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POVO TRADICIONAL POMERANO: UM DIÁLOGO SOBRE
INTERCULTURALIDADE
Erineu FOERSTE/UFES(*)
RESUMO: O trabalho discute cultura e educação do povo tradicional pomerano (Decreto
6.040/2007). Coloca em questionamento principalmente a falta de políticas públicas na
oferta de ensino bilíngue em comunidades tradicionais pomeranas. Abordagens sócio-
históricas (Fichtner et al: 2013) fundamentam praxis de análise da problemática em
questão na perspectiva das chamadas políticas afirmativas em comunidades de Vila
Pavão, Pancas, Laranja da Terra, Santa Maria de Jetibá e Domingos Martins no Estado
do Espírito Santo, Brasil. Apresenta alguns resultados de investigações desenvolvidas até
o momento a respeito do Programa de Educação Pomerana – PROEPO. Finaliza
destacando a importância da inclusão dos povos tradicionais na agenda de pesquisa das
universidades. Já se observam alguns impactos na valorização da identidade do
tradicional pomerano em face às discussões de cultura e interculturalidade.
Palavras-chave: Pomeranos;Povos tradicionais; Educação intercultural.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Os primeiros pomeranos ao chegar no Brasil há 150 anos atrás desembarcaram no Porto
de Vitória no Estado do Espírito Santo na Região Sudeste do Brasil e ajudaram a fundar
a cidade de Santa Leopoldina em meio às montanhas, acerca de 50 Km do litoral. Aos
poucos migraram para outras regiões do Estado, onde hoje vivem em municípios como
Santa Maria de Jetibá, Laranja da Terra, Pancas, Vila Pavão entre outros. Este povo
tradicional (BRASIL: 2007) (1) produz sua existência material e simbólica na sua relação
com o mundo do trabalho, principalmente a partir da agricultura familiar agroecológica
(Merler et al.: 2012).
Os pomeranos, juntamente com outros povos tradicionais (indígenas, quilombolas,
ribeirinhos etc.) fazem história não apenas sob as condições que lhes são dadas, como
dizia Marx, mas nas contradições da sociedade de classes, conforme Fornet-Bitancourt
(2001), colocando-a sempre em questão nas lutas coletivas por direitos sociais. Como o
povo tradicional pomerano produz práticas sociais e políticas interculturais?
Constituindo sua humanidade, ao mesmo tempo em que humanizam o mundo pela práxis,
os trabalhadores em geral e os povos tradicionais de modo especial produzem culturas
como forma de resistência ao projeto hegemônico de desenvolvimento e de educação do
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capitalismo (Fichtner et al: 2013; Merler et al: 2013). Partindo desses pressupostos, este
trabalho objetiva analisar, compreender e dar visibilidade a aspectos do patrimônio
material e imaterial do povo tradicional pomerano. Aqui daremos ênfase às práticas
políticas e pedagógicas que têm sido produzidas como ação coletiva para superar
injustiças sociais e processos de exclusão cultural, especificamente no que se refere às
comunidades pomeranas no Estado do Espírito Santo, Brasil.
POVO POMERANO TRADICIONAL
Nossas investigações emergem dos trabalhos desenvolvidos no Grupo de Pesquisa
(CNPq) Culturas, parcerias e educação do campo do Programa de Pós-Graduação em
Educação - PPGE do Centro de Educação - CE da Universidade Federal do Espírito Santo
– UFES. Estabelecem-se interlocuções com a produção acadêmica acumulada sobre a
questão pomerana no Brasil, em especial com o trabalho de mestrado de Adriana Vieira
Guedes Hartwig, intitulado Professores (as) pomeranos (as): um estudo de caso sobre o
Programa de Educação Escola Pomerana – PROEPO no município de Santa Maria de
Jetibá/ES (Hartwig: 2011). Os debates identificam-se com a perspectiva teórico-prática
de que é na luta pela redistribuição e pelo reconhecimento, conforme Semeraro (2006 e
2009), que os oprimidos produzem praxis sociais e culturais alternativas de emancipação
humana.
