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1
Juliana Vieira Saraiva de Medeiros
Reflexões Sobre a Problemática da Lavagem de Dinhei ro
Universidade Metodista de Piracicaba
Mestrado em Direito
Piracicaba
2007
2
Juliana Vieira Saraiva de Medeiros
Reflexões Sobre a Problemática da Lavagem de Dinhe iro
Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Curso de Pós Graduação em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba, como exigência parcial à obtenção do título de Mestre em Direito. Orientadora: Dra. Ana Lucia Sabadell
Universidade Metodista de Piracicaba Piracicaba
2007
3
Reflexões Sobre a Problemática da Lavagem de Dinhei ro
Juliana Vieira Saraiva de Medeiros
BANCA EXAMINADORA
.................................................................... Profa. Ana Lucia Sabadell
Orientador(a)
................................................................... Prof. Antonio Isidoro Piacentin
................................................................... Profa. Maura Roberti
4
À minha mãe Rosa Maria Vieira de
Medeiros, que de algum lugar está sempre a
me proteger;
Ao meu pai Walter Saraiva, por ser um
vencedor.
5
Agradecimentos
Em primeiro lugar, devo agradecer ao meu pai, Walter Saraiva de Medeiros, além de meus
irmãos Rafael e André, ao meu filho Henrique e ao meu esposo Gilberto por tudo que
conquistei até hoje e por toda convivência harmônica que uma família deve ter.
À professora Ana Lucia Sabadell, orientadora sempre prestativa, sempre acessível, por toda
ajuda dispensada e pela paciência na elaboração do trabalho.
Aos professores do Curso de Mestrado em Direito, pela convivência rica e pelo aprendizado
valioso.
Agradeço também imensamente ao Professor Antonio Isidoro Piacentin e a Professora
Maura Roberti, membros da banca, pela valiosa contribuição.
À amiga Nilce Maciel, que desde os tempos de graduação, sempre estimulou minha
vocação para a pesquisa do direito e nunca negou ajuda quando foi preciso.
Ao amigo Cássio Vinícios Prestes, pelo incentivo e idéias sugeridas ao longo do curso de
mestrado.
Às secretárias do Curso de Mestrado, Angelise, Dulce e Sueli, as quais com palavras e
gestos, nos ofertaram o necessário incentivo, sempre bem vindo para quem se dispõe a
realizar trabalho que, embora gratificante, requer alentado esforço físico e intelectual.
Por fim, a todos os amigos, de hoje e de sempre, Mônica, Marisa, Maria Fernanda, Maria
Aparecida Nóbrega, Selenita, Rafaela, Ráldina, Vânia, Glória, Simone, Celeste, Beth, Ana,
Cláudia, André, Ricardo, Gilberto, Reinaldo, enfim, a estes e àqueles que não foram
nominados, mas que fazem parte da minha vida.
6
Resumo
A presente dissertação tem como objetivo a discussão da problemática do crime de
lavagem de dinheiro, regulado em nosso ordenamento jurídico na lei n. 9613/98.
Esse crime pode ser definido como o processo ou conjunto de operações mediante
o qual os bens ou o dinheiro resultantes de atividades delitivas, ocultando tal
procedência, integram-se no sistema econômico e financeiro. O estudo será iniciado
com a análise do crime organizado: um fenômeno criminoso diretamente relacionado
à prática da lavagem de dinheiro. Neste aspecto, há várias convenções e tratados
internacionais que sugerem a criminalização da lavagem de dinheiro como um
instrumento para a eliminação das organizações criminais. Um dos mais importantes
documentos sobre esse assunto é a Convenção de Viena, datada em 1988, na qual
há regras estabelecidas para os países signatários. Devido ao comprometimento
internacional, a lei n. 9.613/98 definiu o crime e muitas disposições acerca do
procedimento criminal e do direito administrativo. No crime descrito no artigo 1º, há a
apresentação de uma lista taxativa de crimes precedentes que poderão dar ensejo a
lavagem de dinheiro. Dessa forma tentaremos abordar os aspectos mais relevantes
da Lei 9.613/98, enfocados à luz do Direito Penal e Processual Penal, sem o
desconhecimento da força das normas constitucionais sobre todo o ordenamento
jurídico vez que adotado modelo processual penal balizado pelo Estado Democrático
de Direito.
7
Abstract
The goal of this study is to research the crime of money laundering which was
described in the Law n. 9.613/98. This crime can be defined as the concealment,
disguise of the true nature, source, location, movement of assets derived from certain
crimes as provided for in the article 1 of the above-mentioned Law. The limits of the
study of such crime are related to the exam of anterior unlawful activities. Therefore,
the analysis is started with the organized crime: a criminal phenomenon directly
related to money laundering practice. In that sense, there are several international
conventions and treaties, which suggest the criminalization of money laundering as
an instrument to eliminate the criminal organizations. One of the most important
documents with regard to this subject is the Convention of Viena dated as of 1988, in
which there are rules established to its parties. In view of such international
commitment, the Law 9.613/98 has defined a crime and many dispositions regarding
to criminal procedure and administrative right. In the crime described in the article 1,
there is the presentation of a restricted list of anterior unlawful activities which able to
generate assets subject to money laundering. Of this form we will try to approach the
aspects most excellent of Law 9,613/98, focused to the light of Criminal the Criminal
law and Procedural, without the unfamiliarity of the force of the constitutional ruleses
on all the legal system time that adopted criminal procedural model marked out with
buoys by the Democratic State of Right.
8
Sumário
1. Introdução ............................................................................................................11
2. Lavagem de dinheiro: aspectos de política crimin al e conceituação
2.1.Conceito de lavagem de dinheiro – Precisões terminológicas.............................15
2. 2.As fases do processo de lavagem......................................................................17
2.3. Conceito..............................................................................................................20
3. Aspectos políticos criminais do tema ................................................................22
3.1. Lavagem de dinheiro e sua relação com a criminalidade
organizada.................................................................................................................22
3.2. Globalização e o delito de lavagem de dinheiro..................................................27
3.3. Métodos empregados no branqueamento de capitais........................................29
4. Tratamento Jurídico do branqueamento de capitais ........................................32
4.1. A criação de um regime internacional regulador do delito de lavagem de
dinheiro.......................................................................................................................32
4.1.1.Convenção das Nações Unidas sobre drogas de 1988 – Convenção de
Viena..........................................................................................................................33
4.1.2. Convenção do Conselho da Europa sobre o branqueamento de
1990............................................................................................................................35
4.1.3.A diretiva da Comunidade Européia..................................................................36
4.1.4. O Grupo de Ação Financeira GAFI..................................................................38
9
4.1.5.As iniciativas da Organização dos Estados Americanos para afrontar a
problemática da lavagem de dinheiro........................................................................39
5. O delito de lavagem de dinheiro no Brasil .........................................................41
5.1. Legislação sobre lavagem no Brasil....................................................................43
5.1.1 Lei 9.613 de 03.03.1998....................................................................................43
5.2.2.Lei 10.701 de 09.07.2003..................................................................................50
6. O bem jurídico protegido pelo crime de lavagem d e dinheiro .........................52
6.1. Do bem jurídico: Conceito...................................................................................52
6.1.1.Conclusão sobre o conceito de bem jurídico no direito penal...........................58
6.2. O bem jurídico tutelado no delito de lavagem de dinheiro .................................59
6.2.1. O mesmo bem jurídico protegido pelo crime antecedente ou proteção
preventiva dos bens jurídicos tutelados no rol de crimes
antecedentes..............................................................................................................60
6.2.2. Administração da Justiça..................................................................................62
6.2.3. Ordem econômica............................................................................................65
6.2.4. Pluralidade de bens .........................................................................................72
6.2.5. Ausência de bem jurídico ................................................................................73
7. Tipo Objetivo e crime Antecedente ....................................................................75
7.1.Objeto material do crime de lavagem de dinheiro................................................75
7.2.Crime antecedente:O problema do delito prévio..................................................78
7.2.1. Tipos de crimes antecedentes na Lei 9.613/98 ( com as alterações das leis
10.467/2002 e 10.701/2003) .....................................................................................78
10
7.2.2.O problema da acessoriedade em relação ao delito de lavagem.....................81
7.2.3. Crime antecedente cometido no estrangeiro...................................................83
7.2.4. A problemática da prova do delito prévio ........................................................84
7.2.5. Indícios suficientes da existência do crime antecedente – considerações em
relação ao art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98.................................................................... 86
8. Tipo subjetivo .......................................................................................................90
8.1. Lavagem de dinheiro: Tipo doloso......................................................................90
8.2. Grau de conhecimento do crime antecedente....................................................92
8.3. O sujeito ativo do crime de Lavagem de Capitais...............................................95
9. Conclusões . .........................................................................................................98
Referências ............................................................................................................110
11
1. Introdução
O crime organizado, a lavagem de dinheiro e a corrupção são elementos de
grande atualidade, pautando as políticas públicas da maioria das nações e
inserindo-se entre temas de destaque na construção da dogmática e da política
criminal.
A globalização e o desenvolvimento da economia internacional criaram novos
desafios para a sociedade. Nesse contexto, a lavagem de dinheiro passou a ser
objeto de interesse crescente no âmbito da economia mundial. Logo, o combate a
esse tipo de ação assumiu fundamental importância em razão das conseqüências
financeiras e sociais deles advindas. 1
A presente dissertação tem como objetivo a discussão da problemática do
crime de lavagem de dinheiro, identificando a influência das recomendações
internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, e analisando os aspectos da Lei
9.613/1998, enfocados à luz do Direito Penal e Processual Penal, sem o
desconhecimento da força das normas constitucionais sobre todo o ordenamento
jurídico vez que adotado modelo processual penal balizado pelo Estado Democrático
de Direito.
Trata-se de lei que na verdade não foi idealizada em território nacional. Teve
discussão por longo período na comunidade internacional a partir da constatação
das graves conseqüências causadas pela lavagem de dinheiro, derivada
principalmente do trafico ilícito de entorpecentes.
1 Nesse sentido, segundo José de Faria Costa: “ a lavagem de dinheiro mostra-se como um novo passo no processo contemporâneo de criminalização. Afinal, é recente a necessidade de criar infração penal, a qual caracterize a ocultação ou dissimulação de bens provenientes do tráfico ilícito de entorpecentes e crimes afins”. FARIA COSTA, José de. O branqueamento de Capitais – Algumas reflexões à luz do direito penal e da política criminal. Direito Penal Económico e Europeu: textos Doutrinários. Coimbra: Editora Coimbra, 1999, p. 320.
12
A desaprovação geral sobre o fenômeno da lavagem de dinheiro traduziu-se
não apenas na aprovação de medidas legislativas por parte de diferentes países,
senão também na adoção de iniciativas em nível internacional com o objetivo de
impulsionar uma harmonização das legislações dos mais diversos países.2
Foi em uma Convenção das Nações Unidas, realizada em Viena, Áustria, em
1988, que foram adotadas as primeiras medidas para o combate do narcotráfico e
lavagem de dinheiro. O objetivo do documento internacional era atacar o tráfico de
entorpecentes através do lucro ilícito obtido pela atividade. Aos países signatários
caberia reprimir e combater a reciclagem da riqueza proveniente do tráfico de
entorpecentes, conforme estabelecera a Convenção. Seu objetivo era dar “efetiva
aplicação ao clássico princípio da justiça penal universal que fixa seus parâmetros
em conformidade com os tratados e convenções firmados como estratégia de uma
política criminal transnacional”.
O Brasil ratificou a Convenção de Viena através do decreto nº 154, de 26 de
junho de 1991.
O legislador pátrio compreendeu a lavagem de forma mais ampla que a
Convenção de Viena. O legislador pátrio optou por vários crimes antecedentes, ao
invés apenas do tráfico de drogas. O rol do art. 1. º da Lei 9.613/98 traz os seguintes
delitos: tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; terrorismo e seu
financiamento; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à
sua produção; extorsão mediante seqüestro; crimes contra a administração pública;
crimes contra o sistema financeiro nacional; crimes praticados por organização
2 O tratamento jurídico dispensado ao delito em estudo, será exposto no quarto capítulo, onde serão apontados os principais instrumentos internacionais que regulam o tema. Em seguida, apresentaremos alguns comentários á lei 9.613/1998, que regulou a lavagem de dinheiro no Brasil.
13
criminosa; crimes praticados por particular contra a administração pública
estrangeira.3
Também será objeto desta dissertação, precisamente no sexto capítulo, um
estudo sobre a teoria do bem jurídico, dentro dos limites didáticos cabíveis ao
trabalho. Assim, modela-se um conceito de bem jurídico em suas dimensões
dogmática e político-criminal. Por entender ser insuficiente um conceito puramente
dogmático, aplica-se o conteúdo político-criminal para a determinação do bem a ser
tutelado, traçando-se as bases de legitimação para a incriminação de uma lesão a
um interesse.
O sétimo capítulo apresenta as teorias doutrinárias que buscam explicar o
bem jurídico tutelado. Parte da doutrina concentra seus argumentos na ordem
econômica; outra, na administração da justiça, além de apresentar outros
posicionamentos. Cada teoria será desenvolvida, com seus respectivos
fundamentos, visando à posterior crítica fundamentada acerca de suas idéias.
Nos capítulos subseqüentes passaremos a analisar itens pertinentes ao tipo
objetivo do delito de lavagem, em especial a problemática do delito prévio. Serão
discutidos temas polêmicos tais como: o da acessoriedade em relação ao delito de
lavagem; o grau de execução do delito prévio; a questão do crime antecedente
praticado no estrangeiro; a independência do processo e julgamento do crime de
lavagem em relação ao processo e julgamento do crime antecedente; e a questão
da possibilidade da denuncia ser instruída com “indícios suficientes da existência do
crime antecedente”.
No oitavo e último capítulo será analisado o tipo subjetivo do delito de
lavagem. Desde logo, cumpre ressaltar que a Lei 9613/1998 contém tão somente 3 Em outros países, como veremos mais adiante, estabeleceu-se um método mais abrangente em relação aos delitos prévios, incluindo, por exemplo, todos aqueles provenientes de qualquer crime grave.
14
tipos dolosos, já que inexiste modalidade culposa. Ainda neste item analisaremos o
grau de conhecimento do crime antecedente e o momento deste conhecimento.
Esclarecemos, finalmente, que o presente trabalho não tem como escopo o
debate pontual dos aspectos processuais da lei de lavagem de capitais, bem como
as penas cominadas4 ao referido delito.
4 As penas são bastante severas. Serão de reclusão, variando de três a dez anos, com previsão de multa (preceito secundário do art. 1º). Além disso, a pena poderá ser aumentada de um a dois terços, conforme o §4º do art. 1º. A resposta penal é, portanto bastante pesada e limitará uma série de benefícios processuais. Resta saber se o estabelecimento de um quantum tão elevado contribuirá para criação efetiva de um efeito preventivo geral. Como demonstra a experiência internacional evitar a impunidade e aplicar efetivamente a lei e seus regulamentos é algo mais importante do que a previsão de altas penas como artifício preventivo.
15
2. Lavagem de dinheiro: aspectos de política crimin al e conceituação.
2.1 Conceito de lavagem de dinheiro - Precisões ter minológicas
A expressão lavagem de dinheiro (money laundering) teve origem na década
de vinte, nos Estados Unidos, época em que as máfias norte-americanas criaram
uma rede de lavanderias, para ocultar a origem ilícita do dinheiro obtido com suas
atividades criminosas. Já em âmbito judicial, o termo lavagem foi empregado pela
primeira vez em 1982, em um tribunal dos Estados Unidos, no curso de um processo
que denunciava a lavagem de dinheiro oriundo do tráfico de cocaína colombiana.5
É de se observar que não é uniforme a terminologia empregada entre os
diversos países. Como exemplos, anote-se que na França e na Bélgica fala-se
blanchiment d’argent; na Itália riciclaggio del denaro; na Espanha blanqueo de
capitales ou blanqueo de dinero; em Portugal branqueamento de dinheiro.6
Alguns doutrinadores criticam esta terminologia alegando que não obedece a
um rigor técnico exigível na construção de um tipo legal, sendo uma expressão
popularesca, oriunda do linguajar das ruas, razão pela qual sua utilização poderia
ser adequada para figurar na página policial do noticiário jornalístico, mas não em
um dispositivo integrante do ordenamento jurídico de um país.7
5 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra: Arazandi, 2ªed, 2002, p.86. 6 BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlatas. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 22-30. 7 Cfr: ÁLVAREZ PASTOR, Daniel e EGUIDAZU, Fernando Palacios. La prevención del blanqueo de capitales. Pamplona : Arazandi, 1998., p.41 BAJO FERNÀNDEZ, Miguel. Derecho Penal Economico, Proteción Penal y Cuestiones Político Criminales, en Hacia un Derecho Penal Europeo – Jornadas en Honor del Profesor Klaus Tiedemann. Madrid: Boletín Oficial del Estado, Serie Derecho Publico, nº4, 1995, p.146;BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra: Arazandi, 2ªed, 2002, p.82-84.
16
Seguindo esta orientação, alguns autores sugerem outras expressões para
substituir os termos “lavagem” ou “branqueamento”, tais como: regularização,
reconversão, reinvestimento e normalização de capitais de origem delitiva.8
O legislador brasileiro optou pelo nomen iuris crimes de lavagem ou ocultação
de bens, direitos e valores (Lei 9.613/1998), fundamentando a escolha em duas
razões9. Primeiro, a lavagem de dinheiro estaria “consagrada no glossário das
atividades financeiras e na linguagem popular, em conseqüência de seu emprego
internacional10 (money laundering)” e segundo porque se optasse pelo termo
“branqueamento” sugeriria a “interferência racista do vocabulário, motivando estéreis
e inoportunas discussões”.11
Percebe-se, no entanto, que o texto legal não repetiu o neologismo “lavagem
de dinheiro”, e sim lavagem de “bens, direitos e valores”, com claro intuito de ampliar
a aplicação da lei penal.
Na seqüência, passaremos a analisar as fases ou técnicas empregadas no
processo de lavagem, sistematizadas pela doutrina e por organizações
internacionais.
8 Nesse sentido: Diéz Ripollés, Vidales Rodríguez, Ruiz Vadillo , Blanco Cordero, Abel Souto. 9 Essas justificativas encontram-se na Exposição de Motivos n. 692, de 18.12.1996, publicada no Diário do Senado Federal, de 25.11.1997, p.25.671. 10 Entre os instrumentos internacionais, assumidos pelo Brasil, que empregam o termo lavagem estão: A XXII Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, realizada na Bahamas, entre 18 e 23.05.1993, representantes brasileiros aprovaram O Regulamento Modelo sobre delitos de lavagem relacionados com o tráfico ilícito de drogas e delitos conexos, elaborado pela Comissão Interamericana para o Controle do abuso de Drogas – CICAD. Em dezembro de 1994, na reunião da “Cúpula das Américas”, em Miami, o governo brasileiro firmou o Plano de Ação, com a finalidade de ratificar a aludida Convenção de Viena e sancionar como ilícito penal “a lavagem de dinheiro de rendimentos gerados por todos os crimes graves”; Na Conferência Ministerial sobre a Lavagem de Dinheiro e Instrumento do Crime, em 02.12.1995 na cidade de Buenos Aires, assinou-se a Declaração de Princípios, quanto à tipificação da lavagem, fazendo-se alusão a delitos graves relacionados, ou não, com o tráfico de drogas. 11 PITOMBO, Antonio Sergio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2003, p. 21.
17
2.2. As fases do processo de lavagem
A observação prática dos mecanismos12 que empregam as organizações
criminais para a lavagem de dinheiro permitiu aos doutrinadores distinguirem três
fases: conversão ou ocultação, dissimulação ou mascaramento e integração.13
A conversão, também chamada de ocultação, é a fase na qual o dinheiro,
obtido diretamente com a atividade criminosa, passa por sua primeira
transformação, visando a conseguir uma menor visibilidade.14
Os agentes criminosos procuram desembaraçar-se materialmente das
grandes somas de dinheiro que foram geradas ilicitamente. Aqui a preocupação é
despersonalizar o proveito do crime fazendo-o desaparecer de sua posse direta.
O montante arrecadado é normalmente trasladado a uma zona ou local
distinto daquele em que se arrecadou, em continuação, costuma utilizar o sistema
financeiro, os bancos, corretores de bolsas, casa de câmbio, o mercado de jóias e
obras de arte etc.15
A segunda fase denomina-se dissimulação ou mascaramento. A função
principal desta fase consiste em distanciar ao máximo o dinheiro de sua origem,
12 Sobre técnicas de lavagem praticadas e investigadas por unidades de inteligência financeira internacionais, recomenda-se a leitura das publicações do COAF: Cem casos de lavagem de dinheiro, Grupo EGMONT-FIU em ação e financiamento do terrorismo – 20 casos coletados pela GAFI e EGMONT, cujos textos são disponibilizados em : http://www.coaf.gov.br 13 Cfr. Entre outros: FARIA COSTA, José de. O branqueamento de Capitais – Algumas reflexões à luz do direito penal e da política criminal. Direito Penal Económico e Europeu: textos Doutrinários. Coimbra: Editora Coimbra, 1999, p. 305; SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional. Serviço de Publicación e intercambio Científico da Universidade de Santiago de Compostela, 2002, p. 28-30; BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” deCapitais e obrigações civis correlatas. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.43; PINHEIRO, Luís Góes. O branqueamento de capitais e a globalização. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº.4, outubro-dezembro – 2002. Coimbra: Editora Coimbra, 2002, p. 608; PITOMBO, Antonio Sergio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2003, p. 81; GOMES, Luiz Flavio; OLIVEIRA, William Terra de; CERVINI, Raúl. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 83; BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra: Arazandi, 2ªed, 2002;PODVAL, Roberto. O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, nº 24, ano 6, 1998, p. 212. 14 PASTOR, Daniel Alvarez; PALACIOS, Fernando Eguidazu. La prevención del blanqueo de capitales. Aranzandi, 1998, p. 45 ess. 15 Ibidem.
18
apagando os vestígios de sua obtenção, razão pela qual é usual o recurso à
superposição e combinação de complicadas operações financeiras16, o que torna
extremamente difícil para as autoridades, detectar estes fundos.17 Quanto mais
transações são feitas, mais o capital ganha aparência de lícito. Este processo
também é conhecido como mimetização.
Nesta etapa, a conduta se reveste de várias e sucessivas operações e
transações econômico-financeiras, realizadas inclusive para os chamados paraísos
fiscais18, feitas com o emprego de meios eletrônicos e com o propósito de disfarçar e
diluir a ilícita origem do dinheiro sujo, sendo então utilizadas muitas contas
bancárias, investimentos diversificados, aplicações em bolsas, envolvendo a
participação de pessoas físicas e jurídicas empenhadas em camuflar os ativos
ilícitos.19
Finalmente, o dinheiro deve retornar ao circuito financeiro legal, sendo esta a
terceira fase chamada de integração.
A integração consiste em reinserir os lucros e os bens criminalmente obtidos
na economia legal, sem levantar suspeitas ou outorgar-lhes uma aparência de
legitimidade em relação a sua origem. Assim, os procedimentos de integração
situam os valores obtidos com a lavagem na economia de tal forma que, integrando-
se no sistema bancário, aparecem como produto normal de uma atividade
comercial.20
16 Sobre técnicas de mascaramento, ver em Eduardo Fabian Caparros. El delito de balnqueo de capitales. Colex, 1998, p. 123. 17 RODRIGUEZ, Caty Vidales. Los delitos de receptación y legitimación de capitales en el Código Penal. Valencia: Tirant lo blanch, 1997, p. 74. 18 Paraíso fiscal é a denominação atribuída ao país que não interfere ou, quando muito, interfere minimamente, no plano tributário, nas atividades e transações comerciais e financeiras de caráter internacional, permitindo que elas se realizem em seu território, sem que, de tais operações, se origine a costumeira obrigação de recolhimento de tributo. São países de baixa tributação. 19 BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlatas. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2004, 43. 20 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra: Arazandi, 2ªed, 2002, p. 58-59.
