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1
Regência 11
Os Valores
Intenção Ética e Normal Moral
Professora-Estagiária: Débora Rana
Orientadora Cooperante: Dr.ª Blandina Lopes
Ano Letivo: 2018/2019
2
Índice
Grelha……………………………………………………………………...3
Fundamentação científica ………………………………………………....7
Fundamentação Pedagógico-Didática…………………………………….14
Bibliografia……………………………………………………………….20
Anexos…………………………………………………………………….22
Reflexão…………………………………………………………………...30
3
Professora-Estagiária: Débora Filipe Rana
Disciplina: Filosofia Ano de Escolaridade: 10º Turma: A
Módulo II- A Ação Humana e os Valores.
Unidade (s): 2, «Os valores - Análise e compreensão da experiência
valorativa»; 3, «Dimensões da ação humana e dos valores»
Subunidade (s): 2.1, «Valores e valoração – a questão dos critérios
valorativos»; 3.1.1, «Intenção ética e norma moral».
Sumário: Continuação do assunto sumariado na aula anterior.
A natureza dos valores: subjetivismo e objetivismo axiológicos.
Introdução à unidade: A dimensão ético-política – análise e compreensão da
experiência convivencial. Distinção entre intenção ética e norma moral.
Data: 08.02.2019 Duração: 100 minutos Regência Nº: 11
Objetivos:
Gerais:
Compreender a relação entre a ação humana e os valores.
Compreender a dinâmica da experiência valorativa.
Motivar e sensibilizar para a problemática ético-moral.
Compreender as relações da ética e da moral.
Específicos:
Caracterizar os valores segundo categorias fundamentais.
Caracterizar e distinguir juízos de facto de juízos de valor.
Identificar, compreender e distinguir duas conceções acerca da natureza
dos valores.
Distinguir moral de ética.
Distinguir autonomia moral de heteronomia moral.
4
Regência Nº 11
TEMA CONTEÚDOS ESTRATÉGIAS/
ATIVIDADE
COMPETÊNCIAS/
OBJETIVOS
RECURSOS AVALIAÇÃO -
DISCENTES
Valores e
Valoração – A
questão dos
critérios
valorativos
Caracterização geral dos
valores:
- Polaridade;
- Hierarquia;
- Absolutividade/
Relatividade.
Juízos de facto e Juízos
de valor.
Diálogo orientado
professo-aluno, a partir da
revisão e sistematização de
alguns conteúdos
anteriormente lecionados.
Resolução de atividade
proposta, presente no
manual adotado página 78.
Resolução da atividade
proposta, presente no
manual adotado página 79.
Diálogo orientado professo-
aluno, a partir da
sistematização de algumas
ideias fundamentais sobre
Sistematizar os
conteúdos lecionados.
Consolidar os conteúdos
anteriormente
lecionados.
Consolidar os conteúdos
anteriormente
lecionados.
Sistematizar as ideias
anteriormente debatidas.
Manual adotado:
Alves, F., Arêdes, J. &
Bastos, P. (2013).
Pensar. Lisboa: Texto
Editores.
Manual adotado:
Alves, F., Arêdes, J. &
Bastos, P. (2013).
Pensar. Lisboa: Texto
Editores.
Diapositivo III,
presente no
PowerPoint.
Pontualidade;
Material;
Comportamento
adequado à sala
de aula;
Participação ativa
nas atividades
propostas;
Qualidade e
precisão
conceptual;
Qualidade e
5
Conceções acerca da
natureza dos valores e dos
juízos de valor:
Objetivismo
axiológico;
Subjetivismo
axiológico.
Relação intrínseca entre
os valores e as ações
humanas.
os diferentes tipos de juízos.
Diálogo orientado
professor-aluno, a partir da
exploração de alguns
diapositivos presentes no
PowerPoint.
Leitura orientada do texto
retirado da obra Filosofia
dos Valores de Johannes
Hessen.
Identificar, compreender
e distinguir duas
conceções acerca dos
valores.
Compreender a relação
entre os valores e a ação
humana.
Compreender a
importância dos valores
para a construção do
nosso carácter.
Relacionar a conceção
axiológica com a
conceção do mundo, isto
é, da vida.
Motivar e sensibilizar
para a problemática
Diapositivo IV, V, VI,
presente no
PowerPoint.
J. Hessen (1974).
Filosofia dos Valores.
Coimbra: Arménio
Amado, Editor.
Diapositivo VII,
presente no
PowerPoint.
pertinência nas
respostas
solicitadas.
6
Intenção ética
e normal
moral.
Distinção conceptual
entre moral e ética.
Da necessidade da
reflexão ética.
Visualização orientada de
uma entrevista ao filósofo
espanhol e contemporâneo
Fernando Savater.
Análise em conjunto de um
esquema-síntese.
Leitura orientada de duas
passagens. O testemunho de
uma personagem fictícia e
uma passagem retirada da
obra Ética Para Um Jovem
de Fernando Savater.
ético-moral.
Distinguir ética de
moral.
Compreender a relação
de complementaridade
entre a ética e a moral.
Sistematizar os
conteúdos lecionados.
Compreender a
importância da reflexão
ética para o exercício da
autonomia intelectual e
moral.
Assumir uma atitude
crítica em relação aos
códigos morais, baseada
na convicção de que a
reflexão pessoal é
imprescindível.
Diapositivo VIII,
presente no
PowerPoint.
Diapositivo XI. XII,
presente no
PowerPoint.
7
8
Fundamentação Científica – Valores e valoração. Intenção ética e
norma moral.
“Os valores podem tornar-se realidade. Uma obra
científica, uma obra de arte, uma ação moral representam
realizações de valores. Toda a cultura é isto, e o seu
respetivo conceito não tem, nem pode ter, outro sentido. A
cultura humana é, na sua íntima essência, uma realização
de valores.” (J. Hessen, 1974, p. 57).
Tomando como referência o programa oficial de Filosofia, proposto pelo
Ministério da Educação para o 10º e 11º ano de escolaridade do Ensino Secundário, esta
aula contempla a abordagem do ponto 2, «Os valores – análise e compreensão da
experiência valorativa», bem como o ponto 3, «Dimensões da ação humana e dos
valores» (especificamente o ponto 3.1.1, «intenção ética e norma moral»), referentes ao
segundo módulo, «A ação humana e os valores», proposto para o 10º ano de
escolaridade.