No geral essas pesquisas apontam para reivindicações dos pomeranos, articulados com
outros povos tradicionais, por direitos sociais como luta intercultural (Fornet-Betancourt:
2001). O povo pomerano no Brasil (BRASIL: 2007) organiza-se internamente de forma
crescente nos últimos decênios e é reconhecido publicamentepara fortalecer lutas
coletivas pelos direitos sociais com povos indígenas (Tupinikim e Guarani), quilombolas,
assentados de reforma agrária, caiçaras, ribeirinhos, pescadores, ciganos etc. Inscreve-se
assim, no contexto de lutas históricas dos povos tradicionais e outras comunidades do
campo (agricultores familiares em geral, trabalhadores rurais vinculados ao Movimento
Sem Terra – MST, ao Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA etc.) como
protagonismo na conquista de políticas afirmativas de inclusão social.
Os povos europeus da imigração tardia (esses povos não estão alinhados ao projeto
predatório de colonização promovido pelas coroas portuguesa e espanhola) chegaram ao
Brasil no final da primeira metade do século XIX. No Estado do Espírito Santo os
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primeiros imigrantes alemães vieram a partir de 1847 (2). As primeiras Comunidades
Pomeranas começaram a se constituir nas montanhas espírito-santenses em 1859.
A imigração fez parte do processo acelerado de transformações sociais que ocorreram no
Brasil na segunda metade do século XIX e início do século XX. A ascensão das ideias
republicanas, em substituição ao Brasil Império, com transformações políticas, sociais e
culturais, teve impacto direto na população de imigrantes germânicos assentados em
diversos Estados da Região Sudeste e Sul do país. (3)
Especificamente no que se refere à educação escolar, o período inicial do século XX
caracteriza-se pela forte influência do Projeto Escolanovista, criado por John Dewey,
sobretudo através da Escola de Chicago. Este ideário norte-americano serve de base para
incremento do projeto educacional nacionalista brasileiro de Getúlio Vargas. Isso
significa, concretamente, a construção de estratégias pedagógicas e políticas para
fortalecer a identidade nacional.
A passagem do Brasil Colônia à consolidação da República é acompanhada de mudanças
desde a reconstrução arquitetônica das cidades às esferas administrativas do estado
brasileiro. No bojo das transformações por que passava o Brasil naquele período, vale
destacar as reformas educacionais da era do Presidente Getúlio Vargas (4), com atenção
à Reforma Educacional Francisco Campos (1931) e a Reforma Gustavo Capanema
(1942), que são orientadas ideologicamente pelo discurso modernista e dão sustentação
aos projetos de nacionalização do estado brasileiro, na lógica do Estado ditatorial. A
educação, nessa perspectiva, ocupa papel fundamental na propaganda nacionalista.
Segundo Nagle (1974), o movimento do otimismo pedagógico atribui à educação a tarefa
redentora e unificadora do estado brasileiro; também favorece as medidas de
nacionalização das escolas comunitárias, a proibição do ensino da língua e cultura alemãs
em escolas das comunidades de imigrantes situadas grosso modo no Rio Grande do sul,
Santa Catarina e Espírito Santo e a institucionalização da escola primária como
“democratizadora” do acesso à formação dos trabalhadores. Também, na esteira da
discussão nacionalista ganha força o movimento do ruralismo pedagógico, que defendia
maior equidade na relação campo e cidade, para justificar formas de cobrança tributária.
Este movimento suscita olhar do poder central da união sobre as escolas campesinas de
comunidades de imigrantes para incremento da nacionalização dos projetos de educação
locais como estratégia fundamental à unificação do Estado nacional e como campo de
disseminação ideológica das concepções hegemônicas do “Estado Novo”.
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Conforme discussões da época, a imigração representava um mal necessário. Segundo
Menucci (1934) a presença de imigrantes apresentou-se, sobretudo na primeira metade
do século XX, como um problema que explicitava a dialética do progresso e da
civilização. O estrangeiro foi considerado peça chave, ao mesmo tempo em que era
tomado como indesejável. Para fazer frente ao problema, medidas foram tomadas como
a obrigatoriedade do domínio da língua portuguesa, sobretudo pelas crianças em idade
escolar.