19
Dentre os métodos empregados, os mais conhecidos pelas autoridades, são:
a venda de bens imóveis, criação de empresas de fachada21, empréstimos
simulados, emissões de faturas falsas de importação e exportação, comercio
cruzado etc.22
No Brasil, o mecanismo mais utilizado para a lavagem de capitais é o das
contas CC5 (contas para não residentes no país). Todo dinheiro ilícito é remetido
para uma conta com nome fictício em um paraíso fiscal, às vezes, passando antes
por algum centro financeiro norte-americano como Nova Iorque e Miami. Abre-se em
seguida uma conta de não residente no Brasil, em banco autorizado, e transfere-se
o dinheiro do paraíso fiscal para o Brasil. Um representante aqui no nosso país, que
pode ser o próprio dono do capital ou algum intermediário, movimenta a conta
normalmente. 23
Outro tipo de artifício é a utilização de cheques pré-datados, que hoje estão
sendo usados em uma nova modalidade de lavagem24. Nestas operações estão
envolvidas empresas de factoring25, constituídas para comprar cheques pré-datados
emitidos no comércio e depositá-los em contas CC5. São cheques de pequeno valor
para escapar da fiscalização do Banco Central, que não exige registro de depósitos
em contas CC5 abaixo de R$10.000,00. Duas cidades são apontadas como
principais centros desse tipo de lavagem: Foz do Iguaçu-PR e Ponta Porá- MS. Um 21 Empresa de fachada é uma organização que só existe na aparência e que participa, ou apresenta participar, do comércio legal. A empresa de fachada pode ate ser uma empresa legítima, que mescla recursos ilícitos com sua própria receita. 22 Sobre estas técnicas ver em , Javier Zaragoza Aguado, Prevencion y represion del blanqueo de capitales. Madrid, Consejo General del Poder Judicial, 2000, p. 134-141. 23 GOMES, Luiz Flavio. Lavagem de capitais como expressão do direito penal globalizado. Estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva (Criminalista do Século). São Paulo: Editora Método, 2001, p. 227-231. 24 DUARTE, Maria Carolina de Almeida. A Globalização e os crimes de lavagem de dinheiro: a utilização do sistema financeiro como porto seguro. Ciências Penais – Revista da associação brasileira de professores de ciências penais, ano 1, 2004. São Paulo: Revista dos tribunais, 2004, p. 25 Factoring é a denominação dada a atividade exercidas pelas empresas legalizadas pelos órgãos competentes do governo, que atuam antecipando o faturamento de estabelecimentos comerciais, tais como cheque pré-datados, duplicatas e outros faturamentos. As empresas de factoring antecipam ao comerciante, o seu faturamento, pagando por eles, um valor menor que o de face dos títulos, este diferencial, que é o ganho da factoring é chamado de deságio.
20
terceiro exemplo são casos de empréstimo internacionais e doações a projetos
sociais e municipais. Prefeitos do interior do país têm recebido propostas de
empréstimos a juros simbólicos ou até de doação de milhões de dólares para
financiar obras sociais. Quem assina são as organizações não-governamentais
(ONGs), entidades filantrópicas ou empresas interessadas em investimentos no
terceiro mundo. Por trás desta generosidade, o governo brasileiro identificou uma
rede especializada em lavagem de dinheiro26.
Vale ressaltar que a maior parte do dinheiro é lavado por mecanismos ainda
desconhecidos pelo poder público. Quando se descobre uma modalidade de
ocultação, a criminalidade já migrou para outro método ainda mais complexo.27
Feitas as considerações sobre as práticas empregadas, discutiremos a seguir
o conceito do delito de lavagem de capitais.
2.3. Conceito
No item anterior, observamos que para concretizar o branqueamento de
capitais, as organizações delituosas utilizam variados métodos que têm sido
catalogados pelos doutrinadores como fases da lavagem. O conhecimento de tais
etapas nos permite definir um conceito para o crime em questão.
Entende-se por lavagem de dinheiro o processo composto por fases
realizadas sucessivamente (ocultação, dissimulação e integração), através do qual o
26 JB Online, disponível em <http:jbonline.terra,com.br>. Acesso em: 3 dez. 2001. 27 Sobre o esquema de lavagem nos paraísos fiscais: Lavanderia no exterior. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,,EPT1018118-3771,00.html , acesso 26/05/2006.
21
dinheiro, bens ou valores, sempre de origem ilícita28, integram-se ao sistema
econômico legal com aparência de terem sido obtidos de forma lícita. 29
Como conseqüência desse processo temos a incriminação da conduta
depender, entre outros aspectos, do exame da procedência criminosa dos bens.
Apenas ocorrerá lavagem de dinheiro, quando for encoberta a origem desses bens,
produto ou proveito de um dos crimes antecedentes previstos no art. 1º da Lei
9.613/98. 30
Conceituado o crime, passaremos no próximo item a analisar os aspectos
político-criminais que envolvem o crime de branqueamento de capitais e sua estreita
ligação com a delinqüência organizada.
28 No Brasil a Lei 9613/98, em seu artigo 1º estabelece um rol taxatixo dos delitos prévios. 29 PITOMBO, Antonio Sergio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2003, p. 21-36. 30 Ibidem.
22
3. Aspectos político-criminais do tema.
3.1. Lavagem de dinheiro e sua relação com a crimin alidade organizada
A criminalidade organizada movimenta grandes somas de dinheiro, mas que
são inutilizáveis desde que possam deixar pistas relativas à sua origem. Da
necessidade de ocultar e reinvestir o dinheiro obtido, ora para financiar novas
atividades criminosas, ora para aquisição de bens diversos, surge a lavagem de
dinheiro com o fim último de evitar o descobrimento da cadeia criminal e a
identificação de seus autores.31
O desenvolvimento da criminalidade organizada, pelo menos nas últimas
décadas, ocorreu paralelamente a um grande processo mundial de mudanças,
consistente no crescimento de um importante mercado mundial de trabalho,
mercadorias e capitais de caráter ilegal. Armas, drogas, informações industriais e
militares, dinheiro de origem ilícita, materiais radioativos e órgãos humanos, são
entre outros, bens cujo intercâmbio em nível mundial tem gerado um novo setor na
atividade econômica. São bens e serviços que são procurados pelo público, mas
que se encontram proibidos e como existe no mercado uma demanda eles, sua
obtenção se faz de maneira ilícita. Foi neste contexto que se desenvolveram as
organizações delituosas.32
31 Sobre a relação crime organizado e lavagem de dinheiro confrontar entre outros: PASTOR, Daniel Alvarez; PALACIOS, Fernando Eguidazu. La prevención del blanqueo de capitales. Aranzandi, 1998, p. 54; MAIA, Rodolfo Tigre. O Estado desorganizado contra o crime organizado. Rio de Janeiro: Editora Lumem Júris, 1997, p.23; CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de Dinheiro - A Questão do Bem Jurídico. Rio de janeiro: Revan, 2004, p.120; BLANCO CORDERO, Isidoro. Criminalidade Organizada y Mercados Ilegales. GUZKILORE – Caderno del Instituto Vasco de Criminologia, n.º 11 – San Sebastian, 1997, p.39-40; INESTA, Diego Gómez. El delito de blanqueo de capitales en derecho español. Barcelona: Cedecs, 1996, p.77-113. 32 BLANCO CORDERO, Isidoro. Criminalidade Organizada y Mercados Ilegales. EGUZKILORE – Caderno del Instituto Vasco de Criminologia, n.º 11 – San Sebastian, 1997, p.77-113.
23
O Grupo de Ação Financeira (GAFI) revela que as principais fontes de ganhos
ilegais são o tráfico de drogas e os delitos econômicos. Também esclarecem que
grande parte do dinheiro de origem ilegal que ingressa no sistema financeiro,
procede da criminalidade organizada.33
As associações criminosas se caracterizam, na atualidade, por sua elevada
complexidade em nível organizacional, que as convertem em autênticas empresas
criminais, as quais adotam os modelos e estruturas desenvolvidas pelo mundo da
indústria e dos negócios. Tais estruturas têm uma orientação empresarial e
capitalista, e por isso costuma-se dizer que o dirigente do grupo organizado é
também um empresário.34
Em termos conceituais, o crime organizado pode ser caracterizado pela soma
dos seguintes elementos: hierarquia estrutural, planejamento empresarial, claro
objetivo de lucros, uso de meios tecnológicos avançados, recrutamento de pessoas,
divisão funcional de atividades, conexão estrutural ou funcional com o poder público
e/ou com o poder político, oferta de prestações sociais, divisão territorial das
atividades, alto poder de intimidação, alta capacitação para a fraude, conexão local,
regional, nacional ou internacional com outras organizações etc. 35
Os lucros do crime organizado são de tal forma avultados que seu
reinvestimento pode conduzir a desvios e condicionamentos no mercado financeiro,
33 Disponível em www.fazenda.gov.br em 15.10.2005. 34 FARIA COSTA, José de. O branqueamento de Capitais – Algumas reflexões à luz do direito penal e da política criminal. Direito Penal Económico e Europeu: textos Doutrinários. Coimbra: Editora Coimbra, 1999, p.303-310. 35 FARIA COSTA, José de. O branqueamento de Capitais – Algumas reflexões à luz do direito penal e da política criminal. Direito Penal Económico e Europeu: textos Doutrinários. Coimbra: Editora Coimbra, 1999, p. 303-313; ZARAGOZA AGUADO, Javier Alberto. Prevencion y represion del blanqueo de capitales. Madrid, Consejo General del Poder Judicial, 2000.
24
levando por vezes ao domínio de setores inteiros da economia, e mesmo, com
crescida gravidade, ao controle de certos Estados, por via da corrupção.36
A ONU estima que o crime organizado movimenta em todo o mundo de 2% a
5% do Produto Interno Bruto (PIB) global, um volume de recursos que pode ser
estimado em cerca de US$ 2 trilhões, dos quais, US$1,3 trilhões ingressam no
sistema financeiro para fins de lavagem. 37
Dos US$ 2 trilhões movimentados pelo crime organizado, US$ 1 trilhão está
diretamente associado à corrupção38. O narcotráfico é responsável por um montante
que varia entre US$ 300 bilhões e US$ 400 bilhões, sendo que esse mesmo valor é
associado ao tráfico de armas. O restante equivale a roubo de cargas, contrabando
e tráfico de seres humanos. 39
Essas altas somas de capital, obtidas pelas organizações criminosas,
passaram a circular entre os países, acarretando a ampliação da conexão entre o
crime organizado, a fácil ocultação do resultado econômico dos crimes e a inserção
do dinheiro, de origem ilícita, na economia legal.40
No caso brasileiro, nos últimos anos, tornou-se pública a insuficiência
estrutural dos poderes públicos e do sistema legislativo, para o combate do crime
organizado. Notícias sobre grandes casos de corrupção pública, movimentações
ilícitas de capitais, utilização indevida de verbas públicas e fundos de campanhas
36 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra, Arazandi, 2ªed, 2002, p. 39. 37 Dados divulgados pelo representante das Nações Unidas no Brasil, Giovanni Quaglia, disponível em: www.unodc.org/brazil/pt/press_release_2004-10-03.html Acesso em 01/05/2007. 38 Diante desses dados verificamos uma mudança no panorama global relacionado ao crime organizado, a maior parte do dinheiro lavado vem da corrupção e não mais do tráfico ilícito de drogas, nos moldes ditados pela Convenção de Viena de 1988. No Brasil dados levantados pela Controladoria Geral da União demonstram que 70% do dinheiro lavado no país são provenientes da corrupção. MACHADO, Maira Rocha; REFINETTI, Domingos Fernando. Lavagem de dinheiro e Recuperação de ativos: Brasil, Nigéria, Reino Unida e Suíça. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 111 e ss. 39 Dados disponíveis em www.unodc.org/brazil/pt/press_release_2004-10-03.html Acesso em 01/05/2007. 40 PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo José. Criminalidade Organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999, p. 55 .
25
políticas tornaram-se freqüentes.41 Segundo a doutrina, a insuficiência normativa,
representada pela falta de tipos penais específicos, favorece a impunidade.42
A lei 9034/95, não obstante tratar exatamente das infrações cometidas por
membros de organizações criminosas, não define o que vem a ser esta modalidade
criminosa, razão pela qual se tornou inviável a aplicação do conceito.43
Doutrinadores brasileiros, quase que unanimemente44, reconhecem que o
artigo 1º da lei 9034/9545 viola o princípio da legalidade. Definir uma figura criminosa,
nos termos do artigo 5º, inc. XXXIX, da Constituição Federal, consiste em explicitar
com marcos precisos os contornos do tipo, e estruturar com clareza as condutas
delituosas para que possam ser facilmente compreendidas por seu destinatário. Se
o legislador emprega, na construção típica, termos genéricos e indefinidos, corre-se
o sério risco de estabelecer a insegurança do cidadão, por transferir ao juiz,
incumbência do legislador. E, nada mais inseguro, que deixar sob a
responsabilidade de cada juiz, a tarefa de dar a moldura do tipo penal. O princípio da
anterioridade da norma penal obriga a que a lei (clara e inequívoca) delimite o
41 Revista Veja: edição 1779 de 27/11/02; edição 1782 de 18/12/02, edição 1838 de 28/01/04, edição 1877 de 27/10/04, edição 1937 de 28/12/05. 42 TERRA DE OLIVIRA, William. A criminalização da lavagem de dinheiro – aspectos penais da lei 9.613/88. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 6, n. 23, julho-setembro, 1998, p. 113-115.. São Paulo: RT, 1988, 313 e ss. 43GOMES, Luis Flavio; CERVINI, Raúl. Crime organizado – Enfoques criminológico, jurídico (lei 9034/95) e político criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 229-240. 44 Cf. OLIVEIRA, Willian Terra de. O crime de lavagem de dinheiro, em Boletim IBCCRIM, n.º 65, edição especial – abril/1998. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 112 e ss; PELLEGRINI, Angiolo; COSTA JUNIOR, Paulo josé. Criminalidade Organizada. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999, p. 55; HIRECHE, Gamil Föppel. Análises Criminológicas das Organizações Criminosas. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2005; GOMES, Abel Fernandes, PRADO, Geraldo e DOUGLAS, William, Crime organizado, Rio de Janeiro: Impetus, 2000; MAIA, Carlos Rodolfo Tigre., O Estado desorganizado contra o crime organizado, Rio de Janeiro: LAmen Júris, 1997.; SIQUEIRA FILHO, Élio W., Repressão ao crime organizado, Curitiba: Juruá, 1995; FERNANDES, Antonio Scarance, Crime organizado e a legislação brasileira, in Justiça penal, v. 3. São Paulo: RT, 1995.; TENÓRIO, Igor e LOPES, Inácio C. D, Crime organizado, Brasília: Consulex, 1995; ZAFFARONI, Raúl Eugenio. Crime organizado:uma categorização frustrada”. Discursos Sediciosos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996, e CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Crime organizado, disponível em: http:// www.cirino.com.br/artigos-crime.htm, 20/10/2006. 45 Lei 9034/95, artigo 1º Esta lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações criminosas de qualquer tipo .
26
âmbito do proibido previamente.46 Sem lei prévia é impossível a incidência de
qualquer medida restritiva aos direitos e liberdades fundamentais. 47
Por outro lado, alguns autores afirmam que a Convenção das Nações Unidas
contra a Delinqüência Organizada Transnacional (Convenção de Palermo), ratificada
no Brasil pelo Decreto n. 5.015, de 12/03/2004, conceituou em seu art. 2º, a, grupo
criminoso organizado, sendo assim, absolutamente possível aplicar tal dispositivo e
com isso conceituar “organização criminosa”, tanto para efeitos da Lei 9.034/95
como para Lei 9.613/1998.48
Ainda neste contexto, importante ressaltar que a ciência criminológica, já
conta com estudos sobre as organizações criminosas, mas o apelo à criminologia
para conceituação do crime, também seria um expediente de socorro que
desrespeita o princípio constitucional da legalidade.49
46 Segundo Luiz Flávio Gomes: “Cuida-se, portanto, de um conceito vago, totalmente aberto, absolutamente poroso. Considerando-se que (diferentemente do que ocorria antes) o legislador não ofereceu nem sequer a descrição típica mínima do fenômeno, só nos resta concluir que, nesse ponto, a lei (9.034/95) passou a ser letra morta. Organização criminosa, portanto, hoje, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma alma (uma enunciação abstrata) em busca de um corpo (de um conteúdo normativo, que atenda o princípio da legalidade).Se as leis do crime organizado no Brasil (Lei 9.034/95 e Lei 10.217/01), que existem para definir o que se entende por organização criminosa, não nos explicaram o que é isso, não cabe outra conclusão: desde 12.04.01 perderam eficácia todos os dispositivos legais fundados nesse conceito que ninguém sabe o que é. São eles: arts. 2º, inc. II (flagrante prorrogado), 4º (organização da polícia judiciária), 5º (identificação criminal), 6º (delação premiada), 7º (proibição de liberdade provisória) e 10º (progressão de regime) da Lei 9.034/95, que só se aplicam para as (por ora, indecifráveis) "organizações criminosas". É caso de perda de eficácia (por não sabermos o que se entende por organização criminosa), não de revogação (perda de vigência). No dia em que o legislador revelar o conteúdo desse conceito vago, tais dispositivos legais voltarão a ter eficácia. Por ora continuam vigentes, mas não podem ser aplicados.(Crime organizado: que se entende por isso depois da Lei nº 10.217/01? (Apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2919>. Acesso em: 30 abr. 2007.)
47 Cf. SILVA FRANCO, Alberto. Crime Organizado, em Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos tribunais, 2002; GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: que se entende por isso depois da Lei n. 10.217, de 11.04.01? (Apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br , 26.10.2001. 48 Nesse sentido cfr. entre outros: MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro. São Paulo: Atlas, 2006, p.51; CAPEZ, Fernando, Curso de direito Penal, volume 4: legislação penal especial.São: Paulo: Saraiva, 2007, p. 585; BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edílson Mougenot. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 58. 49 SILVA FRANCO, Alberto. Crime Organizado, em Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos tribunais, 2002, ; GOMES, Luiz Flávio. Crime organizado: que se entende por isso depois da Lei n. 10.217, de 11.04.01? (Apontamentos sobre a perda de eficácia de grande parte da Lei 9.034/95). Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br , 26.10.2001
27
Enfim, concluímos que malgrado a ONU tenha definido o que é organização
criminosa e este conceito tenha sido ratificado pelo Brasil através de um tratado,
nada adiantou para suprir a lacuna normativa relacionada ao Direito Interno, pois
somente a lei ordinária, válida em sentido formal e material, pode dispor sobre
matéria criminal.50 Permanece, então, a violação ao princípio da legalidade. Resta
deduzir que a Lei 9.034/95 produz somente efeitos políticos e meramente
simbólicos51.52
3.2. A globalização e o delito de lavagem de dinhei ro
A globalização é um mecanismo social dinâmico que torna globais os espaços
econômicos, culturais e informativos que antes se estruturavam, primacialmente, em
nível nacional. Trata-se de um fenômeno, sobretudo financeiro, no qual as nações
passam a formar um único mercado mundial, independente de fronteiras e
diferenças econômicas.53
Os processos de globalização econômica refletiram decisivamente na
expansão da delinqüência econômica em geral e na conseqüente extensão das
condutas de lavagem de dinheiro, pois toda vez que pretendam encobrir a origem
das ingentes quantidades de dinheiro que possuem, encontrarão o terreno propício
50 HIRECHE, Gamil Föppel. Análises Criminológicas das Organizações Criminosas. Op. Cit. p. 86-87. 51 Sobre eficácia e adequação das normas jurídicas cf. SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª edição, 2005. 52 Sobre a função simbólica do direito penal e suas relações com a criminalidade organizada Gamil Föppel expõe: “Com as novas leis – que impõem, ordinariamente, limitações aos Direitos Fundamentais, vende-se para a Sociedade uma imagem de controle, trabalha-se com o lado ideológico das pessoas, busca-se dar uma satisfação com algo verdadeiramente inexistente. É um discurso gongórico, falacioso, ardiloso e falso. Para que se compreenda melhor, iludem-se as pessoas – explorando o seu lado de angústia e de preocupação com a violência – com a promessa de que, com novas leis, a criminalidade diminuiria.”. 53 FARIA COSTA, José de. O fenômeno da globalização e o direito penal econômico. Revista brasileira de ciências criminais, n.34,2001, p.11. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001, 650-665.
28
num mercado global caracterizado pela elevada volatilidade dos movimentos de
capitais e pelo potencial tecnológico moderno.54
Podemos apontar três causas da globalização econômica: em primeiro lugar,
a aceleração do ritmo da abertura econômica e dos intercâmbios de mercadorias e
serviços; em segundo lugar, a liberalização dos mercados de capitais; e, finalmente,
a revolução das comunicações e da informática, que proporciona o suporte
tecnológico para que uma massa crescente de capitais navegue pelo ciberespaço.55
Também podemos apontar, como aspecto da globalização, a integração
supranacional consistente no estreitamento das relações entre as diversas nações,
cuja aspiração é lograr um mercado comum entre vários países, com livre tráfego de
pessoas, capitais,serviços e mercadorias, e a conseqüente eliminação das barreiras
internas e outros obstáculos ao livre comércio.56
É nesse contexto que aparecem também novas formas delitivas e uma
diferenciada concepção da delinqüência, que já não se identifica com a
criminalidade tradicional associada à marginalidade de rua, mas que aparece
caracterizada pelas idéias de organização, transnacionalidade e poder econômico.
Deste modo, o direito penal “da globalização” oferece como paradigma o
delito econômico organizado que tem, como autores, poderosos personagens
plenamente adaptados a nossa sociedade, que utilizam - se de interpostos agentes
para a execução material do crime, e estão sempre dispostos a corromper
servidores públicos e governantes.57
54 BLANCO CORDERO, Isidoro. Criminalidade Organizada y Mercados Ilegales. EGUZKILORE – Caderno del Instituto Vasco de Criminologia, n.º 11 – San Sebastian, 1997, p. 70-91. 55 ESTEFANÍA, Joaquín. La nueva economía. La globalización. Madrid: Editora Debate, 1996, p 14 e ss. 56 Ibidem. 57 PÉREZ. Carlos Martínez-Buján. Instrumentos Jurídicos Frente a la globalización de los Mercados (En el ejemplo del blanqueo de capitales). El Derecho Penal Ante la Globalización. Editorial COLEX, 2002, p. 202.
29
Com o aparecimento dessas novas formas delitivas, podemos constatar que
os processos de globalização econômica e de integração entre as nações não só
trouxe vantagens e celeridade nas transações financeiras e avanços tecnológicos,
mas também incidiu na expansão da delinqüência econômica e no aumento das
condutas de lavagem de dinheiro.58
Portanto, devido à dimensão “globalizadora” do delito de lavagem, se impõe
uma estratégia comum de intervenção legislativa entre as nações, pois não se pode
pensar em resolver tal problema de forma isolada dentro de cada país. 59
Mais adiante veremos como estes fatores influenciaram na criação de um
regime internacional regulador do delito de lavagem, através de tratados
internacionais com a participação de vários países propostos a combater essa
problemática.
3.3. Métodos empregados no branqueamento de capitai s
Os avanços consideráveis das tecnologias transformaram os fluxos mundiais
da informação e o modo de fazer negócios. A Internet e o seu alcance mundial, a
sofisticação crescente do setor bancário e outras evoluções tecnológicas criaram
novas oportunidades para os grupos criminosos organizados mais sofisticados. A
utilização fraudulenta de cartões de crédito ou de débito, por exemplo, tornou-se um
negócio em escala global.60
58 Ibidem. 59 SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional. Serviço de Publicación e intercambio Científico da Universidade de Santiago de Compostela, 2002, p. 44 e ss. 60 Cfr. entre outros, BATISTA, Carlos Roberto Rodrigues. A globalização da internet e a proliferação do crime de informática. Revista do Conselho Nacional de política criminal e penitenciária, julho a dezembro de 2000, nº 14. Brasília, 2000, p. 98-102; GOMES, Luiz Flavio. Lavagem de capitais como expressão do direito penal globalizado p. 226-230.; GOMES, Luiz Flavio; OLIVEIRA, William Terra de; CERVINI, Raúl. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998.
30
Os dados disponíveis sugerem que o crime econômico e financeiro continuou
a crescer rapidamente, principalmente sob efeito das novas tecnologias de
informação, do aumento das operações bancárias por via eletrônica e da expansão
dos serviços da Internet.61
A globalização permitiu ao capital internacional uma enorme facilidade para
movimentar-se no mercado mundial. Paraísos fiscais e o sistema financeiro
internacional com seu alto grau de liberalização, além de contribuir para alta
volatilidade do dinheiro, acrescentaram a possibilidade do anonimato. A grande rede
mundial de computadores, a Internet, dinamizou todos esses fatores criando um
cenário deveras estimulante para a prática da lavagem de dinheiro.62
A proliferação do comércio eletrônico conduziu, por sua vez ao nascimento
de novos meios de pagamentos. Utiliza-se a expressão ciberpagamento para
descrever sistemas que facilitam a transferência de valores financeiros, isto é,
moeda digital. Esses avanços podem alterar toda a forma de processamento das
transações financeiras e toda a operação do sistema de pagamentos financeiros.
Esta nova tecnologia irá provocar a alteração de alguns princípios
fundamentais que hoje estão associados a uma sociedade orientada para a moeda.
As transações poderão ser feitas via Internet ou através de cartões inteligentes que,
diferentemente dos cartões de crédito ou cartões de débito, contêm um microchip
que armazena valor no cartão. Alguns ciberpagamentos aproveitam ambos os
sistemas, e nestes, o elemento comum é que foram criados para dar, às partes
envolvidas na transação, uma forma imediata conveniente, segura e potencialmente
61 Sobre os ciberdelitos cfr. OLIVEIRA, Edmundo. Cyberspace e o crime organizado transnacional, em Notáveis do Direito Penal, livro em homenagem ao emérito professor doutor René Ariel Dotti. Brasília: Consulex, 2006, p. 130 e ss. 62PINHEIRO, Luís Góes. O branqueamento de capitais e a globalização. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, nº.4, outubro-dezembro – 2002. Coimbra: Editora Coimbra, 2002., p. 603-613.
