prerrogativas da fazenda publica em juizo e o principio da isonomia clarissa
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PRERROGATIVAS DA FAZENDA PÚBLICA EM JUÍZO E O PRINC ÍPIO DA
ISONOMIA
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A palavra Fazenda Pública é empregada em diversas acepções.
Tradicionalmente como a área da Administração Pública que trata da gestão
das finanças, bem como da fixação e implementação de políticas econômicas.
Segundo De Plácido e Silva, Fazenda Pública é
a denominação genérica a qualquer espécie de fazenda, atribuída ás pessoas de Direito Público. Nela, assim, se computam a Fazenda Federal, Fazenda Estadual e Fazenda Municipal. E, desta foram, Fazenda Pública é sempre tomada em amplo sentido, significando toda soma de interesse de ordem patrimonial ou financeira da União, dos Estados federados ou dos Municípios, pois que, sem distinção, todas se compreendem na expressão. Os administradores da Fazenda Pública são o Ministro da Fazenda, em relação à Federal, e os Secretários de Fazenda ou prefeitos, em relação às demais. Nas ações judiciais, representam-se pelos advogados ou procuradores instituídos, seja como funcionários públicos, seja como meros mandatários. Dizem-se também, procuradores dos feitos da fazenda, quando exercem o cargo em caráter efetivo e de função pública.1
Com o uso frequente desse termo, passou-se a utilizá-lo em sentido
mais lato, traduzindo a atuação do Estado em juízo. Sobre o tema, Leonardo
José Carneiro da Cunha dispõe que
no direito Processual a expressão Fazenda Pública contém o significado de Estado em Juízo. Daí porque quando se alude à Fazenda Pública em juízo, a expressão apresenta-se como sinônimo do Estado em juízo ou do ente público em juízo, ou, ainda, da pessoa jurídica de direito público em juízo.”2
1 FAZENDA PÚBLICA. In. SILVA, De Plácido. Vocabulário Jurídico . 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 351. 2 CUNHA, Leonardo Jose Carneiro da. A fazenda pública em juízo . 5. ed. rev., ampl. a atual. São Paulo: Dialética, 2007. p. 15.
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Esclarece Hely Lopes Meirelles, que
a administração Pública, quando ingressa em juízo por qualquer de suas entidades estatais, por suas autarquias, por suas fundações públicas ou por seus órgãos que tenham capacidade processual, recebe a designação tradicional de Fazenda Pública, porque seu erário é que suporta os encargos patrimoniais da demanda”.3
Cândido Rangel Dinamarco, entende que o termo Fazenda Pública
representa a personificação do Estado, abrangendo as pessoas jurídicas de
direito público.4
Por sua vez, para legislação processual civil o termo Fazenda
Pública refere-se à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e a
suas respectivas autarquias e fundações. Nos artigos 20, parágrafo 4º; 27,
188;277, caput , parte final; 988, IX; 999; 1002 e 1007 do Código de Processo
Civil é possível verificar o uso deste termo, sendo que nos artigos 475; 511,
parágrafo 1º; 943 e 1143 o Código discrimina as modalidades fazendárias.5
Em relação à Administração indireta, verifica-se que as empresas
públicas e sociedade de economia mista, por possuírem natureza de pessoa
jurídica de direito privado, não integram o conceito de Fazenda Pública,
diferentemente das autarquias e fundações, que são pessoas de direito
público.
Em relação às fundações, há uma ressalva. Somente entra no
conceito a fundação pública, excluindo a privada. “A jurisprudência vem
entendendo que, conquanto detenham tal denominação, aquelas tidas como de
direito público são criadas por lei para exercer atividades próprias do Estado,
desincumbindo-se de atribuições descentralizadas dos serviços públicos e
sendo geridas por recurso orçamentários. São, portanto, equiparadas a
autarquias”. 6
3 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo . 23. ed, 2ª tiragem, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 590. 4 DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno . 3 ed. São Paulo: Malheiros, 2000, n. 78, T.3. p. 179. 5 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Execução contra a Fazenda Pública . São Paulo: Dialética, 1998, p. 15. 6 CUNHA, Leonardo Jose Carneiro da. Op. cit., p. 16.
