projeto danÇa crianÇa e escola cidadÃ: o aprendizado da...
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FACULDADE DE EDUCAOPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
MESTRADO EM EDUCAO
NGELA FERREIRA DA SILVA
PROJETO DANA CRIANA E ESCOLACIDAD: O APRENDIZADO DA DANAE A CONSTRUO DE SIGNIFICADOS
Porto Alegre2007
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NGELA FERREIRA DA SILVA
PROJETO DANA CRIANA E ESCOLA
CIDAD: O APRENDIZADO DA DANA
E A CONSTRUO DE SIGNIFICADOS
Dissertao de Mestrado, apresentada ao Programa dePs-Graduao em Educao da Faculdade de Educaoda Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande doSul, como requisito parcial para a obteno do ttulo deMestre em Educao.
Orientadora: Profa. Dr. Nara Guazelli Bernardes
Porto Alegre
2007
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
S586p Silva, ngela Ferreira daProjeto Dana Criana e Escola Cidad: o aprendizado
da dana e a construo de significados. / ngela Ferreira daSilva. Porto Alegre, 2007.
115 f.
Dissertao (Mestrado em Educao) Faculdade deEducao, PUCRS.
Orientao: Profa. Dra. Nara Guazelli Bernardes.
1. Dana - Escola. 2. Dana - Ensino.3. Educao Esttica. 4. Escola Cidad. I. Ttulo.
CDD 793.3
Ficha elaborada pela bibliotecria Cntia Borges Greff CRB 10/1437
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NGELA FERREIRA DA SILVA
PROJETO DANA CRIANA E ESCOLA
CIDAD: O APRENDIZADO DA DANA
E A CONSTRUO DE SIGNIFICADOS
Dissertao de Mestrado, apresentada ao Programa dePs-Graduao em Educao da Faculdade de Educaoda Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande doSul, como requisito parcial para a obteno do ttulo deMestre em Educao.
Aprovado em 19 de dezembro de 2007
Banca Examinadora:
Orientadora: Profa. Dra. Nara Guazelli BernardesPUCRS
Profa. Dra. Lizete Arnizaut VargasUFRGS
Prof. Dr. Juan Jose Mourio Mosquera
PUCRS
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Ao Francisco e Letcia que fazemminha vida ser mais bela, dedico esta dissertao.
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AGRADECIMENTOS
minha orientadora, Profa. Dra. Nara Guazelli Bernardes,Pelo apoio, disponibilidade, carinho, pacincia e confiana.Por ter acreditado em mim desde a entrevista para a seleo
do Mestrado at o trmino da dissertao.
Ao Programa de Mestrado em Educao da PUCRS,Em especial aos professores que me auxiliaram na construo deste trabalho.
CAPES,Pela bolsa para realizar o Mestrado.
Aos colegas do Mestrado,Pelas conversas, pelas trocas, amizade e convvio.
direo e colegas da EMEI Dom Luis de Nadal,Pelo apoio, pelos conselhos, pela compreenso.
Leta,No s pela acolhida no projeto de dana, mas por me proporcionar fazer parte desta histria.
Por seu exemplo de dedicao, sensibilidade e amor pelo trabalho e por seus alunos.
s alunas e familiares do projeto Dana Criana,Que com sua contribuio, coloriram este trabalho.
EMEF Loureiro da Silva,Pelo acolhimento e colaborao na realizao deste estudo.
Sandra,Que foi o anjo da guarda da Letcia.
Aos amigos, familiares, colegas de trabalho e demais pessoas,Pelo incentivo para a realizao deste curso.
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Eu s poderia crer em umDeus que soubesse danar.
(Nietzsche)
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RESUMO
A presente pesquisa, de carter qualitativo, caracteriza-se como estudo de caso e
problematizou a temtica dana e educao, focalizando os significados construdos a partir
do e no aprendizado da dana para o grupo de alunos envolvidos no projeto Dana Criana.
Este projeto existe h 23 anos na Escola Municipal de Ensino Fundamental Jos Loureiro da
Silva, localizada na Vila Cruzeiro do Sul, bairro perifrico de Porto Alegre. A coleta de dados
foi feita atravs de entrevistas semi-estruturadas com 9 integrantes do projeto (faixa etria
entre 6 e 14 anos), 3 familiares e 2 professoras, alm de conversas informais. Tambm foram
realizadas observaes participantes durante as aulas (incluindo os e momentos de entrada e
sada) e nas apresentaes. O procedimento de anlise dos dados foi baseado na anlise de
contedo que gerou as seguintes categorias: significados e sentimentos em relao dana;
motivao para aprender dana na escola; expectativas em relao dana e vida. O estudo
est embasado na perspectiva da educao esttica (HERMANN, 2005; DUARTE JR,
1981,1991) e situado na proposta pedaggica da Escola Cidad (AZEVEDO, 1999, 2000;
GADOTTI, 2000). Os resultados apontam, principalmente, que o projeto de dana constitui-se
em um importante referencial para esta comunidade em relao construo de uma
aprendizagem significativa e no resgate de sentimentos de participao, integrao e
mobilizao. As representaes sociais desveladas na pesquisa indicam que a dana para este
grupo d sentido no s ao aprendizado, mas prpria vida. A partir das constataes da
pesquisa, recomenda-se que projetos de educao alternativos sejam incorporados realidade
das escolas, como forma de potencializar o desenvolvimento integral dos alunos e de re-
significar o ato educativo, enquanto um ato de construo de conhecimento baseado na alegria
e na beleza.
Palavras-chave: Dana e Educao. Educao Esttica. Escola Cidad.
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ABSTRACT
The present research, on qualitative character, is characterized as a case study and concerned
the thematic dance and education, focusing the meanings built from the dance learning for the
group of students involved in the project called Dana Criana. This project has been
launched twenty three years ago in the Municipal School Jos Loureiro da Silva, located on
the Vila Cruzeiro do Sul, in the suburbs of Porto Alegre. The data collection was made
through semi-structured interviews with 9 project members (age group between 6 and 14
years old), 3 relatives and 2 teachers, besides informal talking. Observations were also
realized during the classes (including getting in and leaving moments), and during the
presentations. The data analysis was based on contents analysis that generated the following
categories: (meanings and feelings related to dance; motivation to learn dance at school;
expectation in relation to dance itself and life. The study is based on the perspective of
aesthetics education (HERMANN, 2005; DUARTE JR, 1981, 1991) and situated in the
pedagogical propose of the Escola Cidad (AZEVEDO, 1999, 2000; GADOTTI, 2000). The
results point, principally, that the dance project is constituted by an important referential to
this community, concerning a significant learning and on the rescue of participation feelings,
integration and mobilization. The social representation revealed in the research, indicates that
the dance for this group, does not mean only learning, but the life itself. From the research
findings on, it is recommended that the alternative education projects be incorporated to the
schools reality, as a way to potencialize whole students development and to give a new
meaning to the educational act, while been an act of knowledge construction based on
happiness and beauty.
Key-words: Dance and education. Aesthetics education. Escola Cidad.
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SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................................... 10
2 CONSTRUO DO OBJETO DE ESTUDO .................................................................. 13
2.1 ELEMENTOS PARA UMA EDUCAO ESTTICA ................................................... 13
2.2 PRINCPIOS NORTEADORES DA PROPOSTA PEDAGGICA DA ESCOLA
CIDAD ....................................................................................................................................... 18
2.3 A DANA NA ESCOLA .................................................................................................. 25
2.4 O PROBLEMA DE PESQUISA........................................................................................ 32
3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ..................................................................... 33
3.1 A OPO METODOLGICA ......................................................................................... 33
3.2 CAMPO DE INVESTIGAO E SUJEITOS .................................................................. 34
3.3 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS ..................................................... 35
3.3.1 Entrevistas...................................................................................................................... 35
3.3.2 Observao participante ............................................................................................... 36
3.4 PROCEDIMENTOS PARA ANLISE DE DADOS........................................................ 37
4 ANLISE E DISCUSSO.................................................................................................. 40
4.1 SIGNIFICADOS E SENTIMENTOS EM RELAO DANA .................................. 40
4.1.1 Dana associada ao belo ................................................................................................ 43
4.1.2 Dana como expresso e ludicidade ............................................................................. 47
4.1.3 Dana como saber.......................................................................................................... 50
4.1.4 Dana associada figura feminina ............................................................................. 53
4.2 MOTIVAO PARA APRENDER DANA NA ESCOLA ........................................... 57
4.2.1 Apresentao.................................................................................................................. 59
4.2.2 Aulas prazerosas....................................................................................................................... 62
4.2.3 Convvio.......................................................................................................................... 66
4.2.4 Superao e experimentao de competncia ............................................................ 73
4.3 EXPECTATIVAS EM RELAO DANA E VIDA.............................................. 75
4.3.1 Apresentar-se no teatro................................................................................................. 75
4.3.2 Ser bailarina e/ou professora de ballet......................................................................... 79
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4.3.3 Aprender de modo significativo ................................................................................... 81
4.3.4 Melhorar as condies de vida atuais .......................................................................... 83
5 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................. 87
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 91
APNDICES ........................................................................................................................... 95
APNDICE A Roteiro para as entrevistas com alunas ......................................................... 96
APNDICE B Roteiro para as entrevistas com a professora e coordenadora do projeto ..... 97
APNDICE C Roteiro para as entrevistas com familiares das alunas .................................. 98
APNDICE D Roteiro para as observaes.......................................................................... 99
APNDICE E Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos Participantes do
Estudo......................................................................................................... 100
APNDICE F Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Escola.............................. 101
APNDICE G - Fotos ............................................................................................................ 102
ANEXOS ............................................................................................................................... 107
ANEXO A - Fotos .................................................................................................................. 108
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1 INTRODUO
A soma de minhas experincias nos mbitos pessoal, profissional e artstico resultou
no interesse em pesquisar sistematicamente as relaes entre a vivncia educacional da dana
e a construo de significados pelos alunos (sujeitos e objetos de anlise). possvel separar
estas experincias em trs grandes momentos: minha vivncia como bailarina, minha busca
por respostas tericas como estudante e pesquisadora e minha prtica diria como docente em
dana e no ensino regular.