31
anônima de transferir valores financeiros. Uma vez, plenamente implementada,
essa tecnologia irá impactar a vida de usuários em todo o mundo e prestar
benefícios facilmente visíveis para o comércio legítimo. Mas, irá também ter o
potencial de facilitar o movimento internacional de recursos ilícitos.63
Com o advento do banco em domicílio e dos ciberpagamentos, sucede um
decréscimo das transações realizadas face a face. Há, portanto, uma preocupação
especial com a incapacidade de as instituições financeiras reconhecerem
efetivamente seus clientes no mundo potencialmente anônimo do sistema de
pagamento sem papel. E o impacto disto é relevante nos métodos tradicionais de
vigilância e análise de documentos financeiros.64
Eficientes pela velocidade e seguros pelo anonimato, os ciberpagamentos
guardam estas características positivas do ponto de vista do público, e também das
autoridades incumbidas de repressão aos crimes de lavagem, que não querem ver
esses sistemas ameaçados. Entretanto, as referidas características tomam esses
sistemas igualmente atraentes para aqueles que os usam para fins ilegais. E o
maior grau de anonimato, ao mesmo tempo que dá segurança, também dificulta
ainda mais as investigações que visam a detectar as atividades ilegais.65
63 Ibidem. 64 BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlatas. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2004, 42-81. 65 Ibidem.
32
4. Tratamento jurídico do branqueamento de capitais
Depois de apontarmos a ligação da lavagem de capitais com as associações
delituosas, e a expansão desse tipo de criminalidade relacionada à globalização,
faz-se necessário estudarmos quais as iniciativas internacionais que surgiram na
tentativa de coibir a problemática dessa prática delituosa.
4.1. A criação de um regime internacional regulador do delito de lavagem de dinheiro.
A transnacionalidade do fenômeno da lavagem de dinheiro fez com que os países
identificassem quão relevante seria combater tal espécie de crime de maneira mais
uniforme, com o objetivo de implementar maior cooperação internacional em matéria
criminal.
A necessidade de recorrer à cooperação internacional passou a ser
fundamental, pois freqüentemente organizações criminosas ligadas à lavagem de
dinheiro, operam fora do controle e da soberania de uma nação, tornando difícil a
atuação unilateral de um Estado no combate a este problema.66
Nos anos oitenta essa cooperação internacional focou-se principalmente no
objetivo de perseguir o produto e o proveito dos crimes obtidos pelas organizações
criminosas, por meio do trafico ilícito de drogas.67
No entanto, atualmente, a atenção não se volta exclusivamente ao tráfico de
entorpecentes, mas a todas aquelas atividades criminosas que produzem grandes
quantias de dinheiro.68 66 GUALTIERI, S David; Bassiouni, M. Cherif. Mecanismos internacionales de control de las ganancias procedentes de actividades ilícita - Revista de Derecho penal y criminologia, nº6. Madri 1996, 302-312. 67 BLANCO CORDERO, Isidoro. Criminalidade Organizada y Mercados Ilegales. EGUZKILORE – Caderno del Instituto Vasco de Criminologia, n.º 11 – San Sebastian, 1997, p. 98-101.
33
Entre as iniciativas internacionais voltadas à problemática da lavagem de
dinheiro, a pioneira foi a Recomendação adotada em 27.06.1980 pelo Comitê de
Ministros do Conselho da Europa, que objetivava impor deveres aos
estabelecimentos bancários, tutelando a transparência das atividades bancárias,
com finalidade de combater a reciclagem dos produtos delitivos.69
No entanto, em outubro de 1986, os Estados Unidos da América editaram o
Money Laundering Act Control, tipificando a conduta criminosa que deveria ser
precedida de determinada atividade ilegal, dentre as quais as listadas no United
States Code, titulo 18, seção 1.956.70
Passaremos a analisar os instrumentos internacionais que vieram a
regulamentar o delito em questão.
4.1.1. Convenção das Nações Unidas contra o trafico ilícito de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas – Convenção de Viena – 1988.
A ONU, a partir dos anos 80, começa a desenvolver estudos e a elaborar
instrumentos jurídicos para enfrentar a problemática da lavagem de dinheiro
relacionada, naquela época, ao dinheiro oriundo do tráfico de drogas.
Dentre os inúmeros instrumentos que foram confeccionados nesse sentido,
merece inicial destaque a Convenção das Nações Unidas contra o tráfico ilícito de
entorpecentes e substâncias psicotrópicas, conhecida por "Convenção de Viena",
realizada em dezembro de 1988, considerada um marco no combate à lavagem de
68 Atualmente constata-se que a maior parte do dinheiro lavado no mundo é proveniente da corrupção, dos US$ 2 trilhões movimentados pelo crime organizado, US$ 1 trilhão está diretamente associado à corrupção. Dados disponíveis em www.unodc.org/brazil/pt . Acesso em 25/10/2005. 69 SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional. Serviço de Publicación e intercambio Científico da Universidade de Santiago de Compostela, 2002, p. 80-88. 70 PITOMBO, Antonio Sergio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2003, p. 39-48.
34
dinheiro.71
Além de exigir pela primeira vez que os Estados contratantes incriminassem
a lavagem de dinheiro procedente do tráfico de drogas, estabeleceu, também,
disposições sobre cooperação internacional para facilitar investigações judiciais e
extradição, e, ainda, reafirmou o princípio segundo o qual o sigilo bancário não deve
impedir as investigações penais no âmbito da cooperação internacional.72
A partir dessa normativa, aprovada em Assembléia Geral das Nações
Unidas, e que contou com a participação de 106 países – o que confere um grande
poder político a tal documento - foram introduzidos, nos ordenamentos das Nações
signatárias, tipos penais de lavagem, bem como foram modificadas algumas poucas
normas já existentes. Os meios de investigação e regras sobre confisco, extradição
e assistência judicial também foram influenciados por essa normativa.73
Ainda que a doutrina tenha apontado alguns defeitos no texto final da
Convenção, os elogios superaram as críticas, especialmente por ter propagado a
tipificação da lavagem de dinheiro, influenciando outros textos internacionais e
legislações que, em muitos casos, reproduziram fielmente a íntegra do texto.74
No Brasil, a Convenção de Viena foi ratificada através do Decreto n. 154,
de 26.6.1991.
71 SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional. Serviço de Publicación e intercambio Científico da Universidade de Santiago de Compostela, 2002, p 105-113. 72 Ibidem. 73 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra, Arazandi, op. Cit. p. 89-91. 74 SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional. Serviço de Publicación e intercambio Científico da Universidade de Santiago de Compostela, 2002, 127 ess.
35
4.1.2. Convenção do Conselho da Europa relativa à l avagem - Convenção de Estrasburgo de 1990
A Convenção do Conselho da Europa relativa à lavagem, seguimento,
embargo e confisco dos produtos do delito, também conhecida por "Convenção de
Estrasburgo", foi aprovada em setembro de 1990 e entrou em vigor somente em 10
de setembro de 1993, em razão de problemas com o número de ratificações.75
Ademais ordenar medidas eficazes de combate a crimes graves, a
Convenção exigiu que os signatários criminalizassem a lavagem de dinheiro e
estabelecessem medidas legais de embargo e confisco, com o objetivo de privar
os delinqüentes do proveito econômico do crime. Outrossim, forneceu uma
definição de produto, bens, instrumentos, confisco e delito principal e preencheu
alguns vazios que impediam a assistência judicial recíproca no âmbito penal.76
A título de novidade, ampliou o catálogo de delitos prévios a outros crimes
que geram proveito econômico, afastando a exclusividade do narcotráfico disposta
na Convenção de Viena. Também deixou a critério das Partes, a punição ou não do
autor do crime de lavagem de dinheiro que também praticou o crime antecedente.77
A relevância da Convenção se evidencia, quer pelas novidades que
introduziu, como a ampliação do rol de crimes antecedentes à lavagem, quer pela
imprescindível preocupação em impor, com o emprego de métodos eficazes e
efetivos, a perda do produto do crime, sabidamente um dos mais importantes e
eficazes instrumentos de combate a estes tipos de conduta.78
75 SANTIAGO, Rodrigo. O branqueamento de capitais e outros produtos do crime. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 9, fasc.3º, julho-Setembro,1999. Coimbra:Coimbra, 107-111. 76 PITOMBO, Antonio Sergio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2003, 47-48. 77 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra, Arazandi, op. Cit. 90-98. 78 Ibidem.
36
4.1.3. Diretiva da Comunidade Européia
Um outro instrumento que deve ser conhecido é a Diretiva 308/ 1991 que foi
aprovada pelo Conselho das Comunidades Européias, em 10 de junho de 1991, e
estabeleceu medidas para prevenir e dificultar a utilização do sistema financeiro na
lavagem de dinheiro.
A Diretiva tem caráter obrigatório79 para os Países-membros e objetiva
harmonizar as respectivas legislações no tocante à previsão de regras mínimas de
prevenção à lavagem de dinheiro, tutelando o sistema financeiro e assegurando o
mercado único.80
Embora tenha tipificado novamente a lavagem de dinheiro e previsto medidas
de cunho penal, enfocou principalmente o aspecto preventivo, através de imposição
de deveres às entidades de crédito, às instituições financeiras e aos profissionais ou
categorias de empresas que exerçam atividades suscetíveis de serem utilizadas no
processo de lavagem, como, por exemplo, cassinos e agentes imobiliários. Em
síntese, com o emprego de medidas administrativo-financeiras, pretendeu dificultar
e prevenir a utilização dessas entidades na lavagem de dinheiro.81
Dentre outras medidas relevantes impostas às instituições financeiras e
demais implicados, destacam-se a obrigatoriedade de identificação de clientes, a de
comunicação de operações suspeitas e a de não realização de ditas transações
suspeitas.82
O instrumento em análise conseguiu operar modificações nas diversas
79 Ao contrário das medidas contidas na Declaração dos Princípios da Basiléia de 1988 e das Recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI). 80 ARÁNGUEZ SÁNCHEZ, Carlos. El delito de blanqueo de capitales. Madrid, Marcial Pons, 2000, p. 226-228. 81 SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional. Serviço de Publicación e intercambio Científico da Universidade de Santiago de Compostela, 2002, 253-269. 82 Ibidem.
37
legislações dos países da Comunidade Européia, quer no aspecto preventivo, quer
no repressivo, evidentemente pela necessidade e eficiência de sua normativa. Aliás,
embora obrigatória somente no âmbito da Comunidade Européia, as determinações
dessa Diretiva foram parcialmente trasladadas ao direito brasileiro, mais
concretamente ao Capítulo V, da nossa Lei de Lavagem de Dinheiro.83
4.1.4. Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFl )
O Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI)84 foi criado em 1989 pelo
grupo dos sete países mais industrializados (G-7)85, para combater a lavagem de
dinheiro. Assim é que, em abril de 1990, e já com a adesão de outros Estados,
foram publicadas 40 Recomendações86 que regulam conjuntamente questões
penais, financeiras e de cooperação internacional, sem caráter obrigatório, como a
própria denominação indica, fato que, ao contrário do que se pode interpretar, não
retira sua força e respeitabilidade, uma vez que se trata de instrumento modelo
para ações internacionais. Outras organizações e organismos internacionais,
como o FMI, INTERPOL, EUROPOL, Comissão Européia e Conselho de
Cooperação do Golfo, participam, como observadores, das reuniões plenárias do
Grupo. Vale salientar que o Brasil é membro do GAFI desde junho de 2000.87
As quarenta Recomendações foram atualizadas pela primeira vez em 1996 e,
em junho de 2003, uma redação nova foi aprovada em Berlim, depois de 11 de
83BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edílson Mougenot. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 20-22. 84 Financial Action Task Force (FATF) 85 Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. 86 Estas recomendações constituem guias para o controle da lavagem de ativos em matéria legal, financeira e de controle e fiscalização FATF-GAFI, disponível em www.fazenda.gov.br/coaf/portugues/sobrecoaf/GafiFatf.htm 87 ROLDÁN, José Maria. La cooperación em materia de lucha contra el blanqueo a nivel internacional: El GAFI, em Prevención y represión del blanqueo de capitales. Consejo General del Poder Judicial. Madrid, 2000, 58 e ss.
38
setembro de 2001, em um plenário extraordinário sobre o financiamento do
terrorismo, realizado em Washington. O Grupo aprovou, em outubro de 2001, um
conjunto de oito Recomendações especiais com a finalidade de combater o
financiamento dos atos terroristas e organizações terroristas. Agora, portanto, as
recomendações do Grupo se aplicam também ao terrorismo.88
Dentro dessas Recomendações, incumbe ressaltar aquela que amplia o rol
de delitos prévios, retirando a exclusividade do narcotráfico, prevista na Convenção
de Viena, e a que enfatiza uma efetiva cooperação administrativa internacional,
sem prévia interferência judicial, imprescindível para um combate eficaz às
condutas em estudo.89
O Grupo produz informes anuais sobre o tema, realiza intercâmbios visando
a constatar problemas dos Estados nesta área, bem como revisa suas
Recomendações e as novas técnicas de lavagem de dinheiro detectadas
mundialmente, além de identificar os países que não a combatem, ou seja, atua
técnica (faz estatísticas, revisão das Recomendações etc.) e politicamente, ao expor
no cenário político e econômico internacional os países que se omitem no combate
à lavagem de dinheiro. Incentiva, também, a criação de organismos similares no
âmbito regional, como o GAFISUD (Grupo Regional da América do Sul).90
Entre esses informes, o GAFI elabora e divulga uma lista de países e
territórios considerados não cooperantes, por que implementaram de forma
insuficiente, ou não implementaram, medidas efetivas de combate à lavagem.91 Esse
organismo recomenda que seus países membros bem como todos aqueles
88 Ibidem. 89 ZARAGOZA AGUADO, Javier Alberto. Prevencion y represion del blanqueo de capitales. Madrid, Consejo General del Poder Judicial, 2000, p. 290 e ss 90 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra, Arazandi, op. Cit 92-99. 91 Os critérios para inclusão de um país no rol dos não cooperantes foram definidos em reunião plenária do GAFI/FATF, realizada em Paris, em setembro de 2001. No mesmo sentido, a Carta Circular 002/01 do COAF.
39
comprometidos com a prevenção e combate à lavagem de dinheiro, examinem, com
redobrada atenção, às operações financeiras e comerciais que envolvam os
chamados países não cooperantes.92
4.1.5. As iniciativas da Organização dos Estados Am ericanos (OEA)
A Organização dos Estados Americanos (OEA) também propôs ações
dirigidas a solucionar os problemas oriundos do tráfico de drogas e da lavagem de
capitais.
Na conferência do OEA sobre tráfico de entorpecentes que ocorreu no Rio
de Janeiro, do dia 22 a 26 de abril de 1986, criou-se a Comissão Interamericana
para o Controle do Abuso de Drogas, CICAD, responsável por desenvolver e
realizar propostas para aumentar a efetividade da prevenção do abuso do álcool.93
No ano 1990 os representantes dos Estados membros da OEA adotaram em
Ixtapa, México, a Declaração e o Programa de Ixtapa, no que se estabeleceu a
necessidade de qualificar como delito, toda atividade referente à lavagem de ativos
relacionada com o tráfico ilícito de drogas e de facilitar à identificação, o
rastreamento, a apreensão, o confisco dos ativos procedentes de tal delito. Com
este antecedente foi que se adotou, em 1992, o Regulamento Modelo da CICAD
sobre Delitos Relacionados com o tráfico ilícito de drogas e Delitos Conexos. Dito
regulamento foi modificado em 1997 para servir às Unidades de Inteligência
Financeiras como uma ferramenta idônea para o combate à lavagem de ativos, e
em 1999 para ampliar o tipo da lavagem de ativos, que agora aceita como delitos
prévios não só o tráfico ilícito de drogas, senão outros delitos graves, pelo que
92 Atualmente, os países e territórios considerados como não cooperantes são: Filipinas, Guatemala, Ilhas Cook, Indonésia, Myanmar, Nauru e Nigéria. Dados disponíveis em : http://www1.oecd.org/fatf/NCCT_en.htm. Acesso em: 23/03/2005. 93 Ibidem.
40
mudou sua denominação a Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem
Relacionados com o Tráfico Ilícito de Drogas, e outros Delitos Graves, CICAD.94
No aludido Regulamento Modelo, caracteriza-se produto e se assenta que a
lavagem de dinheiro mostrar-se-ia delito autônomo ao trafico ilícito de
entorpecentes e infrações penais conexas.95
Na XXII Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos,
realizada nas Bahamas, entre 18 e 23.05.1993, representantes brasileiros
aprovaram o Regulamento Modelo sobre delitos de lavagem relacionados com o
tráfico ilícito de drogas e delitos conexos, elaborado pela Comissão Interamericana
para o Controle do Abuso de Drogas – CICAD.96
Expostos estes importantes tratados internacionais que regulamentaram a
problemática do branqueamento de dinheiro, iniciaremos o estudo da legislação
pátria sobre o tema.
94 Disponível em www.cicad.org, El delito de lavado de activos como delito autônomo.22/08/2005. 95 PITOMBO, Antonio Sergio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. Op. Cit. p.48-52. 96 Exposição de motivos 692, de 18.12.1996. Diário do senado Federal, 25.11.1997, p. 25.671.
41
5. O delito de lavagem de dinheiro no Brasil
Anteriormente já tivemos a oportunidade de analisar que um dos maiores
problemas causados pelas atividades de grupos envolvidos com a lavagem de
dinheiro, tais como os que praticam a corrupção, o tráfico de drogas, de armas, de
pessoas, de órgãos, a sonegação de impostos ou fraudes contra entidades públicas
é a grande geração de riqueza, cujo destino é o sistema financeiro internacional,
como em todas as demais atividades que geram capital, seu destino é o sistema
financeiro internacional. No interior deste sistema, a linha que divide o espaço
territorial, do espaço extraterritorial, deixou de existir com nitidez e rigor de outros
tempos, graças ao desenvolvimento de centros financeiros offshore97, e mais
recentemente, devido ao comércio eletrônico e às facilidades das movimentações
financeiras online.98
Diante deste quadro, o intercâmbio de informações de natureza bancária e
financeira99 passa a ser o elemento-chave das estratégias de intervenção penal,
que têm sido formuladas em âmbito internacional, para lidar com crimes geradores
de benefícios materiais.100
O Brasil, no ano de 1991, assume de modo definitivo, o compromisso de
elaborar lei nos moldes ditados pela Convenção de Viena, diante da promulgação
deste tratado, por meio do Decreto 154, de 26 de junho de 1991.101
A partir de então, o governo brasileiro torna-se signatário de outros 97 Sociedade offshore, também conhecidas por sociedades não residentes, têm por principal característica o fato de não exercerem qualquer tipo de atividade comercial no país onde têm sua sede social. Localizam-se normalmente em paraísos fiscais. 98 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra, Arazandi, 90 e ss. 99 Podemos notar que toda esta preocupação com a troca de informações de natureza bancária nas investigações criminais, está registrada nas convenções internacionais da ONU, como na Convenção Contra o Trafico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, na Convenção, na Convença para Supressão do Financiamento do Terrorismo de 1999, e na Convenção Contra o Crime Organizado Transnacional de 2003. 100 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra, Arazandi, 90 e ss. 101 Ibidem.
42
documentos plurilaterais entre nações da América, como da conta a Exposição de
motivos 692, de 18.12.1996.102
O tratado de Cooperação Jurídica em matéria penal, entre Brasil e Suíça, foi o
mais recente ratificado pelo Brasil, no dia 12 de setembro de 2006. O principal
objetivo do acordo é combater as mais diferentes formas de crime organizado
transnacional, tornando mais eficientes a investigação e a respressão de delitos,
facilitando a troca de informações e permitindo maior agilidade nas decisões, para
combater crimes de lavagem de dinheiro, evasão fiscal, tráfico de drogas, de armas
e de pessoas. Os Ministérios da Justiça de ambos os países passam a centralizar os
pedidos de cooperação em casos de investigações internacionais e se
comprometem a facilitar os processos de tomada de depoimentos, entrega de
documentos, registros e provas (administrativas, bancárias, financeiras, comerciais e
societárias), restituição de bens e valores, busca pessoal e domiciliar, confisco de
produtos de delitos e intimação de atos processuais.103
O Brasil, além da ratificação de convenções internacionais, incorporou a
permanente atualização do sistema antilavagem de dinheiro tal como elaborado
pelo Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro (GAFI), constituindo
impulso à expansão do intercâmbio de informações bancárias. Exemplo disso é a
atuação da unidade de inteligência financeira, o COAF104 (Conselho de Controle de
Atividades Financeiras), que vinculado ao Ministério da Fazenda, se dedica, entre
outras coisas, a centralizar, processar e filtrar as comunicações de transações
suspeitas de lavagem, efetuadas pelos operadores do setor financeiro, e
encaminha-las aos órgãos de persecução penal, quando houver indícios da prática
102 Disponível em www.planalto.gov.br . 103 Disponível em: www.senado.gov.br, 10/09/2006 104 O COAF foi criado pela lei 9613/98 e os dispositivos sobre o intercâmbio de informações bancarias relevantes à sua atuação encontram-se na Lei complementar 105/2001.
43
de crime. Estas informações são também objeto de intercâmbio com unidades de
inteligência financeira de outros países.105
5.1. Legislações sobre lavagem no Brasil
5.1.1 Lei 9613 de 03.031998
Diante da pressão exercida pelos organismos internacionais para que as
nações formulassem normas para reprimir o branqueamento de capitais, o legislador
brasileiro, passados quase sete anos da ratificação da Convenção de Viena, editou
a lei 9613, de 3 de março de 1998, introduzindo em nosso ordenamento jurídico o
delito de lavagem de dinheiro.106
Constata-se que a legislação pátria, a respeito da tipificação do delito em
estudo, foi movida por influência de legislação externa107. Neste caso estamos
diante fenômeno denominado empréstimo jurídico.108
O empréstimo jurídico ocorre quando há uma assimilação voluntária de
determinadas normas provenientes do direito de outros países. Esse fenômeno é
comum nos países que se encontram em fase de desenvolvimento e adotam
105 Segundo relatório publicado pela COAF, a troca de informações com outra unidades de inteligência financeira dispensa tratado ou acordo, mas mesmo assim o COAF firmou acordo com 12 países: Argentina, Bélgica, Bolívia, Colômbia, Coréia, Espanha, França, Guatemala, Panamá, Paraguai, Rússia, Tailândia e Ucrânia e esta negociando a assinatura com a Albânia, Antilhas Holandesas, Austrália, Bulgária, Indonésia e Venezuela. 106 GOMES, Luiz Flavio. Lavagem de capitais como expressão do direito penal globalizado. Estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva (Criminalista do Século). São Paulo: Editora Método, 2001. 107 Inúmeros tópicos da exposição de motivos da lei 9613/98 remetem claramente a influência de legislações estrangeiras na elaboração da mesma. Alguns destes tópicos: 37,39,45,56,96102,103,111,115 e 132. 108 Sobre o tema empréstimo jurídico cfr. SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª edição, 2005, p. 106-108.
44
instrumentos jurídicos de outras nações mais desenvolvidas, na tentativa de
modernizar as estruturas locais.109
É de se ressaltar que o empréstimo deve ser precedido de um estudo
detalhado das experiências estrangeiras110, pois só assim o país receptor terá
condições de adaptar a legislação estrangeira às necessidades locais, como
também identificar eventuais causas de ineficácia ou inadequação da mesma.111
A conveniência e oportunidade de se realizar o empréstimo jurídico parte da
exigência de aprimoramento da ordem jurídica local, normalmente encabeçada pela
força política dominante em dada comunidade. Destarte, afasta-se o modelo
legislativo ultrapassado, insuficiente para satisfazer a necessidade do país receptor,
valendo-se da vivência de outras nações mais desenvolvidas. Amolda-se, então, o
ordenamento jurídico, às novas necessidades da sociedade.112
No caso brasileiro, além da pressão exercida por instituições internacionais
para que o legislador pátrio tipificasse a lavagem de capitais, a integração de
normas estrangeiras para elaboração da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98),
também adveio da constatação da prática reiterada dessa conduta no país, na maior
parte ligadas a casos de corrupção. O “Caso dos Precatórios"113, que tanta difusão
teve na mídia, revelou duas realidades: de um lado, a existência de condutas lesivas
aos interesses da Nação, e de outro, uma grande impunidade, certamente
109 SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. Op. Cit. 106-108. 110 Diz o tópico n.º 136 da Exposição de Motivos da lei 9613/98 : que antes de chegar ao presente estagio, tivemos oportunidade de discutir a matéria com órgão e especialistas estrangeiros (Suíça, Inglaterra e Estados Unidos da América. 111 SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª edição, 2005, p. 106-108. 112 Ibidem. 113 Sobre o Caso dos Precatórios e casos de corrupção ocorridos na época da elaboração da lei de lavagem de dinheiro; Raposa agitada, disponível em: http://www.terra.com.br/istoe/politica/146732.htm ; No ar, o show dos precatórios. Revista Isto é, 19 de março de 1997; Um prefeito encurralado. Revista Isto é, 26 de março de 1997; Guerra dos dossiês, Revista Isto é, 2 de abril de 1997; Quem se lembra do caso dos Precatórios? Disponível em: http://cartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=12664. Acesso em 28/05/2006.