À revelia desse processo de nacionalização, em cujo movimento a educação foi afetada
de forma muito especial, o povo tradicional pomerano (BRASIL: 2007) manteve suas
culturas e identidades. A língua pomerana constitui uma das dimensões articuladoras,
para reconhecimento dos pomeranos atualmente no cenário das lutas coletivas por direitos
sociais. Ela é patrimônio cultural de um povo tradicional brasileiro.
Hoje há cerca de 300 mil pomeranos no Brasil (5). No Estado do Espírito Santo estima-
se uma população de 120 a 150 mil pomeranos, conforme levantamentos preliminares
realizados por Jacob (2012), apresentados no quadro (6).
Representantes dos municípios de Santa Maria de Jetibá, Domingos Martins, Laranja da
Terra, Vila Pavão e Pancas no Estado do Espírito Santo – Brasil articularam esforços
interinstitucionais e estabeleceram parcerias (Foerste: 2005) para elaboração do Projeto
de Educação Escolar Pomerana - PROEPO que visa valorizar e fortalecer a cultura e
língua pomeranas.
EDUCAÇÃO POMERANA NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO: UM DIÁLOGO
O ano de 2003 é um marco importante nesse processo, quando foi implementado o
PROEPO. Surgiu a partir da preocupação de lideranças comunitárias articuladas a alguns
dirigentes municipais, por um lado, a partir de avaliações que apontam situações
concretas em que parte das gerações mais novas das comunidades pomeranas não se
interessam mais em falar pomerano em contexto familiar e público. De outro lado, pais,
mães, membros das comunidades (igreja, lideranças da sociedade civil), professores,
pesquisadores, etc. manifestam há muito tempo preocupação com o fracasso escolar de
crianças de origem pomerana, principalmente nas séries iniciais, pelo fato de dominarem
o pomerano como língua materna e não falarem a língua portuguesa ao ingressarem na
escola.
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Dentre as dificuldades mais preocupantes em relação à escolarização desses estudantes,
as pesquisas de Mian (1993), Weber (1998), Siller (1999), Ramlow (2004) e Hartwig
(2011) destacam: a) alto índice de reprovação; b) currículo desvinculado do contexto
social; c) contratação de professores que não falam pomerano; d) gestores educacionais e
equipe pedagógica que desconhecem a realidade local campesina e promovem
fechamento de escolas locais (Merler et al: 2013; Foerste et al: 2013); e) subestimação
da capacidade de aprendizagem das crianças pomeranas; f) exclusão dos alunos das
práticas escolares por não serem compreendidos em sua língua nem compreender a língua
portuguesa; g) reprodução do mito de que os pomeranos são tímidos.
A criança de origem pomerana, ao ingressar na escola de Ensino Fundamental, é
incumbida de duas tarefas simultâneas: aprender outra língua e atender aos objetivos do
período de alfabetização (1º ao 2º anos do Ensino Fundamental, para desenvolver
habilidades de leitura e produção de textos escritos na língua oficial (Língua Portuguesa),
muitas vezes isso é feito em detrimento da língua materna (Língua Pomerana) (7).
Estudiosos do campo da educação, vinculados a diferentes linhas de pesquisa no
Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE da Universidade Federal do Espírito
Santo – UFES(8) na produção de dissertações de mestrado e teses de doutorado,
aprofundaram pesquisas em comunidades pomeranas (Mian: 1993; Weber: 1998; Siller:
1999; Ramlow: 2004; Delboni: 2006; Hartwig: 2011; Cosmo: 2014). Denunciam os
ataques à alteridade e às especificidades do povo pomerano e sinalizam para a importância
e a necessidade de reflexões, com implementação de políticas públicas que superem
problemas que entravam a escolarização dos pomeranos.
As práticas escolares desconsideram a cultura e a língua pomerana. Existem relatos de
professoras que são orientadas a proibir que as crianças façam uso da língua materna
pomerana durante os períodos escolares regulares, sob a alegação de que a função da
escola é ensinar a ler e escrever na língua oficial. Este processo remete ao período de
nacionalização instituído no Brasil, sobretudo no período da Segunda Guerra Mundial.