Dando continuidade à problemática «O que são os valores?» e iniciando o
estudo referente à distinção entre intenção ética e norma moral, esta aula encontra-se
dividida em três pontos centrais. Em primeiro lugar, optar-se-á por recapitular algumas
das características específicas dos valores. É fundamental, nesta fase do processo, que
os estudantes compreendam que toda a ação humana é pautada por valores, entidades
abstratas que orientam as nossas vidas e influenciam as nossas decisões. Compreendido
este vínculo inextricável entre os valores e a ação humana, importa, então, compreender
do que falamos quando falamos de juízos de valor. Nesse sentido, optaremos por fazer
uma breve sistematização das diferenças existentes entre os juízos de facto e os juízos
de valor, sendo, a nosso ver, esta distinção que nos permitirá fazer um breve
contraponto entre a perspetiva subjetivista e objetivista dos valores. É nosso intuito
responder à seguinte questão: «Os valores valem por si mesmos ou valem porque há um
sujeito que faz o ato de valorar?». Por fim, dedicar-nos-emos à distinção entre moral e
ética.
Assim sendo, a esta aula subjazem os objetivos gerais de os estudantes
compreenderem, por um lado, o papel de destaque que os valores assumem nas nossas
vidas e, por outro, que é próprio da natureza humana valorar1. Enquanto na natureza
reina a indiferença, na cultura humana reina a parcialidade e os valores. O valor é,
assim, a rutura com a indiferença pela qual colocamos todas as coisas no mesmo plano e
consideramos todas as ações como equivalentes2. Todo o valor é inseparável de uma
1 “O trabalho de avaliar [valorar] é tarefa humana por excelência e a base de qualquer cultura humana.” (Savater, 1999, p. 178). 2 Ideia defendida por Louis Lavelle no seu Tratado sobre os valores.
9
atividade de seleção e as nossas ações são o espelho dos valores pelos quais nos
regemos e que, necessariamente, incorporamos. Porém, não é só no interesse de nós
próprios mas também no dos outros, que o conhecimento dos valores pode prestar
relevantes serviços. De facto, “Só conhecemos os homens quando conhecemos os
critérios de valoração a que eles obedecem, é destes que dependem, em última análise, o
seu carácter e o seu comportamento em face das situações da vida” (J. Hessen, 1974, p.
24). É, pois, no horizonte do que atrás fica dito que vemos justificada a temática sobre a
qual esta aula incide, sendo nosso objetivo proporcionar oportunidades favoráveis ao
desenvolvimento de um pensamento ético-político crítico, responsável e socialmente
comprometido3.
A proposta de aula que se segue resulta de um número considerável de aulas
dedicadas à exploração das condicionantes da ação humana. No que nos diz respeito,
esta aula será dedicada à análise dos valores, procurando, para o efeito, fazer uma breve
caracterização dos mesmos. Cumpre observar que no decorrer desta regência dedicar-
nos-emos a três grandes questões. Em primeiro lugar, «Do que falamos quando falamos
de valores?». Em segundo lugar, «Como distinguir moral de ética?». Finalmente, mas
não menos importante, «Por que razão é necessária a reflexão ética?». Faça-se notar que
a ordem pela qual apresentamos as questões que irão ser trabalhadas nesta regência é a
ordem pela qual serão apresentadas e desenvolvidas em contexto de sala de aula.
O conceito de valor não é fácil de caracterizar. Ele tem a sua origem no domínio
da economia e generalizou-se no discurso ético a partir do século XIX. Porém, e antes
de examinar em que sentido atribuímos valor moral a uma ação, é necessário determinar
aquilo que entendemos por valor. De um modo geral, “Podemos dizer que os valores
exprimem uma relação, por um lado, necessidades e aspirações de um sujeito, por outro,
propriedades de um objeto ou, mais genericamente, aspetos da realidade” (Branquinho,
2014, p. 2). Ao ato de atribuir valor, que pressupõe sempre um sujeito valorativo,
chamamos valoração4. Apesar de não existir uma definição concreta e consensual para a
palavra valor podemos dizer que se trata daquilo que existindo em cada sujeito guia as
suas ações. Eles – os valores – refletem o que as pessoas consideram importante e
significativo na sua vida. Surgem como critérios de ação, permitindo avaliar pessoas e
situações e ajudam a classificá-las enquanto boas ou más, desejáveis ou indesejáveis,
benéficas ou prejudiciais. Numa só palavra: os valores orientam as nossas decisões, isto
é, dão-nos uma linha de rumo. Recordando Johannes Hessen, “(…) o sentido da vida
humana reside, precisamente, na realização de valores” (Hesse, 1974, p. 22), o que
3 Um dos objetivos que podemos encontrar no Programa da disciplina é o seguinte: “Desenvolver uma consciência crítica e responsável que, mediante a análise fundamentada da experiência, atenta aos desafios e aos riscos do presente, tome a seu cargo o cuidado ético pelo futuro” (Vicente, 2011, p. 8). É na esteira deste objetivo que orientamos toda a nossa regência. 4 Ato pelo qual o sujeito atribui valor a um objeto ou evento.
10
demonstra, e bem, a relação direta que os valores estabelecem com a própria vida. Mas
se, por um lado, reconhecemos de imediato a sua importância, devemos, no entanto,
procurar clarificar o seu significado.
Quando falamos de valores temos presentes noções como utilidade, bondade,
beleza, justiça, etc., como também os seus respetivos polos negativos, a saber:
inutilidade, maldade, feio, injustiça, etc. Ora, uma das características dos valores é,
precisamente, a sua polaridade. Esta consiste na oposição entre os valores positivos e
negativos, ou seja, entre o valor e o contravalor5. Cada valor, ao servir de fiel balança,
possibilita-nos uma avaliação, um juízo que pode sempre tomar duas dimensões: a do
bem ou do mal, do belo ou do feio, do útil ou do inútil, do generoso ou do egoísta. Em
geral, os valores são polares, isto é, possuem um polo negativo e um polo positivo.
Outra característica dos valores é o facto de que eles não só nos permitem categorizar o
que nos rodeia, como eles próprios se deixam organizar por ordem de importância. “Os
valores admitem graus; são suscetíveis de mais ou de menos. (…) Todo (…) [o valor]
tem uma dimensão em profundidade dentro da qual se admitem vários graus na sua
realização” (Hessen, 1974, p. 60). Surge-nos assim uma hierarquia dos valores, isto é,
uma lista ordenada, que geralmente varia de pessoa para pessoa, de comunidade para
comunidade. Por sua vez, as nossas ações giram em volta de eixos valorativos, e os
nossos valores, pessoalmente escolhidos e refletidos, ou simplesmente inculcados pelo
meio em que nos vemos inseridos, transparecem ao orientarem as nossas ações.