45
potencializada pela falta de uma legislação específica e de políticas públicas
preparadas para o problema.114
No entanto, passados quase dez anos da vigência da Lei de Lavagem de
Dinheiro no Brasil, o combate a este tipo de criminalidade tem se mostrado
ineficiente.115As razões para esta situação são várias, entre elas as deficiências da
lei 9613/98, que dificulta sua aplicabilidade pois não há ainda uma cooperação
internacional116 eficaz e rápida, como também a colaboração da própria justiça
interna.117
Sem a pretensão de analisar minuciosa e detidamente as disposições penais
da lei nesta breve oportunidade, cabem ao menos os seguintes comentários:118
Fundamentalmente, ela define o crime de lavagem de dinheiro (art. 1º),
representado pela conduta daquele que oculta, dissimula a natureza, origem,
114 Sobre a realidade da lavagem de dinheiro no Brasil, reportagem do Jornal do Brasil: "Dois terços dos recursos mantidos por brasileiros no exterior estão em paraísos fiscais. São US$ 40,127 bilhões, dinheiro equivalente aos valores de mercado da fabricante de automóveis Ford e do banco Santander, somados. Estes são os dados oficiais, do próprio Banco Central, e parte desse montante tem origem perfeitamente legítima. Na verdade, a fortuna verde-amarela que transita pelo exterior é bem maior. O Brasil figura numa incômoda 20ª posição no ranking dos principais países de origem do dinheiro sujo, remetendo ao exterior anualmente US$ 16,7 bilhões para serem lavados. No topo da lista, os Estados Unidos, com 46,3% de todos os recursos ilícitos do planeta, com US$ 1,32 trilhão. Em todo o mundo, são movimentados clandestinamente US$ 2,85 trilhões.” Reportagem do Jornal do Brasil, por KISCHINHEVSKY, Marcelo, em 13/07/2003. Disponível em: www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe.asp?ID_RESENHA=1994 Acesso em 01/05/2007. 115 Sobre o tema : ELUF, Luiza Nagib. Lavagem de Dinheiro. O Estado de São Paulo, 16 de junho de 2005; Lavagem de dinheiro, O Estado de São Paulo, 27 de junho de 2005; Lavagem de Dinheiro, O Estado de São Paulo, 13 de novembro de 2005Ainda sobre o tema Uma tese de mestrado defendida por Gerson Luís Romantini, na Unicamp, em 2003, traça um quadro não muito positivo das ações do órgão. De acordo com ele, das mais de 18 mil notificações de operações suspeitas recebidas pelo Coaf entre 1998 (quando a lei da lavagem foi promulgada) e 2002, apenas duas haviam sido encaminhadas à Polícia Federal até 31 de novembro de 2002 e nenhuma ao Ministério Público até 29 de agosto de 2002. Os números são relativos às instituições de São Paulo, estado que, segundo Romantini, mais gera comunicações ao Coaf., disponível em: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/ju/julho2003/ju218pg03.html. 116 Sobre as dificuldades na cooperação penal internacional, e a posição do STF nas decisões sobre quebra de sigilo em cartas rogatória Cf. MACHADO, Maira Rocha; REFINETTI, Domingos Fernando. Lavagem de dinheiro e Recuperação de ativos: Brasil, Nigéria, Reino Unida e Suíça. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 111 ess. 117 O Coaf, em seu relatório apresentado em 2005, afirma que ocorreram avanços no combate a lavagem nos últimos anos, estes dados esta disponíveis em: https://www.fazenda.gov.br/coaf/portugues/sobrecoaf/RelAtividades2005.pdf , 10/11/2006. 118 Para a análise das legislações brasileiras sobre lavagem, Leis 9613/98 e 10.701/2003, observamos a falta de material para estudo, as poucas obras que tratam do tema foram elaboradas na época da entrada em vigor das leis, o que torna difícil principalmente a análise da eficácia dessas normas em nosso ordenamento jurídico.
46
localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores
provenientes, direta ou indiretamente, de determinados crimes, estabelecendo um
rol de delitos precedentes, que é taxativo: tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas
afins; terrorismo; contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à
sua produção; extorsão mediante seqüestro; crimes contra à administração publica,
inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer
vantagem, como condição ou preço para prática ou omissão de atos administrativos;
crimes contra o sistema financeiro nacional; crimes praticados por organizações
criminosas. (artigo 1º caput, e incisos I a VIII)
O artigo 1º, § 5º da lei, alvo de críticas pelos doutrinadores, introduziu a figura
da delação premiada, possibilitando ao juiz deixar de aplicar ou substituir a pena do
agente que colabora com a Justiça para a elucidação do crime.119
São criadas disposições processuais próprias: o procedimento é o comum
(art. 394 e segs. do CPP), sem defesa preliminar; a competência é basicamente
estadual, salvo nos casos em que exista interesse da União, ou quando o crime
antecedente for do âmbito da Justiça Federal; existe independência processual entre
a persecução penal da lavagem e dos crimes antecedentes (processos separados),
bastando indícios dos crimes anteriores para que a denúncia possa ser oferecida;
inexistência da suspensão do processo ao réu citado por edital, tal como previsto no
artigo 366 do CPP; proibição da concessão da fiança ou liberdade provisória,
estando no âmbito discricionário do juiz a decisão sobre a apelação em liberdade;
está prevista uma medida cautelar inaudita altera pars; a apreensão e seqüestro de 119 Sobre a delação premiada no crime de lavagem Cfr. entre outros: OLIVEIRA, Willian Terra de. O crime de lavagem de dinheiro, em Boletim IBCCRIM, n.º 65, edição especial – abril/1998. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 112 e ss; BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlatas. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 225; CALLEGARI, André Luís. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Em Revista brasileira de ciências criminais, n. 31, ano 8, julho-setembro de 2000, p.184 e ss. São Paulo: revista dos tribunais, 2000; MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro, São Paulo: Malheiros, 2004, p. 121-122.
47
bens ilícitos, protraindo-se o contraditório; será possível o confisco de bens no caso
de condenação final, invertendo-se o ônus da prova, já que caberá ao condenado
provar a "licitude" dos bens, ou seja, caso não possa demonstrar sua origem lícita
perderá seus direitos.120 (artigos 2º ao 6º)
A partir do artigo 9º da Lei, contém regras de cunho administrativo destinadas
a tornar eficientes o combate à lavagem, envolvendo desde o controle de atividades
financeiras até a fixação de obrigações às pessoas físicas e jurídicas que atuem em
atividades que envolvam grandes somas de dinheiro.121
Ainda, é criado o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras)
que irá coordenar, disciplinar e centralizar as ações contra a lavagem de dinheiro.
Trata-se de órgão multidisciplinar, do qual participam o Ministério da Fazenda,
Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários, Polícia Federal e Ministério das
Relações Exteriores.122 (artigo 14º)
É preciso ressaltar que essa lei tornou-se alvo de muitas críticas, sobretudo
pelas lacunas que apresenta. Uma delas diz respeito do crime de terrorismo, na qual
nos deparamos com uma lacuna autêntica, ou seja, aquela que se dá quando a lei
não apresenta uma resposta, quando a partir dela uma solução não pode ser
encontrada. O ordenamento jurídico brasileiro não tipifica como crime o terrorismo,
nem mesmo a Constituição Federal dá essa definição, portanto essa lacuna
inviabiliza a configuração do crime de lavagem derivado de terrorismo.123
120 PITOMBO, Antonio Sergio A. de Moraes. Lavagem de dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Editora revista dos tribunais, 2003, p. 63-66. 121 OLIVEIRA, Willian Terra de. O crime de lavagem de dinheiro, em Boletim IBCCRIM, n.º 65, edição especial – abril/1998. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 112 ess184 e ss. 122 Ibidem. 123 Sobre a inclusão do crime de terrorismo no rol dos crimes antecedentes ao delito de lavagem Cfr. entre outros: CALLEGARI, André Luís. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Em Revista brasileira de ciências criminais, n. 31, ano 8, julho-setembro de 2000, 184 e ss. São Paulo: revista dos tribunais, 2000; BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de dinheiro. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1998; BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Lei n. 10.701 de 9 de julho de 2003: análise inicial das alterações da lei de lavagem de dinheiro. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.11, n.129, p. 8-9, agosto de 2003.
48
O mesmo ocorre no art1º VII que elenca, como delito antecedente, os crimes
praticados por organização criminosa. Assim como no crime de terrorismo, não
existe definição exata sobre organização criminosa, cuja expressão é encontrada na
lei 9034/95, que dispõe sobre meios operacionais para prevenção e repressão de
ações praticadas por organizações criminosas.124
A intenção do legislador era de punir as condutas dessas organizações
envolvidas em lavagem, mas ao manter o tipo penal aberto – organizações
criminosas de qualquer tipo – nenhum passo importante deu para reavivar a
aplicação da lei 9034/95.125
Em outras palavras, em princípio, toda e qualquer infração penal praticada por
organização criminosa, que represente um acréscimo ao patrimônio dos seus
componentes e que seja objeto de operação ou transação utilizada para ocultar ou
dissimular a origem ilícita, configura o crime de lavagem. Porém, tal qual sucede
com o terrorismo, é de ser considerada inócua a figura correspondente ao inc. VII do
art. 1.° da Lei de Lavagem, visto desatender ao com ando constitucional que
assegura o direito à liberdade, por não haver crime sem lei anterior que o defina,
nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, inc. XXXIX, CF) Nullum crimen nulla
poena sine praevia lege.126
A omissão é desconcertante, organizações criminosas existem, suas
estruturas e formas de operacionalização dos ilícitos, tal como já foram descritas
124 Cf. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro, São Paulo: Malheiros, 2004, 109 e ss. PODVAL, Roberto. Lavagem de dinheiro (lei 9.613/98), em Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial, vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 2098-2109.; OLIVEIRA, Willian Terra de. O crime de lavagem de dinheiro, em Boletim IBCCRIM, n.º 65, edição especial – abril/1998. São Paulo. 125 CALLEGARI, André Luís. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Em Revista brasileira de ciências criminais, n. 31, ano 8, julho-setembro de 2000, p 184 e ss. São Paulo: revista dos tribunais, 2000. 126 BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlatas. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 122-124.
49
anteriormente127, são do conhecimento das autoridades constituídas, mas enquanto
perdurar a pendência legislativa, não será possível eliminar o efeito negativo que a
situação provoca, no âmbito, aos crimes de lavagem.
Assim, por ora, impossível a punição da lavagem quando o crime antecedente
for o crime organizado ou o terrorismo, por não haver na legislação pátria definição
dessas condutas.
Quanto aos dispositivos processuais, a inaplicação do art. 366 do CPP (Lei
9613/98 art. 2º, § 2.º) é inconstitucional, porque todo acusado conta com o direito
certo de ser informado pessoalmente da acusação.128Ao abdicar da aplicação do
artigo 366 do CPP na lavagem de dinheiro, o legislador viola preceito
constitucional.129
Também a restrição aos benefícios da fiança, da liberdade provisória e da
interposição de recurso de apelação em liberdade pela lei 9.613/98 é considerada
pela doutrina, como violação do princípio constitucional da presunção de
inocência.130
127 Sobre a lacuna na definição de organizações criminosas, na Lei 9034/95, vide Capítulo I, item 2.1 supra. 128 GOMES, Luiz Flavio. Lavagem de capitais como expressão do direito penal globalizado. Estudos criminais em homenagem a Evandro Lins e Silva (Criminalista do Século). São Paulo: Editora Método, 2001, p. 233-235. 129 Art. 5.º, inc. LV, da Constituição Federal que estabelece “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes 130 Cf. SABADELL, Ana Lucia. Problemas de tipificação do delito de lavagem de dinheiro na legislação brasileira, em projeto elaborado no âmbito das atividades de pesquisa da Faculdade de Direito da Universidade Metodista de Piracicaba, 2004; PODVAL, Roberto. Lavagem de dinheiro (lei 9.613/98), em Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial, vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
50
5.1.2 Lei 10.701, de 09.07.2003 A lei n. 10.701, de 09.07.2003, acrescentou e alterou dispositivos da Lei n.
9.613, de 3 de março de 1998, que dispõe sobre os crimes de lavagem ou ocultação
de bens.131
A primeira alteração trazida pela nova lei foi a inclusão do financiamento do
terrorismo entre os delitos considerados precursores do crime de lavagem de
dinheiro (art. 1º, inc. II). Tal inclusão restará inócua, pois como observamos no item
anterior o ordenamento jurídico brasileiro não tipifica como crime o terrorismo e
também nada prevê sobre o seu financiamento. Desse modo a aplicação deste
artigo continua obsoleta, pois enquanto não houver uma lei que defina o ato de
terrorismo em face ao princípio da legalidade, ninguém poderá ser denunciado por
tal infração.132
Outra modificação ditada pela lei 10.701/03 foi a inclusão do parágrafo 3º, no
artigo 14 da lei 9.613/98, nos seguintes termos: O COAF poderá requerer aos
órgãos da Administração Pública as informações cadastrais bancárias e financeiras
de pessoas envolvidas em atividades suspeitas.
A crítica que aqui se faz é ao conceito atividades suspeitas, por ser
extremamente genérico e impreciso. Quais seriam estas suspeitas que permitiram
ao Coaf, requerer informações financeiras?
Alguns autores apontam que o legislador deveria ter deixado claro que essa
quebra do sigilo bancário e financeiro poderia ser requisitada pelo Coaf, mediante
131 Art. 5.º, inc. LV, da Constituição Federal que estabelece “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. 132 BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlatas. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 171 e ss.
51
prévia autorização judicial, quando houvesse indícios suficientes de que a pessoa
estaria envolvida em atividades ilícitas de lavagem de dinheiro.133
Para a aplicação do tipo penal, ditado pelas leis acima referidas, torna-se
necessário investigar e reconhecer o bem jurídico resguardado pela lavagem de
dinheiro.
133 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Lei n. 10.701 de 9 de julho de 2003: análise inicial das alterações da lei de lavagem de dinheiro. Boletim IBCCRIM. São Paulo, v.11, n.129, p. 8-9, agosto de 2003.
52
6 - Do Bem Jurídico
6.1 Bem Jurídico: Conceito
A elaboração dogmática da teoria do bem jurídico conta com uma evolução
de dois séculos de duração, e ainda hoje é considerada uma das questões mais
difíceis do direito penal.134
Não obstante a dificuldade de se determinar a noção do bem jurídico é certo
que a missão do direito penal, admitida pela maioria dos doutrinadores modernos, é
a de proteção de tais bens, delimitando seus limites.135 Este princípio de exclusiva
proteção de bens jurídicos constitui um limite fundamental ao exercício do ius
puniendi do Estado.
A tutela jurídico-penal só faz sentido quando o Estado impõe normas penais
que objetivam um interesse relevante. Sem interesses penalmente relevantes, não
há tutela, e estes traduzem-se através dos bens jurídicos.
Ao afirmamos que toda incriminação visa a defender um bem jurídico, o seu
conceito pode ser entendido tanto de uma perspectiva dogmática, quanto de uma
perspectiva político criminal, ou, para usar a conhecida terminologia de Hassemer136,
tanto de uma perspectiva imanente ao sistema, quanto transcendente ao sistema.137
134 Nesse sentido cfr. entre outros: PODVAL, Roberto. O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, nº 24, ano 6, 1998, p. 210. 135 Ibidem. 136 HASSEMER, Theorie und Soziologie dês verbrechens. Ansätze zu einer praxisorientierten Rechtsgutslehre, apud BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra: Arazandi, 2ªed, 2002, p. 154. 137 Mir Puig contrapõe o sentido político-criminal do bem jurídico ou de lege ferenda ao sentido dogmático ou de lege lata.
53
De uma perspectiva dogmática (intra-sistemática138 ou imanente ao sistema)
entende-se o bem jurídico como o escopo da norma penal, isto é, o bem jurídico não
é apenas o objeto da tutela, é a verdadeira essência da norma penal. Neste aspecto,
observa-se que o tipo parte da norma, e esta se faz do bem jurídico139. Deste modo,
dentro do contexto do princípio da legalidade, a norma é o limite para identificar-se o
bem jurídico tutelado.
O bem jurídico, analisado na presente visão, é o interesse protegido por
determinada norma, e onde houver uma norma, haverá um tal interesse. Por isso, o
direito penal estrutura-se em bens jurídicos que podem ser extraídos das normas do
sistema jurídico-penal.
Ainda dentro de uma visão dogmática muito se discute sobre quais as
conseqüências jurídicas da adoção da teoria do bem jurídico. 140
Para fundamentar a adoção de tal teoria podemos apontar duas correntes. A
primeira sustenta que o bem jurídico desempenha uma importante função na
interpretação jurídica. No âmbito dessa visão, ele tem uma importante função como
meio de interpretação teleológica no direito penal.141
A função interpretativa do conceito do bem jurídico, na interpretação
teleológica da norma, é de importância para a verificação de outra dimensão do
delito: a efetiva lesão ao bem. Apesar de uma conduta cumprir o pressuposto fático
legal (antijuridicidade formal), não haverá tipicidade se o bem jurídico pretensamente
protegido não sofrer lesão (antijuridicidade material). Cumpre à função teleológica, a
interpretação do fato concreto para verificação da real lesão ao bem tutelado. O
intérprete, além de verificar, da perspectiva ex ante, a existência de uma conduta
138 SABADELL, Ana Lucia; DIMOULIS, Dimitri e MINHOTO, Laurindo Dias. Direito social, regulação econômica e crise do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p. 52. 139 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal, 4. edição. Granada: Comares, p. 236 e ss. 140 SABADELL, Ana Lucia; DIMOULIS, Dimitri e MINHOTO, Laurindo Dias. Op cit, p. 52. 141 Ibidem, p.53.
54
lesiva em abstrato, necessita confirmar, ex post, se a lesão ou o perigo de lesão
incorporam-se ao telos da norma.142
Já a outra corrente rejeita a interpretação teleológica, partindo da idéia do
princípio da legalidade, sustenta que o legislador apenas descreveu aquilo que
desejou descrever, e não cabe ao aplicador da norma analisar as intenções do
legislador. Isso não é relevante no âmbito penal, pois não se admite introduzir
exceções recorrendo a uma hipotética vontade do legislador ou a uma danosidade
social. 143
A principal crítica ao conceito dogmático é a possibilidade do legislador, ad
nutum, eleger bens jurídicos, muitas vezes divorciados de qualquer ofensa a valores
consagrados pela sociedade e não necessariamente relevante ao direito penal.
Dessa forma, surgem inúmeros caminhos para o processo de criminalização, uma
vez que a vontade do legislador pode estabelecer o que pode ou não ser tutelado
pelo direito penal.
Ademais, um conceito meramente dogmático impõe a necessidade de
elaboração de um tipo penal, de maneira a compreender-se o bem jurídico
protegido, sem maiores complicações hermenêuticas. A ratio legis da norma
incriminadora deve ser clara e delimitada, dentro do princípio fundamental da
legalidade.
A lei de lavagem de dinheiro é exemplo das dificuldades de uma análise
puramente dogmática. A mera leitura de seus tipos penais, sem considerar as
finalidades propostas pelo legislador, não nos permite compreender os objetivos de
política criminal delineados pelo legislador.
142 GIMBERNAT ORDEIG, Enrique. Conceito e método da ciência do direito penal. Trad. José Carlos Gobbis Pagliuca. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 79. 143 SABADELL, Ana Lucia, op cit p. 53.
55
Em suma, é fácil constatar a crise pela qual passa a teoria do bem jurídico se
analisada apenas sob o ponto de vista dogmático. Para dar maior efetividade e
legitimidade, ao direito penal faz-se necessário considerar também, o conceito
político-criminal de bem jurídico. A construção político-criminalmente orientada do
bem jurídico será o complemento da orientação dogmática.144
Extrai-se dupla função do conceito político-criminal de bem jurídico, já que
serve para limitar as sanções do direito penal aos comportamentos prejudiciais, bem
como para justificar a ampliação145 da proteção penal aos novos interesses sociais
que estão a surgir146.
A política criminal situa o direito penal em uma realidade social. Por ser a
criminalidade mutável, é necessária a adoção de critérios político-criminais para
haver harmonia entre a realidade fática e o ordenamento jurídico-penal.
Para o direito penal acompanhar a evolução social, o legislador deve valer-se
de orientações político-criminais para buscar a eficácia máxima da norma.
Diante da evolução criminológica, o grande desafio do legislador penal é estar
atento às novas formas de criminalidade permitidas pela globalização, de maneira a
não desrespeitar os princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade147. A
mera proliferação de comportamentos que frustrem as expectativas sociais, não dá
ao legislador, e muito menos ao operador do direito, a possibilidade de abertura para
a expansão do direito penal. Somente com medidas coerentes de política criminal
144 GRECO, Luis. Princípio da ofensividade e crimes de perigo abstrato. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 49, p. 92, jul./ago. 2004, p. 98. 145 Como exemplos desta ampliação estão a preservação do meio ambiente, o bom funcionamento das telecomunicações, a proteção dos usuários de informática, a capacidade funcional da economia, a conservação do material genético humano, a eficaz utilização da energia nuclear, entre outros. 146 BUSTOS RAMIRES, Juan J.; HORMAZÁBAL MALARÉE, Hermán. Lecciones de derecho penal. Madrid: Trota, 1997. v. 1, p. 61. 147 Sobre a relevância do Princípio da Intervenção Mínima em nosso ordenamento jurídico Cfr. ROBERTI, Maura. A intervenção Mínima como Princípio no Direito Penal Brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 53 e ss.
56
será possível cuidar das novas faces da criminalidade sem dilatar a repressão
estatal por meio da lei penal.148
Importante destacar, no entanto, que a concepção político-criminal de bem
jurídico não restou imune às críticas da doutrina, a qual aponta, entre outras, que o
legislador, muitas vezes em nome de uma “política criminal” de proteção de bens
jurídicos, elabora cada vez mais tipos penais, como estratégia de buscar a solução
dos conflitos sociais. Acarreta, assim, a perda da finalidade do direito penal, já que
está a tutelar bens jurídicos irrelevantes, tuteláveis por outros meios, desrespeitando
o princípio da intervenção mínima.149
Entretanto, afastam-se os críticos dessa corrente, pois fazer-se referência ao
conceito político-criminal de bem jurídico,não implica conceder ao legislador a total
liberdade de escolher e tutelar aquilo que pretende. É indispensável ponderar
valores e delimitar a atuação do direito criminal para evitar arbitrariedades. Assim,
queremos um bem jurídico capaz de restringir o poder de incriminar do legislador, e
a solução encontrada por grande parte da doutrina150, é definir o bem jurídico com
arrimo na Constituição.151
Dessa forma, estaríamos diante de um conceito político-criminal de bem
jurídico vinculante para o legislador, já que ele seria extraído da Constituição
Federal.
Da adoção desse critério surge outro problema, pois sendo a Constituição
necessariamente aberta, se inúmeros valores, mesmo conflitantes, encontram
acolhida em seu bojo, como se afirmar uma limitação ao legislador?
148 MARTINELLI, João Paulo Orsini. O bem jurídico tutelado pela lei de lavagem de capitais. Tese apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2007, p. 43. 149 Ibidem p. 46. 150 Cfr. GOMES, Luiz Flavio, Norma e bem jurídico no direito penal. São Paulo: Revista dos tribunais, 2002, p. 96; BATISTA, Nilo, Introdução critica ao direito penal brasileiro, 4 ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999,p. 130; PRADO, Luiz Regis. Bem jurídico penal e constituição. São Paulo: Revista dos tribunais, 2003, p. 90. 151 GRECO, Luis. Op. Cit p.101.
57
A solução se assenta nos princípios constitucionais, notadamente no da
lesividade, subsidiariedade ou da ultima ratio152 e da proporcionalidade, pois nem
tudo o que a Constituição acolhe em seu texto pode ser objeto de tutela penal.
Importante distinguir, primeiramente, entre princípios constitucionais e bens
reconhecidos pela Constituição, pois os princípios constitucionais são limites às leis
penais, mas os bens reconhecidos pela Carta Magna (propriedade, saúde pública,
por exemplo) não o são. Destarte, a não menção de alguns bens na Lei Maior, não
reflete necessariamente sua desclassificação na escala de valores penais, uma vez
que os limites à criminalização estão nos princípios constitucionais, e não nos bens
arrolados em seu texto.153
Ademais, nem todos os bens constitucionais são de tal relevância ao
funcionamento do ordenamento jurídico que mereçam a distinção do direito penal. A
Constituição Federal, por meio de seus princípios, estabelece não um rol taxativo de
bens penalmente relevantes, mas uma orientação político-criminal ao legislador.
