.
De acordo com Lefebvre, o espaço urbano é o substituto do espaço natural e o urbano
é a segunda natureza do espaço; logo, o espaço natural proporciona o valor de uso, enquanto o
espaço urbano - o ambiente construído - é a materialização da troca, da reprodução do capital.
A distinção entre o espaço “natural” e espaço “artificial”, segundo Alexander (1967), se dá de
acordo com o processo de construção, ou seja, as cidades que se formaram ao longo do tempo
por um processo espontâneo são consideradas espaços “naturais” e cidades que foram criadas
a partir de um planejamento urbanístico feito por arquitetos urbanistas, são tidas como
espaços “artificiais.”
Para Lefebvre (1999, p.28) “o urbano (abreviação de “sociedade urbana”) define-se,
portanto, não como realidade acabada, situada em relação à realidade atual e de maneira
recuada no tempo, mas, ao contrário, como horizonte, como virtualidade iluminadora”.
4Conforme Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2015), o materialismo histórico é um método de abordagem da vida
social no qual as relações materiais que os homens estabelecem e o modo como produzem seus meios de vida
formam a base de todas as suas relações, logo o que os indivíduos são, depende, portanto, das condições
materiais de sua produção. Ver: Quintaneiro, Barbosa e Oliveira (2015, p.28-32).
24
Conforme Lefebvre (2001, p.141):
A cidade como tal faz parte dessas condições históricas, implicadas no capitalismo.
Ela resulta da destruição das formações sociais anteriores e da acumulação primitiva
do capital (que se completa nela e por ela). Ela é a coisa social, na qual são evidentes
(tornam-se sensíveis) relações sociais que, tomadas em si, não são evidentes, de
sorte que é necessário concebê-las pelo pensamento, a partir de sua realização
concreta [prática].
Segundo Gottdiener (1997, p. 122), “Castells estabelece que a estrutura econômica
especifica o principal elo conceitual de uma teoria do espaço. Isto é, rejeita-se o urbano como
uma unidade ideológica [cultural]”. O conceito de urbano para Castells é uma unidade
espacial de reprodução da força de trabalho e o espaço social é a expressão da artificialidade,
cuja produção está intimamente correlacionada ao tecnicismo e vice-versa, tendo como vetor
a divisão do trabalho que é responsável pela recriação do espaço.
Castells (1983, p.193) acrescenta que
[...] o sistema econômico organiza-se em torno de ligações entre a força de trabalho,
os meios de produção e o não-trabalho, que se combinam segundo duas relações
principais: a relação de propriedade [apropriação do produto] e a relação de
apropriação real [processo técnico de trabalho]. A expressão espacial destes
elementos pode ser encontrada através da dialética entre dois elementos principais:
produção [expressão espacial dos meios de produção], consumo [expressão espacial
das forças de trabalho], e um elemento derivado, a troca, que resulta da
especialização das transferências entre a produção e o consumo, no interior da
produção e no interior do consumo.
A produção social do espaço se correlaciona à concepção das relações sociais de
produção marcadas pela atuação de diversos atores sociais e, neste quesito, Lefebvre afirma
que a industrialização caracteriza a sociedade moderna, uma vez que a produção do espaço
capitalista obedece à reprodução das relações sociais, da força de trabalho e dos bens de
produção, ou seja, o espaço é a condição da reprodução da vida social e é também a condição
necessária à acumulação de capital. Em concordância, Castells afirma que a sociedade é,
sobretudo, uma forma social compreendida pela articulação histórica de seus meios de
produção - “matriz particular de combinação entre as instâncias [sistemas de práticas]
fundamentais da estrutura social: econômica, político institucional e ideológica,
essencialmente” (1983, p.193). O mesmo autor afirma que:
A problemática do espaço, que subsume os problemas da esfera urbana (a cidade e
suas extensões) e da vida cotidiana (consumo programado), deslocou a problemática
da industrialização. Ela, no entanto, não destruiu o antigo conjunto de problemas: as
relações sociais que predominavam anteriormente ainda predominam; o novo
problema é, precisamente, o da sua reprodução. (2006, p. 133)
De acordo com Carlos (2016, p.53) “a sociedade, ao produzir-se, o faz num tempo
determinado como condição de sua existência, mas através dessa ação ela também produz
consequentemente um espaço que lhe é próprio”, logo, a dimensão e a caracterização
25
histórica, bem como o tempo, as escalas e os lugares são fatores determinantes na reprodução
da sociedade, que se projeta através da produção e reprodução do espaço em sua totalidade,
numa relação dialética ao se realizar no outro e através do outro.
Em consonância com esse pensamento, Cruz (2003, p.23) afirma que “a produção da
vida social está diretamente conectada ao espaço, que por sua vez ao ser socialmente
trabalhado como espaço de moradia, de reprodução biológica e de produção dos meios de
existência, apresenta-se como espaço de reprodução”.
Segundo Gottdiener (1997, p.128-129) “é em parte por meio do espaço que a
sociedade se reproduz”. Sob essa afirmação repousa um cenário propício para que o
capitalismo, enquanto meio de produção perdure, dado que o próprio espaço produzido é
capaz de reproduzir as relações sociais necessárias à sua sobrevivência, ou seja, “as relações
sociais que regem as atividades associadas ao espaço precisam adequar-se à forma pela qual o
espaço é usado para adquirir riqueza”.
Nessa lógica, a organização espacial e sua natureza artificial é disposta no meio, a fim
de reproduzir as características que endossam o interesse do capital e essa inscrição no espaço
é marcada pela segregação de classes. O espaço é caracterizado por regiões mais e outras
menos favorecidas com necessidades distintas, pois no sistema capitalista a terra, bem como a
mão-de-obra, são mercadorias que produzem e reproduzem o capital. Goffman (1963, p.05)
explana sobre os profícuos elos do estigma que são arraigados na sociedade capitalista,
principalmente entre as classes e afirma que “a sociedade capitalista estabelece meios de
categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os
membros de cada uma dessas categorias”. Portanto, a estigmatização social, além de ser um
atributo depreciativo, torna o indivíduo “inabilitado para a aceitação social plena”
(GOFFMAN, 1963, p.13).
Sob essa alegação, Carlos (2016, p.61) elucida que a terra no sistema capitalista “se
propõe para a sociedade como valor de troca, destituído de seu valor de uso” e é o uso que
condiciona e qualifica a realização da vida social. Harvey esclarece que toda a forma material
que une a indústria ao espaço é um ambiente construído, ou seja, as edificações, a
infraestrutura urbana, equipamentos comunitários e quaisquer recursos que permitam que o
capital seja ampliado, portanto, produto da produção e reprodução social do espaço.
O ambiente construído capta o poder do espaço social e seu uso à medida que
apresenta, além de recursos, um campo de possibilidades entre espaço, capital e sociedade.
Esses elementos condicionantes do espaço social, no entanto, definem o conteúdo e a forma
26
das sociedades enquanto organizações, sendo historicamente determinado pelo início da
acumulação de capital.
Segundo Harvey (1990, p.238):
O ambiente construído funciona como um vasto sistema de recursos criados pelos
seres humanos, que compreende valores de uso cristalizados na paisagem física, que
se podem utilizar para a produção, o intercâmbio e o consumo. Do ponto de vista da
produção, esses valores de uso podem considerar-se como precondições gerais da
produção e como forças diretas dentro dela [...] em uma palavra, (constitui) toda
forma [material] em que o produto da indústria tenha que se unir solidamente à
superfície. O ambiente construído para o consumo e para o intercâmbio não é menos
heterogêneo.
Na mesma direção Cruz (2003, p.23) acrescenta ainda que;
[...] o espaço construído - edificado, tomado por objetos, por construções fixas,
rígidas, fundamentais para a realização do capital é que atua como condicionante da
sua reprodução. Daí a importância do conceito de ambiente construído para se
compreender alguns elementos condicionantes do espaço social, fundamentais para a
sua existência e continuidade, definindo conteúdo e forma das sociedades.
Santos endossa que o ambiente construído é fruto da ação social de natureza
capitalista, marcado por disputa e apropriação, dominação e expropriação, produção de capital
e reprodução das desigualdades e “desse modo, o meio ambiente construído se contrapõe aos
dados puramente sociais da divisão do trabalho.” (2004, p. 169). É, portanto, a expressão da
urbanização que, dentro de uma lógica de interdependência, faz-se necessária para que o
modo de produção capitalista e a sociedade se reproduzam, ou seja, é social e historicamente
determinado enquanto uma das condicionantes do processo capitalista. Por sua vez, o sistema
capitalista necessita de um ambiente que o dê suporte para existir, consolidar e reproduzir-se,
assim a infraestrutura urbana e o meio construído solidificam o modo de produção.
O autor citado aborda ainda a importância do passado enquanto herança espacial na
construção do espaço social, mutável e heterogêneo, o qual fundamenta o conceito de
rugosidades espaciais:
As rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em
paisagem, incorporado ao espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem
tradução imediata, restos de uma divisão de trabalho internacional, manifestada
localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho
utilizados [...]. O espaço, portanto, é um testemunho; ele testemunha um momento
de um modo de produção pela memória do espaço construído, das coisas fixadas na
paisagem criada. Assim o espaço é uma forma, uma forma durável, que não se
desfaz paralelamente à mudança de processos; ao contrário, alguns processos se
adaptam às formas preexistentes enquanto que outros criam novas formas para se
inserir dentro delas (SANTOS, 2004, p.173).
Santos utiliza o termo “rugosidades espaciais”, o mesmo que Castells denomina
formas ecológicas; “a persistência das formas espaciais ecológicas, suscitadas pelas estruturas
anteriores” (CASTELLS apud SANTOS, 2004, p.173). Santos elucida que os modos de
27
produção se realizam por intermédio dos meios de produção. Ou seja, no decorrer da história
os novos modos de produção encontram um lugar (espacial) existente e já caracterizado de
forma que se adapta para poder se determinar neste novo momento, traçando também uma
nova narrativa. O ambiente construído expressa a herança e permite captar o poder do espaço
social em meio à circunscrição de possibilidades e recursos na territorialidade, pois a noção de
território no sistema de produção capitalista remete ao status de poder que tende a silenciar,
por sua vez, as questões de tradição, passado e história.
Carlos (2016, p.60) alega que “no capitalismo, a produção expande-se espacial e
socialmente (no sentido que penetra toda a sociedade), incorporando todas as atividades do
homem e redefinindo-se sob a lógica do processo de valorização do capital”.
Harvey, ao abordar a produção do espaço capitalista, propõe também uma teoria
marxista, conforme Lefebvre e Castells, sobretudo pautada na concepção teórica das relações
de sustentação entre capital e trabalho, pois essa associação incide diretamente na produção e
reprodução do espaço. Neste ínterim, o autor imputa ao Estado a condição de ser um comitê
que gerencia os interesses do capital e também da sociedade, apresentando, para tanto,
estratégias de contrapeso entre as forças.
Necessariamente, o Estado se origina da contradição entre os interesses particulares
e os da comunidade. No entanto, como o Estado tem de assumir uma existência
“independente”, para garantir o interesse comum, torna-se o lugar de um “poder
alienígena”, por meio do qual pode dominar os indivíduos e os grupos. (MARX E
ENGELS apud HARVEY, 2005, p.80).
O Estado que se origina da necessidade de manter os antagonismos de classe sob
controle, mas que também se origina no meio da luta entre as classes, é
normalmente, o Estado da classe economicamente dirigente, que, por seus recursos,
torna-se também a classe politicamente dirigente, e, assim, obtém novos meios de
controlar e explorar as classes oprimidas. O Estado antigo era, antes de mais nada, o
Estado dos senhores de escravos para controlar os escravos, assim como o Estado
feudal era o órgão da nobreza para oprimir os servos camponeses, o Estado
representativo moderno é o instrumento para explorar a mão-de-obra assalariada
pelo capital. No entanto, ocorrem períodos excepcionais – quando classes
antagônicas quase se igualam em forças – em que o poder do Estado, como aparente
mediador, adquire, naquele momento, certa independência em relação a ambas as
classes. (ENGELS apud HARVEY, 2005, p.80).
As forças que operam sobre o espaço urbano representam um jogo de interesses entre
o capital e o social, uma vez que o capitalismo é marcado pela propulsão da desigualdade
socioeconômica. Cabe então ao Estado, regular, fiscalizar, orientar a sociedade e executar
políticas públicas - inclusive urbanas - a fim de garantir um desenvolvimento equilibrado e
socialmente justo.
Castells (1983, p.56) afirma que
28
[...] a uniformização de uma massa crescente da população, no que diz respeito ao
lugar ocupado nas relações de produção (assalariadas) faz-se acompanhar de uma
diversificação de níveis e de uma hierarquização no próprio interior desta categoria
social – o que no espaço, resulta numa verdadeira segregação em termos de status,
separa e “marca” os diferentes setores residenciais, se estendendo por um vasto
território, que se tornou o local de desdobramento simbólico.
Corrêa afirma que o espaço de uma cidade capitalista se constitui por diferentes usos
da terra, justapostos entre si – organização espacial da cidade ou espaço urbano –,
simultaneamente fragmentado e articulado, onde o Estado desempenha um papel crucial, seja
como produtor, distribuidor ou gestor de bens de consumo coletivo e primordiais à vida nas
cidades.
Por sua vez, o Estado gere e é gerido pelo sistema capitalista e se torna, por
conseguinte, um instrumento de política de dominação de classes menos favorecidas, porém
atua, até certo ponto, como uma instituição mediadora, ao passo de que pode estar
incorporado, por exemplo, às empresas estatais com o objetivo de promover o
desenvolvimento econômico do país, mas ao mesmo tempo atua como estruturador e gestor
de legislações específicas e como promotor de políticas públicas a fim de democratizar a
sociedade e o acesso aos direitos fundamentais. Em outras palavras, o Estado age frente a
interesses peculiares e, inevitavelmente, é tensionado e tensiona os elos estabelecidos entre
capital e social, como dispõe Corrêa (1989, p.26):
Esta complexa e variada gama de possibilidades de ação do Estado capitalista não se
efetiva ao acaso. Nem se processa de modo socialmente neutro, como se o Estado
fosse uma instituição que governasse de acordo com uma racionalidade
fundamentada nos princípios de equilíbrio social, econômico e espacial, pairando
acima das classes sociais e de seus conflitos. Sua ação é marcada pelos conflitos de
interesses dos diferentes membros da sociedade de classes, bem como das alianças
entre eles e tende a privilegiar os interesses daquele segmento ou segmentos da
classe dominante que, a cada momento, estão no poder.
O Estado capitalista nesse ponto admite um papel de extrema importância, à medida
que é responsável por implantar a infraestrutura urbana e, consequentemente, produzir o
ambiente construído, controlar o mercado fundiário e, dentre outras prerrogativas, estabelecer
um marco jurídico de produção e uso do espaço. Na arena que compete o espaço urbano
operam conflitos, narrativas distintas, interesses diversos conforme os agentes e as classes que
representam e a reverberação das inúmeras vozes.
Para Harvey (2005, p.85),
O Estado também deve desempenhar um papel importante no provimento de “bens
públicos” e infraestruturas sociais e físicas. Pré-requisitos necessários para a
produção e troca capitalista, mas os quais nenhum capitalista individual acharia
possível prover com lucro. Além disso, o Estado inevitavelmente, envolve-se na
administração de crise e age contra a tendência de queda da margem de lucro. Em
todos esses aspectos, a intervenção do Estado é necessária, pois um sistema com
29
base no interesse próprio e na competição não é capaz de expressar o interesse de
classe coletivo.
Dessa maneira o trabalho no modo de produção capitalista está relacionado
diretamente à estratificação de classes e também está assentado na produção, que de fato é
determinante nas relações dos indivíduos entre si. Para Marx, a “divisão do trabalho na
sociedade e a correspondente limitação dos indivíduos a esferas profissionais particulares se
desenvolvem como a divisão do trabalho na manufatura, a partir de pontos opostos5” (2011,
p.341). Tendo em vista o pensamento marxista, os homens estabelecem suas relações sociais
baseadas nas condições materiais de sua existência; logo, é esse o meio pelo qual produzem a
própria existência. Por conseguinte, a divisão do trabalho está ligada diretamente ao trabalho
em si e aos seus desdobramentos, mas também às relações de produção legitimadas pelo
caráter da dominação.
Segundo Mohun (1988, p.112):
[...] há a divisão social do trabalho entendido como o sistema complexo de todas as
formas úteis diferentes de trabalho que são levadas a cabo independentemente uma
das outras por produtores privados, ou seja, no caso do capitalismo, uma divisão do
trabalho que se dá na troca entre capitalistas individuais e independentes que
competem uns com os outros. Em segundo lugar, existe a divisão do trabalho entre
os trabalhadores, cada um dos quais executa uma operação parcial de um conjunto
de operações que são, todas, executadas simultaneamente e cujo resultado é o
produto social do trabalhador coletivo. Esta é uma divisão do trabalho que se dá na
produção, entre o capital e o trabalho em seu confronto dentro do processo de
produção. Embora esta divisão do trabalho na produção e a divisão de trabalho na
troca estejam mutuamente relacionadas, suas origens e seu desenvolvimento são de
todo diferentes.
O trabalho no capitalismo contribui para a perpetuação das relações de dominação
entre trabalhador e empregador ou donos dos bens de produção, de forma que cada indivíduo
tem uma função específica, a fim de dinamizar e otimizar a produção, determinando as
relações dos indivíduos entre si e com o meio que ocupam. Cabe salientar que, no modo de
produção capitalista, a força de trabalho é completamente divorciada do controle dos meios de
produção, que são controlados pelos capitalistas e pelo próprio Estado, pois, de acordo com
Harvey (2005, p.84), “a garantia do direito da propriedade privada dos meios de produção, e
da força de trabalho, os cumprimentos dos contratos, a proteção dos mecanismos de
acumulação, estão todos dentro do campo de ação do Estado”. Portanto, o Estado capitalista
5Segundo Marx “em todas as formas de sociedade, é uma produção determinada e as relações por ela produzidas
que estabelecem todas as outras produções e as relações a que elas são origem, a sua categoria e a sua
importância. É como uma iluminação geral que modifica as tonalidades particulares de todas as cores” (2011,
p.216)
30
existe, sobretudo, para organizar e sustentar a relação básica entre o capital e o trabalho,
expressas pelas instituições políticas.
A divisão social do trabalho é comandada pelo mercado e suas extensões, ou seja, a
indústria que divide o trabalho e subordina-o ao capital, à ciência e ao próprio homem
deflagra uma hierarquização complexa, com diversos autores cada qual com seu interesse.
Aliás, a divisão do trabalho é estabelecida entre trabalho industrial e comercial de um lado e,
do outro, o agrícola; portanto, há uma cisão expressiva entre cidade e campo.
Para Lefebvre (2001, p.52), na divisão do trabalho no sistema capitalista “[...] há
unidade e solidariedade, complexidade e complementariedade6 e a separação das funções em
funções de comando e funções produtivas é um fato social e não técnico.” (2001, p.52). Véras
(1993, p.14) aprofunda essa afirmação ao acrescentar que “de um lado, dentro da oficina
(empresa), levando à cooperação, trata-se de uma divisão técnica. De outro, a divisão social
do trabalho faz-se no mercado, onde não há a racionalidade existente na empresa, portanto,
trata-se da concorrência”.
Para Lefebvre (2001, p.49-50),
Não há dúvida de que a separação entre a cidade e o campo mutila e bloqueia a
totalidade social; ela depende da divisão do trabalho material e intelectual que
encarna, que projeta sobre o território. Nessa separação, compete ao campo o
trabalho material desprovido de inteligência; à cidade pertence o trabalho
enriquecido e desenvolvido pelo intelecto, compreendendo as funções de
administração e comando. [...] Tal separação traz outra: divide a população em
classes. Esta separação só pode existir no quadro da propriedade privada,
propriedade da terra e propriedade do dinheiro, com a substituição daquela por esta
como potência dominante. O que resulta disto? A alienação geral.
Lefebvre (1972, p.55) afirma que “a divisão do trabalho, com as formas de
propriedade, não gera apenas a unidade social, mas nesta sociedade, rivalidades e conflitos”.
Na mesma direção Castells (2011) explana que a divisão do trabalho também divide a
sociedade em classes7, desvinculando e alienando os trabalhadores do meio de produção de
maneira que a classe operária se torna a mais frágil perante o sistema por estarem enquanto
6 Fazzi (1990) discorre no primeiro capítulo de sua dissertação acerca da solidariedade comunal à solidariedade
de classe, apresentando, contudo, referências teóricas, históricas e reflexivas. 7 Para esta pesquisa adotou-se a teoria marxista e as relações sociais baseadas na produção do capital como
constituinte no processo de hierarquização de classes. De todo modo sabe-se que há outros autores como Weber
que afirma que as classes se organizam segundo as relações de produção e aquisição de bens - os estamentos e
cunha o conceito de status social que se atrela por sua vez, ao poder, prestígio e pertencimento na sociedade. Em
comunhão, Stavenhagem (1977, p.134) não pauta a divisão de classes apenas sob a plataforma econômica e
segundo o autor, “aceita-se universalmente que todas as sociedades humanas estejam estratificadas de uma ou de
outra maneira. Isso significa que os indivíduos os grupos estão dispostos hierarquicamente numa escala”, logo
não necessariamente apenas pelo poder econômico, pois existem estratificações que não se baseiam nas relações
de classe. Este ensaio busca abordar as posições estruturais que o sistema capitalista concede aos indivíduos sob
a perspectiva econômica e o papel da propriedade privada como uma estrutura antagônica ao direito à terra.
31
indivíduos, subordinados a uma atividade e situação impostas. Desse modo, o peso da
indústria pesa tanto sobre os trabalhadores como também sobre a sociedade.
Na sociedade capitalista os donos dos meios de produção podem ser também os
proprietários fundiários, tanto que, segundo Ianni (1980, p.99),
[...] os proprietários de simples força de trabalho, os proprietários de capital e os
proprietários de terras, cujas, respectivas fontes de receitas são o salário, o lucro e a
renda do solo, ou seja, os operários assalariados, os capitalistas e os latifundiários;
formam as três grandes classes da sociedade moderna, baseada no regime capitalista
de produção.
Conforme Véras (1993, p.12) “a sociedade capitalista só pode ser definida pela relação
que estabelece, de um lado entre a economia política, o Estado, as classes sociais e sua cultura
e de outro, entre a socialização dos meios de consumo e os meios de circulação material no
espaço”. A divisão do trabalho é, portanto, o elo que expressa não apenas a associação de
trabalhadores numa unidade industrial, mas o instrumento que promove e sustenta o modo de
produção capitalista, como argumenta Marx:
A divisão do trabalho na sociedade se processa através da compra e venda dos
produtos dos diferentes ramos de trabalho, a conexão dentro da manufatura, dos
trabalhos parciais se realiza através da venda de diferentes forças de trabalho ao
mesmo capitalista que as emprega como força de trabalho coletiva. A divisão
manufatureira do trabalho pressupõe concentração dos meios de produção nas mãos
de um capitalista, a divisão social do trabalho, dispersão dos meios de produção
entre produtores de mercadorias, independentes entre si (2011, p.407).
Ao passo de que a divisão social do trabalho culmina na estratificação das classes
pode-se dizer que as classes sociais fundamentam a compreensão da divisão do trabalho no
modo de produção capitalista, uma vez que a apropriação privada dos bens de produção e o
assalariamento dos trabalhadores implicana polarização, onde de um lado estão os donos dos
meios de produção - que representam a classe dominante – e, do outro, os trabalhadores - que
são a classe dominada e a consciência de classe8 -, que, de acordo com Fazzi (1990), está
explícita ou implicitamente orientando as reflexões e hipóteses sobre o desenvolvimento da
classe trabalhadora na sociedade capitalista.
Segundo Lefebvre (2001, p.35):
A separação das classes é ao mesmo tempo ilusória e muito real. Ilusória, porque
elas figuram na mesma sociedade, no mesmo todo que se sistematiza; além disso, há
somente uma fonte de riqueza social. Real, porque elas existem socialmente e
praticamente numa separação, mantida como tal, que vai até o conflito.
O autor ainda acrescenta que, no sistema capitalista, “as cidades saem de seu
isolamento e entram em relação entre elas. Segue-se um progresso na divisão do trabalho,
8De acordo com Fazzi (1990), a solidariedade de classe é uma identidade fundada nos interesses de natureza
racional determinados pela posição dos agentes sociais na estrutura social independente das posições na relação
de produção.
32
pois ele se instaura entre as cidades, cada uma explorando um ramo da indústria
predominante.” (LEFEBVRE, 2001, p.59). Além da divisão do trabalho, o próprio modo de
produção capitalista e o ambiente construído possibilitam disputas decorrentes do poder,
principalmente as territoriais, já que as potencialidades de um dado espaço atraem indivíduos
de ambas as classes, mas, como a terra é uma mercadoria no capitalismo, apenas parte destes
indivíduos têm meios para acessá-la. Consequentemente, a hierarquização de classes implica
em diversas formas de apropriação, permitindo que o desenho espacial seja um retrato de
desigualdades, segregações e interseccionalidades. Lefebvre (2001, p.35) é incisivo ao
pontuar que “as categorias de população, classes e frações de classes, não sabem que
participam da produção da mais-valia, da sua realização, de sua distribuição; elas se veem
ainda como distintas9”.
A “anticidade” produzida sobre a negação da cidade e a estrutura social existentes
antes do processo de industrialização, somado à divisão do trabalho e à hierarquização de
classes, cria um novo espaço de acordo com Lefebvre cujos valores de troca se sobrepõe ao
valor de uso e o resultado é um espaço altamente segregado conforme a renda e a função
desempenhada nas indústrias.
[...] o espaço tornou-se para o Estado, um instrumento político de importância
capital. A força de trabalho é uma mercadoria; o que significa que também é uma
forma de propriedade privada, sobre a qual o trabalhador tem direitos exclusivos de
venda. O dinheiro proporciona o veículo para a acumulação; permite que o
indivíduo carregue “seu poder social, assim como seu vínculo com a sociedade, em
seu bolso” (MARX apud HARVEY, 2005, p. 84).
Se, ao produzir a vida social, o homem produz socialmente o espaço, que é o meio o
qual permite a produção e reprodução social, ou seja, produção e reprodução das práticas
sociais, materiais e simbólicas, para correlacionar espaço e sociedade é preciso compreender
as relações intrínsecas entre o território e as forças dispostas pelos diversos agentes, como
bem exemplifica Lefebvre, pois a “planificação racional da produção, disposição do território,
industrialização e urbanização são aspectos essenciais à socialização da sociedade capitalista e
a produção do espaço urbano” (LEFEBVRE, 2008, p.78).
Sob a perspectiva do materialismo histórico, a propriedade privada é um dos
fundamentos da divisão da sociedade em classes e também é a relação social que faz com que
9Vale reter a seguinte citação de Lefebvre que correlaciona o modo de produção capitalista à hierarquização de
classes no espaço: “Onde se passa essa metamorfose capital (mais exatamente: é ela que faz o capital e o
capitalismo)? Na indústria e na vida citadina que se constituem em face da propriedade rural, não sem dela
trazer, por longo tempo, traços e estigmas.[...]. Na vida citadina, meio (ambiente, meio, mediação, intermediário)
da transformação. Eis aí enfim, nomeado o monstro, o lugar das metamorfoses e dos encontros, o espaço teatral
que mistura o ilusório e o real, que simula a apropriação (onde a apropriação aparecendo como alienação
constitui o “direito à cidade”) – onde enfim o capital vitorioso parece ter descoberto o trabalho humano como
fonte de riqueza.” (2001, p.35-36).
33
o trabalho de um indivíduo possa ser apropriado por outro como uma propriedade. Para Marx
(2004, p.165), “a propriedade privada é a base da divisão do trabalho, [...] é o mesmo que
dizer que o trabalho é a essência da propriedade privada”.
Diante de toda essa exposição é de suma importância frisar que a propriedade privada
acompanha a evolução da sociedade e, no entanto, assistiu muitas transformações ao longo
dos anos, demonstrando uma progressiva superação do caráter absolutista em prol da justiça
social. No Brasil o marco foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, que, dentre
outros fatores, determina que a propriedade cumpra sua função social, demarcando,
sobretudo, a propriedade para proveito da coletividade.
Na próxima seção buscar-se-á aprofundar o debate acerca da formatação do ambiente
construído progressista sob o ponto de vista socioeconômico, o que coloca em questão o ato
de habitar, que não se resume exclusivamente em ter uma moradia; trata-se, portanto, do
direito à cidade e à propriedade. Para tanto, as referências teóricas debruçam-se nas críticas ao
urbanismo progressista por este ser um instrumento ideológico, que anula a “cidade natural” e
as práticas sociais existentes e o Estado é o mediador dos distintos interesses na tentativa de
diminuir a segregação social, econômica e espacial e as disparidades entre as classes.
1.2 O Urbanismo Progressista: uma crítica à tecnocracia e a segregação socioespacial
As mudanças produzidas gradualmente pela revolução industrial na sociedade
alteraram drasticamente as cidades, visto que, segundo Benévolo (1994, p.13) “a primeira
mudança decisiva é o aumento da população devido à diminuição da taxa de mortalidade que,
pela primeira vez, se afasta definitivamente da de natalidade”. Esse aumento no número de
habitantes mudou a distribuição no território conforme as transformações econômicas,
alterando potencialmente o equilíbrio entre o campo e a cidade. Ocasionalmente, a associação
entre a indústria, a cidade e o acúmulo considerável no contingente populacional
consolidaram uma nova caracterização dos espaços baseados na “tecnicidade”10.
O progresso do capitalismo significou sobretudo o avanço tecno-científico, que, por
sua vez, devastou culturas, dizimou tradições, reorganizou os territórios conforme os
10A tecnicidade tratada por Benévolo diz respeito a racionalidade na proposição urbanística quanto a ordenação
das normas urbanas de base pautadas na higiene. O higienismo é uma pauta doutrinária, do século XIX e o que
norteia é a propulsão dos governantes em dar maior atenção à saúde dos habitantes e das cidades. Muitos
arquitetos e urbanistas expuseram seus modelos urbanísticos baseados no higienismo, embelezamento e
remodelação estratégica, como Haussmann em Paris. “As carências higiênicas relativamente suportáveis no
campo, tornam-se insuportáveis na cidade, pela contiguidade e o número enormíssimo das novas habitações”
(BENÉVOLO, 1994, p.35).
34
interesses das classes dominantes e reduziu o homem a um coadjuvante no processo de
produção do espaço, de modo que criou-se um paradoxo, pois, na tecnocracia11, ao homem há
uma multiplicidade de disposições, mas há também uma dificuldade do mesmo em realizar-
se, de fato, como ser humano, justamente porque não há um respeito à dignidade da
diversidade social, cultural, econômica e política que o circunda.
Segundo Cabral (2003, p.07), “na perspectiva da tecnocracia, os homens aparecem
como uma massa uniforme e desconfigurada. Nesta ótica, o homem não é um ser
singularizado, ele é como a massa é”, porém, vive de acordo com um padrão de
comportamento social sob a mesma utopia dos demais. Santos (1993, p.35) chama de “meio
técnico científico” ou tecnocracia, o “momento histórico no qual a construção ou reconstrução
do espaço se deu com um crescente conteúdo de ciência, de técnica e de informação” e
acrescenta que:
O fim do século XVIII e, sobretudo, o século XIX veem a mecanização do território:
o território se mecaniza. [...] Esse meio técnico-científico (melhor será chama-lo de
meio técnico-científico-informacional) é marcada pela presença da ciência e da
técnica nos processos de remodelação do território essenciais às produções
hegemônicas, que necessitam desse novo meio geográfico para sua realização.
(CABRAL, 1993, p.35-36).
Em consonância, Goytisolo (1977, p.40-41) explana que:
A tecnocracia é o exercício, no âmbito da economia, da indústria e do comércio, ao
nível do Estado ou da grande empresa, do poder de organização e de decisão mais
geral por um pequeno grupo de homens de formação técnica, que aceitam a
disciplina hierárquica, geralmente colocados sob a autoridade de um chefe. [...] A
tecnocracia se caracteriza pelo emprego dos métodos da ciência física para a solução
dos problemas sociais, e pela grande confiança na técnica da planificação para
regulamentar e desenvolver a economia.
A industrialização exigiu e favoreceu a urbanização na medida em que as cidades
passaram a abrigar as indústrias e consequentemente toda a mão-de-obra. Este novo cenário
tem como demanda a necessidade de satisfazer as condições de sobrevivência das classes -
burguesia e proletariado. Para tanto, a urbanização se traduz na imprescindibilidade da
inserção de infraestrutura, habitação e demais disposições que caracterizam a cidade
capitalista.
11 Cabral afirma que “devemos saber o que se entende por cracia, presente no termo tecnocracia, assim como a
democracia, burocracia etc. Este vem de um termo grego crátos. Geralmente o traduzirmos
por governo. Mas crátos diz mais que isto: diz poder, capacidade de controle, potência para ordenação. Assim,
a partir das considerações anteriores, temos o conceito de tecnocracia que diz: norteamento ou asseguramento da
relação homem – real tão somente através da perspectiva do controle, ordenação e exploração (da energia do
real). Isto quer dizer que a tecnocracia é muito mais do que o simples estar subjugado às máquinas. Mais que
isto: a tecnocracia é um modo humano de ser que encara o real tão – somente através do ideal de controle,
normatização, cálculo, dominação. Portanto, a tecnocracia coordena o modo de compreensão humana da
totalidade do real, onde este se apresenta como manancial de energia pronta para ser explorado pela vontade de
dominação humana.” (2003, p.6).
35
Segundo Engels, a cidade industrial “é construída de um modo tão peculiar que
podemos residir nela durante anos ou entrar e sair diariamente dela, sem jamais ver um bairro
operário ou até mesmo encontrar um operário” (ENGELS, 2010, p.88).
Para Lefebvre (2008, p.80) “a urbanização e o urbano, contêm o sentido da
industrialização” e narra ainda que não há instrumentos teóricos que expliquem a
complexidade desse fenômeno. Choay (1992, p.50), por sua vez, afirma que “o urbanismo
científico é um dos mitos da sociedade industrial [...] porém esses modelos revelaram-se
poderosos instrumentos de ação, ao passo de que exerceram uma influência corrosiva nas
estruturas urbanas estabelecidas”. O rompimento das estruturas urbanas existentes e anteriores
à industrialização, bem como a segregação socioeconômica e espacial, representam o ápice da
urbanização capitalista, segundo Colosso (2016).
Lefebvre explana que, com “o aparecimento da grande indústria, a cidade (e a sua
capacidade interna-externa de associação, de concentração, de reunião) deixa para Engels e
Marx de figurar, como sujeito do processo histórico” (LEFEBVRE, 1972, p. 65). Isso ocorre
principalmente porque a industrialização rompe a trajetória histórica do homem e sua
utilização do espaço de forma natural para uma representação artificial, desconsiderando em
muitos casos a própria cidade e seu legado. Aliás, o espaço no sistema capitalista é um
produto de conflagrações e estampa essas ações no território ao ponto de que a forma com que
se dá a ocupação e o uso da terra expressam as desigualdades sociais, ou seja, é o reflexo da
divisão do trabalho e das classes.
A divisão da sociedade em classes implica diretamente no espaço e nas diversas
formas de apropriação do mesmo, tornando-o um espaço produtivo e/ou improdutivo de
forma a atender, sobretudo, os interesses do Estado, sejam na apropriação enquanto
propriedade e/ou na improdutividade enquanto atributo físico da natureza. Conforme
Lefebvre, o espaço apresenta-se de forma segregada, ao passo de que separa os indivíduos de
acordo com a ótica da classe dominante e seus interesses, uma vez que,
O modo de produção capitalista substitui a exploração rotineira da terra pela
aplicação tecnológica da ciência. [...] A completa urbanização da cidade, anunciada
e até começada antes do capitalismo (visto que a anterior situação é uma das
condições da nova sociedade, a sociedade burguesa), prossegue, portanto, e ganha
até aceleração do domínio de grande indústria, da burguesia e do capital. É um
processo revolucionário que transforma a superfície do globo e da sociedade. (1972,
p. 136)
Para Choay, do ponto de vista quantitativo, a revolução industrial é quase
imediatamente seguida por um impressionante crescimento demográfico das cidades e por
uma drenagem dos campos em benefício de um desenvolvimento urbano sem precedentes,
36
uma vez que o aparecimento desse fenômeno se dá em função do nível de industrialização de
cada país. A seu ver, “Do ponto de vista estrutural, [...] as funções urbanas, contribuem para
romper os velhos quadros, frequentemente justapostos, da cidade medieval e da cidade
barroca” (CHOAY, 1992, p.04).
Nessa direção, o conceito de “urbanismo” é definido pela autora como:
[...] neologismo corresponde ao surgimento de uma realidade nova: pelos fins do
século XIX, a expansão da sociedade industrial dá origem a uma disciplina que se
diferencia das artes urbanas anteriores por seu caráter reflexivo e crítico e por sua
pretensão científica (1992, p. 26).
Choay retrata bem a forma urbana, as regras e os modelos comuns aos planos
urbanísticos decorrentes do processo de industrialização, de modo que sua abordagem passa
pela afirmação de que “a cidade industrial é urbana e a cidade é seu horizonte. [...] No entanto
fracassa na ordenação desses locais12” (1992, p.01). A autora questiona os modelos urbanos
elaborados pela classe dominante que se fundem às necessidades de um homem teórico (e,
portanto, abstrato) e não às necessidades do ser humano real. Como Lefebvre, Castells e
Santos, Choay dispõe sua maior crítica ao urbanismo enquanto uma ciência que
desconsiderou até mesmo a natureza da cidade, pois “cada cidade antiga, com suas
fisionomias e formas próprias, pode ser comparada a um livro com sua escrita particular, sua
linguagem “fechada”, em suma: seu estilo13” (CHOAY, 1992, p.53). Logo, a forma com que
se dá o processo de urbanização pode significar, segundo a autora, uma crise de identidade e
também cultural da sociedade presente no espaço no período de tempo anterior à
industrialização.
Santa Rosa, em conformidade com Choay, afirma que o urbanismo progressista
“reintroduziu o conceito grego de limite natural de crescimento para qualquer organismo ou
organização, restabelecendo, ao mesmo tempo, a medida humana da nova imagem de cidade”
(SANTA ROSA, 2002, p.42), na tentativa de “salvar a cidade” do congestionamento
populacional ocasionado pelo crescimento do processo de industrialização e consequente
abandono do campo. Essa intenção se traduziu na proposta de Ebenezer Howard acerca da
12 Para aprofundamento acerca da gênese do urbanismo, verChoay, 1992, p.1-34. 13Choay afirma que o espírito do urbanismo progressista tende a priorizar o futuro, o desenvolvimento e a
promoção e investigação das técnicas que têm caráter de previsão. Previsões demográficas e econômicas surgem
para fundamentar quaisquer planificações urbanas e a aplicação dessas técnicas permitiu os urbanistas
progressistas, elaborarem planos que, ao invés de respeitar as funções elementares de um homem real em sua
riqueza identitária e diversidade cultural, priorizou o “homem-tipo” (teórico e portanto, utópico). “É bem o caso
de uma verdadeira reviravolta metodológica.” (1992, p.51).
37
descentralização das funções urbanas a fim de disciplinar o crescimento urbano seguindo um
critério racional.14
Choay exemplifica a cidade-jardim proposta por Howard em 1899, que comportava:
[...] 30.000 pessoas na zona urbana e 2.000 pessoas na zona agrícola. Na cidade
haveria 5.500 terrenos com uma superfície média de 6,5m x 44m, sendo que o
espaço mínimo é de 6,5m x 33m. Ao observar a arquitetura e as disposições variadas
das casas e dos grupos de casas – algumas têm jardins comunitários e cozinhas
cooperativas –, verificamos que a observância do traçado das ruas ou as formas
harmoniosas constituem os pontos principais no que se refere à construção, sobre as
quais as autoridades do município exercem controle, pois as preferências e gostos
individuais são amplamente encorajados , sem que se prejudiquem as disposições
sanitárias adequadas, que são estritamente impostas (CHOAY, 1996, p.223).
A autora aborda ainda a proposta de Tony Garnier, cujo espaço deveria obedecer a
uma divisão conforme as funções desempenhadas, bem como também ponderava a proposta
de Howard. Na cidade industrial de Garnier 15 , a indústria principal deveria ser uma
metalúrgica localizada fora da zona urbana e os bairros seriam locados um distante do outro
para que fosse resguardado a possibilidade de crescimento independente, tanto da indústria
quanto dos setores (bairros) urbanos, logo:
O terreno para ser construído nos bairros residenciais divide-se primeiro em ilhota de
150 metros no sentido leste-oeste e de 30 metros no sentido norte-sul; essas ilhotas
dividem-se em lotes de 15 metros por 15, sempre com um lado dando para a rua. [...]
A fábrica principal é uma metalúrgica. Minas localizadas nos arredores produzem a
matéria-prima e a força de trabalho é fornecida pela torrente. [...] Cada região é
disposta de tal forma que pode crescer independentemente e sem atrapalhar as outras
divisões. Em torno da aglomeração principal há outras aglomerações, fazendas de
exploração agrícola [...] e o trabalho é a lei humana [...] (GARNIER, 1992, p.165-
170).
Observa-se que tanto o modelo de cidade-jardim como o de cidade industrial previam
além de um baixo contingente populacional (30.000 e 35.000 habitantes, respectivamente),
uma localização da indústria fora da zona urbana. A diferença é que na cidade-jardim a
14 Choay explana que a ideia da cidade-jardim foi representada por Howard como um círculo dividido por seis
setores, delimitados por bulevares arborizados que partindo do centro vão até o perímetro externo. No núcleo do
círculo se localiza a sede da municipalidade. O conjunto todo poderia conter um total de 58.000 habitantes
considerando a área urbana e a de expansão urbana. Após esse número ser atingido, outras cidades-jardins
deveriam ser propostas nos mesmos moldes. Howard chamou esta ordenação do crescimento da cidade de
“constelação de cidades.” Ainda que a ideia de Howard não tenha sido concretizada, muitas premissas foram
abstraídas no planejamento das cidades inglesas, bairros norte americanos e em várias cidades de todo o mundo,
inclusive no Brasil, principalmente no caso das cidades-empresa, de acordo com Santa Rosa (2002). 15A cidade industrial proposta por Tony Garnier em 1904 se assemelha a proposta das cidades-jardim de Howard
no que diz respeito a limitação do crescimento das cidades e a ordenação do espaço conforme às funções. Em
sua proposta Tony Garnier acrescenta a indústria metalúrgica como a fonte de trabalho principal nesse modelo
de cidade e deveria ser implantada fora da zona urbana, bem como o hospital. Supõe-se que exista uma relação
estreita entre a cidade industrial de Garnier e as cidades-empresa no Brasil que por sinal em sua maioria,
apresentaram por um período (ou até hoje em alguns casos) uma siderúrgica ou metalúrgica sendo a principal
fonte de renda dos trabalhadores residentes na cidade. Para maior compreensão sobre a cidade industrial de Tony
Garnier, ver Choay (1992).
38
indústria de pequeno e médio porte não definia a economia da cidade como na cidade
industrial proposta por Tony Garnier.
Essas características que compõem os princípios do urbanismo progressista foram
agrupadas de forma sistemática por Le Corbusier em 1933, no advento do IV Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), realizado em Atenas e que culminou na
“Carta de Atenas16”. Segundo Choay, os temas em torno dos quais se organiza “a cidade
corbusieriana – classificação das funções urbanas, multiplicação dos espaços verdes, criação
dos protótipos funcionais, racionalização do habitat coletivo – pertencem ao acervo comum
dos arquitetos progressistas da mesma geração” (CHOAY, 1992, p.183), portanto,
É antes da Carta de Atenas, o primeiro manifesto do urbanismo progressista. Uma
cidade industrial tem como princípios diretores a análise e a separação das funções
urbanas, a exaltação dos espaços verdes que desempenham o papel de elementos
isoladores, a utilização sistemática dos materiais novos, em particular do concreto
armado. Os diferentes tipos de edifícios são padronizados: casa com átrio, pavilhões
escolares com um só nível [...] (1992, p.163).
Para Benévolo “a urbanística moderna [...] formou-se posteriormente, quando os
efeitos quantitativos das transformações em curso se tornaram evidentes e entraram em
conflito entre si, tornando inevitável uma intervenção reparadora17” (1994, p.09).
Lefebvre explana que o urbanismo é uma ideologia que tem dois aspectos solidários –
um mental e um social. “Mentalmente, ele implica uma teoria da racionalidade e da
organização. [...] Socialmente, formula todos os problemas da sociedade em questões de
espaço e transpõe para termos espaciais tudo que provêm da história, da consciência.”
(LEFEBVRE, 1969, p. 69). O urbanismo enquanto técnica e ideologia, nasce junto à
industrialização, a fim de satisfazer as necessidades da sociedade capitalista, de modo que a
cidade e o urbano só podem ser compreendidos através das instituições – fruto das relações de
classe e propriedade.