Uma distinção importante em Axiologia, ou Teoria dos Valores, é aquela que
divide os nossos juízos, isto é, as nossas afirmações sobre o mundo em duas categorias:
os de facto e os de valor. A distinção entre juízos de facto e juízos de valor tem uma
longa tradição e está bem enraizada no discurso quotidiano, dado que pode
desempenhar uma função útil e corresponde a uma distinção intuitiva entre o modo
como as coisas são e o modo como devem ser6. “Num juízo descritivo [juízos de facto],
queremos adequar o nosso pensamento à realidade; em contraste, num juízo normativo
[juízos de valor], queremos que a realidade se adeque ao nosso pensamento” (Almeida
& Desidério, 2014, p. 34-45). Entre estes juízos poderá estabelecer-se unanimidade no
primeiro caso, mas dificilmente haverá unanimidade no segundo caso. Isto basta para
demonstrar que a determinação do valor de um objeto se acha numa relação muito mais
íntima e subjetiva com o sujeito do que a determinação objetiva de um ser, isto é, de um
facto. Esta referência a um sujeito, como característica do valor, é algo que se evidencia
quando pensamos na estrutura dos juízos de valor. “(…) se atentarmos no conteúdo
5 Note-se, contudo, que “O desvalor [contravalor] não elimina inteiramente o valor; o primeiro é ainda, de certo modo, valor, embora negativo. Aquilo que é eliminado é simplesmente a positividade do valor, não o valor” (J. Hessen, 1974, p. 60). 6 O locus classicus da distinção facto/valor encontra-se em Hume, onde numa célebre passagem o filósofo escocês parece defender o seguinte princípio: “(…) um ‘deve’/’ought’ não pode ser inferido de um ‘é’/’is’(…)” (Branquinho, 2014, p. 5). Tal é a mais conhecida Lei de Hume.
11
deste juízo [de valor], reconhecemos, imediatamente, que a relação com o sujeito está
sempre contida implicitamente dentro dele (…)” (J. Hessen, 1974, p. 47).
No que diz respeito aos juízos de facto, estes limitam-se a descrever como as
coisas se passam na realidade, podendo, por isso, ser verdadeiros ou falsos. Se
descrevem corretamente a realidade, se correspondem aos factos, são verdadeiros. Caso
contrário, são falsos7. A verdade é, assim, independente do sujeito. Ou melhor: é
independente da perspetiva de qualquer sujeito e, por isso, é objetiva. Em síntese: os
juízos de facto são descritivos, possuem valor de verdade e são objetivos. Por sua vez,
os juízos de valor não se limitam a fornecer a informação sobre as coisas. Estes não são
meramente descritivos, pois expressam uma avaliação de certos aspetos da realidade.
Muitas vezes a sua função é influenciar o comportamento dos outros e, por isso, em
parte são normativos. Tal avaliação reflete a aprovação ou desaprovação de um sujeito
dos factos considerados, o que nos revela a mais íntima ligação entre estes dois mundos,
isto é, o mundo dos factos (do ser) e o mundo dos valores. “Os valores estão (…)
condenados a não poderem existir senão através da realidade do ser” (J. Hessen, 1974,
p. 62) e, nesse sentido, conclui-se que o ser e o valor mutuamente se penetram e se
completam. Note-se que todo e qualquer juízo moral é tão-somente a expressão do valor
moral de uma ação. Por ser assim, poder-se-á, desde já adiantar, que os juízos morais
são exemplos claros de juízos de valor, dado que expressam apreciações das ações em
termos de valores morais, como, por exemplo, bom/mau, justo/injusto,
honesto/desonesto.
A questão que se coloca passa por perceber se os valores valem por si mesmos
ou se valem porque há um sujeito que faz o ato de valorar. Dito de outra maneira:
considerando que o valor pressupõe, por um lado, um sujeito valorativo e, por outro, um
objeto (ou evento) que é valorizado, coloca-se a questão de saber se o valor está no
sujeito8, se goza de um estatuto de independência9 ou se, para existir, requer o concurso
do sujeito e do objeto10. Eis, deste modo, a questão que nos irá guiar na segunda parte
da aula, a saber: «Qual a natureza dos valores?». O nosso objetivo é muito simples,
procurar perceber se “(…) devemos representar o pensamento moral como uma questão
de criar/inventar valores, ou como uma questão de descobrir/reconhecer valores que
existem independentemente de nós?” (McNaughton, 2017, p. 2). Para este problema11
7 Verdade como correspondência ou adequação. 8 Subjetivismo axiológico. 9 Objetivismo axiológico. 10 Conceção relacional dos valores 11 O problema filosófico sobre a natureza dos valores encontra-se no conhecido dilema de Êutifron. “As coisas piedosas são piedosas porque os deuses as amam, ou os deuses amam-nas porque são piedosas” (Blackburn, 2007, p. 112). Este dilema põe o problema de determinar se podemos conceber os valores como resultado da escolha de uma mente ou se, porventura, são absolutos e, por isso, independentes.
12
existem várias respostas. Contudo, dedicar-nos-emos apenas a duas conceções. São elas:
o subjetivismo axiológico e o objetivismo axiológico.
O subjetivismo axiológico, defendido por filósofos como Christian Von
Ehrenfels12 e Friedrich Nietzsche13, reduz o valor à valoração e encerra os valores no
domínio da subjetividade. Esta conceção defende a seguinte tese: os valores têm uma
natureza subjetiva, ou seja, as coisas são valiosas na medida que o ser humano as
deseja; são os seus interesses, as suas necessidades e as suas aspirações que lhes
conferem valor. “O subjetivismo, portanto transfere o valor do objeto para o sujeito e fá-
lo depender do modo como a presença do objeto [afeta o sujeito] (…)” (Vázquez, 1969,
p. 142). Podemos destacar três conceitos que sintetizam esta conceção, são eles: o
conceito de subjetividade, relatividade e historicidade. Subjetivos na medida em que
dependem da valoração do sujeito, quer em termos pessoais, quer em termos sociais e
culturais. Relativos porque dependem da valoração do sujeito. E, finalmente, históricos
no sentido em que acompanham o próprio tempo. Ou seja, os valores sofrem alterações
em função da própria história da humanidade.