O fato de muitas crianças falarem o pomerano como língua materna ao ingressarem na
escola é apontado por muitos professores e gestores educacionais como causa de fracasso
escolar em contextos sociais com presença do povo tradicional pomerano. As pesquisas
colocam em evidência os impactos desse quadro. As crianças de descendência pomerana
de modo geral, destacadamente as que ainda vivem com seus familiares em comunidades
tradicionais, sentem-se na escola e são vistas pelos profissionais do ensino, no dizer de
muitos pais, como estranhos fora do ninho ou estrangeiros na própria comunidade
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tradicional, onde a absoluta maioria da população fala o pomerano no dia-a-dia. As
dificuldades de se comunicar em português geram extremo constrangimento (confundido
muitas vezes com timidez) para essas crianças e respectivas comunidades, impedindo-
lhes de participar de forma espontânea e ativa da vida da escola, tornando a prática
pedagógica cheia de significados culturais (Mclaren: 1997) ainda pouco estudado
academicamente. Mesmo quando solicitadas a falar em sua língua ou em português,
preferem ficar silenciosas. Presenciamos em nossas pesquisas, relatos de crianças que têm
medo de fazer perguntas referentes aos conhecimentos escolares por causa da dificuldade
de comunicação na Língua Portuguesa. Elas têm “medo” de falar errado. O recreio é, não
raras vezes, o momento em que as crianças se sentem livres no contexto escolar para
conversarem em pomerano, longe do controle da equipe pedagógica.
Narrativas das famílias de crianças de origem pomerana explicitam sentimento de tristeza
face ao fato dos filhos resistirem de forma crescente para falar a língua materna (o
pomerano) de forma crescente também em casa, depois de ingressarem na escola. Ao
mesmo tempo há aqueles que se sentem culpados por não ensinarem a língua pomerana
aos filhos; chegam a confessar que agindo assim, podem proteger as gerações mais novas
de enfrentar as mesmas dificuldades pelas quais passaram no período da escolarização,
decorrentes de sofrimentos relacionados ao preconceito e exclusão vividos na própria
pele.
As pesquisas de Siller (1998), desenvolvidas no contexto da Educação Infantil em Santa
Maria de Jetibá, demonstraram o desejo das famílias em ver uma escola que incentiva a
valorização da cultura e da língua pomeranas. Há relatos de pais dizendo que as crianças
deveriam aprender os saberes da escola por meio das duas línguas, português e pomerano;
outras sugeriram duas professoras: uma professora para falar pomerano e outra para falar
português. O bilingüismo foi apresentado como proposta de trabalho pela maioria das
famílias entrevistadas.
Porém, foi só a partir de fevereiro de 2005 que o PROEPO consolidou-se. Por iniciativa
de novos administradores de Santa Maria de Jetibá, o debate foi retomado junto com os
demais municípios envolvidos e resultou na contratação do etnolinguista Ismael
Tressmann como assessor de educação pomerana, responsável de ministrar curso de
formação em serviço para os professores dos cinco municípios que adotaram um
programa específico de educação nas comunidades pomerana. Objetivou-se instituir o
bilinguismo nas escolas a partir de ações do poder público local.
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A adesão dos professores nesse projeto vem sendo crescente, porém sempre de forma
voluntária. Para participar do PROEPO exige-se que o professor seja falante da língua
pomerana, uma vez que um dos objetivos é também promover o ensino da escrita do
pomerano. Utiliza-se como material de apoio um dicionário pomerano/português
elaborado pelo assessor do PROEPO e publicado em parceria com a Secretaria de Estado
de Educação do Espírito Santo - SEDU (Tressmann: 2006a). Em 2007, o projeto foi
transformado em programa por se acreditar que esse seria um trabalho permanente e
consistente.
A criação deste programa concretizou-se através de parcerias interinstitucionais,
fortalecendo formas antigas de organização social nas comunidades tradicionais
pomeranas e práticas culturais diversas. Referem-se a práticas comunitárias identificadas
entre os pomeranos já na época da imigração, mantendo-se até os dias atuais. O
sentimento coletivo pode ser observado em narrativas de memórias. Ainda hoje, como
nos primeiros tempos de formação das comunidades locais, quando esse povo tradicional
se organizava em mutirões para realizar festas comunitárias, religiosas e casamentos,
construção de casas, abertura de estradas, etc. As pesquisas de Ismael Tressmann
recuperam narrativas populares, contadas de geração em geração; registram-se receitas
da culinária pomerana (sopa de pêssego, sopa de frango com aipim, pão de banana etc.),
tradições do casamento pomerano (Tressmann: 2006b).