Nesse sentido, Goytisolo (1977, p.61) denota o processo que levou a técnica ao poder,
“como parte da inversão ou, melhor dito, da subversão completa do ato de conhecer”. Isso
porque, para o autor, a inteligência e o conhecimento se impõem sobre a realidade numa
caracterização de dominação do homem e da propriedade, de modo que a natureza é tratada
como objeto material e “o desenvolvimento econômico, o incremento da produtividade e a
16 A Carta de Atenas repousa-se na proposição de quatro funções básicas na cidade: habitação, trabalho,
recreação e circulação e através de premissas tende a criar um modelo de cidade ideal segundo a ótica dos
urbanistas. 17Para Benévolo, “as primeiras tentativas para corrigir os males da cidade industrial polarizaram-se em dois
casos extremos: ou se defendia a necessidade de recomeçar do princípio, contrapondo à cidade existente novas
formas de conveniência ditadas exclusivamente pela teoria, ou se procurava resolver os problemas singulares e
remediar os inconvenientes isoladamente, sem ter em conta as suas conexões e sem uma visão global do novo
organismo citadino” (1994, p.09).
39
elevação do nível de vida, especialmente na massa consumidora, como temos dito, são os fins
que a tecnocracia afirma perseguir” (GOYTISOLO, 1977, p. 90).
Este tipo de labor da inteligência leva unida uma vontade de poder e não pode
menos que engendrar uma civilização de tipo técnico, na qual vemos que a
“sabedoria é eliminada”, tanto no sentido metafísico como no moral, em benefício
dos modelos diretores de todas as atividades humanas racionalmente capazes de
construir um mundo e uma humanidade novos. (1977, p. 82).
Lefebvre (2001) afirma que o urbanismo – uma espécie de ilusão - vai além da
organização espacial e exprime uma reestruturação das relações sociais, porém ao mesmo
tempo em que se propõe a organizar o espaço, vai de encontro às práticas sociais, ou seja,
substitui a práxis pelas representações do espaço, da vida social e de alguns grupos. Colosso
(2016, p.80) afirma que Lefebvre se debruça sobre a crítica ao urbanismo moderno por este
estar entre “conhecimentos e instituições cujo intento é compreender e organizar o
crescimento urbano e a constatação segundo a qual uma reforma urbana incide diretamente
sobre estruturas da sociedade existente”. Acrescenta ainda que o urbanismo ao qual Lefebvre
faz uma crítica radical é justamente o defendido pela Carta de Atenas, a qual pretende
determinar no contexto nacional a maneira devida em conceber e/ou intervir no espaço
urbano, além de como deve se dar as relações sociais.
Ainda segundo Colosso “a ideologia urbanística decorre em grande medida do fato de
o urbanismo se pretender a um saber cujas decisões são estritamente técnicas, portanto,
pautadas por um conhecimento científico independente do solo histórico-social no qual foi
erigido.” (COLOSSO, 2016, p. 82). Visto isso, Lefebvre e Castells ressaltam as falhas da
ideologia do urbanismo progressista por este não se debruçar na integração entre a “cidade
antiga” (anterior à industrialização) e o “urbano” (atrelado de forma concomitante ao processo
de industrialização) justamente porque a tecnocracia se apoia na racionalidade do Estado
altamente centralizado e não na identidade cultural inscrita no espaço “natural”.
Conforme o mito da tecnocracia cunhado por Lefebvre (2001, p.220)18:
18Lefebvre discorre sobre o mito da tecnocracia e afirma que “entre o grande público acredita-se os tecnocratas
fazem reinar a técnica “pura”. A pretensa tecnocracia não é tão nociva por sua ação real como pela sua imagem
que ela mesma dá à sociedade. Segundo esta imagem, a racionalidade social, enfim madura, já impera ou vai
imperar dentro em breve. Esta crença muito difundida na opinião “pública” resulta de uma propaganda: é uma
ideologia. Esta ideologia é o produto mental da tecnocracia, sua justificação, a compensação de sua impotência e
de sua incapacidade, sua contribuição real à ação do poder. [...] A ideologia da racionalidade tecnicista oculta a
não aplicação da técnica à vida prática. [...] Muito se escreveu sobre o “meio técnico” oposto ao “meio natural”.
Falou-se de “sociedade tecnicista”. Com essas formulações caindo um pouco no descrédito, os sociólogos as
substituíram por outras denominações que não valem mais que as primeiras: sociedade de consumo, de lazeres,
civilização da imagem, etc. [...] O mito da tecnocracia tem consequências que dependem, como ele mesmo, de
um estudo sociológico (LEFEBVRE, 1969, p.16-17).
40
[...] os tecnocratas estão lá para dissimular o fato de que é um mínimo de tecnicidade
que é aplicada por toda parte. O público crê que se elabora soluções técnicas e que
há razões profundas para aceitá-las, para impô-las, mas na realidade há um mínimo
de tecnicidade em urbanismo e em arquitetura”.
Os urbanistas utilizam a técnica como álibi às suas decisões, portanto, o fundamento
em que ela se baseia é reducionista, visto sua dominação sobre o homem e toda a diversidade
sociocultural. A tecnocracia, para Andrade (1980), é expressa por uma forte capacidade de
transformação socioeconômica do estado, impondo não apenas os estímulos à
industrialização, mas também forjando um ambiente propício ao desenvolvimento do
capitalismo. De todo modo, Lefebvre (2001, p. 119) mostra que a tecnocracia é uma agressão
ao homem e toda a sua construção histórica, já que todas as ações urbanas estão vinculadas ao
Estado, que, para o autor, é o “centro de decisões das classes dominantes”. Para o autor “a
tecnocracia somente deixará de ser um mito quando tiver uma outra política e que se colocará
toda a técnica a serviço da realidade, ao serviço da vida social, da vida cotidiana.”
(LEFEBVRE, 2001, p. 221).
Alexander aborda os planos urbanísticos progressistas e protesta contra o traçado
rígido das vias e dos lotes “como se toda cidade se propusesse a ser igual às demais e se todo
homem possuísse as mesmas necessidades” (ALEXANDER, 1967, p.24). Acrescenta ainda
que as cidades “naturais” possuem riqueza nas formas ecológicas porque são produto das
práticas sociais e faz, entretanto, uma analogia entre o espaço e a concentração de pessoas,
pois nos planos urbanísticos progressistas não há interlocução com a escala, porque a cidade
é segregada justamente para determinar as porções que podem ser ocupadas segundo a
hierarquia de classe fundamentada na renda.
Lefebvre conclui sua crítica à cidade moderna, apontando que “a direção de um novo
humanismo é que devemos tender e pelo qual devemos nos esforçar, isto na direção de uma
nova práxis, e de um outro homem, o homem da sociedade urbana.” (LEFEBVRE, 2008, p.
108). O autor destaca a emergência de um projeto político de reforma urbana e a implantação
de projetos urbanísticos bem desenvolvidos com a inserção da participação popular na
elaboração e a (re)apropriação do espaço, sem que seja, no entanto, imposto pelas clivagens
ideológicas progressistas sob as quais o indivíduo é designado somente o ato de trabalhar (e
produzir), habitar, recrear e circular. Colosso aponta que Lefebvre não oferece “referências
concretas de um urbanismo renovado, mas aponta para fenômenos históricos nos quais
estavam presentes e superpostos [...] um quadro de restituição da vida urbana densa e
participativa” (COLOSSO, 2016, p. 87).
41
Em consonância Harvey, esse autor traz para a discussão o direito à propriedade, cuja
terra no sistema capitalista se inscreve na ótica do valor de troca (na maioria dos casos a terra
é artifício de especulação imobiliária e, portanto, não desempenha sua função de uso no
espaço) e concentra-se, sobretudo, nas mãos dos agentes imobiliários e/ou fundiários. O autor
salienta a atuação de figuras políticas que reestruturam as cidades e legislações de modo a
favorecerem a si mesmos e/ou agente imobiliários, pois “o direito à propriedade como hoje
existe, como se constitui atualmente, encontra-se muito mais estreitamente confinado, na
maior parte dos casos, nas mãos de uma pequena elite política que se julga capaz e com
condições de moldar a cidade” (HARVEY, 2014, p.63).
Ao abordar os investimentos em infraestrutura, Harvey critica a forma com que se dá a
construção do ambiente construído de forma separada da moradia, já que a unidade
habitacional é tratada como se fosse algo secundário no espaço, pois os princípios
progressistas se voltam exclusivamente para a organização do meio “artificial” de forma
metódica. Segundo o autor, as classes dominantes tensionam o processo urbano, permitindo
que a dinâmica da ocupação espacial esteja completamente submersa aos interesses
econômicos e políticos. Por outro lado, a classe trabalhadora também impõe sua força no
espaço a fim de garantir seus interesses sociais e de justiça na ocupação do solo, de forma que
cabe ao Estado conciliar os interesses conflitantes. Harvey aprofunda sua crítica ao remeter a
dominação capitalista não só sobre os aparelhos do Estado, mas também sobre populações
inteiras, bem como seus estilos de vida, visões do mundo e o próprio espaço, tanto que abre
uma discussão sobre a criação de bens comuns urbanos19. Para o autor, “o ambiente e a
atratividade de uma cidade, por exemplo, é um produto coletivo de seus cidadãos, mas é o
mercado turístico que capitaliza comercialmente esse comum de modo a extrair rendas de
monopólio” (HARVEY, 2014, p. 146).
Choay elucida algumas teorias baseadas na polística20 e afirma que “compreender os
fatores geográficos e históricos da vida de nossas cidades é o primeiro estádio de
19 Harvey aborda a criação dos bens comuns urbanos em oposição às profundas ondas de privatizações,
cercamentos, conflitos espaciais e vigilâncias ostensivas que inibem novas formas de relações sociais (novos
bens comuns) em um processo influenciado quando não dominado por interesses de classes dominantes. Para o
autor o “comum” não pode ser cercado, vendido e nem mesmo considerado uma mercadoria, ou seja, a exemplo
a terra não pode ser vista na visão do autor, como fontes de renda de monopólio. Para maior compreensão, ver
Harvey (2014). 20 Segundo Choay, “enquanto ciência a polística é o ramo da sociologia que trata das cidades, suas origens, sua
distribuição, de seu desenvolvimento e estrutura, de seu funcionamento interno e externo, material e mental, de
sua evolução, particular e geral. Do ponto de visa prático enquanto ciência aplicada, a polística deve
desenvolver-se pela experimentação, e tornar-se assim, uma arte cada vez mais eficaz, suscetível de melhorar a
vida da cidade e de contribuir para a sua evolução.” (1992, p. 274). A autora ainda cita boas práticas urbanas
expressas pelas teorias de Patrick Geddes (1854-1932), Marcel Poète (1866-1950), Lewis Mumford (1895-1990)
e Jane Jacobs (1916-2006).
42
compreensão do presente, e uma etapa indispensável de qualquer tentativa de previsão
científica do futuro, para que se evitem os perigos da utopia” (CHOAY, 1992, p. 274).
Jacobs, por sua vez, apresenta um estudo minucioso na abordagem do espaço urbano
como um organismo, cuja boa funcionalidade propicia a dinamização e a defesa da
diversidade. A autora se opõe aos projetos urbanísticos propostos na sociedade moderna, pois
a forma como são dispostos os modelos altamente técnicos, contribuem definitivamente para a
não apropriação dos espaços públicos e comum nas áreas urbanas, além de criar elementos na
paisagem as quais ela denomina como fronteiras e é onde estão localizados bairros
decadentes. Em contrapartida, a autora debate os projetos de revitalização enquanto “projetos
dos projetos”, ou seja, projetos urbanos que tendem a resolver questões criadas pelos projetos
altamente técnicos vistos nas sociedades modernas dando, contudo, referências de boas
práticas como a reintegração“. Raskin, em seu ensaio sobre a variedade afirmou que a maior
falha do zoneamento é permitir a monotonia. Acho que é isto mesmo. Talvez a segunda seja
que o zoneamento ignora a proporção de uso […] ou a confunde com tipo de uso […]”
(JACOBS, 2011, p.262). De todo modo, o espaço urbano é o produto das forças políticas e
econômicas atuantes no meio e o Estado tem como prerrogativa promover o desenvolvimento
econômico do país, atuando, para tanto, em prol da justiça social.
43
2 O PROCESSO DE FORMAÇÃO URBANO-INDUSTRIAL NO BRASIL E EM
MINAS GERAIS
Este capítulo tem como ponto de partida a formação urbano-industrial no Brasil e traz
à luz uma contribuição ao debate acerca dos impactos socioeconômicos e populacionais de
grandes projetos industriais em meio urbano que por sua vez, contaram com forte sustentação
política da instância governamental para a implantação dos mesmos. Essa discussão faz-se
necessária principalmente no estado de Minas Gerais uma vez que a urbanização mineira foi
alavancada a partir da instalação da indústria no território, tornando o espaço, um lócus da
produção e do poder que quase se confundem.
2.1 A formação urbano-industrial no Brasil: uma breve contextualização
Historicamente, a massiva parte das cidades preexistiram à implantação das indústrias
e, embora os processos de industrialização e urbanização sejam relacionais e concomitantes,
somente em meados do século XIX de maneira muito lenta, iniciou-se o processo de
industrialização no Brasil. Porém, de acordo com Cano (2007, p.50):
[...] deve-se lembrar que a implantação industrial anterior a 1930 não pode ser
chamada a rigor, de “processo de industrialização.” Ela foi na verdade, induzida pelo
setor exportador. Só a partir de 1933, quando a economia nacional se recupera da
crise e o movimento de acumulação industrial é o motor determinante da economia,
é que se pode falar em industrialização.
Busca-se nesta seção, constituir um campo de discussão acerca das condições das
cidades brasileiras quanto à inserção das indústrias sem, no entanto, necessariamente traçar
um levantamento da evolução urbana ou sistematizar os períodos de industrialização no
Brasil21.
Ianni (1996) faz uma análise das políticas de Estado para o desenvolvimento
econômico do Brasil e limita o período em 1930 a 1970 demarcando principalmente a crise de
1929, pois a “derrota ainda que parcial das oligarquias dominantes até então, pelas novas
classes sociais urbanas, [...] exprimiu as rupturas estruturais a partir das quais se tornou
possível reelaborar as relações entre o Estado e a sociedade” (IANNI, 1996, p.13).
O início da década de 1930 expressou uma mudança política, social e, sobretudo
econômica, cuja transição de uma base agroexportadora para industrial compôs paralelamente
21 Para maior aprofundamento sobre o processo de industrialização no Brasil, sugere-se a leitura de Furtado
(1963) e Ianni (1996).
44
uma economia constituída de certa vulnerabilidade justamente porque a atividade cafeeira de
cunho exportador dependia totalmente do mercado externo.22
A aproximação da indústria junto às cidades de acordo com a necessidade de busca
pelas condições essenciais à produção – seja pela mão-de-obra barata e abundante, cujo
trabalho anterior desempenhado era fundamentalmente agrícola, seja pela diversificação
imprescindível da economia, impulsionou o governo brasileiro a adotar uma série de medidas
socioeconômicas e institucionais, firmando uma nova fase entre o Estado e o sistema político-
econômico com inclinação para a industrialização.23
Conforme Bonduki (1998, p.96):
[...] o Estado brasileiro passa a intervir tanto no processo de produção como no
mercado de aluguel, abandonando a postura de deixar a questão da construção,
comercialização, financiamento e locação habitacional às “livres forças do mercado
que vigorou até então. Esta nova postura do Estado brasileiro na questão da
habitação é parte integrante da estratégia muito mais ampla, colocada em prática
pelo governo Vargas, de impulsionar a formação e fortalecimento de uma sociedade
de cunho urbano-industrial, capitalista, mediante uma forte intervenção estatal em
todos os âmbitos da atividade econômica.
Diniz (1978, p.51) acrescenta que:
A presença do Estado se justificava, em primeiro lugar, pela incapacidade dos
grupos nacionais privados em termos de capacidade financeira e técnica para
projetos de tal envergadura. Em segundo, pela incapacidade ou desinteresse do
capital estrangeiro, em função das crises políticas e econômicas decorrentes da
Primeira Guerra, da crise de 1929 e da emergência da Segunda Guerra, que
dificultaram e reduziram os investimentos diretos no estrangeiro, e finalmente pela
ideologia nacional-desenvolvimentista conjugada com segurança nacional, de
parcela da elite governamental e do exército.
Todavia, Piquet traz uma informação preciosa para reflexão, pois ainda que o governo
tenha apresentado interesse em desenvolver a economia através da indústria, o mesmo não
dispunha de conhecimento suficiente e práxis para lidar nem com a industrialização
completamente descapitalizada e nem com os projetos urbanos de larga escala que essa fase
requeria, logo “[...] todos os serviços urbanos de grande vulto – estradas de ferro, serviços de
22 Conforme Oliven, a formação de um modo de produção urbano-industrial capitalista no Brasil está ligada ao
enfraquecimento da economia colonial e ao surgimento de uma economia de mercado. (2010, p. 58). Em outras
palavras, a crise de 1929, onde a economia mundial foi fortemente abalada, contribuiu diretamente para a
Revolução de 1930 no Brasil tendo como marco o fim da oligarquia cafeeira, uma vez que os EUA diminuiu a
compra do café brasileiro e com isso os preços caíram, o que denota um enfraquecimento político que
sobrepunha a transição dos cafeicultores para o setor industrial. Essa situação segundo Piquet, seu início ao
“debate sobre a necessidade de desenvolvimento do setor de insumos básicos e da ampliação da infraestrutura de
apoio ao setor industrial.” (1998, p.25). 23 A título de complementariedade, o Presidente da República, Getúlio Vargas esteve à frente do Brasil de 1930 a
1945 e durante seu governo uma nova fase econômica do país culminou em 1937 no intervencionismo, que é a
interferência do governo na economia. Para maior aprofundamento das informações, ver Forjaz, 1984.
45
água, esgoto, instalação de luz elétrica, telégrafo – eram operados por firmas privadas24”.
(PIQUET, 1998, p.17).
Segundo Oliveira (1982) as relações entre o Estado e a sociedade podem ser vistas de
diversos prismas nesse período do país, principalmente no que compete a atuação do Estado
na regulação de relações sociais de produção descritas pelo autor como Revolução burguesa.
A Revolução burguesa é a afirmação das liberdades. No Brasil, desde 30, a
Revolução burguesa nasce aparentemente negando as liberdades individuais. Em
outras palavras, regulando as relações capital-trabalho desde o princípio, o que é
uma negação dos chamados direitos individuais, dos chamados direitos burgueses,
mas é sem o recurso abusivo à dialética, à negação da negação. É a negação do
direito de livre contratação por parte do operário, mas é a afirmação do direito de
contratação por parte do capitalismo. Por outro lado, é o que tem levado muita gente
ainda a pensar no caráter corporativista do Estado brasileiro, a Revolução de 30 vai
também negar certas liberdades das antigas oligarquias regionais, por exemplo, ela
retira o que começa a ser um processo centralizado no Brasil – das oligarquias
regionais fundadas em cada província, certos poderes de regulação da atividade
econômica, ela retira o poder de legislação sobre o comércio externo e sobre o
comércio interno , o que denovo é aparentemente uma Revolução burguesa que
nasce negando liberdades, mas na verdade ela, pela negação, afirma a liberdade do
novo agente social proeminente, que é o capitalista industrial. (OLIVEIRA, 1982, p.
45).
O autor afirma que “é evidente que a industrialização vai redefinir o que é esse urbano
exatamente porque ele passa a ser a sede não só de aparelhos burocráticos do Estado quanto
do capital comercial, passando a ser a sede do novo aparelho produtivo que é a indústria.”
(OLIVEIRA, 1982, p.38). O urbano, portanto, se traduz como a intervenção do Estado nas
relações capital-trabalho, cujo lócus ideal é a cidade.
[...] quando a industrialização começa a ser o motor da expansão capitalista no
Brasil, ela tem que ser simultaneamente urbana e, tem que ser fundamentalmente
urbana porque não pode apoiar-se em nenhuma pretérita divisão social do trabalho,
no interior das unidades agrícolas. [...] A indústria no Brasil ou seria urbana ou teria
muito poucas condições de nascer. Esse é na verdade o maior determinante do fato
de que a nossa industrialização vai gerar taxas de urbanização muito acima do
crescimento da própria força de trabalho empregada nas atividades industriais.
(OLIVEIRA, 1982, p. 42).
Conforme Alves (1990) a demanda de mão-de-obra e a necessidade de se implantar
infraestrutura e serviços urbanos são fatores determinantes no processo de industrialização e o
grau de internalização, ou seja, uma incorporação ao meio altera-se conforme a localização;
logo em grandes aglomerações urbanas como é o caso das regiões metropolitanas, os
24 Piquet cita como exemplos “a Light and Power, organizada no Canadá com capitais ingleses e que concentrou
a maior parte dos serviços públicos de gás, água, esgoto, luz, energia elétrica, transportes urbanos e telefones de
São Paulo, Rio de Janeiro e regiões circunvizinhas. A Electric Bond and Share (maior truste mundial de
produção e distribuição de energia elétrica), cuja subsidiária controlava esses serviços para a Bahia, parte de
Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.” (PIQUET, 1998, p. 18). Observa-se, portanto, que o
Estado não possuía uma tradição para lidar com esses setores e nem tecnologia suficiente disponível, então a
solução foi implantar os empreendimentos industriais brasileiros junto à área de abrangência dos serviços
prestados por essas empresas estrangeiras de modo a dispor de infraestrutura necessária à produção, ou seja,
pequenas oficinas podiam estar localizadas em diversos pontos do território, ao contrário das grandes indústrias.
46
impactos tendem a apresentar um maior grau de internalização e em núcleos urbanos pouco
articulados ocorre o contrário, o que por muitas vezes os sujeita a enclaves25.
Em meados da década de 1930 a produção no país era composta basicamente por bens
de consumo popular. No cerne do modo de produção capitalista esse mecanismo figura a
perspectiva da acumulação de capital, onde os próprios trabalhadores além de produzirem
bens são consumidores dos mesmos e adquire-os através do seu salário.26Além disso, os
trabalhadores oriundos das atividades agrícolas tiveram que se conformar às especificidades
da indústria, que progressivamente passou a dominar o mercado de trabalho em paralelo a
uma acentuada queda da participação do setor agrícola.
O Estado que desde o início da década de 1930 era definido como nacional-
desenvolvimentistas e colocou como instrumento de promoção de acumulação de capital,
inseriu o país no sistema capitalista e estabeleceu condições para debater outras formas de
desenvolvimento, dadas sob a articulação de uma base composta por empresa pública,
empresa privada nacional e capital internacional.27
De acordo com Souza, a segunda Guerra Mundial favoreceu o desenvolvimento
econômico no país, pois o conflito amparou a assinatura de um termo firmado com os EUA
onde “pelo decreto 3.002, de 30 de Janeiro de 1941, foi autorizado a constituição da
Companhia Siderúrgica Nacional e o Ministério da Fazenda a subscrever, pelo Tesouro
Nacional, a parte necessária à integralização do capital da sociedade.” (SOUZA, 1985, p. 43).
O referido acordo firmado contribuiu para que a exportação do minério de ferro fosse
prioritária para os EUA e a Inglaterra, que se apresentavam como potências bélicas.28
Haja vista, Piquet analisa a implantação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) e
afirma que “o plano urbanístico, de alto padrão, reproduz na estruturação urbana a hierarquia
funcional da usina, criando espaços estratificados por categoria funcional e padrão salarial”
(PIQUET, 1998, p.26), o que foi replicado em tantos outros projetos urbanísticos posteriores.
25 Enclave aqui é conceituado como a ausência de ligação entre a atividade exportadora e os outros setores da
economia, falta de encadeamento, relações, ações conjuntas. 26 Em meados da década de 1930, ocorre no Brasil a regulamentação das leis trabalhistas e o estabelecimento do
salário mínimo e cabe ao trabalhador administrar sua sobrevivência. Por sua vez ao Estado competia, por
exemplo, a promoção da aposentadoria e a assistência à saúde. Oliven (2010) aponta que a promulgação das leis
trabalhistas configurou também através de uma cultura política paternalista, a manutenção da classe trabalhadora
sob domínio e controle. 27 Para Gonçalves (2012) o nacional-desenvolvimentismo pode ser definido como um projeto de
desenvolvimento econômico consolidado no nacionalismo, no intervencionismo estatal e na industrialização
substitutiva de importações. 28Por ser uma obra prioritária para as potências bélicas, Souza (1985) expõe que no fim de 1945, 80% das obras
da usina já estavam concluídas. Em 1946 iniciou-se a produção de coque siderúrgico e a operação dos altos-
fornos e aciaria, e em 1948iniciaram-se as operações do setor de laminação.
47
Santos (1993) acrescenta que, neste mesmo período, houve uma considerável
integração do território brasileiro visto a viabilidade da conexão das estradas de ferro até
então desconectadas na maior parte do país, junto à construção de inúmeras estradas de
rodagem.
Segundo Piquet (1998, p.25):
A entrada do país na produção de insumos básicos nas décadas de 40 e 50
significou, na verdade, o início da implantação em território nacional da grande
siderurgia e da produção cimenteira em larga escala, o que veio a representar um
passo decisivo do país em seu ingresso na categoria de nação industrializada, já que
a siderurgia se relacionava à solução dos problemas de transporte interno
(ferroviário) e ao desenvolvimento dos demais setores industriais.
Santos afirma que o termo industrialização não pode ser tomado no sentido estrito de
implantações industriais. O autor entende que até a década de 1950 o termo industrialização
deve ser expresso “como processo social complexo que tanto inclui uma formação de um
mercado nacional, quanto os esforços de equipamentos do território para torná-lo integrado”
(1993, p.27). Esse processo impulsiona a vida urbana e ativa a realização da urbanização
ultrapassando o nível regional para situar-se na escala de país.
Em conformidade Piquet explana que a partir da década de 1950 nota-se com maior
clareza uma aglomeração urbana e “a concentração industrial nascente já impõe sua marca nas
principais cidades brasileiras, que passaram a apresentar mudanças na sua estruturação
interna. Já se distinguiam a localização e fisionomia dos bairros operários,” (PIQUET, 1998,
p.20) de modo que em função da divisão do trabalho nas indústrias e a segregação social em
função da renda a que esses trabalhadores eram submetidos, desenvolveram entre si laços de
solidariedade de classe. Importante frisar que essa segregação além de social, remonta-se
também ao uso do solo e à ocupação espacial.
Neste período, o Brasil tendo à frente o Presidente da República Juscelino Kubitschek,
debruçou-se sobre a ideologia desenvolvimentista e de crescimento iniciada na década de
1930. Essa ação governamental justificou e legitimou a orientação do gasto público em
benefício de grandes empresas cujo desempenho permitiria ao país alçar expressivo aumento
nas exportações. A fim de proteger a indústria nacional através da criação da Lei Tarifária
como forma de incentivar o empresariado nacional, o governo criou também a oportunidade
para que o capital estrangeiro adentrasse na economia do país, o que propiciou um
crescimento do setor industrial e dinamizou a economia brasileira.
Nesse viés, salienta-se que as cidades ainda eram incipientes em infraestrutura e as
implantações de indústrias de grande porte em áreas centrais urbanas eram inviáveis,
justamente porque estas não dispunham de um ambiente construído potencial à produção. No
48
caso de Minas Gerais, cabe reter a informação de que uma variáveis negativas era a falta de
energia elétrica. Por esse motivo, as grandes indústrias se instalavam em áreas isoladas,
relativamente próximas às matérias primas e se responsabilizam pela estruturação do espaço
de modo a favorecer e viabilizar a sua respectiva produção.
Piquet (1998) acrescenta que as áreas as quais as indústrias se instalavam eram
desprovidas de serviços público se estrutura espacial suficientes para acolher o grande
contingente populacional que migravam para essas regiões em busca de trabalho. Em
contrapartida, as empresas buscavam estar próximas às matérias-primas necessárias à
produção mesmo que essas regiões estivessem localizadas distante das capitais brasileiras.
Esse fato, somado a grande necessidade de mão-de-obra para a produção, fez com que as
empresas assumissem a responsabilidade pela provisão de moradia aos trabalhadores,
implantação de serviços públicos urbanos e toda a estrutura urbana necessária.
Segundo Vianna tanto no Brasil como na Europa as vilas operárias eram construídas
sob duas modalidades distintas: como assentamento habitacional, patrocinado por empresas e
voltado a seus funcionários (vila operária da empresa) e a habitação promovida por
investidores privados e voltada ao mercado de locação (vila operária particular).O autor
afirma ainda que “algumas vezes, essas habitações confundiam-se com o espaço urbano
existente, já que possuíam as mesmas características físicas” (VIANNA, 2004, p.7), mas não
era uma regra, pois de acordo com Alexander (1967), no Brasil a maioria das áreas planejadas
pelas empresas na acolhida de seus trabalhadores não possuem vinculação estética com a
arquitetura intrínseca ao espaço “natural”.
Bonduki explana que “[...] muitas empresas criaram não só vilas, mas verdadeiras
cidadelas, porque se estabeleciam em locais isolados, onde inexistia mercado de trabalho ou
cidades capazes de concentrar trabalhadores e oferecer o mínimo de serviços e equipamentos
urbanos.” (BONDUKI, 1998, p.47).
Piquet analisa a construção das moradias operárias pelas empresas e conclui que:
De fato, como controle da fábrica e da vila pertencia ao mesmo agente social, a vida
operária nessas vilas era um prolongamento da rígida disciplina imposta pelo regime
de trabalho fabril. A proximidade da produção e da reprodução assegura a
assiduidade dos operários, assim como a sua pontualidade. (PIQUET, 1998, p. 22).
As vilas quando bem-sucedidas figuravam uma nova possibilidade também aos
membros do alto escalão da empresa ou pessoas designadas e controladas pela mesma, que
era a de representante político uma vez que os trabalhadores e seus familiares compunham
uma “espécie de clientela eleitoreira” e por meio disso, a empresa muitas vezes tinha uma
forte representação no Poder Público. Essas relações que as empresas mantinham com as vilas
49
operárias firmavam-se na garantia de mão-de-obra necessária à produção e um alto controle
sobre a força de trabalho em virtude das ações paternalistas existentes, como por exemplo, a
provisão de moradia, além de revelar intrinsecamente uma dominação política e ideológica.
Importante citar que conforme Pettersen (2007) entre as décadas de 1940 e 1950, os
trabalhadores deixaram de associar a empresa à figura do empresário enquanto pessoa física
para associá-la ao caráter de instituição, pela razão que a mesma não somente representava
um vínculo empregatício, como previa também através do Estado toda a estrutura necessária à
sobrevivência e a manutenção da mão-de-obra.
À medida que a industrialização se tornava mais presente na paisagem urbana
brasileira, o processo de urbanização avançava nos territórios em comunhão com a
implantação das indústrias e se de um lado o Estado foi parceiro da classe burguesa a fim de
atender os interesses voltados ao desenvolvimento econômico do país, foi também atuante
junto à classe trabalhadora, principalmente na provisão de moradia, trabalho e serviços
públicos29.
Nesse ínterim, Oliveira é enfático ao explanar que o urbano a partir da década de
1950 se reveste da expressão das classes dominantes e em alguns momentos é o ponto de
coalizão conforme os interesses.
Essa industrialização passa a ser agora um espaço privilegiado de expansão das
empresas internacionais, das empresas capitalistas mais poderosas dos países
centrais. Isso leva à consequências muito importantes: o Estado vai suprir certas
necessidades porque a debilidade de acumulação das burguesias nacionais, do ponto
de vista de poder centralizador e não do ponto de vista do tamanho do excedente,
tornam o Estado um ente capaz pela sua força extra econômica, de realizar esse
processo de centralização dos capitais – o que já é em si mesmo, um primeiro
sintoma de que estamos em presença da implantação de um estilo de capitalismo
monopolista nas economias periféricas. (OLIVEIRA, 1982, p. 49).
Segundo Bonduki “[...] a concepção da habitação como serviço público [...] é um dos
indicadores da relação entre projetos de habitação social e a perspectiva de transformação
social dominante baseada na estatização dos meios de produção e dos equipamentos
coletivos” (1998, p.74).
Nessa direção Piquet (1998) aponta como exemplos a CSBM (Companhia Siderúrgica
Belgo Mineira) que em 1934 promoveu um concurso para o projeto da cidade de João
Monlevade em Minas Gerais; a CSN que entre 1941 e 1945 construiu uma usina e uma cidade
29 Segundo Poggi (1981, p.126), o “Estado liberal foi construído para favorecer e sustentar, através de seus atos
de governo, a dominação da classe burguesa, sobre a sociedade como um todo.” Para essa pesquisa não se
considerou essa afirmação que incide diretamente na análise de que todas as políticas sociais são direcionadas
como um artifício de dominação da burguesia sobre os trabalhadores. A atuação do Estado aqui é vista como
uma estrutura mediadora e de equilíbrio dos diversos interesses e por mais que a industrialização gere lucro aos
donos dos meios de produção, gera trabalho para a classe trabalhadora e possibilita que junto à urbanização, as
classes “dominadas” tenham melhoria na qualidade de vida.
50
simultaneamente em Volta Redonda; a CVRD (Companhia Vale do Rio Doce) que em 1942
se instalou em Itabira e elevou a população a 120 mil habitantes em 1986 e por fim a
Usiminas, construída a partir de 1958 e inaugurada em 1962 cuja concepção do modelo
urbanístico se volta ao conceito de cidade aberta30.
Para Santos, o período do regime militar no Brasil (1964-1985) foi um marco no
desenvolvimento do país, já que o governo militar criou condições para uma rápida integração
produtiva elevando-o a um movimento de internacionalização, seja para atender um mercado
consumidor em célere expansão, seja para responder uma demanda exterior. De todo modo o
Brasil se tornou nesse momento um país exportador em ascensão, tanto de produtos agrícolas
não tradicionais, quanto de produtos industrializados, pois “a população aumentada, a classe
média ampliada, a sedução dos pobres por um consumo diversificado e ajudado por sistemas
extensivos de crédito, serviram como impulsão à expansão industrial.” (SANTOS, 1993,
p.36).
O Estado concentrou esforços que favorecessem a implantação das indústrias no
território e as condições gerais da produção, ou seja, através das empresas estatais interveio e
impulsionou o desenvolvimento econômico no país e promoveu a inserção da infraestrutura
nas cidades de forma a acolher os trabalhadores.
Santos assevera que a ação de desenhar o espaço direciona os interesses do grande
capital, isso porque “o meio técnico-científico é o terreno de eleição do capitalismo maduro, e
este também dispõe de força para criá-lo. São duas faces da mesma moeda.” (SANTOS, 1993,
p. 40). A partir desse momento, constroem-se as estradas de rodagem de primeira ordem e o
Brasil passou a ser amparado por uma rede de circulação que facilitava, sobretudo, o
escoamento da produção, o que representou entre as décadas de 1960 a1980 um
desenvolvimento enorme em serviços urbanos31.
30 O conceito de “cidade-aberta” se volta à acomodação no espaço tanto de trabalhadores com vínculos com a
empresa e residentes nas unidades habitacionais que a mesma proveu aos seus funcionários, como quaisquer
indivíduos que quisessem residir nas áreas planejadas, desde que qualquer obra que fosse realizada nos
complexos residenciais deveria recebesse a aprovação de um Departamento de Habitação e Urbanismo da
empresa, órgão criado por Hardy Filho em 1965. 31 Conforme Santos, “o consumo de energia dos 24.000 megawatts em 1965, passou para 160.000 em 1984. [...]
De quase 5.000.000 passageiros transportados por meio de rodovias em 1970, alcançamos mais de 11.000.000
em 1980. Eram 3.800.000 automóveis circulando em 1973, são 10.500.000 em 1981. Modernizam-se os correios
e cria-se um moderno sistema de telecomunicações, através de ondas e, depois, dos satélites; difunde-se o
telefone, implanta-se o telex e novas formas de movimentos de valores, de dinheiro, de capitais, de ordens,
mensagens, etc. Em 1974, os correios transportavam cerca de um bilhão de objetos, enquanto em 1982 são mais
de quatro bilhões. Em 1961, havia 1.100.000 telefones instalados, em 1971 ainda eram 1.760.000, mas em 1987
o país já conta com 11.600.000 aparelhos instalados. É assim que, além da integração do território que já se
esboçava no período anterior, agora também se constroem as bases de uma verdadeira fluidez do território. O
espaço torna-se fluído, permitindo que os fatores de produção, o trabalho, os produtos, as mercadorias, o capital
passam a ter uma grande mobilidade.” (1993, p.37).
51
O autor conclui que:
Durante, praticamente, três séculos e meio, o território brasileiro conheceu uma
utilização fundada na exploração dos seus recursos naturais pelo trabalho direto e
concreto do homem, mais do que pela incorporação de capital à natureza que,
durante esse tempo, teve um papel relevante na seleção das produções e dos homens.
Nos cem anos que vão da metade do século XIX à metade do século XX, algumas
áreas conhecem a implantação de um meio técnico, meio mecanizado, que altera a
definição do espaço e modifica as condições do seu uso (SANTOS, 1993, p. 45).
Segundo Ianni (1996) a década de 1970 foi caracterizada por investimentos de grande
porte focados na extração de recursos minerais, infraestrutura energética, transporte e
comunicação. Em contrapartida, as regiões do Brasil apresentaram em 1980, uma organização
territorial e urbana marcada pela disparidade entre os índices regionais de urbanização como
demonstra a Tabela 01.
Tabela 1- Taxas Regionais de Urbanização Regiões 1940 (%) 1960 (%) 1980 (%)
Norte 27,75 37,80 51,69
Nordeste 23,42 34,24 52,44
Sul 27,73 37,58 62,41
Sudeste 39,42 57,36 82,79
Centro-Oeste 21,52 35,02 67,75
Fonte: Santos (1993). Urbanização no Brasil. Adaptado da autora
Santos aborda que a região Sudeste que em 1940 já era considerada a região mais
urbanizada do país principalmente em termos de transporte, atingiu, em 1980, a margem de
82,79% do seu território urbanizado e relaciona a urbanização junto a implantação dos
serviços públicos, pois, “enquanto o território não é unificado pelos transportes e
comunicações e pelo mercado, a urbanização não se torna um fenômeno generalizado sobre o
espaço nacional.” (SANTOS, 1993, p.57). Há questões mais profundas a serem abordadas
sobre a região Norte do país e embora não caiba aqui uma discussão mais ampla, vale reter
que essa região deve sua urbanização até a década de 1980 aos acontecimentos históricos e
sobretudo à exploração da borracha, porém a baixa densidade econômica e demográfica
impossibilitou o surgimento de núcleos urbanos com maior consistência de urbanização.
A tabela 02 mostra os índices de contingente populacional nas décadas de 1950, 1960
e 1980 e as taxas de crescimento que podem ser atribuídas à transformação econômica e
política iniciada em 1964, com ápice na década de 70, cujo período apresenta grandes
alterações de ordem quantitativa e qualitativa.
52
Tabela 2 - Crescimento da população urbana brasileira nas regiões entre as décadas de
1950, 1960 e 1980 Localidades 1950 1960 1980 1980/1950 1980/1960
Brasil 18.782.981 32.004.817 82.013.375 4,36 2,52
Norte 580.867 983.278 3.102.659 5,34 3,15
Nordeste 4.744.808 7.680.681 17.959.640 3,78 2,34
Sudeste 10.720.734 17.818.649 43.550.664 4,06 2,44
Sul 2.312.985 4.469.103 12.153.971 5,25 2,71
Centro-Oeste 423.497 1.053.106 5.246.441 12,39 4,98
Fonte: SANTOS (1993). Adaptado pela autora
A região Sudeste conforme a tabela 2, apresenta em 1980 um aumento na população
em torno de quatro vezes se comparado a década de 1950. Santos relaciona esse aumento com
o processo de industrialização, pois segundo o autor 85% das empresas nacionais estavam no
Sudeste, porém cabe citar que em 1985 apenas 68% se mantinham. Muitos dos grandes
empreendimentos iniciados em 1970 foram concretizados em 1980, com finalização completa
ou sob redução de metas. O autor assevera que “no Sul e no Sudeste, onde existe uma rede
urbana mais desenvolvida, a interação entre as cidades acelera o processo de divisão territorial
do trabalho que lhes deu origem.” (SANTOS, 1993, p.60).
Singer (1982) entende que as empresas estatais foram as maiores responsáveis pelos
provimentos de boa parte dos serviços urbanos essenciais tanto à produção como aos
indivíduos de modo geral. Enquanto instituição o Estado desempenha também um papel
importante no valor monetário da terra que no sistema de produção capitalista trata-se de uma
mercadoria que tem seu valor elevado proporcionalmente em determinadas regiões conforme
a infraestrutura e a implantação de equipamentos urbanísticos recebidos.
Essa ótica apresenta-se de modo excludente e segregador, pois em regiões mais
assistidas pelo Estado e/ou pela empresa há uma disponibilidade de melhores condições
urbanas e de serviços que são aproveitadas em grande parte pelos agentes imobiliários. Cabe
citar que após a década de 1950 o país assistiu um movimento cada vez maior de ocupações
urbanas constantes, seja pela luta no acesso à moradia ou pelo único direito de existir.
A partir de 1985 com o fim do regime militar, Maricato (2014) afirma que houve
grandes avanços na discussão sobre as políticas urbanas, uma vez que os governos municipais
puderam implementar políticas de participação popular e programas de desigualdade social
urbana sejam por meio da Constituição Federal de 1988 ou de novas leis como o Estatuto da
Cidade instituído em 2001, ou de novas instituições como o Ministério das Cidades em 2003.
A seção a seguir trata em específico o processo de industrialização em Minas Gerais
além de promover a compreensão da gênese e desenvolvimento da formação socioespacial
53
dada em função da instalação de indústrias em bases urbanas incipientes de modo a situar
adiante o objeto de estudo desta pesquisa.
2.2 A industrialização em Minas Gerais e a relação com a formação socioespacial
entre os anos de 1930 a 1970
Segundo Diniz, o atraso relativo de Minas Gerais no processo de industrialização não
emperrou sua participação na produção industrial do país entre 1907 e 1940, pois “subiu de
4,4% em 1907 para 5,6% em 1919 e 6,5% em 1939, particularmente em função de dois
ramos: alimentar na primeira fase, e siderurgia na segunda.” (1978, p.18).
Contudo, Pettersen afirma que o atraso relativo na industrialização em Minas Gerais se
deu pela “ausência de estímulos que desembocassem no adensamento industrial; [...] divisão
inter-regional do trabalho baseado nas vantagens comparativas; [...] esforços governamentais
insuficientes; [...] e falta de estratégias regionais para a integração à economia nacional.”
(PETTERSEN, 2007, p.74).
A zona da Mata, o sul de Minas e o centro do estado abrigaram na primeira fase da
industrialização mineira a produção de laticínios e açúcar – produção complementar e
substitutiva da atividade cafeeira.
Diniz (1978) destaca que os obstáculos impostos na importação de produtos em
virtude da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) beneficiaram o estado de Minas Gerais ao
passo que contribuiu para que a produção de laticínios e açúcar ocupasse o mercado nacional.
A produção do açúcar chegou a seu ápice entre os anos de 1929 a 1937 enquanto a indústria
metalúrgica não tinha expressão significativa na economia mineira. Diniz (1981) frisa que
81% do valor de produção e 70% dos empregos no estado estavam centrados neste período,
nos ramos têxteis e de laticínios.
Por mais que a indústria alimentar continuasse expandindo no estado, Diniz (1978)
sistematiza a segunda fase a partir do momento em que a indústria metalúrgica retomou o
impulso na década de 1920, quando de acordo com a FJP (1996) o governo federal passou a
apoiar a indústria metalúrgica de forma mais abrangente, o que propiciou a fundação da
CSBM (Companhia Metalúrgica Belgo Mineira) em Sabará no ano de 1921, incorporando a
Cia. Siderúrgica Mineira, instalada no município em 191732.
32 Souza (1985) relata que em 1920 o Rei Alberto da Bélgica visitou o Brasil a convite do Presidente de Minas
Gerais (governador no mandato de 1918-1922) Arthur Bernardes, com o intuito de promover investimentos e
parcerias com o estado. Em 1921, o Grupo da ARBED ((Acieries Reunies de Burbach-Eich-Dudelange) enviou
54
Salienta-se que em 1889 foi instalado o primeiro alto-forno do estado e um dos
primeiros do país, na Usina Esperança33. Costa aponta que a instalação da CSBM em Sabará
significou para Minas Gerais “um sopro de alteração econômica a partir da década de 20”
(1979, p.16).
Com a intervenção do governo, a CSBM teve que expandir a produção e em 1935 as
instalações da usina foram iniciadas no município de João Monlevade, logo que a ligação
ferroviária entre a capital mineira e o município se efetivou. As operações de produção
começaram em 1937 com capacidade de até 50.000 ton./ano segundo Souza (1985).
Fazzi relata que a formação da comunidade de João Monlevade está atrelada
diretamente à instalação da CSBM no município. Costa (1979) e Mendonça (2006) narram o
mesmo vínculo entre a instalação da USIMINAS no fim da década de 1950 e início dos anos
60 em Ipatinga elucidando, sobretudo, o desenvolvimento urbano de municípios deficientes
em infraestrutura urbana, a partir da implantação de uma indústria.