Em suma, a tese do subjetivismo axiológico consiste no seguinte: não há objeto
(valiosos) sem sujeito. Ou seja, não há valores em si mesmos, se não em relação com
um sujeito. “Valor – pode dizer-se – é [nesta conceção] a qualidade de uma coisa que só
pode pertencer-lhe em função de um sujeito dotado de uma certa consciência capaz de a
registar” (Hessen, 1974, p. 47). Este entendimento dos valores comporta riscos de
relativismo na determinação do que é valioso, algo que o senso comum resume na
seguinte fórmula: «gostos não se discutem». Tais riscos, particularmente graves no que
respeita aos valores éticos, levados ao extremo, podem implicar que se atribua o mesmo
valor a comportamentos e objetos muito diferentes, igualando coisas tão diversas quanto
inconciliáveis, como se todas tivessem o mesmo valor e igual dignidade. Por esse
motivo, esta conceção foi fortemente criticada. Em primeiro lugar, por negligenciar a
possibilidade de se encontrarem consensos acerca dos valores. Em segundo lugar, por
desistir de resolver os conflitos de interesse na base do diálogo e da argumentação. E,
finalmente, por nos tornar a todos infalíveis na questão dos valores – nenhum juízo seria
melhor do que o outro porque todos seriam igualmente plausíveis/verosímeis.
Enquanto o subjetivismo axiológico defende que a realidade é em si própria
desprovida de valores e que estes são simplesmente projetados pelo sujeito sobre a
realidade, o objetivismo axiológico afirma que os valores são propriedades objetivas
que o sujeito se limita a reconhecer nos seus juízos avaliativos. De acordo com esta
conceção, os valores constituem um reino próprio, subsistem por si próprios, são
absolutos, imutáveis e incondicionados. O objetivismo axiológico, representado na
12 (1859-1932), Filósofo e psicológico austríaco. «Não desejamos as coisas porque percebemos nelas um valor, mas antes atribuímos-lhes valor porque as desejamos». 13 (1844-1900), «A natureza em si mesma carece de valor, somos nós que lho outorgamos”.
13
época contemporânea por filósofos como Max Scheler (1874-1928) e Nicolai Hartmann
(1882-1950), remonta a Platão (428/427 a.C. - 348/347 a.C.) e à Teoria das Ideias por
ele defendida. A ideia é muito simples e consiste no seguinte: “Os valores existem em si
e por si, à margem de toda a relação com o Homem enquanto sujeito que pode conhecê-
los e apreendê-los. São, pois, valores em si e não para o Homem” (Vázquez, 1969, p.
136). Ou seja, enquanto entidades absolutas e independentes, os valores não necessitam
de ser colocados em relação com o Homem. Também nesta conceção podemos destacar
três conceitos fundamentais, são eles: o conceito de objetividade, absolutividade e
perenidade. Em primeiro lugar, os valores são objetivos e existem em si e por si
mesmos. Em segundo lugar, os valores são absolutos, isto é, não dependem de nada,
nem do sujeito, nem do objeto, valem por si mesmos. Por fim, os valores são
intemporais, não sofrem alterações, nem acompanham a história da humanidade.
A questão que se levanta de pronto passa por perceber qual o sentido de valores
como a solidariedade, a lealdade ou a amizade se não existissem sujeitos que pudessem
ser solidários, leais ou amigos (Vázquez, 1969). De facto, tudo aponta para a ideia de
que os valores que conhecemos têm – ou tiveram – sentido em relação com o Homem e
somente nesta relação. Uma importante objeção que se pode fazer ao objetivismo
axiológico é o facto de ignorar, por completo, o contexto no qual ocorre a valoração,
uma valoração, naturalmente, situada e, por conseguinte, influenciada por esse mesmo
contexto. Para além disso, o objetivismo axiológico parece esquecer algo que é por
demais evidente, a saber: que o mundo em que vivemos não é estático. À medida que a
realidade se transforma, e porque se transforma, também nós nos vamos modificando,
bem como a nossa perceção dos valores.
Assim, à pergunta «Moralidade: invenção ou descoberta?» encontramos duas
respostas diferentes. Para o objetivismo axiológico, o valor existe independentemente
da apreciação de um sujeito individual ou coletivo. Em suma, os valores são apenas
descobertos pelo Homem, mas não criados por ele. De acordo com o subjetivismo
axiológico, o valor só ganha sentido pela apreciação individual ou coletiva. O Homem,
na sua relação com o mundo, é o criador dos valores.14 Porém, uma coisa é certa: a
experiência dos valores é um facto nas nossas vidas. Qualquer compreensão adequada
de nós mesmos pressupõe esta experiência. Ademais, julgamos o valor não só das
nossas vidas e ações como as dos demais; umas vezes em termos mais gerais, isto é,
quando consideramos uma pessoa boa ou má, justa ou injusta. Ora, é precisamente a
14Poder-se-á ainda adotar uma posição intermédia e defender que os valores dependem simultaneamente do sujeito e do objeto. “As propriedades reais que sustentam o valor, e sem as quais este não existiria, são valiosas somente em potência. Para passar a ato (…), é indispensável que o objeto
esteja em relação com o homem social (…).” (Vázquez, 1969, p. 141), isto é, com os seus interesses e com as suas necessidades. Esta conceção rejeita, por um lado, o subjetivismo axiológico, mas também o objetivismo axiológico. Assumir esta posição possibilita ter em linha de conta o contexto em que a valoração ocorre sem, com isso, cair no relativismo axiológico.
14
ética que se ocupa com esta dimensão da nossa experiência de valor, ou seja, com o
nosso pensamento moral. Por ser assim, o último momento da aula será, então, dedicado
à distinção entre moral e ética.
O título “Intenção ética e norma moral15” aponta para a distinção entre os
conceitos de moral e ética, mas tal distinção é, por sinal, problemática. Em primeiro
lugar, porque se atentarmos aos seus significados etimológicos16 reconheceremos
sentidos muito próximos. Em segundo lugar, porque têm sido, e continuam a ser, usados
indiferenciadamente. “Podemos, todavia, vislumbrar uma subtil diferença consoante se
acentua o que é estimado como bom ou o que se impõe como obrigatório” (Ricouer,
1990, p. 3). A ser assim, e segundo uma formulação mais rigorosa, diremos que a moral
se apresenta como um conjunto de normas que regulam o comportamento do Homem,
ao passo que a ética é a reflexão teórica sobre esse tipo de comportamento bem como
sobre o fundamento das normas que o regem. No caso da moral estamos num nível
prático, “(…) marcado por normas, obrigações e interdições caracterizadas
simultaneamente por uma exigência de universalidade e por um efeito de coerção”
(Ricoeur, 1990, p. 4) Ao passo que na ética, estamos num campo teórico, ou seja, de
pensamento e de reflexão sobre a vida. O problema do que fazer em cada situação
concreta é um problema prático-moral e não teórico-ético. Ao contrário, definir o que é
o bem não é um problema moral cuja solução cabe a cada indivíduo, mas um problema
geral de carácter teórico cujo estudo é da competência da ética. Naturalmente que estes
dois domínios se encontram interligados, pois “(…) os homens não só agem
moralmente (…), mas também refletem sobre esse comportamento prático e o tomam
como objeto da sua reflexão e do seu pensamento” (Vázquez, 1969, p. 17).