Com a formao em Pedagogia e Educao Psicomotora e, cada vez mais certa de que
queria trabalhar com dana e educao, constru convices e concepes (todas provisrias e
suscetveis a mudanas conceituais e paradigmticas), idealizei um possvel encontro entre
arte, movimento e educao, mas me decepcionei com a pouca importncia dada ao corpo e
arte nos ambientes escolares. Percebi o quo enraizado est o dualismo cartesiano em nossos
modelos educativos, nos quais a separao entre corpo e mente, a hierarquizao dos saberes
e a fragmentao do ser humano ainda esto muito presentes.
Paralelo ao trabalho com dana, s leituras e buscas individuais, comecei a trabalhar
com Educao Infantil na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME) e passei a
incorporar ao currculo das turmas com as quais atuava as vivncias artsticas da dana, da
msica, da literatura e do teatro. Tal experincia proporcionou-me um dilogo entre educao
e arte e uma necessidade ainda maior de sistematizar em forma de pesquisa cientfica minhas
descobertas dirias.
Outra experincia importante nessa caminhada foi a participao sistemtica em
projetos de dana em uma escola da RME, situada na periferia da cidade: Escola Vereador
Antnio Gidice. Tambm foi importante em meu trabalho a busca por um fazer e aprender
dana sem perder a ludicidade proporcionada pelo jogo e exercitando a imaginao e a
sensibilidade, to caras aos artistas e s crianas.
Neste momento, a bailarina de formao clssica, a pesquisadora incansvel e a
educadora infantil pararam de duelar internamente e passaram a se unir na busca de um ideal
maior: a formao de um ser humano indiviso, histrico, poltico e cujas capacidades e
competncias so ilimitadas.
A constatao da relevncia de propostas curriculares alternativas na construo de
uma educao contextualizada e na formao de indivduos mais crticos e autoconscientes
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estimularam-me ainda mais em minha busca terico-prtica e na formulao de alguns
questionamentos.
Alm disso, minha insero na proposta pedaggica da Escola Cidad como
professora, propiciou-me um novo olhar sobre as questes da educao, bem como uma
formao continuada, que me permitiu vislumbrar possibilidades mais concretas em relao
ao encontro da dana com a educao na perspectiva dos princpios de: democracia,
cidadania, respeito s diferenas e diversidade cultural (PORTO ALEGRE, 1996).
Face a essas consideraes, o tema desta pesquisa a aprendizagem da dana no
contexto da educao popular.
Desta forma, defini os seguintes objetivos para esta pesquisa:
a) investigar os significados e sentidos construdos no e a partir do aprendizado da
dana;
b) captar os sentimentos e expectativas que as crianas manifestam em funo desta
vivncia;
c) desvelar fatores motivacionais para a insero e permanncia no projeto de dana;
d) compreender como esses significados esto conectados proposta poltico-
pedaggica da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre.
No decorrer da pesquisa procuro responder a estes questionamentos, discutindo,
analisando e promovendo um dilogo entre os dados coletados e as teorias que sustentam a
insero da dana no espao escolar.
Para uma melhor organizao do trabalho aqui apresentado Projeto Dana Criana e
Escola Cidad: o aprendizado da dana e a construo de significados, optei pela diviso
em captulos.
No primeiro captulo Construo do objeto de estudo elenquei trs temticas para
realizar a reviso da literatura: elementos estticos da educao, princpios norteadores da
Escola Cidad e a dana na escola. Tais temticas servem como ponto de apoio para situar o
objeto de estudo e explicitar o problema de pesquisa.
No segundo captulo Procedimentos metodolgicos defino a opo metodolgica
da pesquisa: a abordagem qualitativa a partir do estudo de caso. Descrevo tambm, o campo
de investigao, os sujeitos da pesquisa bem como os procedimentos para a coleta e anlise
dos dados.
No terceiro captulo Anlise e discusso apresento as trs categorias temticas que
constru, cada uma dividida em outras quatro subcategorias respectivamente. As categorias
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so: significados e sentimentos em relao dana; motivao para aprender dana na escola
e expectativas em relao dana e vida.
No quarto e ltimo captulo exponho as consideraes finais desta dissertao.
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2 CONSTRUO DO OBJETO DE ESTUDO
Neste captulo apresento alguns conceitos que do sustentao terica a este trabalho
de pesquisa. Considerando a temtica dana e educao e a produo cientfica das
respectivas reas de conhecimento, discuto idias que aproximam e conectam as duas reas,
bem como situo o estudo na perspectiva da proposta pedaggica da Escola Cidad da Rede
Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME).
Em um primeiro momento trato da questo da esttica com base nos estudos de Silva e
Loreto (1995) e de Hermann (2005) que analisam as definies do tema propostas por
filsofos como Kant, Schiller, Gadamer, Adorno, Nietzsche, Foulcault; em seguida, procuro
aproximar os conceitos de esttica e educao utilizando como referncia as reflexes acerca
dos fundamentos estticos da educao propostas por Duarte Jnior (1981,1991).
Em um segundo momento, contextualizo os pressupostos que norteiam a proposta
pedaggica da Escola Cidad, tendo como foco principal a poltica cultural da Rede
Municipal e apresentando como referenciais o documento que estabelece estes princpios
(PORTO ALEGRE, 1996), e autores como Barreto (1998), Azevedo (2000) e Gadotti (2000)
que problematizam a temtica da educao popular.
Por fim, apresento um panorama do processo de insero da dana no contexto
escolar, procurando relacionar os documentos como a Lei de Diretrizes e Bases da Educao
Brasileira LDB (1996) e os Parmetros Curriculares Nacionais - PCNs (1997) que do
amparo legal para a introduo da dana como disciplina na escola, com a produo terica de
dana e educao (GARAUDY, 1980; DANTAS, 1999; MARQUES, 2001, 2003 ;
VARGAS, 2002) e com os projetos implantados na RME de Porto Alegre.
2.1 ELEMENTOS PARA UMA EDUCAO ESTTICA
Neste tpico, com base em Hermann (2005), Silva e Loreto (1995) e Duarte Jr. (1981,
1991) focalizo a questo da educao esttica desde um ponto de vista filosfico, bem como
trato dos fundamentos estticos da educao.
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Hermann (2005) traa um panorama de como a esttica relaciona-se com a educao,
historicamente. Segundo a autora, o termo esttica tem origem na palavra grega aisthesis que
significa percepo, sensao, conhecimento sensvel. Foi Alexander Baumgarten (sculo
XVIII) quem deu a primeira definio moderna ao termo, em 1750, na obra Aesthetica, na
qual esttica concebida como cincia do conhecimento sensvel ou a cincia preocupada
com a definio de beleza.
Para Hermann (2005, p. 33):
a categoria do esttico desenvolve-se no sculo XVIII num contexto de valorizaoda beleza natural e artstica, na perspectiva da experincia evocada pela natureza,pelo impulso ou voz interior. Essa afirmao no pretende negar que h motivosestticos desde a Antiguidade clssica, passando pela Renascena. Mas no contextodo sculo XVIII, abre-se um caminho de renovao de contato com as fontesprofundas da natureza que confere uma vida mais plena, trazendo condies pararomper as barreiras existentes contra a experincia sensvel, decorrentes doextremado racionalismo que dominava o cenrio filosfico.
Silva e Loreto (1995) afirmam que a tarefa da esttica consiste na reflexo acerca dos
critrios de apresentao e representao da obra de arte; do que beleza, do que arte e para
quem se dirige. Acrescentam ainda, que a esttica pode ser concebida como o campo de
reflexo sobre arte na sua acepo mais ampla: enquanto expresso, comunicao, linguagem,
e at mesmo como defensora de valores sociais. Esttica seria, portanto a parte da filosofia e,
mais modernamente da psicologia, preocupada em buscar significados e sentidos para aquela
dimenso da vida na qual o homem experencia o belo.
Pode-se, deste modo compreender que a esttica reagiu fortemente ao puro racionalismo,
trazendo tona os sentimentos, a liberdade e a atividade criadora do ser humano. As discusses
filosficas a respeito da esttica, do belo, do que gosto, fizeram emergir, tambm a ruptura com
fortes barreiras existentes contra o sensvel e abriram ainda a possibilidade de incorporar
sensibilidade, o bem viver e a espiritualidade (HERMANN, 2005).
Conforme destaca Hermann (2005) neste sentido, inicia-se um processo em que a
imaginao, os sentimentos e mesmo a paixo podem dar acesso ao conhecimento. Segundo a
autora, vrios filsofos preocuparam-se com o conceito de esttica na formao do ser
humano, tais como: Kant, Adorno, Gadamer, Schiller, Nietzsche e Foulcault.
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Para Silva e Loreto (1995), Kant (sculo XVIII) sintetiza em sua obra as concepes
de arte, imaginao e gosto. Foi o filsofo quem diferenciou o juzo racional do juzo esttico
e associou arte ao belo.
O juzo racional tambm chamado de juzo determinante, porque ele determina
teoricamente um objeto. J o juzo esttico um juzo reflexionante, pois a representao de
um objeto se d sem conceitos, mediante o prazer que ele proporciona. o chamado juzo de
gosto que no um juzo terico, mas baseado no sentimento. Kant prope a inverso do
primado do inteligvel sobre o sensvel e o surgimento da figura do ser humano criador
(SILVA; LORETO, 1995).
Segundo Silva e Loreto (1995), para Kant arte se distingue da natureza na medida em
que a primeira criao humana e a segunda, uma determinao causal. Ou seja, a arte um
livre produto da imaginao humana. Nesta perspectiva, o belo para Kant no pode ser uma
propriedade objetiva das coisas, mas algo que nasce da relao entre o objeto e o sujeito
(SILVA; LORETO, 1995, p. 44). Ou seja, belo aquilo que agrada segundo o juzo de gosto,
alicerado no sentimento e no prazer.
Hermann (2005) explica que, para Kant, a beleza est associada boa moralidade e o
ser humano deve tornar-se cada vez mais perfeito, usando para isso, tanto a sua razo, quanto a
sua sensibilidade. Para o filsofo, o dever do homem para consigo mesmo, , atravs da
experincia esttica, harmonizar sensibilidade e racionalidade de modo a atingir um ideal tico.