152 Sobre o princípio da subsidiariedade Maura Roberti ensina: “A intervenção subsidiária do Direito Penal é um postulado limitador do jus puniendi, de fundamento político-criminal, que sugere aos Poderes Públicos o uso cuidadoso e cautelosos dos recursos gravosos penais, precisamente porque o Estado Democrático de Direito dispõe de outros meios eficazes e de menor custo social. O Direito Penal é um dos meios de ação de que a sociedade dispõe para lutar contra a criminalidade, porém ele possui um papel limitado no combate. O Estado Moderno, por outro lado, dispõe de um verdadeiro arsenal de meios extrapenais para cumprir com eficácia sua função protetora da ordem social; em conseqüência não será legitimado a lançar mão de meios de especial severidade, como os penais, e sim cabe utilizar com êxito meios de natureza não-penal, que são, consequentemente, menos devastadores”. ROBERTI, Maura. A intervenção Mínima como Princípio no Direito Penal Brasileiro. Op. Cit. 102. 153 Sobre o tema ensina Reale Junior, que o “direito penal está limitado negativamente pela Constituição, devendo ater-se aestes princípios, não violando os valores constitucionais, mas sim por eles pautando-se” (REALE JR.,Miguel. Instituições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2002. v. 1, p. 27).
58
6.1.1. Conclusão sobre o conceito de bem jurídico n o direito penal
É indiscutível a importância da fixação de um bem jurídico para que a norma
penal tenha legitimidade. Os doutrinadores, majoritariamente, não reconhecem uma
norma penal que não tenha em seu escopo a proteção de algum bem jurídico
relevante. Todavia, só se admite um bem jurídico se preenchidos alguns requisitos,
tais como a observância dos princípios da intervenção mínima, subsidiariedade, da
proporcionalidade e da lesividade.
Como visto, um conceito de bem jurídico meramente dogmático não se
mostra capaz de explicar a tutela penal de todas as normas. Necessário se faz,
portanto, adotar um conceito político-criminal que auxilie o legislador a eleger os
bens que merecem proteção.
Não se pode esquecer, entretanto, que este conceito deve estar arrimado na
Constituição, mas não se limita meramente a refletir os valores que esta consagra,
uma vez que somente os valores fundamentais podem justificar a gravidade da
intervenção penal.
Finalmente podemos conceituar o bem jurídico como um conjunto de valores
essenciais ao desenvolvimento do homem e da sociedade, cuja proteção jurídico-
penal seja imprescindível à sua manutenção, dentro de um contexto de legalidade.
Nos capítulos seguintes, serão analisados os eventuais bens jurídicos
tutelados pela lei 9.613/98.
59
6.2. O bem jurídico tutelado no delito de lavagem d e dinheiro
Delimitado o conceito de bem jurídico passaremos a estudar qual é o objeto
de proteção no delito de lavagem de dinheiro.
Devemos inicialmente esclarecer que se trata de tema que gera uma série de
controvérsias doutrinárias, não apenas entre os juristas brasileiros, mas também
entre os estudiosos estrangeiros154. São tantos os posicionamentos quanto ao bem
jurídico protegido pela referida lei, que geram teorias antagônicas. Alguns autores
sustentam a inexistência de um interesse digno de proteção155 e outros afirmam ser
um delito pluriofensivo, ou seja, resguardam vários bens jurídicos156.
O presente capítulo busca a análise das principais teorias do bem jurídico da
lavagem de dinheiro, com os argumentos utilizados por seus adeptos. Dentre as
principais correntes doutrinárias que assumem um bem jurídico a ser tutelado pela
lei de lavagem, encontram-se as seguintes: a) o mesmo bem jurídico protegido pelo
crime antecedente ou proteção preventiva dos bens jurídicos tutelados no rol de
crimes antecedentes; b) ordem econômica e sistema financeiro; c) Administração da
Justiça; d) pluralidade de bens jurídicos.
154 Cf. : PASTOR, Daniel Alvarez; PALACIOS, Fernando Eguidazu. La prevención del blanqueo de capitales. Aranzandi, 1998, p. 233; CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de Dinheiro - A Questão do Bem Jurídico. Rio de janeiro: Revan, 2004; INESTA, Diego Gómez. El delito de blanqueo de capitales en derecho español. Barcelona: Cedecs, 1996, p. 152; BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Navarra: Arazandi, 2ªed, 2002; PODVAL, Roberto. O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, nº 24, ano 6, 1998, p. 212; GOMES PAVÓN, Pilar. El bien jurídico protegido em la receptación, blanqueos de dinero y encobrimientos, 1994, p. 123. 155 Neste sentido: João Carlos Castellar, Lavagem de Dinheiro - A Questão do Bem Jurídico. Rio de janeiro: Revan, 2004; MARTINELLI, João Paulo Orsini. O bem jurídico tutelado pela lei de lavagem de capitais. Tese apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2007, p. 54. 156 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro. Op. Cit. 57-60.
60
6.2.1 O mesmo bem jurídico protegido pelo crime ant ecedente ou proteção preventiva dos bens jurídicos tutelados no rol de c rimes antecedentes
Esta primeira corrente sustenta que se protege o mesmo bem jurídico tutelado
pelo crime antecedente, objetivando com o tipo de lavagem de dinheiro evitar que,
com a utilização dos bens, se facilite a prática de delitos prévios. Entende-se aqui
que o objetivo do legislador não é evitar a lavagem de dinheiro em si, mas a prática
do crime antecedente.
Esse pensamento fundamenta-se no primeiro movimento de caracterização
dos crimes antecedentes que ocorreu logo após a Convenção das Nações Unidas
contra o tráfico ilícito e de substâncias psicotrópicas, a chamada Convenção de
Viena, de 20.10.1988, onde os países membros da ONU aprovaram a Resolução
que os obrigava a dotar seu ordenamento jurídico de leis para criminalizar a lavagem
de capitais oriundos do tráfico de entorpecentes. Sendo assim, a criminalização da
lavagem de dinheiro surge como uma forma de coibir o avanço crescente e
incontrolável do tráfico de drogas, já que, mesmo diante de leis penais cada vez
mais severas, tal criminalidade persistia e se aperfeiçoava. Dessa forma, passou-se
a punir a finalidade do tráfico, ou seja, o lucro.157
Enquanto o objetivo inicial das legislações era seguir as recomendações da
Convenção de Viena, criminalizando a lavagem de dinheiro para conter o tráfico de
entorpecentes, o bem jurídico tutelado, era também o mesmo bem jurídico do trafico,
qual seja, a saúde pública.158
157 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Op. Cit. 153 e ss. 158 PODVAL, Roberto. O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, nº 24, ano 6, 1998, p. 212.
61
Todavia, com ampliação do rol dos delitos antecedentes, modificou-se o bem
jurídico tutelado, que deixou de ser exclusivamente a saúde pública, passando a ter
limites mais amplos.159
Após essa alteração, alguns autores160 passaram a sustentar que o bem
jurídico seria o somatório de todos os bens protegidos pelos crimes precedentes, ou
seja, seria o conjunto de todos os bens jurídicos tutelados por crimes susceptíveis
de gerar lucro.161
Essa concepção é equivocada por almejar criar um supertipo, cuja função
seria atuar nas hipóteses de ineficácia de outro tipo penal, o que implicaria a própria
negação da idéia de tipo. Cada situação, socialmente valiosa, merece a tutela do
respectivo tipo individualizador da conduta proibida.162
Outro argumento contra essa posição apresentado por parte dos
doutrinadores é a falta de clareza dogmática no plano da causalidade. Se o bem
jurídico antecedente já foi lesado, eventual punição pela lavagem equivaleria a
retroceder o nexo causal, pois o resultado lesivo (lesão ao bem jurídico do crime
anterior) apareceria antes da própria conduta do agente. O bem jurídico já se
encontra lesado, apesar da conduta do agente – lavar dinheiro – chegar
posteriormente.163
159 Ibidem. 160 Entre os doutrinadores brasileiros que sustentam ser o bem jurídico do delito de lavagem o mesmo protegido no delito prévio: GRECO FILHO, Vicente. Tipicidade, bem jurídico e lavagem de valores. In: COSTA, José de Faria; SILVA, Marco Antonio Marques da (Coords.). Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais: visão luso-brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 159-160. MACHADO, Maíra Rocha. Internacionalização do direito penal: a gestão de problemas internacionais por meio do crime e da pena. São Paulo: Ed. 34; Edesp, 2004. p. 127. 161 GODINHO, Jorge Alexandre Fernandes. Do crime de “Branqueamento”de Capitais – Introdução e Tipicidade. Coimbra: Livraria Almedina, 2001, p.208. 162 PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente. São Paulo: RT, 2003, p. 74. 163 DIONYSSOPOULOU, Athanassia, apud MARTINELLI, João Paulo Orsini. O bem jurídico tutelado pela lei de lavagem de capitais. Tese apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2007, p. 54.
62
Enfim, através de uma análise intra-sistemática, concordamos que seria
inviável considerar a super proteção do bem jurídico do crime antecedente, porque o
nexo de causalidade entre ação e resultado experimentaria uma real inversão
valorativa. A ordem natural do delito apresenta o resultado lesivo posterior à conduta
do agente, o que não acontece para esta teoria. Quando o resultado lesivo (lesão ao
bem jurídico do crime antecedente) vier antes da conduta do agente (lavar dinheiro)
a própria teoria do delito perde sua consistência lógica.
6.2.2 A Administração da Justiça
Para um segmento doutrinário164 significativo, o bem jurídico protegido pelo
delito de lavagem de capitais seria a administração da justiça165, pois os
comportamentos incriminados no delito em questão vulneram o interesse Estatal em
identificar a proveniência dos bens e os sujeitos ativos de ilícitos que os geraram,
em desestimular a sua prática, em reprimir a fruição de seus produtos e em lograr a
punição dos seus detentores, e dessa forma podem afetar o funcionamento regular
da Justiça.166
Ao punir a lavagem de dinheiro, tenta-se impedir que o produto do ilícito
possa ser transformado e dissolvido no meio social, evitando assim, seu confisco,
bem como a identificação da autoria e materialidade do crime antecedente. O
legislador ao definir os crimes prévios aptos a provocar punição por lavagem está,
164 Nesse sentido na doutrina pátria Cfr: Rodolfo Tigre Maia; Roberto Podval; Nelson Jobim. Entre os doutrinadores estrangeiros que seguem esta corrente Cfr: Isidoro Blanco Cordero; Bacigalupo Zapater; Fabián Caparrós; Faraldo Cabana; M. Zanchetti; J. Ackermann; H. Otto. 165 Ensina Magalhães Noronha que, alcançando-se como bem jurídico, a “administração da justiça” se tem por escopo proteger a atuação, o desenvolvimento normal da instituição, tutelando-a contra fatos atentatórios à sua atividade, autoridade e à própria existência, isto é, contra fatos que a negam e postergam. NORONHA, E Magalhães. Direito Penal. Vol. 4. São Paulo: Editora Saraiva, 17ª edição, 1985. 166 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro, São Paulo: Malheiros, 2004, p.57.
63
em termos de política criminal, tentando evitá-los. Incriminar a lavagem é a forma de
dificultar a proliferação de tais crimes, em razão dos malefícios reais que esses
crimes trazem a sociedade.167
Outro aspecto, ressaltado pelos defensores desta corrente, é que o crime de
lavagem seria uma espécie de favorecimento real, por ser criado para proteger a
administração da justiça que se encontra incapaz de punir os responsáveis pelos
crimes antecedentes, em razão do auxílio prestado aos criminosos.168
Sustentam ainda que o delito de lavagem se assemelha ao favorecimento
real169, pois ao ocultar-se impede-se o cumprimento da função de descobrir e
perseguir os delitos. Seria uma modalidade sui generis de favorecimento real em
que o bem jurídico tutelado é a administração da justiça, reprimindo as condutas
perturbadoras de tal função ao ajudar a encobrir um delito precedente.170
Entre as críticas que se fazem a respeito de tal corrente, está a que diz
respeito à afirmada similaridade com o delito de favorecimento real. Se verdadeira a
relação gênero-espécie entre ambas infrações, dever-se-ia se assentar que o crime
de lavagem não seria típico, se cometido pelo autor do crime antecedente, por não
se punir o auxilium post delictum, realizado por aquele que praticou o próprio delito
anterior, seja como autor ou partícipe.171 Ademais, quase todas as disposições
internacionais sobre lavagem sancionam a intervenção do autor ou partícipe do
167 PODVAL, Roberto. O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, nº 24, ano 6, 1998, p. 219. 168 GODINHO, Jorge Alexandre Fernandes. Do crime de “Branqueamento”de Capitais – Introdução e Tipicidade. Coimbra: Livraria Almedina, 2001, p 101-109. 169Oportuno lembrar, que o tipo subjetivo do crime de favorecimento real diferencia-se do crime de lavagem de dinheiro, uma vez que no primeiro basta a vontade do agente de prestar auxílio ao criminoso, com o fim de assegurar-lhe o proveito do crime, enquanto na lavagem a intenção do agente deve ser a de, além de ocultar o produto do crime cometido por terceiros, dar-lhe aparência idônea, reintegrando-lhe no mercado como se tivesse obtido licitamente. 170 GOMES PAVÓN, Pilar. El bien jurídico protegido em la receptación, blanqueos de dinero y encobrimientos, 1994. 171 Ibidem.
64
delito prévio pelas posteriores condutas de lavagem, sem utilizar o delito de
favorecimento.172
Outro ponto que deve ser observado é que o ordenamento jurídico pátrio já
tutelou a Administração da Justiça nos tipos descritos nos artigos 338 ao 359 do
Código Penal, entre os quais incluem o favorecimento real (artigo 349). Sendo
assim, considerar uma tutela em dobro a este bem jurídico não está de acordo com
o direito penal mínimo proposto pela maioria dos doutrinadores.173
No entanto, a maior crítica aos defensores dessa idéia fundamenta-se no
desaparecimento do fim limitador do ius puniendi, inerente ao conceito de bem
jurídico. Sob o fundamento “administração da justiça”, pode-se criar direito penal,
submisso a qualquer tendência ideológica174.
O bem jurídico não pode ser admitido de forma tão genérica, sob o risco de
extinguir-se a garantia que este oferece. Ele põe-se como sinal da lesividade
(exterioridade e alteridade) do crime que o nega, revelando e demarcando a ofensa.
Essa materialização da ofensa, de um lado contribui para a limitação legal da
intervenção penal, e de outro a legitima175.
Na doutrina estrangeira, entre os países onde prevalece esta corrente, estão
a Itália176, Suíça177 e Alemanha178.
172 CALLEGARI, André Luís. Lavagem de Dinheiro. Op. Cit. p. 141-150. 173MARTINELLI, João Paulo Orsini. O bem jurídico tutelado pela lei de lavagem de capitais. Op. Cit., p. 68. 174 PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente. São Paulo: RT, 2003, p. 79. 175 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990. 176 O artigo 648 bis do código penal italiano tutela diretamente “as investigações sobre a procedência delitiva dos bens: investigações através das quais a justiça pretende golpear aos autores dos delitos base. Cfr. ZANCHETTI, Mario.Il riciclaggio di denero proveniente da reato. Milão: Giuffré,1997, p. 388. 177 Segundo ACKERMANN, o artigo 305 bis da lei penal helvética protege a administração da justiça suíça e extrangeira em sua função de localizar os produtos delitivos , descobrir sua origem e confisca-los. ACKERMANN apud SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional. Serviço de Publicación e intercambio Científico da Universidade de Santiago de Compostela, 2002, p. 297. 178 A doutrina dominante afirma que numero 1 do § 261 StGB protege a administração da justiça interior em sua tarefa de eliminar as conseqüências jurídicas dos delitos, enquanto o numero 2 do § 261 StBG tutelaria tanto o bem jurídico afetado pelo delito prévio como a administração da justiça estatal. SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional.op. cit., p. 296.
65
6.2.3 Ordem socioeconômica
Para uma grande parcela da doutrina179, o legislador, por meio da lei de
lavagem de dinheiro, pretende tutelar a ordem socioeconômica, visando a proteger a
circulação de capitais lícitos, mantendo a competitividade legal de mercado, sem a
presença de dinheiro oriundo de crimes. 180
Justifica-se a proteção penal da ordem socioeconômica, sob o fundamento de
que, no caso específico da lavagem de dinheiro, o sujeito passivo é a comunidade
em geral, devido às profundas alterações do sistema econômico e financeiro que
distorcem os pressupostos básicos de convivência social. Neste caso o sistema
econômico é concebido como um conjunto coerente de instituições jurídicas e
sociais que garantem e realizam o equilíbrio econômico.181
O crime de lavagem causa lesão à economia amplamente considerada,
atingindo o poder estatal na existência da manutenção econômica estabelecida pelo
Estado, atingindo essa ordenação no seu conjunto ou nos ramos particulares, como
pressuposto necessário da capacidade do Estado para realizar suas tarefas
econômicas.182
O desenvolvimento das organizações criminosas, por uma parte, e dos
instrumentos monetários eletrônicos, por outra, mudou o panorama da lavagem de
dinheiro. A globalização da economia aumentou significativamente com o
desenvolvimento dos mercados e com a redução dos controles nas fronteiras, e este
179 Nesse sentido cfr. entre outros: CERVINI, Raúl; GOMES, Luiz Flávio ; OLIVEIRA, William Terra. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo, op. Cit. p. 321-323; VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. A lavagem ou ocultação de dinheiro e de outros bens e a atividade empresarial. RDM, n. 113, jan-mar, 1999, p.81; SOUZA NETO, José Laurindo de. Lavagem de Dinheiro: comentários à Lei 9.613/1998. Curitiba: Juruá, 1999, p. 99; PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 77. 180 MARTINELLI, João Paulo Orsini. O bem jurídico tutelado pela lei de lavagem de capitais. Op. Cit., p. 56. 181 SLAIBI FILHO, Nagib. Anotações à constituição de 1988 – aspectos fundamentais. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1989, p.383. 182 Eb. Schmidt apud. COSTA ANDRADE, Manuel da. A nova lei dos crimes contra a economia (dec.-Lei nº 28/84, de 20 de janeiro) `a luz do conceito de” bem jurídico”.Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 395.
66
processo de globalização beneficia as organizações criminosas que desenvolvem
mecanismos de lavagem que lhes permitem injetar rápida e discretamente nos
mercados mundiais o capital que resulta de atividades ilícitas. Neste contexto, o
dinheiro em processo de lavagem gera movimentos rápidos de capital e, portanto,
participa nos movimentos especulativos. O processo de globalização é aproveitado
pela empresa criminosa que mediante a diversidade de técnicas pode dissimular as
manobras tendentes à lavagem de ativos.183
É importante considerar que a lavagem de dinheiro pode potencialmente
impor custos à economia mundial, por ter capacidade de prejudicar as operações
econômicas dos países corrompendo o sistema financeiro e reduzindo a
credibilidade no complexo financeiro internacional, causando a instabilidade do
sistema e por conseqüência reduzindo a taxa de crescimento da economia
mundial.184
Também se constatou que a lavagem de capitais gera a perda da confiança
no mercado, pois investidores estrangeiros tendem a evitar investir em mercados
associados à lavagem de dinheiro e à corrupção.185
Para a ampliação de suas atividades delitivas e a conseqüente consolidação
de sua estrutura organizacional, a criminalidade organizada acaba por participar na
econômica legal, através de operações financeiras e da constituição de entidades e
empresas destinadas a receber fluxo de capitais, que passarão a ser utilizados em
atividades de comércio, indústria, agenciamento ou intermediação. Esse
financiamento ilegal acaba por contaminar a normalidade do contexto econômico,
pois produz uma situação de intensa desigualdade entre investidores lícitos e
183 FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo. El delito de lanqueo de capitales. Madrid: Colex, 1998, p. 220. 184 Disponível em www.cicad.org, El delito de lavado de activos como delito autônomo.22/08/2005 185 PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente. São Paulo: RT, 2003, p. 80.
67
aqueles que buscam sua força em capitais de origem ignorada. 186 É criada uma
competição desleal e um profundo desconhecimento da realidade do mercado, o
que, ao final, irá produzir um nefasto efeito sobre as bases da economia,
comprometendo a estabilidade econômica e a normalidade política que dela
deriva.187
Um claro exemplo do impacto que a lavagem de capitais produz sobre a
concorrência entre empresas nos oferece a doutrina italiana: se dois bancos locais
operam na mesma cidade, aquele que permitir usar sua organização para branquear
dinheiro desfrutará de maior fluxo monetário e poderá empregar as comissões
obtidas através do capital ilícito, para reduzir os custos de outras prestações,
enquanto a entidade financeira que tenha especial cuidado em não ser utilizada para
operações de lavagem, corre o risco de oferecer serviços com valores menos
atrativos do que a do banco concorrente.188
Afirma-se que a presença de organizações delitivas desanima os planos dos
investidores que pretendem incorporar capitais legais em qualquer setor da
economia. Por conseqüência, quanto maior foi a incorporação de capitais ilegais,
maior será o estado de corrupção da política189, da economia e das instituições
administrativas.190
186 GOMES, Luiz Flavio; OLIVEIRA, William Terra de; CERVINI, Raúl. Lei de Lavagem de Capitais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 321. 187 Neste sentido Díez Ripollés sutenta que as organizações criminosas levam a cabo atuações de monopólio e oligopólio, as quais repercutem em todos os setores da livre concorrência, desde os mecanismos de formação ou determinação de preço ata a salvaguarda dos direitos dos consumidores. DÍEZ RIPOLLÉS, J, Alternativas a la actual legislación sobre drogas. Valencia:: Tirant lo Blanch, 1993,p. 392. 188 UBERTAZZI, L. Riciclaggio e concorrenza sleale. Apud SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional.op. cit., p. 329. 189Conforme salienta Eduardo Araújo da Silva, o crime organizado apresenta um alto poder de corrupção em virtude da acumulação de riquezas que se direcionam às várias instâncias formais de controle, bem como aos integrantes das altas esferas do Poder Executivo, aos responsáveis pelos processos legislativos, com a finalidade de paralisar qualquer medida limitadora de suas atividades. Dois fatores favorecem o crime organizado e, via de conseqüência, a corrupção se alastra nos países fragilizados por suas atuações. O primeiro é a forma de organização empresarial com emprego de técnicas avançadas de atuação, pois estas funções são distribuídas de acordo com os sistemas jurídicos dos diversos países. O segundo é que o crime organizado tem uma atividade que dificulta a percepção da fronteira entre ilegalidade e a sociedade,
68
Um dos maiores perigos para os países em desenvolvimento é aceitar fundos
para “beneficiar” sua economia, sem ter em conta a possível origem ilegal destes.
Desta forma se permite que o crime organizado comece a penetrar em seu sistema
bancário e legal. Com isso, estes grupos organizados podem infiltrar-se nas
instituições financeiras, adquirir o controle destas e posteriormente de setores da
economia, tudo isso muitas vezes com o suborno de servidores públicos. Em última
instância, o poder econômico e político das organizações criminosas podem debilitar
as instituições democráticas de governo.191
Em tese defendida na Unicamp, Gerson Luis Romantini192 aponta as
inúmeras conseqüências negativas causadas pela lavagem de dinheiro, tanto na
economia nacional como na mundial. O autor afirma, entre outros aspectos, que a
transparência e a saúde dos mercados financeiros são elemento-chave para um
bom funcionamento das economias, que, no entanto, podem ser negativamente
afetados pela injeção de dinheiro ilícito, resultante da lavagem de dinheiro. Afirma
ainda, que esse dinheiro de origem ilícita pode ser usado para corromper pessoas
que tomam decisões sobre o funcionamento do mercado financeiro dos países, e
com isso a credibilidade perante o público, tão necessária para o funcionamento das
instituições financeiras, pode ser rapidamente perdida.
A propósito, o FMI – Fundo Monetário Internacional – resumiu o potencial
impacto macroeconômico da lavagem de dinheiro, como podendo dar lugar a: a)
variações na demanda monetária que aparentemente não guardam relação com os
confundindo as vítimas e responsáveis, dificultando as investigações criminais. Acrescente-se a estes fatores um fato incontestável, no mundo globalizado, que é a velocidade com que se transferem valores, por meio de técnicas informáticas, sociedades fictícias e contas correntes secretas, fora de investigações. ARAUJO DA SILVA, José. Crime Organizado. São Paulo: Atlas, 2003, p. 28. 190 PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente. São Paulo: RT, 2003, p. 85. 191 Cfr. BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Op. Cit., p.198; ARÁNGUEZ SÁNCHEZ, Carlos. El delito de blanqueo de capitales. Madrid, Marcial Pons, 2000, p. 100. 192 ROMANTINI, Gerson Luis. Odesnvolvimento institucional do combate à lavagem de dinheiro no Brasil desde a Lei 9613/98. Campinas – Unicamp, 2003, p. 42 e ss.
69
câmbios observados nas variáveis econômicas; b) volatilidade dos juros e do câmbio
como causa das transferências transfronteiriças inesperadas de fundos; c) maior
instabilidade dos passivos e maiores riscos para a valoração dos ativos das
entidades financeiras, o que origina um risco sistêmico para a estabilidade do setor
financeiro e a evolução monetária em geral; d) efeitos adversos sobre a arrecadação
tributária e a dotação de recursos públicos devido ao falseamento dos dados sobre a
renda e a riqueza; e) efeito de contágio sobre as transações legais devido ao temor
dos interessados por um possível envolvimento delitivo.193
Tais constatações levam a identificar a violação a valores resguardados pela
Constituição Federal, artigo 170, IV e V, os quais vão conferir substância aos bens
jurídicos, protegidos pelo tipo de lavagem de dinheiro.