Os problemas teóricos e os problemas práticos, no terreno moral, diferenciam-se
mas não estão separados por uma barreira intransponível. As soluções que se dão aos
primeiros não deixam de influir na solução dos segundos. Por sua vez, os problemas
propostos pela moral prática constituem a matéria de reflexão da ética. Assim, aquilo
que os afasta reside na sua generalidade ou falta dela. “Os problemas éticos
caracterizam-se pela sua generalidade e isto os distingue dos problemas morais da vida
quotidiana, que são os que se apresentam nas situações concretas” (Vázquez, 1969, p.
22). A ética é assim uma reflexão sistemática sobre o comportamento moral dos seres
humanos e Sócrates terá sido o primeiro a colocar a questão de como se deve viver para
se viver bem. É, pois geralmente aceite que a moral exige um cuidado; um cuidado de si
e um cuidado do outro. Em resumo: um viver bem, com e para o outro. “Esta
reciprocidade dos insubstituíveis é o segredo da solicitude. A reciprocidade
aparentemente só é completa na amizade, onde um estima o outro como si mesmo”
15 Tal como encontramos o Programa da disciplina. 16 A palavra ética deriva do grego “ethos” que significa carácter, costume ou hábito. A moral advém da palavra latina "moralis" e da palavra latina "mores" (que significa "costume" ou "hábito").
15
(Ricouer, 1990, p. 7). Em resumo, a ação moral exige um compromisso para com o
outro, ou seja, que perante os desafios da vida cada eu na exigência de uma escolha
decida de forma imparcial, isto é, como se representasse na sua escolha todos os
restantes sujeitos. A ideia é simples e Ricouer descreveu-a bem na seguinte passagem:
O outro é também o outro como tu.
Resta, com efeito, procurar perceber qual a necessidade da reflexão ética nas
nossas vidas. Refletir eticamente significa procurar o fundamento dos atos considerados
moralmente valiosos e significa escrutinar os princípios que lhe estão subjacentes.
Quem obedece às normais morais só porque tem por hábito segui-las e não quer afrontar
os costumes e as tradições da sociedade em que está inserido padece daquilo a que o
filósofo Immanuel Kant chamou heteronomia moral. Esta significa que a vontade do
sujeito é controlada por outrem (héteros) e que o sujeito não é autónomo, não revelando
capacidade para se autodeterminar. Por sua vez, a reflexão ética implica um verdadeiro
exercício de autonomia intelectual, de modo a que estejamos suficientemente
informados, que não sejamos guiados apenas pelo nosso interesse pessoal e, finalmente,
de modo a que não sejamos governados pelas perspetivas dos outros. Tal Como
Kant afirmara, a reflexão ética consiste no sublime convite de ter a coragem de nos
servirmos do nosso próprio entendimento.
Fundamentação Pedagógico-didática - Valores e valoração. Intenção
ética e norma moral.
A escolha dos recursos, estratégias e atividades pensadas e aplicadas nesta aula
têm em consideração a especificidade da turma, os conteúdos programáticos a abordar e
os objetivos propostos. Pretende-se, deste modo, criar situações favoráveis à motivação
dos discentes, garantindo da sua parte uma maior participação e empenho nos exercícios
propostos em contexto de sala de aula. Estamos conscientes que “O que é desejável para
determinados alunos e grupos de alunos depende em parte das suas características atuais
e das suas metas e aspirações para o futuro” (Boavida, 1998, p. 135). Nesse sentido, a
incerteza, a insatisfação ou, por sinal, a impossibilidade de dar conta cabalmente do
mais básico desta atividade, isto é, adequar-se tanto quanto possível às características
específicas do grupo-turma, longe de ser um obstáculo constitui o motor do filosofar17.
O verdadeiro sentido didático de toda e qualquer aula de filosofia consiste em
saber quais os recursos e estratégias que são mais convenientes aplicar, em função de
circunstâncias específicas e de conteúdos com uma natureza própria. Eis, deste modo, o
verdadeiro desafio em que se traduz qualquer construção e preparação de uma aula. No
17 Conscientes (…) que o que move o filosofar é o desafio de ter que dar conta, permanentemente, de uma distância ou um vazio que não acaba de encher”. (Cerletti,
16
que nos diz respeito, e uma vez que esta aula se encontra dividida em três pontos
centrais18, optar-se-á por recorrer a diferentes estratégias e recursos19 de modo a garantir
a materialização dos objetivos previamente definidos. A sua utilização, em diferentes
momentos da aula, pressupõe igualmente diferentes propósitos. Em alguns casos como
forma de introduzir novos conteúdos, noutros como forma de consolidar e sistematizar
os mesmos. Porém, em todos eles o objetivo passa por facilitar a obtenção do
conhecimento e o correto entendimento dos conteúdos selecionados, bem como manter
os alunos empenhados e motivados no estudo.
Esta preocupação está particularmente presente na primeira estratégia a utilizar e
que tem como finalidade explicar os objetivos da lição e preparar os alunos para a
aprendizagem. A ser assim, este primeiro momento está pensado de forma a sistematizar
os conteúdos anteriormente lecionados. Esta sistematização justifica-se por permitir aos
estudantes separar o acessório do essencial e, não menos importante, assegurar um
quadro de referência para as matérias que se vão aprender. Por forma a cumprirmos
aquilo a que nos propomos, recorreremos ao uso do diálogo orientado20. Esta opção
justifica-se pelo simples facto de forçar o aluno a revisitar os conteúdos anteriormente
lecionados, supondo que este seja capaz de entender, sistematizar e problematizar a
temática em causa, a saber, «O que são os valores?». O nosso objetivo é só um: tornar
ativa e dinâmica a participação de todos os alunos; facto determinante para um ensino
de qualidade e que pressupõe uma “(…) libertação da estrutura rígida, formal e
unidimensional da relação pedagógica, para uma estrutura aberta (…)” (Boavida,
1991:307).