Segundo Hermann (2005), Adorno (sculo XX) em sua obra Teoria esttica (1970),
afirma que o indivduo burgus teria dificuldade de emitir um juzo de gosto, pois ele
massificado pela indstria cultural. Ele postula que a indstria cultural unifica e homogeneza
os indivduos, moldando as culturas das sociedades e, que a arte e o belo podem fazer emergir
aquilo que escapa reflexo, aquilo que pode ser capturado somente pela sensibilidade.
Para Adorno (apud HERMANN, 2005, p. 39):
o carter sempre dinmico e imprevisvel da criao artstica e a experincia estticaultrapassam as questes de banalizao cultural, e a arte o refgio para sustentar asubjetividade contra as foras objetivas massificadoras. A arte sempre tem ummomento utpico, uma vez que a presena da obra de arte traz consigo apossibilidade do no-existente transcende os antagonismos da vida cotidiana,emancipa a racionalidade do confinamento emprico imediato.
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Segundo Hermann (2005), Gadamer (sculo XX), de modo semelhante a Adorno,
apresenta a esttica como a possibilidade de nos colocar diante do outro e de outras verdades,
que no as verdades cientficas, objetivas, racionais. Para ele, a arte no compreensvel
somente a partir de processos cognitivos, mas a partir de algo que vai alm do conceptvel. O
autor afirma, em sua obra Verdade e mtodo (1977 apud HERMANN, 2005), que a
experincia da arte nos abre novos horizontes de possibilidades que ampliam nossa
autocompreenso, na medida em que ela capaz de revelar o ser. Para ele, a esttica modifica
quem a vivencia permitindo uma viso de mundo sob uma outra tica: a tica do sensvel
(HERMANN, 2005).
Na perspectiva da educao esttica, Hermann (2005) apresenta Schiller (sculo
XVIII) como o primeiro filsofo, na poca moderna, a apontar a fora do esttico para a
educao. Em Cartas sobre a Educao Esttica da Humanidade (1795), Schiller, citado por
Hermann (2005), apresenta um projeto de como a educao deveria ser. Para ele, o ideal de
humanidade depende da educao, e no de processos revolucionrios e nem de concepes
abstratas. A esttica instaura a fora do projeto educativo a partir do entrelaamento entre
liberdade e sentimento, colocando-se contra a normatividade abstrata da razo.
A natureza humana para Schiller (apud HERMANN, 2005) constituda por dois
impulsos opostos e complementares: o impulso sensvel e o impulso formal. O impulso
sensvel, tambm chamado de impulso material, diz respeito dimenso fsica da existncia
do homem, s suas experincias no mundo, s transformaes e satisfao de suas
necessidades. O impulso formal, por sua vez, tem origem na natureza racional do homem e se
refere s disposies formais dos objetos, sua estabilidade e unidade.
A importncia da educao reside justamente, em assegurar os limites tanto do
impulso sensvel, quanto do impulso formal. Essa harmonizao se daria pelo impulso ldico,
no qual o homem atinge o ideal de beleza a partir do jogo (entendido como criao). a
esttica e no a razo que confere esta unidade vida do ser humano. Segundo Hermann
(2005, p. 67): necessrio que a experincia sensvel limite a tendncia unificadora da razo
e que a vida sensvel no queira imperar acima das leis formais.
Schiller (apud HERMANN, 2005), ao tomar o conceito de beleza como aparncia,
pela qual nossa imagem do mundo no dada, mas criada por ns, est simplesmente
afirmando que ela obra de nosso jogo, de nossa atividade criadora. Somente pela esttica
possvel transformar a vida dos seres humanos e superar a fragmentao do mundo moderno.
Hermann (2005) argumenta que, rompendo com as bases metafsicas do racionalismo e do
idealismo, Nietzsche (sculo XX) radicaliza a fora do esttico e da arte. O filsofo desmistifica
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todo o projeto pedaggico da modernidade negando a racionalidade como forma de elevao do
homem. Para ele, a razo mostrou-se incapaz de dar mais humanidade ao ser humano.
Para Nietzsche (1988 apud HERMANN, 2005, p. 73), s como fenmeno esttico a
existncia e o mundo podem ser justificados. A experincia esttica permite enfrentar a
dimenso trgica da existncia humana, possibilitando o conhecimento daquilo que excludo
pela lgica do conceito e conduzindo a novas formas de compreenso do mundo.
Exclusivamente ao homem cabe produzir sentido a sua existncia.
Segundo Hermann (2005, p. 80):
a arte, enquanto afirmao da existncia e estmulo aos sentimentos da vida, trabalhacom as iluses do mundo, sabendo que trata de iluses, portanto, sem apresentarnenhuma sntese conciliadora e sem que a diferena seja um mero momento dialtico detransio para a identidade. A arte afirma a vida, ressalta aspectos, deforma ou omitetraos, em funo de uma transfigurao do real. um jogo originrio da vontade depotncia, que nos permite enfrentar os horrores da existncia.
Ainda de acordo com Hermann (2005), influenciado pela idias de Nietzsche,
Foulcault (sculo XX) tambm rompe com a metafsica da razo e orienta-se para uma busca
esttica da existncia. Nessa lgica, os indivduos devem constituir-se a si mesmos como uma
obra de arte.
Hermann (2005, p. 86) apresenta o pensamento de Foulcault (1984):
a partir da idia de que o indivduo no nos dado, acho que h apenas umaconseqncia prtica: temos que criar a ns mesmos como uma obra de arte. [...]Ns no deveramos relacionar a atividade criativa da pessoa ao tipo de relao queela tem consigo mesma, porm deveramos ligar o tipo de relao que ela temconsigo mesma a uma atividade criativa.
A posio de Foulcault (apud HERMANN, 2005) a respeito da esttica da existncia, de
que o sujeito se constitui com base no em um fundamento, em uma natureza, mas a partir das
prticas de si mesmo. As experincias do indivduo na complexa rede de relaes em que ele est
inserido seriam capazes de promover liberdade e auto-imaginao. O cuidado de si e a criao de
si mesmo respondem s demandas de pluralidade, pois segundo Hermann (2005), para Foulcault
o ser humano se constitui como sujeito em funo da multiplicidade de suas vivncias.
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A partir deste breve panorama a respeito do conceito de esttica, entendo que este
sofreu vrias interpretaes e modificaes conforme o contexto histrico em que foi
trabalhado. Entretanto, algo importante a salientar que, quando se vai relacionar esttica
com a educao, conforme Hermann (2005, p. 43), a esttica tem uma finalidade aberta que
permite configurar mltiplas possibilidades de comportamento mais adequadas s exigncias
do mundo contemporneo. Nesse sentido, a esttica lana luz sobre a pluralidade.
Esse quadro filosfico relevante para embasar a concepo de educao esttica
como um processo de valorizao da sensibilidade, da criao e da liberdade. Uma forma de
trazer tona o respeito s singularidades e particularidades provenientes dos diversos
contextos culturais. Trata-se, pois, de se apropriar dos elementos estticos para promover uma
ao educativa significativa na formao de indivduos conscientes de seu estar no mundo.
Conforme Duarte Jr. (1981), a educao esttica, nada mais que a educao que
valoriza a sensibilidade, a percepo, a beleza. Para que esta se efetive no cotidiano escolar,
preciso adotar um currculo conectado tanto cultura local quanto ao saber construdo
tambm por outras culturas, valorizando as experincias de vida, ritmo e interesses prprios
dos educandos. Trata-se de repensar a educao desde uma perspectiva artstica, como
atividade esttica. Enfim, construir uma escola que proporcione ao aluno fazer de sua vida
uma obra de arte.
Nesta perspectiva, experincias alternativas de educao baseadas na esttica tm se
mostrado extremamente eficientes na construo de uma aprendizagem significativa, na
ressignificao do papel da escola e contra os processos de excluso e de discriminao que
determinadas comunidades historicamente tem sofrido.
2.2 PRINCPIOS NORTEADORES DA PROPOSTA PEDAGGICA DA ESCOLA CIDAD
A partir dos anos 80 surge no Brasil, principalmente nas regies Sul e Sudeste um
movimento de renovao curricular que tem origem no inconformismo com a deteriorizao
do ensino pblico e na ruptura com a proposta neoliberal de educao. Proposta esta que
visava, entre outras coisas, a privatizao de esferas pblicas e a reduo da responsabilidade
do estado para com a educao, o que resultou numa considervel queda na qualidade da
escola pblica brasileira (MOREIRA, 2000).
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Esse movimento de transformao aconteceu em virtude das eleies para governos
municipais de partidos democrtico-populares que propuseram radicalizar a democracia tanto
na esfera administrativa, quanto em reas como a educao. Tais iniciativas apresentam como
discurso a necessidade da melhoria da qualidade do ensino pblico, a reduo das altas taxas
de repetncia e evaso escolar e a democratizao no s do acesso educao, mas do
prprio espao da escola. Trata-se de uma concepo de educao, orientada para o exerccio
da cidadania ativa, atravs da participao efetiva dos atores envolvidos no processo ensino-
aprendizagem (ROSSI, 2001).
Segundo Gadotti (2000), em alguns municpios do Brasil, projetos educacionais se
formaram tendo como base as propostas de Paulo Freire1 e a influncia dos pressupostos da
educao popular. A educao popular foi considerada um fenmeno de produo e
apropriao dos produtos culturais, constituda por um sistema aberto de ensino e
aprendizagem. O embasamento foi uma teoria de conhecimento referenciada na realidade,
com metodologias incentivadoras de participao das pessoas, permeada ainda, por uma base
poltica estimuladora de transformaes sociais e orientadas por anseios humanos de
liberdade, justia, igualdade e felicidade. Em sntese, para a educao popular, a escola um
espao de a socializao dos saberes e de desenvolvimento do cidado crtico, inserido na
sociedade de forma democrtica.
A democratizao do conhecimento processa-se a partir de uma reestruturao
curricular que leva em conta a realidade da comunidade escolar e seus elementos culturais.
Elementos que sero o ponto de partida para a ampliao da aprendizagem e que se
constituiro no elo de comunicao entre os saberes locais, especficos de determinado
contexto e o saber universal, construdo atravs dos tempos (AZEVEDO, 2000).