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Vejamos alguns precedentes jurisprudenciais nesse sentido:
Administrativo e Processual Civil. Fundação de Saúde instituída pelo Poder Público através de Lei. Pessoa Jurídico de Direito Público. Aplicação da Regra Inserta no art. 188 do CPC. Não incidência do art. 16, I, do CC. Precedentes do STF e STJ. Recurso Conhecido e Provido. I – Fundação instituída pelo poder público, através de lei, com o fim de prestar assistência social à coletividade, exerce atividade eminentemente pública, pelo que não é regida pelo inciso I do art .16 do CC. Trata-se, na verdade, de pessoa jurídica de direito público, fazendo jus às vantagens insertas no art. 188 CPC . II – Recurso Especial conhecido e provido.7 (grifos meus) AGRAVO. DECISÃO MONOCRÁTICA. RECURSO DE REVISTA. DESPACHO DE ADMISSIBILIDADE. INTIMAÇÃO PESSOAL. FUNDAÇÃO PÚBLICA DA UNIÃO.INOBSERVÂNCIA. NULIDADE DOS ATOS. 1. A União deve ser intimada na pessoa do Procurador Geral ou na do membro da Advocacia Geral, nas causas em que for interessada na condição de autora, ré, assistente, opoente, recorrente ou recorrida, sob pena de nulidade. 2. Despacho de admissibilidade de recurso de revista publicado em diário oficial, sem intimação pessoal do representante legal da fundação pública, implica cerceamento de defesa, com afronta ao art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, tornando-se nulos todos os atos subseqüentes. 3. Agravo a que se dá provimento.8
Assim verifica-se que conceito de Fazenda Pública abrange a
União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas
autarquias e fundações públicas, sendo certo que as agências executivas ou
reguladoras, sobre ostentarem o matiz de autarquias especiais, integram o
conceito de Fazenda Pública.
Importante mencionar ainda, sobre a representação da Fazenda
Pública em juízo. Antes da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público
Federal representava a União. Hoje não mais é possível, conforme dispõe o
art. 129, IX, da Constituição Federal. Vejamos:
7 Acórdão unânime da 2ª Turma do STJ. REsp 148.521/PE, rel. Min. Adhemar Maciel, j. 16/06/1998, DJ de 14/ 09/1998. 8 TST - RECURSO DE REVISTA: A-RR 2145 2145/1998-035-01-00.6. Publicação: DJ 24/03/2006.
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Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: � rol exemplificativo IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Leonardo José Carneiro da Cunha ressalta que
sendo causa originária do STF, a representação da União cabe privativamente ao Advogado-Geral. Nos demais órgãos do Poder Judiciário, se a causa for tributária, a representação será confiada à Procuradoria da Fazenda Nacional; não sendo tributária, à Advocacia-Geral da União...”.9
Os Estados, por sua vez, são representados judicialmente por seus
Procuradores, organizados em carreira, na qual o ingresso depende de
concurso público de provas de títulos, com participação na OAB em todas as
suas fases. Os procuradores do Estado integram a Procuradoria-Geral do
Estado, órgão componente da Administração Pública direta estadual. A divisão
interna é feita por matérias ou tarefas, sem que tal divisão repercuta na
representação judicial do Estado, ou seja, independentemente da tarefa
desempenhada por certo procurador, pode o mesmo representar a Fazenda
Estadual em juízo, justamente por ser Procurador do Estado.10
Em relação aos Municípios, conforme estabelece o art. 12 do
Código de Processo Civil, são representados em juízo pelo procurador ou
prefeito.
Conforme nos ensina Leonardo José Carneiro da Cunha, “em
princípio a representação do Município em juízo é atribuída ao prefeito. Tal
representação somente se fará por procurador se a lei local criar esse cargo,
com função expressa de representação do ente político”. 11
Celso Agrícola BARBI, comenta
que essa distinção é importante, porque, onde não existir cargo de Procurador, a citação inicial será feita na pessoa do Prefeito; e o advogado que for encarregado
9 Ibidem, p. 24. 10 CUNHA, Leonardo Jose Carneiro da. Op. cit., p. 25. 11 Ibidem, p. 26.
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da defesa dos Direitos do Município necessitará de procuração dada pelo Prefeito, como representante do Município. Mas onde existir o cargo de Procurador, com poderes expressos, a citação inicial será feita a esse, que não depende de mandato para atuar nas causas em que for parte o Município.12
Por sua vez, o Distrito Federal é representado em juízo por sua
Procuradoria-Geral, que é equiparada a Secretarias de Estado, tendo por
finalidade exercer a advocacia pública, cabendo-lhe, ainda, prestar a
orientação normativa e a supervisão técnica do sistema jurídico do Distrito
Federal. 13
Por fim, a representação judicial das autarquias e fundações
públicas é feita, respectivamente, nos termos da lei que as criar e da lei que
autorize sua criação. Desse modo, conforme estabelecido pelas normas
criadoras, a representação pode ser confiada ao seu dirigente máximo ou a
procuradores (chamados de procuradores autárquicos ou de procuradores de
fundações, respectivamente), caso sejam criados tais cargos no âmbito interno
das autarquias e fundações, com função expressa de representá-los em
juízo.14
2 FAZENDA PÚBLICA E O INTERESSE PÚBLICO
A noção de interesse público apresenta uma importância central,
figurando-se como condição de validade dos atos administrativos.
Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello,
o sistema de Direito Administrativo Brasileiro se constrói sobre os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público pela Administração. Tais princípios buscam oferecer uma resposta teórica à tensão que se configura
12 BARBI, Celso Agrícola Barbi. Comentários ao Código de processo Civil . 8. ed. Rio de janeiro: Forense, 1993. p. 91. 13 CUNHA, Leonardo Jose Carneiro da. Op. cit., p. 26. 14 idem, p. 27.