Quanto mais significativa e clara a aprendizagem se apresentar, maior será a sua
funcionalidade, na medida em que oferece mais possibilidade de interação com novas
situações e conteúdos. É de fundamental importância que se perceba que uma
aprendizagem significativa21 pressupõe, antes de tudo o mais, uma participação ativa e
dinâmica por parte do discente. É, pois, em função dele que a nossa atividade – ensinar
– se justifica. Como tal, esta deve ser pensada com e para ele. É na esteira deste
18 A saber: I) caracterização geral dos valores; II) Análise comparativa entre duas conceções sobre a natureza dos valores: subjetivismo e objetivismo axiológico; III) distinção entre intenção ética e norma moral. 19Algo que é referido no próprio Programa da disciplina de Filosofia: princípio da diferenciação de estratégias (segundo uma lógica de aprendizagem que tenha em conta os diferentes estilos de aprendizagem próprios de cada estudante) e princípio da diversidade de recursos (a sua suposição implica que as aulas devem assentar na variedade de recursos que cada situação possibilitar). 20 A utilização da estratégia de diálogo orientado baseia-se na consideração da linguagem como facilitadora da compreensão. Vemos na sua utilização uma excelente oportunidade de interpelar os alunos e de desconstruir com eles algumas das ideias a serem transmitidas. Manuel Maria Carrilho sugere que, “a linguagem é vista como sendo sempre, no seu uso, resolução de problemas” (CARRILHO, Manuel Maria, Filosofia, Quimera, 3ª Edição, Coimbra, 2003, pág. 104). 21 Aponta para a necessidade de os novos conteúdos programáticos se relacionarem com o conhecimento prévio que o aluno já possui. Ou seja, a função do professor passa, essencialmente, por ter em linha de conta a «experiência» do aluno e os conhecimentos que este já possui.
17
princípio que optaremos por, ainda nesta primeira parte da aula, dar início à correção de
duas atividades que se encontram no manual adotado22.
Tratam-se de duas atividades objetivas e simples, mas que nos permitem aferir
diretamente sobre a compreensão dos conteúdos abordados. Estas atividades têm a
vantagem de incitar uma participação variada dos discentes, averiguando, num maior
número de intervenientes, a sua compreensão da temática em causa. Para além disso, no
caso de se verificarem algumas dúvidas, hesitações ou imprecisões, temos ainda a
vantagem de poder, atempadamente, esclarecê-las e corrigi-las. A sua correção será
acompanhada por um interrogatório didático constante. Um interrogatório que não se
dirige ao grande-grupo, mas, pelo contrário, a um estudante específico. Ou seja, para
cada questão e/ou alínea pedir-se-á o contributo de um aluno diferente, de modo a
enriquecer a sua correção e a evitar a desordem que suscita várias respostas dadas em
simultâneo. Acreditamos que esta opção possibilita, igualmente, que cada aluno se sinta
como parte integrante e valiosa do processo de revisão em que consiste esta correção.
Mais concretamente, das características gerais dos valores e dos juízos de facto e de
valor.
A projeção e organização dos conteúdos em diapositivos é, sem dúvida, uma
mais-valia no processo de ensino-aprendizagem. Contudo, por si só, não basta; isto é,
em si mesmo não garante uma aprendizagem sólida e eficaz. Parece, pois, que a ênfase
está na clareza da exposição por parte do professor – o elemento pedagógico-didático
por excelência que transforma a informação em aprendizagem. Justamente por isso,
neste segundo momento da aula, a tónica estará na exposição clara dos objetivos e dos
aspetos principais da matéria a abordar, acompanhada, sempre que possível, por
exemplos pertinentes e elos explicativos. Importa salientar que no decorrer desta
exposição, em que é nosso objetivo aprofundar duas conceções sobre a natureza dos
valores, teremos como apoio alguns diapositivos que serão analisados com os
estudantes. Pretende-se assim apresentar um modo mais apelativo de ensinar (de entre
outros existentes) e fundamentalmente garantir que as ideias principais são transmitidas.
Todavia, estamos conscientes que “(…) uma verdadeira exposição não é um
monólogo, ou seja, o professor-expositor não expõe para si próprio, mas tendo em vista
uma comunicação real com os alunos” (Marnoto, 1989, p. 14). Por esse motivo, torna-
se evidente que a eficácia dessa exposição depende, em exclusivo, da aprendizagem
efetiva dos estudantes. Como tal, é fundamental que o docente esteja atento ao feedback
dos alunos, mostrando, para isso, uma apurada sensibilidade aos seus interesses e
dificuldades. Eis, deste modo, aquilo a que nos propomos na exposição destes mesmos
conteúdos.
22 Alves, F., Arêdes, J. & Bastos, P. (2013). Pensar. Lisboa: Texto Editores. Página 78 e 79.
18
Reconhecendo a importância da leitura e análise de textos/obras no estudo desta
disciplina, daremos início à leitura orientada de um excerto retirado da obra Filosofia
dos Valores do filósofo Johannes Hessen. A sua utilização justifica-se pelo simples
facto de introduzir um conjunto de noções que consideramos fundamentais, bem como
por salientar esta relação de dependência entre as ações humanas e os valores que as
orientam. Conscientes de que a melhor maneira de possibilitar um ensino motivante e
dinâmico passa essencialmente por dar voz ao aluno, lançar-se-ão algumas questões. O
objetivo é muito simples: por um lado, separar o essencial do acessório, por outro,
assegurar que o conteúdo é totalmente compreendido pelos estudantes. Este momento
da aula dedicado à leitura e análise textual permite-nos estabelecer um espaço de
diálogo23 e interação com os alunos. Como Isabel Marnoto afirma “O texto (escrito) tem
uma consistência que o oral não tem” (Marnoto, 1989, p. 89). De facto, reconhecemos
na leitura textual uma possibilidade de descentração, da totalidade da aula, nos
conhecimentos do professor, permitindo ao aluno convocar diferentes sentidos para a
realização da sua análise e, neste caso em específico, estabelecer uma ponte entre os
conteúdos anteriormente lecionados com os novos conteúdos que se pretendem
examinar.