Diante do exposto, percebe-se que não é sem motivos que documentos
internacionais fazem alusão às más conseqüências oriundas da lavagem de capitais
à economia de vários países e ao sistema financeiro mundial. A Convenção de
Viena dispõe que as altas somas de dinheiro oriundos do narcotráfico permitem a
criminalidade organizada invadir, contaminar e corromper as atividades comerciais e
financeiras lícitas; também o Grupo de Ação Financeira assinala na terceira parte de
suas recomendações, a necessidade de conter a lavagem de dinheiro para proteger
o funcionamento do sistema financeiro, tanto nacional como internacional, e ainda,
na mesma linha a Diretiva 91/308 da Comunidade Européia, adverte que usar
entidades creditícias e instituições financeiras para fins de branqueio causa um sério
perigo para solidez e estabilidade destas instituições, assim como para credibilidade
do sistema financeiro, ocasionando com isso a perda de confiança do público.194
193 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitalse. Op. Cit., p.198 194 SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional.op. cit., p. 340.
70
Alguns autores, criticando essa corrente que define o bem jurídico tutelado
pelo delito de lavagem como sendo a ordem socioeconômica, afirmam que a
utilização dos recursos econômicos obtidos de forma ilegal, longe de ser maléfico,
constitui mola propulsora de determinadas economias195, podendo inclusive em
alguns momentos trazer benesses à sociedade196.
Contudo, quem examina os danos causados à economia nos países
dominados por essas práticas delitivas, como por exemplo, a Colômbia197, verifica
que as organizações criminosas chegaram a tal proporção, que contrastam com a
soberania do Estado.198
Outros doutrinadores199 sustentam que um dos benefícios gerados pela
circulação do dinheiro ilegal seria o pagamento de tributos, porém o cumprimento
das obrigações fiscais, na lavagem de dinheiro, dá-se, exclusivamente, em função
da necessidade de disfarçar a ilicitude, não chamando a atenção das autoridades
públicas quanto ás operações realizadas200. Sendo assim, a perspectiva das
195 Alguns autores afirmam que a lavagem pode ser benéfica para ordem socioeconômica dos paraísos fiscais, cujas variáveis econômicas dependem de um setor financeiro que “fecha os olhos” para origem dos bens. Cfr. DEL CARPIO DELGADO, Joana. El delito de blanqueo de bienes em el nuevo código Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1997, p. 79 e 80. VIDALES RODRÍGUEZ, C. Los delitos socioeconômicos em el Código Penal de 1995: la necesidad de su delimitación frente a los delitos patrimoniales em EPC, nº XXI, 1998, p.26. 196 É a opinião de Podval : “ ...Em muitos casos a entrada de dinheiro da economia informal (negra) na economia formal pode trazer inúmeros benefícios, seja para ordem social, seja para ordem econômica. Não fosse questões de cunho absolutamente moral, não se haveria como negar que a entrada de capital que estava fora da economia permite, de imediato, ao Estado obter, sobre esta capital, os impostos, o que socialmente é benéfico”. PODVAL, Roberto. O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, nº 24, ano 6, 1998, p. 212. 197 Cfr. RIVERA LLANO, Abelardo. Colômbia, dentro do labirinto da violência.- O narcotráfico e a marginalização – repressão ou prevenção?Alternativas. RBCC, n.1, jan.mar.1993. São Paulo: RT, 1993, p.7-15. 198 Cfr. RIVERA LLANO, Abelardo. Colômbia, dentro do labirinto da violência, 199 Cfr. . BAJO FERNÀNDEZ, Miguel. Derecho Penal Economico, Proteción Penal y Cuestiones Político Criminales, en Hacia un Derecho Penal Europeo – Jornadas en Honor del Profesor Klaus Tiedemann. Madrid: Boletín Oficial del Estado, Serie Derecho Publico, nº4, 1995, p. 74 – 76; SUÁREZ GONZÁLEZ. Blanqueo de capitales y merecimIento de pena: consideraciones críticas a la luz de la legislación española. Revista Chilena de Derecho. Facultad de Derecho de la Pontifica Universidad Católica de Chile, vol. 22, n. 2, mayo – agosto de 1995, p.239-241. 200 Geralmente, para a lavagem de dinheiro, os proprietários declaram uma receita muito superior à que foi, efetivamente, obtida sem que haja a possibilidade de ser verificada a veracidade da declaração, ainda mais se for lembrada a satisfação do fisco tão somente com o recolhimento do tributo.
71
imaginadas vantagens tributárias constitui eufemismo; afinal, expressa atenuação
quanto à gravidade da lavagem de dinheiro, cuja nocividade social resta evidente201.
Enfim, outra crítica que se faz sobre o bem jurídico ordem econômica é que
tal expressão teria significado muito aberto, fazendo com que desapareça a função
de filtro legitimador e deslegitimador da intervenção penal202, o que geraria
insegurança jurídica.
Para sustentar tal posição, utilizam as mesmas argumentações que negam o
crime econômico e o Direito Penal Econômico, criando barreiras na aferição dos
bens jurídicos a eles inerentes.203
No entanto, deve-se entender a expressão “ordem econômica” como o
conjunto de normas da Constituição dirigente, voltado à conformação da ordem
econômica204. A ordem econômica constitui a referência constitucional de valores
essenciais (livre-iniciativa, propriedade, proteção ao consumidor, etc), que sofrem
violações, em determinadas circunstâncias graves, tornando-se merecedores da
atuação da lei penal.
201 PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro, op. Cit., p.91. 202 PODVAL, Roberto. O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, nº 24, ano 6, 1998, p. 212. 203 PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro, op. Cit., p.91. 204 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 2.ed. São Paulo: RT, 1991, p. 91.
72
6.2.4 Pluralidade de bens.
Parte da doutrina205 sustenta que o delito de lavagem tem natureza
pluriofensiva, pois a conduta de lavar dinheiro não prejudica somente a ordem
socioeconômica, mas também o funcionamento da administração da justiça.206
Ainda sustentando esta posição, alguns autores asseveram que os capitais
decorrentes do crime organizado, ao inserir-se nos circuitos econômicos lícitos,
põem em perigo a própria soberania do Estado. Por isso consideram que o bem
jurídico tutelado é plural. Seria a lei de lavagem um instrumento de persecução
sobre fatos que atingem diversos interesses da sociedade, e todos esses interesses
são importantes que merecem a tutela penal por meio do delito de lavagem de
capitais.207
Todavia, critica-se esta corrente, uma vez que a opção pela pluralidade de
bens jurídicos seria uma “válvula de escape” diante da dificuldade de legitimar um
único bem jurídico.208
Sustenta-se, por fim, que é preferível definir um único interesse que cumpra a
missão de justificar a intervenção penal, pois a mescla de objetos heterogêneos de
proteção podem gerar insegurança jurídica.209
205 Encontramos também na doutrina estrangeira, principalmente italiana e espanhola, vários autores que seguem esta corrente afirmando que os bens protegidos no crime de branqueio são a ordem socioeconômica e a administração da justiça entre eles: CORNETA, SEMINARA, BLANCO LOZANO, VIDALES RODRÍGUEZ. 206 Esta corrente doutrinal teve origem na Alemanha, encabeçada por LAMPE que observou que com a incriminação do branqueio se protege, junta a circulação financeira e legal, a administração da justiça estatal em sua tarefa de reparação e salvaguarda da comunidade frente ao delito. SOUTO, Miguel Abel. El blanqueo en la normativa internacional. op. cit., p. 357. 207 MARTINELLI, João Paulo Orsini. O bem jurídico tutelado pela lei de lavagem de capitais. Tese apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2007, p. 71. 208 Ibidem. 209 Cfr. ARÁNGUEZ SÁNCHEZ, Carlos. El delito de blanqueo de capitales. Madrid, Marcial Pons, 2000, p. 102.
73
6.2.5. Ausência de bem jurídico
Nos tópicos anteriores analisamos posicionamentos doutrinários que embora
divergentes defendem existir um bem jurídico tutelado pela lei de lavagem de
dinheiro. Neste tópico, em contrapartida, ver-se-á a corrente na qual doutrinadores
afirmam não existir um bem jurídico merecedor de tutela penal na referida lei.210
Para justificar esta posição, asseveram que todas as condutas descritas como
sendo de lavagem de dinheiro, podem encontrar vestimenta típica em outros
dispositivos penais211, tais como a receptação ou favorecimento real. Além disso, o
Estado não pode impor dupla proteção a um mesmo bem jurídico, sob pena de ferir
o princípio do ne bis in idem.212
Alegam, ainda, que sendo o Direito Penal a ultima ratio da política de controle
social, sua intervenção só será legítima quando insuficientes outros meios de abrigo
a bens jurídicos, a serem exercidos por outros ramos do direito. E, no caso
específico da lavagem de dinheiro, bastaria a administração pública213 valer-se do
exercício do poder de polícia das autoridades competentes, já que suficiente para
evitar os possíveis danos que o ingresso de dinheiro, bens ou valores obtidos
ilicitamente e sem controle fiscal pudesse causar no mercado financeiro,
comprometendo a economia do país.214
210 Na doutrina pátria defendem esta corrente: CASTELLAR, João Carlos. Lavagem de Dinheiro - A Questão do Bem Jurídico. Rio de janeiro: Revan, 2004, p.176 e MARTINELLI, João Paulo Orsini. O bem jurídico tutelado pela lei de lavagem de capitais, op. Cit., p. 72-73. 211 Nesse sentido Cfr. SUÁREZ GONZÁLEZ. Blanqueo de capitales y merecimIento de pena: consideraciones críticas a la luz de la legislación española. Revista Chilena de Derecho. Facultad de Derecho de la Pontifica Universidad Católica de Chile, vol. 22, n. 2, mayo – agosto de 1995, p.239-241. 212 MARTINELLI, João Paulo Orsini. O bem jurídico tutelado pela lei de lavagem de capitais. Op. Cit., p. 72. 213 No Brasil os órgãos da administração pública que exercem o controle e a fiscalização das operações financeiras e do mercado de capitais são: Banco Central do Brasil; Comissão de Valores Imobiliários (CVM); Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). 214 GODINHO, Jorge Alexandre Fernandes. Do crime de “Branqueamento”de Capitais – Introdução e Tipicidade. Coimbra: Livraria Almedina, 2001, p. 149.
74
Finalmente, por uma ótica de ponderação de interesses, se discute a
necessidade de tipificar a lavagem de dinheiro, considerando que as vantagens da
referida incriminação poderiam ser inferiores aos prejuízos acarretados: menor
autonomia das partes nas transações financeiras, lesão à intimidade pessoal,
vulneração da privacidade das transações financeiras, assim como o regime
sancionador.215
215 FABIÁN CAPARRÓS, Eduardo. El delito de lanqueo de capitales. Madrid: Colex, 1998, p. 220.
75
7. Tipo Objetivo e Crime Antecedente
7.1. Do objeto material do Crime de lavagem de dinh eiro O artigo 1º da Lei 9613/98 traz três formas básicas de cometimento do
crime: ocultar ou dissimular bens de proveniência criminosa (art.1º caput); converter,
adquirir ou transferir tais bens, com fim de oculta-los ou dissimulá-los (art.1º, § 1º, I,II
e III) e utilização de bens, na atividade financeira, sabidamente ilícitos (art.1º,§2º,I e
II).
Essas condutas delituosas recaem sobre “bens, direitos ou valores”, que são
reconhecidos como objeto material da infração penal.
Como percebemos o legislador penal não faz menção expressa ao “dinheiro”,
configurando-se o objeto material de maneira mais ampla, estando o dinheiro
incluído na expressão bens e na projeção econômica financeira dos conceitos de
direitos e valores.
A própria Convenção de Viena fornece uma espécie de interpretação
autêntica desses objetos materiais: “por bens se entendem os ativos de qualquer
tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os
documentos ou instrumentos legais que confirmam a propriedade ou outros direitos
sobre os ativos em questão”.
Na realidade já bastaria a utilização da expressão “bens”, que por sua
amplitude, abarcaria “direitos e valores”. O que o legislador pátrio provavelmente
pretendeu foi enfatizar a abrangência e o alcance do objeto substancial, deixando
claro que todo e qualquer produto, direta ou indiretamente resultante das atividades
76
ilícitas previstas e ligadas às noções de bens, direitos e valores, pode caracterizar a
prática da infração penal.216
Sendo “bens” elemento normativo217 do tipo para que sua aplicação não
vulnere o princípio da legalidade em seu corolário taxatividade, é primordial que sua
interpretação observe estritamente o conteúdo jurídico tradicionalmente atribuído em
nosso ordenamento jurídico.
Vale ressaltar que não são todos os bens aptos a serem objeto da conduta
típica em análise, pois a lei, de forma expressa, assentou a necessidade de lhes
reconhecer a proveniência ilícita, ou seja, trata-se exclusivamente dos bens
oriundos, direta ou indiretamente, de infração penal. Isto é: só podem ser objeto da
lavagem produto ou proveito de infrações penais anteriores.218
Outro ponto a considerar é que nem todo comportamento econômico do
agente criminoso que dá causa a proveito da infração penal anterior, constitui o
delito de lavagem. Posterior á consumação da infração penal pode ser post factum
não punível, mero exaurimento, representando a obtenção do resultado pelo agente.
É a hipótese do agente que compra bem imóvel, depois de obter vantagem indevida,
mediante, por exemplo, a prática de corrupção passiva, registrando a propriedade no
próprio nome e residindo no local. Impossível vislumbrar o enquadramento do fato á
previsão do artigo 1º da Lei 9.613/98, por razões objetivas ou subjetivas,
evidentes.219
216 MAIA, Carlos Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro – Lavagem de ativos provenientes de crime. São Paulo: Editora Malheiros, 1999, 1ªedição. 217 Há certo risco no abuso de elementos normativos e na liberdade de interpretá-los, motivo pelo qual se lhes deve encontrar o significado, mais restrito, sempre a contar da própria ordenação jurídica. Sobre este tema: BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. Tradução: P.J. da Costa Jr. E A. Silva Franco. 2ªed. São Paulo:RT, 1977. 218 CALLEGARI, André Luis. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Revista brasileira de ciências criminais, nº31, ano 8, 2000, p.187-188. 219 PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 108.
77
Será necessário distinguir as condutas voltadas a conseguir proveito do crime
daquelas destinadas a ocultar e dissimular a origem ilícita dos bens, pois, muito
embora o produto de lavagem de capitais seja proveniente do crime antecedente,
nem todo comportamento econômico do delinqüente que dá causa a proveito da
infração penal, anterior constitui crime de lavagem de dinheiro.220
220 Ibidem, p. 109.
78
7.2. Do Crime antecedente
7.2.1 Tipos de crimes antecedentes na Lei 9.613/98 (com as alterações das leis 10.467/2002 e 10.701/2003) No crime de lavagem de dinheiro, prevista no artigo 1º, caput da Lei 9.613/98,
o substantivo crime faz parte da descrição do fato típico, logo podemos concluir que
a técnica legislativa adotada tornou o crime antecedente elementar do tipo221, por
isso sua ausência exclui a configuração típica.222
E não é qualquer crime que vai ensejar a proveniência ilícita, posto que o
legislador brasileiro limitou o rol de crimes antecedentes à lavagem de dinheiro,
embora existam verdadeiros numerus clausus de delitos anteriores ( art. 1º da lei
9.613/98).223 Constam no rol da das infrações prévias os delitos de tráfico ilícito de
entorpecentes ou drogas afins, terrorismo e seu financiamento224; de contrabando ou
tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção; extorsão
mediante seqüestro; os crimes contra a Administração Pública, inclusive a exigência,
para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como
condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; os delitos
contra o sistema financeiro nacional; os praticados por organização criminosa e
aqueles cometidos por particular contra a Administração Pública estrangeira225.
Essa opção legislativa de limitar o rol dos delitos prévios vem sendo criticada
por muitos autores, que alegam: a) não ter previsto infrações que usualmente dão
221 D’AVILA, Fabio Roberto. A certeza do crime antecedente como elementar do tipo nos crimes de lavagem de capitais. Em Boletim IBCCRIM, ano 7, n º 79, 1999, p.3-4. 222 É a posição majoritária adotada entre entre eles: � D’AVILA, Fabio Roberto. A certeza do crime antecedente como elementar do tipo nos crimes de lavagem de capitais. Op. Cit.p.3-4; � PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 108; BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edílson Mougenot. Lavagem de dinheiro. Op. Cit. p. 53-56; BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlatas.Op. cit. p. 93-96; BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Op. Cit., p.234-236. 223BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlatas.Op. cit. p. 93-96; 224 Redação dada pela Lei 10.701 de 9.7.2003. 225 Artigos 337-B, 337-C e 337-D, incluídos pela lei 10.467, de 11.6.2002.
79
ensejo à lavagem de capitais, como a sonegação fiscal e a contravenção por jogo do
bicho; b) que o estabelecimento de um rol taxativo dificulta a repressão da lavagem,
pois muitas vezes o dinheiro lavado é proveniente de outros delitos não catalogados;
c) ao deixar de estabelecer uma forma mais ampla e genérica de crimes
antecedentes, o legislador se vê obrigado a manter uma extraordinária atenção
sobre novos acontecimentos delitivos, pois o surgimento de novas formas de
criminalidade irá obrigar a ampliação e a atualização do rol estabelecido nos incisos
I a VII do art. 1º da referida lei.226
No direito comparado prevalece a orientação de que a lavagem de capitais
incide sobre bens originados de um delito prévio. No entanto a técnica para eleger
quais serão esses delitos podem variar em cada país. A doutrina identificou a
existência de dois modelos para classificar os delitos prévios: por um lado, está um
modelo de um catálogo que restringe a abrangência a alguns delitos indicados e, por
outro, o modelo mais amplo consistente em indicar uma categoria específica de
delitos ou abranger todos os delitos, sem delimitação. 227
Muitos países optaram por não estabelecer um rol especifico, preferindo
apenas exigir que a lavagem de dinheiro esteja relacionada com delitos
considerados graves228. São exemplos destas nações: a Alemanha, Áustria, Bélgica,
Espanha, Irlanda, Holanda, Itália, Reino Unido, Suécia. A França abre esta
possibilidade para qualquer crime ou delito, não condicionado à gravidade. 229
226 É a posição sustentada por: William Terra. Lei de Lavagem de Capitais. Op. Cit. p.332-333; CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Crimes antecedentes e lavagem de dinheiro, em RBCCRIM, nº 47, março-abril de 2004, p. 49; BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edílson Mougenot. Lavagem de dinheiro. Op. Cit. p. 53-56. 227 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Op. Cit., p.225. 228 As legislações penais destes países costumam definir quais são os delitos graves estabelecendo os parâmetros de pena dentro dos quais se encaixam. TERRA, William de Oliveira. Lei de Lavagem de Capitais. Op. Cit. p. 332. 229 MAIA, Carlos Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro – Lavagem de ativos provenientes de crime. Op. Cit. p. 69; BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Op. Cit., p. 224-226.
80
Seguindo a mesma linha adotada pela legislação brasileira, ou seja,
enumerando um rol taxativo de crimes antecedentes, encontra-se a legislação
portuguesa, que considera como delitos prévios à lavagem: o trafico de
entorpecentes, terrorismo, trafico de armas, extorsão de fundos, rapto, lenocínio e
corrupção.230
Vale ressaltar que, embora a lei brasileira tenha optado por estabelecer um rol
taxativo de infrações, ao incluir entre estas todo crime praticado por organização
criminosa (art. 1º, inciso VII da Lei 9.613/98), acabou ampliando este rol.
Com isso verificamos que a inabilidade do legislador criou uma situação
absurda, isto é, qualquer que seja o crime antecede poderá ser apto a gerar a
punição por lavagem, bastando para tanto que tenha sido praticado por organização
criminosa.
Esta má técnica legislativa ampliou demasiadamente o tipo, incidindo no
mesmo erro das legislações estrangeiras que não definiram delitos antecedentes
específicos, considerando como tais qualquer tipo de infração. Nem toda ação
delitiva de uma organização criminosa equivale à lavagem de dinheiro. Ademais, o
legislador não define o que se entende por organização criminosa. 231
O simples fato de a infração penal acarretar produto ou proveito econômico
não significa que deva incluir-se entre os crimes antecedentes, importa identificar-lhe
especial lesividade, conciliável ou superior àquela auferida pelo bem jurídico de
lavagem de capitais. Além disso, o princípio da taxatividade estabelece a elaboração
230 MAIA, Carlos Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro – Lavagem de ativos provenientes de crime. Op. Cit. p. 69. 231 Vide item 4.1.1 supra.
81
de números clausus quanto aos delitos prévios, pois a falta de delimitação resulta
interpretações amplas e imprecisas.232
7.2.2 O problema da acessoriedade em relação ao del ito de lavagem de capitais.
Conforme já ressaltado, o crime de lavagem de capitais, necessariamente
decorre de uma prática ilícita anterior, sendo que no caso brasileiro essas condutas
ilícitas estão taxativamente elencadas no artigo 1º incisos I a VII da lei 9613/98, isso
é, somente ocorrerá o crime de lavagem, se anteriormente ocorrer uma conduta
criminosa, razão pela qual afirma-se o caráter subsidiário ou acessório233 do
branqueamento.234
No entanto, essa acessoriedade do crime de lavagem em relação ao delito
prévio é limitada, uma vez que basta que o fato anterior seja típico e antijurídico, não
se exigindo que o mesmo seja culpável. Portanto, empregam-se as mesmas
conclusões que decorrem do princípio da acessoriedade limitada, desenvolvido para
se determinar a responsabilidade do partícipe235: é necessário que o autor tenha
cometido um fato típico e antijurídico.236
232PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 96-97. 233 Essa é a posição majoritária entre os doutrinadores nacionais e estrangeiros, no entanto, sustentado posição diversa entre autores brasileiros : William Terra sustentando que o crime de lavagem é um delito autônomo, e não meramente acessório a crimes anteriores, por possuir estrutura típica independente, pena específica, conteúdo de culpabilidade própria e por não constituir uma forma de participação post-delectum. No mesmo sentido entre os doutrinadores espanhóis Gómez Iniesta. 234 Cf. SANTIAGO, Rodrigo. O Branqueamento de capitais e outros produtos do crime, em Revista portuguesa de ciências criminais, ano 4, fasc. 4, outubro-dezembro, 1994; PODVAL, Roberto. Lavagem de dinheiro (lei 9.613/98), em Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial, vol. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002 p. 2100 e ss. 235 PIERANGELLI, José Henrique. Escritos jurídicos penais. São Paulo:RT, 1992, p.62. 236 CALLEGARI, André Luis. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Op. Cit. p.188.
82
Essa classe de acessoriedade é a que se pode depreender do art.2º § 1º, da
Lei 9613/98, que dispõe “serão punidos os fatos previstos nesta lei, ainda
desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime”.237
Podemos concluir que o legislador deixou firmada a irrelevância da
reprovação do sujeito ativo do crime anterior, para a configuração do crime de
lavagem de capitais. O desconhecimento, quanto a autoria, somente impede a
aplicação da pena do delito prévio. E a expressão isento de pena significa exclusão
da culpabilidade, subsistindo o injusto.238
Insiste-se, sem embargo, que se houver exclusão da tipicidade ou se
estiverem presentes quaisquer das causas de exclusão da ilicitude do delito prévio,
não será possível sancionar as condutas de lavagem de dinheiro.
Situação diversa ocorre com as causas excludentes de culpabilidade, legais
ou supralegais, pois ainda que reconhecidas no crime antecedente, estas não
interferem na configuração do delito de lavagem de dinheiro.239 O mesmo sucede
com as causas extintivas da punibilidade240, com as escusas absolutórias e as
imunidades pessoais.241
237 Ibidem. 238 238 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Op. Cit., p.234-240. 239 No mesmo sentido o artigo 180, § 4º, que dispõe que “a receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa”. 240 Com exceção da anistia e da abolitio criminis, que diferenciam-se das demais causas extintivas da punibilidade, por afetarem a própria tipicidade do crime anterior. PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 122. 241 Neste sentido: BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Op. Cit., p.234-236; . PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 121-122; CALLEGARI, André Luis. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Op. Cit. p.188.
83
7.2.3. Crime antecedente cometido no estrangeiro. Devido à afirmada transnacionalidade242 da lavagem de capitais, muitas vezes
a reciclagem dos bens é freqüentemente realizada em um país distinto daquele onde
ocorreu o delito prévio. 243
Desta constatação, surgem inúmeras dificuldades considerando os casos em
que o crime antecedente foi praticado no exterior e a lavagem de dinheiro cometida
em território brasileiro.244
O art. 2º, II, da Lei 9.613/98, estabelece a independência do processo e
julgamento do crime antecedente pela jurisdição estrangeira, no entanto, não exclui
a exigência de reconhecer, na apuração do crime de lavagem, a existência material
do crime prévio ocorrido no exterior.