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entre “prerrogativas da Administração – direitos dos administrados”. 15
Nas palavras de Marçal JUSTEN FILHO
Afirmar a supremacia corresponde a reconhecer natureza instrumental aos poderes titularizados pelo Estado e agentes públicos. O exercício das competências públicas se orienta necessariamente à realização do referido interesse público. Isso significa que a interpretação de todas as normas atributivas de poder funda-se em diretriz hermenêutica fundamental, afetando todas as relações jurídicas contidas no âmbito do Direito Administrativo. A construção doutrinária que privilegia o interesse público representa uma evolução marcante em direção à democratização do poder político.16
O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado
constitui um dos alicerces de todo o direito público. Conforme esclarece
Leonardo José Carneiro da CUNHA,
cada vez se consolida o entendimento segundo o qual o princípio da supremacia do interesse público sobre o particular não deve ser fixado ou considerado aprioristicamente, cabendo analisá-lo em cada caso concreto, sopesando e ponderando os interesses em conflito, com base na proporcionalidade. Diante da proporcionalidade, é possível que, no caso concreto, o interesse particular prevaleça sobre o público. Em outras palavras, é possível que o interesse público esteja presente, exatamente, na prevalência do interesse particular. 17
Fernanda MARINELA, em sua obra Direito Administrativo, ressalta
que
o princípio da supremacia determina privilégios jurídicos e um patamar de superioridade do interesse público sobre o privado. Em razão desse interesse público, a
15 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo , 21 ed. São Paulo, Malheiros: 2006. p. 52-54. 16 JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de Interesse Público e a Personalização do Direito Administrativo. Revista Trimestral de Direito Público , nº 26, São Paulo: Malheiros, p 115-116. 17 CUNHA, Leonardo Jose Carneiro da. Op. cit., p. 31-32.
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administração terá posição privilegiada em face de terceiros, além de prerrogativas e obrigações que não são extensíveis aos particulares. A supremacia é considerada um princípio geral do direito, inerente a qualquer sociedade, como condição de sua existência e como pressuposto lógico do convívio social. Esse princípio não está escrito de forma expressa, no texto da Constituição, embora se encontrem inúmeras regras constitucionais que aludem ou impliquem manifestações concretas dessa superioridade do interesse público, como, por exemplo, dispositivos que estabelecem a desapropriação (art. 5º, XXXIV e art. 182 e seguintes, que definem a política urbana no país). Podem-se apontar, ainda, regras sobre requisição de bens, quando há iminente perigo (art. 5º, XXV), disposições de proteção ao meio ambiente, relações de consumo, entre outras.18
Nesse contexto, definir interesse público torna-se uma tarefa difícil,
pois constitui um conceito vago e indeterminado, merecendo análise no caso
concreto para, diante do princípio da proporcionalidade, ser verificada sua
presença.19
Raquel Cavalcanti Ramos Machado, não coaduna com esse
entendimento. Entende que somente é possível referir-se à supremacia do
interesse público sobre o particular,
quando se tratar de conflito entre interesse público primário e interesse do particular não protegido por norma de direito fundamental. E, ainda nesse caso, a Administração terá de agir proporcionalmente, ou seja, sempre visando ao atendimento do interesse público primário, restringindo o interesse particular do cidadão somente na medida do estritamente necessário”. 20
A palavra interesse público não raras vezes está associada a outros
termos, como interesse geral, interesse difuso, interesse coletivo, utilidade
pública, ora mencionada no mesmo sentido ou em sentido diverso.
Conforme esclarece Leonardo José Carneiro da CUNHA o
Interesse social e o geral estão relacionados com a coletividade ou com a sociedade civil, enquanto o interesse público mantém ligação com o Estado. Ao
18 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo . 3ª Ed. Salvador: Juspodium, 2007. p. 24-25. 19 Idem. 20 RAMOS MACHADO, Raquel Cavalcanti. Interesse Público e Direito do Contribuinte . São Paulo: Dialética, 2007. n. 4.2.4, p. 119.
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Estado cabe não semente a ordenação normativa do “interesse público”, mas também a soberana indicação do seu conteúdo. O interesse público constitui interesse de que todos compartilham. A finalidade dos atos administrativos deve vir informada pelo interesse público. A expressão interesse público evoca, imediatamente, a figura do Estado e, mediatamente, aqueles interesses que o Estado “escolheu” como os mais relevantes, por consultarem aos valores prevalecentes na sociedade. Há uma aproximação terminológica entre interesse público e interesse geral.21
O interesse público deve estar presente tanto no momento da
elaboração da lei como no de sua execução pelo administrador público.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro ressalta que “a administração Pública
não é titular do interesse público, mas apenas a sua guardiã; ela tem que zelar
pela sua proteção. Daí a indisponibilidade do interesse público”.22
Assim sendo, conclui-se que a Fazenda Pública não é titular do
interesse público, mas se apresenta com o ente destinado a preservá-lo,
devendo atender a finalidade da lei de consecução do bem comum, a fim de
alcançar as metas de manter a boa convivência dos indivíduos que compõe a
sociedade. Tem por função o bem administrar da coisa pública. 23
3 NECESSIDADE DE SE CONFERIREM PRERROGATIVAS
PROCESSUAIS À FAZENDA PÚBLICA
Conforme exposto, a Fazenda Pública para atuar em juízo necessita
de condições diferenciadas para proteger o interesse público.