A escolha deste excerto justifica-se, assim, por duas razões. Em primeiro lugar,
por mostrar ao estudante este vínculo inextricável entre os valores e as nossas ações. Em
segundo lugar, porque releva um aspeto de extrema importância, a saber: os valores
refletem aquilo que somos e aquilo a que damos importância. Por sua vez, o autor deixa
bem claro que o conhecimento consciente dos valores que nos regem, sobretudo os de
bem, guiam-nos da melhor maneira nas nossas vidas. Ou seja, o valor de bem conduz à
realização plena do sentido da vida. Ora, é precisamente nas noções de bem e de
carácter, que o autor menciona e destaca, que vemos uma porta de entrada ao estudo que
se pretende, de seguida, desenvolver. Estamos conscientes que “Para que as novas
matérias tenham significado para os alunos, os professores devem encontrar maneiras de
estabelecer a ligação entre essas novas matérias e os conhecimentos que os alunos já
possuem” (Arends, 1985, p. 284). É, pois, com base no que acaba de ser afirmado que
vemos justificada a nossa escolha.
Por forma a responder às duas perguntas que orientarão a parte final da aula, a
saber, «O que é a ética?» e «O que é a moral?», daremos início à visualização de um
pequeno vídeo24. Trata-se de uma entrevista ao filósofo espanhol Fernando Savater, na
23 “O diálogo, aqui também suposto, é sobretudo pensado como um debate a partir de um elemento comum a docentes e alunos e alunas que servirá, simultaneamente, como o lugar da procura de informações, e o ponto de partida da análise crítica” (Vicente, 2001, p. 16). 24 Hoje mais do que nunca, é reconhecida a importância da utilização dos recursos tecnológicos no ensino, algo que é referido no próprio Programa da disciplina: “(…) os meios audiovisuais podem ser
19
qual o autor nos explica, numa linguagem simples e absolutamente acessível (como é
sua característica), esta distinção entre o que é, por um lado, a moral e, por outro, o que
é a ética. A sua utilização justifica-se por permitir aos alunos um contacto (mais) direto
com um autor que tem sido alvo de várias análises em diferentes aulas. Para além disso,
com a sua utilização procuramos quebrar possíveis momentos de exposição e dar lugar à
reflexão; pois, “(…) Em contextos de aprendizagem que se pretendem dinâmicos, [os
alunos] devem aprender a refletir, a problematizar e a relacionar diferentes formas de
interpretação do real.” (Vicente, 2001, p. 5). Acreditamos que o recurso aos meios
audiovisuais torna-se relevante, se não mesmo imprescindível, para motivar os
estudantes para os temas e/ou problemas que se pretendem desenvolver. Todavia, para
que a sua exibição se torne mais formativa, parece-nos necessário que seja
acompanhada de critérios específicos. Nesse sentido, serão lançadas algumas perguntas
aos alunos por forma a monitorizar a sua compreensão.
O momento de motivação conduz, progressivamente, ao momento seguinte da
aula, onde se colocarão em contraste estes dois domínios. É fundamental organizar
algumas das ideias anteriormente debatidas com os estudantes. Além do mais, é
importante que o aluno compreenda que estas duas dimensões não são totalmente
opostas, antes pelo contrário, mantêm entre si uma relação de complementaridade.
Nesse sentido, e por forma a garantir uma exposição clara da nossa parte, daremos
início à construção de um esquema-síntese no qual se evidenciam estes dois aspetos
estruturais. Em primeiro lugar, no que se distinguem. Em segundo lugar, qual a relação
que mantêm entre si. Consideramos que a construção de esquemas em conjunto com os
alunos “Podem ajudar a decidir quais as ideias essenciais que se vão ensinar e também
podem servir como uma ajuda pictórica para os alunos compreenderem as relações entre
as várias ideias” (Arends, 1995, p. 284).
Importa salientar que, já na parte final da aula, optaremos por fazer uma breve
alusão a dois conceitos que para nós são de extrema importância. São eles: o conceito de
heteronomia moral e autonomia moral. Esta opção justifica-se por permitir aos alunos
uma melhor compreensão da verdadeira importância que a reflexão ética desempenha
nas nossas vidas. Uma reflexão que se traduz em autonomia moral e que implica
naturalmente (como condição sine qua non) uma autonomia intelectual. Pretende-se
assim deixar aos alunos o convite sublime que o filósofo Immanuel Kant (1724-1804)
fez à humanidade, a saber: tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento,
por mais cómodo que seja ser menor25. Para além disso, pretende-se com esta escolha
objeto de múltiplas utilizações na aula de Filosofia e contribuírem para o desenvolvimento de diversas competências” (Vicente, 2001, p. 18). 25 Menoridade entendida como a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem.
20
“(…) contribuir para a construção da identidade pessoal e social dos jovens,
[permitindo-lhes] (…) compreender o mundo em que vivem, integrar-se nele e
participar criticamente na sua construção e transformação” (Vicente, 2001, p. 5). Em
suma: esta escolha justifica-se por estarmos conscientes que o ensino de filosofia deve
contribuir para fazer dos estudantes agentes críticos capazes de pensar, avaliar e decidir
da melhor maneira sobre as diferentes situações da vida em que se deparam. De facto,
concordamos com Cerletti quando afirma: “Um bom professor de qualquer disciplina
não ensina para que os seus alunos repitam de memória, ensina a pensar criticamente
(…)” (Cerletti, 2008, p. 46).
A ser assim, a primeira estratégia a utilizar passa pela análise de um testemunho,
no qual se evidencia uma dependência em absoluto da orientação de outrem. De modo a
orientar esta mesma leitura, lançar-se-ão algumas questões. São elas: I) será expectável
que a personagem tenha uma conduta pautada por normas morais?; II) Preocupar-se-á
em refletir eticamente sobre a sua conduta?; III) No caso em apreço, será legítimo falar
em heteronomia moral?. O nosso objetivo é muito simples: salientar que a heteronomia
moral, ainda que em certas fases da vida seja necessária, não é, todavia, suficiente.
Nesse sentido, é nosso intuito levar o aluno a assumir uma atitude crítica em relação aos
códigos morais, baseada na convicção de que a reflexão pessoal é imprescindível. Por
fim, e para que o aluno compreenda, por um lado, a importância da reflexão ética e, por
outro, as consequências desta heteronomia, procuraremos associar o conteúdo deste
testemunho com uma passagem retirada da obra Ética para um Jovem de Fernando
Savater. É nosso intuito salientar que é próprio do Homem, enquanto ser racional, ser
dono de si, isto é, agir porque a sua razão assim o pede e não porque outrem o exige.
Em suma: o conteúdo selecionado permite revelar/mostrar que a ética, enquanto área
temática fundamental da Filosofia, é sem sombra de dúvida muito útil para se
ultrapassar o senso comum e o moralismo convencional
O PowerPoint surge nesta planificação como um ponto de partida para o estudo,
cumprindo, no nosso entender, a função de esquematizar a informação transmitida.