Embora em cada municpio, estas propostas curriculares apresentem particularidades e
especificidades, em comum, pautaram-se na idia de integrao do currculo como recurso
facilitador da postura reflexiva em relao ao saber constitudo, reiterando o propsito de
insero do aluno na sociedade como cidado autnomo, consciente e crtico (BARRETO,
1998, p. 27). Alm disso, tambm se preocuparam em atender a camada popular da sociedade,
historicamente excluda dos processos educativos.
A proposta da Escola Cidad, criada e implementada durante o governo da
Administrao Popular em Porto Alegre, no perodo de 1989 a 2004, produto da luta
1 Convm lembrar, entre outras, as seguintes obras :Educao: prtica da liberdade (1967), Pedagogia dooprimido (1968), Cartas Guin-Bissau (1975), Pedagogia da esperana (1992), sombra desta mangueira(1995), entre outras obras.
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histrica pela democratizao de uma escola pblica e de qualidade (AZEVEDO, 1999).
Segundo Azevedo (1999) a articulao de experincias pedaggicas alternativas com as
prticas democrticas, em dcadas de lutas, culminou no projeto de uma educao emancipadora,
capaz de formar sujeitos responsveis por sua prpria existncia, e de incluir uma grande massa
da populao que h muito estava excluda do processo educativo e cultural.
Em 1989, em Porto Alegre foi institudo o Oramento Participativo, cujo objetivo era
promover junto populao a discusso acerca das prioridades de investimento do oramento
da cidade.
Para Azevedo (2000, p. 32), o desenvolvimento do processo e as leis de histria
fizeram deste espao urbano uma das principais trincheiras de resgate dos valores
humanitrios e igualitrios, ticos e solidrios acumulados pelos povos, na luta pela liberdade
e dignificao da vida.
A cumplicidade entre a poltica da Administrao Popular com os movimentos sociais
na rea da educao que deu legitimidade ao projeto da Escola Cidad. Porto Alegre
apresenta sociedade uma nova estruturao do espao escolar, buscando, sobretudo,
potencializar o fazer democrtico no s na escola, mas como objetivo para a vida.
Do ponto de vista poltico, a base para a instaurao da Escola Cidad est na
socializao da esfera estatal do municpio, a partir da construo de instrumentos de
participao popular, nos quais o Estado se transforma em espao de cidadania e atuao
direta da sociedade civil.
Conforme Azevedo (2000 p. 53):
atravs de espaos pblicos como o Oramento Participativo, a Cidade Constituinte,Conselhos Setoriais, Gesto Democrtica das escolas pblicas municipais, h umexerccio de democracia direta onde a sociedade civil formula polticas, fiscaliza econtrola o desenvolvimento das polticas pblicas.
Na escola, a democratizao desdobra-se em aes de todos os sujeitos implicados no
processo educativo atravs: do Planejamento Participativo, no qual o coletivo da escola prope
alternativas para o trabalho cotidiano; na instituio do Conselho Escolar, que possui natureza
consultiva, deliberativa e fiscalizadora, constituindo-se no rgo mximo da escola (PORTO
ALEGRE, 1996); na eleio de diretores; e no Oramento Participativo das Escolas, que, partindo
da opinio dos diversos segmentos, aprova os recursos para os projetos de trabalho.
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Para Azevedo (2000), a democratizao da escola, embora destaque a sua dimenso
poltica expressa no aprendizado das prticas democrticas e no exerccio da cidadania, uma
questo essencialmente pedaggica. Portanto, no h neutralidade em relao s concepes
de conhecimento e currculo inscritas nas prticas e estas esto indissociavelmente articuladas
a um projeto poltico maior.
Foi no decorrer do projeto Constituinte Escolar2, que envolveu toda a Rede Municipal
de Ensino (RME), que os sujeitos atuantes no processo educacional definiram as concepes
de: conhecimento, currculo, avaliao, gesto e normas de convivncia no interior da escola
(PORTO ALEGRE, 1996).
Segundo o documento referncia resultante do processo Constituinte Escolar, Caderno
pedaggico no 9 (PORTO ALEGRE, 1996), a Escola Cidad foi definida como: estatal
quanto ao financiamento, comunitria quanto gesto e pblica quanto destinao
(GADOTTI, 2000, p. 49). Um espao vivo e democrtico privilegiado da ao educativa, cujo
ensino de qualidade, gratuito, laico, pluralista e destinado s classes populares.
A viso de conhecimento como um processo humano de busca constante de
organizao e transformao do mundo, algo interdisciplinar, no fragmentado, atrelado ao
desejo de aprender, bem como a compreenso da prtica social como o fim ltimo da
educao, so princpios adotados pela RME e consolidados a partir dos fazeres cotidianos.
Construir o conhecimento numa perspectiva interdisciplinar, promovendo a socializaodos saberes, superando rupturas nas diferentes reas do conhecimento, percebendo oaluno de maneira globalizante, buscando, estudando e implementando formasalternativas que rompem com a estrutura atual (PORTO ALEGRE, 1996, p. 7).
Outro pressuposto fundamental diz respeito concepo de currculo. Segundo
Azevedo (2000, p. 56), currculo pode ser compreendido como o programa total da
instituio de ensino, expresso da prtica e da funo socializadora e cultural da escola, um
processo construdo pelo coletivo escolar em suas especificidades e realidades prprias.
Consta ainda no documento referncia (PORTO ALEGRE, 1996) que o currculo abarca tanto
as vivncias que a escola prov, quanto a significao que o educando d a essas vivncias de
modo a re-signific-las e de ampliar sua viso de mundo.
2 A Constituinte Escolar objetivou a sistematizao em um documento referncia dos pressupostos e princpiosdebatidos pelos diferentes segmentos que compem a escola.
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A organizao curricular da Escola Cidad, no ensino fundamental se deu atravs dos
ciclos de formao (3 ciclos de 3 anos cada), procurando respeitar o tempo e as experincias
dos estudantes, bem como a organizao interdisciplinar da escola. Tais ciclos foram
compreendidos como capazes de dar flexibilidade seriao, permitindo um agrupamento dos
alunos em funo da idade, escolaridade e dos interesses comuns (PORTO ALEGRE, 1996).
Nessa perspectiva, o currculo est estruturado a partir dos complexos temticos ou
temas geradores que procuram partir do universo cultural dos alunos em direo a um
conhecimento mais universal, transformando senso comum em conhecimento cientfico e
aproximando a realidade dos alunos dos contedos programticos trabalhados em sala de aula
(PORTO ALEGRE, 1996).
Para Azevedo (2000) a superao da avaliao punitiva e seletiva, substituindo-a por
uma alternativa emancipatria, baseada no respeito s individualidades e diferenas dos
educandos tambm caracteriza a proposta. A avaliao visa o sucesso e no o fracasso do
aluno. caracterizada por ser um processo, no qual o professor acompanha a caminhada dos
alunos buscando sanar possveis lacunas e trabalhar partindo do redimensionamento da ao
pedaggica no sentido de promover avanos na aprendizagem.
Estruturada na constituio de instrumentos de participao, a gesto democrtica
outro pilar da Escola Cidad. Ela se efetiva no cotidiano escolar a partir da eleio de
diretores, da autonomia da escola em relao mantenedora e da constituio dos Conselhos
Escolares que, formados pelos diferentes segmentos que a compem, deliberam sobre as
questes tanto administrativas, quanto pedaggicas.
importante salientar que essa viso de autonomia da escola em relao
mantenedora, entretanto, no prescinde da presena do poder pblico municipal responsvel
pelo financiamento e apoio para a efetivao do projeto pedaggico, proporcionando infra-
estrutura, assessoria, condies de trabalho e formao continuada aos educadores.
Para Kroeff (2001), a poltica cultural da Secretaria Municipal de Educao (SMED)
constitui um desdobramento, na esfera educacional, do projeto de radicalizao da democracia
proposto pela Administrao Popular.
Na Administrao Popular em Porto Alegre, os primeiros indcios de uma poltica cultural
se esboaram durante a primeira gesto (1989 a 1992), nesse momento teve incio o Programa de
Atividades Alternativas Curriculares Culturais (PAACC) que objetivou a criao de diversas
oficinas de artes nas mais variadas linguagens (dana, teatro, msica, literatura, vdeo [...]) nas
escolas. Cada escola teria um professor com carga horria de 20 horas semanais para promover
tais atividades no turno inverso ao horrio de aulas (KROEFF, 2001).
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Kroeff (2001) afirma que, j na segunda gesto (1993 a 1996), a partir da Constituinte
Escolar, tendo a Rede Municipal definido mais amplamente suas concepes poltico-
pedaggicas, houve uma srie de redimensionamentos pedaggicos e institucionais e se
percebeu que as atividades alternativas estavam constituindo-se em uma escola paralela
dentro da escola. Essa constatao levou a Secretaria a repensar tais atividades,
reestruturando-as.
Conforme Azevedo (1999, p. 24):
hoje o ldico, o prazeroso, o inovador, o dinmico, so elementos indissociveis daaprendizagem e a ela inerentes em todos os espaos e tempos da Escola Cidad,resguardadas as insuficincias prprias do processo de sua construo. As oficinas, aatividade extraclasse, acontecem somente quando h um transbordamento daatividade curricular de sala de aula e no como uma alternativa a essas atividades.
Em 1995 surgiu a Assessoria de Programao Projetos Culturais, responsvel pela
previso oramentria e coordenao de todos os projetos culturais que envolvessem a RME
tais como: A Escola vai ao Cinema, A Escola vai ao Teatro, A Semana de Porto Alegre, A
Feira do Livro, A Escola faz Arte [...]. A funo deste setor passou a ser a de reorientar as
oficinas de modo que, aos poucos fossem incorporadas ao currculo escolar (KROEFF, 2001).
Paralelo a isso, a poltica cultural da Administrao Popular em relao ao municpio,
apresentava a Descentralizao da Cultura que props a SMED a utilizao das escolas
municipais como um dos equipamentos de ao cultural nas regies, caracterizando-as como
plos culturais dos bairros.
Segundo Kroef (2001, p. 7):
a perspectiva da escola como plo cultural considerava que o trnsito na produocultural da cidade, com seus movimentos de vetores e direes variadas, escapavados espaos delimitados segundo classes e segmentos sociais predeterminados comovalores e bens culturais pertinentes a este ou aquele grupo.