A autora narra que “em 1924, a CSBM adquiriu a “propriedade de Monlevade.” [...] A
“propriedade de Monlevade” era, pois, uma propriedade rural adquirida por uma empresa
capitalista, tendo em vista uma exploração econômica” (FAZZI, 1990, p.39) e relata que:
A construção da Usina de Monlevade foi iniciada em 1935, em uma região
predominantemente rural, [...] não existindo, portanto, uma infraestrutura urbana já
constituída. Os trabalhadores que chegaram a João Monlevade naquele momento
caracterizaram a região como um lugar constituído somente por uma “rua” com três
casas e a casa da fazenda. O sentido dessa caracterização feita pelos informantes era
o de ressaltar a participação de cada um na construção da fábrica e do núcleo urbano
que se formou a partir dela. (FAZZI, 1990, p.40).
O município de João Monlevade, portanto, é uma cidade “mono-industrial”, conforme
a definição de Costa (1979) ou “cidade-empresa” conforme a definição semelhante de Piquet
(1998)34. O município além de assistir grandes investimentos financeiros que viabilizaram a
um grupo de estudos às terras mineiras e o resultado pairou na criação da Belgo Mineira em Sabará que
incorporou a Cia. Siderúrgica Mineira, fundada em 1917. 33 O alto forno foi construído pelo metalurgista Gerspacher na Usina Esperança, localizada em Itabira do Campo
– atual município de Itabirito. Segundo Souza (1985) foi a primeira usina com alto-forno e recuperadores de
calor montada no Brasil. Em 1901 os herdeiros do engenheiro e proprietário Queiróz Junior mudaram o nome da
usina para “Usina Queiróz Júnior”. 34 Costa (1979) define “cidade mono-industrial” como uma cidade formada a partir da implantação de um grande
projeto industrial dos ramos metalúrgico, transformação dos minerais não-metálicos ou de extração de minerais.
Piquet (1998) cunha o termo “cidade-empresa” basicamente para o mesmo fim e considera que uma cidade-
empresa pode ser formada ou também ter seu desenvolvimento econômico atrelado à instalação de uma
indústria. O cerne de ambos os termos se dá no resultado espacial após a implantação da empresa: um espaço
urbano bastante segregado, onde facilmente se observa a separação entre uma “cidade privada” construída pela
empresa mesmo que seja uma empresa estatal e que abriga os indivíduos que mantêm vínculos de trabalho com a
mesma e uma “cidade pública” onde se estabelece o restante da população nem sempre empregada, composta
pelos moradores que já residiam nas cidades antes mesmo da instalação da indústria ou por uma população que
chega a estas cidades através de grandes fluxos migratórios em busca de emprego. Os termos “cidade pública” e
“cidade privada” são utilizados por ambos os autores.
55
urbanização nas áreas de interesse da empresa, registrou um aumento considerável no volume
de recursos financeiros destinados ao Poder Público e acolheu em seu território um elevado
contingente populacional atraídos pelas oportunidades de emprego.
Vários municípios no Brasil e em especial os dispostos no território do estado de
Minas Gerais, tiveram sua urbanização atrelada a instalação de uma indústria em seus limites
geográficos.
Como em muitos casos a empresa era a responsável por prover a infraestrutura e o
planejamento urbano no município de base urbana incipiente a qual estava instalada, a mesma
exercia forte influência na administração pública da cidade. No caso de João Monlevade, o
planejamento urbano ficou a cargo da CSBM até abril de 1964, quando repassou
integralmente essa responsabilidade para a administração o Poder público municipal, segundo
Fazzi (1990). Isso ilustra a dinâmica da cidade-empresa: a indústria ao se instalar no território
admite a responsabilidade da urbanização de modo a garantir uma estrutura necessária à
produção. Em posse de grandes extensões de terra para a execução do plano urbanístico e
sendo responsável pela infraestrutura do espaço, a empresa assume o controle e a gestão
urbana que é competência do Poder público municipal.
Em conformidade Piquet (1998) explica que essa forma de “planejamento privado”
também se aplica às empresas públicas/estatais, uma vez que suas formas de ação obedecem à
lógica interna do processo econômico, tornando o território e a coletividade, submissos a uma
duplicidade de atores. Logo, essas empresas planejam a si mesmas, o território que irão se
instalar e estimulam o desenvolvimento através de um plano urbanístico que impactam por
sinal, a sociedade, a economia e a política. Tão importante é reconhecer a atuação do Estado
no processo de desenvolvimento econômico e urbanístico no país, alternando sua autoria e
ações conforme os próprios interesses, das classes dominantes e dos trabalhadores.
De acordo com Diniz (1978) foram fundadas várias outras metalúrgicas no estado que
posteriormente foram também ampliadas ou incorporadas pelo capital estrangeiro, a exemplo
o alto-forno Pedro Gianetti fundado em 1922 no município de Rio Acima e transformado em
Metalúrgica Santo Antônio S.A em 1931, a firma Hime e Cia em 1925 no município de Barão
de Cocais, que foi transformada em CBUM (Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas) e
a firma J.S. Brandão e Cia instalada também em 1925 no município de Caeté e transformada
posteriormente em Cia. Ferro Brasileiro S.A. em 1931.
No final da década de 1930 o estado já participava com aproximadamente 90% do
ferro gusa, 60% do aço e 50% dos laminados produzidos no Brasil, segundo a FJP (1996).Isso
56
representou um aumento de 1.438 trabalhadores empregados em 1932 para 5.888 funcionários
diretamente ligados à atividade siderúrgica no ano de 194035.
Contudo, o período de 1930 a 1940 representou para o estado um momento de
estagnação econômica e má arrecadação de impostos em virtude da queda de exportação de
café e do escoamento mineral clandestino, além de poucos investimentos no setor metalúrgico
e de mineração. Essa situação impulsionou o fluxo migratório de ao menos 12,9% dos
mineiros conforme o Censo de 1940, em direção a São Paulo e Goiás.
O estado de Minas Gerais possuía no ano de 1938 um total de 8.323 km de extensão
de estradas conforme FJP (1996), mas com condições de rodagem insatisfatórias em virtude
da qualidade de execução das mesmas. O abastecimento de energia elétrica por mais que o
estado tenha sediado a implantação da primeira usina hidrelétrica da América do Sul, era
extremamente deficiente36.
A baixa qualidade e quantidade de estradas disponíveis, somado à baixa cobertura
estadual de energia elétrica e a pulverizada desconcentração em termos de localização das
usinas, forçava de algum modo as empresas siderúrgicas e mineradoras assumirem a condição
de instalarem o seu próprio sistema energético e a estrutura necessária à produção, entretanto,
isso encarecia os investimentos e muitas vezes os inviabilizava. Cabe citar que Belo
Horizonte se viu no fim da década de 1930com pouca disponibilidade para receber novas
indústrias, principalmente as de grande porte, já que a precariedade de energia elétrica era
uma característica comum no estado de Minas Gerais.
Segundo Diniz:
A Bond and Share havia adquirido as instalações e a concessão para os serviços de
energia elétrica do município de Belo Horizonte, no início da década de 1930. A
empresa não ampliou a capacidade instalada deforma suficiente, limitando-se ao
aproveitamento de pequenas quedas d'água próximas â cidade. Em 1939, possuía
uma potência instalada de 18.380 HP, em 5 usinas. Não havia disponibilidade de
potência para novas indústrias, havendo dificuldade para o funcionamento de
bondes, além da precariedade do sistema de iluminação (1978, p.33).
Souza (1985) afirma que ainda que o estado de Minas Gerais estivesse numa situação
financeira não tão favorável neste período, era uma grande aspiração dos mineiros transformar
o estado num grande centro industrial em virtude das especificidades geológicas. Esta
35 Cabe salientar que essa produção no estado de Minas Gerais se dá pela localização do Quadrilátero Ferrífero
em território mineiro, senso a maior região produtora de minério de ferro do país. Nessa porção estão localizados
os municípios de Itabira, Ouro Preto, Congonhas, Barão de Cocais, Itabirito, Moeda, Itabirito, Rio Acima e
vários outros, inclusive o município de Ouro Branco que é objeto dessa pesquisa. Por esse motivo as empresas
siderúrgicas e mineradoras eram atraídas para essa região em virtude da abundante matéria-prima. 36 A primeira usina hidrelétrica de nome “Usina Hidrelétrica de Marmelos” foi inaugurada em 1889 em Juiz de
Fora e atualmente funciona em suas instalações o Museu de Marmelos que é administrado pela Universidade
Federal de Juiz de Fora.
57
expectativa se apoiava tanto na necessidade de expansão siderúrgica e mineradora quanto na
conveniência da urbanização do território. Em consoante, a indústria siderúrgica mineira era
vista naquele momento como o maior elemento de fixação do homem no território e um fator
aliado na contramão dos contínuos fluxos migratórios.
Todavia, em torno das expectativas, a CSBM em João Monlevade não conseguia
suprir a demanda de metais pesados, pois75% do consumo de laminados eram atendidos com
importações segundo Souza (1985) e por mais que houvesse expectativas e matérias primas
necessárias para o alargamento da indústria siderúrgica e mineradora no estado, faltava
infraestrutura urbana nos municípios para abrigar as indústrias e os trabalhadores, além de
faltar também investimentos financeiros para a construção, gestão e produção das usinas.
Em 1938, diante de tantos impasses o Presidente Getúlio Vargas propugnou a urgente
necessidade de expansão industrial no país, em especial o estado de Minas Gerais de acordo
com Pettersen (2007). Para tanto, propôs que o Estado interviesse diretamente na economia,
ou seja, as usinas seriam estatais e teriam em sua formação o financiamento através do capital
estrangeiro; as empresas nacionais teriam participação privada e governamental e as empresas
privadas com aporte de capital nacional e/ou estrangeiro seriam então submetidas a um
controle e supervisão do Estado. No mesmo ano foi elaborado pelo Conselho Técnico da
SME (Sociedade Mineira de Engenheiros) um parecer denominado “Siderurgia Nacional e
Exportação de Minério de Ferro” que atingia diretamente o estado de Minas Gerais. Este
documento conforme expõe Diniz (1978) retrata o problema da exportação de minério de
ferro e reconhece a distinção dessa ação às questões siderúrgicas, elucidando que a melhor
opção para a siderurgia seria a usina a carvão vegetal, nos mesmos moldes que a CSBM em
João Monlevade.
Com a criação da “Comissão Nacional do Aço” em meados de 1939 e a “Comissão
Executiva do Plano Nacional do aço” em março de 1940, elegeu-se o município de Volta
Redonda no estado do Rio de Janeiro para acolher a CSN, conforme descrito no tópico 2.1,
sob a concessão segundo Souza (1985, p.43), de “vinte milhões de dólares, para financiar a
siderúrgica”, através do Export-Import Bank.
Visto essa conjuntura, o Brasil buscava atrair capitais estrangeiros e se mostrava
convicto que o projeto siderúrgico era essencial para o desenvolvimento econômico do país e
principalmente em Minas Gerais pela riqueza geológica. Souza (1985), Diniz (1978), Piquet
(1998) e Costa (1979) dispõem sobre a insatisfação dos mineiros na escolha do sítio de Volta
Redonda para acolher a CSN, visto conforme Diniz como “uma pá de cal no ambicioso e
eufórico projeto de emancipação econômicas dos mineiros.” (1978, p.43). A siderurgia em
58
Minas Gerais era limitada e bastante modesta, tendo sido efetivada graças à participação do
capital estrangeiro belga no caso CSBM, em João Monlevade, e do capital estrangeiro francês
na Cia. Ferro Brasileiro em Caeté.
No início da década de 1940 o governo de Minas Gerais contou com a execução da
estrada que liga a capital mineira a Uberaba, no Triângulo Mineiro. Essa obra estava prevista
no Plano Rodoviário que foi elaborado na segunda metade da década de 1930. Diniz (1978) e
Costa (1979) salientam que ainda que o estado não tivesse sido o escolhido para acolher a
CSN junto a dificuldade em abrigar indústrias na capital mineira, investimentos na
infraestrutura continuaram a acontecer e isso contribuiu para que o governo lançasse duas
pequenas usinas energéticas estatais, sendo a de Pai Joaquim no rio Araguari para servir
Uberaba e a Santa Marta para atender a região de Montes Claros no norte do estado.
Além disso o governo do estado ainda lançou o plano da cidade industrial de
Contagem junto a um sistema energético desempenhado pela usina de Gafanhoto, como expõe
os estudos da FJP (1996). O intuito de construir a cidade industrial de Contagem era ter na
região do entorno da capital, um ambiente construído para acolher as indústrias de modo que
não impactasse tanto a cidade de Belo Horizonte e tivesse um sistema energético próprio e
compatível, já que o da capital mineira era deficiente e submisso a tarifações elevadas.
Como em vários momentos da história da industrialização e da consequente
urbanização mineira, o governo usou do recurso de decreto de utilidade pública para fins de
desapropriação de grandes áreas para que fosse implantado os projetos industrial e
urbanístico. A primeira grande empresa instalada em Contagem em 1941 foi a Companhia de
Cimento Portland Itaú. No ano de 1947 o município já contava com 10 indústrias instaladas
em pleno processo produtivo, conforme FJP (1996).
Diniz (1978), Souza (1985) e Oliveira (2008) relatam que o “Acordo de Washington”
assinado em 1942 e firmado entre EUA, Inglaterra e Brasil era uma antevisão dos governos
do EUA e Inglaterra já que previam a continuidade do conflito mundial e temiam o
esgotamento de minério de ferro e seus produtos finais necessários à indústria bélica. Nesse
acordo o governo brasileiro se comprometeu em criar a CVRD para explorar e exportar o
minério de ferro, além de prolongar a estrada de ferro Vitória-Minas até Itabira favorecendo o
escoamento da produção.
Com a criação da CVRD o Estado brasileiro recebeu as minas de ferro de Itabira
repassadas pelo governo inglês37. A empresa entrou em operação em 1944 e a cidade além de
37Cabe citar que segundo Oliveira (2008) no de 1940 o Presidente da República Getúlio Vargas declarou
caducidade do contrato da empresa “Itabira Iron Ore Co” com o governo federal, já que a empresa não havia
59
infraestrutura, recebeu um alto contingente populacional atraído pela oportunidade de
trabalho. O mesmo ocorreu com o município de Timóteo (na época distrito do município de
Coronel Fabriciano) com a implantação da ACESITA (Cia. Aços Especiais Itabira) que foi
constituída em 1944 e passou a operar no ano de 1949 e João Monlevade, já relatado
anteriormente nesta seção.
Segundo Costa, “em resumo [...] Minas Gerais [...] não desfrutou das vantagens
oferecidas pelo modelo de substituição de importações, seja pelas vantagens locacionais de
outros estados, seja pelas deficiências de sua infraestrutura econômica.” (1979, p.23). Em
comunhão a essa afirmação de Costa, Minayo (1986) acrescenta que a criação da CVRD
também expressava os interesses dos grupos nacionais, visto que estes defendiam que o
capital privado nacional não dispunha de condições efetivas para arcar com os custos de
empreendimentos industriais e portanto devia-se fazer o desenvolvimento através da atuação
do Estado por meio de empresas estatais.
Ainda sobre a exploração do minério como motor de urbanização em Itabira, Oliveira
(2008) faz importantes considerações sobre a descaracterização da paisagem natural em nome
do progresso, inclusive com o desaparecimento de determinados lugares que eram
considerados para a população local como referenciais espaciais no território. Essa lacuna
aberta entre o homem e o lugar alterado em virtude da industrialização, é uma condicionante
fixa no processo de industrialização mineira e é registrado por Fazzi (1990), Costa (1979),
Diniz (1978), Piquet (1998) e tantos outros autores que estudaram as relações entre o espaço e
a industrialização.
Em 1947, durante o período em que o Sr. Milton Campos esteve à frente do Poder
Executivo de Minas Gerais (1947-1951), foi elaborado um “Plano de Recuperação econômica
e fomento da produção” o qual dispunha que:
A tendência ao conservantismo levou Minas Gerais à condição de Estado de
economia colonial. Vende e exporta matéria-prima de baixo preço e compra e
importa, em troca, artigos manufaturados de alto valor. Daí o desequilíbrio que, dia
a dia, mais se acentua entre o nosso e os demais estados da Federação. (ESTADO
DE MINAS GERAIS apud COSTA, 1979, p.23).
A preocupação do governo do estado era a industrialização, tanto que Costa (1979) e
Diniz (1978) apontam que o Plano previa que 58% dos investimentos fossem aplicados na
melhoria dos sistemas de transportes de apoio à industrialização e 42% deveria ser
conseguido obter maiores incentivos de capital estrangeiro. Sobre a instalação desta empresa no início do século
XX em Itabira, mais especificamente no ano de 1911, e a incorporação pela CVRD cuja operação foi iniciada em
1944, ver Oliveira (2008).
60
empenhado exclusivamente na ampliação dos sistemas de energia, isso porque o deficiente
abastecimento de energia em Minas Gerais era um obstáculo para a industrialização. Nessa
direção, várias usinas energéticas foram construídas em Minas Gerais ainda que a execução
do Plano tenha sido lenta em virtude da situação econômica estadual.
A década de 1950 foi marcada por grandes acontecimentos na história da siderurgia e
da urbanização no estado. Conforme Costa (1979), o então governador de Minas Gerais,
Juscelino Kubitschek, instituiu a constituição da CEMIG (Companhia Elétrica de Minas
Gerais) em 1952. O compromisso do governo sobre melhorar e ampliar o abastecimento de
energia e as estradas de Minas Gerais contribuiu para que neste mesmo ano a Companhia
Siderúrgica Mannesmann, segundo Souza (1985), implantasse uma usina siderúrgica na
região do Barreiro, em Belo Horizonte com o acordo de que caberia ao governo mineiro
assumir a responsabilidade de suprir a demanda de energia elétrica da capital de modo a
favorecer sua produção. Em 1956 já exercendo seu mandato enquanto Presidente da
República (1956-1961), Juscelino Kubitschek reconheceu o esforço do governador do estado
de Minas Gerais, Milton Campos, na elaboração do Plano que visava sobretudo sistematizar a
ação do Poder Público nas ações que envolviam a economia mineira, em particular a
industrialização. Em comunhão os governos federal e estadual decidiram então eleger como
prioridade o “Binômio da energia e transportes.”
Neste mesmo período a CEMIG além de assumir a eletrificação mineira, elevou a
capacidade produtiva conforme Costa (1979). Diniz (1978) explana que “o peso e a
competência da diretoria [...] contribuíram para o grande sucesso da CEMIG. [...] Em outras
palavras, na CEMIG se formou o embrião da tecnocracia mineira.” (1978, p.73)38.
Já em relação aos transportes segundo o “Binômio da energia e transportes,” o Estado
se restringiu ao sistema rodoviário, de modo que as ferrovias foram transferidas para a
competência do governo federal. De todo modo a atuação do governo nas estratégias de
melhorias e ampliação dos transportes foi menos expressiva se comparada a expansão da
eletrificação no estado, já que havia limitações na conservação e manutenção das estradas,
além de más condições técnicas na execução, como dispõe Diniz (1978).
O autor ainda relata que a unidade 2 da CSN inicialmente cotada para ser localizada na
região do Alto Paraopeba, foi implantada em São Paulo, a COSIPA (Companhia Siderúrgica
38Conforme o “Binômio da energia e transportes” cabe reter a informação de que a Lei nº 828 de 14 de dezembro
de 1951 dispunha sobre a organização de sociedades de economia mista destinadas a financiar e executar
serviços de energia elétrica e a lei foi regulamentada pelo decreto nº 3.710, de 21 de fevereiro de 1952. Já o
DER-MG (Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais) foi constituído em 1946, mas em virtude do
período econômico estadual, poucas obras estaduais referentes à construção de estradas foram concluídas
segundo Diniz (1978).
61
Paulista) após uma definição em 1956 e foi entendida como uma “chicotada no brio dos
mineiros” (1978, p.85). Como se não bastasse a usina ser implantada em São Paulo e não em
Minas Gerais, como era a expectativa do governo estadual, o minério de ferro fornecido seria
extraído do solo mineiro e agravaria ainda mais a deficiência dos transportes, uma vez que os
investimentos de infraestrutura não seriam destinados ao estado.
Souza (1985) defende que o governo de Minas Gerais não deveria ter participação
efetiva nos investimentos de infraestrutura dos municípios que as empresas fossem instaladas,
uma vez que o solo mineiro já agraciava o Brasil com suas riquezas e, portanto, caberia na
ótica do autor, essa demanda ser assumida exclusivamente pela empresa ou pelo governo
federal, já que o país se beneficiava economicamente com os empreendimentos tanto quanto o
estado.
Outra importante empresa instalada no estado foi a USIMINAS (Usinas Siderúrgicas
de Minas Gerais S.A.), inaugurada em 1962 em Ipatinga. A escolha da região teve grande
influência devido à presença da EFVM (Estrada Ferroviária Vitória – Minas), que seria o
principal meio de escoamento da matéria-prima, proveniente de Itabira.
Segundo Costa, a preocupação inicial da USIMINAS foi adquirir terras para abrigar a
planta da usina e os setores habitacionais dos empregados, além de futuras expansões tanto da
siderúrgica como das áreas residenciais conforme a necessidade da empresa. “Este fato fez
com que, como ocorreu no distrito de Timóteo, a empresa passasse a controlar em parte o
processo de crescimento do núcleo urbano de Ipatinga39” (1979, p.54). No início da década
de1960 consolidava-se nesta região o AUVA (Aglomerado Urbano do Vale do Aço) e a
constituição da USIMINAS representou um novo marco na industrialização, uma vez que o
capital nacional e estrangeiro (Japão) se aliou nos investimentos industriais.
Em relação a Ipatinga, Mendonça relata que havia dois problemas operacionais na
instalação da USIMINAS – a falta de mão-de-obra qualificada e a falta de infraestrutura local
para abrigar a nova população necessária ao processo de produção da indústria. Por esse
motivo foi proposto a implantação de um plano urbanístico para a cidade, que na visão da
autora “era um subproduto da política de desenvolvimento nacional” (MENDONÇA, 2006,
p. 62).
[...] em 1958, foi feita pela USIMINAS e por meio de análise de currículo, a seleção
do arquiteto para a elaboração do plano urbanístico da cidade que seria o suporte
habitacional da Indústria. Os profissionais envolvidos neste processo foram: Sylvio
39 Salienta-se que o objeto de estudo desta pesquisa – o município de Ouro Branco que será exposto na seção 3
deste ensaio, acompanha a mesma lógica da CSBM em João Monlevade, da ACESITA em Timóteo, USIMINAS
em Ipatinga e tantas outras cidades no estado que tiveram o espaço moldado através de um projeto urbanístico
executado pela empresa, conforme a lógica do sistema de produção.
62
de Vasconcellos, Raphael Hardy Filho e Eduardo Kneese de Mello de São Paulo.
Dentre estes, o arquiteto mineiro Raphael Hardy Filho foi o escolhido, convidando o
arquiteto Marcelo Bhering para compartilhar da direção da equipe para assuntos
relativos à construção da cidade que se formou logo em seguida (MENDONÇA,
2006, p.63).
Ainda que o objeto de estudo desta pesquisa não seja o caso da implantação da
USIMINAS em Ipatinga, a compreensão do projeto urbanístico proposto é necessária porque
além de ilustrar semelhanças com vários outros projetos implantados anteriormente e também
apoiados no urbanismo progressista a CSN em Volta Redonda e a ACESITA em Timóteo,
oferta a mesma base de projeto para empreendimentos futuros, como a AÇOMINAS (Cia.
Aços de Minas Gerais) em Ouro Branco, a qual a USIMINAS foi consultora.
Em relação ao projeto urbanístico, o memorial descritivo da USIMINAS, aponta que:
[…] as áreas a serem urbanizadas não oferecem espaço suficiente para um
planejamento adequado de expansão futura. […] poucas áreas suscetíveis de serem
aproveitadas sem que a trama urbana acarretasse inconveniências de ordem
econômica, levou-nos a adotar o partido de pequenos núcleos interligados por vias
de penetração e tráfego periférico […] as próprias condições de trabalho duma usina
do porte da Usiminas, seja por tradição, seja por conveniências administrativas,
obrigam a uma discriminação das unidades habitacionais por classe de funcionários,
engenheiros e operários[…] nossa tarefa consistia em dar forma gráfica aos
postulados da unidade de vizinhança, evitando que a ‘urbanização’ venha impedir o
desenvolvimento físico e espiritual dos habitantes da vila operária da Usiminas
(1958, p.1-5).
Lefebvre (1969; 1972;2001;2008), Castells (1973;1983), Harvey (1990; 2005) e
demais autores abordados no capítulo anterior, criticam o urbanismo progressista que prevê
dentre outras normatizações, a proposição de uma cidade dividida por classes e segmentada
conforme a renda e o trabalho desempenhado na indústria e admitindo portanto, uma projeção
da hierarquização do trabalho transposta para a organização do espaço urbano, ou seja, uma
anulação da construção social do homem e da cidade, para a transposição de “um homem-
tipo” para uma “cidade-tipo”.
O plano urbanístico proposto por Hardy Filho à USIMINAS contemplava não somente
um espaço construído segundo a hierarquização de classes, mas ancorava-se na normatização
dos critérios de zoneamento, taxa de ocupação do solo e tipologias arquitetônicas
padronizadas, tão questionadas por Jacobs (2011) e Choay (1992), pois significam dentre
tantos outros impasses, a invalidação ou extinção da diversidade e dos elos sociais que unem
o homem à cidade.
63
Mendonça descreve em seu ensaio que “a solução ali exposta (USIMINAS – Ipatinga)
era uma combinação da cidade jardim de Ebenezer Howard, da cidade industrial de Tony
Garnier e das ideias desenvolvidas por Le Corbusier” (2006, p.64-65)40.
Ainda diante de tantas críticas à segmentação do espaço conforme a renda e a classe,
Filho afirma que “de qualquer forma, mesmo com os defeitos e falhas naturais num
empreendimento do vulto deste, a cidade de Ipatinga é bastante válida como uma experiência
urbanística num dos rincões deste Brasil.” (1970, p.40).
A experiência de Ipatinga no que diz respeito ao planejamento urbanístico foi
replicado para o município de Ouro Branco na década de 1970 e de forma similar, o
município precisa hoje se a ver com os impasses que o “planejamento privado” assinalou no
espaço urbano. Souza (2018) apresenta uma descrição complexa na trajetória do Poder
público municipal de Ipatinga em parceria com a população, iniciada em 1990 quando foi
instituído o Plano Diretor Municipal. A autora explana sobre a tentativa do município em
reinventar a economia num cenário cuja cidade é totalmente dependente da USIMINAS 41.
Salienta-se como semelhança a atuação das empresas CSBM, na segunda metade da
década de 1930, em João Monlevade, a ACESITA, na década de 1940, em Timóteo e a
USIMINAS, na década de 1960, em Ipatinga, no que imputa a implantação de um projeto
urbanístico para as áreas em que a empresa instalaria seus empregados e familiares
exclusivamente, ou seja, o ambiente construído foi concebido de forma a suprir as
necessidades da empresa inclusive na fixação de mão-de-obra alcançada pela construção de
moradias para seus empregados.
Lefebvre (2001) afirma que a inserção de um planejamento urbanístico que atenda
obrigatoriamente as necessidades da empresa, portanto da classe dominante, reestrutura as
relações sociais ao passo que se propõe a organizar o espaço desconsiderando as
representações da vida social existente no meio. Além disso, essa organização proposta nas
cidades supracitadas não considerou o solo histórico-social no qual foi erigido, de forma que
dentro das particularidades semelhantes, há a existência de dois centros – “a cidade antiga” e
uma avenida planejada a qual se concentra a presença de comércios e serviços. Engels (2010)
apresenta a crítica sobre a ocupação espacial dispersa de forma que cada indivíduo só pode
residir no espaço determinado pela empresa segundo a função desempenhada na mesma.
40 As páginas 38 e 39 deste ensaio, explicitam a essência do urbanismo modernista progressista na cidade-jardim
de Ebenezer Howard, a cidade industrial proposta por Tony Garnier e a carta de Atenas de Le Corbusier. 41 Para um estudo futuro, é de grande interesse comparar as ações que o Poder público municipal de Ipatinga e
Ouro Branco têm buscado para pluralizar as atividades econômicas e garantir a justiça social quanto à ocupação
do espaço urbano.
64
Lefebvre (1972) explana que com o advento da implantação das indústrias no território, as
cidades perderam sua capacidade interna-externa de associação e o indivíduo perde sua
identidade e sua figura de sujeito no processo histórico, estando, sobretudo, submerso aos
interesses do capital. A divisão dos indivíduos conforme a classe, a renda e o trabalho
desempenhado na indústria são dispostas no espaço de modo excludente, pois os planos
urbanísticos progressistas propostos pelas empresas, desconsideraram o espaço social
existente anterior à instalação da mesma. Visto isso, à medida que as empresas estatais foram
se instalando nos municípios mineiros, ficavam responsáveis também pela criação do núcleo
urbano e a implantação da infraestrutura, ou seja, a empresa estatal exerceu em todo o
processo de industrialização a responsabilidade que cabia ao Poder público municipal no que
diz respeito a urbanização. Choay (1992) afirma que os urbanistas progressistas veem os
espaços “naturais” definidos por Santos (2004) como “rugosidades” e Castells (1973) como
“formas ecológicas, uma estrutura a ser repudiada, principalmente pelo traçado das vias se
apresentarem de forma orgânica e espontânea.
Em 1961 a METAMIG (Metais de Minas Gerais S.A.) foi criada pelo governo de
Minas Gerais com o objetivo de explorar, industrializar e transportar minérios, mas a crise
que marcou a economia brasileira na década de 1960 naturalmente refletiu no estado e alguns
projetos siderúrgicos que aguardavam por décadas para serem implantados foram
inevitavelmente adiados por questões financeiras e desinteresse do capital estrangeiro.
Somado isso, na década de 1960 houve uma generalização, segundo Souza (1985) e Diniz
(1978), a qual pairava uma concepção de que Minas Gerais não teria vocação para a
industrialização devido a incapacidade de gestão do governo mineiro, mesmo com um solo
rico em minério.
De todo modo, Minas Gerais se viu numa situação distinta dos demais estados do país
em meados da década de 1960 já que o estado contava com além de siderúrgicas como
exposto na tabela 3, várias indústrias de cimento, o que ia ao encontro das proposições do
governo federal, inclusive as orientadas para a expansão da construção civil no país.
Tabela 3 - Produção de Aço em Lingotes em MG, RJ, SP e Brasil entre 1960 a 1970 Anos Minas Gerais Rio de Janeiro São Paulo Brasil
Produção % Produção % Produção % Produção
1960 587.152 31,9 1.080.769 58,6 175.098 9,5 1.843.019
1961 644.121 26,4 1.272.136 52,1 475.481 19,5 2.443.221
1962 664.661 25,9 1.316.170 51,3 523.220 20,4 2.565.226
1963 781.215 27,6 1.424.916 50,3 546.970 19,3 2.883.644
1964 1.034.096 34,2 1.391.629 46,1 492.401 16,3 3.020.910
65
1965 1.126.026 37,5 1.428.676 47,6 327.219 10,9 3.003.160
1966 1.356.326 35,9 1.420.957 37,6 852.212 22,5 3.781.797
1967 1.370.942 36,7 1.375.578 36,8 836.724 22,4 3.733.699
1968 1.646.311 37,0 1.516.866 34,1 1.091.410 24,5 4.453.187
1969 1.910.367 38,8 1.581.130 32,1 1.225.543 24,9 4.924.532
1970 2.059.641 38,2 1.679.396 31,2 1.385.536 25,7 5.390.360
Fonte: Dados do Anuário Estatístico da Indústria Siderúrgica Brasileira. Diniz (1978).
A tabela 03 mostra que a expansão da metalurgia foi expressiva em Minas Gerais, mas
essa produção estava voltada para atender ao mercado nacional. O Rio de Janeiro é o estado
com maior produção de aço na década de 1960, muito provavelmente por ter a CSN instalada
em seu território. Ainda que essa especificação industrial crescesse, assegurava-se a
possibilidade de expansão da indústria intermediária mineira, o que provocava uma
especialização produtiva e ao mesmo tempo reforçava os laços de uma divisão inter-regional
do trabalho que o estado de Minas Gerais se debruçava em superar.
Segundo Costa (1979) e Diniz (1978) a produção do aço em Minas Gerais subiu de
meio milhão na década de 1960, para dois milhões de toneladas na década de 1970, ou seja,
uma elevação de quatro vezes na produção. Como não houve a instalação de novas empresas
com exceção da USIMINAS, que começou a operar em 1962, conclui-se que esses números
se voltam para a expansão daquelas já implantadas e ativas.
Conforme Diniz “para as indústrias produtoras de bens não-duráveis de consumo, a
crise econômica, conjugada com a política econômica restritiva, provocou a descapitalização
das empresas” (1978, p.121). Esse ocorrido entre 1962 e 1967 contribuiu para que algumas
empresas fossem à falência e outras, através de financiamentos e/ou empréstimos, retomassem
o crescimento. Um exemplo é a indústria açucareira em Minas Gerais, principalmente as de
“açúcar preto” e a rapadura que já vinham sendo extintas em virtude do pequeno porte, má
localização das instalações, substituição pelo açúcar cristal e a melhoria dos sistemas
rodoviários e de transportes, que facilitou a logística da distribuição dos produtos.
Segundo Pettersen (2007, p.75):
O atraso relativo de Minas Gerais, em que pesem os esforços bem empreendidos
pelo Estado, só ganha uma explicação estratégica e correlacionada com uma visão
dos desafios de uma industrialização tardia com o Diagnóstico de 1968, realizado
pelo BDMG. É a partir do planejamento da economia e fortalecimento da
tecnocracia como consequência desse Diagnóstico que são empreendidas
alternativas conscientes e consistentes, para gerar as bases para a superação do
atraso relativo.
O autor afirma que o governo federal e o governo estadual estavam empenhados nesse
período em produzir um novo ciclo expansivo da economia, cada qual com seus respectivos
instrumentos disponíveis e como de fato ocorreu entre 1968 a 1974, o chamado “Milagre
66
Econômico42. Com o incremento dado pelo BNH (Banco Nacional de Habitação) através do
SFH (Sistema de Financiamento Habitacional), havia em Minas Gerais, em 1960, 1.787.88
domicílios permanentes recebendo um incremento percentual de 17.55% nos anos seguintes
conforme a SEPLAN-MG (1978). Em 1961 contava-se 2.101.739 domicílios com população
de 9.812.352 habitantes e em 1970 a população era de 11.487.415 habitantes.
O Relatório elaborado pela SEPLAN-MG (1978) aponta que em 1960, 40.7% da
população mineira tinham suas habitações lotadas em áreas urbanas e em 1976 esse número
subiu para 62.7%, reforçado pelo fluxo migratório campo/cidade. O documento aponta ainda
que em 1970 o Vale do Jequitinhonha continuava tendo o mais baixo índice de abastecimento
de água no estado e região apresentava 7.37% de áreas abastecidas, seguidas pela região
Noroeste do estado com 12.72% de cobertura e a região do Rio Doce com 13.28%. Em
relação ao abastecimento de energia elétrica, o estado que em 1960 tinha 31% de abrangência,
passa a ter em 1970, 40.54% dos domicílios ligados a rede de energia.
Conforme Diniz (1978), em 1971 foi fundado em Minas Gerais o INDI (Instituto de
Desenvolvimento Industrial), que transformou a sistemática de captação de novos
empreendimentos industriais para o estado imprimindo-lhes um dinamismo até então
inexistente, com a aceleração do processo de implantação de novas indústrias e a expansão
das já existentes. A política do INDI consistiu em uma estratégia agressiva de promoção
industrial com a finalidade de atrair empresários (nacionais ou estrangeiros) para o estado.
Segundo a SEPLAN-MG (1978) entre 1970 e 1975, o setor metalúrgico marcava um
crescimento de 15.6% se comparado ao período de 1960 a 1965.
Na década de 1970 foi criada a AÇOMINAS e a siderúrgica Mendes Júnior em Juiz de
Fora, além de o estado receber cinco novas indústrias de cimento43. Costa (1979) aponta que
um dos fatores para esse desenvolvimento foi o sistema de incentivos fiscais adotados, pois
segundo o autor, em 1969 foi criada a Lei nº 5.261 que concedia ao empresário o retorno de
até 100% dos investimentos realizados, em parcelas de 25.6% do ICMS (Imposto sobre
circulação de mercadorias e prestação de serviços) a ser arrecadado. O autor ainda acrescenta
que “o produto da indústria de transformação que havia se elevado à taxa de 6.9%/ano na
década anterior, passa a crescer 16.5%/ano. [...] É incontestável a liderança do estado de
Minas Gerais na produção de determinados bens intermediários” (COSTA, 1979, p. 31-32).
42O Milagre Econômico é um período cunhado entre 1968 e 1974 sob o regime militar, onde o país foi palco de
extraordinária expansão econômica. Sobre esse período ver Miranda, 1999. 43 As empresas de cimento que e o estado de Minas Gerais recebeu, foram a> CIMINAS (Cimentos Minas
Gerais) em Pedro Leopoldo, a SOEICOM (Sociedade de Empreendimentos Industriais, Comerciais e Mineração)
em Lagoa Santa, a Cimento Tupi em Carandaí, a Itaú em Vespasiano e a Cauê em Mesquita.
67
Miranda ao criar um paralelo entre o governo do Presidente Juscelino Kubitschek ao
“Milagre econômico” demonstra que “o ônus da estabilização econômica foi elevado e a
maior participação nos altos custos coube à classe trabalhadora, que teve seus salários
comprimidos e regidos por disciplina férrea.” (MIRANDA, 1999, p.124). O autor ainda
elucida a produção elevada de bens duráveis nesse período que se relaciona dentre alguns
fatores, ao acesso dos mesmos pela classe trabalhadora e o favorecimento das políticas
econômicas no processo de produção. De todo modo, e principalmente em Minas Gerais, dois
fatores atrelaram-se a industrialização: a proximidade de matéria-prima e a facilidade de
meios de transportes para o escoamento da produção. Essas condicionantes consequentemente
posicionaram a instalação das empresas em áreas de incipiente base urbana e a implantação de
infraestrutura nas áreas que foram instaladas essas empresas configuraram um rol de centros
urbanos caracterizados histórico-economicamente como cidades mono-industriais ou cidades-
empresa, as quais Costa (1979) aborda os reflexos do impacto causado pela instalação das
grandes indústrias nas cidades no que implica a formação e a organização do espaço. A
seguir, a tabela 04 faz um panorama da industrialização em Minas Gerais e demonstra que por
mais que Montes Claros e Uberaba tivessem prevalência no ramo alimentar e abrigassem
fábricas de cimento, a indústria de não-minerais não provocou o mesmo impacto, por
exemplo, na cidade de João Monlevade ou Ipatinga na instalação das siderúrgicas CSBM e
USIMINAS, respectivamente. Outras como Poços de Caldas, já ocupava antes da instalação
da indústria, a posição de polo regional de grande parte do sul de Minas Gerais e também de
São Paulo, pela sua localização.
Tabela 4 - Síntese da industrialização em Minas Gerais de 1920 a 1970
Décadas Ramo industrial Nome da indústria Cidade Sede Cidades
influenciadas
1920 Metalurgia
Companhia Siderúrgica Belgo Mineira Sabará
-------
Metalurgia Santo Antônio S.A. Rio Acima
Companhia Brasileira de Usinas Metalúrgicas Barão de Cocais
Companhia Ferro Brasileiro S.A. Caeté
1930
Metalurgia Companhia Siderúrgica Belgo Mineira João Monlevade
------- Minerais Não-metálicos
Itaú Pratápolis
1940
Metalurgia
ALUMINAS Ouro Preto -------
ACESITA Timóteo
Coronel
Fabriciano e Ipatinga
Minerais
Não-metálicos Itaú Contagem -------
Mineração Companhia Vale do Rio Doce Itabira -------
1950
Metalurgia USIMINAS Ipatinga Coronel
Fabriciano e Timóteo
Minerais Não-metálicos
Cauê Pedro Leopoldo
Ponte Alta Uberaba
Barroso Barroso
-------
Companhia de Laminação e Cimento Portland Arcos
Companhia Mineira de Cimento Portland Matozinhos
68
1960
Metalurgia
Mannesmann Belo Horizonte
-------
ALCOMINAS Poços de Caldas
Companhia Mineira de Metais Três Marias
Minerais
Não-metálicos Matsulfur Montes Claros
1970 Minerais Não-
metálicos
CIMINAS Pedro Leopoldo
-------
SOEICOM Lagoa Santa
Cimento Tupi Carandaí
Itaú Vespasiano
Cauê Mesquita
1970 em
implantação
Metalurgia AÇOMINAS Ouro Branco
Congonhas e Conselheiro
Lafaiete
Mendes Júnior Juiz de Fora --------
Mineração
Nuclebrás Caldas Poços de Caldas
VALEP Tapira ------
Fosfertil Patos Araxá
Arafertil Araxá -------
Companhia Mineira de Metais Vazante Araxá
Fonte: Elaborada pela autora com dados disponíveis em Diniz, 1978, Costa (1979)e Piquet (1998)
Costa afirma que a caracterização da cidade mono-industrial deve considerar a
dimensão do impacto populacional, junto aos volumes de investimentos realizados, o número
de empregos oferecidos, além do tipo de produto final, pois “as projeções demográficas após
a implantação de algumas empresas, as grandes porções de terra de propriedade das mesmas e
a especulação imobiliária determinam a formação de uma “cidade” dispersa, cheia de vazios
urbanos.” (COSTA, 1979, p.44). Esse é o retrato de grande parte dos municípios mineiros
inclusive Ouro Branco, que teve a vida citadina atrelada à instalação da AÇOMINAS e, por
consequência, foi urbanizada pelo mesmo motivo como será exposto no capítulo a seguir.
69
3 A IMPLANTAÇÃO DA AÇOMINAS S/A EM OURO BRANCO
O presente capítulo contextualiza o período que engloba a formação do município de
Ouro Branco no século XVIII à instalação da siderúrgica AÇOMINAS S/A na década de
1970 e tem como objetivo assinalar como se deu a implantação da usina siderúrgica, numa
área de base urbana precária. Para a exposição, considera-se os aspectos econômicos e sociais
do município de pouco mais de 4.000 habitantes e o engajamento político na consolidação da
siderúrgica, mesmo sob inúmeros adiamentos até sua inauguração em 1985. No bojo da
estreita relação definida entre economia e sociedade, tais considerações são necessárias ao
entendimento acerca dos vínculos que entrelaçaram a AÇOMINAS S/A (agora GERDAU
Açominas), os trabalhadores e o Poder Público.
3.1 O município de Ouro Branco: de povoado à cidade, do ouro ao aço
Ouro Branco está localizado na região denominada Alto Paraopeba, a 100 Km da
capital mineira e compõe parte do Quadrilátero Ferrífero.
Mapa 1 - Localização do município de Ouro Branco na região do Alto Paraopeba
Fonte: Atlas/GEOPARK Adaptado pela autora
O desenho do espaço como na maioria dos povoados no Brasil colônia, foi
determinado obedecendo a lógica da funcionalidade. A praça central abrigava a sede do
governo, o comércio e a matriz de Santo Antônio, construída entre os anos de 1724 e 1779
70
sob o estilo barroco. A partir dessa praça se originavam a rua direita e as demais ruas cujo
traçado orgânico funcional abrigava residências e comércios com pouca variação tipológica.
Figura 1 – Praça Santa Cruz Figura 2 - Matriz de Santo Antônio
Fonte: IBGE (1959) Fonte: IBGE (1959)
Nesse período, o esgotamento das jazidas auríferas e as dificuldades de exploração
com o processo primitivo utilizado, fez com que a atividade mineradora retrocedesse, o que
possibilitou que o comércio e agricultura no arraial expandissem em virtude das tropas que
transitavam na região pela Estrada Real, além de sustentar a população do pequeno povoado.
Essas tropas faziam o fluxo das trocas, deixando sal, tecidos e manufaturados e levando
produtos excedentes da produção agrícola.
O município viveu vários ciclos econômicos sendo o primeiro, o do ouro, o segundo
foi o do vinho, em meados do século XIX quando o distrito chegou a sediar a Companhia de
Vinhos Nacionais, e o terceiro ciclo foi o da batata que iniciou-se em 1885 e elevou o
município ao destaque de maior produtor de batatas do Estado de Minas Gerais. Segundo o
IBGE, nos quadros de divisão administrativa do Brasil de 1911 e no Recenseamento Geral no
Brasil em 1920, Ouro Branco figurava como distrito de Ouro Preto e o povoado só foi
emancipado em 195344.
De acordo com o Recenseamento de feito pelo IBGE em 1950, a população do então
povoado, era de 4.266 habitantes. Segundo o IBGE (1954) as estimativas do Departamento
Estadual de Estatística era que a população provável em 1955 era de 4.513 habitantes, com
densidade demográfica de 17 habitantes/km². A tabela 05 mostra que a maior concentração de
pessoas era na zona rural do distrito, com 3.042 habitantes.
44 De acordo com o SERBID/IBGE (Serviço de Divulgação e Biblioteca do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística), o distrito foi criado com a denominação de Ouro Branco por carta régia de 16 de fevereiro de 1724 e
a Lei estadual nº 556 de 30 de agosto de 1911, estabelece que o distrito de Ouro Branco também fizesse parte do
município de Ouro Preto. A Lei Estadual nº 1039 de 12 de dezembro de 1953, elevou-o a status de município,
desmembrando-se assim de Ouro Preto.