José Roberto de MORAES relata que
quando a fazenda Pública está em juízo, ela está defendendo o erário. Na realidade, aquele conjunto de receitas públicas que pode fazer face às despesas não é de responsabilidade, na sua formação, do governante do momento. É toda a sociedade que contribui para isso. (...) Ora, no momento em que a Fazenda Pública é condenada, sofre um revés, contesta uma acão ou
21 CUNHA, Leonardo Jose Carneiro da. Op. cit. p. 32. 22 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição d e 1988. São Paulo: Atlas, 1991, p. 160. 23 CUNHA, Leonardo Jose Carneiro da. Op. cit., p. 33.
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recorre de um decisão, o que se está protegendo, em última análise, é o erário. É exatamente essa massa de recurso que foi arrecadada e que evidentemente supera, aí sim, o interesse particular. Na realidade, a autoridade pública é mera administradora.24
Maria Lúcia Miranda ÁLVARES em sua monografia (A Fazenda
Pública tem privilégios ou prerrogativas processuais?), concluiu que
Nesse contexto, as prerrogativas processuais conferidas à Fazenda Pública teriam o condão de condicionar o processo decisório, ora figurando como ferramentas de proteção à independência das funções estatais, ora determinando a condução desse processo em favor de suas ações, na medida em que o agir do Poder Judiciário está a elas vinculado. Nesse patamar de racionalidade, não se pode negar que o Direito Processual, enquanto ramo da Ciência Jurídica traduz-se como um instrumento identificador de um subsistema político, a ser escolhido pelo cidadão ou pela coletividade com o objetivo de satisfação de um interesse individual ou social (ações coletivas), submetendo o Poder Judiciário ao patamar de instituição que, de igual sorte, importa à governabilidade. Assim sendo, os meios processuais conferidos por lei para materialização do direito, por mais inconcebível que sejam, acabam por influenciar nesse processo decisório, como ocorre com a aplicação da Medida Provisória nº 2.182-35, de 2001, impondo uma reflexão sobre as regras que condicionam a atuação da Fazenda Pública, que se diz sempre em favor da tutela do interesse público, com o objetivo de auferir o equilíbrio e a harmonia dos papéis das instituições democráticas. Daí erigir-se o princípio da razoabilidade como termômetro da consecução desse processo. Em suma, resta evidente que a maximização desses condicionamentos em favor da Fazenda Pública pode levar ao desvio do sistema, daí a necessidade de buscar a razoabilidade das prerrogativas e identificar se elas estão velando pelo respeito aos procedimentos como forma de preservar o Estado Democrático de Direito. Se não houver ressonância, há que se sucumbir à hipótese de que estamos diante de verdadeiros privilégios processuais !25 (grifos nosso)
24 MORAES, José Roberto. Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública. In: SUNDFELD, Carlos Ari; BUENO, Cássio Scarpnella (Coords). Direito Processual Público: A Fazenda Pública em Juízo . São Paulo: Malheiros, 2003. p. 69. 25 ALVARES, Maria Lúcia Miranda. A Fazenda Pública tem privilégios ou prerrogativas processuais? Análise à luz do princípio da isonomia . Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5661>. Acesso em: 16 jul. 2008.
10
Observa--se que a autora classifica como prerrogativas da Fazenda
Pública aquilo que estiver previsto em lei, sendo que excessos podem se
caracterizar privilégios. A solução trazida é a utilização do princípio da
razoabilidade para que não se caracterize abuso.
Sobre os ensinamentos do ilustre doutrinador, Leonardo José
Carneiro da CUNHA,
as “vantagens” processuais conferidas à Fazenda Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contêm fundamento razoável, atendendo, efetivamente ao princípio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.26
Assim sendo, verifica-se que a doutrina se manifesta no sentido de
que essas prerrogativas conferidas à Fazenda Pública não fere o princípio da
isonomia, pois sendo promotora de interesse público, faz jus a benefícios
processuais não concedidos ao particular.
4 DAS PRERROGATIVAS CONFERIDAS À FAZENDA PÚBLICA
Através do Código de Processo Civil é possível verificar vários
artigos que trazem alguns benefícios processuais para a Fazenda Pública.
O art. 99 do CPC27 menciona os privilégios de foro na Capital do
Estado ou do território quando em litígio; art. 18828 traz a regra do prazo em
quádruplo para contestar e em dobro para recorrer; art. 475, II29, dispõe sobre o
reexame necessário das sentenças proferidas contra a Fazenda Pública; o art.
26 CUNHA, Leonardo Jose Carneiro da. Op. cit ., p. 34. 27 “Art. 99 CPC. O foro da Capital do Estado ou do Território é competente: I - para as causas em que a União for autora, ré ou interveniente; II - para as causas em que o Território for autor, réu ou interveniente.” 28 “Art. 188 CPC. Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”. 29 “Art. 475. CPC Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).”