Indagam-se que critérios devem ser analisados, para se definir se a conduta
praticada no estrangeiro constitui crime antecedente apto a ser objeto do crime de
lavagem no Brasil e se crime antecedente deve estar tipificado em ambos os países
de forma similar.
Para solucionar essas questões, prevalece na doutrina o entendimento de
que o crime antecedente deve estar tipificado tanto no país estrangeiro de sua
realização, quanto no país em que se realizou a lavagem, v.g., Brasil, ainda que
tenha diferente nomen iuris, classificação ou pena. Aplica-se o princípio da dupla
incriminação, previsto no artigo 7º, § 2º, “b”, do Código Penal brasileiro, também
exigido para fins de extradição. É imperativo, portanto, que o fato prévio esteja
tipificado também no país onde ocorreu, sob pena de se punir um crime de lavagem
242 Vide itens 3.1 e 3.2 supra. 243 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Op. Cit., p.244-249. 244 CALLEGARI, André Luis. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Op. Cit. p.195.
84
cujos bens ou valores procedam de uma conduta lícita.245 E, com base no princípio
da acessoriedade limitada, sustentada anteriormente246, é suficiente que o delito
prévio praticado no exterior seja típico e antijurídico em ambas as legislações, sendo
indiferente se concorrem ou não causas de exclusão da culpabilidade ou da
punibilidade.247
7.2.4. A problemática da prova do delito prévio Nos capítulos anteriores tivemos a oportunidade de esclarecer que a Lei
9.613/98, estabeleceu o que a doutrina denomina de tipo deferido, ou seja, a
configuração do crime de lavagem fica condicionada a existência de um delito
antecedente, in casu, previamente restrito àqueles elencados no artigo 1º, em seus
incisos I a VII.
No entanto, observamos que a doutrina se divide ao comentar a relação entre
estes dois preceitos: o tipo penal deferido e o tipo penal antecedente. Segundo
alguns autores, por ser o crime de lavagem um delito autônomo, não estaria
condicionado ao processo ou julgamento do crime antecedente, exigindo para a
subsunção típica do crime de lavagem, apenas a constatação de sérios indícios da
existência do crime antecedente248. Outros autores entendem que haveria
necessidade de certeza da ocorrência do crime anterior, para condenação por
245 PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 123-124; DEL CARPIO DELGADO, Joana. El delito de blanqueo de bienes em el nuevo código Penal. Op. Cit. p. 150. 246 Vide capitulo 7.2.2 supra. 247 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. Op. Cit., p.244-249. 248 GOMES, Luiz Flavio; OLIVEIRA, William terra de; CERVINI, Raúl. Lei de Lavagem de capitais. Op. Cit. p. 333, 334 e 356.
85
suposta lavagem, pois a incerteza do crime prévio acarretaria a incerteza quanto a
um dos elementos do tipo, impossibilitando, assim, a sua adequação legal. 249
Acreditamos ser correta a segunda posição, pois a técnica legislativa adotada
tornou o crime antecedente elementar do tipo previsto no artigo 1º da lei de lavagem,
condicionando-o a sua verificação250. A certeza jurídica, quanto à existência do fato
anterior permite deduzir que a lavagem de capitais possa ter ocorrido. Mas, um fato
que revela, por via indireta, o crime antecedente não tem o condão de verificar a
ocorrência da lavagem de dinheiro.
Consideramos que meros indícios da ocorrência do crime anterior são
insuficientes para justificar uma condenação por lavagem de capitais. O legislador
condicionou a subsunção do delito de lavagem à existência de um “crime”
antecedente, e considera-se crime, por sua vez, toda ação ou omissão que atenda,
no mínimo, aos elementos de tipicidade e antijuridicidade, não se exigindo a
culpabilidade por disposição expressa na Lei de Lavagem (artigo 1º, § 1º). 251
Assim, no caso de reconhecer-se, em relação ao delito prévio, a ausência de
tipo subjetivo ou ocorrência de alguma causa excludente da tipicidade ou da
antijuridicidade, acarretaria a inexistência do crime antecedente e, por conseguinte,
na absoluta impossibilidade de subsunção típica do crime de lavagem, pela ausência
da elementar típica “crime”.
249 D’AVILA, Fabio Roberto. A certeza do crime antecedente como elementar do tipo nos crimes de lavagem de capitais. Op. Cit. p.3-4; PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 128-132; MENEZES, Lino Edmar de. Crime de lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98): reflexões. Boletim dos Procuradores da República, ano 3, n. 32, p. 24, dez. 2000. 250 Nesse sentido: 100.005.2003.009940-0 Apelação Criminal - Paraná/RO (3ª Vara Criminal) Relatora: Desembargadora Zelite Andrade Carneiro - Lavagem de dinheiro. Crime antecedente. O delito de lavagem de dinheiro exige à sua configuração a prova, ou ao menos indícios suficientes, de que os valores advenham da prática de fato típico e antijurídico. 251 Sobre a opção legislativa em não incluir a culpabilidade no crime anterior vide item 8.2 supra
86
Enfim, a consideração de meros “indícios” seria incapaz de elucidar a
ocorrência de uma justificante, o que poderia acarretar o absurdo de se ter uma
lavagem de bens procedentes de uma ação em consonância com o direito. 252
Indícios são elementos de probabilidade, não de certeza, havendo grande
margem para o engano judicial, para o erro, custos que são absolutamente
injustificáveis ou sequer tolerados com base em teorias ou ideologias de justiça.253
7.2.5 Indícios suficientes da existência do crime a ntecedente – considerações em relação ao art. 2º, § 1º, da Lei 9.613/98 Como analisado anteriormente em itens anteriores, a configuração do crime
de lavagem de capitais exige, necessariamente, a ocorrência de um delito
precedente, os quais foram especificados taxativamente no art. 1º da Lei de
Lavagem.
Dentro deste contexto, a lei buscou disciplinar, justamente, a influência do
crime antecedente no momento do oferecimento da inicial acusatória, positivando
uma exigência: indícios suficientes254 da existência do crime antecedente.
Prevista no Capítulo II – Disposições Processuais Especiais – da Lei
9.613/98, assim está redigida a regra do §1º do seu artigo 2º: A denúncia será
instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo
puníveis os fatos previstos nesta lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o
autor daquele crime.
252 PODVAL, Roberto. Lavagem de dinheiro (lei 9.613/98), em Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. Op. Cit. p.2100. 253 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y Razón, Teoria del Garantismo Penal, 2ª. Ed., Madri: Editorial Trotta, 1997, p. 353-381. 254 Tal emprego não é novidade no ordenamento pátrio, podendo se conferir a regra do art. 312 do CPP, que regula os requisitos da prisão preventiva. Este comando ao referir-se a autoria exige indício suficiente.
87
Interpretando o conteúdo do citado artigo, concluímos que além de estar
instruída com elementos probatórios referentes ao ilícito de lavagem, a peça
inaugural deverá vir calcada de indícios da existência do crime antecedente255. Ato
contínuo, ao receber a denúncia o juiz deve fundamentar a sua decisão consignando
estar convencido da ocorrência do crime de lavagem e de sua autoria, bem como,
da existência de indícios256 suficientes da prática do crime antecedente.
Sem que existam sérios indícios da ocorrência do delito prévio a denúncia
não pode ser recebida pelo juiz, e isto por faltar justa causa para o início do
processo257. Um dos principais remédios processuais para evitar acusações
infundadas é a exigência de suporte probatório mínimo, a denominada justa
causa.258
Sérios Indícios, segundo a doutrina, correspondem àqueles plenamente
acreditados e não meras conjecturas ou suspeitas259. Além disso, os indícios devem
ser provados, como é óbvio, por provas lícitas e legalmente obtidas.260
Complementando, basta a demonstração de indícios suficientes da existência
do crime antecedente, sendo dispensável apontar a autoria. Nem mesmo os indícios
desta são cobrados pela lei, por conseguinte a autoria desconhecida ou incerta do
255 “Denúncia – Crime de “lavagem” de dinheiro – Artigo 1º, §1º., Ic.c o §4º da Lei 9.613/98 – Inépcia – Admissibilidade – Vaga narrativa do fato típico – Não individualização das condutas inerentes à transformação do patrimônio ilícito em lícito – ordem concedida” (TJSP – 1ª Cam. Crim. – HC 278.695 – 3 – SP – rel. Dês. Andrade Cavalcanti – j. 22.03.1999 – v.u. – RT, n. 768, p.575). 256 O código de Processo Penal dá a definição de indícios: considera-se indicio a circunstancia conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias (art. 239, CPP) 257 Cfr. GOMES, Luiz Flavio. Lavagem de capitais como expressão do direito penal globalizada. Op. Cit. p. 232. 258 Conforme Afrânio Silva Jardim “ é necessário um suporte probatório mínimo em que se deve lastrear a acusação, tendo em vista que a simples instauração do processo penal já atinge o chamado “status dignitatis” do imputado. ( Direito Processual Penal, 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 54.) 259 Cfr. MONTAÑES PARDO, Miguel Angel. La presunción de inocencia. Madri: Arazandi, 1999, p. 106 e seguintes; ZARAGOZA AGUADO, Javier Alberto. Prevencion y represion del blanqueo de capitales. Madrid, Consejo General del Poder Judicial, 2000, p.292. 260 Segundo Luiz Flávio Gomes “...não são quaisquer indícios vagos, imprecisos ou obscuros que já justificam o surgimento do processo: alei exige “indícios suficientes”, isto é razoáveis, prováveis.” GOMES, Luiz Flavio; OLIVEIRA, William terra de; CERVINI, Raúl. Lei de Lavagem de Capitais. Op. Cit. p. 356.
88
delito prévio não constitui impedimento para o ajuizamento da ação por crime de
lavagem. 261
A irrelevância da confirmação da autoria do crime antecedente, de certa
forma, não é novidade no nosso sistema penal, pois há semelhante disposição
cuidando da punição destinada ao receptador. A receptação é punível, ainda que
desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa (art. 180,
§4º, do CP).
Por fim, importante reafirmar que, para uma sentença condenatória por
lavagem de dinheiro, necessário se faz a formação do convencimento jurisdicional
seguro a respeito da existência do crime, ou seja, necessário se faz a comprovação
da tipicidade e antijuridicidade do crime antecedente262. Nesta etapa do processo, os
indícios, por si só, não dão a necessária sustentação ao juízo condenatório.
A demonstração da ocorrência do delito precedente caracteriza uma questão
prejudicial263 do próprio mérito da ação penal em que se apura a conduta de
lavagem. Desse modo, ao fundamentar a sentença condenatória, o juiz tem o dever
funcional de abordar essa questão, afirmando estar convencido da existência do
crime anterior, apontando as provas dos autos que o levaram a formar essa
convicção. No processo criminal de lavagem não se julga o delito prévio, mas é
indispensável mencionar, de forma expressa, que ele de fato ocorreu. Exige-se que
o juiz forme seu convencimento, embasado na prova segura da existência do crime
261 BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlata. Op. Cit. p. 222. 262 Vide item 7.2.2 supra. 263 O artigo 2º, II, da Lei 9.613/98 disciplina a separação dos processos (delito prévio e delito de lavagem), no entanto ela deve ser interpretada com cautela, pois a reunião de processos pode ser determinada, sempre que as circunstâncias do caso concreto afastem a ocorrência de prejuízos para persecutio in judicio. Enfim, as regras de fixação de competência pela conexão ou continência do CPP, não foram derrogadas pela lei 9.613/98, podendo ser aplicadas aos processos de lavagem, desde que inexistam óbices e prejuízos. Neste sentido cfr. PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 125-128; , Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro. Op. Cit. p.120.
89
precedente que poderá ser efetivada no próprio processo de lavagem ou em outro,
em que se apure o crime antecedente. 264
Antes da sentença final, não podem existir dúvidas quanto à existência do
crime básico. Enfim, não deve restar incerteza sobre a existência de um fato típico e
antijurídico antecedente. Na dúvida, a solução do processo criminal atenderá à
máxima in dúbio pro réu, absolvendo-se o imputado por falta de provas.
264 Cfr. BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlata. Op. Cit. p. 224; CALLEGARI, André Luis. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Op. Cit. p. 87-100.
90
8. Tipo Subjetivo
8.1 Lavagem de Dinheiro: tipo doloso Desde logo, cumpre ressaltar que a Lei 9.613/1998 contém, tão somente,
tipos dolosos, posto que o legislador brasileiro não previu a modalidade culposa265.
O Código Penal brasileiro adotou a regra da excepcionalidade do crime culposo (art.
18 do CP), somente podendo-se falar em crime culposo quando houver previsão
expressa na lei nesse sentido. 266
Ainda no âmbito do tipo subjetivo, discute-se sobre a compatibilidade do dolo
eventual267 e a lavagem de dinheiro, prevalecendo a posição268 da incompatibilidade
dessa forma de dolo ao delito de lavagem.269
O fundamento de tal negativa seria que a intencionalidade de ocultar ou
dissimular não dá abrigo à assunção de risco, ao contrário, exige ação com
conhecimento prévio do crime antecedente, conduzida a partir da decisão de
alcançar o resultado típico. 270
265 A Convenção de Estrasburgo facultou às partes a tipificação em seus ordenamentos da lavagem de dinheiro culposa, em casos onde o sujeito ativo deveria ter presumido que os bens eram produtos de um delito (artigo 6.3). O atual Código Penal da Espanha prevê a lavagem de dinheiro culposa (art. 301.3) realizada por imprudência grave. O Código Penal alemão, também penaliza a lavagem de dinheiro imprudente (§261 § 5 StGB), assim como o da Bélgica e o da Itália. 266 BITENCOURT, CEZAR Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral, volume1, 11ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 278-290 267 O dolo eventual, conceituado por PHILIPPS, ocorre quando o sujeito se decide conscientemente por um comportamento incompatível com as máximas e riscos vigentes no ordenamento jurídico. 268 Nesse sentido cfr. entre outros: PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 137; CALLEGARI, André Luis. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Op. Cit. p. 157-158; BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edílson Mougenot. Lavagem de dinheiro, op. Cit. p. 48; BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlata. Op. Cit. p. 100; SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 51. 269 Já sob a ótica do direito espanhol percebe-se uma ampla aceitação da figura do dolo eventual nos crimes de branqueamento de capitais, previsto no artigo 301.2. Nesse sentido: Quintero Olivares; Silva Sanchéz; Fabián Caparrós; Blanco Cordero; Suárez Gonzáles . Já em relação ao artigo 301.1, percebe-se certa resistência com relação a aceitação de referida classe de dolo, em razão de conter, em sua redação, elementos subjetivos especiais. 270 BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de dinheiro: implicações penais, processuais e administrativas. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998, p. 46.
91
No entanto, alguns doutrinadores271 afirmam que o elemento subjetivo dos
tipos admite tanto o dolo direto como o dolo eventual, já que a lei não faz restrições
quanto ao âmbito da intencionalidade, sendo fundamental, porém apurar se existe
uma mínima consciência sobre a ilicitude da conduta e sobre a origem espúria do
dinheiro em movimentação. Contudo, alegam que o dolo eventual somente poderá
ser admitido, se o sujeito estiver de alguma forma investido em uma posição de
garante em relação à evitabilidade do resultado. 272
Para asseverar essa posição, citam o seguinte exemplo: um diretor de uma
instituição financeira, que tem obrigação legal de comunicar operações suspeitas ao
Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF – sabe que determinada
operação se presta ao procedimento de lavagem de dinheiro, e mesmo assim não
comunica tal fato às autoridades, ou ainda revela ao seu cliente que realizou a dita
comunicação, possibilitando um aperfeiçoamento da operação e um conseqüente
benefício ao operador.273
Através do apontado exemplo, chegam à ilação de que o funcionário, ao se
omitir do dever, inerente a posição ocupada, de se evitar o resultado típico, acabou
por atuar impelido pelo dolo eventual, face à assunção do risco, aplicando-se, com
isso, a regra disciplinada no art. 13, §2º, do Código Penal brasileiro.274
Concordamos com a posição da incompatibilidade do dolo eventual no delito
de lavagem de dinheiro. Com relação aos elementos subjetivos do tipo é admissível
somente o dolo direto, pois não é possível o autor cometer o delito apenas com a
probabilidade de que os bens sejam oriundos de um dos delitos prévios previstos na
271 Nesse sentido cfr. TERRA DE OLIVIRA, William. A criminalização da lavagem de dinheiro – aspectos penais da lei 9.613/1998, op. Cit. p.121; PEREIRA, Flavio Cardoso. Lavagem de Dinheiro: Compatibilidade com o dolo eventual? Em Revista Síntese de Direito Penal e Processo Penal nº31, Abril-Maio, 2005, p.41. 272 Ibidem. 273 TERRA DE OLIVIRA, William. A criminalização da lavagem de dinheiro – aspectos penais da lei 9.613/1998, op. Cit. p.121 274 PEREIRA, Flavio Cardoso. Lavagem de Dinheiro: Compatibilidade com o dolo eventual? Op. Cit., p.42.
92
Lei 9.613/1998. Ainda que o legislador não tenha feito menção específica no tipo do
artigo 1º em relação ao conhecimento da origem ilícita dos bens, fez menção
expressa aos crimes dos quais tais bens são provenientes. Dessa forma, parece-nos
que só é possível a comissão do delito de lavagem quando o agente souber que os
bens provêm de um dos delitos previstos na lei. O dolo275 deve estar dirigido a essa
conduta, ou seja, o autor atua porque conhece a origem criminosa dos bens e
porque quer lhes dar aparência de licitude.
Por fim, observamos no Direito Comparado, que algumas legislações
buscaram solucionar estas controvérsias, criando modalidades culposas do crime,
ou mesmo explicitando no tipo, elementos normativos indicadores da viabilidade ou
não do dolo eventual. Assim, e.g., no dispositivo da legislação lusitana, fica clara a
inadmissibilidade diante da construção: Quem sabendo que os bens ou produtos são
provenientes da prática (...) (artigo 2º, 1).276
8.2 Grau de conhecimento do crime antecedente Como já se afirmou os bens, provenientes, direta ou indiretamente, de crime
antecedente (art. 1º, caput, da Lei 9.613/1998) mostram-se elemento constitutivo do
tipo e, via de conseqüência, objeto de conhecimento do autor, na lavagem de
dinheiro.
275 De modo sintético podemos afirmar que integram o dolo típico na lavagem de dinheiro: conhecer os bens; a ocorrência de crime antecedente; e a relação entre tais bens e o crime antecedente. 276 MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro. Op. Cit. p. 87.
93
O agente precisa, portanto, ter conhecimento da natureza espúria dos bens
(elemento cognitivo) e, mesmo assim, querer praticar a ação típica (elemento
volitivo), para que haja a configuração do tipo doloso da lavagem de dinheiro.277
A opção legislativa de enunciar as modalidades de crimes pressupostos,
especificando-os no próprio corpo do tipo objetivo, repercute ao nível subjetivo do
tipo, tornando-se mister que o autor atue com a consciência de que o objeto
substancial originou-se da prática de um dos crimes enumerados no dispositivo
legal.278
Entretanto, isso não significa, no juízo de reprovação da lavagem do dinheiro,
tomar-se, previamente como certo, o pleno entendimento do sentido negativo do
acontecimento que originou os bens, pelo sujeito ativo da lavagem de dinheiro.
Basta um conhecimento que reconheça o fato como sendo punível, que se medirá
de acordo com a esfera de um leigo, ou seja, a famosa asserção de Mezger da
“esfera valorativa do profano” 279. Dessa forma, embora se exija do agente um
conhecimento de que os bens ou valores procedem de um dos delitos prévios, não
se lhe exige um conhecimento técnico compatível com aquele que seria próprio de
um jurista, de um técnico no direito. 280 O importante é ter ciência da ocorrência de
277 PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 141 278 Nesse sentido cfr. entre outros: PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 137; CALLEGARI, André Luis. Problemas pontuais da lei de lavagem de dinheiro. Op. Cit. p. 157-158; BONFIM, Márcia Monassi Mougenot; BONFIM, Edílson Mougenot. Lavagem de dinheiro, op. Cit. p. 48; BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlata. Op. Cit. p. 100; SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 51 279 Nesse sentido: ARRIETA, Andrés Martinez. Blanqueo de Capitales, in Carlos Granado Pérez (org.), La criminalidad organizada. Aspectos sustantivos, procesales y orgânicos. Madrid: Consejo General del Poder Judicial, 2001, p. 395; CAPARRÓS, Fabián A. Eduardo, Op. Cit., p. 395. 280 Nesse sentido cfr. entre outros: GODINHO, Jorge Alexandre Fernandes. Do crime de “Branqueamento”de Capitais – Introdução e Tipicidade. Op. Cit. p.208; BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales, Op. Cit. P. 346-350.
94
determinado fato, o qual originou os bens, aptos a serem objeto da conduta
subseqüente. 281
Muito embora sobrem dificuldades para apuração do conteúdo do
conhecimento, na persecutio criminis, deve-se procurar deduzi-lo a partir dos
elementos e das circunstâncias do comportamento externo.282
Quando o agente desconhece a origem criminosa dos bens, estará atuando
erroneamente sobre um dos elementos objetivos do tipo, portanto o tratamento
destinado a ele será o de erro de tipo. Sendo assim, se o erro for invencível, fica
excluído o dolo, já se o erro for vencível, não será possível a responsabilidade por
crime culposo, pois como foi apontado anteriormente, o legislador não previu essa
modalidade na Lei de lavagem de dinheiro (art. 20 do CP). Entretanto, a prática da
lavagem de dinheiro sem a consciência da antijuridicidade de tal conduta, se
inescusável, enquadra-se no erro de proibição do artigo 21 da lei repressiva.283
281 Em Portugal, onde a legislação segue o mesmo modelo de restringir os crimes antecedentes a um rol taxativo, também é majoritário este entendimento. Segundo Godinho “ O agente deverá saber que os bens resultam de uma certa espécie de crime constante do “catalogo”. Este conhecimento parece bastar-se com uma mera informação – v.g, se alguém comunica ao agente que os bens provém da prática de um crime de corrupção - , desacompanhado de qualquer conhecimento do substrato fático do crime precedente. Não seria político-criminalmente adequado exigir um conhecimento detalhado e pormenorizado do crime de onde derivam os bens – caso contrario só poucas condutas seriam puníveis. Não bastará porém o conhecimento de uma genérica proveniência ilícita porque a lavagem de capitais no direito português vigente não tem âmbito geral”. GODINHO, Jorge Alexandre Fernandes. Do crime de “Branqueamento”de Capitais – Introdução e Tipicidade. Op. Cit. p.208) “ 282 “Uno de los problemas que suele plantearse com mayor frecuencia, y que tiene um gran importancia practica, es la prueba de este conocimento por el sujeto. Como cualquier outro de los elementos que integran el âmbito interno de la persona, este solamente podrá manifestarse a través de elementos y circunstancias del comportamiento externo del que pueda inducirse dicho conocimento. A este respecto es curioso señalar como tanto la Convención de Viena como la Directiva 91/308/CEE hacen específica referencia a que tanto el conocimento, la intención o la motivación que tienen que ser elementos de lãs actividades ilícitas de blanqueo podrán inferirse de lãs circunstancias objetivas del caso” (ALVAREZ PASTOR, Daniel; EGUIDAZU PALACIOS, Fernado. La prevención del blanqueo de capitales. Pamplona: Aranzadi, 1998, p. 284-285.) 283 Nesse sentido cfr. entre outros: VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. A lavagem ou ocultação de dinheiro e de outros bens e a atividade empresarial. RDM, n. 113, jan-mar, 1999, p.83; SOUZA NETO, José Laurindo de. Lavagem de Dinheiro: comentários à Lei 9.613/1998. Curitiba: Juruá, 1999, p. 99; PITOMBO, Antônio Sergio A. de Moraes. “Lavagem” de dinheiro – A tipicidade do crime antecedente.Op. cit. p. 137; SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 51.
95
Por fim, ainda sobre o enfoque do conhecimento da ocorrência do crime
antecedente, importante salientar que tal conhecimento deve ser anterior ou atual,
inexistindo tipicidade penal na hipótese de se apresentar posterior a realização da
conduta284 (dolo subseqüente). 285 Significa dizer que o sujeito ativo não pode aderir
ao crime, a posteriori, porque o ocultar e o dissimular exigem, no mínimo,
conhecimento atual.
8.3 O sujeito ativo do crime de Lavagem de Capitais Os delitos de lavagem de dinheiro são classificados como crimes comuns,
pois podem ser praticados por qualquer pessoa, já que a lei não exige que o sujeito
ativo preencha determinadas condições ou qualidades.
Contudo, discute-se na doutrina e na jurisprudência se o autor, co-autor ou
partícipe do crime antecedente, também pode ser responsabilizado pelo crime de
lavagem do dinheiro ou dos bens que auferiu com o primeiro delito.