71
Tabela 5 - Recenseamento ano-base 1950 no distrito de Ouro Branco
Fonte: IBGE - Recenseamento de 1950
Segundo os dados disponíveis pelo IBGE (1959), a batata inglesa representava em
1955, o produto com maior produção e valor chegando a corresponder 88% da economia
agrícola do município. A tabela 06 mostra o quão a cultura da batata inglesa era rentável para
o município, tendo uma produção média de 264 mil sacos/ano.
Tabela 6 - A produção agrícola no município de Ouro Branco em 1955
Fonte: IBGE (1959). Enciclopédia dos Municípios Brasileiros
O município contava com uma pequena indústria de Beneficiamento de Minerais S/A
e junto a outros 14 estabelecimentos industriais de pequeno porte empregavam em torno de 55
funcionários. 45 A cidade possuía poucos serviços públicos urbanos, compatíveis com a
densidade populacional. Conforme o IBGE (1959) havia em meados da década de 1950,
apenas 206 edificações na área urbana divididas em 15 logradouros, das quais 150 possuíam
ligações de abastecimento de água e 142 eram abastecidas pelo sistema de energia. A
iluminação pública estava em processo de implementação, as vias não eram pavimentadas e a
cidade contava com apenas uma agência bancária.
Segundo o Censo de 1950, da população masculina com mais de 5 anos de idade,
somente 58% sabiam ler e escrever e as mulheres nas mesmas condições totalizavam 59%.
Isso mostra que a cidade não dispunha de mão de obra técnica necessária quando na década
de 1970, a AÇOMINAS S.A. foi implantada.
45 Enquanto informação, 03 estabelecimentos era de extração mineral, com 31 empregados; 2 eram de
transformação e beneficiamento de produtos agrícolas e admitia 2 empregados e 10 eram indústrias
manufatureiras e fabris, com admissão de 22 funcionários, conforme o IBGE (1959, p. 216).
Especificação
Homens
Mulheres
Total
Números
absolutos
% sobre o total
geral
Quadro urbano 450 476 926 21,70
Quadro suburbano 164 134 298 6,98
Quadro Rural 1.552 1.490 3.042 71,32
Total 2.166 2.100 4.266 100,00
Produtos
agrícolas
Área (ha)
Produção Valor
Unidade Quantidade Cr$ 1.000 % sobre o total
Batata inglesa 2.800 Saco 60 Kg 264.000 79.200 88,01
Milho 1.800 Saco 60 Kg 41.000 8.200 9,11
Laranja 12 Cento 50.000 1.000 1,11
Outras 152 ------- ------- 1.602 1,77
Total 4.764 ------- ------- 90.002 100,00
72
Figura 3 - Rua Santo Antônio Figura 4 - Praça Santa Cruz
Fonte: IBGE (1959) Fonte: IBGE (1959)
Na década de 1970 conforme FJP (1978), a cidade contava com uma unidade básica
de atendimento à saúde municipal e as escolas existentes admitiam em 1976, cerca de 930
alunos no 1º grau e 50 alunos no 2º grau, proporcional ao número de habitantes. A captação
de água era feita no alto da Serra de Ouro Branco, a cerca de 1.500 m de altitude, em uma das
nascentes do ribeirão da Colônia, cuja água de boa qualidade não era tratada e a distribuição
era feita em tubos de fibrocimento obedecendo ao projeto elaborado e custeado pelo governo
do estado para abranger uma população máxima de 5.000 habitantes. Além disso município
não contava com rede de esgotos sanitários e o lançamento das águas servidas se davam em
fossas cobertas. Na década de 1970 a energia era fornecida pela CEMIG e a eletrificação
pública rural contou com a implantação de um projeto em 1962, executado pelo governo do
estado de Minas Gerais (foi um dos primeiros projetos elaborados para as zonas rurais no
interior do estado).
O município de Ouro Branco dispõe através das rodovias MG-443 de acesso à BR-040
com ligação ao Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, interligada à BR-381 (rodovia
Fernão Dias) por São João Del Rey e Lavras. Através da MG-030, já projetada pelo DER-MG
(Departamento de estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais) o município se ligava à
BR-262 em Rio Casca via Ouro Preto e Ponte Nova (MG -262) ou em Barão de Cocais,
através da ligação Mariana - Alegria - Santa Bárbara (MG-129).
Estradas vicinais e transitáveis ligavam Ouro Branco a Conselheiro Lafaiete,
Itaverava, Santa Rita de Ouro Preto, Itatiaia, Itabirito e Ouro Preto e no município
predominavam as ruas consideradas largas para o período, o que não causava dificuldades ao
tráfego na parte central da cidade, ainda que somente 235 carros estivessem emplacados no
município, em 1976, conforme FJP (1978).
O município, no entanto, não dispunha na década de 1970 de uma legislação para o
controle do uso do solo, de regulamentação de loteamento e de construções e a prefeitura não
73
dispunha de sequer, cadastro técnico municipal. Tudo isso exemplifica uma região com base
urbana completamente incipiente e sem preparo para acolher a grande indústria que estava
prestes a ser implantada. Por outro lado sua localização geográfica e a presença de matérias-
primas necessárias à produção do aço foram determinantes para que na década de 1970, a
AÇOMINAS S.A se instalasse no território dando início ao quarto ciclo econômico do
município, o do aço, junto a uma nova estrutura urbana amparada por um plano urbanístico
baseado no pensamento urbanístico progressista proposto pela Fundação João Pinheiro à
AÇOMINAS e que abrigaria a população trabalhadora e seus entes que se direcionavam à
região em busca de trabalho e novas oportunidades na qualidade de vida.
3.2 Da luta pela implantação da AÇOMINAS S/A no município de Ouro Branco à
privatização da empresa46
Essa transformação, em realidade, do acalentado sonho dos mineiros que
remonta aos tempos dos Inconfidentes, deve ser creditada à obstinação e ao
espírito de luta de nosso povo, na defesa das riquezas do nosso subsolo, bem
como em favor da transformação, delas, em produtos manufaturados, no próprio
território das Minas Gerais. (SOUZA, 1985, p.15).
A narrativa acerca da implantação da AÇOMINAS S.A. é descrita de duas formas
distintas e que se complementam. De um lado, Souza (1985), Bispo (1990) e Costa e Costa
(1998) explanam que já na Conjuração Mineira, o ideal dos Inconfidentes destacava a
vocação do estado de Minas Gerais para a siderurgia em virtude do seu potencial
mineralógico. De maneira concreta e narrada pela própria siderúrgica, a ideia da implantação
da Açominas S/A transita pela primeira vez no governo do presidente Arthur Bernardes. De
outra forma não excludente à primeira, o país na década de 1970 em meio ao período do
regime militar e planos nacionais desenvolvimentistas elevaram a construção da AÇOMINAS
S/A como uma obra prioritária no PND II (Plano Nacional de Desenvolvimento II). Explana-
se aqui ambas as narrativas a fim de contextualizar a trajetória polêmica da implantação da
empresa até a privatização, sete anos após a sua inauguração.
A implantação da AÇOMINAS S.A. teve início em meados da década de 1970 e a
inauguração da empresa se deu em 27 de fevereiro de 1985, após seis décadas do Decreto
46 Os tópicos 3.2 e 3.3 só foram possíveis graças à Biblioteca física e digital da Fundação João Pinheiro, uma vez
que somente a FJP possui o material na íntegra que originou todo o processo urbanístico do município de Ouro
Branco. Um agradecimento especial à servidora Leia Anastácio por tanto empenho e uma incansável dedicação
em me fornecer os dados requeridos.
74
nº4.801 de 9 de janeiro de 192447, no qual o Presidente Arthur Bernardes48 autorizou o Poder
Executivo a amparar a exploração industrial siderúrgica e carbonífera existente com a
recomendação das construções das usinas siderúrgicas da USIMINAS, da AÇOMINAS e uma
terceira na Bacia Carbonífera de Santa Catarina, a facilitar o seu maior desenvolvimento nos
termos das bases especificadas podendo para esse fim, realizar as necessárias operações de
crédito. De acordo com Greco e Coutinho (2002) nessa proposta as usinas seriam construídas
através de financiamento de 80% das obras por parte do Governo Federal.
O decreto previa mediante a concorrência pública, a construção de três usinas
modernas com produção anual de 50.000 toneladas de aço cada uma, sendo, portanto,
localizadas na região do Vale do Rio Doce - USIMINAS (altos-fornos elétricos), na região do
Vale do Alto Paraopeba – AÇOMINAS (altos fornos a coque mineral, preferindo o de carvão
nacional) e a terceira na região carbonífera de Santa Catarina, no sul do país, (altos-fornos a
coque nacional).
Além disso, uma das exigências do Governo Federal era que dentro da região
designada para abrigar a indústria, deveria ser construído um núcleo urbano que desse suporte
a empresa, devidamente composto por infraestrutura necessária e que muito adiante de uma
longa exploração de minério de ferro, a região fosse capaz de produzir em larga escala o
coque metalúrgico. Para Greco e Coutinho, “o plano do Governo Federal era muito ambicioso
para a época, tendo em vista que a produção de aço do país naquela época atingia cerca de
100mil toneladas/ano” (2002, p. 1).
O projeto não vingou conforme o Decreto 4.801/1924 e somente em 1958 a
implantação da Aço Minas Gerais S/A voltou a figurar na legislação precursora da siderúrgica
através do Projeto de Lei nº 287/1958 do deputado estadual Milton Reis, que previa a criação
da SIVALPA (Siderúrgica do Vale do Paraopeba), que por mais que contasse com elaboração
técnica e parecer favorável do Conselho Nacional de Metalurgia, do Ministério de Viação e
Obras Públicas não foi aprovada pelo Poder Legislativo Estadual.
Diante da tentativa frustrada do deputado estadual Milton Reis, o Governador José de
Magalhães Pinto em 13 de outubro de 1961 e por meio da Lei. nº 2.462 dispôs sobre a criação
da METAMIG (Metais de Minas Gerais S/A). Tratava-se, segundo Souza (1985, p.63), de
uma “sociedade de economia mista destinada à exploração, industrialização, exportação e
47BRASIL, Decreto n. 4.801, de 9 de janeiro de 1924. Autoriza o Poder Executivo a amparar a exploração
industrial siderúrgica e carbonífera existente e dá outras providencias. 48 Nascido em Viçosa, Minas Gerais em 08 de agosto de 1875. Foi governador do Estado de Minas Gerais de
1918 a 1922 e presidente da República entre os anos de 1922 a 1926. Faleceu em 23 de Março de 1955, no Rio
de Janeiro.
75
qualquer outra forma de aproveitamento econômico de minérios, e que se regeria pela Lei das
Sociedades Anônimas”.
Segundo o autor:
A METAMIG poderá associar-se a qualquer entidade pública ou privada, a cidadãos
ou pessoas jurídicas de direito público interno, às organizações paraestatais, ou
sociedade de economia mista brasileiras, para pesquisa e exploração: I – de jazidas
autorizadas ou concedidas a terceiros; II – de indústria siderúrgica ou de laminação;
III – de transporte e exportação; IV – ou de qualquer outra forma de aproveitamento
econômico de minérios (SANTOS, 1985, p.63).
O autor afirma ainda que a nomenclatura “AÇOMINAS” não estava presente nas
proposições legais apresentadas neste período e somente em 12 de setembro de 1963, a Lei nº
2.865 sancionada pelo governador de Minas Gerais, Sr. José de Magalhães Pinto e sob a
autoria do deputado estadual João Batista Miranda, constituía a AÇOMINAS S/A,
autorizando o Executivo a participar da construção da siderúrgica, criando, entretanto, a Taxa
de Desenvolvimento Metalúrgico.
Dentre outras ações, essa lei autorizava o Estado a participar majoritária ou
minoritariamente, através da METAMIG, da constituição de uma nova sociedade - a
AÇOMINAS S/A destinada a industrializar os minérios de ferro da região do Vale do Alto
Paraopeba. A referida lei previa a METAMIG como entidade coordenadora da organização da
AÇO MINAS S/A, onde 80% dos recursos provenientes da taxa instituída por essa lei e do
Fundo de Minério que incidia sobre a extração de minérios em Minas Gerais, seriam
vinculados à disposição da METAMIG para atendimento de sua subscrição de capital da AÇO
MINAS S/A, destinando-se os 20% restantes ao BDMG (Banco de Desenvolvimento do
estado de Minas Gerais) para financiamento de pequenas e médias indústrias de
transformação ou beneficiamento de aço. Essa lei previa que a localização da empresa
deveria estar situada entre os municípios de Conselheiro Lafaiete e Brumadinho, em local
tecnicamente aconselhável, estando a cargo do Governo do Estado o entendimento com a
Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia Vale do Rio Doce, Companhia Aços Especiais
de Itabira, Companhia Siderúrgica Belgo Mineira, Banco de Desenvolvimento Econômico e
outras empresas e grupos nacionais e estrangeiros a mediação para a concretização da
AÇOMINAS S/A. Não era cogitado ainda a localização de a indústria ser no território de
Ouro Branco.
A AÇOMINAS GERAIS S/A foi constituída legalmente somente em 9 de novembro
de 1966, tendo como acionistas fundadores a METAMIG (incorporadora), a CEMIG, o
BDMG, a Caixa Econômica do Estado de Minas Gerais, a HIDROMINAS (Águas Minerais
de Minas Gerais), a CAMIG (Companhia Agrícola de Minas Gerais) a CASEMG
76
(Companhia de Armazéns e Silos do Estado de Minas Gerais) e a FRIMISA (Companhia de
Frigoríficos de Minas Gerais) segundo Bispo (1990) e Souza (1985).49
A Lei nº 4.532 de 06 de julho de 1967, modificou o artigo 8º da Lei nº 2.865 de 12 de
setembro de 1963, alterando, portanto, a localização da siderúrgica AÇOMINAS, que deveria
estar segundo essa proposição, situada entre os municípios de Conselheiro Lafaiete e Mateus
Leme.
Art 8º - As instalações da Aço Minas S/A – Açominas deverão situar-se entre os
municípios de Conselheiro Lafaiete e Mateus Leme, no vale do Rio Paraopeba, em
área a ser aprovada pela diretoria da empresa, e escolhida com base nos estudos que
a indiquem como a melhor sob os aspectos técnicos e econômicos. (MINAS
GERAIS, 1967).
Segundo Souza (1985) essa modificação veio amparada pela acirrada polêmica sobre
qual seria a melhor localidade para a implantação, visto a disponibilidade de matérias primas,
ferrovias de escoamento e infraestrutura implantada.
Em 18 de Junho de 1968, a Lei nº 4.827 alterou a nomenclatura anterior e de AÇO
MINAS GERAIS S/A, constituiu-se apenas AÇOMINAS S/A.
De acordo com Souza (1985, p. 90):
O CONSIDER, no dia 17 de novembro de 1972 pela Resolução nº 15, abriu prazo
até 31 de março de 1973, para o recebimento de estudos de viabilidade e anteprojeto,
objetivando a implantação de usinas integradas, para a produção de semiacabados e
laminados não planos, de aços comuns. A AÇOMINAS, para cumprimento desta
Resolução, apresentou, ao CONSIDER, em março de 1973, Relatório de
Viabilidade, para uma Usina Integrada de Não Planos a coque, com capacidade de
3,5 milhões de toneladas por ano, a ser localizada no Vale do Alto Paraopeba, com
execução programadas para período de três a quatro anos.
Com o advento do “Milagre Econômico” já descrito no capítulo anterior, Greco e
Coutinho (2002, p.03) afirmam que “de acordo com as previsões, essa produção deveria
evoluir de 5milhões de toneladas em 1970 para 20 milhões de toneladas de aço em lingotes
em 1980”.
Em 14 de agosto de 1975, já no governo do Presidente Ernesto Geisel, o Estado de
Minas Gerais assumiu o controle acionário da siderúrgica com a participação de 79.6% de seu
capital integralizado, após uma incansável luta pela viabilidade econômica para a implantação
da referida indústria e sob a gestão do governador Antônio Aureliano Chaves de Mendonça,
que por sua vez tinha a implantação da siderúrgica como uma das principais metas da sua
gestão.
Em 1975 o CONSIDER (Conselho Nacional da Indústria de Não-Ferrosos e
Siderúrgicas) recomendou à USIMINAS a preparação de estudos sobre a viabilidade da
49 Em Souza, 1985, p.70-79, faz-se uma transcrição da Escritura Pública de Constituição da AÇO MINAS
GERAIS S/A AÇOMINAS, sob o Livro n. 279 – E – Fls 170 à 177v.
77
implantação da usina na região com previsão de produção de 10 milhões de toneladas/ano
segundo Bispo (1990). O Governo do Estado de Minas Gerais assumiu o controle acionário
da empresa no dia 18 de agosto de 1975 e transferiu para o governo federal via SIDERBRÁS
(Junta de Siderúrgicas Brasileiras) no ano seguinte através do Acordo dos Acionistas.50 A
ideia inicial conforme Greco e Coutinho (2002, p.02) era implantar a AÇOMINAS como uma
usina II (secundária) da USIMINAS, porém “o governador não concordou, pois, desejava uma
empresa nova, ou seja, um fato político novo”. Os autores afirmam que “o projeto enfrentou
resistências no CONSIDER, SIDERBRÁS e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
econômico e social), tendo em vista os problemas já enfrentados na expansão de CSN e
COSIPA e na implantação do projeto de Tubarão” (2002, p.04), mas, por decisão política, o
projeto foi aprovado pelo CONSIDER.
Somente em 29 de janeiro de 1976 a USIMINAS, enquanto consultora da
AÇOMINAS51, recomendou que a localização da mesma fosse no município de Ouro Branco
por diversas questões, entre elas a construção estratégica da usina junto ao mercado
consumidor considerando a disponibilidade de transporte e a obtenção de matérias-primas
conforme indicado no Decreto4.801de 1924. Piquet (1998) afirma que num contrato de
financiamento externo firmado em Londres em 1977, foi constituído à exportação um total de
20% da produção nos primeiros cinco anos de operação e esse projeto seria de utilidade
pública e de relevante interesse nacional, justamente para isentá-lo de ICMS, impostos de
importação e IPI, bem como para efeito de desapropriação de terrenos e benfeitorias
realizadas nos municípios de Ouro Branco, Conselheiro Lafaiete, Congonhas e Ouro Preto.
Servida pela malha da Rede Ferroviária Federal, que deixa a Usina a 156 km de Belo
Horizonte, a 486 km do Rio de Janeiro, a 810 km de Santos, a 466 km do Porto de
Sepetiba e, pela Vitória-Minas, a 695 km dos Portos de Vitória e Praia Mole; Ouro
Branco possui, assim, excepcionais condições no que tange ao transporte ferroviário.
É de se recordar que a denominada “Ferrovia do Aço”, de traçado extremamente
moderno, cujas obras estão paralisadas, mas em avançado estágio de construção,
passa a 12 quilômetros do sítio da AÇOMINAS. (SOUZA, 1985, p.107).
50 SIDERBRÁS – empresa holding criada para administrar as participações acionárias do governo federal em
empresas siderúrgicas. O Acordo dos Acionistas está disposto em Souza, 1985, p. 201-203. 51Souza (1985) apresenta o estudo de pré-viabilidade feito pela USIMINAS enquanto consultora da AÇOMINAS
para a localização da mesma no sítio de Ouro Branco, em Minas Gerais. O autor destaca que a USIMINAS
participaria com US$ 385 milhões do capital da AÇOMINAS. O autor faz uma inerente junção de documentos
entre as páginas 155 e 237 que reúnem toda a viabilidade econômica e a legislação que amparou toda a
implantação da AÇOMINAS S/A.
78
Mapa 2 - Localização regional do projeto da AÇOMINAS
Fonte: Costa (1979)
Dentre a escolha da localização, Souza (1985) frisa que o baixo custo de investimentos
na aquisição de terras foi um fator contributivo, uma vez que em grandes centros urbanos a
terra tem um custo relativamente alto e oneroso. Entretanto Greco e Coutinho (2002) apontam
uma série de variáveis que tornavam a implantação, um projeto questionável.
Não é o objetivo aqui discutir o modelo de industrialização no país, porém é
necessário frisar que a fabricação do aço no país eliminou uma parte considerável da compra
de aço no exterior para alimentar as indústrias de consumo e bens duráveis, por exemplo.
Segundo Souza:
A região de Ouro Branco, situada em eixo estratégico de adequadas distâncias dos
grandes mercados consumidores, eis que nos encontramos em um país de dimensões
continentais, e inserida no Quadrilátero Ferrífero mineiro, congrega todas as
condições indispensáveis para se transformar numa concentração urbano-industrial
de médio porte, com os requisitos de conforto consequentes de um planejamento
específico e atualizado, envolvendo a infraestrutura urbana, educacional, de saúde,
de transporte e de lazer. Por outro lado, é política da empresa maximizar a utilização
de recursos humanos, provenientes da região de influência do projeto, evitando-se
inconvenientes das migrações e preservando a identidade cultural da população da
região. (1985, p.109-110).
Souza (1985) descreve que a empresa tinha por política evitar o processo de migração,
mas obviamente seria impossível, uma vez que a população do município era relativamente
baixa não havia mão-de-obra técnica disponível. Em agosto de 1976, iniciaram-se as obras de
infraestrutura da Usina de Ouro Branco, bem como as obras de terraplanagem da área da
79
usina e em dezembro de 1979 as obras de concretagem da usina e de expansão da cidade de
Ouro Branco já superavam 50% do cronograma, segundo o autor.
De acordo com Piquet (1998) em 1978 o custo do projeto em sua fase inicial era de 2,7
bilhões de dólares o que correspondia a construção da usina e da cidade que comportaria
60.000 habitantes, porém com as alterações no cronograma e custos, o valor se elevou para
3,5 bilhões, dos quais 18,3 milhões estavam locados especificamente para a infraestrutura
urbana.
As obras de implantação transcorreram até 1980 sem problemas com recursos
financeiros, todavia, a partir de 1981 com o atraso das obras somado à crise financeira, a
situação só não culminou na paralisação total por intervenção do governador Aureliano
Chaves. Em julho de 1981, a Diretoria da SIDERBRÁS apresentou um novo programa de
implantação para o início das atividades da usina que previa:
- O início das operações em julho de 1982 com o laminador de blocos e placas e a área
metalúrgica (sinterização, coqueria, alto-forno e aciaria);
- A instalação do laminador de tarugos em março de 1983;
- A instalação do laminador de perfis pesados e trilhos em março de 1984 e;
- A instalação do laminador de perfis médios em setembro de 1984.
Entretanto entre os anos de 1981 e 1984 os repasses foram diminuídos gradualmente e
o ritmo das obras decaíram. Souza atribui a “deterioração da economia mundial a partir de
duas crises energéticas e a crise financeira internacional afetou de forma intensa e definitiva a
economia brasileira” (SOUZA, 1985, p.115).
Essa situação exigiu que mudanças fossem feitas na condução da implantação do
projeto da AÇOMINAS S/A, o que provocou a paralisação das obras no início de 1984, visto
a insuficiência orçamentária e a entrada de aportes de forma irregular e inferior aos recursos
aprovados, o que culminou num alto grau de endividamento.
Tabela 7 - Participação dos acionistas na implantação da AÇOMINAS S/A em 1984
Acionista Ações
ordinárias
Ações
preferenciais Adiantamentos
Total
Valor
Cr$Milhões %
SIDERBRÁS 976.977 11.608 308.650 1.297.235 96,9
Governo do
Estado de Minas
Gerais
28.095 _____ _____ 28.095 2,1
Outros 115 12.733 14 12.862 1,0
TOTAL 1.005.187 24.341 308.664 1.338.192 100,0
Fonte: SOUZA (1985)
80
A tabela 7 mostra que o Governo Federal e, em especial o governo do Estado de
Minas Gerais, que havia se comprometido em participar com 20% dos recursos próprios a
serem investidos, havia participado apenas com 2,1% do Patrimônio Líquido. Piquet (1998)
alega que esse fato se aplica às necessidades financeiras que ambos os governos enfrentavam
naquele momento e, portanto, exigiam uma revisão no cronograma dos aportes de capital.
Entretanto, Souza (1985) contesta essa afirmação e argumenta a participação do estado de
Minas Gerais como devidamente simbólica, uma vez que desde o período Brasil colônia, a
região tem sido explorada pelas suas riquezas e a construção da AÇOMINAS S/A era
necessária e justa para com o povo mineiro.
O autor ainda acrescenta que:
O subsolo mineiro, desde o início do século XVIII, com o ciclo do ouro, tem
proporcionado imensas riquezas ao país, eis que, integra-se na nacionalidade, é a
primeira vocação das Minas Gerais, sendo certo, todavia, que a legislação fiscal
adotada, através dos tempos, não tem proporcionado, à Minas, adequada e correta
contrapartida. A proporção do Governo Federal, pois, para a construção da Usina do
Alto Paraopeba é uma necessária e justa, ainda que pálida retribuição, ao muito que
o nosso subsolo tem proporcionado à nação. Não procede, assim, conforme
demonstrado, a assertiva de eruditas e respeitáveis publicações acadêmicas no
sentido de que o Estado haja feito excessivos investimentos, no projeto AÇOMINAS
(SOUZA, 1985, p.117).
Uma nova diretoria foi designada pelo Governo Federal em 1984 para estar a frente do
projeto de implantação da AÇOMINAS e junto à diretoria da SIDERBRÁS formularam um
novo cronograma subdividido em duas subfases. Piquet(1998) ressalta que houve onze
adiamentos do início das obras em 1976 até uma nova divisão da operação em duas subfases
com três etapas.
• Subfase A – (1) A primeira etapa iniciada em 27 de fevereiro de 1985 era
composta pela produção integrada. Correspondia à produção de coque e
tarugos e a laminação de lingotes recebidos de outras empresas do sistema
SIDERBRÁS, com a operação também da primeira Bateria de Coqueria para
assegurar o equilíbrio térmico da Usina. (2) A 2ª etapa, que abrigava a
conclusão da metalurgia (sinterização, alto-forno e aciaria) e a operação da
segunda Bateria da Coqueria foi iniciada em 25 de julho de 1986.
• Subfase B – (3) Esta fase compunha a retomada das obras civis e da montagem
das laminações de perfis pesados, médios e trilhos.
Finalmente, em 27 de fevereiro de 1985, foi inaugurada oficialmente a Usina
Presidente Arthur Bernardes, em homenagem ao Presidente da República que em 1924,
segundo Souza, “imortalizou, por sua intransigente luta em defesa das riquezas do nosso
81
subsolo, bem como em favor da transformação, delas, em produtos manufaturados, no nosso
próprio território” (1985, p.134).
O autor explana que uma das premissas iniciais do projeto da AÇOMINAS S/A era a
produção de perfis pesados, médios e trilhos, que só foi reiniciada em outubro de 1988
conforme Piquet (1998). Ressalta-se que a siderúrgica foi inaugurada de forma semi-integrada
(foram inaugurados a coqueria, a sinterização, alto forno, aciaria e o laminador de tarugos,
não tendo sido concluída a implantação dos laminadores de perfis médios e perfis pesados),
ou seja, a AÇOMINAS S/A até o momento se apresentava como uma usina produtora de
tarugos, um produto de baixo valor no mercado e isso representou adiante, um fator
contributivo para a privatização. Segundo Greco e Coutinho, “em 1986, os custos do projeto
eram muito elevados, cerca de US$ 7 bilhões, em torno de US$ 5 bilhões de dólares a mais
que o orçamento original de 1976” (2002, p.6).
Bispo afirma que apesar dos adiamentos no cronograma, a AÇOMINAS S/A produziu
em 1989, 2 milhões de toneladas de aço/ano, o que correspondia 12% da produção nacional
do aço. Conforme a autora, “quanto à comercialização de sua produção, 80% tem sido
comercializada com o mercado externo e a produção destinada ao mercado interno apresentou
como principal cliente, no ano de 1989, a siderúrgica Mendes Júnior” (1900, p.19). Além
disso, a autora reforça que nesta primeira fase de implantação da empresa, com a produção de
2 milhões de toneladas de aço em lingotes/ano, a estatal lançou 6.000 empregos diretos e
60.000 indiretos, bem como gerou uma boa arrecadação de impostos direcionados aos cofres
públicos.
Souza (1985) e Bispo (1990) destacam que os moradores do município de Ouro
Branco não compunham de forma expressiva o quadro de trabalhadores da empresa, porque a
cidade com pouco mais de 4.000 habitantes tinha a agricultura da batata como a principal
economia. Logo, esses trabalhadores eram migrantes que eram atraídos para a região em
busca de trabalho e novas oportunidades.
A empresa recém-inaugurada passou a enfrentar problemas financeiros, uma vez que a
fabricação dos produtos finais estava aquém dos índices almejados. Para Greco e Coutinho
(2002, p.07):
[...] a) os vultosos prejuízos operacionais, pois, a usina iniciou a operação
produzindo somente tarugos, um semi-acabado de baixa cotação no mercado, fato
este agravado por contratos de venda altamente prejudiciais à empresa, como, por
exemplo, o contrato de venda de tarugo a preços subsidiados para a siderúrgica
Mendes Júnior; b) uma grande polêmica foi instaurada em relação a montagem dos
laminadores de perfis médios e pesados, que faltavam para término de implantação
da usina; c) a AÇOMINAS não foi planejada para produzir apenas tarugos, como
terminou por fazer, produzindo cerca de 1,6 milhões de toneladas/ano desse produto.
82
Não havia mercado desse porte para esse produto a nível mundial, de forma que a
empresa teve que desenvolve-lo, e a solução encontrada foi vender tarugos a baixos
preços agravando mais ainda a situação financeira da empresa.
Diante disso, os autores afirmam que para a empresa não entrar em processo de
falência em 1987, a SIDERBRÁS mediou o saneamento financeiro na empresa, “injetando, na
forma de capital, cerca de US$ 3,4bilhões, restando na empresa uma dívida de somente US$
600 milhões” (2002, p.9). Com isso, foi decidido, em 1988, a montagem dos dois laminadores
que faltavam para findar a implantação do projeto e a previsão era finalizar em 1990.
Novamente, o período de instabilidade econômica do país, os altos custos de obras junto aos
baixos valores de venda dos produtos impactaram severamente a empresa que se viu em um
novo momento de crise.
Neste período, Collor de Mello ao assumir a Presidência da República em 1990,
anunciou o “Plano Brasil Novo” também conhecido como “Plano Collor I” no qual foi
admitido um conjunto de medidas provisórias que contemplavam a intervenção na economia.
Dentre essas medidas tem-se a MP 155 que deliberou sobre o Programa Nacional de
Desestatização (PND), cujo objetivo era a reordenação estratégica do Estado a fim de
contribuir através da transferência de atividades exercidas pelo setor púbico à iniciativa
privada, com o saneamento das finanças públicas e a redução da dívida pública52. A situação
financeira da siderúrgica AÇOMINAS S/A fez com que ela fosse incluída no programa de
privatização.
Uma nova diretoria formada por funcionários CEA (Clube de Participação Acionária
dos Empregados da AÇOMINAS) foi intitulada pelo Presidente Collor e várias situações
foram encontradas como o excesso de funcionários contratados por indicações políticas,
diretorias compostas anteriormente por políticos ou indicada sob esses critérios, as obras de
implantação superfaturadas, boas vendas, mas com orçamentos e contratos deficientes e um
prejuízo operacional elevado, principalmente com a instalação dos laminadores de perfis
médios e pesados instalados em 1988. Aliás, essa instalação impulsionou a contratação de
cerca de mais 5.500 funcionários, porém as decisões tomadas pelo Governo Federal como
abordam Greco e Coutinho, apontam o corte de 45% no número de funcionários que passou
11.500 em 1988 para 6.500 em 1993 e uma renegociação da dívida com a Siderúrgica Mendes
Júnior, cujos contratos causavam um prejuízo anual de US$ 40 milhões, além da paralisação
da instalação dos laminadores. Os autores afirmam que todas essas ações tornavam a empresa,
uma usina viável e foi privatizada em 1993 e “o leilão foi disputado por três grandes
52 Ao todo, no período de 1990 a 1992 houve a inclusão de 68 empresas no Programa a serem desestatizadas, das
quais 18 nos setores de siderurgia, petroquímica e fertilizantes.
83
consórcios, um liderado pelo grupo Mendes Júnior, outro pelos grupos Gerdau/Usiminas e o
terceiro pela ACESITA.” (2002, p.9). O consórcio liderado pelo grupo Mendes Júnior foi o
vencedor e arrematou por US$ 598,5 milhões. Com a privatização, cerca de mais 1.000
funcionários foram demitidos.
Greco e Coutinho abrem uma questão muito pontual, uma vez que a Mendes Júnior
usou como estratégia a compra da AÇOMINAS para evitar a insolvência da própria Mendes
Júnior que se encontrava também em situação financeira crítica, mas com incentivos do
governo federal e estadual a compra foi efetivada. Ao fim, o valor total foi de
aproximadamente US$800 milhões, já que a Mendes Júnior herdou uma dívida líquida da
AÇOMINAS na ordem de US$ 200 milhões53.
A fusão das empresas Mendes Júnior/AÇOMINAS não deu certo, porque a
arrematadora do leilão viu na AÇOMINAS uma fonte de recursos, mesmo que ela
apresentasse uma dívida líquida de responsabilidade da Mendes Júnior e acionistas. Os
trâmites financeiros indicavam que a empresa Mendes Júnior não tinha capacidade de dirigir a
empresa apesar de controlar 31% do capital e os acionistas decidiram por afastar a empresa,
deixando a AÇOMINAS com uma dívida líquida de US$ 500 milhões.
Em 1994 uma nova diretoria assumiu a empresa, porém a mesma se encontrava sem
recursos financeiros e quase falida segundo Souza (1985). Diante disso, foi decidido pela
diretoria que era necessária uma nova demissão em massa de 1.500 funcionários, diminuindo
o quadro a 4.000 trabalhadores no fim de 1996. A diretoria passou então a procurar novos
acionistas para capitalizarem a AÇOMINAS, dentre elas, a Belgo-Mineira, a USIMINAS que
foi privatizada em 1991, o grupo Gerdau e a empresa NATSTEEL. A AÇOMINAS foi
avaliada em US$200 milhões, por ter uma dívida líquida alta e estava à beira da falência. O
grupo GERDAU e a NATSTEEL assumiram e passaram a controlar 30% do capital e a
diretoria manteve-se junto ao CEA que era a direção criada pelos funcionários na gestão do
Collor. Novas crises econômicas, mudanças de mercado e dificuldade de diálogo entre as
empresas que capitalizaram a AÇOMINAS foram o estopim para uma nova busca de aportes
financeiros. Segundo Greco e Coutinho (2002, p.14), “após esse novo aporte de capital,
realizado em 1999, os principais sócios passaram a ser: grupo GERDAU com posse de 36%
do capital total, NATSTEEL com 24,12%, Banco Econômico com 17,1% e o CEA 10%”.
Os autores relatam que:
53 Conforme Greco e Coutinho (2002) ao fim do leilão, a Mendes Júnior firmou acordos individuais de acionistas
com os demais membros do consórcio: CEA (funcionários), BCN, Banco Econômico, AÇOS VILLARES,
CVRD e os bancos do estado de Minas Gerais (BEMGE/ CREDIREAL). Esses acionistas juntos possuíam cerca
de 91% do capital total da empresa.
84
No ano de 2000 novas negociações foram efetuadas e no final deste ano o BACEN,
que administra a massa falida do Banco Econômico, resolveu vender a participação
que possuía na AÇOMINAS, de 17, 1% do capital total, que foi adquirida pelo
grupo GERDAU, em dezembro de 2001, por cerca de R$ 426milhões, com o grupo
Gerdau assumindo, de direito, o controle acionário da AÇOMINAS. (GRECO E
COUTINHO, 2002, p. 15).
A relação da GERDAU Açominas e seus funcionários é de um contínuo processo de
demissões ainda que em 2006, a empresa tenha apresentado um aumento de produção de 3
milhões toneladas/ano para 4,5 milhões de toneladas/ano. Uma das ações realizadas em 2006
foi finalizar os trabalhos da área administrativa da empresa de modo que o grupo GERDAU
passou a ser responsável e isso reduziu o quadro de funcionários para cerca de 2000
colaboradores, o que agravou a situação socioeconômica do município.
Para Costa e Costa (1998, p.66) “a chegada de um grande projeto desta natureza em
uma região de incipiente densidade econômica e populacional, como era a região de Ouro
Branco, significou impactos negativos sobre as atividades econômicas até então existentes” e
a falta de outras atividades econômicas no município é a raiz de muitos impasses os quais o
poder público municipal em conjunto com a população, precisam transpor. Em síntese, um
projeto como o da implantação da AÇOMINAS traz consigo um impacto desestruturador,
tanto nas relações socioeconômicas quanto no espaço, já que impulsiona a criação de uma
série de novas formas e organizações espaciais num processo crescente de exclusão.
Na concepção de Diniz (1999), o processo de privatização das empresas estatais
brasileiras foi um dos mais acelerados e abrangentes na história da economia mundial, tanto
que Pereira (2007) e Soares (2002) acrescentam que os governos anteriores preservaram essa
política de abertura externa ao capital estrangeiro e de privatizações. Soares (2002) pontua
ainda que a privatização do setor siderúrgico se demonstrou relevante no sentido de
solucionar o problema financeiro que acometia o país, porém acirrou-se, no entanto, uma
concorrência entre a economia brasileira e o mercado global, impulsionando o país a investir
em tecnologia a fim de dinamizar a produtividade, formar novos grupos empresariais e
também elevar a qualidade dos produtos.
Dieese (2012) e Cunha (2001) acrescentam que as mudanças que culminaram a
reestruturação produtiva e de ordem patrimonial foram impulsionadas pelas privatizações no
setor siderúrgico. O BNDES passou a investir na produção e enobrecer a linha de produtos,
além de promover a inserção de tecnologias. O DIEESE (2012) aponta no que tange a ordem
patrimonial, a reorganização societária, incluindo fusões, aquisições internas e incorporação
de empresas coligadas.
85
Dulci (2002) por sua vez, explana sobre as elites regionais que exerciam influência
direta sobre as empresas até então públicas, de acordo com os arranjos políticos do cenário.
Essas empresas estatais exerciam o papel de agências de desenvolvimento, mas com a
privatização abdicaram-se da responsabilidade de realizar investimentos e promover o
desenvolvimento socioeconômico dos municípios e regiões nos quais estão inseridos.
O município tornou-se uma cidade “mono-industrial conforme a definição de Costa
(1979) ou “cidade-empresa” conforme Piquet (1998), uma vez que a cidade com base urbana
precária no que diz respeito aos serviços públicos existentes e com a economia municipal
baseada na agricultura da batata, desenvolveu-se a partir da implantação da AÇOMINAS S/A
com a economia segmentada em função exclusivamente da siderúrgica, criando, sobretudo,
uma “cidade privada” para acolher os trabalhadores que migravam para a região em busca de
trabalho e uma “cidade pública” onde se acumulavam o restante da população.
Em razão disso, o próximo capítulo fará uma abordagem sobre a concepção do projeto
urbanístico progressista proposto pela Fundação João Pinheiro e executado pela AÇOMINAS
no município de Ouro Branco, ressaltando, sobretudo, a segregação socioespacial produzida
em função da organização do espaço de acordo com a classe e a função desempenhada pelo
trabalhador na empresa. Posteriormente apresenta-se uma leitura comparativa acerca dos
zoneamentos propostos na Lei de Uso e Ocupação do Solo – LUOS elaborada pela Fundação
João Pinheiro em 1978 sendo o suporte técnico da AÇOMINAS S/A e a LUOS elaborada em
2010 pela Fundação Israel Pinheiro, sendo suporte do poder público municipal. Por fim, uma
narrativa sobre os impactos que a implantação da empresa refletiu na cidade, bem como sua
privatização que significou uma renúncia da empresa para com o município no que diz
respeita ao desenvolvimento social e econômico, estando a cargo exclusivo do Poder público
municipal.
86
4 UM DEBATE ACERCA DOS VAZIOS URBANOS VERSUS A FUNÇÃO SOCIAL
DA PROPRIEDADE
A implantação da siderúrgica AÇOMINAS S/A na década de 1970 em Ouro
Branco representou uma transformação na economia do município e região, mas produziu
também uma ressignificação nas relações sociais e no espaço, determinando o espaço
urbano como o substituto do espaço natural, ou seja, o valor de troca sobrepôs o valor de
uso ao passo que a mão-de-obra e a terra são consideradas mercadorias no capitalismo, e a
divisão do trabalho é responsável pela recriação do espaço, bem como expõe Lefebvre
(1999), Castells (1983) e Carlos (2016). Sob a perspectiva econômica, a divisão do
trabalho enunciou também uma divisão de classes, que por sua vez, têm a essência
transposta para o espaço a fim de organizá-lo racionalmente segundo os interesses do
capital.
Este capítulo é dividido em três momentos e tem por objetivo expor uma análise
descritiva e crítica sobre a produção do espaço urbano de Ouro Branco elaborada por dois
atores e momentos distintos: a AÇOMINAS S/A na década de 1970 e o poder público
municipal em 2007 no ato da instituição do Plano Diretor Municipal. Essa compreensão
faz-se necessária, uma vez que muitos dos impasses que o município hoje apresenta em
seu quadro atual, têm suas raízes arraigadas no planejamento urbano e o Poder público
municipal tem como prerrogativa buscar soluções que sejam compatíveis à realidade de
Ouro Branco.
Como o município na década de 1970 não dispunha de infraestrutura necessária
para acolher os trabalhadores que migravam para a região em busca de trabalho, coube a
AÇOMINAS S/A implantar um espaço para acolher a mão-de-obra necessária à sua
produção. Nessa direção, a Fundação João Pinheiro foi a instituição técnica que elaborou
o Plano de Desenvolvimento urbano – PDU e a LUOS/1978. No entanto, o plano
urbanístico proposto tem sua base fundamentada nos princípios do urbanismo
progressista, como também foi submetida a cidade de Ipatinga após a instalação da
USIMINAS, conforme descrito no capítulo 2 desta pesquisa. A seção 4.1 tende a elucidar
como se deu a implantação do projeto urbanístico proposto pela AÇOMINAS S/A À Ouro
Branco, sob a ótica da ocupação espacial segundo a divisão do trabalho e a hierarquização
das classes.
O segundo momento aqui apresentado traz à luz uma correlação acerca dos
zoneamentos propostos para as áreas urbanas e de expansão urbana que não foram
87
ocupadas conforme o previsto na LUOS/1978 e se mantêm praticamente com a mesma
configuração ainda que o Poder público municipal tenha instituído no município um Plano
Diretor (PD/2007), e a LUOS/2010 em conformidade com a Constituição Federal de
1988, a Lei de Parcelamento do solo urbano (6.766/79 alterada pela Lei 9.785/99) e o
Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01). Salienta-se que o Plano Diretor foi construído entre o
Poder público municipal, a população e a sociedade civil, com o apoio técnico da
Fundação Israel Pinheiro.
O terceiro e último momento tem como objetivo propor uma leitura para maior
compreensão dos inúmeros vazios urbanos existentes na cidade, fruto do planejamento
urbanístico progressista executado na década de 1970 e também de um jogo de forças
atuantes entre o direito à cidade e à propriedade enquanto espaço físico e social, além de
também representar um quadro patrimonial e ser um instrumento de especulação
imobiliária, uma vez que boa parte das terras urbanas são de propriedade da Gerdau
Açominas e de proprietários fundiários que são também, agentes imobiliários.
E agora? Como o Poder público municipal tendo instituído um Plano Diretor o
qual incorpora os instrumentos urbanísticos previstos na Lei Federal 10.257/2001, pode
romper a lógica da propriedade privada a fim de que a propriedade exerça sua função
social no meio, se o município depende economicamente da empresa?
4.1 A cidade-empresa: da concepção à implantação do projeto urbanístico proposto
pela Açominas ao município de Ouro Branco
Observa-se, principalmente na trajetória histórica urbano-industrial no Brasil, que os
processos de formação e expansão urbana a partir da implantação de projetos geradores de
novos empregos caminham junto à fixação de pessoas diretamente envolvidas na sua
construção e operação e ocorre sempre, paralelamente, intensa polarização migratória. Essa
população é atraída por melhores condições de vida e por novas oportunidades de trabalho em
vários tipos e níveis de atividades e a aglomeração populacional, no entanto, gera um rápido e
desordenado assentamento, conflitos sociais e especulações imobiliárias que impactam
diretamente na organização do espaço urbano.
Nessa direção, Ouro Branco e também Congonhas e Conselheiro Lafaiete
experimentaram grandes transformações socioeconômicas, populacionais e espaciais com a
implantação da AÇOMINAS S/A, sobretudo o município de Ouro Branco, que apresentava
88
em 1976 uma preponderância de população rural sobre a urbana54. Isso revela que a área
detinha um baixo nível de urbanização, taxas positivas de evasão populacional e com a
implantação da empresa esse quadro mudou drasticamente, pois representou não somente o
desenvolvimento econômico da região do Vale do Paraopeba com expressão para o Estado de
Minas Gerais, mas desencadeou um aumento populacional considerável que não é explicado
apenas pelos fluxos migratórios da população rural em direção à área urbana ocorrido
comumente nas décadas de 1970 a 1990 no país, mas também pela migração populacional de
várias regiões do país em direção à região em virtude da implantação da estatal.