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20, §4º30 prescreve sobre a fixação diferenciada dos honorários advocatícios
em caso de sucumbência, mediante apreciação equitativa do juiz e observados
o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e
importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido
para seu serviço; o art. 51131, dispensa o preparo para a interposição de
recursos; o art. 2732 dispensa o adiantamento das despesas dos atos
processuais eventualmente requeridos, pagos ao final pelo vencido; ainda
temos a regra do art. 928, parágrafo único33, que prevê a audiência prévia em
caso de requerimento de medida liminar em ação possessória e também a
regra do art. 64934 que prevê impenhorabilidade de seus bens (mesmo
dominicais); e, por fim, a regra do art. 488, parágrafo único35, que dispensa o
depósito prévio para ajuizamento de ação rescisória.
A legislação especial também traz algumas prerrogativas quando a
Fazenda Pública atua em juízo.
30 “Art. 20.CPC A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa pró § 4o Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior” 31 “Art. 511 CPC. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. § 1o São dispensados de preparo os recursos interpostos pelo Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios e respectivas autarquias, e pelos que gozam de isenção legal.“ 32 “Art. 27 CPC . As despesas dos atos processuais, efetuados a requerimento do Ministério Público ou da Fazenda Pública, serão pagas a final pelo vencido.” 33 “Art. 928 CPC . Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada. Parágrafo único. Contra as pessoas jurídicas de direito público não será deferida a manutenção ou a reintegração liminar sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais” 34 “Art. 649. São absolutamente impenhoráveis: IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social;” 35 “ Art. 488. A petição inicial será elaborada com observância dos requisitos essenciais do art. 282, devendo o autor: I - cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da causa; II - depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou improcedente.Parágrafo único. Não se aplica o disposto no no II à União, ao Estado, ao Município e ao Ministério Público.”
12
A primeira espécie normativa de que se cuida é a Lei n° 6.830 de 22
de setembro de 1980, que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da
Fazenda Pública e dá outras providências. Esta lei rege todo o processo de
execução fiscal dos entes públicos que detém esta prerrogativa, especificando
o art. 1° a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas
Autarquias.
A Lei n° 8.397, de 06 de janeiro de 1992, inst itui a medida cautelar
fiscal e dá outras providências, mencionando o tema nos arts. 2°, 4°, 5°, 6°, 7°,
9°, 10, 11, 13, 14, 15 e 16.
O Decreto-Lei n° 70, de 21 de novembro de 1966 , autoriza o
funcionamento de associações de poupanças a empréstimos, institui a cédula
hipotecária e dá outras providências, menciona o termo no art. 33.
A Lei n° 6.032, de 30 de abril de 1974, dispõe sobre o regimento de
custas da Justiça Federal e aborda o tema nos arts. 4° e 24.
O Decreto-Lei n° 3.365, de 21 de junho de 1941 , dispõe sobre
desapropriação por utilidade pública e contém a terminologia em questão nos
arts. 35 e 28.
O Decreto n° 86.649, de 25 de novembro de 1981 , regulamenta a
Lei n° 6.899, de 08 de abril de 1981, que determina a aplicação de correção
monetária nos débitos oriundos de decisão judicial. Aborda o tema no art. 4°.
O Decreto-Lei n° 858, de 11 de setembro de 196 9, dispõe sobre a
cobrança e a correção monetária dos débitos fiscais nos casos de falência e dá
outras providências e dedica o art. 3° ao tema.
A Lei n° 8.906, de 04 de julho de 1994, dispõe sobre o Estatuto da
Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, menciona a palavra 'Fazenda
Pública' nos arts. 3° e 30.
Lei n° 6.969, de 10 de dezembro de 1981, dispõe sobre a aquisição,
por usucapião especial, de imóveis rurais, altera a redação do § 2º do art. 589
do Código Civil e dá outras providências. Menciona o tema no art. 5°.O
Decreto-Lei n° 1.608, de 18 de setembro de 1939 - C PC antigo. Menciona o
Ministério da Fazenda no art. 744, § 2°.
13
A Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, dis põe sobre os
juizados especiais cíveis e criminais e dá outras providências. Dedica ao tema
o art. 3°.
A Lei n° 8.245 de 18 de outubro de 1991, dispõe sobre as locações
dos imóveis urbanos e os procedimentos a eles pertinentes, dedica ao tema o
art. 75.
A Lei n° 5.010 de 30 de maio de 1966, organiza a Justiça Federal
de primeira instância e dá outras providências. Faz menção ao tema no art. 41.
Por fim, a Lei n° 8.494, de 23 d e novembro de 1992, dedica ao
tema o art. 2°.
Assim sendo, verifica-se que vasta é nossa legislação dedicando
artigos à Fazenda Pública, conferindo prerrogativas à ela quando em juízo, ou
somente ressaltando sua diferença em relação ao particular.