Desta forma, a escola colocava-se como um espao de troca de saberes,
desenvolvendo processos criativos que vo alm do conhecimento formal, promovendo
interlocues entre o fazer cultural produzido na cidade e a cultura prpria das comunidades.
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Uma escola pautada pela concepo de plo cultural mostra-se menos disciplinar e impositiva
e mais pblica.
Ainda com base em Kroeff (2001), em 1997, em mais um redimensionamento da
Secretaria, foi criada a Equipe de Cultura, Eventos e Multimeios que passou a coordenar a
poltica cultural. Essa equipe teve como funo articular os projetos culturais que so
desenvolvidos nas escolas com os Centros Administrativos Regionais (CARs) a fim de
compor um projeto maior no mbito da cidade.
Nesse momento, surge tambm a figura do coordenador cultural em cada escola, cuja
ao estava articulada com as aes da comunidade de sua regio. Para tanto, este participava
das reunies das comisses de cultura, do Oramento Participativo da cidade e de todos os
movimentos culturais do bairro.
Esse movimento dos vrios atores sociais junto comunidade, compartilhando
experincias e vivncias, possibilita a formulao de novos saberes, conhecimentos e aes.
Somente a partir deste trnsito possvel viabilizar uma nova escola, conferindo-lhe novo
papel e significao social (KROEFF, 2001).
Em 2007, segundo relato oral de Las Merker3, a poltica cultural da RME est pautada
nas necessidades de cada comunidade escolar e a secretaria procura atender a estas demandas
incentivando projetos especficos, embora nem sempre seja possvel prover recursos
financeiros para tais propostas. Os projetos vo ao encontro dos anseios da comunidade, como
o caso do Dana Criana (EMEF4 Loureiro da Silva), da Orquestra de Flautas (EMEF Villa
Lobos), do Projeto Bumba Meu Boi (EMEF Victor Issler), da Dana Folclrica (EMEF
Liberato Salzano Vieira da Cunha), entre outros.
importante salientar que estes projetos culturais desenvolvidos nas escolas so fruto do
trabalho e dedicao dos professores da rede de ensino e do apoio e luta da comunidade na qual
esto inseridos. A participao dos pais e alunos fundamental na manuteno destes programas,
pois esta participao que justifica e d significado ao trabalho desenvolvido nas escolas.
3 Coordenadora dos projetos de dana da Secretaria Municipal de Ensino de Porto Alegre (SMED) em relatooral no II Seminrio Nacional de Dana e Educao (de 26 a 28 de abril de 2007).
4 Escola Municipal de Ensino Fundamental.
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2.3 A DANA NA ESCOLA
A dana pode ser brevemente conceituada como a manifestao artstica do corpo em
movimento. Ela se diferencia das demais manifestaes da motricidade humana, pois
culturalmente organiza movimentos e gestos que atendem a propsitos e intencionalidades
estticos. Os movimentos transformados em dana adquirem caractersticas prprias que variam
de fatores espaciais, temporais e rtmicos a condutas posturais, ticas e estticas. A dimenso
esttica da dana reside na possibilidade que toda dana tem de ser arte (DANTAS, 1999).
Alm disso, a dana uma arte que envolve os sentidos de maneira muito particular,
pois, conforme Vargas (2002), quando o indivduo dana, coloca em ao os msculos, os
sentidos e a mente, numa combinao recproca capaz de comunicar pensamentos e emoes
atravs do corpo.
Diferentemente dos movimentos cotidianos, os movimentos de dana so carregados
de expressividade e simbolismo e no exercem funo prtica nem instrumental. Para Dantas
(1999, p. 17) quem dana o faz porque realiza movimentos que no possuem, aparentemente,
nenhuma utilidade ou funo prtica, mas que possuem sentido e significado em si mesmos e
so recriados e revividos a cada momento.
A dana tambm difere das outras formas de expresso artstica uma vez que utiliza o
corpo como instrumento de mediao do simblico. Os movimentos e gestos da dana
possibilitam criar impresses, projetar valores e significados, expressar sentimentos e
sensaes tendo no corpo a principal ferramenta. uma arte dinmica, que acontece no
tempo e no espao.
Para Langer (1980), a dana se d em funo do gesto, sendo este a abstrao bsica
pela qual esta arte se organiza e estrutura. O gesto faz parte da movimentao cotidiana do ser
humano, entretanto, quando o gesto imaginado, de modo que possa ser isolado e
reproduzido de forma independente, ele se torna uma manifestao artstica, uma forma
simblica livre, que pode ser utilizada para transmitir idias e sentimentos.
Ao observar uma dana coletiva digamos, um bal bem-sucedido em termosartsticos - no se v pessoas correndo de um lado para o outro, v-se a dana sendoimpulsionada nesta direo, puxada naquela, reunindo-se aqui, espalhando-se ali fugindo, repousando, erguendo-se, e assim em diante; e todos os movimentosparecem emergir de poderes situados alm dos executantes (LANGER, 1980,p. 184).
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A autora afirma que a dana uma forma de expresso, no s como expresso de
sentimentos reais do sujeito, mas tambm como uma expresso imaginada que pode ser
repetida e revivida cada vez que se dana. Ou seja, na dana, o gesto pode ser auto-expressivo
(representando condies subjetivas) ou logicamente expressivo (simbolizando um conceito).
Na dana, os movimentos do forma aos smbolos que, organizados sucessivamente,
compem formas harmnicas e estticas (LANGER, 1980).
Garaudy (1980) afirma que a dana enquanto manifestao e expresso de
sentimentos acompanha a histria do homem, tendo seus primeiros indcios de existncia nas
civilizaes mais primitivas, nas quais antes mesmo da comunicao atravs da palavra, o
homem j se expressava corporalmente.
Os homens danaram todos os momentos solenes de sua existncia: a guerra e a paz,o casamento e os funerais, a semeadura e a colheita. [...] desde a origem dassociedades, pelas danas e pelos cantos que o homem se afirma como membro deuma comunidade que o transcende (GARAUDY, 1980. p. 19).
Um outro enfoque da dana seria, o de propiciar a comunho dos indivduos em busca
de um objetivo comum. Segundo Garaudy (1980), na experincia rtmica do trabalho que,
quando realizado em grupo e feito de maneira cadenciada, que se d a comunho entre os
homens. Ou seja, o trabalho de um grupo ritmado, coordenado, mostra-se superior soma das
foras individuais dos participantes.
O homem adquire assim um novo poder e toma conscincia dessa transcendncia dacomunidade em relao aos indivduos. Este poder e esta transcendncia esto ligados aoritmo dos gestos e comunho que esse ritmo permite concretizar. A dana opera essametamorfose: transformando os ritmos da natureza e os ritmos biolgicos em ritmosvoluntrios. [...] a dana tem por objetivo captar aquela fora viva sobrenatural que nascedos esforos rtmicos do grupo (GARAUDY, 1980, p. 20).
Garaudy (1980) esclarece que, a partir do sculo IV, os imperadores ditos cristos
condenaram a dana e o teatro. Por longos sculos, o corpo foi desprezado representando um
obstculo vida da alma. A oposio corpo e alma, bem e mal perdurou at o Renascimento,
quando, ao surgir uma nova postura em relao ao dualismo cristo, os valores mundanos da vida e
do corpo voltaram a ser exaltados. Entretanto, o discurso da Igreja Catlica de corpo pecaminoso se
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manteve presente por um longo perodo da histria do homem o que acabou relegando a dana a
um status de marginalidade.
Tendo como referncia os pressupostos da Filosofia Iluminista na qual o centro do universo
passa a ser o homem racional, poder-se-ia pensar que o corpo deste homem voltaria a ser
valorizado. No entanto, a modernidade trouxe consigo o pensamento dicotmico de oposio entre
corpo e mente fortemente enraizado. A supremacia da razo em detrimento da sensibilidade acaba
por, novamente deixar o corpo de lado (GARAUDY, 1980).
Nesse contexto de valorizao do intelecto, as artes perderam espao no rol dos
conhecimentos socialmente valorizados, pois no apresentam um fim especfico, uma utilidade
prtica. A universalizao e hierarquizao dos saberes tm relegado as prticas artsticas e
expressivas aos cantos recreativos da educao, desconsiderando que so formas de conhecimento
especficas com valor em si mesmas. Os contedos vinculados s artes tm simplesmente servido
para ilustrar o trabalho pedaggico de outras disciplinas ditas mais importantes.
Historicamente, a arte na educao oscilou entre a mera valorizao da tcnica e o
espontanesmo (livre expresso). Essa viso tambm contribuiu para a negao de um espao
vlido para as artes nos currculos formais, deixando-as ocupar o espao de atividade escolar,
recreao ou ainda, como recurso para auxiliar as outras disciplinas (MARQUES, 2001). Esse
pressuposto estava presente tambm na LDB 5692/71 (BRASIL, 1972) e se materializou durante
dcadas nas prticas pedaggicas escolares.
Marques (2003) lembra que a discusso a respeito da arte como forma de
conhecimento e educao esttica se acentuou somente entre os anos 80 e 90. No final da
dcada de 90, entidades, associaes e rgos governamentais preocuparam-se em inserir as
vrias linguagens artsticas nas discusses, debates e documentos oficiais sobre educao. A
partir da publicao da LBD 9394/97 (BRASIL, 1996) e dos Parmetros Curriculares
Nacionais - PCNs (BRASIL, 1997), o ensino da arte comea a tomar outros rumos. a
primeira vez, por exemplo, que a dana citada como uma das linguagens a ser trabalhada em
sala de aula.
Amparada pela LDB 9394/96, a arte reconhecida como disciplina obrigatria no
currculo. Nos Parmetros Curriculares Nacionais, a arte uma das reas curriculares e a
dana indicada como linguagem artstica diferenciada a ser trabalhada pelas escolas. Com
base nesse apoio legal, passou-se a pensar a dana como uma vivncia que pode e deve fazer
parte das demais experincias escolares do indivduo com o objetivo de ampliar o seu mapa
cognitivo, perceptual, esttico e artstico.