A tabela 8, a seguir, mostra a estrutura populacional entre as décadas de 1970 a 1990,
conforme o Anuário Estatístico Estadual com dados estimados e fornecidos pelas prefeituras
municipais à Secretaria de Planejamento do Estado de Minas Gerais.
Tabela 8 - A população nos municípios de Congonhas, Conselheiro Lafaiete e Ouro
Branco nas décadas de 1970, 1980 e 1990 1970 1980 1990
Municípios Urbana Rural Total Urbana Rural Total Urbana Rural Total
Congonhas 13.034 7.340 20.374 23.802 6.934 30.776 48.100 6.900 55.000
Cons.Lafaiete 45.507 5.453 50.960 66.945 5.493 72.438 114.500 5.500 120.000
Ouro Branco 2.409 3.920 6.329 8.392 3.811 12.203 46.200 3.800 50.000
TOTAL 60.950 16.713 77.663 99.139 16.238 115.417 208.800 16.200 225.000
Fonte: SEPLAN/SEI v.5. Adaptado de Bispo (1990)
Observa-se que a PMOB (Prefeitura Municipal de Ouro Branco) emitiu ao Anuário
Estadual, uma população de 50.000 habitantes no ano de 1990. Uma provável hipótese é a
somatória da população residente junto ao fluxo pendular já que muitos trabalhadores diretos
e indiretos da AÇOMINAS S/A não residiam efetivamente no município de Ouro Branco. A
população rural, sobretudo, manteve-se estável nos três municípios e nas três décadas
consideradas. Deduz-se, portanto que a taxas de crescimento da população urbana estava
diretamente associada à implantação da siderúrgica.
Tabela 9 - Taxa de crescimento dos municípios de Congonhas, Conselheiro Lafaiete e
Ouro Branco Urbana Rural Urbana Rural Total Total
Municípios 1970/1980 1970/1980 1980/1990 1980/1990 1970/1980 1980/1990
Congonhas 82,6 -5,5 102,0 0 51,0 78,7
Conselheiro Lafaiete 47,1 0,7 71,0 0 42,1 65,7
Ouro Branco 248,4 -2,8 450,0 0 92,8 399,7
TOTAL 62,7 -2,8 110,6 0 48,6 94,9
Fonte: Anuário Estatístico de Minas Gerais, Belo Horizonte. SEPLAN/SEI v.5
54 Costa e Costa (1998) afirmam que a implantação da AÇOMINAS S/A em Ouro Branco significou também
uma reestruturação econômica e socioespacial nos municípios de Conselheiro Lafaiete e de Congonhas, que
passaram a formar, em conjunto com Ouro Branco, uma base urbana única com funções ora complementares, ora
competitivas.
89
Percebe-se na tabela 9 que os municípios de Ouro Branco e Congonhas apresentaram
as maiores taxas de crescimento, no entanto o município de Conselheiro Lafaiete teve o maior
aumento absoluto de contingente populacional. Uma hipótese provável é o fato de que
Conselheiro Lafaiete, desde a década de 1970, possui o maior número de serviços e atividades
terciárias da região do Alto Paraopeba, ao contrário de Ouro Branco, que somente em meados
de 1970 é que passou a receber equipamentos e a ter serviços implantados para atender as
necessidades da empresa, bem como de seus funcionários e familiares.
Como já exposto anteriormente no tópico 3.1 desta seção, a base urbana que
compunha o município de Ouro Branco era extremamente deficitária e não possuía condições
de infraestrutura para abrigar toda essa população que se instalava na região. Neste
intermédio, em 1976 foi criado pela diretoria da AÇOMINAS S/A, a Gerência de
Desenvolvimento urbano, tendo a FJP (Fundação João Pinheiro) como a instituição
encarregada de realizar os estudos e definir as diretrizes de desenvolvimento urbano da área
envolvida pela implantação da siderúrgica e indicar ainda, medidas de curto prazo para a
expansão planejada dos núcleos urbanos diretamente afetados e/ou de um novo núcleo.
Segundo Piquet (1998) as terras da Açominas somavam-se um grande número de
propriedades (430 adquiridos de proprietários e 26 unidades repassadas à empresa estatal por
parte do governo do estado de Minas Gerais e Federal) para a implantação do plano
urbanístico. Além disso, a essa gerência cabia também o desmembramento de áreas rurais e o
reagrupamento das mesmas em áreas urbanas.
A elaboração deste estudo feito pela Fundação João Pinheiro culminou nos Termos de
Referência de Ocupação do solo,55 conforme FJP (1976), no PDU (Plano de Desenvolvimento
urbano) realizado pelo mesmo instituto em 1978 e na LUOS (Lei de uso e ocupação do solo),
também de 1978, que seguia os pressupostos norteadores de vários planos urbanos em
diversos municípios, elaborados para acolher uma grande empresa.
Conforme Costa e Costa (1998, p.66-67), desde a década de trinta, com a construção
da vila operária da CBSM em João Monlevade, “pode-se acompanhar a sistemática produção
de espaços urbanos, com maior ou menor grau de autonomia como base de apoio à
implantação da siderurgia em Minas Gerais”. A ACESITA em Timóteo e a USIMINAS em
Ipatinga também são exemplos de núcleos urbanos que expandiram em função da implantação
de empresas com o objetivo de acolher as necessidades da indústria, consideradas, entretanto,
55 O estudo tem como partido a suposição de uma taxa de crescimento vegetativo de 2,3% ao ano para as áreas
urbanas estimado para o crescimento da população, sem interferência de migração, baseando-se nos dados do
IBGE – Censo 1970 (FJP, 1976, p.12).
90
cidades-empresa. A proximidade das duas empresas configura a região que é conhecida como
“Vale do Aço.”
Segundo a FJP (1976) o planejamento urbano proposto para Ouro Branco
contemplaria os princípios do urbanismo progressista.56 Para tanto, a concepção do plano
aborda alojamento e integração de uma população que passaria conforme as pretensões do
projeto, de 4.000 para 60.000 habitantes até 1985 e vinte anos após a população seria de
180.000 habitantes, tendo 80% da usina localizada no perímetro da cidade vizinha de
Congonhas. Salienta-se que entre os anos de 1976 a 1981 a implantação da empresa não
contava com redução de aportes financeiros e, como exposto no tópico 3.2 desta seção, houve
onze adiamentos na inauguração da empresa de 1924 a 1985, quando foi oficialmente
inaugurada. De todo modo, o projeto urbanístico deveria ser equacionado em torno das
necessidades da usina, logo a localização, a dimensão, a distância em relação ao núcleo
urbano de Ouro Branco e o cronograma de implantação da siderúrgica foram as
condicionantes na elaboração do plano, o qual a princípio admitiria na infraestrutura um custo
de US$ 200 milhões.
Segundo a FJP (1978), o solo do município de Ouro Branco seria dividido em:
• Área de Função Urbana (destinada ao planejamento da expansão da cidade);
• Área de Função Industrial (destinada a delimitar os domínios físicos da instalação da
usina);
• Área de Função de Preservação (destinada à conservação ambiental da área constituída
pela Serra de ouro Branco);
• Área de Função Agrícola (destinada à preservação e desenvolvimento das atividades
agropecuárias).
A seguir, a divisão do solo urbano de Ouro branco, conforme FJP (1978)57.
56 O tópico 1.2 apresenta um referencial teórico com base nestes princípios, bem como as críticas a essa forma de
planejamento, dispostas por Lefebvre, Harvey, Choay, Jacobs e demais autores. Cabe reter a informação de que
no tópico 2.2 também foi realizada uma abordagem geral sobre como essa concepção urbanística foi introduzida
nos municípios de João Monlevade, Itabira e Ipatinga. Ressalta-se que a organização espacial de Ipatinga tem
muito em comum com a proposta para o município de Ouro Branco, uma vez que a USIMINAS foi consultora
da AÇOMINAS em seu período de implantação. Por fim, salienta-se que os arquitetos urbanistas Tony Garnier
(propôs o modelo de cidade industrial), Ebenezer Howard ( propôs o modelo de cidade-jardim) e Le Corbusier
(formatou os princípios do urbanismo modernista progressista na Carta de Atenas) foram referências teóricas
para os projetos urbanísticos propostos tanto para Ipatinga, pelo arquiteto Rafael Hardy Filho, como para Ouro
Branco, através do corpo técnico da Fundação João Pinheiro. 57 Para maiores detalhamentos do mapa conforme PDU/1978, ver ANEXO A
91
Mapa 3 - Localização Usina e configuração da estrutura urbana do município de ouro
Branco
Fonte: Plano de Desenvolvimento urbano de Ouro Branco. FJP (1978)
A área a que a FJP (1978) designou como função industrial corresponde às instalações
da usina e outras indústrias pesadas relacionadas ao processo siderúrgico e com integração
exclusiva à AÇOMINAS S/A. Ao redor foi projetado um cinturão verde com função de
isolamento acústico e dos gases produzidos pela empresa, prevendo a qualidade de vida e a
proteção ao meio ambiente. Costa (1979, p. 83) afirma que a nova cidade “é capaz de
absorver cerca de 400.000 habitantes, sendo 250.000 na Zona Urbana, mais 150.000 na zona
de expansão urbana”.
Dentro do planejamento, a FJP fez as proposições segundo o patrimônio imobiliário da
Açominas que era da ordem de 13.023 hectares, distribuídos da seguinte forma na tabela 10:
Tabela10 - Patrimônio imobiliário da AÇOMINAS em 197958
Especificação ha Especificação ha
Loteamentos 120 Usina 814
Lago Soledade 336 Cinturão verde 1.739
Infraestrutura 125 Lago Soledade 320
Sedes de fazenda 10 Infraestrutura 889
Reserva Técnica 3.477 Arrendamento 721
Reserva Técnica 4.472
Total 4.068 Total 8.955
Fonte: Piquet (1998)
58 Cabe reter a informação de que já em meados da década de 1970, a AÇOMINAS S/A já detinha a massiva
quantidade de áreas urbanas e de expansão urbana em virtude da compra de terrenos em 1976 e da doação
recebida pelos governos do estado e Federal, como exposto por Piquet (1998) e relatado na página 90 deste
estudo.
92
Segundo Bispo, “percebe-se que o Plano de Desenvolvimento urbano – PDU, gerou
uma profunda modificação no uso do solo urbano local na medida em que estabeleceu uma
ampliação do núcleo urbano e a criação da zona de expansão urbana.” (1990, p.26). Piquet
(1998) afirma que a execução do PDU se deu em etapas, de modo a atender as prioridades em
função dos recursos disponíveis. Em paralelo à construção da usina, o destaque é dado aos
projetos habitacionais que abrigariam os trabalhadores e seus familiares.
Os princípios do urbanismo progressista conforme designado por Choay (1992), é
regido dentre alguns conceitos, pela Carta de Atenas (1933)59 e prevê a setorização da cidade,
sem a amplitude dos usos e da diversidade.
No que diz respeita às edificações, a FJP (1978), classifica-as como:
I - Residencial;
II - Comercial/Serviços;
III - Institucional;
IV - Industrial;
V - Recreação/Lazer
A pertinência da crítica ao urbanismo progressista repousa-se dentre outros
apontamentos, sobre a moradia ao sentido único de habitação como criticado por Lefebvre,
Castells e Harvey, demonstrado na seção 1.2 deste ensaio. Uma das referências teóricas que
embasou o projeto habitacional proposto pela FJP foi a de Wilheim, onde:
[...] No primeiro momento tem ela a função de abrigo: o abrigo é a condição mínima
para a constituição de uma família nova, ou para a chegada de um imigrante. Neste
primeiro momento, a sobrevivência é garantida pelo emprego e não pela habitação.
Garantida a sobrevivência, passa-se ao segundo momento ou função da habitação: o
da garantia da fixação na cidade. Esta fixação urbana é ardentemente desejada; sua
obtenção é uma conquista, uma vitória, para toda família que se urbaniza. Num
terceiro momento a fixação de domicílio, através da obtenção da casa própria,
fornece um endereço, atributo importante para caracterizar a situação de residente
urbano. Este momento define uma vida de relação mais estável na vida societária do
imigrante, inserindo-o numa vizinhança. "Num quarto momento, a casa própria abre,
finalmente, o caminho dos crediários. Conclui-se assim o processo de urbanização,
de homogeneização do imigrante na sociedade urbana na qual ele ambiciona
integrar-se. Finalmente, quinto e ocasional momento, não se pode esquecer que a
casa própria permite sua utilização como eventual fonte de renda adicional.
(WILHEIM apud FJP (1978, p.41-42)
O objetivo do plano era propor uma cidade saudável segundo a AÇOMINAS S/A e
“atender o maior tráfego entre os pontos extremos da cidade, sendo as relações trabalho-
moradia, moradia-comércio, moradia-serviço, moradia-educação e lazer, assim como o
tráfego de penetração e conexão da cidade com as demais cidades no entorno” (AÇOMINAS,
1980). Observa-se que essa definição remete aos princípios da carta de Atenas de Le
59 Sobre a Carta de Atenas, ver páginas 39-41 nas referidas notas de rodapé.
93
Corbusier, cuja cidade deve ser dividida segundo as funções de circulação, recreação, moradia
e trabalho.
Além disso, as diretrizes urbanas segundo a FJP (1978) apontam que a localização das
moradias se daria no âmbito econômico, ou seja, a renda e consequentemente a função
desempenhada na empresa eram as variáveis na produção e reprodução do espaço, de modo
que a organização da empresa de caráter capitalista e hierárquico transpôs para o espaço a
mesma lógica segregadora interna à empresa.
Esse fato corrobora com a teoria de produção do espaço de Gottdiener (1997), cujo
espaço produzido é capaz de reproduzir as relações sociais necessárias à sobrevivência do
capitalismo, ou seja, as relações sociais que regem a divisão do trabalho adéquam-se à forma
pela qual o espaço é usado para adquirir riqueza. Goffman (1963) afirma que a própria
sociedade capitalista estabelece meios de categorizar as pessoas e a classe é um dos artifícios
utilizados. Lefebvre (2008) por sua vez, afirma que a hierarquização das classes é disposta
também no desenho espacial retratando desigualdades, segregações e interseccionalidades.
Para estes autores, as classes são hierarquizadas sob a perspectiva econômica e, portanto, os
indivíduos da mesma classe (com poder aquisitivo similar) são organizados segundo o
ordenamento na indústria.
Estas habitações construídas pela AÇOMINAS S/A, inicialmente eram locadas aos
trabalhadores em regime de cobrança de aluguéis conforme o valor de mercado, como indutor
à aquisição da casa própria. O mesmo ocorreu em Ipatinga no advento da implantação da vila
operária da USIMINAS como expõe Mendonça (2006).
Conforme o ANEXO B, a região central do município (setor 01) dita como “cidade
antiga” compunha apenas um dos 10 setores (bairros) da nova zona urbana criada pelo PDU
que abrangia, entretanto, um total de 2.200 hectares. Os outros nove setores que compõe a
zona de expansão urbana têm conforme o projeto, 2.900 ha. Os dezenove setores totalizam
5.100 ha e as áreas seriam ocupadas por etapas conforme a demanda de ampliação da cidade.
Os primeiros setores que receberam a urbanização imediata foram60:
- Setor 8 – Destinado à população de renda baixa (bairro 1º de Maio);
- Setor 4 – Destinado à população de renda média (bairro Siderurgia);
- Setor 10 – Destinado à população de renda média e alta (bairro Pioneiros);
- Setor 17 – Destinado à população de renda alta (bairro Inconfidentes).
A ordem cronológica das construções conforme o Plano de Desenvolvimento urbano
seria inicialmente dos setores 4, 8 e 10 para atender os empregados ligados à implantação da
60 Ver localização dos setores no Anexo B.
94
usina. Posteriormente o setor 17 e a finalização do setor 8, conforme a tabela 11. Cabe citar
que entre os anos de 1976 a meados de 1980, os trabalhadores ocupavam alojamentos (de
tábuas de madeira) construídos para acolher o operariado ligado à construção da usina e a
implantação da infraestrutura urbana. Conforme Souza (1985), estes alojamentos chegaram a
abrigar 21.000 homens no pico das atividades da obra, divididos entres os municípios de
Congonhas e Ouro Branco, visto a pequena distância de ambas à área industrial.
Tabela 11 - Áreas urbanizadas – Fase I – 1976 a 1984
Setor Áreas para habitações
unifamiliares (m²)
Áreas para habitações
coletivas (m²)
Áreas para equipamentos
(m²)
4 388.355 53.478 216.178
8 278.937 25.406 156.600
10 653.090 28.996 236.898
17 323.285 23.859 46.021
Total 1.643.667 131.739 655.697
Fonte: Piquet (1998)
Além da renda e a função desempenhada na empresa serem as variáveis que definiam
o bairro que o trabalhador e sua família deveriam ocupar, as unidades residenciais tinham
variações de área de 50m² a 204m².
A alegação do PDU para os critérios estabelecidos na determinação dos setores a
serem ocupados pelos indivíduos e seus familiares é a distância trabalho-moradia, conforme
as necessidades da empresa. Os trabalhadores com baixa renda deveriam residir bem próximo
ao trabalho, principalmente porque as operações da AÇOMINASS/A – da implantação ao
processo produtivo, necessitavam exclusivamente de mão-de-obra e ainda que houvesse
falhas no transporte dos funcionários até a empresa, eles podiam caminhar até à siderúrgica
como expõe Bispo (1990). O bairro Primeiro de Maio (setor 8) exemplifica bem isso, pois
este setor acolhia os trabalhadores denominados operários, cuja função era em geral,
operadores mecânicos das máquinas e manutenção. As casas eram do tipo geminadas com um
ou dois andares, os quais eram chamados por “casas baixas” e “predinhos”, respectivamente.
Os “predinhos” tinham a variação de serem duas casas geminadas integradas (quatro
dormitórios), ou separados por uma parede (dois dormitórios cada), o que é comum em
construções com tipologias de baixo padrão. Piquet (1998) afirma que a proximidade da
moradia dos operários em relação à produção é uma estratégia dos donos de meios de
produção para assegurar a assiduidade dos operários, assim como a sua pontualidade, já que a
mão-de-obra é que garante a produção e o consequente acúmulo de capital. Um fato curioso é
que as casas dos respectivos bairros não foram construídas tendo a garagem como um
95
componente presente em grande parte das construções e na parte posterior dos lotes, haviam
bananeiras plantadas e diversas árvores frutíferas como uma forma de contribuir na garantia
de alimento à cada família. Nos registros do PDU não consta essa afirmação, mas é um
apontamento das diversas entrevistas realizadas nessa pesquisa.
[...] As casas aqui no Primeiro de Maio eram iguaizinhas, todas pintadas de branco.
A gente tinha que ficar esperto pra não chegar da usina e entrar na casa de outros
moradores. As árvores também eram da mesma espécie, tudo padronizado e a gente
morava aqui porque éramos os chamados “peão de chão de fábrica.” Minha função
era mecânico na Aciaria e eu moro até hoje no mesmo “meio-predinho” porque só
tenho meio lote e só não tenho mais, as três bananeiras no quintal. Fiz uma reforma
quando aposentei e só. De resto, tenho até quase a mesma vizinhança.”(Entrevistado
07. Entrevista concedida em 12/06/2018).
Já para os moradores do bairro Siderurgia (setor 4) compunham o quadro de
funcionários ligados à produção siderúrgica. O PDU adotou a argumentação de que esse
grupo de trabalhadores era dotado de maior mobilidade visto o maior potencial aquisitivo,
logo a proximidade de emprego era importante, mas não básica. Essas unidades residenciais
possuíam maior área (em m²) se comparada às unidades residenciais do Bairro Primeiro de
Maio, além de melhores acabamentos internos e externos e maior afastamento frontal da
edificação em relação à rua, que figuravam como fatores básicos. O bairro Siderurgia além de
ter mais proximidade com a região central do município dispunha de melhor abastecimento
alimentício nos comércios localizados na via de ligação, Avenida Mariza de Souza Mendes,
dotada de árvores frutíferas e com a função de interligar os bairros Siderurgia, Pioneiros e
Inconfidentes. Neste bairro moravam os trabalhadores com maior nível de escolaridade que os
trabalhadores do bairro Primeiro de Maio, mas com nível de escolaridade inferior aos
trabalhadores que eram locados nos bairros Pioneiros e Inconfidentes. Era em geral o bairro
que os técnicos em metalurgia, mineração e afins, além de encarregados dos setores da usina,
residiam com seus familiares. Importante citar que quanto mais alto o nível de escolaridade,
maior o cargo ocupado na empresa e portanto, fazia-se a divisão das unidades habitacionais,
obedecendo a perspectiva econômica.
Quanto mais se estudava e maior o cargo, melhor o bairro [...] Meu marido é técnico
em metalurgia. Estudou na Escola técnica de Ouro Preto e viemos de Monlevade pra
cá com os meninos tudo pequeno ainda. Meu cunhado era operador de máquina e
morava no Primeiro de Maio. Lá não tinha nem mercado e tudo eles tinham que vir
pro lado de cá. Eles não tinham carro e eles vinham fazer compra no “Cobal” e meu
marido levava de carro quando chegava da usina, isso quando não dobrava e ficava
dias lá dentro da Açominas.[...] quando distribuíram as casas a gente recebeu essa
que era melhor do que a do meu cunhado porque o lote é de 360m² e tem comércio
aqui na avenida Mariza.[...] Só se podia mudar de bairro se o cargo do funcionário
subisse. A gente mora no mesmo lugar desde que chegamos aqui, mas meus
meninos não. Eles foram embora estudar e não voltaram, porque não tem emprego
pra eles aqui, nem na Açominas e nem na prefeitura.” (Entrevistado 10. Entrevista
concedida em 01/06/2018)
96
Os bairros Pioneiros e Inconfidentes eram destinados a abrigar os trabalhadores cuja
renda era mais elevada se comparada aos trabalhadores que residiam nos bairros Siderurgia e
Primeiro de Maio. No bairro Pioneiros moravam os supervisores e engenheiros. Muitas das
residências do bairro Inconfidentes são expostas como mansões pelo PDU e acolhiam a
diretoria da usina, os engenheiros, médicos e advogados. Ambos os setores são localizados
um pouco distante da usina e com vista privilegiada para a Serra de Ouro Branco e o Lago
Soledade. Além de terem maior mobilidade, os funcionários não trabalhavam diariamente
com a carga horária elevada como os operários de produção, por isso conforme o PDU não
precisavam residir próximo à empresa. A seguir as tabelas 12 e 13 exemplificam a relação
entre a disposição dos trabalhadores nos setores urbanos conforme a renda e a tipologia da
habitação. O ANEXO B apresenta a folha 32/41 do PDU, contendo os setores e a ocupação
populacional nos mesmos conforme as rendas obtidas pelos funcionários na empresa.
Tabela 12 - Distribuição parcial da população por tipos de habitação e faixas de renda
Faixas Renda
(Salário Mínimo)
Tipo de habitação (%)
Mansões Casas Apartamento
2 quartos
Apartamento 3
quartos
Apartamento 4
quartos
A-1 >30 10 60 20 10
A-2 15 a 30 50 10 15 25
B 10 a 15 43 24 28 5
C 5 a 10 40 30 30
D 1 a 5 65 25 10
E Até 1 100
Fonte: Plano de Desenvolvimento Urbano. Ouro Branco (1978)
Tabela 13 - Dimensionamento de lotes e construções por tipo de habitação e faixas de
renda (m²)
Faixas
Mansões Casas Apartamentos
Lotes Const. Lotes Const. 2 Quartos
Const.
3 Quartos
Const.
4 Quartos
Const.
A-1 1500 600 900 250 a 300 120 200
A-2 600 200 73 90 120
B 360 a 450 150 70 85 100
C-1 360 100 70 80
C-2 360 80 66 75
D-1 240 60 60 69
D-2 200 40 58
E 20 7 a 10
Fonte: Plano de Desenvolvimento Urbano. Ouro Branco (1978)
Conforme a FJP (1978) a tipificação das casas corresponde a renda do trabalhador,
logo:
- Faixa E - até 1 SM: corresponde a 32% das unidades;
- Faixa D - 1 a 5 SM: corresponde a 59% das unidades;
97
- Faixa C- 5 a 10 SM: corresponde a 6% das unidades;
- Faixa B e A - mais de 10 SM: corresponde a 3% das unidades.
As imagens a seguir, mostram o traçado das vias e a tipologia das unidades
habitacionais.
Figura 5 - Bairros Pioneiros e Inconfidentes Figura 6 - Bairro Siderurgia
Fonte: AÇOMINAS (1980) Fonte: AÇOMINAS (1980)
Figura 7 - Prédios Bairro Siderurgia Figura 8 - Esquema de Passeio
Fonte: AÇOMINAS (1980) Fonte: AÇOMINAS (1980)
Outra situação curiosa é a escolha dos nomes das ruas. O bairro Primeiro de Maio por
exemplo, detêm ruas com nomes de cidades e distritos vizinhos ao município de Ouro Branco.
O bairro Siderurgia abriga ruas com nomes de siderúrgicas. Os bairros Pioneiros e
Inconfidentes abrigam ruas com nomes de ilustres inconfidentes mineiros, pessoas influentes
98
nos governos Estadual e Federal que colaboraram para a implantação da usina, bem como os
primeiros padres católicos da região, diretores da usina e esposas dos mesmos. Isso denota a
hierarquização da empresa transposta para a organização do espaço. Lefebvre (2001) ressalta
que a hierarquia funcional da empresa tende a ser reproduzida no espaço a fim de
circunscrever o mesmo em torno de uma estratificação por categoria funcional e renda. O
autor explana que essa proposição corrobora para um espaço altamente segregado além de
permitir que a empresa tenha o controle sobre a mão-de-obra, tão necessária à produção e o
consequente acúmulo de capital. Piquet (1998) endossa a afirmação de Lefebvre ao
acrescentar que tanto a empresa, quanto os setores habitacionais pertenciam ao mesmo agente
social. De fato, esse controle sobre o espaço exercido pela AÇOMINAS S/A era um
prolongamento da rígida disciplina imposta na usina.
Figura 9 – Construção do bairro Siderurgia Figura 10 – Escola Livremente; Siderurgia
Fonte: Arquivo particular da autora. Fonte: Arquivo particular da autora
Um destaque é o posicionamento das residências nas quadras, cujo projeto foi
elaborado de forma que todas as unidades mantivessem visão ampla da Serra de Ouro Branco.
Esta consideração compõem uma prerrogativa do plano urbanístico, cuja tipologia limita a
altura das residências em geral a dois andares de modo que uma não prejudique a visão da
outra e todas têm a vista para a Serra, que é um marco natural no território.
É importante correlacionar o projeto urbanístico de Ouro Branco com o executado
também em Ipatinga pela USIMINAS e que antecedeu o de Ouro Branco. Ambos traçam a
dicotomia entre as áreas planejadas e habitadas pela população que mantêm vínculos
empregatícios com as referidas usinas, e o restante da população que não possuía vínculos de
trabalho com as mesmas, logo o que imperava era a lógica excludente de ocupação do espaço,
típica das cidades-empresa. Essa relação presente em ambas as cidades, mostram um perfil
marcante das usinas em todas as esferas da vida privada e da gestão urbana.
99
Uma das diretrizes do PDU elaborado pela FJP (1978, p. 16-18) era que:
Considerando a magnitude da AÇOMINAS dever-se-ia evitar que ela se torne
onipresente na cidade, o que poderia vir a ser uma fonte constante de conflitos. Por
esta razão o modelo urbano desincentiva qualquer tipo de concentração irregular
espacial de funcionários da AÇOMINAS [...]. Deve-se evitar, entretanto, que
funcionários se acumulem fora dos locais de trabalho, exceto em áreas de recreação
[...].
Segundo a FJP, os trabalhadores da AÇOMINAS S/A deveriam somente residir nas
unidades habitacionais designadas por ela, conforme a renda e a função desempenhada. Além
disso, delineava o modo de vida de seus trabalhadores e familiares, restringindo-os inclusive
sobre a apropriação do espaço público, que deveria ser considerado preferencialmente nos
clubes implantados pela empresa nos bairros. Observa-se a intervenção do Estado na figura de
empresa estatal, inclusive sobre a vida privada das famílias cujo trabalhador mantinha
vínculos com a empresa.
[...] Sabe aquela história de briga de marido e mulher, ninguém mete a colher|? A
Açominas metia sim! Se eu brigasse com minha mulher e um vizinho contasse ao
encarregado ou supervisor que tinha ouvido confusão de casal, ou menino sendo
castigado, ele chamava a gente e conversava e dava encaminhamento para os
psicólogos e psiquiatras na FOB. Se fosse algo mais grave ou reincidente, você
podia até ser demitido e aí você podia juntar sua família e sua mudança e procurar
outra cidade, porque as portas se fechavam. [...] A parede-meia do predinho, essas
casinhas geminadas aqui no Primeiro de Maio, sabe? Então, parece que é proposital
porque seu vizinho de lado ouve tudo e ele fazia o papel de “olhos e ouvidos” da
usina. [...] Eles dependiam demais da gente que operava as máquinas porque senão a
empresa parava, então fazia questão de manter a gente no cabresto.[...]”
(Entrevistado 11. Entrevista concedida em 21/05/2018).
A circulação é também um dos princípios do urbanismo progressista, conforme
disposto na Carta de Atenas de Le Corbusier. Nesse sentido, o sistema viário implantado pela
AÇOMINAS S/A conta com 63 km de vias pavimentadas, amplas e bem dimensionadas com
a pretensão de acolher os moradores que no ano de 2005 conforme previsão seria de 180.000
habitantes. Essas vias, além de serem presentes nos bairros planejados pela empresa,
interligam esses setores às vias já existentes, tanto as urbanas quanto as de ligação estadual e
rodovias federais. É comum nos bairros planejados pela empresa, a presença de vias de
pedestres também chamadas de passarelas. Em geral correspondem a meio-lote e tem a
função de conectar as ruas, de maneira que o pedestre não precisa percorrer até a esquina para
acessar a rua posterior, pois no urbanismo progressista uma das premissas é a implantação de
quadras curtas e que permitam boa locomoção.
Segundo o PDU/1978, entre os anos de 1979 e 1988 a distribuição e captação de água
seria feita pelo sistema emergencial, também construído pela empresa e a partir de 1988 a
COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) colocou em operação a estação de
100
tratamento definitiva com capacidade para 90.000 habitantes. A rede de esgoto foi construída
para atender inicialmente os bairros planejados e urbanizados e era lançado até 1998 in natura
no Lago Soledade, quando o município a partir de 1994 passou a contar com uma estação de
tratamento de esgoto.A rede elétrica foi desde o início assumida pela CEMIG como a de
telecomunicação foi assumida pela antiga TELEMIG (Telecomunicações de Minas Gerais)
Dentro do planejamento urbano proposto pela empresa, coube a mesma construir um
hospital – FOB (Fundação Ouro Branco) com 160 leitos e Unidade de tratamento intensivo
(UTI) para o atendimento dos trabalhadores com ligação direta à AÇOMINAS, cujo os
atendimentos eram descontados nas folhas de pagamento dos funcionários. A empresa
também ficou encarregada de transformar o posto de saúde do município num ambulatório.
Inicialmente ambos eram administrados pela empresa, mas posteriormente a administração do
ambulatório foi repassada para o Poder público municipal. Atualmente a FOB atende
funcionários da GERDAU Açominas e pessoas físicas e jurídicas em caráter de convênio
médico, além de consultas, exames e tratamentos particulares.
No plano educacional, a empresa se incumbiu de construir várias unidades de creches
e duas escolas com capacidade para 1.500 alunos cada, além de ceder em comodato uma área
para a instalação de um colégio particular com capacidade para 1.800 alunos. A Lei municipal
nº 281 de 12 de setembro de 1979 prevê um convênio entre o Poder Executivo do município,
com o Estado de Minas Gerais, através da Secretaria de Educação de Minas Gerais e
AÇOMINAS S/A de modo a estabelecer um regime de cooperação para a expansão e
melhoria do ensino do município de Ouro Branco. Segundo a Minuta anexa à lei, caberia a
AÇOMINAS a criação de um prédio para o ensino de 2º grau, além da concessão de bolsas de
estudos.
A AÇOMINAS S/A não proveu a instalação de serviços do setor terciário, por
entender que as atividades comerciais deveriam ser de iniciativas de terceiros, mas colocou à
venda lotes estratégicos em função da localização e fixou a taxa de ocupação e prazo máximo
de um ano para o início da construção. Os lotes destinados para comércio ou para uso misto
(residência e comércio) foram determinados pela empresa, de modo que quaisquer outras
residências ou lotes não podiam abrigar atividade comercial se não tivesse sido caracterizado
para tal. Importante citar que o comércio no bairro Primeiro de Maio era praticamente
inexistente o que implicava em grandes deslocamentos para a região central da cidade ou à
Avenida Mariza de Souza Mendes – via de ligação na área planejada (bairro Siderurgia).
[...] Aqui no Primeiro de Maio não tinha comércio nenhum praticamente. Tudo a
gente tinha que ir pra “Ouro Branco” comprar. A Açominas na época dava um
ônibus para gente ir fazer as compras e avisavam o horário que ele ia e que voltava.
101
Era sofrimento demais porque a gente tinha que levar os meninos porque não tinha
com quem deixar, cada dia mudava uma família nova pro bairro e chegavam
naqueles caminhões de mudança de dia, de noite, de madrugada e era um “trem de
louco” porque era sacola, menino e tudo mais. [...] Pra ligar pra família da gente a
gente tinha que ir no posto telefônico do lado de onde é a igreja hoje no bairro e
agendar com a moça. Na hora, a gente corria lá com os meninos pra falar com minha
mãe que era de Ipatinga. Se minha mãe ligava no posto pra conversar comigo, a
moça do posto agendava um horário pra ela ligar de novo e vinha aqui em casa me
avisar e na hora marcada eu subia com meus quatro meninos pro posto.”
(Entrevistado 2. Entrevista concedida em 02/06/2018).
As instalações recreativas, como os clubes aquáticos e a casa de festas, tinham o apoio
da empresa, mas eram implementadas pela AEA (Associação dos empregados da Açominas) e
SINDOB (Sindicato dos Metalúrgicos de Ouro Branco). Segundo os princípios do urbanismo
progressista, o espaço urbano é desenhado de tal forma que cada função é executada na área
competente, logo, os clubes admitiam a função de lazer e recreação, exclusivamente. O bairro
Primeiro de Maio acolhia a unidade “AEA - Primeiro de Maio” e o bairro Siderurgia acolhia o
clube “AEA- Siderurgia”. Para os bairros Pioneiros e Inconfidentes, estava à disposição o
Clube Palladium localizado no bairro Inconfidentes. Os moradores dos bairros Pioneiros e
Inconfidentes possuíam cotas e eram em geral, sócios de todos os clubes na cidade, ao
contrário dos trabalhadores que moravam nos bairros Siderurgia e Primeiro de Maio que só
podiam utilizar os clubes cobertos pela AEA. A separação entre as classes não se manteve
somente na designação dos bairros de residência e extrapolou para as escolas, pois cada bairro
dispunha da unidade que as crianças poderiam estudar e do clube que podiam recrear. Essa
situação reafirma as teorias de Lefebvre, Castells, Harvey e demais autores referenciais, cuja
afirmações pairam sobre a organização espacial segundo a lógica da segregação e da divisão
de classes.
[...] A única coisa que tinha e ainda tem de um jeito escasso são os clubes da AEA.
Me lembro de levar meus filhos pro Clube Palladium e eles mal brincavam com as
outras crianças. Quando eu levava para o Primeiro de Maio por exemplo, eles se
esbaldavam porque as crianças eram simples e brincavam sem titubear. Quando nós
chegávamos lá, o pessoal sabia que morávamos no Inconfidentes e os funcionários
da Gerdau mal e cumprimentavam porque eu exerciam um cargo na diretoria
técnica. Mas as crianças eram crianças e brincavam juntas como se não tivesse essa
imposição de classe baixa, média ou alta. [...] Nossos filhos fazem “terceiro ano” e
querem mudar logo daqui, porque não tem emprego e nem diversão. Aqui no bairro
tem o Palladium e mesmo assim, se quiser diversão tem que ir a Belo Horizonte ou
Lafaiete. Não tem nada de atração nem dia de semana e muito menos fim de semana,
desde quando em vim pra cá em 1982. [...] Antes eu tinha medo até deles crescerem
e namorarem só pessoas daqui do bairro, porque era a lógica da Açominas e ainda
bem que mudou e eles hoje convivem com todo mundo da cidade, conhecem até as
pessoas do centro, que nem fizeram parte da infância deles, porque ir ao centro
significa ir à missa na matriz ou ao banco. Nada mais era feito lá. [...]”(Entrevistado
5. Entrevista concedida em 03/02/2018).
102
Em 1982, a LUOS/1978 foi transformada em lei pela CMOB (Câmara Municipal de
Ouro Branco) e sancionada pelo prefeito no mesmo ano. Essa estratégia permitiu que a
empresa pudesse contar com esse instrumento legal para disciplinar o solo e avançar na
integração da área antiga do município (centro histórico) aos novos bairros implantados e
urbanizados. Para isso, obteve financiamentos do SFH (Sistema de Financiamento
Habitacional) para viabilizar a implantação da infraestrutura urbana e a construção das
moradias, através dos programas FIPLAN (Financiamento para o Planejamento urbano),
PRODEPO (Programa de Apoio ao Desenvolvimento de Pólos Econômicos) e PROHEMP
(Programa Habitacional para empresas), que possibilitaram as obras de moradia e
infraestrutura de todo o setor 4 (bairro siderurgia), parte da infraestrutura do setor 10 (bairro
Pioneiros) e o Hotel Verdes Mares localizado na região central da cidade61.
No fim de 1985 as residências já haviam chegado ao fim das construções e a empresa
tinha como intenção repassar imediatamente aos funcionários, os financiamentos, o que não
foi possível em virtude de dificuldades de negociação com o SFH (Sistema de Financiamento
Habitacional). De todo modo, os funcionários continuaram residindo nos imóveis em caráter
de locação. Em 1989 as negociações entre empresa – empregados – SFH – e prefeitura foram
concretizadas e coube aos funcionários através da Caixa Econômica de Minas Gerais e Caixa
Econômica Federal arcar com o financiamento, com cláusula de recompra pela empresa e
desconto em folha de pagamento de até 25% do salário líquido. Os aluguéis pagos de 1986 a
1989 serviriam como fundo de poupança e cobriria o seguro e os juros de empréstimos. Uma
das cláusulas previa que a revenda do imóvel só poderia ser feita para outro funcionário da
empresa limitando a venda para outras pessoas que não possuíam vínculo com a empresa e era
desejado pela mesma que a compra/venda fossem entre trabalhadores que desempenhassem
funções semelhantes na usina, sob o argumento por parte da empresa que a aquisição não
deveria corroborar para a ramificação de um negócio imobiliário e deveria, sobretudo, manter
a estratificação espacial.
Com o repasse dos imóveis aos trabalhadores através do SFH, a empresa retirou de
seus encargos uma parte onerosa, pois além das despesas de manutenção das unidades, a
empresa direcionava cerca de 150 funcionários para a administração imobiliária. Piquet
(1998) acrescenta que cerca de 200 casas que eram ocupadas por entidades e pessoas externas
61A título de informação, o arquiteto responsável pelo projeto pioneiro de hospedagem da Açominas – o hotel
Verdes Mares, entre os anos de 1977 e 1980 foi o Éolo Maia. Com a colaboração de Jô Vasconcellos,
desenvolveu também o projeto de restauração da Fazenda Pé do Morro e da capela de Santana, localizada no
interior da fazenda Pé do Morro. A fazenda está localizada no Setor 6 conforme o Anexo B e atualmente a casa
da fazenda é tombada pelo IEPHA. Ambos os projetos foram premiados pelo IAB e a capela do século XIX teve
suas paredes envolvidas por uma estrutura de perfis metálicos com vidro temperado e é de propriedade privada.
103
à empresa, como o pessoal da Polícia, Secretaria de Segurança, SESI (Serviço Social da
Indústria) e membros da igreja católica, passaram a ser gerenciadas por apenas cinco
funcionários.
A Lei Municipal nº 278, de 12 de setembro de 1979 prevê um acordo entre o Poder
Executivo do município e a AÇOMINAS S/A, no qual dispõe a isenção do IPTU à empresa
pelo período de dez anos. Em contrapartida a empresa ficaria responsável por executar as
obras e serviços na área ocupada pela porção antiga da cidade de Ouro Branco (setor 1) no
que diz respeito à readequação e estruturação viária básica, implantação de saneamento (rede
de esgoto e rede pluvial) e de equipamentos de serviços públicos e sociais tendo em vista
compatibilizá-la com o Plano de Desenvolvimento Urbano do Município proposto pela
empresa aos setores que acolheriam os trabalhadores e também demarcava as áreas de
expansão urbana que seriam ocupadas conforme o avanço produtivo da empresa e a
necessidade de mais trabalhadores para a produção. Caberia também a ACOMINAS S/A a
doação do terreno e a construção do Colégio João XXIII (atenderia os alunos da 5ª série do 1º
grau até o 3º ano do 2º grau), efetivar a permuta de terrenos para a construção da Prefeitura
Municipal e Câmara Municipal, doação de terreno para a construção do Fórum, doar ao
município de Ouro Branco todos os terrenos destinados às edificações previstas no sistema de
ensino a ser implantado pelo mesmo nos termos de Convênio celebrado e dispostos na Lei
municipal nº 281/1979 e ainda contratar um técnico para dar suporte à prefeitura na
elaboração de projetos de modernização dos serviços administrativos. Fala-se em doação,
justamente porque era de propriedade da empresa, a massiva quantidade de terras urbanas do
município. A empresa continua sendo grande detentora dessas terras, mas atualmente existem
outros agentes que também fazem da propriedade, instrumento de especulação imobiliária,
como será exposto no tópico 4.3.
A Lei Municipal n° 645, de 07 de agosto de 1989 isenta novamente a AÇOMINAS
S/A do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) e ITBI (Imposto sobre transmissão de
bens imóveis) pelo período de mais dez anos como contrapartida das obrigações assumidas
pela AÇOMINAS S/A e FOB (Fundação Ouro Branco) no Convênio de Cooperação da Saúde
do município firmado entre FOB, AÇOMINAS S/A, Secretária de Saúde municipal e
Secretária de Saúde do estado de Minas Gerais. A lei ainda previa que os empregados da
empresa que se tornaram proprietários das moradias adquiridas diretamente com a empresa
através do SFH teriam também a isenção do IPTU e ITBI pelo prazo de dez anos contados a
partir do ano da escritura de compra e venda. Isentou também a FOB pelo prazo de dez anos
contados a partir da aprovação do Convênio no ISSQN (Imposto sobre Serviço de Qualquer
104
Natureza) por ela prestados. A empresa foi beneficiada pela lei em virtude da aprovação do
convênio, mas a prefeitura requereu ainda à empresa a doação ao município de 670.000 m² de
áreas urbanas para a construção de casas populares, a execução de pavimentação asfáltica de
13.000 m² de ruas e avenidas e o ressarcimento ao município da execução dos 68.000m² de
pavimentação realizada, conforme dispõe Piquet (1998).
Categoricamente, a ideia inicial do projeto urbanístico executado em Ouro Branco, era
manter o município como “cidade-aberta.” O termo “cidade-aberta” foi utilizado pelo
arquiteto Rafael Hardy Filho em sua publicação “Ipatinga: cidade aberta”. Ressalta-se que em
Ipatinga, a USIMINAS criou um Departamento de Habitação e Urbanismo em 1965 para que
quaisquer outros indivíduos que não desempenhassem atividades de trabalho junto a empresa,
mas que tivessem interesse em residir nos setores planejados pela empresa, pudessem se
estabelecer desde que o recebesse a aprovação de projeto arquitetônico junto ao departamento.
Segundo Costa (1979) o termo “cidade-aberta” neste contexto referia-se a uma
posterior retirada da empresa, no caso, da USIMINAS, do total controle sobre o espaço
urbano, deixando espaço à iniciativa privada para atuar na cidade, além da gestão urbana ser
repassada para o Poder público municipal. Costa (1979) ainda afirma que a ideia de
“mesclagem” entre trabalhadores da usina e demais indivíduos sem vínculo com a empresa,
dentro dos bairros produzidos e controlados pela USIMINAS, nunca existiu, o que sempre foi
considerado um ponto negativo a ser evitado no planejamento de outras cidades industriais.
No entanto foi reproduzido em Ouro Branco pela AÇOMINAS S/A muito provavelmente
pelo fato da Usiminas ter sido consultora da AÇOMINAS S/A no ato de sua implantação,
junto a Fundação João Pinheiro que teve a função de produzir os Termos de Referência, o
Plano de Desenvolvimento e a Lei de Uso e Ocupação do Solo.
Piquet narra que desde o princípio da implantação da empresa em Ouro Branco, a
mesma estabeleceu com o poder público local uma estreita parceria, que assumiu formas
variadas “indo desde o estabelecimento formal de convênios, cessão de áreas e equipamentos
urbanos para a prefeitura, até a manutenção de pessoal qualificado nos quadros
administrativos da municipalidade.” (PIQUET, 1998, p.106).