5 A FAZENDA PÚBLICA E O PRINCIPIO DA ISONOMIA NO P ROCESSO
O art. 5º da Constituição Federal dispõe que “todos são iguais
perante a lei”. Celso Antonio Bandeira de Mello ressalta que o conteúdo político
de tal princípio denota que “a lei não deve ser fonte de privilégios ou
perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar
equitativamente todos os cidadãos”.36
Conforme assevera Leonardo José Carneiro da CUNHA:
O que se deve aquilatar, contudo, são os critérios eleitos para separar pessoas em grupos para fins de tratamento jurídico diversos. É elementar que a função das leis consiste, basicamente, em discriminar situações para, então, enquadrá-las em regras específicas. O fator de discriminação está, com se vê, presente – e é até inerente – na elaboração das leis. Daí a razão pela qual se faz necessário indagar quais as discriminações juridicamente intoleráveis, pois essas não podem ser admitidas, eis que atentatórias ao princípio da igualdade.37
36 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade . 3ª. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 10. 37 CUNHA, Leonardo Jose Carneiro da. Op. cit., p. 30.
14
Nesse contexto, Maria Lúcia Miranda Alvares, em sua monografia
(“A Fazenda Pública tem privilégios ou prerrogativas processuais- Análise à luz
do princípio da isonomia”), traz importantes lições sobre esse princípio:
Primeiro contacto com o Direito Processual Civil nos impõe, diante da formação privatística do Direito, uma visão excepcional do tratamento conferido à Fazenda Pública em Juízo. A lição repassada nos bancos acadêmicos era (porque está mudando) de discriminação, de privilégios: os prazos dilatados para contestar e para recorrer, a remessa ex officio, a sujeição da execução ao sistema de precatórios, prerrogativas há muito consagradas pelo nosso ordenamento jurídico eram a nós apresentadas como exceção à regra do Direito Processual Civil. E, em verdade, assim ainda o é. Mas, essa visão está em fase de questionamentos, e um dos pontos que envolve a discussão está centrado nos fundamentos reais das prerrogativas conferidas à Fazenda Pública. Daí a questão objeto de análise: trata-se de prerrogativas ou privilégios? Registrou-se alhures, que o regime jurídico administrativo impõe à Administração prerrogativas e sujeições, características estas que identificam a sua atuação, pautada na fabricação do bem comum, da consecução do interesse público . Nesse contexto, as prerrogativas processuais a ela conferidas pelo ordenamento jurídico não parecem surgir como exceção à regra legal, mas como regra a ser aplicada à Fazenda Pública em face do regime jurídico de Direito Público a que está sujeita.38 (grifos nosso)
Com isso, pretende a autora esclarecer que em um primeiro
momento teríamos a falsa percepção que esse desequilíbrio entre particular e a
Administração Pública não levaria a violação do princípio da isonomia, pois
estaria justificado pelo princípio da supremacia do interesse coletivo. Contudo,
não seria plausível essa afirmação, pois nem todas as prerrogativas estão
pautadas ao interesse público no sentido de produzir os resultados esperados
pela sociedade.
A solução vem trazida por José Roberto de Moraes. O autor ressalta
que
38 ALVARES, Maria Lúcia Miranda. A Fazenda Pública tem privilégios ou prerrogativas processuais? Análise à luz do princípio da isonomia . Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5661>. Acesso em: 16 jul. 2008.
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deve-se cotejar a razoabilidade das prerrogativas conferidas à Fazenda Pública (que para ele não são privilégios) com vistas a identificar se a sua inserção no mundo jurídico viola ou não o princípio da isonomia. E a ilação parte da premissa de que o princípio da isonomia não pode ser analisado, tão-somente, sob o aspecto formal, mas de maneira real, o que determina a sua procedência sob o prima da razoabilidade, eis que em se tratando de diferenciação entre pessoas há que se cotejar se as premissas acolhidas para tanto são razoáveis.39
Assim, a fórmula trazida pelo autor é buscar a fundamentação das
prerrogativas à guisa do princípio da razoabilidade, o que submete o Autor a
proclamar a ausência de vulneração ao princípio da isonomia em relação (1) à
dilação do prazo para recorrer, (2) ao sistema de precatórios, (3) à isenção de
custas, (4) à dispensa do depósito de 5% sobre o valor da causa nas
rescisórias, dentre as que foram por ele elencadas.
Maria Lúcia Miranda Alvares, ainda em sua monografia, conclui que
as razões existentes para justificar as prerrogativ as são fortes o suficiente para conferir que a desigualdade legal inserta do ordenamento jurídico teve por fundamento igualar, em tempo real, as partes no processo . E, evidentemente, não se precisa vivenciar o problema internamente para entender que a defesa da Fazenda Pública, em razão da complexa organização da máquina administrativa, sufocada, ainda, pelas sujeições legais e regulamentares, impõe tempo superior ao conferido ao particular. Se a lei não lhe conferisse prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer seria impossível reunir todos os elementos jurídicos necessários à fabricação da peça processual pelos representantes judiciais da União, Estados, Municípios, Distrito Federal, suas autarquias e fundações públicas, fato que somente viria prejudicar a sociedade, eis que reiteradas perdas judiciais, a nível orçamentário, podem representar sério risco fiscal. (grifos meus)
Com isso, verifica-se que o princípio da igualdade dirige-se, em
princípio, ao próprio legislador, que não pode incorporar em nossa legislação
discriminações desarrazoadas. Isso quer dizer, nas lições de Leonardo José
39 MORAES, José Roberto. Prerrogativas Processuais da Fazenda Pública. In: SUNDFELD, Carlos Ari; BUENO, Cássio Scarpnella (Coords). Direito Processual Público – A Fazenda Púbica em Juízo . 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 67-68.