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Marques (2003) postula que a dana tambm uma forma de conhecimento com
contedos e textos prprios, tais como: elementos expressivos, motores, estticos, histrico-
culturais. Ela uma experincia nica, capaz de desenvolver no s habilidades motoras, mas
tambm comportamentos e significados fundamentais na estruturao de um sujeito criativo e
hbil em lidar com as constantes mudanas que caracterizam a contemporaneidade.
a compreenso esttica e artstica da dana necessita de corpos engajados de formaintegrada com seu fazer-pensar. Essa seria a contribuio da dana para a educao:educar corpos que sejam capazes de criar pensando e re-significando o mundo emforma de arte (MARQUES, 2003, p. 24).
Conforme a autora, a linguagem da dana trabalhada no mbito escolar, inserida no
currculo de modo contextualizado e tecida a partir de uma rede de diferentes
relacionamentos, possibilita o aumento de nossa capacidade de encontrar novos e diferentes
modos de construo e reconstruo de um mundo mais significativo. O aprendizado da dana
em suas mltiplas relaes entre razo e emoo, pensamento e ao, experincia esttica e
expresso individual, conhecimento e sociabilidade pode enquadrar-se perfeitamente no ideal
de educao democrtica, multicultural, histrica, solidria e na formao integral do sujeito.
De modo semelhante, Reid (1981, p. 48) enfatiza que a dana como forma de arte,
est engajada com o sentimento cognitivo e no somente com o sentimento afetivo ou o
liberar de emoes. Isso significa reiterar que a dana, alm de ser uma forma de expresso,
antes uma forma de conhecimento. Atravs do corpo que dana se pode compreender o
mundo de modo esttico e artstico.
J a dana enquanto manifestao cultural de uma determinada comunidade ou povo
tambm representa uma forma nica de resgate da memria e razes humanas, uma vez que
reintegra o indivduo s suas origens e o situa historicamente. Nessa perspectiva, pode-se
pensar um contato com a linguagem da dana em linhas histrico-culturais, o que proporciona
ao indivduo a construo de uma identidade no s individual, mas tambm coletiva.
Marques (2001, p. 94) prope:
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que o trabalho com dana em situao educacional baseada no contexto dos alunosseja o ponto de partida e aquilo a ser construdo, trabalhado, desvelado,problematizado, transformado e desconstrudo em uma ao educativatransformadora na rea da dana. [...] Poderemos assim, trabalhar com a valorizaodo tempo presente, com o espao ilimitado, com a pluralidade dos corpos, enfim,com o indeterminado contemporneo.
Para Marques (2003), o ensino da dana mostra-se como um espao privilegiado para
o trabalho de discusso e problematizao da pluralidade cultural. No s porque o corpo em
si j expresso de pluralidade (racial, tnica, etria, de gnero), mas pela forma como este
corpo se movimenta e se situa no mundo que revela aspectos scio-poltico-culturais do
sujeito. Leia-se corpo como um projeto comunitrio, uma construo social que incorpora
mensagens e significados s suas caractersticas biolgicas individuais.
A dana capaz de promover esse dilogo entre o corpo individual e o corpo social.
Tambm as relaes espao-temporais contidas nas danas tradicionais revelam essa
pluralidade cultural, pois, esto localizadas histrica e geograficamente comunicando
diferentes contextos e vivncias situados nestes tempos e espaos (MARQUES, 2003).
Embora a relao da dana com a educao tenha seguido a mesma trajetria das demais
expresses artsticas, de luta por espaos vlidos, algumas experincias de insero da dana no
currculo escolar, tem sido experimentadas por escolas da rede pblica com sucesso.
Em So Paulo (SP), desde 1989, o regimento das escolas pblicas municipais inclui a arte
como disciplina oficial do currculo em suas quatro modalidades: teatro, artes visuais, msica e
dana (MARQUES, 2003). Nas escolas da Rede Municipal de Ensino de So Leopoldo (RS),
conforme dados fornecidos por Rosane Linck5, em 2005 foi realizado concurso pblico para
provimento de vagas nos cargos de professor de Artes Cnicas, Msica, Teatro e Dana para
atuarem nas escolas deste municpio.
Conforme publicao da Secretaria de Educao do Municpio de Porto Alegre
(SMED), a prtica de dana nas escolas est cada vez mais presente atualmente e, ela leva em
considerao diferentes contextos e realidades que produzem resultados e demandas distintas.
Embora, em muitos casos, tanto a clientela quanto o lugar especificamente apresentem
condies favorveis para o seu desenvolvimento no significa, necessariamente que as
tentativas de implantao sejam bem sucedidas (KROEFF, 2001).
5 Representante da Secretaria Municipal de Educao de So Leopoldo em apresentao oral no II SeminrioNacional de Dana e Educao realizado entre os dias 26 e 28 de abril de 2007 em Porto Alegre.
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Em Porto Alegre, segundo Las Merker6, em 2007 esto em funcionamento na Rede
Municipal 95 escolas, sendo 45 de Ensino Fundamental e 40 de Educao Infantil, totalizando
cerca de 3876 professores e 59000 alunos. No ano de 2006, dentre as 45 escolas de Ensino
Fundamental, 19 tinham projetos de dana em andamento, os quais envolviam 21 professores
e, em torno de 1800 alunos nas mais diferentes modalidades: Ballet Clssico, Jazz, Folclore,
Dana Afro, Flamenco e Dana de Rua. Nas aulas de Educao Fsica, segundo alguns
professores, a dana tambm est contemplada em seus planejamentos a partir de rodas
cantadas, danas folclricas ou at mesmo como estratgia para os dias de chuva, mas no
chega a fazer parte do rol de contedos trabalhados sistematicamente.
Alm destas duas formas, a dana est presente nas escolas da RME dentro da
proposta Escola Aberta que, em parceria com a Unesco, envolve aproximadamente 33
escolas. Nessa proposta, h oficineiros da prpria comunidade que ministram aulas de Hip
Hop, Capoeira, Dana de Salo e Ballet Clssico.
A SMED entende que a dana no contexto escolar promove: diferentes leituras do
mundo; a reflexo sobre o cotidiano dos alunos; a vivncia de conceitos de outras reas; a
participao dos alunos em diferentes grupos sociais e a permanncia do aluno na escola.
Alm disso, mostra - se como uma atividade prazerosa que contribui para as demais
aprendizagens formais.
Esse marco referencial, segundo discurso da SMED, concebe uma forma de atuar no
ensino, totalmente voltada para o lado poltico-social, no sentido de oposio ao sistema de ensino
categorizado, compreendido como ensino tradicional. Essa viso de tradicionalidade concebe o
conhecimento como algo pronto e acabado e que se transmite e se acumula, atravs de um
currculo hegemnico, que retrata a classe social alta e que detm o poder (KROEFF, 2001).
Entre os projetos que cresceram e apresentaram essas caractersticas est o Dana
Criana. O projeto Dana Criana atende aos alunos no s da escola, mas tambm da
comunidade. Trata-se de uma oficina de dana baseada na tcnica do Ballet clssico e que
est estruturada em aulas semanais para os diferentes grupos etrios.
O Ballet uma manifestao artstica que surgiu no sculo XVI na corte francesa
como forma de entretenimento da aristocracia. Devido a sua grande popularidade foi se
desenvolvendo e, aos poucos, ganhando status de tcnica de dana. No sculo XVIII j era
composto por uma rgida combinao de normas e regras e se tornou uma arte acadmica e
teatral. Difundiu-se a partir da figura de grandes bailarinos e hoje danado em praticamente
6 Informao oral divulgada no II Seminrio Nacional de Dana e Educao (Porto Alegre, abril de 2007).
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todo o mundo (PORTINARI, 1989).
Embora a tcnica do ballet embase o trabalho do projeto Dana Criana, as aulas so
planejadas de acordo com a realidade do grupo, levando em considerao que a dana na
escola tem carter educativo e no visa formar bailarinos profissionais. Assim sendo, so
incorporadas s aulas, a criao e a improvisao como forma de ampliar o vocabulrio motor
das crianas e promover a socializao do grupo, partindo do carter de ludicidade da dana.
No projeto, as crianas so distribudas em cinco nveis que variam de acordo com a
faixa etria, turma na qual esto inseridas e experincia anterior em dana. Alm das aulas de
ballet, o programa tambm oferece aulas de ginstica para as mes. Estas aulas tm como
objetivo, no s propiciar o bem-estar e promover a sade das mes da comunidade, mas
tambm a integrao entre as famlias e o projeto.
O espao fsico que abriga a sala de aula foi construdo com recursos oriundos de verbas
municipais e eleito pela comunidade como prioritrio nas votaes do Oramento Participativo.
Isto revela um interesse muito grande desse pblico em manter o projeto e proporcionar para as
crianas uma vivncia diferenciada: a vivncia artstica. A arte ganha, dessa forma, importncia e
significado nesse contexto escolar.
Tal proposta tem se destacado na Rede Municipal de Ensino como um trabalho que
proporciona no s a experincia artstica, mas, sobretudo, a vivncia de uma educao voltada
para a formao integral do sujeito, para a valorizao das diferenas e para a o desenvolvimento
da capacidade de apreender o mundo com outros olhos: os olhos da sensibilidade (SOUZA;
ETGES, 2001).
Nessa perspectiva, a dana como disciplina inserida no contexto escolar pode ampliar os
mapas perceptual, sensvel e cognitivo dos alunos. Os elementos estticos da educao promovem
no s um aprendizado mais significativo e prazeroso, como tambm proporcionam o acesso das
camadas populares a manifestaes e espaos artsticos antes restritos classe dominante, ou seja,
trata-se da democratizao de espaos e vivncias.
Iniciativas como o Dana Criana representam alternativas curriculares que se opem ao
puro racionalismo e intelectualismo que dominam os espaos educacionais, trazendo tona a
sensibilidade e a aprendizagem significativa como formas de transformao no s da educao,
mas tambm da sociedade.
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2.4 O PROBLEMA DE PESQUISA
Face ao exposto em termos de educao esttica, princpios que norteiam a proposta
pedaggica da Escola Cidad e a respeito da insero da dana na escola, nesta pesquisa,
problematizo a relao entre a aprendizagem da dana e a construo de significados para as
crianas de classes populares. Em decorrncia, defini as seguintes questes de pesquisa:
a) Que significados tm para os/as alunos/as de uma escola cidad o aprendizado da
dana?
b) Como os/as alunos/as envolvidos neste projeto sentem-se em relao ao
aprendizado da dana?
c) Quais os fatores que mobilizam a comunidade para manter este projeto?
d) Que construes imaginrias so feitas por estes/as alunos/as em relao dana?
e) Quais as expectativas destes/as alunos/as e seus familiares em relao dana e
vida?
f) Como as relaes de gnero afetam este projeto?