Uma corrente minoritária de juristas não concordam que os responsáveis pelo
crime antecedente também respondam como sujeitos do crime posterior de
lavagem, alegando entre outros aspectos286 que o delito de lavagem constitui fato
posterior, não punível para o sujeito ativo do crime prévio. 287
284 No que tange ao crime de receptação a jurisprudência tem admitido. “Pode ocorrer a receptação mesmo sendo subseqüente o dolo do agente, isto é, ter adquirido ou recebido de boa-fé a coisa que posteriormente veio a saber tratar-se de produto de crime, mas não restitui ao dominus. (...)” (TJSC, 2ªC. Crim., Ap. 97.003584-5, rel. Dês. Álvaro Wandelli). 285 BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales, op. Cit., p. 352-353. 286 Alguns doutrinadores alegam que não se poderia exigir outra conduta de quem praticou o crime antecedente, senão a de ocultar ou encobrir o produto deste delito (inexigibilidade de conduta diversa). No entanto acreditamos não ser cabível a aplicação da citada causa supralegal, pois não é razoável aceitar que a pretexto de não ser punido pelo crime anterior ou com o fim de tornar seguro o seu produto, o agente pratique novas infrações penais, lesionado outros bens jurídicos. É o entendimento de Palma Herrera "No tocante ao exercício legítimo de um direito, a própria existência desse direito de autofavorecimento já é questionável quando se realizam condutas que integram o conteúdo de injusto de outro tipo penal. O mesmo Rodríguez Mourullo
96
Esse argumento apresentado para afastar os autores dos crimes
antecedentes do pólo passivo das ações penais de lavagem de dinheiro, pode ser
aplicado aos crimes de receptação e favorecimento, mas não ao delito de lavagem
de capitais. 288 Inexistindo qualquer restrição expressa no tipo penal, não há por que
restringir-se à autoria excluindo-se, os autores dos crimes pressupostos.
De se observar que o fato posterior não punível é conseqüência da aplicação
do princípio da consunção. Este princípio, contudo, exige identidade de bens
jurídicos. Na lavagem de dinheiro, o bem jurídico tutelado – ordem socioeconômica –
é diverso daqueles que são protegidos pelos vários crimes antecedentes (o
patrimônio; a Administração Pública; a saúde pública etc.). Não se pode falar, pois,
em fato posterior impune, por ausência de pelo menos um dos requisitos.
Por conseguinte, o sujeito ativo do crime de lavagem de capitais pode ser
qualquer pessoa, inclusive o autor, co-autor ou partícipe do delito antecedente. Este
é o entendimento predominante na doutrina brasileira. 289 No mesmo sentido, temos
recente decisão do Superior Tribunal de Justiça. 290
manifesta que o direito, conhecedor da natureza humana, renuncia a impor ao autor de um delito a obrigação de delatar-se, mas que isso não quer dizer que possibilite, através de qualquer conduta, inclusive aquclas que a lei ameaça com pena, e o autorize a invocar uma causa de isenção de responsabilidade. Assim, se o autor, para se auto-encobrir, executa uma nova figura delitiva, deverá responder pelo novo crime, enquanto a lei não estabeleça uma causa específica de isenção de responsabilidade" (ob. cit., pp. 379-380). 287 Sobre as posições a respeito desse tema cfr. BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales, op. Cit., p. 479-516. 288 Nesse sentido cfr. entre outros: SÁNCHEZ, Emilio Jesus. Blanqueo de capitales em el sector bancario y corrupción: aspectos práticos. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2002, p.338; BLANCO CORDERO, Isidoro. El delito de blanqueo de capitales, op. Cit., p. 512-516; PALMA HERRERA, jose Manuel. Los delitos de blanqueo de capitales. Madri: Edersa, 1998, p.239-240; MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro. Op. Cit. p. 89. 289 Nesse sentido cfr. entre outros: ; SOUZA NETO, José Laurindo de. Lavagem de Dinheiro: comentários à Lei 9.613/1998, op. Cit. p. 89-92; VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. A lavagem ou ocultação de dinheiro e de outros bens e a atividade empresarial, op. Cit. p.83; ; BARROS, Marco Antonio de. “Lavagem” de Capitais e obrigações civis correlata. Op. Cit. p. 100; SILVA, César Antonio da. Lavagem de dinheiro: uma nova perspectiva penal. Op. Cit., p. 51; MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de Dinheiro. Op. Cit. p. 92. 290 RHC 19.902 – 5ª TURMA – rel. Ministro Gilson Dipp. HC impetrado para anular o Acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi negado, mantendo-se a condenação do impetrante pela pratica dos crimes tipificados nos arts. 312, § 1º, c/c. art. 327, § 1º. E 297, inc. V, todos do Código Penal; art. 22, parágrafo único, da Lei n. 7.492/1986; art. 1º, incs. V e VI, § 1º, incs. I e II, e § 4º, da Lei n. 9.613/1998 e finalmente pelo delito previsto no art. 2º, inc. I, da Lei n. 8.173/1990, tudo na forma do art. 69 do CP (concurso material).
97
Por fim, vale lembrar que a Convenção de Estrasburgo, no art. 6.2, "b", prevê
que as partes poderão, querendo, estabelecer que a lavagem de dinheiro não
poderá ser praticada pelo autor do crime antecedente. O Brasil, todavia, não fez esta
previsão, assim como Portugal, Espanha e Suíça. Já o Reino Unido e a Bélgica
expressamente afirmam que o autor do crime precedente pode também ser punido
pela lavagem de dinheiro. 291
291 Ainda nesse sentido, importante ressaltar que o Brasil ratificou o texto da convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, seguindo-se a expedição do decreto nº 5.015, de 12 de marco de 2004, que a promulgou, especificando que: “ (...) e se assim exigirem os princípios fundamentais do direito interno de um Estado Parte, poderá estabelecer-se que as infrações enunciadas no parágrafo 1 do presente artigo não sejam aplicáveis às pessoas que tenham cometido a infração principal” (art. 6º, ‘2’).
98
9. Conclusões
O fenômeno da lavagem de capitais se encontra estreitamente vinculado à
criminalidade organizada, e fundamentalmente a uma de suas atividades delitivas
mais lucrativas: o tráfico de drogas. Sem embargo, as organizações criminosas não
limitam seu raio de ação exclusivamente a uma atividade criminal, mas diversificam
suas ações delitivas aproveitando ao máximo das oportunidades de enriquecimento
rápido que oferece o mercado global. Entre as atividades criminais as que mais
geram riquezas são: o tráfico de drogas, de armas, de materiais nucleares, o jogo
ilícito, o trafico de órgãos etc. Movidas fundamentalmente por motivos lucrativos, as
organizações delinqüentes atuam além das fronteiras nacionais, ostentam assim um
caráter transnacional, pelo que são denominadas “organizações criminais
transnacionais” (OCT). Os enormes benefícios obtidos serão reciclados mediante
sua introdução nos circuitos financeiros, para assim conseguir uma aparência de
legalidade.
Nesse contexto vale destacar que a criminalidade ligada à lavagem de
dinheiro se vale, não poucas vezes, de um dos piores males da atualidade que é o
da corrupção. Os indicadores de hoje mostram um dado alarmante: algo perto de
70% do dinheiro que se lava no Brasil corresponde a recursos provenientes, direta
ou indiretamente, da corrupção, sendo boa parte disso resultante de desvio de
patrimônio público.
A análise da realidade da lavagem de capitais permite deduzir uma série de
características do fenômeno. As atividades de lavagem de dinheiro se caracterizam
por um marcado caráter internacional das quais assistimos, nos últimos anos, a uma
crescente globalização. Ademais, se observa uma intensa tendência ao
99
profissionalismo, seja pela especialização dos membros da organização criminal,
seja pelo emprego de profissionais externos. Como conseqüência da
profissionalização e da especialização, a lavagem se caracteriza na atualidade pelo
desenvolvimento de novos métodos cada vez mais complexos.
A lavagem é desenvolvida em três fases: conversão ou ocultação,
dissimulação ou mascaramento e integração. Cada uma destas etapas conta com
manobras específicas para atingir o objetivo final, ou seja, ter por lícito o produto de
um crime. O estudo da lavagem em três etapas é uma recomendação do GAFI
(Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro), criado em 1989 pelo G-7,
com a finalidade de examinar medidas, desenvolver políticas e promover ações para
combater a lavagem de dinheiro. Note-se que a denominação de cada fase não é
homogênea na doutrina.
Diversas são as técnicas utilizadas com a finalidade de ocultar a origem ilícita
do bem. Na primeira fase (ocultação ou conversão), uma das técnicas mais
conhecidas e utilizadas internacionalmente é o fracionamento de grandes quantias
em valores menores, que ao serem depositados em instituições financeiras não
ficam sujeitos ao dever de informar, determinado por lei, e, portanto, livram-se de
qualquer fiscalização. Podemos citar ainda a troca de moeda - compra de dólares
em pequenas quantidades, especialmente em locais turísticos, e o contrabando de
dinheiro em espécie. Também existe, a utilização de empresas de fachada, através
das quais o dinheiro lícito mistura-se com o ilícito. Na segunda fase (dissimulação),
em geral se realizam inúmeras operações financeiras, destacando-se as
transferências bancárias e eletrônicas, responsáveis pela movimentação de milhões
de dólares em transações internacionais. Um dos métodos mais avançados é a
venda fictícia de ações na bolsa de valores (o vendedor e o comprador, previamente
100
ajustados, fixam um preço artificial para as ações de compra). É comum então, a
transformação dessas quantias em bens móveis e imóveis. Quanto aos primeiros,
costuma-se adquirir bens que possam ser postos em circulação rápida em diferentes
países, como ouro, jóias e pedras preciosas. Por fim, na terceira e última fase
(integração) destacam-se os negócios imobiliários, como um dos mecanismos mais
empregados.
Definimos a lavagem de capitais como o processo pelo qual os bens de
origem delitiva se integram no sistema econômico legal, com aparência de ter sido
obtido de forma lícita.
A lavagem de capitais é um fenômeno internacional. A comunidade
internacional e, em concreto, as organizações internacionais, não ficaram alheias a
este fenômeno e atuaram para intensificar a cooperação internacional em matéria
penal mediante a criação de instrumentos internacionais. O instrumento mais
importante, e que marcou o início das ações internacionais na luta contra a lavagem,
foi a Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico de Estupefacientes e
Substâncias Psicotrópicas de 1988, que tipificou a lavagem de capitais procedentes
de delitos relativos às drogas, e impôs como obrigação aos Estados parte,
sancionar penalmente a lavagem de capitais em seu ordenamento interno.
Com base neste instrumento, o Conselho da Europa, em 1990, elaborou a
Convenção sobre a lavagem, identificação, embargo e confisco dos benefícios
econômicos derivados do delito (Convenção Estrasburgo), que tipificou a lavagem
de forma praticamente idêntica à Convenção das Nações Unidas, mas ampliou o
catálogo de delitos prévios a outros crimes que geram proveito econômico,
afastando a exclusividade do tráfico de drogas.
101
Existem outros inúmeros instrumentos internacionais, universais que regulam
o tema, entre os mais importantes podemos destacar: O Grupo de Ação Financeira
Internacional (GAFI); a Diretiva 308/1991 das comunidades Européias; A Convenção
de Palermo de 2000 e o Regulamento modelo sobre Delitos de Lavagem
relacionados com o Trafico de drogas e delitos Conexos, elaborado pela Comissão
Interamericana para Controle do Abuso de Drogas (CICAD).
Em âmbito nacional, no ano de 1991 o Brasil assume de modo definitivo, o
compromisso de elaborar lei nos moldes trazidos pela Convenção de Viena, diante
da promulgação desse tratado, por meio do Dec. 154, de 26.06.1991.
É importante ressaltar que, a partir de então, o governo brasileiro tornou-se
signatário de outros documentos plurilaterais, como dá conta a Exposição de
motivos 692, de 18.12.1996. Os compromissos assinados pelo Brasil, no âmbito da
lavagem de capitais são: O Regulamento modelo sobre Delitos de Lavagem
relacionados com o Trafico de drogas e delitos Conexos, elaborado pela Comissão
Interamericana para Controle do Abuso de Drogas (CICAD); Plano de Ação firmado
pelo Brasil em Miami, após reunião da Cúpula das Américas no âmbito da OEA, em
dezembro de 1994; Declaração de Princípios sobre Lavagem de Dinheiro, firmada
pelo Brasil em Buenos Aires, em dezembro de 1995; e Convenção das Nações
Unidas contra a Delinqüência Organizada Transnacional (Convenção de Roma),
ratificada pelo Dec. 231, de 30.05.2003.
Finalmente, passados quase sete anos da ratificação da Convenção de
Viena, foi editada a Lei 9613/1998, que além de tipificar os crimes de lavagem ou
ocultação de bens, direitos e valores, estabeleceu medidas de prevenção da
utilização do sistema financeiro para ilícitos previstos na lei, bem como criou o
Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, órgão que tem por
102
finalidade “disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar
as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas” (artigo 14, caput, da Lei 9613/1998)
fiscalizando, pois, as atividades financeiras que podem dar ensejo à lavagem de
dinheiro.
II
É indiscutível a importância da fixação de um bem jurídico para que a norma
penal tenha legitimidade. Os doutrinadores, majoritariamente, não reconhecem uma
norma penal que não tenha em seu escopo a proteção de algum bem jurídico
relevante. Todavia, só se admite um bem jurídico se preenchidos alguns requisitos,
tais como a observância dos princípios da subsidiariedade, da proporcionalidade e
da lesividade.
Como visto, um conceito de bem jurídico meramente dogmático não se
mostra capaz de explicar a tutela penal de todas as normas. Necessário se faz,
portanto, adotar um conceito político-criminal que auxilie o legislador a eleger os
bens que merecem proteção.
A análise do bem jurídico é um ponto fundamental para o estudo dos
elementos que integram a estrutura típica do delito de lavagem de dinheiro. Matéria
de especial polêmica, a doutrina está longe de restar pacífica quanto ao bem jurídico
nos delitos de lavagem de capitais.
No caso do Brasil, um fator a mais pode ser somado à dificuldade de se
identificar o bem jurídico protegido nas hipóteses de lavagem: o legislador não
incluiu esses delitos no Código Penal, ao contrário do que ocorreu na Espanha,
Itália, Alemanha etc., e, em regra, a doutrina parte da topografia legislativa do crime
para apontar o bem jurídico tutelado, ainda que seja para discordar do legislador.
103
Dentre as principais correntes doutrinárias que se posicionam sobre o bem
jurídico a ser tutelado pela lei de lavagem encontram-se as seguintes: a) o mesmo
protegido pelo crime antecedente ou proteção preventiva dos bens jurídicos
tutelados no rol de crimes antecedentes; b) ordem socioeconômica; c) Administração
da Justiça; d) pluralidade de bens jurídicos; e) inexistência de um bem jurídico
tutelado pela lei de lavagem.
Um tratamento jurídico adequado exigiria construir esta figura sobre a base da
afetação da ordem socioeconômica, bem jurídico de caráter coletivo, estabelecendo
assim uma vinculação entre a lavagem de capitais e a influência que acarretam o
dinheiro e os bens de origem delitiva na economia legal. Em concreto, consideramos
que são elementos da ordem socioeconômica especialmente vulnerados, a livre
concorrência, a credibilidade, a estabilidade e a solidez do sistema financeiro.
A lavagem de capitais põe em perigo a livre concorrência sobre a que se
baseia o atual sistema de economia de livre mercado. Objetivo das organizações
criminosas, quando dispõe de capitais, é infiltrar-se na economia legal e alcançar
posições monopolísticas através da supressão de competidores. Os custos dos
recursos obtidos de forma delitiva são notadamente inferiores aos recursos obtidos
de forma lícita. As empresas carecem da possibilidade de recorrer a um
financiamento competitivo, e tem que financiar-se com as taxas correntes no
mercado, o que na hora de entrar na concorrência com as empresas ilegais supõe
que vão ser marginalizadas e, posteriormente, expulsada do mercado, que tende a
ser abarcado pela empresa ilegal de forma monopolística. A atividade econômica
tem sentido quando se garanta aos competidores se ater as mesmas regras. Este
equilíbrio se altera quando o competidor dispõe de uma fonte inesgotável de capitais
de origem delitiva. Tudo isto possibilita o controle de autênticos setores da economia
104
por parte das organizações criminosas. Ademais, as tentativas para alcançar
posições monopolísticas no mercado e suprimir competidores são fatores
potencialmente geradores de corrupção, tanto na economia como na sociedade.
A incidência, na livre concorrência, tem um reflexo imediato em outros
princípios inspiradores da ordem econômica, em concreto, na estabilidade e solidez
do sistema financeiro. O emprego das atividades financeiras e de crédito para a
lavagem de bens de origem delitiva, pode produzir certas perturbações no sistema
financeiro e seus operadores. A injeção de grandes quantidades de dinheiro no
sistema financeiro pode transformar seu normal funcionamento, distorcendo os
fatores que possibilitam prever o comportamento futuro do mercado financeiro e
gerando desconfiança nos investidores.
O desenvolvimento regular de um mercado mundial de capitais depende da
plena confiança de seus participantes. Na medida em que cresce a percepção de
que o mercado está contaminado pelo dinheiro controlado por organizações
criminosas, essa confiança fica inevitavelmente abalada, tendendo a reagir de forma
mais dramática e gerando instabilidade.
A transparência e a saúde dos mercados financeiros são elementos chave
para um bom funcionamento das economias, que, no entanto, podem ser
negativamente afetados pela injeção de dinheiro ilícito, resultante da lavagem de
dinheiro. Ademais, esse dinheiro de origem ilícita pode ser usado para corromper
pessoas que tomam decisões sobre o funcionamento do mercado financeiro dos
países, e com isso, fazer esse mercado perder credibilidade perante o público,
credibilidade esta tão necessária para o funcionamento das instituições financeiras.
Além disso, devido ao caráter transnacional da lavagem de capitais, os países
que não implementarem controles efetivos contra tal prática acabam sendo
105
marginalizados pelos demais , pois investidores estrangeiros tendem a evitar investir
em mercados associados à lavagem de dinheiro e à corrupção.
Importante ressaltar, que o GAFI – Grupo de Ação Financeira – elabora e
divulga uma lista de países e territórios considerados não – cooperantes, porque
implementaram de forma insuficiente, ou não implementaram, medidas efetivas de
combate à lavagem. Esse organismo recomenda que seus países membros, bem
como todos aqueles comprometidos com a prevenção e combate à lavagem de
dinheiro, examinem, com redobrada atenção, as operações financeiras e comerciais
que envolvam os chamados países não – cooperantes.
Diante dos fatos acima expostos, concluímos que a lavagem de dinheiro
acarreta inúmeros prejuízos à ordem econômico-financeira de um país, vulnerando a
livre concorrência, a estabilidade e a solidez do sistema financeiro, facilitando e
tornando efetiva a corrupção de agentes e funcionários da Administração Pública.
Assim, o bem jurídico que a lei protege é a própria ordem socioeconômica do país,
resguardando valores aferidos na Constituição Federal (artigos 170 a 192).
III
No delito de lavagem de dinheiro, os objetos materiais – bens, direitos e
valores – são elementos da estrutura típica através do qual giram todos os demais.
A própria essência da conduta de lavagem exige que recaia sobre bens, direitos ou
valores de procedência delitiva.
Requisito prévio dos bens objeto da lavagem é que procedam de um delito. É
necessário, portanto, que a lavagem de dinheiro se encontre conectada a um delito
prévio. A Lei 9.613/1998, que regula o crime de lavagem no Brasil define, em seu
artigo 1º, um rol taxativo dos delitos antecedentes, sendo considerados como tais os
106
crimes de: tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; terrorismo e
seu financiamento; contrabando ou tráfico de armas, munições ou matéria destinado
a sua produção; extorsão mediante seqüestro; contra a Administração Pública;
contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa e os
praticados por particular contra a administração pública estrangeira.
Discute-se se os elementos do conceito dogmático do delito devem concorrer
no delito prévio, para que a lavagem de dinheiro tenha relevância penal. A lavagem
é um delito acessório, que requer a existência de um delito prévio, o qual deve ser
típico e antijurídico, isto é, basta com a acessoriedade limitada. Existe, portanto,
uma dependência entre o delito prévio, em virtude da qual a sanção daquele,
depende da realização típica e antijurídica deste.
É irrelevante que o bem tenha sua origem em condutas consumadas ou
tentadas. A tentativa do crime antecedente dá margem à lavagem de capitais na
hipótese de tal conduta típica originar bens, aptos a serem ocultados, dissimulados
ou integrados à economia.
Em relação ao delito prévio cometido no estrangeiro, é preciso respeitar o
princípio da dupla incriminação, de forma que o mesmo há de encontrar-se também
sancionado no lugar de sua realização. É suficiente que seja típico e antijurídico em
ambas as legislações, sendo irrelevante, se concorrem ou não, causas de exclusão
da culpabilidade ou da punibilidade.
Para a condenação pelo crime de lavagem, o delito prévio deverá ser provado
por uma sentença de um juiz ou tribunal que declare a existência de um fato típico e
antijurídico, sem necessidade de que exista um autor individualizado.
107
IV
A Lei 9.613/1998 contém, tão somente, tipos dolosos, posto que o legislador
brasileiro não previu a modalidade culposa. O Código Penal brasileiro adotou a regra
da excepcionalidade culposa (art. 18 do CP), somente podendo-se falar em crime
culposo, quando houver previsão expressa na lei nesse sentido.
Prevalece o posicionamento doutrinário de que os tipos penais descritos na
referida lei são característicos do dolo direto, havendo aqueles que entendam haver
a possibilidades do dolo eventual.
Concordamos com a posição da incompatibilidade do dolo eventual no delito
de lavagem de dinheiro, pois ainda que o legislador não tenha feito menção
específica no tipo do artigo 1º, em relação ao conhecimento da origem ilícita dos
bens, fez menção expressa aos crimes dos quais tais bens são provenientes. Dessa
forma, parece-nos que só é possível a comissão do delito de lavagem quando o
agente souber que os bens provêm de um dos delitos previstos na lei. O dolo deve
estar dirigido a essa conduta, ou seja, o autor atua porque conhece a origem
criminosa dos bens e porque quer lhes dar aparência de licitude.
O tipo subjetivo do delito doloso da lavagem de capitais reside na existência
do conhecimento de que os bens são provenientes de um crime antecedente, e esse
conhecimento integra o elemento cognoscitivo do dolo, não podendo ser
considerado elemento subjetivo do tipo.
O agente precisa, portanto, ter conhecimento da natureza espúria dos bens e,
mesmo assim, querer praticar a ação típica, para que haja a configuração do tipo
doloso da lavagem de dinheiro.
A opção legislativa de enunciar as modalidades de crimes pressupostos,
especificando-os no próprio corpo do tipo objetivo, torna mister que o autor atue com
108
a consciência de que o objeto substancial originou-se da prática de um dos crimes
enumerados no dispositivo legal.
O conhecimento deve existir no momento do comportamento, isto é, tem que
ser atual; o conhecimento posterior o dolus subsequens não tem nenhuma
relevância jurídico-penal no âmbito da lavagem de capitais.
O erro, quanto à origem criminosa dos bens, elemento objetivo do tipo da
lavagem de dinheiro, exclui o dolo, nos termos do artigo 20, do Código Penal.
Entretanto, a prática da lavagem sem a consciência da ilicitude de tal conduta, se
inescusável, enquadra-se no erro de proibição do artigo 21, do Código Penal.
A Lei 9.613/1998, não menciona quem pode ser sujeito ativo do delito de
lavagem de capitais. Contudo, discute-se se o autor, co-autor ou partícipe do crime
antecedente pode ser responsabilizado pelo crime de lavagem do dinheiro ou dos
bens que auferiu com o primeiro delito.
No direito estrangeiro, em países como a França, Itália, Alemanha e Espanha,
inadmite-se que o autor do crime antecedente, seja também autor do crime de
lavagem. Nessas legislações, a lavagem é considerada pos factum impunível.
O fundamento desta corrente leva em conta a natureza jurídica da lavagem de
dinheiro, cuja semelhança com o tipo penal receptação, induz à caracterização
idêntica na estruturação dos tipos, tendo em consideração, principalmente, o
princípio da consunção, segundo o qual, existindo um ou mais ilícitos penais que
funcionam apenas como fases de preparação ou de execução de um outro, mais
grave que o primeiro, anteriores ou posteriores, mas sempre intimamente interligado
ou inerente, dependentemente, deste último, o sujeito ativo só deverá ser
responsabilizado pelo ilícito mais grave.
Este princípio, contudo, exige identidade de bens jurídicos. Na lavagem de
109
dinheiro, o bem jurídico tutelado – ordem socioeconômica – é diverso daqueles que
são protegidos pelos vários crimes antecedentes (o patrimônio; a Administração
Pública; a saúde pública etc.). Não se pode falar, pois, em fato posterior impune, por
ausência de pelo menos um dos requisitos.
É o posicionamento adotado pelo Brasil, a exemplo do que ocorre nos países
da Common Law, onde há permissão de inclusão de quaisquer pessoas dentre os
autores da lavagem de dinheiro, inclusive o sujeito ativo dos crimes pressupostos.
Na hipótese de o agente que pratica o crime antecedente, também praticar
conduta tencionada à lavagem do capital proveniente, praticará também o crime
descrito na Lei 9.613/98, existindo assim, concurso material de crimes, nos termos
do art. 69 do Código Penal.
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