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Carneiro da Cunha, que o “princípio da razoabilidade finca a aplicação do
princípio da isonomia. E nem poderia ser diferente, pois o princípio da isonomia
revela-se como corolário do devido processo legal, em cujo espectro se insere
o princípio da razoabilidade”.40
Essa diferença trazida na lei deve, portanto, decorrer de razões
justificáveis, tendo supedâneo no princípio da razoabilidade.
O Código de Processo Civil no artigo 125, I, atribui ao juiz o dever de
assegurar às partes tratamento isonômico, conferindo as partes igualdade de
tratamento.
A ideia Aristotélica, de tratamento igual aos iguais e desiguais aos
desiguais, deve ser levada em conta na aplicação do princípio da isonomia.
Assim, regras no processo podem se apresentar diferenciadas, com vistas a
alcançar equilíbrio e adaptar-se às peculiaridades daquela parte que detém
uma nota marcante e diferenciada em relação às demais.41
José Carlos de Araújo Almeida Filho em seu trabalho o “Estado
Como Superparte no Processo: Uma Violação ao Princípio da isonomia”
concluiu que a atuação do Estado em juízo, utilizando-se de prerrogativas não
extensíveis ao particular fere o princípio da isonomia, nos seguintes termos:
Que o Estado é superparte no processo não restam dúvidas! Que há ferimento ao princípio da isonomia, também não restam dúvidas, ainda que nossa Corte Maior afirme de forma contrária, protegendo os interesses estatais. Seja no campo filosófico, seja no campo jurídico, inexiste no processo civil, com exceção da novel norma inserida na Lei 10.259/2001, igualdade entre as partes no processo, quando uma destas partes é o Estado. E não se pode conceber um Estado Democrático de Direito onde ele mesmo se apresenta, através de seus poderes – que, em tese, são independentes e harmônicos entre si -, com poderes maiores frente aos verdadeiros detentores do poder, ou seja, os cidadãos. Sem cidadão inexiste a figura estatal. Sem cidadão, inexiste, na figura contratualista, a cessão de poderes. Contudo, os poderes são cedidos e transferidos e o mandatário passa a ser detentor de um poder maior do que aqueles que os foram confiados. Mera ficção jurídica, que faz com que os ideais de cidadania sejam perdidos em promessas. E as promessas são sempre um vácuo. Quando não são este
40 CUNHA, Leonardo Jose Carneiro da. Op. cit., p. 30. 41 Ibidem, p. 31.
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vácuo enorme na busca enfurecida pelo poder, as promessas não passam de uma asa de cera, que ao chegar próxima ao sol, certamente, derreterá. O atual Presidente da República Federativa do Brasil – e aqui socorro-me do texto de Jacques Chevallier, sobre a Alta Administração Pública – Luiz Inácio Lula da Silva, se apresentou em campanha eleitoral com o lema a esperança vencerá o medo. Contudo, a esperança decantada em palanques democráticos, não só não venceu o medo, como lhe aumentou. Se antes poderíamos, dentro da conceituação de Nietzsche, admitir que o nosso Presidente era moral, porque forte era enquanto representante sindical e “defensor” dos excluídos, é certo que hoje, não mais excluído e detentor do poder máximo dentro do que se convencionou denominar Estado Democrático de Direito, esqueceu-se de seus pares. E esta é a visão doce do poder, que nas palavras de Montesquieu, todo aquele que detém o poder, tende a abusar dele. Para Lincoln, bastava conceder a alguém o doce sabor do poder para testarlhe seu caráter. O Estado... Pois bem! Se concedo ao Estado os poderes que a mim são inerente, não pode ele agir com mais poderes do que os concedidos. Em Direito Civil teríamos, certamente, uma revogação do mandato por vício material, já que há abuso do mandatário. Contra o Estado, dentro do princípio contratualista, ainda que a figura do impeachment, também de natureza anglo-saxônica, se possa utilizar, será através de pensamentos, e sempre através dos pensamentos mais elevados, que construiremos teses a reforçar a necessidade do bem comum ser atingido. A grande justificativa para uma proteção ao Estado é a de que ele prima pela coletividade. Mas quem é a coletividade senão um, e daí, mais indivíduos outorgando poderes a este Estado? Sem um elemento constitutivo da nação, inexiste povo. Sem povo, não há que se falar em Estado. Contudo, um povo subjugado por anos de regime ditatorial, quando normas foram concebidas, ainda sofre, apesar de vivenciar, em sua história tão presente, movimentos por diretas, por uma Constituição realmente desenhada para o povo brasileiro. Não me resta a menor sombra de dúvida que o art. 188 do CPC é uma violência ao princípio da isonomia. Fere preceito constitucional. Fere disposição infraconstitucional. Fere nossos sentimentos de protegidos por nossos mandatários. Contudo, que a esperança dos mestres, a lecionar, incansavelmente através de suas cátedras, provoque a verdadeira vitória contra o medo. Porque se dependermos, ao menos por enquanto, de nossos mandatários, o medo continuará vigendo, como vigia na Idade Média. Enquanto o Estado detiver tamanho poder, jamais passaremos da singela idéia de que estamos em um medievalismo iluminado.