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3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS
3.1 A OPO METODOLGICA
O principal objetivo desse trabalho foi compreender os significados que a
aprendizagem da dana tm para os sujeitos aprendentes em um contexto de escola popular.
Para tentar compreender tais significados, foi realizada uma pesquisa de carter qualitativo.
A pesquisa qualitativa caracterizada pela insero do pesquisador no ambiente
natural para a coleta de dados. Isso se justifica pelo fato de que o contato direto com a
situao na qual os fenmenos acontecem, permite perceber a relao destes fenmenos com
o contexto de maneira mais ampla e aprofundada. As falas, os gestos e as aes das pessoas
so conexes com contexto onde se manifestam.
Outra caracterstica deste tipo de estudo a preocupao com o processo investigativo,
considerado to relevante e importante quanto o produto da pesquisa. Nos estudos
qualitativos, o significado que as pessoas do s coisas e sua vida so focos de ateno
especial pelo pesquisador (LDKE; ANDR, 1986, p. 12).
Para Engers (1994, p. 66):
a perspectiva desse paradigma penetrar no mundo pessoal dos sujeitos, buscando acompreenso, o significado particular da ao das pessoas e utiliza como critrio aevidncia do acordo intersubjetivo no contexto educacional. Pretende, ainda,desenvolver conhecimento ideolgico, assumindo que descrio pode mostrar umarealidade dinmica, mltipla e holstica.
Segundo Taylor e Bogdan (1987, p.19), a expresso metodologia qualitativa refere-se
em seu mais amplo sentido, investigao que produz dados descritivos: as prprias palavras
das pessoas, faladas ou escritas, e a conduta observvel (traduo minha). Para os autores, a
investigao qualitativa indutiva e os investigadores desenvolvem conceitos e compreenses
partindo de pautas de dados. O desenho da investigao flexvel e vai delineando-se no
decorrer do processo investigativo. Alm disto, pessoas, cenrios e grupos so vistos em seu
todo, ou seja, numa perspectiva holstica.
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O estudo de caso foi a abordagem utilizada nessa pesquisa, na medida em que
contemplou a necessidade de delimitar o caso enquanto algo singular, nico, com valor em si
mesmo. Segundo Goode e Hatt (apud LDKE; ANDR, 1986, p. 17):
o caso destaca-se por se constituir numa unidade dentro de um sistema mais amplo.O interesse, portanto, incide naquilo que ele tem de nico, de particular, mesmo queposteriormente venham a ficar evidentes certas semelhanas com outros casos ousituaes.
Foi a partir do meu olhar de pesquisadora que se realizou a descrio, a interpretao e
a compreenso do fenmeno em questo, bem como a relao com estudos tericos j
produzidos nessa rea. O engajamento e o convvio nessa comunidade escolar especfica
foram muito importantes para o prprio trnsito pelos espaos pesquisados. Ou seja, foi
necessrio um envolvimento no cotidiano desse grupo social para que fosse possvel
descrever, concretamente, as relaes que emergiram nesse contexto scio-cultural.
3.2 CAMPO DE INVESTIGAO E SUJEITOS
O estudo foi realizado na escola Municipal de Ensino Fundamental Loureiro da Silva,
localizada na Vila Cruzeiro do Sul, focalizando especificamente o projeto Dana criana que
existe nessa escola h 23 anos e pelo qual passam anualmente em torno de 300 alunos de 6 a
18 anos de idade. Esse projeto desenvolve uma atividade complementar com crianas e
adolescentes dessa escola e da comunidade, por meio de aulas gratuitas oferecidas em
diferentes horrios.
O projeto teve incio pela iniciativa particular de uma professora de Educao Fsica,
formada em bal, que, despretensiosamente introduziu essa prtica como uma alternativa de
trabalho corporal com as crianas e com os jovens da escola. No entanto, essa experincia
resultou em uma grande demanda entre alunos, produzindo, dessa forma reflexos sociais,
culturais e educacionais e, transformando-se, ao longo dos anos em um projeto-referncia na
Rede Municipal de Ensino.
Como atualmente somente meninas integram a proposta, os sujeitos do estudo foram as
alunas inseridas no projeto Dana Criana e a professora e coordenadora do projeto. Alm destes,
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tambm participaram da pesquisa alguns pais e professores da escola que, de alguma maneira
esto engajados na proposta7.
Os sujeitos foram selecionados da seguinte maneira:
a) Alunas: trs grupos distintos, cada um com trs alunas. O primeiro grupo foi de alunas
que ingressaram no projeto em turmas de iniciantes, cuja faixa etria oscilou entre 6 e
9 anos de idade (Amanda, Las, Ana). O segundo grupo foi de alunas que j esto
inseridas no projeto h pelo menos 2 anos, faixa etria entre 10 e 13 anos de idade
(Jlia, Renata, Adriana). Finalmente, no terceiro grupo, alunas que esto concluindo o
perodo escolar e saindo do projeto, faixa etria acima de 13 anos de idade (Daiana,
Lisiane, Aline);
b) Professoras: a professora responsvel por ministrar as aulas de dana e tambm
coordenadora do projeto e uma professora colaboradora (Ftima, Suzana).
c) Familiares: trs familiares que colaboram ativamente no projeto (Maria, Lurdes,
Snia);
3.3 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS
Considerando que o estudo de caso mostrou-se o mais apropriado para atender ao
problema de pesquisa, foram realizadas observaes participantes na escola e em apresentaes,
entrevistas semi-estruturadas e conversas informais com as alunas, pais e professoras.
3.3.1 Entrevistas
Para obter dados junto s crianas, jovens e familiares em relao aos significados
atribudos por eles participao no projeto, suas representaes e construes imaginrias, foi
feita uma entrevista por pautas, conduzida como uma conversa, na qual verbalmente obtive as
informaes necessrias. O objetivo foi o de captar nas falas, gestos e atitudes, tais significados.
Fez-se necessria a escuta no s do dito, mas tambm do que estava implcito, uma ateno
7 Com vistas a manter o anonimato dessas pessoas, utilizei nomes fictcios para nome-los.
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especial s contradies, s crenas, aos valores e s relaes entre modos de sentir e de agir dos
sujeitos.
A entrevista por pautas apresentou certa estruturao, pois estava guiada por pontos que
me interessavam enquanto pesquisadora. Essas pautas foram ordenadas guardando alguma
relao entre si, e deixei claro ao entrevistado que poderia falar livremente sobre a questo. Nos
casos em que houve fuga do assunto, procurei intervir de maneira sutil, tentando retornar ao ponto
questionado, procurando sempre preservar a espontaneidade do sujeito.
O registro das entrevistas foi feito no momento da realizao das mesmas, como forma de
garantir a preciso das anotaes. Foram includos nos registros, at mesmo os gestos e os
silncios, pois eles deram uma significao maior resposta. Procurei proporcionar ao
entrevistado um clima de cordialidade e bem estar, evitando qualquer tipo de constrangimento. Os
roteiros de entrevistas que foram realizadas com cada grupo especfico (alunas, professora e
familiares) encontram-se nos apndices A, B e C.
3.3.2 Observao participante
O perodo de observao foi de maro a junho de 2007, totalizando aproximadamente 12
horas semanais.
As observaes foram realizadas de forma participativa, exigindo uma permanncia
prolongada no meio natural, observando, interagindo como os sujeitos, registrando os modos de
ser e pensar, as aes individuais e coletivas. As observaes durante as aulas, intervalos,
espetculos, foram fundamentais para analisar as atitudes e posturas dos indivduos e suas
construes imaginrias.
A realizao das observaes permitiu-me acompanhar as interaes que aconteciam entre
as crianas, entre a professora e as crianas, as relaes que se estabeleciam com as famlias, e a
prpria relao das crianas consigo mesmas (jogo simblico).
Enquanto observadora procurei assumir um papel de observador participante que,
segundo Ldke e Andr (1986, p. 29):
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um papel em que a identidade do pesquisador e os objetivos de estudo so revelados aogrupo pesquisado desde o incio. Nessa posio, o pesquisador pode ter acesso a umagama variada de informaes, at mesmo confidenciais, pedindo cooperao ao grupo.Contudo, ter em geral que aceitar o controle do grupo sobre o que ser ou no tornadopblico pela pesquisa.
As observaes focalizaram as caractersticas dos sujeitos, os dilogos, o local onde
ocorrem as aulas (espao fsico), os eventos especiais (apresentaes, festas), as atividades e as
minhas prprias impresses (meus sentimentos, pensamentos, idias, dvidas, surpresas).
Os registros foram feitos em um dirio de campo.
O roteiro bsico dessas observaes encontra-se no Apndice D.
3.4 PROCEDIMENTOS PARA ANLISE DE DADOS
Os dados coletados no presente estudo foram analisados luz da Anlise de Contedo
buscando uma melhor compreenso dos significados pertinentes ao problema de pesquisa,
conforme Moraes (1994, p. 104):
a anlise de contedo constitui-se de um conjunto de tcnicas e instrumentosempregados na fase de anlise e interpretao de dados de uma pesquisa, aplicando-se de modo especial ao exame de documentos escritos, discursos dados decomunicao e semelhantes, com a finalidade de uma leitura crtica e aprofundada,levando descrio e interpretao destes materiais, assim como a interfernciasobre suas condies de produo e recepo.
Segui os passos propostos por Moraes (1999):
a) preparao de informaes;
b) unitarizao ou transformao do contedo em categorias de anlise;
c) categorizao ou classificao das unidades em categorias;
d) descrio;
e) interpretao.
A preparao das informaes, as entrevistas e o registro das observaes foram o
material emprico que constituiu o corpus a ser analisado. Em um primeiro momento, este
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corpus reduziu-se a um processo de codificao preliminar, identificando-o por um nmero
(por exemplo: entrevista 1, observao 3). Em um segundo momento, este material foi
submetido leitura para a posterior organizao em forma de texto e anlise.