Filmes e documentários (9) sobre a cultura pomerana retratam eventos comunitários e em
contextos familiares de um povo tradicional, alegre, participativo, solidário e interessado
no trabalho coletivo. Os pomeranos, independente da faixa etária ou do gênero de cada
pessoa, participam ativamente da organização do processo produtivo na da agricultura
familiar agroecológica, integram-se aos momentos em que promovem trabalho coletivo
para construir pontes, estradas, casas, organizar festas comunitárias, casamentos etc. até
os dias atuais. O trabalho em mutirão é referência para o cultivo de uma forma tradicional
peculiar do modo de se viver em comunidade. É uma tradição trazida da antiga Pomerânia
e aqui, no contato e diálogo com outras culturas de povos tradicionais em seus respectivos
territórios (indígenas, quilombolas, caiçaras, extrativistas, pescadores etc.), ressignifica-
se e abre possibilidades de produzir outras culturas, apesar de manter muitos dos traços
originais dos tempos ancestrais dessas práticas.
Este encontro de culturas produz modos de se viver que podem ser definidos como
práticas interculturais. Para Fornet-Betancourt (2001) a interculturalidade caracteriza
como alternativa de lutas coletivas produzidas em contextos específicos por sujeitos
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excluídos, quando se articulam para a conquista de direitos sociais. Os grupos se
organizam e passam a lutar por condições dignas de vida para todos (educação, saúde,
moradia, direito à terra etc.). Para Gramsci (1978), conforme dicute Semeraro (2006 e
2009), os sujeitos no mundo capitalista, considerada a correlação de forças entre os que
detêm o processo produtivo (classe dirigente) e aqueles que vendem sua força de trabalho
(os trabalhadores), produzem formas de ideologias que garantem a hegemonia daqueles
que estão no comando. A interculturalidade é compreendida como alternativa de
resistência dos povos tradicionais face ao projeto de desenvolvimento e de progresso do
capital, que se institui a partir do agronegócio, do latifúndio, da industrialização etc. Paulo
Freire (1970 e 1996) e Bakhtin (1991) falam-nos das práticas culturais como
possibilidades de diálogo entre sujeitos que articulam esforços coletivos e desse modo
produzem libertação de dominados e dominadores. Segundo Semeraro (Op. cit.) a
emancipação humana pressupõe crítica ao capital internacional e ruptura com as
desigualdades sociais por ele produzidas. Interculturalidade, portanto, é luta por direitos
sociais dos oprimidos, como forma de resistência ao projeto hegemônico de progresso da
elite. Por isso se define essencialmente como diálogo libertador, pelo qual opressor e
oprimido se emancipam e superam as desigualdades sociais.
Assim podemos dizer que o povo pomerano produz interculturalidade ao fortalecer lutas
coletivas juntamente com outros povos tradicionais, o que se traduz, por exemplo, nas
agendas específicas deste grupo social (e o PROEPO é uma causa apoiada pelos coletivos
dos pomeranos) e/ou nas pautas discutidas e encaminhadas na Comissão Nacional dos
Povos e Comunidades Tradicionais (Decreto 6040/2007). São práticas de resistência e
por isso mesmo também ações articuladas de libertação. A conquista de direitos sociais
pelos excluídos é, portanto, mola propulsora da interculturalidade no cenário da América
Latina.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os indivíduos do povo pomerano por muito tempo se consideraram e foram chamados
pelos outros como alemães. Havia, porém, muito preconceito em relação à cultura
pomerana, considerada inferior aos costumes dos alemães (Tressmann: 2005; Thum:
2009; Bahia: 2011; Siller: 1999). Hoje se produzem reconhecimentos acadêmicos com
pesquisas sobre a cultura e língua pomeranas. Uma das formas de dominação de um povo
sobre outro se dá pela imposição da língua, a exemplo do que ocorreu e continua muito
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presente no Brasil em relação aos povos indígenas. Esse é o modo eficaz, apesar de se
constituir um processo lento, de um grupo dominante impor sua cultura a outro grupo não
hegemônico. De certa maneira, a nacionalização do ensino no Brasil cumpriu este papel
em relação aos povos de cultura germânica no século passado.