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Contudo, há, ainda que de forma muito tênue, algo de iluminado. E esta iluminação não fará cansar a vista e as vozes dos mestres da academia.42 (grifos meus)
Assim, mesmo havendo posições divergentes sobre a infringência
ao princípio da isonomia em relação às prerrogativas concedidas à Fazenda
Pública, prevalece o entendimento de sendo a Fazenda Pública órgão
responsável por defender o interesse público, desde que respeitados a
razoabilidade e proporcionalidade em sua atuação, justifica-se essas
prerrogativas.
CONCLUSÃO
A Fazenda Pública se submete aos princípios e regras de Direito
Público, como o princípio da legalidade, a presunção de legitimidade dos atos
administrativos e a supremacia do interesse público sobre o privado.
Tais princípios e regras aplicam-se às relações jurídicas de direito
material que envolvem a Fazenda Pública, não guardando pertinência com as
relações das quais participem particulares. Logo, o processo que envolve a
Fazenda Pública deve adequar-se a tais princípios e regras, devendo-se
conferir-lhe um tratamento diferenciado, ou, como se diz, uma tutela
diferenciada. É por isso que existem procedimentos específicos para
demandas que envolvam a Fazenda Pública, tais como o mandado de
segurança, a ação popular, a ação civil pública, dentre outras.
A Fazenda Pública quando atua em juízo possui diversas
prerrogativas processuais para melhor desempenho de suas funções. Mesmo
com posicionamentos divergentes, predomina que esses benefícios não ferem
o princípio da isonomia, desde que na sua aplicação sejam observados os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
42 ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. O Estado como Superparte no Processo: Uma Violação ao Princípio da Isonomia. Disponível em <http:// www.almeidafilho.adv.br/index_arquivos/oestadocomosuperparte_repro.pd> Acesso em: 25 ago. 2008.
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Assim sendo, as prerrogativas processuais conferidas à Fazenda
Pública têm o condão de condicionar o processo decisório, ora figurando como
ferramentas de proteção à independência das funções estatais, ora
determinando a condução desse processo em favor de suas ações, na medida
em que o agir do Poder Judiciário está a elas vinculado.
Nesse patamar de racionalidade, não se pode negar que o Direito
Processual, enquanto ramo da Ciência Jurídica traduz-se como um instrumento
identificador de um subsistema político, a ser escolhido pelo cidadão ou pela
coletividade com o objetivo de satisfação de um interesse individual ou social
(ações coletivas), submetendo o Poder Judiciário ao patamar de instituição
que, de igual sorte, importa à governabilidade. Assim sendo, os meios
processuais conferidos por lei para materialização do direito, por mais
inconcebível que sejam, acabam por influenciar nesse processo decisório,
impondo uma reflexão sobre as regras que condicionam a atuação da Fazenda
Pública, que se diz sempre em favor da tutela do interesse público, com o
objetivo de auferir o equilíbrio e a harmonia dos papéis das instituições
democráticas. Daí erigir-se o princípio da razoabilidade como termômetro da
consecução desse processo.
Resta evidente que a maximização desses condicionamentos em
favor da Fazenda Pública pode levar ao desvio do sistema, daí a necessidade
de buscar a razoabilidade das prerrogativas e identificar se elas estão velando
pelo respeito aos procedimentos como forma de preservar o Estado
Democrático de Direito.
Essas prerrogativas são necessárias para que a Fazenda Pública
possa exercer suas atividades de maneira a se igualar ao particular, tendo em
vista que a máquina judiciária precisa se sustentar de maneira a acompanhar o
particular que está inegavelmente em posição privilegiada.
A Fazenda Pública, que é representada em juízo por seus
procuradores, não reúne as mesmas condições que um particular para
defender seus interesses em juízo. Além de estar defendendo o interesse
público, a Fazenda Pública mantém uma burocracia inerente à sua atividade,
tendo dificuldades de ter acesso aos fatos, elementos e dados da causa. O
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volume de trabalho que cerca os advogados públicos impede, de igual modo, o
desempenho de suas atividades nos prazos fixados para os particulares.
Conclui-se, portanto, que desde que seja observado a razoabilidade
e proporcionalidade justifica-se todas as prerrogativas conferidas à Fazenda
Pública.
BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. O Estado como Superparte no Processo: Uma Violação ao Princípio d a Isonomia. Disponível em <http:// www.almeidafilho.adv.br/index_arquivos/oestadocomosuperparte_repro.pd> Acesso em 25 de Agosto 2009.
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