Para a autora “a cidade-empresa originalmente implantada tende a crescer e a
transforma-se em cidade aberta.” (PIQUET, 1998, p.7). De certo modo, num primeiro
momento, conforme dispõe Souza (1985), a intenção era de se construir uma cidade-aberta e
não uma cidade companhia, logo para se alcançar essa diversidade, a proposta passava por
mesclar nas áreas planejadas, funcionários da usina e o restante da população numa proporção
de 50%, conforme o PDU. Costa (1979) e Costa e Costa (1998) afirmam que por razões
105
operacionais e a urgência em alojar os funcionários da empresa que estavam atuando em
regime de ampla escala para concluir a primeira fase de implantação da mesma, fez com que
este critério fosse suspenso. Greco e Coutinho (2002) atribuem esse ocorrido à crise
financeira instaurada em 1981, antes mesmo da inauguração da empresa, dada em 1985.
O que é fato é que isso não ocorreu conforme previa o PDU e em meio a essa situação,
prevaleceu a dicotomia entre “os antigos e os de fora” – termo reproduzido por Piquet (1998)
e também pelos entrevistados nessa pesquisa.
[...] Quando a gente ia para Ouro Branco, o povo da cidade sabia que a gente era de
fora e dependendo de como a gente se vestia, sabiam até o bairro que a gente
morava. As famílias do Pioneiros e Inconfidentes e até umas do Siderurgia não
precisavam de ônibus como a gente para ir fazer as compras do mês. [...] Entre nós
do bairro Primeiro de Maio, havia uma ajuda mútua: quem tinha carro e ia fazer as
compras do mês, levava outro casal pra ir junto, porque era uma tristeza fazer as
compras e trazer no ônibus ou a pé. [...] A gente tentava se ajudar de algum modo e
nos tornamos muito unidos porque vivíamos nas mesmas condições e a gente sabia
da realidade de renda de cada um aqui [...] As pessoas que moravam no centro
viviam de uma forma muito parecida com a gente. Eles eram unidos lá no bairro
deles e passavam muitas dificuldades como a gente que era peão de usina. [...]”
(Entrevistado 4. Entrevista concedida em 10/04/2018).
[...] Meu avô era escravo e fugiu com a minha avó e os filhos de Ouro Preto e
ficaram em quilombos. Essa região tinha muitos por essas matas afora. Eu nasci
livre, ‘minha filha’ e nasci aqui. Cresci aqui e vi com meus olhos tudo o que
aconteceu nessa terra. Quando a Açominas chegou, trouxe muita gente de fora pra
trabalhar pra ela. [...] Era gente de todo jeito, com carro, a pé, menino, cachorro e a
gente ficou aqui no centro né, esquecido. [...] A gente não sabia ler e nem escrever,
meu marido trabalhava nas terras do prefeito Fernando Peixoto plantando batata e eu
costurava e cuidava dos meus meninos. Nem emprego para nossos filhos a empresa
dava porque não tinham estudo. Com fé em Deus eu e meu marido trabalhamos dia e
noite para estudar nossos filhos e eles poderem trabalhar lá porque só tinha espaço
para quem os “de fora.” (Entrevistado 16. Entrevista concedida em 12/04/2018).
Além de prevalecer essa dicotomia entre os moradores de Ouro Branco que já
residiam na cidade antes da implantação da empresa e os que moradores que foram atraídos
para a cidade em função da implantação da mesma, observa-se, nas entrevistas concedidas,
uma consciência de classe, principalmente entre os moradores do bairro Primeiro de Maio e
do centro que compõe a “cidade antiga.” Fazzi (1990) afirma que a consciência de classe
explícita ou implicitamente, direciona as reflexões sobre o desenvolvimento da classe
trabalhadora na sociedade capitalista e essa unidade estabelecida segundo os indivíduos que
possuem rendas similares e desempenham inclusive cargos equivalentes na empresa, permitiu
que desenvolvessem uma solidariedade de classe como expõe a autora, justamente porque
esses indivíduos admitem uma identidade em relação aos demais agentes na estrutura
hierárquica da sociedade capitalista. Supõe-se que a próprio desenho espacial tenha sido um
fator contributivo para a solidez da consciência de classe ainda que enrustido na identidade
dos indivíduos, uma vez que os bairros foram projetados para acolher os trabalhadores
106
segundo sob a perspectiva econômica e como os setores foram propositalmente desenhados
distantes uns dos outros, a população de cada setor praticamente não convivia entre si, exceto
os trabalhadores dentro da usina, onde prevalecia, sobretudo, um sentimento de respeito (ou
medo) para se direcionar aos outros funcionários com cargos mais elevados na estrutura
hierárquica da empresa.
Goffman (1963) explana que as pessoas tendem a se agrupar conforme sua identidade,
seu trabalho, seus anseios, sua renda e quaisquer outras situações que façam com que o ser
humano mantenha o poder de associação em virtude da própria condição. Os moradores do
centro de Ouro Branco apresentam em suas narrativas conforme as entrevistas concedidas,
uma espécie de união identitária em virtude dos elos construídos antes da implantação da
empresa e mantidos posteriormente, já que a eles foi designado a ocupação exclusiva na
região central (setor 1) ou zona rural. Na década de 1990 foi doado à Prefeitura de Ouro
Branco, alguns terrenos no setor 2 inclusive, onde pessoas que não possuíam vínculos com a
empresa, puderam adquirir uma unidade residencial construída pelo Poder público municipal.
Essa estigmatização conforme descreve o autor, prevaleceu em Ouro Branco, principalmente
entre as décadas de 1970 a 1990.
Lefebvre (2001), afirma que a separação de classes é real justamente porque tende ao
conflito, pois em algum momento, os indivíduos de classes distintas exercerão seus interesses
principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais.
Para Marx e Engels (2003) a subordinação econômica no processo produtivo não
garante necessariamente a formação da consciência de classe, ou seja, a tomada de
consciência não é mero reflexo da situação objetiva da condição de classe. Os autores
explanam que entre a burguesia é mais difícil estabelecer a consciência de classe, do que entre
os trabalhadores de uma empresa capitalista, porque as relações sociais estabelecidas e o
convívio diário entre os funcionários dentro da usina, no caso da AÇOMINAS S/A,
favoreciam o desenvolvimento de uma solidariedade de interesses de classe, tanto que os
trabalhadores conseguiram se organizar num sindicato para endossar os interesses dos
mesmos quando a empresa foi privatizada em 1993 e até nas pequenas atividades rotineiras da
vida citadina como o simples ato de se organizarem em veículos particulares para se
deslocarem até o centro comercial para a realização das compras mensais como descritas
pelos entrevistados, principalmente do bairro Primeiro de Maio.
A integração entre os habitantes foi buscada pela AÇOMINAS S/Ano plano político e
espacial tanto que a empresa mantinha pessoal do seu quadro de funcionários na
administração pública municipal. Há de se atentar para esse fato, uma vez que além do PDU
107
ter se tornado lei no município em 1982, a empresa mantinha funcionários inseridos na gestão
pública municipal, o que de algum modo numa relação de conveniência, prevalecia os
interesses da empresa. Goytisolo (1977) ao definir o conceito de tecnocracia, explana que
comumente um grupo de homens com formação técnica e que aceitam a disciplina
hierárquica, se colocam em estruturas de poder para garantir que os interesses do capital
prevaleçam. Supõe-se que esse fato da AÇOMINAS S/A ter mantido uma equipe na
administração pública do município, corrobora para que existisse (e exista inclusive até os
dias atuais), uma dependência técnica em relação à empresa62.
Em 1992 foi lançado o “Projeto Integração” que reconhecia a necessidade de adaptar o
PDU à nova realidade urbana, uma vez que os bairros implantados pela empresa são
relativamente distantes entre si e a região central do município, que compõe parte do
patrimônio histórico. No entanto, a AÇOMINAS S/A foi privatizada em 1993 e esse projeto
foi abandonado pela empresa e também pelo poder público municipal.
Outra situação a ser observada é que, ao comparar o contingente de funcionários em
1992, conforme a tabela 14, em relação à quantidade de moradias construídas até então e
direcionadas aos trabalhadores conforme a tabela 15, percebe-se um déficit de 1.740 unidades
habitacionais em Ouro Branco que era a cidade-sede como exposto no PDU. Conforme Piquet
(1998), a empresa na iminência da privatização, não dispunha de capital para a construção de
mais moradias e por esse motivo, os trabalhadores que moravam em Conselheiro Lafaiete,
Congonhas, Belo Horizonte e demais localidades do estado se mantiveram nesses locais e a
empresa interveio junto à Caixa Econômica de Minas Gerais e a Caixa Econômica Federal,
para facilitar a esses funcionários a aquisição da casa própria.
O município de Ouro Branco abrigava 3.523 empregados, 1.156 em Conselheiro
Lafaiete, 299 em Congonhas, 200 em Belo Horizonte e 78 em outras localidades, conforme
Piquet (1998) e Bispo (1990).
62 Um dos exemplos dessa dependência técnica mencionada é quanto ao sistema de credenciamento das unidades
e as referidas metragens declaradas como patrimônio da atual GERDAU AÇOMINAS para efeito de IPTU. O
sistema utilizado pelo Poder público municipal é o mesmo que é usado pela GERDAU e cabe à gerência de
patrimônio da empresa enviar a relação das propriedades à prefeitura, ou seja, ela tem certo domínio sobre o
valor a ser repassado nos impostos. Salienta-se também que na década de 1990 o cartório de registro de imóveis
de Ouro Preto sofreu um incêndio e antes de 1982, as propriedades eram registradas em Ouro Preto porque não
existia um cartório para esse fim em Ouro Branco. Logo, muitos dados se perderam e não houve até o presente
momento um levantamento das propriedades por parte do Poder Público. Outra situação que cabe ser citada é
que somente em 2016, após muitas discussões da autora no Conselho da cidade é que foi revisto a legislação
tributária no município e nela foi inclusa a cobrança do IPTU, por exemplo, do Lago Soledade, que tem parte
pertencente a Ouro Branco, ou seja, antes de 2016, muitas propriedades pertencentes a GERDAU AÇOMINAS
sequer era tributadas.
108
Tabela 14: Número de trabalhadores/cargo em 1992
Categoria Funcional Nº pessoas
Gerência 198
Nível Superior 625
Nível técnico 1.262
Administrativo 546
Operacional 2.625
Total 5.256
Fonte: Piquet (1998)
Tabela 15: Número de residências/bairro em 1992
Bairros Nível de Renda N° Residências
1° de Maio baixa 1.116
Siderurgia média 1.108
Pioneiros média e alta 902
Inconfidentes alta 391
Total ------ 3.517
Fonte: Piquet (1998)
Antes da privatização, que ocorreu em 1993, a empresa pôs à venda 1.783 lotes que
pertenciam a mesma e estavam localizados no setor 8 e 10. Segundo Costa (1979), 850 lotes
foram vendidos rapidamente sob financiamento de 36 meses, entretanto, a inflação ocasionou
o aumento das prestações e houve a devolução de 400 lotes. Em função das vendas, surgiram
dois novos loteamentos: o bairro Metalúrgicos em continuidade ao bairro Primeiro de Maio e
o Minas Talco, localizado entre o bairro Siderurgia e Pioneiros, ambos nos setores 8 e 10
respectivamente. O Poder público municipal assumiu a urbanização em troca de receber
terrenos da empresa que incorporassem como propriedade do Executivo.
A empresa doou também uma área de 1.000.000 m² no centro da cidade à prefeitura.
Nos terrenos foram construídos, na década de 1990, um ginásio poliesportivo com um campo
de futebol em anexo, a rodoviária, o ambulatório foi ampliado tornando-se uma Policlínica e a
Praça de eventos – um espaço multiuso localizado entre o centro da cidade e o bairro
Siderurgia. A doação das áreas não contemplava a implantação da infraestrutura por parte da
empresa e coube a prefeitura custear as construções até porque como relatado na seção 3.2, foi
um período anterior à privatização e de grave crise econômica.
Outros bairros como o Luzia Augusta e o Belvedere localizados no setor 1 e 2,
voltados para a população que não mantinha vínculos empregatícios com a empresa, foram
implantados pela prefeitura na década de 1990 com o financiamento da Caixa Econômica
Federal e construídos no sistema de mutirão. Neste mesmo período a PMOB construiu na área
rural 300 unidades unifamiliares e 9 postos de saúde com enfermaria.
[...] Eu casei em 1985, o ano que a empresa inaugurou. Não tinha dinheiro pra
comprar lote barato e nem lote caro tinha pra vender aqui mais não [...] então eu
morava nos fundos da casa da minha mãe. Quando a usina doou um bocado de terra
109
ali onde é Luzia Augusta sabe? Foi no “inicinho de 90” é que a gente assinou o
acordo de cada um poder adquirir da prefeitura e pagar com financiamento na Caixa
Econômica. Na época eu trabalhava nas terras do Silvio Mapa e pedi a ele para me
ajudar com um emprego na prefeitura e fui empregado justamente para construir o
mesmo modelo de casinha pra todo mundo. [...] Meu irmão e meu pai me ajudaram
muito e ajudamos até na obra dos outros porque a gente não arrumava emprego na
usina, não tinha onde morar e a gente ou trabalhava nas terras do Silvio Mapa,
Fernando Peixoto [...] ou a gente trabalhava com o que dava aqui no centro. Depois
que eu fui ser comerciante [...] Lá nem era chamado de Luzia Augusta ou Belvedere,
era tudo chamado de mutirão, porque foi assim que os bairro ali nasceram.
[...]”(Entrevistado 18. Entrevista concedida em 03/03/2018)
Figura 11 – Vista superior do município. Ao lado esquerdo, a área planejada
Fonte: Arquivo particular da autora
Diante de tudo aqui exposto, cabe correlacionar o plano urbanístico à privatização da
empresa, uma vez que a compra da AÇOMINAS S/A pela Mendes Júnior provocou a
paralisação total da implantação do PDU, inclusive o que era previsto no “Projeto
Integração,” que foi abandonado tanto pela empresa, quanto pelo Poder público municipal.
Com a privatização em 1993, a Mendes Júnior manteve o auxílio creche para os filhos dos
empregados, com idade inferior a 6 anos de idade em parceria com o SESI, o desconto de 1%
do salário em função da alimentação cedida aos funcionários e transporte gratuito para o
trabalho para os que residissem em Congonhas, Ouro Branco e Conselheiro Lafaiete. A
empresa na iminência de sua privatização usou parte das terras de sua propriedade como
elemento viabilizador da construção de bairros residenciais para os moradores sem vínculos
110
empregatícios, mas sem investimentos e gastos com serviços urbanos, o que ficou a cargo do
Poder público municipal e de proprietários fundiários posteriormente, na implantação de
infraestrutura.
A privatização foi um marco na história de Ouro Branco, já que parte do processo
siderúrgico não foi implantado em sua totalidade antes de se tornar uma empresa privada e
caso fossem, aumentariam as possibilidades de melhor conjuntura socioeconômica, conforme
expõe Costa e Costa (1998). O processo de desestatização implicou no fim da implantação do
plano urbanístico, já que a ótica passa para a acumulação de capital de forma ostensiva,
diferente do momento em que se manteve estatal. Em meio a essa nova configuração da
empresa e as consequentes demissões, o município passou a conviver com problemas
urbanos, muitos inclusive criados pela própria empresa como Lefebvre, Castells e Harvey
explanaram acerca dos projetos urbanísticos progressista, expostos no capítulo 1 deste ensaio.
Em contrapartida a Constituição Federal de 1988 trouxe para o seio da sociedade
brasileira, um princípio básico para a equidade urbana e justa distribuição dos ônus e
benefícios do processo de urbanização: o princípio da função social da cidade e da
propriedade. Em 10 de Julho de 2001 foi instituída a Lei 10.257, denominada Estatuto da
Cidade e reforçou o Plano Diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento e
expansão urbana, além de promover o direito à cidade através da gestão democrática. O
objetivo é a maior inclusão territorial e a diminuição das desigualdades que se expressam por
meio de irregularidades fundiárias, segregação socioespacial e degradação ambiental. O Plano
Diretor, aliás, é a peça chave para o enfrentamento desses problemas. Na contramão da
elaboração do planejamento que até então era de cunho tecnocrático e burocrático, a
construção da legislação urbana municipal passa a contar com a ampla participação popular.
O impasse é que por inúmeras questões inerentes à baixa adesão popular nos assuntos de
interesse público, prevalecem os interesses dos agentes que participam, neste caso os
proprietários fundiários, os promotores imobiliários, os industriários e empresariado, o Estado
e os grupos sociais excluídos como explana Corrêa (1989).Segundo Júnior e Montandon, “o
objetivo principal do Plano Diretor é definir a função social da cidade e da propriedade urbana
de forma a garantir o acesso urbanizada e regularizada a todos os segmentos sociais, e garantir
o direito à moradia e aos serviços urbanos.” (2011, p.14).Os autores apontam que no Brasil
haviam instituídos 805 Planos Diretores até 2001 e o país apresentou alta de 1.878 em 2008 e
2.318 em 2009 naqueles municípios com obrigatoriedade de elaboração.
Segundo Matos (2008, p.159):
111
Os Planos Diretores no Brasil possuem uma longa história geralmente associadas a
equívocos, fracassos e autoritarismo, não obstante à importância de leitura e
interpretação de aspectos urbanísticos e relações sociais existentes nas cidades. Os
modelos importados que subsidiavam esses planos eram geralmente inaplicáveis,
apoiadas em correntes teóricas visionárias, singelas, ou demasiado mecanicistas,
distantes da complexidade da realidade e das necessidades dos habitantes, incapazes
de enxergar idiossincrasias e características mais peculiares das nossas cidades. O
viés antidemocrático sempre foi evidente, como se os interesses do Estado fossem
assunto de poucos, incompreensível à população, nos moldes de um ‘despotismo
esclarecido’ e/ou de um ‘elitismo tecnocrático’.
Essa dificuldade, segundo Santos Junior e Montandon (2011, p.15), fez com que “o
Ministério das cidades, criado em 2003, passasse a incentivar a construção de uma nova
cultura de planejamento urbano no país e a fortalecer o apoio ao planejamento urbano dos
municípios”. Os autores demonstram que o cerne dos PDs são os zoneamentos, a gestão do
solo, o sistema viário, habitação e o patrimônio histórico, sem que exista no entanto, uma
promoção da unificação da cidade com o objetivo de integrar as diversas ações de políticas
públicas em torno da igualdade e da participação democrática e efetivação da função social da
propriedade, que é garantir que a terra cumpra uma função de uso na cidade, de modo a
atender os interesses coletivos e os direitos individuais do cidadão sejam garantidos.
Diante das propriedades urbanas que não cumprem sua função social, cabe o Estado
exigir que o proprietário dê função de uso à propriedade, instaurar o IPTU progressivo que é
um dos instrumentos previsto no Estatuto da Cidade e ainda desapropriar a propriedade,
indenizando o proprietário. Entretanto, a propriedade é uma mercadoria no sistema capitalista
e há muitos agentes envolvidos com conflitos de interesses. O próximo capítulo apresenta
uma análise comparativa entre a LUOS/1978 executado pela empresa e a LUOS/2010
construída de forma participativa e integrada entre o Poder público municipal, a população de
Ouro Branco e a sociedade civil.
4.2 A LUOS/1978 e a LUOS/2010: um debate acerca dos zoneamentos e parâmetros
urbanísticos propostos
Conforme exposto no tópico 4.1, o PDU - Plano de Desenvolvimento Urbano proposto
em 1978 previa dividir o território urbano do município em áreas com função industrial,
urbana, agrícola e de preservação. Essa configuração é mantida no Plano Diretor municipal
construído em 2007 de forma integrada entre o Poder público municipal e os munícipes de
Ouro Branco, sob parecer técnico da Fundação João Pinheiro datado de 2006e elaborado e
executado pela Fundação Israel Pinheiro (FIP). Em 2010 foi instituída a LUOS/2010, também
elaborada pela FIP.
112
A Fundação Israel Pinheiro enquanto instituição contratada pelo Poder público
municipal em 2007 com o objetivo de elaborar e desenvolver junto a população de Ouro
Branco apresentou um Estudo social do município de Ouro Branco em 2006 que antecedeu a
instituição do Plano Diretor de 2007. Neste estudo, a FIP mapeou a população por bairro e a
população presente nas discussões, conforme a tabela 16.
Tabela 16 - População total x Presença comunitária na elaboração do Plano Diretor
Agrupamento de bairros População total Presença Comunitária
Plano Diretor 2007
Centro, Amália Rodrigues, Belvedere e
Vale do Engenho 24,4% 28,1%
Inconfidentes, Pioneiros, Siderurgia,
Minas Talco e Soledade 28,6% 24,4%
Luzia Augusta, Alto do Chalé, Nova
Serrana, Dom Orione e Novo Horizonte 16% 25,3%
Primeiro de Maio, São Francisco,
Bandeirantes, Metalúrgicos e Tiradentes 31% 22,1%
Fonte: FIP (2006)
Os estudos sociais feitos pela FIP apontam que o problema mais grave na concepção
dos moradores da comunidade presentes na elaboração do plano, é a infraestrutura urbana. Na
visão dos moradores é o ponto mais negativo do município, tendo 12% dos votos. Este tópico
tem portanto, por objetivo traçar uma análise paralela entre as duas leis de uso e ocupação do
solo propostas por atores distintos: a AÇOMINAS S/A e o Poder público municipal em 1978
e 2010 respectivamente, de modo a identificar quais os princípios do planejamento urbano
(proposto em 1978 e mantido pelo menos até a instituição do Plano Diretor de 2007), que são
considerados pela população, como fatores negativos no espaço urbano.
A área destinada a abrigar a empresa (função industrial) abrange a porção que a
siderúrgica e seu entorno imediato está localizado, e não estão designadas áreas residenciais,
devido à incompatibilidade no grau de ruídos e poluição, ainda que a empresa tenha adotado
desde o início de sua produção, dispositivos antipoluição conforme os termos da legislação
federal específica. Na área de função industrial existem vias implantadas conforme previsto
no PDU e além da atividade industrial é permitida a localização de seus respectivos
escritórios e unidades de atendimento necessário ao funcionamento da empresa, bem como
postos de abastecimento de veículos e motéis, respeitando a faixa de domínio da via LO-6.63
Já a área destinada a preservar a flora e a fauna (função de preservação) compreende o
perímetro delimitado a partir da divisa de Ouro Branco com o município de Ouro Preto, no
63Para melhor visualização, ver ANEXO A
113
Ribeirão Cachoeira, na altura da cota 1.450 m, mais precisamente a área da Serra de Ouro
Branco e seu entorno imediato. Nesta área só são permitidas conforme a LUOS/1978 as
atividades de Recreação/Lazer e Turismo, além de obras necessárias ao desenvolvimento
dessas atividades.
A área destinada ao desenvolvimento da agricultura e pecuária (função agrícola)
compreende basicamente a área rural e caracteriza-se essencialmente pelo desenvolvimento
de atividades agropecuárias, sendo permitido o uso institucional para atendimento da
população rural, ou seja, escolas rurais, locais de culto religioso e ainda um pequeno comércio
de produtos de consumo imediato e higiene básica. A área de função urbana, comporta a zona
urbana e a zona de expansão urbana conforme o ANEXO B.
Como já apresentado, o município foi submetido a um planejamento inicial feito pela
Fundação João Pinheiro e naquele momento, foi necessário construir de fato uma cidade, logo
a legislação se volta aos modelos de:
I - Categorias de uso;
II - Modelos de assentamento;
III - Zoneamento;
IV - Parcelamento do solo;
V - Sistema viário.
O plano urbanístico conforme proposto está dividido em 19 porções, onde os setores 1,
2, 3, 4, 7, 8, 9, 10, 16 e 17 relacionam-se à zona urbana e os setores 5, 6, 11, 12, 13, 14, 15, 18
e 19 correspondem aos setores de zona de expansão urbana, conforme o ANEXO B.
A seguir uma comparação entre os parâmetros urbanísticos e os mapas de zoneamento
da LUOS/1978 e a LUOS/2010, com ampliação no ANEXO B e ANEXO C respectivamente.
A autora optou por fazer a análise segundo a divisão de quadrantes, a fim de
sistematizar a leitura e propor melhor compreensão do estudo conforme as principais
modificações ocorridas no espaço.
114
Mapa 4 - Setorização LUOS/1978 e esquema de quadrantes
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978). Adaptado pela autora
Mapa 5 - Zoneamento LUOS/2010 e esquema de quadrantes
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. PMOB (2010). Adaptado pela autora
Quadrante 4 Quadrante 5 Quadrante 6
Quadrante 4 Quadrante 5 Quadrante 6
Quadrante 2 Quadrante 3 Quadrante 1
Quadrante 2 Quadrante 1 Quadrante 3
115
Tabela 17 - Zoneamento e caracterização dos modelos de assentamento permitidos na
LUOS/1978
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do Solo. FJP (1978) Adaptado pela autora
116
Tabela 18 - Parâmetros Urbanísticos LUOS/1978
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do Solo. FJP (1978)
Tabela 19- Parâmetros Urbanísticos LUOS/2010
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do Solo. PMOB (2010)
As tabelas 17 e 18 são complementares e ao comparar os mapas de zoneamentos,
percebe-se que os setores propostos na LUOS/1978 são os norteadores para a LUOS/2010.
117
4.2.1 O Quadrante 1
Mapa 6 - Quadrante 1 – Mapa de zoneamento LUOS/1978
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo, FJP, 1978, adaptado pela autora
Mapa 7- Quadrante 1 – Mapa de zoneamento LUOS/2010
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. PMOB (2010)
Esses quadrantes mostram o Setor 17 e refere-se ao bairro Inconfidentes, cujo
zoneamento na LUOS/1978 era considerada ZR4 (zona residencial) e na LUOS/2010, ZAR4
(zona de adensamento restrito com maior índice de restrição). De acordo com a tabela 18, os
lotes que compõem a área variam de 360m² a 900m² e o coeficiente varia de 0,8 a 1,5
conforme o tipo de uso do solo como pode se analisar na tabela 17. Segundo a LUOS/2010 o
zoneamento acomoda coeficiente de aproveitamento igual a 1,5, salvo nas porções ZE2 (zona
especial) que são comuns a todos os bairros. Além disso, o uso residencial misto, institucional
e comercial tem ressalvas, restringindo-se a construções que estejam localizadas na avenida
LEGENDA
EXP. URBANA
ZAR1
ZAR2
ZAR3
ZAR4
ZC
ZE1
ZE2
ZEIS
ZI
ZIH
ZPAM1
ZPAM2
APP’s
ZR4
ZR3
ZR4 ZE3
ZE4
Inconfidentes
Inconfidentes
118
Mariza de Souza Mendes e na Avenida Cônego Luís Vieira da Silva, além de não poder
abrigar em seus limites, serviços regionais. Já o setor 19 que era de expansão urbana, na
LUOS/2010 é classificado como ZPAM2 (zona de proteção ambiental) e abriga o setor 19 e
parte do setor 17, onde era considerado ZR2 e ZR4 (zonas residenciais). O setor 16 na
LUOS/1978 abriga a função ZE4 com a ressalva de abrigar preferencialmente um complexo
desportivo, de lazer e também um complexo de educação técnica de nível profissionalizante e
universidades. Na LUOS/2010, o setor 16 passa a ser ZAR2 e não mais ZR4 como na
LUOS/1978. Com essa configuração, o bairro Inconfidentes se mantêm com parâmetros
urbanísticos mais restritivos de modo a conter o possível adensamento e verticalização das
edificações em função da sua localização com vista privilegiada para a Serra de Ouro Branco.
É interessante que se mantenha a paisagem natural da serra tombada pelo IEPHA-MG
(Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) em 1977 com a
justificativa de exuberância natural e proteção a fauna e flora que estava ameaçada com a
implantação do núcleo de Ouro Branco projetada para 180 mil habitantes. Isso contudo,
contribui para que o valor da terra em termos monetários seja mais elevado e acolha somente
uma parcela da população com faixa de renda compatível e prevaleça a mesma ótica do
planejamento urbano progressista proposto na década de 1970, sem diversificação de usos.
4.2.2 O Quadrante 2
Mapa 8 - Quadrante 2 – Mapa de zoneamento LUOS/1978
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978) Adaptado pela autora
ZE6
ZM2
ZM2
ZM2
ZE6
ZE6
ZM2 ZR3
ZM3 ZR1 ZR2
ZR2
Projeto Integração
Bairro Siderurgia Centro Histórico
119
Mapa 9 - Quadrante 2 – Mapa de zoneamento LUOS/2010
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. PMOB (2010).
Os quadrantes 2 na LUOS/1978 se comparada ao mesmo quadrante na LUOS/2010,
apresenta poucas alterações. Os setores 11, 12 e 18 que admitiam ZE6 na sua caracterização,
destinada à atividade agropecuária, tornou-se ZPAM1 e admite o coeficiente de
aproveitamento de 0,05%. O setor 10 (bairro Pioneiros) e parte do setor 4 (bairro Siderurgia)
na LUOS/1978 admitiam ZR3 em sua forma de uso e ocupação. A região ZM3 localizada
entre os bairros Siderurgia e o centro histórico compõem o setor 3 destinado a implantação do
“Projeto Integração”, mas como já dito foi abandonado pela a empresa e pelo Poder Público
após a privatização. Nesta área foi implantado na década de 1990 a Praça de Eventos que
possui na LUOS/2010, zoneamento especial 2. Na LUOS/2010, o setor 10 e 4 abrigam os
bairros supracitados e também o Minas Talco surgido na década de 1990 e se caracterizam
por admitir zoneamento ZAR3. A faixa correspondente ao “Projeto integração” admite ZAR2
e a região central que era considerada ZAR2 admite ZEIS na LUOS/2010, com uma pequena
porção destinada ao uso de função industrial e visa acolher empresas de pequeno e médio
porte. Parte do setor 9, na porção inferior esquerda do quadrante 2 que era ZR2 passa a ser
ZAR1.
Na LUOS/2010, ZAR1, ZAR2, ZAR3, ZAR4, ZC, ZIH e ZEIS admitem uso
residencial unifamiliar e multifamiliar, desde que respeitados os parâmetros urbanísticos
conforme a Tabela 19. Entretanto no caso específico da ZAR3, o uso de serviço regional é
proibido como também na ZE2, ZIH, ZPAM1, ZPAM2 e ZAR4. Já o uso institucional e
comercial intermediário e regional pode ser exclusivamente desenvolvido nas vias: Av.
Mariza Souza Mendes; Av. Intendente Câmara; Av. Frederico Varnhagem; Av. Barão de
Eschwege Av. Cônego Luiz Vieira da Silva e Av. João Monlevade. Os bairros Pioneiros e
LEGENDA
EXP. URBANA
ZAR1
ZAR2
ZAR3
ZAR4
ZC
ZE1
ZE2
ZEIS
ZI
ZIH
ZPAM1
ZPAM2
APP’s
Projeto Integração
Bairro Siderurgia Centro Histórico
120
Siderurgia ambos no setor 10 e 4 respectivamente, bem como o Inconfidentes, no setor 17 são
predominantemente de uso residencial e cabem às avenidas acolher o comércio intermediário.
Observa-se que o comércio sob a ótica do “planejamento privado” é limitado às avenidas
principais. O grande impasse é que é necessário percorrer distâncias consideráveis para
acessar as centralidades do bairro que acomodam as atividades comerciais e essa pouca
diversidade de usos implica na baixa apropriação pública do espaço64.
4.2.3 O Quadrante 3
Mapa 10 - Quadrante 3 – Mapa de zoneamento LUOS/1978
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978_. Adaptado pela autora
Mapa 11 - Quadrante 3 – Mapa de zoneamento LUOS/2010
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo, PMOB (2010)
64 O tópico 4.3 apontará esses impasses à luz dos referenciais teóricos expostos no capítulo 1.
ZE6
ZE6
ZE6
LEGENDA
EXP. URBANA
ZAR1
ZAR2
ZAR3
ZAR4
ZC
ZE1
ZE2
ZEIS
ZI
ZIH
ZPAM1
ZPAM2
APP’s
121
Os quadrantes 3 não admitiram mudanças no zoneamento. O setor 13 que era ZE6
com propulsão a agropecuária, tornou-se uma APP (área de preservação permanente),
caracterizada por uma RPPN (Reserva Particular de Patrimônio natural) visto sua
proximidade com a Serra de Ouro Branco e o interesse na preservação de sua vegetação densa
e cursos d’água. O setor 5 e 14 que também eram destinados a atividade agropecuária,
tornaram-se zona de expansão urbana e ZPAM2 respectivamente. A via de divisa entre o setor
5 e a RPPN é a MG129, com saída para o município de Ouro Preto. A Fazenda Pé do morro
existente desde o século XIX, tombada pelo IEPHA-MG em 2009 é hoje um hotel fazenda de
propriedade privada e está localizado no setor 5.
4.2.4 O Quadrante 4
Mapa 12 - Quadrante 4 – Mapa de zoneamento LUOS/1978
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978) Adaptado pela autora
Mapa 13 - Quadrante 4 – Mapa de zoneamento LUOS/2010
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. PMOB (2010)
ZE4
ZI
LEGENDA
EXP. URBANA
ZAR1
ZAR2
ZAR3
ZAR4
ZC
ZE1
ZE2
ZEIS
ZI
ZIH
ZPAM1
ZPAM2
APP’s
122
Os Quadrantes 4 expressam a área da siderúrgica com função industrial na
LUOS/1978 e se mantêm com os mesmos parâmetros na LUOS/2010. O setor 16 que era ZE4
passa a ser ZAR2 na LUOS/2010 e admite uma grande porção caracterizada por ZE2. Essa
porção destina-se a implantação de equipamentos institucionais de educação, religiosos, de
saúde, serviços de utilidade e sociais, bem como já era previsto na LUOS/1978.
4.2.5 O Quadrante 5
Mapa 14 - Quadrante 5 – Mapa de zoneamento LUOS/1978
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978). Alterado pela autora
Mapa 15 -Quadrante 5 – Mapa de zoneamento LUOS/2010
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. PMOB (2010)
ZR2
ZR2
ZE4
ZR1
ZM2
ZM2
ZM3
ZM3
ZR1
ZR2
ZR2
ZM3
ZE5
ZE5
ZE2
ZM3
ZE2
ZR2
ZM2
LEGENDA
EXP. URBANA
ZAR1
ZAR2
ZAR3
ZAR4
ZC
ZE1
ZE2
ZEIS
ZI
ZIH
ZPAM1
ZPAM2
APP’s
Bairro Primeiro de
Maio
Bairro Primeiro de
Maio Bairro São Francisco
Bairro São Francisco
123
Os quadrantes 5 abrange parte do setor 1 que é o centro histórico, o setor 2, 3, 7, 8 e 9.
O setor 1 conforme LUOS/1978 admite função residencial e uma faixa de ZE4 que
corresponde à Rua Santo Antônio que é e a porção de patrimônio histórico construído.
Na LUOS/2010, essa área passa a ser ZC e ZIH, respectivamente. A ZIH destina-se à
preservação do conjunto arquitetônico de valor histórico ao longo da Rua Santo Antônio, até a
Capela Mãe dos Homens, incluindo a Praça Santa Cruz e seu entorno. O setor 1 apresentou
alteração de ZR2 para ZEIS em boa parte da área. Isso pode ser justificado pela implantação
de bairros como o Luzia Augusta e Belvedere, construídos em regime de mutirão pelo Poder
público municipal no início da década de 1990. Conforme a tabela 19, ZC, ZIH e ZEIS tem
taxa de ocupação máxima de 70% e CA de2,5 na ZC e 1,5 nas áreas consideradas ZIH, ou
seja, é uma porção da área urbana que mais se pode ocupar o solo enquanto propriedade. Cabe
citar que a premissa básica é que as edificações não podem interferir nas visadas da praça, do
centro histórico e da Serra de Ouro Branco. Boa parte do comércio e serviços estão
concentradas nessa região, que não receberam um planejamento de vias largas e com
infraestrutura adequada como foi executado nos bairros urbanizados pela empresa. O Setor 2
de acordo com a LUOS/1978 que acolhia usos residencial e misto, na LUOS/2010 passou a
acolher uma pequena área de ZAR2, ZI de pequeno a médio porte, ZPAM e ZEIS. Esse setor
faz divisa com o setor 2 que também teve seu zoneamento basicamente assentado nos
parâmetros de ZEIS.
O Setor 3 que era ZR2 se mantém ZAR2, mas com os parâmetros urbanísticos
conforme descrito na tabela 19 e abriga ainda o Hospital Público do município – o HRC
(Hospital Municipal Raymundo Campos). Para essa atividade, uma porção é tida como ZE2.
O mesmo ocorre para o setor 9, onde concentra-se as instalações da FOB.O setor 7
acomodava-se as ZR1, ZE2,ZE4 e ZE5 conforme a tabela 18. Na LUOS/2010, o setor que
admite o bairro São Francisco65 passa a ter zoneamento ZEIS e uma porção dada como ZE2,
que prevê a implantação de equipamentos institucionais de educação, religiosos, de saúde,
65 Muitos relatos feitos por entrevistados que já residiam na cidade antes da implantação da empresa, os
funcionários da empresa e seus familiares, bem como membros do Poder Público e moradores do bairro São
Francisco apontam que o bairro surgiu após a retirada de seus funcionários dos alojamentos para a realocação
dos mesmos nas casas já prontas. O abandono desses alojamentos propulsionou uma ocupação por parte de
famílias de baixa renda que iam para o município em busca de emprego e não sendo contratados, ocupavam o
que lhes era permitido pela AÇOMINAS e pelo Poder público municipal. Numa ação conjunta da empresa e do
Poder Público foram construídas na década de 1990, casas populares a fim de substituir os alojamentos de
madeira. Parte dos entrevistados apontou que o bairro surgiu, além disso, como uma solução para a realocação
de famílias, em especial mulheres que ocupavam áreas próximas aos alojamentos de trabalhadores na parte
central da cidade, numa porção conhecida como “Rua da Lama”, a zona boêmia da cidade. Como a empresa não
via com bons olhos essa conduta, optou-se por realocar essas pessoas sem vínculos empregatícios para o que
hoje é o bairro São Francisco.
124
serviços de utilidade e sociais expressa por pequenas áreas em todo o mapa de zoneamento
como pode ser visto no mapa 5. O bairro São Francisco surgiu ainda em meados da década de
1980. Há relatos nas entrevistas que o bairro curiosamente surgiu a partir de uma ação da
empresa como uma solução para reacomodar pessoas que não tinham vínculos com a
empresa. O setor 8, onde está localizado o bairro Primeiro de Maio e Metalúrgicos, de acordo
com a LUOS/1978 possuía função basicamente residencial ZR2 e outras como ZM1,ZM2 e
ZE2. Na LUOS/2010, o setor admite o uso residencial ZAR2, com pequenas áreas destinadas
à ZE2 e ZPAM2.Nestes bairros as áreas consideradas ZPAM são de propriedade da
GERDAU Açominas.
4.2.6 O Quadrante 6
Mapa 16 - Quadrante 6 – Mapa de zoneamento LUOS/1978
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo. FJP (1978). Adaptado pela autora
Mapa 17 - Quadrante 6 – Mapa de zoneamento LUOS/2010
Fonte: Lei de Uso e Ocupação do solo, PMOB, 2010
LEGENDA
EXP. URBANA
ZAR1
ZAR2
ZAR3
ZAR4
ZC
ZE1
ZE2
ZEIS
ZI
ZIH
ZPAM1
ZPAM2
APP’s
ZE6 ZE6
125
Por fim os quadrantes 6 que acomodam os setores 6 e 15, compõem a zona de
expansão urbana do município conforme a LUOS/1978 cujos parâmetros urbanísticos estão
fixados na tabela 17. Na LUOS/2010 o setor 6 se mantêm como tal e o setor 15 admite a
função ZPAM2.
A LUOS/1978 e a LUOS/2010 mantêm-se em sua integralidade a divisão da cidade
feita por setorização, comum em projetos urbanísticos progressistas e é o recurso usual nas
leis de uso e ocupação do solo dos municípios brasileiros.
Os bairros implantados pela empresa (Siderurgia, Pioneiros, Primeiro de Maio e
Inconfidentes) apresentam poucas alterações que se dão estruturalmente nos parâmetros
urbanísticos e podem ser comparados nas tabelas 17, 18 e 19 desta seção. Uma das hipóteses é
que os terrenos que circundam esses bairros são de propriedade da Gerdau Açominas e após a
privatização, não coube mais a empresa, a participação na gestão urbana municipal e somente
o Poder público municipal possui recursos para que esses terrenos cumpram sua função
social. Os parâmetros urbanísticos sofreram alterações como a elevação no coeficiente de
aproveitamento, ou seja, a quantidade máxima de metros quadrados que podem ser
construídos num lote, somando-se as áreas de todos os pavimentos, logo, os lotes dispõem de
maiores taxas de ocupação e coeficientes de aproveitamento, para maior utilização da
propriedade.
Nesse viés, cabe ao Poder Público a prerrogativa de solucionar esses impasses para o
desenvolvimento da cidade e uma das possibilidades, é gerir os espaços conforme as
necessidades da população por meio de readequações na legislação urbana.
Ouro Branco possui de fato, muitos problemas decorrentes da segregação
socioespacial imposta pela concepção de bairros autônomos, projetados de acordo com as
categorias hierárquicas dos funcionários dentro da empresa AÇOMINAS S/A e distantes entre
si. Contudo, essa forma de organizar o espaço foi entendida como positiva pelo Poder público
municipal e os principais agentes imobiliários ao passo de que foi replicada e incorporada
pelos mesmos no processo de desenvolvimento urbano, possivelmente pelas qualidades que
essa sistematização impele a cidade. Pode-se observar esse fato na organização dos bairros
Belvedere, Luzia Augusta, Alto Chalé, Amália Rodrigues e Nova Serrana nos setores 1 e 2
que foram construídos pelo Poder Público e/ou por proprietários dos loteamentos.
Observa-se que a descentralização dos bairros fez com que a cidade não se
desenvolvesse a partir de um único núcleo central, como ocorre em geral nas cidades que se
desenvolvem de forma “natural” conforme Alexander (1967). Entretanto uma centralidade e
sobressaiu em relação aos outros, certamente em virtude de sua localização e seus usos que é
126
o caso da Avenida Mariza de Souza Mendes (disposta no quadrante 2 e que conecta os bairros
Siderurgia, Pioneiros e Inconfidentes). Essa via além de ser bem dimensionada e plana em
grande parte, acomoda vagas de estacionamentos públicos e é dotada de diversos usos como
comércios, residências e serviços. O município apresenta duas importantes centralidades, que
é a Avenida Mariza de Souza Mendes e a “cidade antiga” (centro da cidade localizado no
setor 1). Supõe-se que esta descentralização ou “polinucleação periférica” pode ter inibido
uma afirmação maior do centro histórico como área de atração de pessoas e de atividades
comerciais e por outro lado, estimulado uma estrutura comercial e de serviços na Avenida
Mariza de Souza Mendes. A região central do município admite diversos usos, porque além
de serviços, acomoda residências, comércios, os bancos do município e os prédios da PMOB
e CMOB. Entretanto, as vias dessa porção não receberam planejamento urbano ou
intervenções por parte da AÇOMINAS na década de 1970, logo, estacionamento em vias
públicas, por exemplo, são escassos e como é uma área distante dos bairros planejados, o uso
do carro é essencial e por isso, há uma preferência maior ao comércio disponível na Avenida
Mariza de Souza Mendes.
As maiores alterações ocorridas na formatação da LUOS/2010 são nos bairros
construídos pelo Poder Público em caráter de mutirão. O zoneamento proposto em 1978
considerava ZR2 e em 2010 foi alterado para ZEIS. Essas áreas conforme o PD/2007, são
destinadas a programas de habitação social e necessitam de critérios especiais de
parcelamento, uso e ocupação do solo. Conforme a tabela 19, as ZEIS admitem 1,5 de
coeficiente de aproveitamento para lotes com até 250m² e 2,5 para lotes com área superior a
250m². Os bairros planejados pela Açominas, no entanto, não apresentaram grandes alterações
de expansão ou afins, reduzindo-se somente a uma nova denominação de zoneamentos. Uma
das possíveis explicações é a participação popular na discussão em torno do Plano Diretor em
2007. Conforme a tabela 16, a maior participação popular foi entre os munícipes dos bairros
Centro, Luzia Augusta, Belvedere, Amália Rodrigues, Vale do Engenho, Alto do Chalé, Nova
Serrana, Dom Orione e Novo Horizonte, todos localizados na região central, onde a empresa
não teve participação na implantação de infraestrutura. A tabela mostra também que os
demais bairros tiveram menor participação popular, se comparado com a população total
residente nos mesmos. No tópico a seguir a discussão é voltada para os impactos urbanos que
essa organização espacial proposta na década de 1970 e mantida na LUOS/2010 transpõe para
o espaço urbano, apoiando-se, sobretudo, nas críticas ao urbanismo progressista.
127
4.3 Os impactos urbanos oriundos do plano urbanístico progressista implantado em
Ouro Branco em 1978 e a função social da propriedade
Como já exposto, as cidades que receberam indústrias como João Monlevade,
Ipatinga, Itabira, Ouro Branco e tantas outras no território brasileiro, tiveram sua economia e
infraestrutura urbana atreladas à instalação da empresa. Contudo, algumas das premissas dos
projetos urbanísticos são consideradas hoje, impasses urbanos. Várias são as interpretações
possíveis: seja pelas teorias progressistas aplicadas na formatação do projeto, pelas políticas
de governo adotadas no país principalmente no início da década de 1990 o que culminou em
inúmeras privatizações e consequente alteração na visão e missão da empresa66 e/ou pelos
vínculos que a população e o poder público municipal principalmente, mantêm com a mesma.