No ano de 1530, a Reforma Luterana é introduzida na Pomerânia (Röelke, 1996), assim,
a língua alemã foi imposta e estabelecida nas igrejas, escolas e repartições públicas da
Pomerânia. Depois da imigração do pomeranos, os pastores luteranos enviados para as
comunidades realizavam os cultos nas igrejas e ministravam aulas nas primeiras escolas
também na língua alemã. Durante a Segunda Guerra Mundial, com a nacionalização do
ensino, a política de Getúlio Vargas instituiu a proibição da língua alemã, tornando
obrigatório somente o uso nas comunidades e nas escolas da Língua Portuguesa.
Porém, mesmo à margem do projeto cultural hegemônico no país, os praticantes da língua
pomerana falada, por inúmeras vezes, optaram por estratégias de transgressão ideológica
e recusa à opressão das classes dominantes. Assim mantiveram sua língua materna em
diferentes contextos sociais, longe do controle do poder oficial (lar, trabalho na lavoura,
mutirões, festas comunitárias, casamentos etc.). A resistência dos pomeranos indica uma
postura de luta pelos direitos sociais na perspectiva das práticas iterculturais, da mesma
forma que outros povos tradicionais o fizeram e continuam fazendo no cenário brasileiro
e da América Latina. Hoje os pomeranos se fortalecem no contato mais direto com outros
povos tradicionais, como, entre outros, os indígenas e quilombolas, ribeirinhos, o que
coloca para a universidade o desafio de aprofundamento de estudos na perspectiva
intercultural, no esforço de se interpretar aspectos da língua e culturas do povo tradicional
pomerano no Brasil.
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NOTAS:
(*)Professor Associado da Universidade Federal do Espírito Santo.
(1) O Decreto Federal nº 6.040 de 07 de fevereiro de 2007 institui a Política Nacional de
Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Foi criada uma
comissão nacional de povos tradicionais em que os pomeranos têm assento.
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(2) A primeira colônia de imigrantes germânicos estabelece-se em Santa Isabel,
Domingos Martins no Estado do Espírito Santo.
(3)
Fonte: Acervo Família Foerste; Autor Emílio Schultz (Pancas); Data 1942.
(4) A assim chamada Era Getúlio Vargas da história do governo brasileiro inicia-se em
1930 com a eleição democrática do caudilho legado pelo Estado do Rio Grande do Sul e
termina com o seu suicídio em 1945.
(5) O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE não incluiu ainda no censo
nacional questões específicas sobre o povo pomerano, a exemplo do que já vem sendo
feito oficialmete no caso dos indígenas e quilombolas
(6) População Pomerana do Estado do Espírito Santo - Brasil - estimado
MUNICÍPIOS
POPULAÇÃO (IBGE\2010)
PERCENTUAL
ESTIMATIVA
POMERANOS
1 - Santa Maria de Jetibá 34.774 80% 27.819
2 - Laranja da Terra 10.826 70% 7.578
3 - Vila Pavão 8.672 60% 5.203
4 - Domingos Martins 31.847 60% 19.108
5 - Pancas 21.548 40% 8.619
6 - Afonso Cláudio 31.091 60% 18.654
7 - Baixo Guandú 29.081 40% 11.632
8 – Itaguaçu 14.134 40% 5.653
9 – Itarana 10.881 50% 5.440
10 - Vila Valério 21.823 30% 6.546
11 - São Gabriel da Palha 31.859 10% 3.186
12 – Colatina 111.788 5% 5.589
13 - Marechal Floriano 14.262 30% 4.278
14 - outros Municípios 16.000
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Quadro: População Pomerana do Estado do Espírito Santo - Brasil (dados aproximados)
(7) Sobre o conceito de língua pomerana consultar: Tressmann (2005) e Tressmann et al
(2009).
(8) Consultar as homepage: www.ufes.br e www.ppge.ufes.br
(9) Ver filmes e documentários sobre os pomeranos: Jacob (2005) – Bate-paus;
Krüger (2009) – A trajetória de um povo; Sá e Foerste (2010) – A estrada silvestre; entre
outros.
TOTAL 145.309
Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade
EdUECE - Livro 303457
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