Para a definio das unidades de significado, foi necessrio definir o que entendo por
unidade no estudo. A opo foi por unidades relativamente pequenas, que agregadas,
resultaram num conjunto de unidades maiores. As unidades de significado foram definidas
como conjuntos mais abrangentes de contedos que expressam idias, temas ou assuntos.
A concretizao da unitarizao do corpus se deu examinado as entrevistas e as falas
presentes nas observaes e exercitando o recorte das unidades de significado que apareceram.
Trabalhei, basicamente, com unidades temticas. Para compreenso deste processo, transcrevi
as unidades em quadros, deixando cada fragmento isolado.
A partir deste movimento, foi possvel ampliar o sistema de cdigos, a fim de que em
cada momento fosse possvel saber de onde provinha cada fragmento, facilitando o retorno aos
textos originais. Esta transcrio isolada de cada unidade de registro exigiu uma reestruturao
textual ou pequenas transformaes no texto original de modo que os fragmentos tivessem
significado completo em si mesmos.
Inicialmente, obtive um grande nmero de categorias, mas medida que o processo
avanou, foram surgindo relaes entre as categorias, aproximando significados e gerando
categorias mais gerais.
A categorizao se deu a partir da leitura das unidades de significado. Neste momento,
percebi o surgimento de outras unidades construdas a partir dos dados coletados. Agrupei
somente o que estava bem prximo em termos de significado. Todo este processo no ocorreu
de modo linear, mas em constantes procedimentos de reviso e correo, de idas e vindas.
Aps a concluso da categorizao, foi realizada uma anlise cuidadosa de todas as
unidades que constituram a categoria que as sintetizava. Confirmada a categorizao,
considerada mais adequada ao problema de pesquisa, identifiquei as principais idias
expressas, ordenando-as de modo a produzir um texto que contemplou o contedo da
respectiva categoria. Para a redao deste texto inseri passagens constantes das entrevistas e
falas presentes nas observaes, as quais deram consistncia s discries, ilustrando-as.
Finalmente, para a realizao da interpretao dos dados, recorri ao referencial terico,
amplamente construdo no decorrer do processo, para produzir consideraes que resultaram
do dilogo dos dados coletados com tais contribuies tericas e de pesquisa.
No processo de triangulao, foi feita uma comparao entre as fontes, buscando a
relao e o confronto entre o saber construdo cientificamente e as informaes obtidas no
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campo de pesquisa. O encontro entre as perspectivas dos sujeitos do estudo e o referencial
terico possibilitou-me relativizar concepes e ampliar interpretaes acerca do problema em
questo, bem como desvelar novas questes.
A exposio desse texto ser apresentada no captulo a seguir.
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4 ANLISE E DISCUSSO
Tendo como base os dados obtidos nas entrevistas e observaes realizadas, constru
trs categorias temticas e quatro subcategorias, respectivamente. Tal sistematizao permitir
a anlise e discusso do material emprico. So elas: Significados e Sentimentos em relao
dana, Motivao para aprender dana, Expectativas em relao dana e vida.
Quadro 1 - Categorias e subcategorias de anlise
SIGNIFICADOS ESENTIMENTOS EM
RELAO DANA
MOTIVAO PARA APRENDERDANA NA ESCOLA
EXPECTATIVAS EM RELAO DANA E VIDA
Dana associada ao belo Apresentao Apresentar-se no teatro
Dana como expresso eludicidade
Aulas prazerosas Ser bailarina e/ou professora de ballet
Dana como saber Convvio Aprender de modo significativo
Dana associada figurafeminina
Superao e experimentao decompetncia
Melhorar as condies de vida atuais
Tomando como ponto de partida a categoria Significados e Sentimentos em relao
Dana, procederei descrio e anlise dos dados empricos bem como o dilogo com a
literatura.
4.1 SIGNIFICADOS E SENTIMENTOS EM RELAO DANA
Primeiramente, a ttulo de esclarecimento, desejo explicitar os conceitos de significado
e sentimento utilizados neste trabalho.
O comportamento humano essencialmente simblico, logo as aes que o homem
desenvolve so baseadas em significaes. O indivduo apreende o mundo atravs dos seus
sentidos, da sua percepo e o organiza em forma de smbolos e, organizando o mundo,
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organiza a si prprio. Nesse sentido, h uma relao dialtica entre homem e universo:
enquanto constri e transforma o mundo, constri a si mesmo e enquanto organiza-o em
forma de smbolos e conceitos, tambm organiza a si prprio.
Para Duarte Jr. (1981, p. 13), a capacidade humana de atribuir significaes em
outros termos, a conscincia do homem decorre de sua dimenso simblica. Dito isso,
conclui-se que atravs dos smbolos, o homem capaz de transcender a sua esfera meramente
biolgica (da espcie) e tomar o mundo e a si prprio como objetos de conhecimento.
Simbolizando, o mundo vai adquirindo sentido, ordem e significao.
Todo conhecimento se d, portanto, em virtude dessa capacidade de emprestar
significaes ao mundo, de pensar a respeito das coisas apreendidas e vividas. Essa
simbolizao ocorre essencialmente atravs da linguagem, que organiza, classifica e conceitua
praticamente tudo o que est ao nosso redor. A razo e a conscincia humanas s existem em
virtude da linguagem.
Nesse sentido, utilizei o termo significado nesta categoria temtica para tentar
compreender as construes simblicas dos sujeitos da pesquisa em relao ao aprendizado da
dana, os conceitos e smbolos que so construdos tanto pela vivncia deste aprendizado,
quanto pelas influncias da cultura e do ambiente locais.
Por outro lado, por acreditar que a atitude valorativa do ser humano, ou o significado
que se d para as coisas, tambm se situa na esfera do sentir, integrei nesta categoria temtica,
o termo sentimento, cujo conceito abarcar vrios sentidos.
Concordo com Langer (1980) que sentimento pode significar: uma sensao mais
geral de nossa condio fsica ou mental (sentir-se bem ou mal); sensaes fsicas especficas
(dor, frio); sensibilidade propriamente dita (magoar algum); emoes (alegria, tristeza) e
atitudes emocionais relativas a determinados objetos ou situaes (medo de altura).
Entretanto, de maneira mais ampla, ainda de acordo com Langer (1980, p. 71) vou tomar
emprestado o significado de sentimento que ir nortear essa anlise:
por sentimento entenda-se, assim, a apreenso da situao em que nos encontramos,que precede qualquer significao que os smbolos do. O sentir anterior aopensar, e compreende aspectos perceptivos (internos e externos) e aspectosemocionais. Por isso, pode-se afirmar que, antes de ser razo, o homem emoo.
Nessa perspectiva, apresento o termo sentimento para significar aquela impresso primeira
que temos das coisas e de suas relaes, uma apreenso direta do mundo, anterior simbolizao.
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Trata-se de uma percepo global que se d a partir de processos perceptivos bsicos.
Os sentimentos dificilmente podem ser expressos atravs da linguagem discursiva, da
palavra. Pode-se nome-los, classific-los, mas jamais comunicar com preciso como eles se
processam em ns. Os sentimentos se do atravs das vivncias e os smbolos atravs do
pensamento. Entretanto, os dois processos esto intimamente ligados na tentativa humana de
compreenso do mundo. Sentimento e significao esto imbricados de tal maneira que sentir
e simbolizar se articulam e se completam nas aes humanas de organizao e transformao
do mundo e do indivduo.
No ato humano de conhecer o mundo as relaes entre sentimentos e smbolosconstituem seus processos fundamentais. Toda compreenso dada pelos smbolosest eivada de fatores emocionais e, inversamente, todo sentimento busca serinteligvel atravs dos smbolos (DUARTE JR., 1981, p. 72).
Esta introduo serve para iniciar a reflexo sobre a funo da arte na vida das pessoas
e, mais especificamente para o grupo de alunas da pesquisa. Conforme Duarte Jnior (1981,
p.14), atravs da arte so-nos apresentados aspectos e maneiras de nos sentirmos no mundo,
que a linguagem no pode conceituar. [...] Isto : atravs da arte o homem encontra sentido
que no podem se dar de outra maneira seno por ela prpria. A arte se apresenta como a
ponte que leva o ser humano a expressar e a dar uma certa forma aos seus sentimentos.
O que o simbolismo discursivo a linguagem no seu uso literal nos faz no tocante nossa conscincia das coisas em derredor e nossa prpria relao com elas, asartes fazem em prol de nossa conscincia subjetiva, do sentimento e da emoo; doforma s experincias interiores e as tornam, assim, concebveis. A nica maneirapela qual podemos realmente considerar o movimento vital, a agitao, odesenvolvimento e a passagem da emoo, e finalmente todo o sentido direto davida humana, em termos artsticos (LANGER, 1971, p. 89).
Para os sujeitos da pesquisa, a dana apresenta-se como uma vivncia que resgata essa
dimenso da vida: a da expresso dos sentimentos. A construo de significados e a
exteriorizao de sentimentos que decorre dessa experincia o que estarei analisando e
discutindo a seguir.
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4.1.1 Dana associada ao belo
Com base nas falas dos entrevistados e nos registros das aulas (que incluiu gestos,
posturas, olhares, enfim o no dito) percebi que, muitas vezes os sujeitos no sabem definir os
conceitos de arte e dana, mas pelas expresses sentem a arte como algo que satisfaz sua
percepo.
Como a arte evoca nos indivduos sentimentos intraduzveis, h uma conceituao
baseada mais na sensao, do que na inteleco. Confirmando o que diz Duarte Jr. (1981,
p. 76), arte no significa, exprime; no diz, mostra. E o que ela mostra, o que ela nos
permite, uma viso direta dos sentimentos; nunca um significado conceitual. Ou seja, os
conceitos so incapazes de definir os sentimentos expressos pela arte.
Para Langer (1971, p. 82) arte a criao de formas perceptivas expressivas do
sentimento humano. Ela seria, pois, uma tentativa de descrever sentimentos encontrando
para eles, formas significativas. Uma obra de arte sempre a tentativa de expresso de um
sentimento a partir de um cdigo no-verbal.
Uma primeira constatao seria a de que, para a maioria dos sujeitos, arte
compreendida como algo associado beleza, cuja harmonia de elementos sua constituinte
principal. A fala de Amanda revela isso: Arte uma coisa bonita (Amanda - aluna).
A beleza o nome de qualquer coisa que no existe, que dou
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