Neste ponto, Ottoni (1996) relaciona as cidades “mono-industriais” ou cidades-
empresa, ou seja, aquelas que tiveram sua economia e sua estruturação urbana impulsionadas
pela implantação de uma indústria à teoria de Ebenezer Howard no que se aplica a modulação
das cidades-jardins (cidades autossuficientes em meio à natureza) e explana que “[...] o campo
é o lugar privilegiado para a instalação de cidades equilibradas, [...] por isso, empresários
esclarecidos instalam suas fábricas com unidade de moradia, formando comunidades junto ao
campo [...]” (OTTONI, 1996, p. 39).
Fundamentalmente, as cidades que receberam a implantação de um plano urbanístico
progressista proposto e executado por uma empresa, apresentam em sua totalidade, cuidados
sanitários relacionados à cidade e retomam os princípios amparados pelos conceitos e
proposições de Ebenezer Howard, Tony Garnier e Le Corbusier, conforme exposto na seção
1.2. Além disso, essas cidades se apresentam com um espaço altamente segregado conforme
as classes que são separadas conforme a perspectiva econômica. Os bairros (setores) de Ouro
Branco são distantes entre si e há uma divisão entre os que não possuíam vínculos
empregatícios com a empresa (moradores da região central da cidade) e os que mantinham um
trabalho formal com a mesma (moradores da área planejada da cidade). Em torno daqueles
que mantinham vínculos, há uma nova divisão, cujo agrupamento se dá em virtude do
trabalho desempenhado na empresa e consequentemente do cargo ocupado e a renda.
Após a privatização da AÇOMINAS S/A em 1993, percebe-se através das entrevistas
que houve um deslocamento dos indivíduos entre os bairros da cidade, com fixação de
66 A seção 3.2 situa a história da empresa AÇOMINAS S/A enquanto estatal e elucida o processo de privatização
da empresa, passando para Mendes Júnior/Açominas (fusão econômica) no ano de 1992 e mais tarde sendo
incorporada pelo grupo GERDAU. A seção ainda traz a discussão de como essa transição impactou o espaço à
medida em que a empresa privada não manteve os vínculos com o Plano de Desenvolvimento Urbano – PDU, o
que cabe agora ao poder público municipal, exclusivamente.
128
moradia em bairros diferentes daqueles que ocupavam antes da privatização da empresa. As
entrevistas apontaram que houve um maior fluxo em direção ao centro da cidade por parte dos
moradores do bairro Primeiro de Maio e vice-versa. Os entrevistados apontaram dois fatores
que justificam essa transição. O primeiro fator é em função da distância do bairro Primeiro de
Maio em relação ao centro. Alguns entrevistados do bairro Primeiro de Maio apontaram que
agora que são aposentados da AÇOMINAS S/A mudaram para o centro em virtude da
existência de maior comércio e serviços. Os moradores do centro e dos bairros centrais
afirmaram que o fluxo em direção ao bairro Primeiro de Maio se deu em virtude do valor do
m², o que os possibilitou adquirir um imóvel. Nos outros bairros planejados pela empresa na
década de 1970, como o Siderurgia e Pioneiros, percebe-se dentre os entrevistados que a
maior alteração foi a fixação de moradia por parte dos estudantes da UFSJ (campus
engenharia) implantado no município em 2007 no prédio que era instalado o escritório central
da empresa. Os estudantes narram que a escolha do bairro se deu em função da proximidade
com a Avenida Mariza de Souza Mendes que possui comércio, serviços e é o lugar de
encontro dos jovens residentes no município. Além disso, é nesta avenida que o ônibus
universitário transita, pois a universidade é localizada fora da área urbana da cidade.
Ouro Branco, bem como Ipatinga, Itabira e tantas cidades-empresa receberam forte
influência do urbanismo progressista. No caso de Ouro Branco, o planejamento urbano
implantado pela FJP em 1978 para o município tinha a USIMINAS como consultora que por
sua vez já havia implantado décadas antes em Ipatinga um modelo de vila-operária cujo
arquiteto responsável - Raphael Hardy Filho se ateve às teorias progressistas para a concepção
da área planejada de Ipatinga, uma vez que se orientou segundo “[...] um complexo de
parâmetros ou cânones de medidas adequadamente estabelecidos de forma a permitir e
proteger o desenvolvimento da vida e do progresso humano.” (1965, p.6). De forma
semelhante é a alegação da FJP para o plano urbanístico de Ouro Branco, onde “o maior
objetivo do plano diante da perspectiva de planejar uma nova cidade é, naturalmente, o de
criar um espaço urbano agradáve1, acolhedor e de boa convivência para Ouro Branco.” (1978,
p.16).Essas duas afirmações podem ser associadas à crítica de Cabral (2003), na qual os
projetos progressistas para as cidades admitem o homem como uma massa uniforme, ou seja,
os urbanistas progressistas entendem que todos os homens possuem as mesmas necessidades e
vivem segundo um padrão de comportamento social sob a mesma conduta dos demais. Nesse
entendimento, os arquitetos progressistas traduzem para o espaço a própria interpretação do
que julgam ser o ideal. Goytisolo (1977) rebate a intenção dos arquitetos progressistas e
critica-os sob a argumentação que esse “ideal tecnocrático” imposto ao espaço é prejudicial à
129
vida urbana pelo fato de segregarem o meio e os indivíduos a tal ponto que cria-se
agrupamentos isolados com uma identidade particular, sem margem alguma para a
diversidade cultural.
Como exposto na seção anterior, os estudos sociais feitos pela FIP apontam que o
problema mais grave na concepção dos moradores da comunidade presentes na elaboração do
Plano Diretor, é a infraestrutura urbana. Na visão dos moradores é o ponto mais negativo do
município, tendo 12% dos votos, seguido pela saúde com 10% dos votos, a falta de estruturas
para o lazer e o esporte em terceiro lugar com 9,7%, a segurança pública com 6,5% dos votos,
a falta de mobilidade urbana com 6,2% e a falta de oportunidades para os jovens com 3,7%.
Por outro lado, a qualidade de vida foi levantada como o ponto positivo de Ouro Branco com
16,4%. Segundo o relatório, a falta de estruturas de lazer e esporte, a segurança pública e a
mobilidade urbana podem estar intimamente relacionadas ao planejamento urbano.
Segundo a instituição, as comunidades da região central tiveram maior presença nas
discussões em torno da elaboração do Plano Diretor e, portanto, alerta que essa situação
permite que a opinião dessas comunidades tenha um peso maior nas discussões. Cabe
salientar que são essas comunidades representam em geral, os moradores da “cidade-antiga” e
durante as entrevistas, alguns dos entrevistados residentes nos bairros planejados apontaram
como um dos possíveis motivos para a não participação, o seguinte:
[...] Infelizmente nós sabemos quais são os interesses que prevalecem: o político que
adquire terras da Gerdau de forma inexplicável, o político que tem um monte de
terreno de especulação imobiliária como é o Soledade, a própria Gerdau que
emprega meus filhos, esse monte de corretores imobiliários aqui na cidade [...] a
gente tem que participar e exercer a cidadania, mas ter voz aqui é perigoso, reclamar
do preço de terrenos, questionar esses lotes vazios [...]”. (Entrevistado 14, Entrevista
concedida em 25/01/2018).
Nesse viés, objetiva-se contrapor o planejamento urbano proposto pela FJP em 1978
frente aos principais problemas que o município enfrenta, muitos oriundos inclusive pela
formatação do plano urbanístico proposto e pelas forças de interesse que operam sobre a
propriedade.
Do ponto de vista demográfico de acordo com a tabela 20, a população em 1990 era
menos de 30.000 habitantes e em 2010 alcançou a margem de 35.268 habitantes. A análise
desses dados confronta a previsão do planejamento urbano feito pelo PDU cujo intuito era
alcançar 60.000 habitantes em 1985 e vinte anos após, 180.000 habitantes, ou seja, mais de 4
vezes a população atual67. O programa não foi atingido nem em termos demográficos, nem
espaciais, uma vez que as áreas consideradas de expansão urbana na LUOS/1978(setores
67 A população total estimada pelo IBGE em 2018 era de 39.121 habitantes.
130
5,6,11,12,13,14,15,18 e 19) mantêm-se desocupadas e vazias, ainda que tenham parâmetros
urbanísticos padronizados.
Tabela 20 - População de Ouro Branco de acordo com os Censos de 1970 a 2010
Município Situação
domicílio
População Residente
1970 1980 1990 2000 2010
Ouro Branco
Total 6.329 12.210 27.423 30.383 35.268
Urbana 2.415 8.399 23.631 26.303 31.609
Rural 3.914 3.811 3.792 4.080 3.659
Fonte: Tabela 202 – População residente e situação do domicílio. SIDRA/IBGE
Em relação à Serra de Ouro Branco, que, em 1977 foi tombada pelo IEPHA, foi
mantida a área com a mesma função no Plano Diretor de 2007 que possuía no PDU/1978.
Atualmente a área engloba o Parque Estadual da serra de Ouro Branco (PESOB), criado em
21 de setembro de 2009 e possui7.520,7888 hectares. O Parque apresenta em seu perímetro
nenhuma atividade de lazer ou turismo como pretendido no Plano Diretor Municipal. De
acordo com a PMOB, por se tratar de um Parque Estadual, cabe ao governo do Estado de
Minas Gerais elaborar um plano turístico e implementar atividades. A ação de desenvolver o
turismo a partir da Serra de Ouro Branco é uma das prováveis formas de reinventar a
economia no município, gerar empregos e renda para a cidade, uma vez que os dois maiores
empregadores são a prefeitura municipal e a GERDAU Açominas. Cabe citar que as empresas
terceirizadas que prestam serviços para a GERDAU, em geral deslocam seus funcionários em
direção a Ouro Branco e não contratam trabalhadores que residem no município, sob a
argumentação que a mão-de-obra disponível na cidade não é especializada. Entretanto, há na
cidade um campus IFMG que oferta cursos técnicos inclusive de metalurgia e o campus de
engenharia da UFSJ é também localizado no município. Outra possível forma de gerar
empregos é qualificar a mão-de-obra para exercer as atividades que hoje são contratadas pela
Gerdau a empresas terceirizadas.
Em relação ao centro histórico, o planejamento urbanístico proposto não considerou o
espaço existente anterior à instalação da empresa de modo que as “rugosidades”, enquanto
estruturas que expressam a herança socioespacial nas cidades conforme Santos (2004) e que
Castells (1973) denomina “formas ecológicas,” foram mantidas locadas em um único setor e
são visivelmente diferente das áreas planejadas pela AÇOMINAS S/A. As áreas planejadas
pela empresa não foram construídas a partir do centro histórico, porém a mesma interveio no
131
centro da cidade na medida em que definiu os modelos de assentamento permitidos para o
setor 1, bem como os parâmetros urbanísticos conforme exposto nas tabelas 17 e 1868.
As ruas no centro histórico ou “cidade antiga” possuem traçado orgânico, enquanto
que nas áreas planejadas o traçado das vias é linear ou radial, de modo a explicitar o caráter
racional do planejamento urbano. Cabe reter a informação de que os bairros construídos pelo
Poder público municipal em meados da década de 1990 se assemelham às áreas planejadas
pela empresa na década de 1970, supostamente pelo apreço à organização que sugere o
urbanismo progressista.
Segundo Choay (1992), tanto Le Corbusier como os urbanistas progressistas em geral,
exprimiam em seus projetos uma completa aversão a organicidade dos espaços, pois “a
grande cidade, fenômeno de força em movimento, é hoje uma catástrofe ameaçadora, por não
ter sido mais animada por um espírito de geometria” (1992, p.184). Segundo os princípios do
urbanismo progressista:
É tempo de repudiar o traçado atual de nossas cidades, em virtude do qual se
acumulam os imóveis, se enlaçam as ruas estreitas repletas de barulho, de cheiro de
gasolina e de poeira e de onde cada andar abre de par em par suas janelas para essas
sujeiras. As grandes cidades tornaram-se densas demais para a segurança dos
habitantes; no entanto não são densas o bastante para responder a realidade nova
“dos negócios” (CHOAY,1992, p.188).
Os urbanistas progressistas acreditavam que para o homem-padrão cuja economia
estava baseada na industrialização deveria existir uma nova cidade tão funcional e organizada
quanto uma indústria. Lefebvre (1972) é crítico dessa concepção ao passo que o sistema
capitalista comum à industrialização, rompe a trajetória histórica do homem e sua utilização
do espaço de forma natural recusando a própria cidade e seu legado além de imputar ao meio,
um ambiente construído com caráter artificial. Em Lefebvre (1969) há um entendimento de
que a organização espacial conforme o urbanismo progressista é uma agressão ao homem e
sua construção histórica.
A decisão de não ramificar a área planejada a partir da “cidade antiga” ocasionou a
aparição de duas centralidades espaciais que dividem claramente quem são os moradores
naturais da cidade e os que foram atraídos em função da instalação da empresa. Em Goffman
(1963) é possível correlacionar a estigmatização em função da segregação de classes e
diferenças entre os indivíduos a partir da desfiguração da identidade social. As entrevistas
realizadas demonstram que os munícipes que já moravam na cidade antes da implantação da
empresa, retiveram o sentimento de pertencimento, uma vez que o projeto urbanístico não os
contemplava como integrantes existentes na cidade no primeiro momento e só depois de
68 Ver os parâmetros urbanísticos nas tabelas 17 e 18, páginas 116 e 117, respectivamente.
132
alguns anos, após o início da implantação da empresa, é que o Poder público municipal
através de isenção de IPTU, recebeu em contrapartida benfeitorias na infraestrutura urbana no
centro histórico.
[...] Quando a Açominas chegou foi como se tivesse caído uma bomba na cidade.
Tinha gente demais chegando todos os dias e a gente já não se via como morador
mais não. Depois da missa de domingo na matriz, a gente se reunia na praça para
conversar ou comprar as comidas da semana no armazém ou assistir a Congada.
Depois que a usina chegou, a praça só dava lugar para aquele tanto de homem e o
armazém ficou caro, a Congada foi sendo esquecida e a gente foi ficando em casa. A
gente não cabia na cidade [...] A festa da batata que era tradicional, foi mantida, mas
nunca mais foi a mesma, porque a gente não participa mais nem do preparo das
comidas, que hoje nem tem .(Entrevistado 17. Entrevista concedida em 10/02.2018).
[...] Pior que a usina ter chegado aqui na nossa terra, foi nunca ter visto “nós.” Isso
mexeu com o brio da gente, com a história do nosso povo e as pessoas foram
morrendo de amargura. A usina só conversava com o prefeito [...] e com quem tinha
comércio, porque os funcionários podiam comprar fiado para pagar no pagamento e
a gente, nem isso podia mais. Foi um tempo muito difícil pra nossa gente.
(Entrevistado 11. Entrevista concedida em 21/04.2018).
O vínculo empregatício criado entre a empresa e os trabalhadores reproduziu na esfera
da moradia e da sociabilidade, a segregação e as relações de poder existentes nas relações de
trabalho dentro da empresa. Santos (2004) afirma que o ambiente construído de forma
“artificial” como também remete Alexander (1967), é subordinado à ótica do modo de
produção vigente e nesse sentido, o espaço é expresso pelos recursos de territorialidade que
no sistema de produção capitalista, remete ao status de poder que tende a silenciar as
tradições, o passado e a história. No município os bairros que abrigavam os trabalhadores da
empresa foram projetados segundo a renda da população, o que na prática significou uma
segregação por categoria funcional já que tratava-se, de fato, de um único empregador – a
AÇOMINAS S/A e os trabalhadores foram divididos conforme a renda que consequentemente
fundamentava sua localização de moradia segundo a hierarquia do processo de produção. Esse
caráter de segregação socio-funcional e a intervenção da empresa enquanto estatal na vida
privada do trabalhador, foi relatada por parte dos entrevistados como um dos fatores
psicológicos mais danosos em virtude da submissão dos mesmos à empresa, o temor pelo
desemprego e a relação distante entre os outros trabalhadores que ocupavam cargos superiores
na hierarquia da empresa. Segundo Lefebvre (2006) a hierarquia do processo de produção é
refletida no espaço a fim de reproduzir na esfera urbana, uma extensão hierárquica. Piquet
(1998) acrescenta que essa reprodução das relações sociais existentes na empresa para a vida
citadina tende a unificar a empresa e a cidade dentro de uma mesma estrutura, inclusive de
interdependência. Logo, a “cidade-empresa” retrata além de um desenvolvimento da cidade a
partir da implantação de uma empresa, é, sobretudo, um estado de condição relacional entre
133
indivíduos e empresa, numa lógica de dependência mútua ao passo de que a empresa necessita
de mão-de-obra e os trabalhadores necessitam de um trabalho. Como a cidade se vincula
basicamente a dois empregadores – prefeitura e atual GERDAU Açominas, o elo é
preservado.
[...] A Açominas nunca foi só a Usina. Era a usina, os bairros e os funcionários.
Tudo o que acontecia na casa da gente, briga de marido e mulher, filho repetindo o
ano da escola e tudo o que se pode imaginar de uma vida íntima, a Açominas sabia.
O supervisor da área quando sabia as fofocas da rádio patrulha chamava o
funcionário e levava ele para uma reunião na sala como um jeito de intervir na vida
íntima e até deixava transparecer que aquilo poderia ser motivo para mandar a gente
embora. Quando era muito grave de acordo com os olhos da usina e da chefia, eles
encaminhavam a gente para um médico psiquiatra que atendia a gente lá mesmo. O
que acontecia dentro de casa, nos bairros da empresa era como se acontecesse dentro
dos portões da Açominas. Era uma coisa só. A gente nem sabia o que era ter vida
social porque ou você estava dentro da usina ou indo trabalhar ou de folga dormindo
para trabalhar no próximo turno. Roupa? Era o uniforme quase 24 horas do dia.
Festa de escola dos filhos? Só se a gente trocasse de letra, né, no turno. O assunto
era Açominas e a vida se resumia só nisso. “Cada macaco no seu galho”. O que
acontecia no Primeiro de Maio era problema da usina e o que acontecia no
Inconfidentes também, mas nenhum morador se metia na vida de outro de bairro
diferente e ninguém se metia com a Açominas também não. Se o chefe da área
quisesse que você trabalhasse em turnos seguidos, você só não ia se tivesse
internado na FOB. A gente ia pra usina e ficava dias as vezes sem ver os filhos da
gente, a mulher...a usina ajudou até a gente que era trabalhador na época a comprar
uma linha telefônica na TELEMIG para os chefes ligarem pra gente quando era pra
dobrar ou se tivesse algum problema na “área” ou pra gente avisar a esposa que não
voltaria pra casa naquele dia, porque tinha que dobrar o turno. [...] Você podia até
ter amigos supervisores, mas sem muita intimidade porque tinha que ter uma
distância, um respeito porque ele era chefe. [...] Se você fosse mandado embora
podia juntar sua mulher, seus filhos e suas tralhas e se mudar daqui, porque não te
empregavam nem num cargo menor, com salário menor e não tinha mais nada na
cidade de emprego, sem contar que ninguém mais falava com você porque tinham
medo de ficarem desempregados também. Os filhos da gente só podiam estudar nas
escolas da empresa e namorar só gente dos bairros. Isso não era um contrato escrito,
era uma força que pairava na cabeça da gente. Era aquele ditado: “me diga onde
moras, que eu direi quem é”. Morar aqui no bairro, seu pai lembra que tinha um
peso e morar no Inconfidentes era outro peso. O sonho da gente era ter salário maior
para poder mudar e morar perto de onde tinha comércio, mas nem sei, porque o
bairro lá não cabia a gente mesmo se a gente tivesse dinheiro. Quem decidia era a
Açominas de acordo com seu salário. Os pobres “chão de fábrica” ficaram aqui no
Primeiro de Maio. Isso só mudou com a Gerdau, que tem outra forma de trabalhar
né... não pensa muito na cidade mais e nem na qualidade de vida da gente. Quem
aposentou, aposentou. Quem não aposentou, vive essa outra fase de agora
né?[...]”(Entrevistado 11. Entrevista concedida em 21/05/2018)
Curiosamente nas entrevistas realizadas nessa pesquisa, muitos dos moradores que
residiam nos bairros planejados pela empresa não se sentiam moradores do município de Ouro
Branco e era comum dizer “vou a Ouro Branco”, referenciando-se ao fato de ir à área central
e histórica do município - a região que a empresa não interveio espacialmente no primeiro
momento e nem a englobou no projeto inicial. Isso ressalta a dificuldade dos migrantes que
foram atraídos pela oportunidade de trabalho na AÇOMINAS S/A de se identificarem como
moradores do município enquanto um todo. Alguns chegaram a relatar nas entrevistas que era
134
como se existisse “duas cidades”, o centro histórico que estava interligado ao Poder público
municipal e a área planejada interligada à empresa.
Os não funcionários da empresa, portanto os estigmatizados, não tinham acesso por
exemplo a infraestrutura urbana e aos equipamentos e serviços geridos e criados pela
AÇOMINAS S/A. O sentimento que muitos dos entrevistados demonstram é que ainda é viva
e latente essa separação dos indivíduos conforme a classe e que assola as relações sociais no
município. Observa-se que até o relatório da FIP conforme a tabela 16, demarca qual o grupo
de munícipes que estiveram presentes nos debates da elaboração do Plano Diretor. Isso pode
ser correlacionado a visão da empresa, cujo capitalismo propulsionado por multinacionais
como é o caso do grupo GERDAU, se apoia na junção de matérias-primas disponíveis e mão-
de-obra barata, que em consequência, gera a maior acumulação de capital e a demanda por
investimentos cada vez maiores e mais rentáveis e não possui mais como prerrogativa a
participação na produção do espaço.
[...] É como se a gente que morasse aqui no centro ficasse só aqui e os moradores no
bairro só no bairro. Eles vinham aqui para fazer compras e usar os bancos e a gente
nunca nem ia lá, porque quase não tinha comércio nos bairros e a gente não conhecia
ninguém. Eles não se identificavam com a gente e com a cultura da gente e nem a
gente com as deles, porque cada um era de um canto desse país. [...] Pareciam duas
cidades diferentes [...] Eu vim morar no Belvedere em 2000 quando comprei minha
casa. Antes eu morava no centro, no fundo da casa dos meus pais, mas preferi
Belvedere porque dá pra ir a pé pro centro. O que eu tinha de dinheiro só dava pra
comprar no Primeiro de Maio que é longe demais [...] por muito tempo a gente nem
tinha amizade com as pessoas dos bairros e isso só começou a acontecer depois da
privatização, com as redes sociais [...] A Gerdau não interfere diretamente na cidade
mais como antes, mas como a prefeitura e a gente depende dela, sabemos bem que
os desejos dela é que prevalecem.” (Entrevistado 27. Entrevista concedida em
19/01.2018).
Muitos dos princípios do urbanismo progressista são percebidos em Ouro Branco: os
zoneamentos propostos por Ebenezer Howard expostos na seção 1.2, que divide as cidades
segundo funções muito específicas e sem grandes possibilidades de diversidade de usos,
conforme exposto no PDU/1978 e mantidos na Lei de uso e ocupação do solo executado pela
Fundação Israel Pinheiro em 2010; a tipologia das quadras dimensionadas, das unidades
residenciais, institucionais e fabris onde a metalúrgica é a indústria principal na cidade
industrial proposta por Tony Garnier e na organização do espaço segundo as funções de
habitação-trabalho-recreação-circulação propostas na Carta de Atenas por Le Corbusier.
Como exposto anteriormente por Mendonça (2006) estes mesmos princípios foram inseridos
no plano urbanístico de Ipatinga, proposto por Rafael Hardy Filho.
Em relação à forma urbana, os zoneamentos propostos por Howard na cidade-jardim e
Le Corbusier na Carta de Atenas, propõe a demarcação dos espaços conforme as funções e
135
atividades desempenhadas. Em Ouro Branco, a LUOS/1978 e a LUOS/2010 mantêm essa
formatação espacial que se garante através dos parâmetros urbanísticos.
Conforme a seção 4.1, a AÇOMINAS S/A promoveu a implantação das habitações de
modo a abrigar os funcionários da empresa conforme a atividade desempenhada na mesma e
dividiu as unidades de vizinhança 69 em setores de acordo com a renda de cada núcleo
familiar. Segundo Monte-Mór (2004, p. 36), “o espaço urbano produzido pela indústria
mineira apresenta maior rigidez e controle pois é uma extensão do espaço da produção da
fábrica/usina”. O que na Carta de Atenas de Le Corbusier foi apenas uma correlação entre
trabalho eficiente e cidade eficiente, em Ouro Branco foi um fato concretizado, uma vez que o
espaço construído realmente obedece a esse raciocínio.
As unidades de vizinhança ou setores foram projetadas de acordo com os números de
produção almejados a médio e longo prazo, ou seja, o dimensionamento dos setores se baseou
no número de operários, nas moradias necessárias para acolher os funcionários e seus entes,
bem como na infraestrutura necessária. Por esse motivo os bairros em Ouro Branco são
superdimensionados em virtude dos números de produção que a empresa almejava em
produzir no futuro. Quanto maior a produção, maior a necessidade de áreas urbanas para
acomodar seus funcionários. As cidades-jardim e a cidade-industrial propostas por Ebenezer
Howard e Tony Garnier, respectivamente, demarcam as áreas segundo as funções
estabelecidas, distantes umas das outras justamente para que cada setor pudesse crescer de
forma independente sem romper os limites do seu zoneamento. Isso corrobora para que como
exposto por Lefebvre (2006), cada classe ocupe apenas a área designada para a fixação do
trabalhador conforme a renda e as atividades desempenhadas na empresa. O autor ainda
acrescenta que essa forma de organização contribui para que exista um maior controle da
mão-de-obra (indivíduos) por parte da empresa. Contudo, os espaços vazios em torno dos
bairros, principalmente os planejados pela empresa, representam a possibilidade de
crescimento conforme as necessidade de fixação de trabalhadores no espaço a medida que a
empresa expandir e necessitar de mais operários para a produção, mas são também, vazios
urbanos, pois além de serem dotados de infraestrutura já implantada, são bens patrimoniais da
empresa e instrumentos de especulação imobiliária. Lefebvre (2001) e Castells (1983)
abordam a propriedade privada como uma mercadoria no capitalismo e, portanto, admite
valor de troca.
69 Unidades de vizinhança conforme o PDU/1978 é um setor que abrange as unidades residenciais em torno de,
no mínimo, um estabelecimento de ensino primário, além de outros equipamentos que polarizam a vida social de
1000 a 1200 famílias.
136
Essa configuração racional que aspira a princípio a organização espacial transpõe para
o espaço a demarcação dos usos permitidos sem possibilidades de diversificação dos mesmos.
Observa-se, por exemplo, que somente as vias classificadas como coletoras e arteriais
acolhem usos comerciais e de serviços como é o caso da Avenida Mariza de Souza Mendes
(área planejada) e a rua da Lavoura e rua Santo Antônio (centro histórico), conforme as
figuras a seguir70.
Figura 12 – Avenida Mariza de Souza Mendes
Fonte: Arquivo particular da autora (2018)
Lefebvre apresenta críticas aos zoneamentos propostos nos planos urbanísticos
progressistas, principalmente porque a “suburbanização é o princípio da descentralização da
cidade” (1969, p.37).
Figura 13 – Rua da Lavoura Figura 14 – Rua Santo Antônio
Fonte: Arquivo particular da autora (2018)
70 Conforme o Plano Diretor municipal de 2007, as vias locais são as vias que permitem tráfego de veículos no
máximo a 30km/h e são residenciais exclusivamente. As vias coletoras admitem fluxos de veículos a 40km/h e
coletam o flux das vias locais e deságuam em vias arteriais e/ou de trânsito rápido. As vias arteriais admitem
fluxo de veículos a 60km/h e interligam os bairros urbanos. As vias de trânsito rápido admitem fluxo de veículos
a 80km/h e correspondem as vias de entrada e saída do território.
137
Jacobs (2011, p. 179) por sua vez discorre que a produção urbana progressista é hostil
ao espaço, uma vez que a “ação descentralizadora dos zoneamentos é a responsável pela
destruição da urbanidade”. A autora ainda acrescenta que os usos precisam estar associados
de forma combinada para que o espaço tenha à disposição, a diversidade que é tão necessária
à manutenção da vida urbana. Os zoneamentos e os usos direcionados representam para as
cidades “novos problemas de estagnação, um subproduto impensado da imposição de novos
sonhos” (2011, p. 185).
Analisa-se o bairro Primeiro de Maio, por exemplo: é o bairro mais distante das duas
centralidades comerciais dentre os bairros projetados pela AÇOMINAS S/A e sua população
era basicamente composta por operários. Segundo Lefebvre (1969, p.22), “afastado dos locais
de produção, disponível para empresas esparsas a partir de um setor de habitat, o proletariado
deixará de esfumar em sua consciência a capacidade criadora. A consciência urbana vai se
dissipar”. Com a privatização, a GERDAU AÇOMINAS teve seu quadro de funcionários
reduzidos, porém ainda é uma das características do setor 8, acolher a classe com menor
renda; isso devido à localização, a deficiente mobilidade e o valor dos aluguéis dos imóveis.
[...] Então...não tem jeito: a renda ainda é um divisor de águas sobre quem ocupa e
onde mora na cidade. Tem um lema aqui na cidade: “me diga onde moras, que eu
direi quem és”. [...] Trabalho com o mercado imobiliário há 28 anos aqui na cidade e
é simples: se a pessoa tem renda ela prefere morar na Avenida Mariza, no
Inconfidentes, Pioneiros, Minas Talco... Se ela tem mais ou menos, ela vai pro
Siderurgia. Se ela tem limitação financeira, ela opta pelo Primeiro de Maio, pelo
centro que é razoável, mas pelo menos não se gasta com ônibus ou gasolina, porque
o Primeiro de Maio é longe. Os bairros ali do centro, Luzia Augusta, Belvedere,
Amália Rodrigues, que são de loteamentos são bons também porque estão perto do
centro, mas tem a questão da violência, do tipo de casa também [...] Isso não muda
porque as casas tem uma tipologia, uma arquitetura comum, embora tem muita casa
reformada no Primeiro de Maio por exemplo que é mais cara que no Siderurgia.
Tem gente que melhora um pouquinho de vida, de salário na usina e quer morar no
Inconfidentes por status, porque é um bairro isolado também né? Agora o São
Francisco tem essa coisa de ser identificado como os moradores de renda mais baixa
né? Lá os aluguéis, compra e venda nem chegam a passar em imobiliária não. [...]”
(Entrevistado 12. Entrevista concedida em 21/06/2018).
Os bairros que possuem melhor infraestrutura implantada são os que possuem valor
monetário mais elevado. Da mesma forma, o padrão arquitetônico é um fator contributivo
para que prevaleça a lógica da segregação socioespacial ancorada na perspectiva econômica e
isso condiz com a afirmação de Harvey (2008), cujo espaço que abrange melhores
edificações, infraestrutura urbana, equipamentos comunitários e quaisquer outros recursos que
permitam que o capital seja ampliado, tem maior valor econômico e é por meio desses
atributos que o valor da propriedade é alçado. Alguns entrevistados relatarem que após a
aposentadoria, conseguiram fazer modificações e reformas na residência, inclusive como
138
forma de adequar a moradia às necessidades do núcleo familiar e ampliar a área a fim de
maior valorização do imóvel.
[...] Uma coisa boa que aconteceu foi eu aposentar e poder construir mais cômodos
na minha casa, mas só depois que teve a privatização que tinha como a gente fazer
isso [...]. Com quatro filhos era muito difícil ter só dois quartos, mas era o padrão do
bairro e também eu era auxiliar de serviços gerais, um “faz-tudo” na cozinha da
usina.[...] Aumentar minha casa pra ter mais m² construído, faz com que eu pague
mais IPTU, mas a casa também é mais valorizada, mesmo que seja aqui no
Metalúrgicos [...] (Entrevistado 3. Entrevista concedida em 14/02/2018).
[...] Eu fui para Ouro Branco porque já era médico e fui chamado para implantar o
centro de saúde mental dentro da usina para os funcionários e posteriormente atendia
na FOB. [...] A empresa controlava a vida dos funcionários e das famílias que
moravam nos bairros planejados. O Estado através da empresa intervia até na vida
íntima do casal [...] Minha casa é até hoje lá, no Inconfidentes e só é no
Inconfidentes por causa da minha renda e da minha profissão. [...] Por mais que
tenha casas melhores em acabamentos em outros bairros, o Inconfidentes ainda é o
lugar mais caro em termos de m² [...] acredito que o mais caro seja a avenida Mariza
[...]. (Entrevistado 8, Entrevista concedida em 17/02/2018).
Os zoneamentos propostos contribuem para que as ruas não acomodem a diversidade
de usos e consequentemente as vias são desempenham no espaço a única função de circular,
conforme previsto pelos urbanistas progressistas. Para Jacobs, as ruas e as calçadas expressam
além de usos relacionados à circulação, a possibilidade de recreação e de encontro; logo ruas
e calçadas vazias tendem a abrigar situações de violência e criminalidade. “De uma coisa
podemos ter certeza: reduzir o adensamento de uma cidade não garante a segurança contra o
crime nem previne o temor ao crime [...] portanto, os subúrbios são o cenário ideal para
estupros, roubos, assaltos à mão armada e similares.” (JACOBS, 2011, p.33). Obviamente, a
falta de apropriação pública não é o único fator que condiciona a violência e a criminalidade
nas cidades, mas pode ser um fator contributivo, principalmente nas bordas que prevalecem os
vazios urbanos.
[...] A questão da violência aqui, no meu olhar de policial, tem relação sim com a
questão de classe social. [...] Os maiores índices estão nos bairros considerados de
“baixa renda”. A violência na cidade está controlada se comparada com os índices
da violência no Estado de Minas Gerais, porém é de observar e se atentar para o
aumento da criminalidade nos bairros mais afastados do centro e da Avenida
Mariza, que tem o sistema de câmeras do “Olho vivo” [...] Por mais que exista
iluminação pública, nem sempre é eficiente e as pessoas quase não usam as ruas
também que não seja com o auxílio de carros. Os números estão controlados [...]
mas tenho que concordar que o sentimento de insegurança é muito maior do que
quando vim para Ouro Branco. A cidade está entre Belo Horizonte e a a Br-040 que
liga Minas ao Rio de Janeiro, então temos números que expressam o aumento do uso
de drogas no município, assaltos e roubos.[...] Suponho que se as ruas tivessem mais
pessoas, se houvessem mais atrativos para a juventude, oportunidade de emprego, a
criminalidade e a sensação de insegurança seriam muito menores [...] Quando vim
pra Ouro Branco, a viatura passava nos bairros Pioneiros e Inconfidentes para
segurança mesmo em relação a assalto nas casas [...] já nos bairros como Luzia
Augusta, São Francisco que tem uma população supostamente de menor renda, é
droga, violência mesmo [...]. (Entrevistado 20. Entrevista concedida em 16/01/2018)
139
[...]A violência cresceu no país, e aqui a sensação é maior porque tudo é longe e não
tem emprego, então a juventude arruma coisa errada pra fazer, isso na minha opinião
[...] Na minha época de ativa, a gente era chamado pra situações adversas e hoje é
droga, assalto, roubo e muita violência mesmo [...] se tivesse emprego seria menos
pior ou então se a usina liberasse lotes pra outras empresas virem, pra ter gente
morando nesses terrenos enormes porque é isso que causa essa insegurança. Cidade
escura, gente desempregada [...]” (Entrevistado 3, Entrevista concedida em
15/01/2018).
Jacobs (2011, p.132) afirma que “as vizinhanças prósperas não são, em resumo,
unidades distintas. Formam um contínuo físico, social e econômico [...] e nos locais em que as
ruas possuem estabelecimentos comerciais, vivacidade, usos e atrativos são suficientes para a
vida urbana” e isso condiz com o relato de alguns entrevistados, que anseiam que esses vazios
admitam novos loteamentos e empresas a fim de gerar empregos para o município, ainda tão
dependente economicamente da empresa.
Em relação às unidades residenciais, os modelos de assentamento e as tipologias
arquitetônicas dispostas na LUOS/1978 demonstram que as mesmas não foram construídas de
forma alinhada junto às ruas de maneira que um afastamento frontal generoso foi
caracterizado no projeto. Com a área urbana extensa, o plano urbanístico priorizou a
construção de unidades unifamiliares e individuais em sua maioria. No Bairro Primeiro de
Maio (setor 8) no entanto, pelo baixo custo da construção e a necessidade de acomodação de
grande número de famílias, a solução se deu em torno de implantação de casas geminadas. No
bairro Siderurgia (setor 4), em parte do bairro foi construído unidades multifamiliares,
verticalizadas com o objetivo de aproveitar ao máximo a infraestrutura urbana.
Rolnik (1995) afirma que o maior erro dos planejadores urbanos é a utopia da cidade
planejada sem males, com a possibilidade de o Estado ter o controle sobre a cidade e sobre os
cidadãos através do esquadrinhamento e domínio de seus espaços e a consequente prisão do
homem às indústrias.
Howard (1996) chama atenção para a importância da municipalidade de maneira que
existisse uma diversidade na construção das residências e expressasse preferências, gostos e
necessidades individuais. Sua proposição de zoneamentos para a cidade-jardim abordava a
cidade organizada conforme as funções desempenhadas, mas seus estudos não apresentam
tipologias arquitetônicas padronizadas como Le Corbusier apresenta no quesito “moradia” na
Carta de Atenas. A tentativa de aliar habitações, funcionários e organização espacial permite
segundo Santa Rosa (2002), que a “moradia-tipo” de Le Corbusier (1989) fosse aplicada
numa padronização rígida e comum aos planos urbanísticos progressistas, coma soma de
alguns conceitos de cidade-jardim de Howard, como a presença de arborização nas vias.
140
Em relação aos espaços de lazer e recreação, o Plano de Desenvolvimento urbano
previa a implantação de algumas praças no interior dos setores e clubes socio-esportivos. No
bairro Primeiro de Maio e o Siderurgia existem dois clubes esportivos construídos através da
Associação dos Empregados da Açominas - AEA no fim da década de 1980 e início dos anos
199071. O clube AEA-Campestre localizado na Fazenda do Cadete na rodovia MG-443, Km 7
foi inaugurado na segunda metade da década de 199072 e o Clube Palladium, localizado no
bairro Inconfidentes é privado. Ouro Branco é carente de atividades turísticas, de recreação e
de lazer. As únicas áreas que potencialmente podem vir a se apresentar como espaços de
recreação e lazer é a Praça de Eventos, localizada entre os setores 1 e 4 e o Parque Estadual da
Serra de Ouro Branco. Entretanto ambos os espaços não apresentam estrutura necessária e
atrativos que promovam a apropriação. Embora a Praça de Eventos seja o espaço multiuso
que acomoda shows e eventos como a tradicional Festa da batata, seu uso é limitado a esses
fins. O campus da Universidade Federal de São João Del Reyque poderia representar um
espaço de constante fluxo de pessoas, está localizado fora da zona urbana. Lerner (2003)
apresenta uma crítica aos “campus universitários” locados fora da área urbana nas cidades
brasileiras e refere-se a estes como “matus universitário,” justamente por ter a efervescência
da vida acadêmica e a pluralidade é tolhida em espaços restritos e distantes.
A indústria localizada entre o território de Ouro Branco e Congonhas foi locada fora
da zona urbana como previa Tony Garnier em sua idealização de cidade industrial e envolta
por um cinturão verde a fim de conter o direcionamento das impurezas eliminadas no
processo metalúrgico, para a zona urbana. Já o hospital que deveria ser locado fora da zona
urbana segundo a cidade industrial de Tony Garnier, em Ouro Branco está locado dentro da
zona urbana, mas de forma isolada num setor exclusivo e com áreas excedentes ao redor.
Como exposto no capítulo 3, a AÇOMINAS S/A deteve em seu domínio a massiva
quantidade de terrenos para que implantasse livremente o plano urbanístico. Entretanto,
algumas crises econômicas que assolaram o país e consequentemente a indústria siderúrgica,
permitiram que os números desejados não fossem alcançados a ponto da empresa ser
privatizada e a responsabilidade social na implantação do projeto urbanístico fosse
completamente abandonado pela empresa e também Pelo Poder Público, que não dispõe de
recursos suficientes para esse fim, além e não ser justificado por não existir outras empresas
71 A AEA atualmente recebe a designação de Associação Esportiva do Alto Paraopeba e não tem mais o vínculo
que tinha com a empresa e seus funcionários. As cotas de sócios são abertas ao público em geral. 72Sabe-se que recentemente o clube Campestre que era lotado nas dependências da AEA, cuja manutenção se
dava em função das tarifas pagas pelos sócios e não-sócios e representava uma área de recreação para toda a
região do Alto Paraopeba, foi vendido para uma pessoa física e não foram concedidos documentos que
comprovem a compra/venda.
141
na cidade que atraiam pessoas. A somatória desses fatos culmina em setores com grandes
áreas sem edificações consideradas vazios urbanos 73 e que não foram previstos no
planejamento.
[...] O jeito que eles construíram a cidade foi ruim demais para a gente que morava
longe do comércio e dos bancos, mas a gente achava que a cidade ia crescer na
medida que a empresa produzisse mais. A gente nem imaginava que ia dar errado e a
gente continuaria morando longe do comércio, não. Deu tudo errado eu acho. A
Gerdau não liga muito para a cidade mais e fica com os terrenos só pra ela, então
fica esse matagal todo e o que a gente pode fazer, se nem a prefeitura “peita” ela? O
resto de terra que tem e que a gente nem sabe como conseguem comprar e é caro,
então os filhos da gente nem tem onde morar porque não têm dinheiro para comprar
esses lotes pequenos de quase 100 mil reais não. A Açominas não era assim não. A
Gerdau que é dona de quase tudo na cidade né e ainda coloca as plaquinhas dizendo
que é propriedade privada e a prefeitura nem é capaz de multar a empresa por não
manter limpo pelo menos as beiradas dessas matas né? A prefeitura e a gente
dependem da empresa [...] (Entrevistado 7. Entrevista concedida em 12/06/2018).
O Plano de Desenvolvimento urbano proposto pela Fundação João Pinheiro, em 1978,
explana que a preocupação com o controle e disciplina do crescimento da cidade se apoiava
na demanda de evitar a especulação imobiliária e resguardar as boas condições de moradia
nos setores.
No entanto, com a privatização da empresa a visão da mesma foi alterada e uma das
hipóteses que reafirmam os vazios urbanos é que os terrenos adquiridos pela GERDAU
AÇOMINAS na compra da AÇOMINAS S/A e seus bens, representam hoje, um montante de
áreas expostas a especulação imobiliária, ou seja, o que o PDU/1978 previa não acontecer em
função da divisão segmentada do espaço urbano, se sucedeu em virtude da produção
capitalista, pois conforme Lefebvre (1969) a terra no capitalismo, é uma mercadoria e
portanto, tem valor de troca e não de uso. Os mapas 18 e 19 mostram como se encontra o
espaço urbano atualmente e permitem a análise de que os setores que compõem a área de
expansão urbana se mantiveram sob as mesmas diretrizes ou foram admitidas como ZPAM2 e
APPs na LUOS/2010.
73 Entende-se como vazios urbanos, áreas não construídas e não qualificados como áreas livres no perímetro
urbano da cidade. São glebas de terra dispostas na zona urbana, dotadas de infraestrutura e equipamentos sociais,
mas sem realizar nenhuma função espacial.
142
Mapa 18 - Street map com localização dos setores de função urbana
Fonte: Google Earth (2011) Adaptado pela autora
Mapa 19 - Imagem de satélite com localização de alguns equipamentos urbanos
Fonte: Google Earth (2011) Adaptado pela autora
10
3
8
4 1
16
9
7
17
Praça de eventos
Rodoviária
FOB
HRC
Fórum
Poliesportivo
ROTOR
GERDAU
AÇOMINAS
2
143
Muitas dessas áreas se encontram urbanizadas parcial ou integralmente. O setor 16 por
exemplo, considerado zona urbana permanece integralmente sem nenhuma alteração física
desde o PDU/1978, não sofreu alterações físicas em termos de uso e ocupação do solo como
pode ser observado na figura 10 e admite-se segundo a LUOS/2010, o zoneamento ZAR2 e
ZE2.
Figura 15 - Vista do setor 16. Ao fundo, campus UFSJ.
Fonte: Acervo da autora (2012)
O setor 9 continua acomodando basicamente o hospital FOB, com zoneamento ZAR-1
(TO de 65% e CA de 2,5) na área identificada como bairro Soledade. Nas figuras a seguir
observa-se que o setor ainda é uma área com poucas habitações e de modo geral, se mantêm
basicamente tal como implantada na década de 1970 e 1980 mesmo que esteja localizado
numa área em que a terra é mais valorizada em virtude da paisagem natural, da proximidade
com os setores 17 e 10, além de maior atendimento pelo comércio e serviços. Segundo a
PMOB neste setor foi feito um loteamento privado, mas são raras as ocupações74.
Figura 16 - Vista do setor 9. À esquerda, FOB. À direita, Av. Mariza de Sousa Mendes
Fonte: Acervo da autora (2012)
74 Parte do bairro Soledade de acordo com a PMOB, constitui-se por loteamento privado e está em processo de
construções das edificações há sete anos. Já existem algumas ruas pavimentadas e dotadas de infraestrutura
urbana (água, luz, saneamento básico). Entretanto, a PMOB não dispõe de dados efetivos e documentos que
endossam essa afirmação e os loteadores são, em geral, pessoas ligadas à administração pública municipal do
próprio município e também da região, o que sugere, especulação imobiliária.
144
Figura 17 – Habitações Bairro Soledade
Fonte: Acervo da autora (2018)
Figura 18 – Vazios urbanos Setor 9
Fonte: Acervo da autora (2018)
[...] Era da usina (Gerdau) aquela parte toda ali do Soledade e hoje tem casas lá.
Sinal de que foi feito loteamento, mas ninguém da cidade tem acesso não, só os
políticos e as diretorias da usina [...] ele usa a prefeitura pra no escuro pegar as terras
e fazer loteamento pra ele e pra turma dele e a gente se quiser morar tem que
comprar no preço que eles acham que vale. (Entrevistado 14. Entrevista concedida
em 25/01/2018)
[...] “Cê” acredita mesmo [...] que tem diferença de prefeitura e usina? A prefeitura
não tem interesse em negociar isso não [...] quem a gente elege é que aproveita essas
terras. Os filhos da gente ou constroem no quintal, ou se mudam, ou vão estudar fora
pra ter condição de morar aqui um dia. “Essas terras são tudo da usina e desses
políticos. (Entrevistado 23. Entrevista concedida em 15/03/2018)
As maiores alterações ocorridas foram nos setores 1 e 2. Salienta-se que como dito na
seção 3.3 no início da década de 1990, o Poder público municipal recebeu algumas áreas
urbanas sob o regime de doação para que fossem construídas moradias para as famílias que
não mantinham vínculos empregatícios com a AÇOMINAS S/A. Logo, surgiram os bairros
Luzia Augusta e Belvedere e outros bairros como Alto Chalé, Amália Rodrigues e Nova
Serrana surgiram a partir de loteamentos privados no fim da década de 1990 e anos 2000.
Durante a pesquisa, um dos entrevistados vinculados ao Poder Público informou que o Alto
Chalé, por exemplo, teve parte de sua infraestrutura promovida pelo loteador e parte pelo
poder público municipal.
145
A privatização da AÇOMINAS implicou diretamente na paralisação total do projeto
urbanístico proposto pela FJP, inclusive no que diz respeitava ao “Projeto Integração”. Sem
pretensões de expansão e desenvolvimento industrial da usina em meados da década de 1990,
a população estabilizou-se e se manteve sem grandes movimentos migratórios como ocorrido
em meados da década de 1980, logo não havia a necessidade e nem atrativos que endossassem
a necessidade da urbanização integral da área.
O desemprego em massa conforme descrito no tópico 3.2 também contribuiu para que
a população não aumentasse em termos demográficos, justamente porque sem o vínculo
empregatício com a empresa e sem maiores possibilidades de sobrevivência no município,
parte da população desempregada migrou para outras cidades em busca de trabalho e uma
nova recolocação no mercado.
Já o setor 3 recebeu na década de 1990 a rodoviária e a Praça de Eventos - um espaço
multiuso para shows, feiras, exposições e festas tradicionais da cidade. Este setor é o
denominado “Projeto integração” que foi esquecido, de modo que essa porção urbana enfrenta
a pouca apropriação por parte das pessoas, motivado inclusive pelo abandono do Poder
público municipal que dentre outras situações é explicado por uma questão econômica e de
decisão política.
A figura 12 mostra a Praça de Eventos, tendo a região do centro histórico à direita e o
bairro Siderurgia à esquerda.
Figura 19 –Vista para o centro histórico a partir do mirante da Praça de Eventos
Fonte: Acervo da autora (2012)
Como em vários outros setores de função urbana, o 7 e o 8 fazem divisa entre si,
conforme representado no mapa 18. No entanto, abrigam inúmeros vazios urbanos – terrenos
extensos, sem presença alguma de edificações e consequentemente moradores. Muitas dessas
áreas que na LUOS/1978 eram designadas como ZR e ZM, se apresentam na LUOS/2010
como ZPAM. Uma das hipóteses é que como a empresa foi privatizada e não alcançou a
produção que previa e nem a população que aspirava, não havia mais o interesse em lotear os
146
terrenos, mantendo-se como carta de patrimônio imobiliário da GERDAU Açominas e as
áreas que foram loteadas mais tarde, são artifício de especulação imobiliária. Ainda que o
PD/2007 tenha sido construído de forma participativa, sob consultoria da FJP e execução da
FIP, prevaleceram-se os interesses da empresa, até mesmo pelo fato de ser a maior
contribuinte dos impostos destinados à prefeitura de Ouro Branco, mas, afinal,
Quem são os agentes sociais que fazem e refazem a cidade? Que estratégias e ações
concretas desempenham no processo de fazer e refazer a cidade? Estes agentes são
os seguintes: (a) os proprietários dos meios de produção, sobretudo os grandes
industriais; (b) os proprietários fundiários; (c) os promotores imobiliários; (d) o
Estado; e (e) os grupos sociais excluídos (CÔRREA, 1989, p.12)
Esses agentes sociais, conforme Harvey (2005) e Corrêa (1989), agem dentro de um
marco jurídico que regula a atuação deles e se expressa não de forma neutra, mas sobretudo
conforme os interesses dos agentes dominantes. “Ainda que possa haver diferenciações nas
estratégias dos três primeiros agentes, bem como conflitos entre eles, há, entretanto,
denominadores comuns que os unem: um deles é a apropriação de uma renda de terra.”
(CÔRREA, 1989, p.12) Portanto, Lefebvre (2006) afirma que o espaço urbano se constitui
como instrumento onde são viabilizados os propósitos em grande parte da posse e do controle
de uso da terra e isso demarca um conflito inerente entre a acumulação capitalista e lutas de
classe.
O fato da GERDAU AÇOMINAS deter grande parte da terra não edificada no
território de Ouro Branco, cria uma escassez de oferta e o aumento do preço da terra. Como a
empresa gera boa arrecadação ao Poder Público e emprega boa parte dos moradores do
município, os conflitos que podem ser gerados são resolvidos em favor da empresa que acaba
por dominar o cenário econômico e político.
Os proprietários fundiários no município que detêm terras na zona rural apresentam
muito interesse em fazer dessa porção, uma zona urbana, justamente porque a terra urbana
tem mais valor monetário que a rural. Isso explica os inúmeros projetos de asfaltamento no
município sem sequer consultarem os moradores, como percebido nas entrevistas realizadas,
mas também ocorre também o contrário, ou seja, quando o valor do metro quadrado não é
elevado, o Poder público municipal embasa seus projetos conforme a política do governo para
essas regiões e em certos casos a comunidade se une de modo a não acolher tudo que o
Executivo e o Legislativo municipal propõem. A ótica é sempre sobre elevar o valor das áreas
que possuem melhor infraestrutura e diminuir, aquelas que apresentam precariedade.
[...] A gente “num” quer mesmo esses asfaltos que estão dizendo aí. Se nem polícia
vem aqui quando a gente chama, nem para dar segurança pra gente e “pros” filhos
da gente, como vão trazer mais violência? É roubo, estupro, a gente tá sozinho aqui
com Deus e temos medo mesmo. Asfalto traz violência e mal ou bem a gente “tá”
147
vivendo aqui [...] nosso distrito pertence a Itaverava, mas esses políticos compram
terra aqui e querem asfaltar tudo”(Entrevistado 25. Entrevista concedida em
01/03/2018).
[...] A gente “num” quer a APAC que eles “tão dizendo aí que vai pôr, que o
promotor decidiu. E blábláblá. A gente “num” quer. Somos de bem, trabalhador de
roça e preso é preso. Se quer esse tal de humanizar preso, humaniza lá na cidade,
aqui não [...] A polícia não vem aqui. Vai colocar esses presos aqui no meio dos
filhos da gente? Tá certo isso? [...] Nem saúde e educação “nóis” tem de qualidade e
ainda vai desvalorizar o pouco que a gente tem que é nossa terra [...] (Entrevistado
30. Entrevista concedida em 02/03/2018).
Castells (1998), Lefebvre (2001), Carlos (2016) e Harvey (2005) explanam que os
proprietários fundiários que podem ser também agentes imobiliários, à medida que promovem
a especulação da terra, estão interessados no seu valor de troca e não no seu valor de uso. Os
proprietários fundiários que detêm terras na zona urbana,75e a empresa (enquanto detentora de
grandes glebas de terra urbana) teoricamente,não deveriam participar do processo de
definição da LUOS nos municípios, mas são, contudo, os mais interessados e participam
ativamente para que seus interesses sejam satisfeitos. Conforme Corrêa (1989, p.28), “como
se trata de uma demanda solvável, é possível aos proprietários fundiários tornarem-se também
promotores imobiliários; loteiam, vendem e constroem casa de luxo”.
No município boa parte da população não tem acesso à casa própria devido ao alto
valor da terra e muitos munícipes não dispõe de recursos para o pagamento de aluguéis. Visto
isso, a estratégia dos promotores imobiliários é produzir residências para satisfazer a demanda
solvável e obter ajuda do Estado para atender a demanda não solvável. Salienta-se que
recentemente o último terreno disponível de propriedade da PMOB, tendo sido doado pela
AÇOMINAS S/A no início da década de 1990, foi permutado com um grupo de investidores
para a construção de 176 unidades residenciais no Programa Federal Minha Casa Minha Vida
estágio I (MCMV)76.
O Estado atua também na organização espacial, tendo uma atuação complexa e
variável. No caso de Ouro Branco, o Estado atuou diretamente desde o início da implantação
da AÇOMINAS S/A conforme descrito na seção 3.2, como grande industrial incorporando a
indústria ao modelo estatal. Como o município não dispunha de infraestrutura suficiente para
75 A PMOB não possui um levantamento em hectares da área do que é de propriedade da Gerdau Açominas. Foi
informado pela Secretária de Finanças e Gerência de Tributação que o IPTU é cobrado em função das unidades e
a Gerdau possui 1.243 unidades cadastradas na cobrança de IPTU. Esse desempenho é altamente questionável
inclusive sobre a legitimidade das normas tributárias. 76 MCMV I – Destinado a famílias com renda de até R$ 1800,00 (Mil e oitocentos reais). A lista de famílias
participantes no sorteio feito pela Caixa Econômica Federal para o MCMV, conta 1.328 requerentes de moradia
social, mas somente 176 foram contemplados. Em dezembro de 2016 a estimativa era de um déficit habitacional
de 3.500 unidades habitacionais e atualmente, o Conselho da cidade, estima que o déficit esteja na margem de
5.000 unidades.
148
acomodar os funcionários da empresa, coube a mesma prover a implantação da estrutura
básica que competia ao Poder Público. Dessa forma o Estado atuou também como
proprietário fundiário ao passo de que adquiriu através de doação e compra de grandes glebas
para implantar o plano urbanístico, como promotor imobiliário à medida de que construiu as
unidades residenciais e repassou aos funcionários através de financiamento da Caixa
Econômica de Minas Gerais e Caixa Econômica Federal, e, sobretudo, como regulador do
solo posto que a Fundação João Pinheiro enquanto instituto contratado ficou a cargo de
desenvolver os estudos para o Plano de Desenvolvimento urbano e a Lei de Uso e ocupação
do solo. Além disso, é importante frisar que como exposto na seção 3.3, a empresa dispunha
de funcionários para que atuassem na administração pública e é factível que os interesses da
empresa perdurassem. Nos debates acerca do Plano Diretor e a Nova LUOS em 2010 é
possível verificar que grande parte das terras que são de propriedade da GERDAU
AÇOMINAS e de proprietários fundiários recebem o zoneamento ZPAM, APPs, RPPN,
ZAR-2 e ZEIS. Cabe reter a informação de que muitas dessas áreas que são consideradas
ZPAM na LUOS/2010, eram ZE na LUOS/1978.
Enquanto estatal, as terras funcionavam como uma espécie de reserva fundiária do
Estado de forma que no futuro poderiam admitir diversos usos conforme os interesses e
necessidades e inclusive como instrumento de negociações com outros agentes. Após a
privatização, os bens da estatal também foram repassados ao grupo GERDAU, logo as terras
que até então eram estatais, hoje são privadas e a ótica da reserva fundiária como instrumento
de negociação, prevalece ao ponto do Poder Público necessitar pedir doações, permutas e
acordos para ter acesso à terra de modo a implantar equipamentos urbanos e afins.
Entretanto, não é incomum que agentes imobiliários e proprietários fundiários sejam
eleitos representantes do município no Poder Legislativo e Executivo, o que de algum modo
permite que a terra não cumpra sua função social justamente porque os interesses de quem
têm como prerrogativa promover a igualdade social, se perdem em meios aos interesses
individuais devido a pouca participação popular e a dependência financeira da sociedade junto
a GERDAU AÇOMINAS e a PMOB.
[...] a ação do estado processa-se em três níveis político-administrativos e espaciais:
federal, estadual e municipal. [...] é no nível municipal, no entanto, que estes
interesses se tornam mais evidentes e o discurso menos eficaz. Afinal a legislação
garante à municipalidade muitos poderes sobre o espaço urbano, poderes que
advêm, ao que parece, de uma longa tradição reforçada pelo fato de que, numa
economia cada vez mais monopolista, os setores fundiário e imobiliário, menos
concentrados, constituem-se em fértil campo de atuação para as elites locais. A
atuação do Estado se faz, fundamentalmente e em última análise, visando criar
condições de realização e reprodução da sociedade capitalista, isto é, condições que
149
viabilizem o processo de acumulação e a reprodução das classes sociais e suas
frações. (CÔRREA, 1989, p.26).
A exclusão de setores não especializados do debate público em torno da política
urbana causa efeitos de alta perversidade social e urbanística. Historicamente, a
inexistência da interlocução popular produziu planos e leis urbanísticas, cujos
padrões e parâmetros refletem apenas a maneira como as elites se instalam na cidade
(ROLNIK, 2001, p. 193).
Logo, o próprio Estado capitalista cria mecanismos que levam à segregação
residencial e o IPTU, por exemplo, é um dos instrumentos discriminantes que afetam o preço
da terra e dos imóveis e por consequência, incide na segregação social: os grupos que
possuem renda mais alta residem nos imóveis mais caros, bem localizados e com o preço da
terra mais elevado. Harvey (2005) explana que esse tipo de atuação tende a ampliar a renda
real daqueles que já possuem elevada renda monetária.
Rolnik (1995) aborda o Estado como o maior produtor de segregação socioespacial e
econômica, por atuar como produtor e regulador do espaço urbano – campo de investimento
do capital e a pressão do capitalismo o beneficia, no sentido de maximizar a rentabilidade e o
retorno de investimentos, principalmente os de infraestrutura.
No outro extremo, estão os grupos sociais excluídos que não têm acesso à habitação. A
Procuradoria informou que há um déficit habitacional no município, porém não conseguem
mensurar uma quantificação precisa, mas ressaltaram que o processo MCMV sempre ocorre
segundo os trâmites da Caixa Econômica Federal e sob regime de sorteio77.
No município o bairro São Francisco se desenvolveu a partir dos loteamentos que
eram da AÇOMINAS S/A e foram doados ao Poder público municipal para realocar a
população que residia nas áreas que foram construídos bairros populares como o Luzia
Augusta, Belvedere e os que moravam no entorno do centro histórico sem regularização
fundiária. Neste bairro, bem como nos bairros construídos pelos Poder Público, nem todos os
lotes estão regularizados. Além disso, o município está acompanhando atualmente um
processo de periferização, com grupos sociais se organizando e ocupando terrenos que são
efetivamente considerados propriedade da AÇOMINAS S/A. Como Côrrea (1989) e Carlos
(2016) explanam, a produção deste espaço é antes de mais nada, uma forma de sobrevivência
e resistência na luta pelos direitos à cidade.
[...] A gente sabe que é ilegal, mas a gente tem direito a morar, a ter um teto, a criar
nossos filhos com dignidade. Com um salário mínimo de prefeitura a senhora acha
que a gente tem como viver aqui com dois filhos? Eu tô falando de dois filhos, não
de cinco ou dez.[...] Só de aluguel a gente paga 500 num barracão e sobra 500 pra
comer e andar de ônibus nessa cidade que tudo é longe. [...] se a prefeitura não
77 Como informação, a incorporadora “Panorama” é a empresa que fará o loteamento e as construções
.
150
quiser, vai ser assim pra sempre [...] (Entrevistado 29, Entrevista concedida em
21/04/2018).
O debate sobre o direito à terra repousa-se sobre a falta de vontade política na
aplicação dos instrumentos dispostos no Plano Diretor e amparados pelo Estatuto das cidades,
na omissão do Estado em relação à aplicação das normas aos proprietários de vazios urbanos
e na ação desidiosa em relação à cidadania da população no que diz respeito a incorporação
de políticas pontuais que integrem os espaços vazios ao contexto social, o que por sua vez,
contribui para que o processo de segregação socioeconômica seja fortemente presente nos
municípios brasileiros e o resultado disso são as latentes ocupações urbanas. Em Ouro
Branco, as ocupações Portelinha I, Portelinha II e Nova Esperança, já acolhem 123 famílias.
Segundo Maricato (2014) não é por falta de debates que as cidades parecem resistir a
qualquer mudança que não seja orientada pelo capital e nem mesmo por falta de produção
bibliográfica, mas pela necessidade urgente de formação crítica sobre a produção do espaço,
sobre a reforma urbana. Para a autora, é necessário garantir a eficácia dos Planos Diretores a
fim de que as famílias, principalmente as de baixa renda acessem o direito fundamental da
moradia.
Com grande parte das terras urbanas e parte das rurais sendo de propriedade da
GERDAU AÇOMINAS, resta ao Poder Público se aninhar em prol de interesses particulares
ou revestir-se de suas prerrogativas enquanto nível político-administrativo. Perante a negação,
outros problemas urbanos são propulsivos, como por exemplo a permanência da lógica
excludente na ocupação espacial desde a década de 1980, não restringindo-se somente a
estratificação social, a geografia do espaço ou a dinâmica, mas o plano urbanístico
progressista propriamente executado, evidencia a diferenciação econômica sem considerar a
necessidade da diversidade na promoção de cidades duráveis e sustentáveis. Logo, o ideal da
“cidade aberta” não foi alcançado como se previa, já que não houve uma mesclagem entre a
população que permitisse que a população do centro histórico e já instalada no espaço antes
da implantação da empresa acessasse os bairros projetados e urbanizados pela mesma e nem
permitiu o desenvolvimento do município na acomodação de novas empresas, uma vez que
detêm a massiva quantidade de propriedades urbanas.
Esses amplos e extensos vazios urbanos no espaço, geram, sobretudo, uma sensação
de insegurança em razão das distâncias entre os bairros, o que desfavorece o trânsito de
pedestres. É uma cidade que enfrenta um grave problema urbano que é a frota excessiva de
veículos. Monteiro (2017) expõe que a frota do município é de 20.877 veículos para uma
população de 38.935 habitantes no ano de 2017, o que caracteriza 1,86 carros por habitante e
151
corrobora para que a mobilidade urbana seja um fator negativo com 6,5% dos votos conforme
os estudos sociais que antecederam o Plano Diretor de 2007, segundo a FIP.
A discussão é ampla porque além de ter o planejamento urbanístico como um fator
decisivo no espaço, ao centro histórico que não recebeu vias largas com previsão de
estacionamentos contíguos às vias, ficou reservado uma série de serviços e equipamentos
urbanos de atendimento a toda população urbana, rural e de turistas, que impulsiona o
deslocamento dos mesmos até essa área.
Numa outra tomada, Bispo (1990) afirma que a população economicamente ativa -
PEA teve sua concentração na atividade industrial, com um aumento de 261% no período de
1970 a 1980, tendo o município de Ouro Branco a maior concentração de mão-de-obra na
construção da indústria. Além disso, a AÇOMINAS também induziu a expansão das
atividades terciárias, em função da maior demanda criada pela grande concentração
populacional. Segundo a autora, “além de grande afluxo de pessoas que chegaram à área e das
modificações na absorção da população ativa pelos setores secundário e terciário outro
indicador que demonstra as transformações provocadas, [...] foi a arrecadação de ICMS
local.” (1990, p. 24).
Tabela 21- Cota-Parte do ICMS distribuído por município
Municípios 1970
(1) % 1980 (1) % 1984 (1) % 1989 (2) %
Congonhas 178 11,5 6.526 8,8 203.962 12,6 12.603.495 45,5
Cons.
Lafaiete 1.344 86,9 66.185 89,7 1.314.044 81,5 3.409.470 12,3
Ouro
Branco 24 1,6 1.038 1,4 95.119 5,9 11.683.927 42,2
TOTAL 1.546 73.749 1.613.125 27.696.892
Fonte: Bispo (1990)
Os municípios de Ouro Branco e Congonhas tiveram o aumento da participação na
cota do ICMS a partir de 1984, um ano anterior à inauguração da AÇOMINAS, o que se pode
associar a influência direta da implantação da empresa. A tabela 21demonstra que entre os
anos de 1970 a 1984, o município de Conselheiro Lafaiete foi o que recebeu a maior cota-
ICMS dentre os municípios em função do seu maior número de atividades secundárias e
terciárias. Ouro Branco, segundo o último dado levantado pela PMOB em 2011 teve um
crescimento real de 80% no número de unidades de comércios e serviços entre os anos de
2007 e 2009, porém o município de Conselheiro Lafaiete ainda é o pólo comercial da região e
isso faz com que os munícipes de Ouro Branco tenham que se deslocar para acessar melhores
condições e variedade de serviços e comércios. O fato de a AÇOMINAS não ter impulsionado
152
o comércio e se limitado a vender alguns lotes para terceiros que quisessem instalar alguma
unidade, iniciando a construção no prazo máximo de um ano foi um fator dificultador. Os
comércios e os serviços não são fortificados no município enquanto setor terciário inclusive
pelo valor da terra e dos aluguéis e a disposição da legislação urbana sobre as áreas que
podem receber unidades comerciais e de serviços segundo a LUOS.
A seguir, a tabela 22, expõe um levantamento feito pela Secretaria de Finanças do
município para atender as necessidades dessa pesquisa. Cabe citar que em virtude entre os
anos de 1979 a 1999, a AÇOMINAS S/A recebeu isenção que foi mantida na privatização.
Tabela 22 – Impostos da GERDAUrecebidos pela PMOB entre os anos de 1983 a 201878
ANO IPTU ISS ICMS
1983 ------ Cr$ 80821505,8 Cr$ 25357467,84
1984 ------ Cr$ 129539647,23 Cr$ 87945234,16
1985 ------ Cr$ 647540375 Cr$ 306653805
1986 ------ Cz$ 2317100,78 Cz$ 906420,37
1987 ------ Cz$ 8692705,33 Cz$ 10370044,83
1988 ------ Cz$ 58347318,41 Cz$ 194224049,41
1989 ------ NCz$ 1447724,1 NCz$ 9580561,32
1991 ------ Cr$ 144.459.241,24 Cr$ 2.534.557.742,51
1992 - 1995 ------ ---- ----
1996 R$ 27.401,34 R$ 526.695,94 R$ 8.408.745,23
1997 R$ 117.641,21 R$ 399.286,40 R$ 4.272.136,69
1998 R$ 753.047,21 R$ 618.102,17 R$ 7.513.044,60
1999 R$ 682.796,91 R$ 466.754,59 R$ 6.798.475,53
2000 R$ 612.168,37 R$ 827.370,28 R$ 8.059.515,65
2001 R$ 242.199,05 R$ 970.699,90 R$ 10.170.597,34
2002 R$ 238.412,04 R$ 1.731.262,49 R$ 12.038.244,62
2003 R$ 247.799,24 R$ 2.239.669,71 R$ 12.867.583,22
2004 R$ 260.568,14 R$ 2.955.847,79 R$ 14.042.897,21
2005 R$ 301.999,68 R$ 3.308.160,73 R$ 17.571.395,81
2006 R$ 319.849,31 R$ 7.052.447,17 R$ 29.055.612,18
2007 R$ 423.230,37 R$ 16.400.038,20 R$ 31.911.509,43
2008 ------ ------ ------
2009 ------ ------ ------
2010 R$ 12.556,43 ------ ------
2011 R$ 49.980,00 ------ ------
78 Os anos 1992 a 1995 não estão discriminados na tabela, por não terem sido encontrados no histórico, bem
como os de 2008 e 2009. O ISS e o ICMS não foram fornecidos de 2008 a 2018 por falha no sistema segundo
informado pela Ouvidoria do Executivo. Importante perceber que a tabela se apresenta na moeda corrente do ano
iniciando-se em Cruzeiro, Cruzado, Novo Cruzado e Real. Um agradecimento especial ao Sr. Marcelo Adriano
Gomes, atual secretário de Finanças do município e a gerente de Tributação Rosângela Halfeld que não medira
esforços na compatibilização dos dados.
153
2012 R$ 56.631,68 ------ ------
2013 R$ 795.376,47 ------ ------
2014 R$ 823.440,21 ------ ------
2015 R$ 887.555,05 ------ ------
2016 R$ 1.403.461,18
2017 R$ 4.002.194,32 ------ ------
2018 R$ 3.194.225,97 ------ ------
Fonte: Secretaria de Finanças do Município de Ouro Branco, 2018.
O Anexo D contém as planilhas sobre o IPTU entre os anos de 2010 e 2018 no
município de forma geral e os correspondentes a GERDAU AÇOMINAS. Cabe ressaltar que
em 2016 foi instituída a lei municipal nº 2.171 de 20 de dezembro de 2016 promulgada pela
Prefeita Aparecida Junqueira Campos ao fim de seu mandato, que dispõe sobre o sistema
tributário municipal e estabelece normas de direito tributário aplicáveis ao município de Ouro
Branco79.
A Lei Municipal 2.171/2016 determina os valores do metro quadrado com as devidas
alíquotas. A Avenida Mariza de Souza Mendes é a porção mais valorizada da cidade. Seu m²
varia de R$ 257,92 a R$ 304,02 cujas alíquotas é 0,15% sobre o valor do imóvel edificado,
0,30% para os imóveis não edificados ou com obras paralisadas, 0,20% sobre os imóveis não
residenciais (exceto industrial) e 0,50% sobre o valor do imóvel industrial. Esta é uma área de
centralidade, com comércios e serviços e parte dos imóveis que estão localizados nesta via,
corresponde a vazios urbanos – fruto de especulação imobiliária e conflito de interesses.
Como o valor do m² é relativamente alto se comparado com o restante da cidade, somente
parte das pessoas têm acesso para construir ou adquirir um imóvel. Na outra posição, existe o
centro histórico cujo comércio é também restrito a algumas vias. A rua Santo Antônio (rua
direita da cidade) tem o valor de R$ 235,62 e a Praça Santa Crus, R$278,46.
O menor valor de m² são os imóveis localizados nos bairros São Francisco, Bairro das
Flores (construído pelo Poder Público na década de 2000), Bairro Tiradentes (trata-se de uma
pequena comunidade construída pelo Poder Público na década de 1990) e a comunidade rural
79 Curiosamente a PMOB não veiculou (alegam não dispor) a área em hectares correspondentes aos variados
usos e propriedades, principalmente referentes à GERDAU AÇOMINAS. O sistema utilizado pela empresa e
pelo Poder Público é o mesmo e a Secretaria de Finanças alega que a própria empresa notifica qual o valor de
área que dispõe. A PMOB e a GERDAU também emitiram a informação de que não possuem todas as certidões
imobiliárias porque antes do ano de 1982 os registros eram feitos no cartório de Ouro Preto porque não existia
cartório de registro de imóveis em Ouro Branco. Entretanto na década de 1990, o cartório em Ouro Preto foi
incendiado e dados foram perdidos. Através das indagações desta pesquisa iniciada em 2017, a Secretaria de
Finanças contratou a Fundação Guimarães Rosa para de fato, mapear as áreas urbanas e rurais no município de
Ouro Branco. Abriu-se, portanto, vários questionamentos sobre como é cobrado o IPTU, base de dados e,
sobretudo, a responsabilidade do Executivo sobre as cobranças de impostos.
154
de Carreiras sob o valor de R$ 37,65 com base nas mesmas alíquotas supracitadas. Em todas
essas regiões, existem propriedades da GERDAU AÇOMINAS expressos por lotes não
edificados.
[...] Você como eu nasceu e cresceu aqui. Não dói em você saber que não te cabe
aqui? [...] Aos 17 tive que ir embora pra estudar e sou apaixonado por Ouro Branco.
Continuo morando em Lavras porque aqui não tenho emprego e só trabalhando
muito pra eu conseguir comprar uma casa aqui...mas também como comprar, se eu
não tenho emprego aqui pra eu poder morar na cidade? Os meninos da UFSJ e
IFMG vem, estudam e vão embora. Ninguém fica porque nem emprego, nem terra
existe pra gente aqui [...] (Entrevistado 21. Entrevista concedida em 13/04/2018).
“O motivo é promover uma cidade saudável [...] que ofereça condições para um
padrão de vida compatível com o nível de renda dos empregados da AÇOMINAS, que encare
todos os cidadãos igualmente e na qual a Empresa seja responsável pela criação de condições
para seu desenvolvimento disciplinado e autônomo” (AÇOMINAS, 1985, p. 6). Esse ideal foi
perdido em meio à privatização e a ótica do capitalismo, junto aos agentes produtores e
manipuladores do espaço urbano e por mais que existam políticas de governo que busquem a
promoção do desenvolvimento econômico como em 2011 com a inauguração do Ouro Park
Industrial que fica localizado na comunidade rural de Carreiras (distrito de Ouro Branco,
localizado entre o município e a cidade de Conselheiro Lafaiete). Esse empreendimento foi
construído integralmente pelo Poder Público sobre a gestão do Prefeito Pe. Rogério e vice-
prefeita, Valéria Nunes e a meta era que até 2030 a região geraria mais de 40 mil empregos
diretos e indiretos em todo Alto Paraopeba. Atualmente o Ouro Park é mais uma área que está
no aguardo de decisões políticas efetivas.
Conforme Rolnik (2015, p.367), “[...] temos um Estado capturado por interesses
privados e conformados por uma cultura de opressão e exclusão, simultaneamente tensionado
por um processo de combate à pobreza e inclusão via consumo e pela tomada da terra urbana
e da moradia pelas finanças globais”.
Segundo Costa e Costa (1998, p.72):
É sem dúvidas uma ironia que bairros industriais passem a ser não só uma
mercadoria desejável, como um trunfo para atrair camadas de maior renda da
população. Somente a carência habitacional generalizada e a exigüidade de
investimentos na melhoria das condições de habitabilidade das cidades brasileiras
faz com que aquilo que deveria ser a regra - um ambiente construído dentro de
padrões aceitáveis de qualidade - seja a exceção.
A consciência coletiva da justiça social para a aplicação da função social da
propriedade urbana se faz necessária e urgente uma vez que o peso do individualismo e dos
jogos de interesse reassentam a lógica das classes dominantes e demonstram sobretudo em
comunhão com Lefebvre, que “a propriedade da terra se mantém no quadro da propriedade
155
privada em geral.” (2001, p.160). A justiça social e o direito à propriedade se perdem na falta
de implementação dos instrumentos amparados pela legislação federal e o maior desafio é
romper com a ótica do planejamento urbano nas cidades que tendem a considerar a gestão
pública uma atividade meramente técnica e administrativa, uma peça orçamentária ou um
conjunto de diretrizes e princípios que regem os planos de ações produzindo um ocultamento
dos conflitos de interesses presentes na dinâmica social, espacial, econômica, cultural e
política.
156
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Admitir a existência de uma teoria científica de caráter universal que consiga explicar
todos os fenômenos urbanos existentes, independente de seus aspectos contextuais, é
improvável. Contudo, é aceitável que o agrupamento de uma gama de necessidades culmine
na planificação integrada permitindo uma visão maior do conjunto, de modo que seja
assegurado um equilíbrio entre os interesses coletivos e individuais e, sobretudo, seja
resguardado o acesso universal em quaisquer que sejam as políticas públicas implementadas.
Por mais que um formato de planejamento urbano não seja perfeito, e se fosse, seria
necessário retomara possibilidade de uma concretização exata de modelos utópicos, o
Estatuto da Cidade garante ao Poder público municipal junto aos munícipes, a elaboração de
um Plano Diretor que englobe os instrumentos urbanísticos, a fim de induzir (mais que
normatizar) o uso e a ocupação do solo de forma mais equitativa, além de incorporar a gestão
democrática e ampliar decisivamente, as possibilidades de regularização das posses urbanas
que transitam na margem tênue entre o legal e o ilegal.
Em Ouro Branco, o Poder público municipal após a instalação da AÇOMINAS S/A,
perdeu sua autonomia perante as decisões que emanavam do governo federal. Com o
crescimento populacional e a possibilidade de maior recolhimento de impostos, o órgão
público viu-se impelido e restou propiciar o diálogo com a empresa, de modo a garantir que a
área central da cidade fosse assistida com infraestrutura urbana, ainda que mediante a isenção
de IPTU. A crescente aglomeração da população urbana no município, reconheceu como
resultado, o desencadeamento de um processo de áreas urbanas supervalorizadas e outras
menos valorizadas, como uma dinâmica iminente da produção do espaço urbano. O que
distingue então o valor da propriedade é a infraestrutura implantada, a tipologia arquitetônica,
a diversidade de usos e a prevalência da separação segundo a renda da população residente.
Retomo a enunciação colocada no início dessa dissertação, qual seja: ainda que
privatizada, a empresa exerce alguma influência direta ou indiretamente no espaço urbano e,
sobretudo, nas decisões que competem ao Poder público municipal, que tem como
prerrogativa garantir o direito à cidade e à propriedade. Ou seja, a empresa ainda opera de
forma decisiva na produção do espaço urbano, ainda que, não mais caiba a ela administrar e
regular o solo urbano? Os estudos aqui realizados vêm ao encontro dessa resposta.
Os Planos Diretores são amparados por equipes técnicas, como no caso de Ouro
Branco, que contou com o apoio da Fundação Israel Pinheiro. O relatório disposto pela
157
instituição aponta o planejamento urbano como o fator negativo e de maior incômodo para os
munícipes que participaram das discussões.
Em face do exposto, o Plano Diretor elaborado em 2007 apresenta em sua estruturação
os instrumentos urbanísticos previstos na legislação federal, entretanto, através desta pesquisa
há a compreensão de que a instituição do Plano Diretor não foi o suficiente para que o Poder
público municipal buscasse recursos e soluções para garantir que a propriedade cumpra sua
função social, tão necessária à sobrevivência das cidades e ao equilíbrio entre as classes. A
real capacidade de governança e a capacidade institucional do poder local, se limita a uma
dependência em relação a empresa, o que reitera a caracterização da cidade como uma
“cidade-empresa”, ou um pouco além, uma “cidade-negócio”, uma vez que o modelo político
de gestão urbana é controlado pelo capital, representado principalmente pelas construtoras,
empreiteiras, incorporadoras, proprietários fundiários e agentes imobiliários. São estes atores
que definem as formas das políticas públicas. No município, além desses atores, há também a
forte influência da empresa, que é detentora de grandes parcelas do solo urbano. As
negociações que ocorrem entre esta e os agentes, são fundamentalmente em torno dos
interesses dos mesmos e não em prol dos interesses e necessidades da população, nem mesmo
ao que se propõe o Estatuto da cidade. Se a grande parte das terras urbanas é de propriedade
da empresa, ela mantém o poder sobre a produção do espaço. O poder público tem meios para
agir, conforme dito anteriormente, mas é uma questão de decisão política.
Este abismo é aumentado na medida em que esses atores se instilam a ocupar cargos
públicos municipais e usam o pleito eleitoral como instrumento para conservar o poder e
obscuramente, tomarem posse de cada vez mais porções do solo urbano. A preocupação,
visivelmente, se desponta para a construção de uma cidade que se possa especular, ao invés de
se construir uma cidade cujo direito de morar seja ao menos resguardado.
A urbanização é um dos lugares onde o capital encontra espaço para ser valorizado,
logo, a produção e o consumo do espaço, assim como a urbanização, estão inseridos no amplo
processo de reprodução das relações de produção capitalistas, justamente porque os passos
são guiados e orquestrados pelos ditames da propriedade privada e são regulados conforme as
necessidades do capital. Isso explica o fato de o poder local utilizar de meios de decretos e
emendas a fim de alterar o uso e a ocupação do solo conforme convêm aos atores
supracitados. Com tudo, essa valorização da terra corrobora para que a ótica da segregação
socioespacial perdure, já que o valor da terra nas áreas que na década de 1980 abrigavam os
trabalhadores com renda alta possui ainda os maiores valores de metro quadrado. A
158
especulação imobiliária nessas áreas e a precarização de serviços públicos é o resultado das
ações do poder público municipal que atua como o executivo do capital.
Nos vazios urbanos, as áreas marginais, projetam-se então, as ocupações. Segundo o
Conselho da Cidade, o déficit habitacional hoje no município, gira em torno de 5.000
unidades. Com a especulação imobiliária, a falta de terrenos disponíveis para a construção de
moradia popular, a falta de empregos e a omissão do poder local, a resposta é dada no espaço.
As ocupações estão acontecendo de forma intensiva, a partir de meados de 2017, paralelas a
esta pesquisa e narram não somente uma luta por moradia, mas por saúde, educação e
trabalho.
Por mais que tenha existido a participação popular na elaboração do Plano Diretor e
suporte técnico da FIP, que pontuou as necessárias mudanças no planejamento urbano de
forma a adequar à realidade do município, prevaleceram os interesses da empresa e dos
agentes que fazem da propriedade, um artifício de especulação imobiliária para a acumulação
de capital, tanto que de 2007 a 2019, já ocorreram três alterações na LUOS e inúmeras
emendas e decretos por parte do Executivo. A falta de conhecimento na implementação dos
instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da cidade por parte do Poder Público e o
silêncio que impera na população, pela também falta de conhecimento e falta de liderança que
é uma característica cultural, intrínseca aos munícipes que tiveram suas relações sociais
limitadas pela empresa enquanto estatal corroboram para que o município não se desenvolva
economicamente e porventura, subestime a população a dois poderes: o da empresa e o poder
local, junto aos inúmeros atores que transitam nessas esferas.
A falta de oferta de solo urbano não é um ponto atrativo para o acolhimento de novas
empresas e prevalece então a ótica de interdependência ainda que a empresa seja hoje,
privada. Sabe-se que resolver os problemas decorrentes da segregação social e dos vazios
urbanos presentes na cidade, é algo utópico, pois eles não podem ser completamente
resolvidos a partir do planejamento urbano. Porém, acredita-se que, ao implementar os
instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da cidade e designados no Plano Diretor,
diversificar a economia do município e, analisar as medidas tomadas pelos agentes
responsáveis pelo modo de como Ouro Branco se expandiu (Açominas, mercado imobiliário,
Poder público municipal e organização popular) pode-se contribuir para amenizar os
problemas urbanos e garantir que a as vozes populares sejam respeitadas e ouvidas, bem como
as decisões políticas sejam amparadas por provisões técnicas em prol de uma cidade mais
justa e humana. Afinal de contas, o poder público precisa estabelecer seu papel na mediação
de conflitos e não revestir-se de seus interesses particulares e arbitrar em benefício próprio.
159
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168
APÊNDICES
APÊNDICE A – Roteiro das Entrevistas semiestruturadas
1 – Dados Pessoais.
Nome. Naturalidade
Nascimento
Estado Civil
Escolaridade
Profissão/Ocupação Atual
Local de Moradia
2 – Trajetória dos migrantes.
De qual cidade veio e qual era sua ocupação?
Motivação para migração.
Veio sozinho ou com a família?
Com que idade se transferiu para Ouro Branco?
Quais foram suas primeiras impressões da cidade?
Como me descreveria os “nativos” e os outros migrantes que vieram trabalhar na Açominas?
O que fez de início para trabalhar e se alojar?
E a AÇOMINAS, como era? Descreva seu trabalho na empresa.
A empresa o ajudou a se estabelecer?
E a cidade? Como era o cotidiano, os bairros e a infraestrutura?
Por que ficou na cidade até os dias atuais?
3 – Percepção dos “nativos”
Como era a vida na cidade? O que existia?
O que as pessoas gostavam de fazer?
O que era mais marcante em termos de atividades?
Como era o cotidiano na cidade antes da instalação da AÇOMINAS?
Havia serviços básicos que acolhessem sua residência?
Quais eram as atividades que se faziam no centro da cidade?
Como era o comércio?
Havia diferença entre os moradores antes da empresa se instalar?
Pessoas da zona rural frequentavam as áreas centrais?
Era comum a participação da comunidade nos eventos culturais? Especifique.
4 - Vida em família (“nativos” e migrantes):
Como era sua vida em família?
Você se casou? Quando?
Com quem (nativo ou migrante)? Teve filhos? Quantos?
Algum de seus filhos trabalha ou trabalhou na AÇOMINAS?
5 - Trabalho (“nativos” e migrantes):
Como foi sua história de trabalho?
O que você fez para sobreviver? E seus familiares?
Como era o trabalho?
Descreva sua relação com a empresa e seus colegas de trabalho.
Seus familiares trabalharam ou trabalham na AÇOMINAS?
O que pensa sobre a privatização? Acha que a alteração foi positiva ou negativa?
169
6 - Lazer e cultura (“nativos” e migrantes):
Tinha uma vida boêmia e cultural na cidade? Especifique.
Como eram esses ambientes?
Quem frequentava esses espaços?
A empresa permitia que seus funcionários frequentassem os bares e as festas? Por quê?
Tinha confusão (brigas, bebedeiras) nesses lugares?
A empresa criou espaços de entretenimento? Fazia festas? Quais?
Todos da cidade podiam utilizar as áreas construídas pela empresa? Por quê?
Os clubes que existiam na cidade podiam ser frequentados por todos os moradores? Por quê?
7 - Bairros (migrantes):
Como foi a construção dos novos bairros da AÇOMINAS?
O que eles ofereciam em termos de infraestrutura e comércio?
“Nativos” habitavam nesses bairros?
Os antigos habitantes participaram da implantação do planejamento urbano?
Como era a relação entre os moradores?
Havia diferença entre os moradores dos bairros? Se sim, como elas se expressavam?
Vocês conviviam com os moradores de outros bairros construídos pela empresa?
A AÇOMINAS ajudava na manutenção das casas? Como? Você ou seus filhos pagam
aluguel?
8 - Mudanças (“nativos”):
A cidade mudou ao longo dos anos? Quais foram as principais mudanças?
Como os moradores viam e regiam a essas mudanças?
A implantação da AÇOMINAS interferiu em sua vida? Como?
Importância da AÇOMINAS para a cidade?
O que os “nativos” ganharam e perderam com a implantação da AÇOMINAS?
A cidade melhorou ou piorou com a empresa?
A Prefeitura e a AÇOMINAS se faziam presentes nas melhorias urbanas? Atuavam como?
Você ou seus filhos pagam aluguel?
9 - Política (“nativos” e migrantes)
A AÇOMINAS e a GERDAU atualmente interferia e interefere na política local? Como?
Como era a política na cidade? Como é hoje na sua opinião? Partidos, líderes?
Como forasteiro você participava da política local?
Os funcionários da empresa se faziam presentes nos eventos políticos?
Como nativo, você se sentia parte do processo político? Como exerceu e exerce sua
cidadania?
10 - Relações entre os “nativos” e os migrantes:
Nativos e migrantes se relacionavam? Descreva as relações.
Como os “nativos” receberam os migrantes?
Os migrantes procuraram se relacionar com os “nativos”?
11 –Legislação municipal (“nativos” e migrantes):
Sabe o que é Plano Diretor? Participou da elaboração? O município mudou depois de 2007?
Qual o maior problema que você vê hoje no município?
O que pensa sobre as terras que não têm uso na cidade? O que isso implica na sua opinião?
O que pensa sobre o valor do m² nos bairros construídos pela AÇOMINAS e os da PMOB?
Você acha que a PMOB pode fazer algo? O que pensa sobre o desenvolvimento da cidade?
170
Na sua opinião, porque outras empresas não se fixam aqui?
O que você espera do município e o que a legislação pode ajudar a trazer prosperidade.
171
APÊNDICE B – Dados dos entrevistados
Entrevistados Eixo I – Pessoas ou cônjuges que mantêm ou mantiveram vínculos
empregatícios com a AÇOMINAS S/A e/ou GERDAU AÇOMINAS
Entrevistados Eixo II – Pessoas quenãomantêm ou mantiveram vínculos empregatícios
com a AÇOMINAS S/A e/ou GERDAU AÇOMINAS
172
ANEXOS
ANEXO A
Setorização do município de Ouro Branco – PDU/1978
173
ANEXO B
Mapa de zoneamento – LUOS/1978
174
ANEXO C
Mapa de zoneamento – LUOS/2010
175
ANEXO D
Arrecadação de IPTU da GERDAU AÇOMINAS à PMOB
2009/2010
2011/2012
176
2013/2014
177
2015/2016
2017/2018
178
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