Importa, no entanto, referir que surge como parte integrante de um conjunto dinâmico
de recursos e estratégias que culminam numa lecionação mais coesa, clara, variada e,
por isso, mais completa dos conteúdos.
No que diz respeito à avaliação dos discentes, utilizar-se-á uma grelha de
observação formal na qual serão avaliados os seguintes aspetos: pontualidade, material,
comportamento adequado à sala de aula, realização das tarefas propostas, rigor e
qualidade de argumentação e, por fim, qualidade e pertinência nas respostas solicitadas.
Tudo isto será devidamente apontado de maneira a conferir rigor e precisão na nossa
avaliação.
21
Bibliografia:
Almeida, A. & Murcho, D. (2014). Janelas Para a Filosofia. Lisboa: Gradiva.
Alves, F., Arêdes, J. & Bastos, P. (2013). Pensar. Lisboa: Texto Editores.
Arends, R. (2008). Aprender a ensinar. Lisboa. Mc. Graw-Hill, pp. 279-291.
Blackburn, S. (2007). Dicionário de Filosofia. Lisboa: Gradiva.
Boavida, João (1991). Filosofia – do Ser e do Ensinar. Coimbra: Coimbra Editora.
Boavida, J. (1998). Educação: Objetivo e Subjetivo. Porto: Porto Editora.
Cerletti, A. (2008). O Ensino de Filosofia. Belo Horizonte: Autêntica Editora.
Gaspar, Adília; Manzarra, António. (2017). Filosofia 10, Raíz: Editora.
Henriques, F., Vicente, J. N., & Barros, M. R. (22 de fevereiro de 2001). Programa de
filosofia 10º e 11º Anos. Cursos Científicos-Humanísticos e Cursos Tecnológicos, pp.
1-46.
Hessen, J. (1974). A Filosofia dos Valores. Coimbra: Arménio Amado, Editor.
Marnoto, I., Ferreira, L. R., & Garrão, M. (1989). Filosofia 1: Dimensões da Atividade
Humana. Lisboa: Texto Editora.
Webgrafia:
Branquinho, J. & Santos, R. (2014). “Distinção Facto/Valor”. Obtido em 27 de
fevereiro de 2019, disponível em:
http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/15298/1/silva_distin%C3%A7%C3%A3o_facto
_valor_artigo.pdf
McNaughton, D. (2017). “Moralidade: invenção ou descoberta?”. Obtido em 01 de
março de 2019, disponível em: https://criticanarede.com/pensamentomoral.html
Ricouer, P. (1990). “Ética e Moral”. Obtido em 01 de março de 2019, disponível em:
https://s3.amazonaws.com/academia.edu.documents/43972705/2._Ricoeur._Etica_e_mo
22
ral_pt.pdf?AWSAccessKeyId=AKIAIWOWYYGZ2Y53UL3A&Expires=1551885474
&Signature=tcSwcMqETtKzxNDP3e8Uzb1xWGU%3D&response-content-
disposition=inline%3B%20filename%3DE_MORAL.pdf
Vázquez, S. (1969). Ética. Obtido em 25 de fevereiro de 2019, disponível em:
https://pt.scribd.com/document/362706040/Sanchez-Vazquez-Adolfo-Etica-pdf
23
Anexos
24
25
Anexo I –
PowerPoint
26
27
28
29
30
31
Anexo II, atividade no manual adotado página 78.
Anexo III, atividade no manual adotado página 79.
32
Reflexão – Regência 11
Reflete-se, de seguida, a regência 11, com o 10º A, no passado dia 08 de março
de 2019, na Escola Secundária Aurélia de Sousa. Mais do que uma reflexão sobre os
conteúdos programáticos selecionados e preparados para esta aula, o que se segue
procura sobretudo analisar e/ou avaliar a postura que orientou toda a prática pedagógica
antes da regência, no decorrer da regência e, não menos importante, após a regência.
Pretende-se, deste modo, analisar quais as variáveis que estiveram presentes aquando
desta planificação e na sua execução. Neste sentido, a reflexão a que me proponho
segue cinco momentos fundamentais, a saber: o pior, o melhor, a modificar, a retirar e a
introduzir.
Esta regência, sobretudo, no início, fez-se pautar por um certo entusiamo e à
vontade em relação aos conteúdos que tinha por lecionar, o que resultou num discurso
mais fluído e numa maior proximidade com os estudantes. De facto, posso e devo
sublinhar que se vivenciou um clima propício à aprendizagem; onde os alunos tiveram
uma voz espontânea e livre, sem nunca se perder de vista o rigor científico. Cada vez
estou mais consciente da necessidade de uma participação ativa e igualmente pertinente.
Não basta os alunos se querem fazer ouvir, é também necessário que estes
compreendam que a sua participação implica rigor e, naturalmente, uma certa
organização.
Julgo que esta proximidade entre professor-alunos é evidente, os seus nomes já
não me são estranhos nem o meu lhes é novo. Claro está que esta proximidade tem-me
sido muito útil, pois os alunos acabam por se envolver no modo como exponho e
articulo os diferentes conteúdos, contribuindo com questões pertinentes e outros pontos
de vista. Pela primeira vez, foi-me colocada a questão relativa a minha posição
filosófica perante duas perspetivas antagónicas. Reconheci, naquele exato momento,
que os estudantes se preocupavam e interessavam pelo meu ponto de vista e, melhor
ainda, compreendi também a segurança que depositavam nos meus conhecimentos
científicos.
O primeiro momento da aula consistiu na sistematização e consolidação de
alguns conteúdos anteriormente lecionados. A meu ver, as atividades foram bem
corrigidas, dando espaço suficiente para uma boa dinâmica entre professor-alunos. Para
além disso, julgo que os conteúdos essenciais foram bem consolidados, permitindo-me,
tal como previa, uma boa entrada nos novos conteúdos que pretendia explorar. Todavia,
33
aquando da minha exposição oral, vi-me com algumas dificuldades na explicitação do
objetivismo axiológico. De facto, reconheci nos rostos dos estudantes alguma
inquietação e sobretudo alguma confusão na apreensão das ideias centrais. Essa
constatação levou-me a um certo nervosismo, pois estava consciente de os alunos não
terem disponíveis pré-requisitos que lhes permitissem uma melhor compreensão. Nesse
sentido, optei por recorrer a um esquema no quadro que, embora pensado na hora,
permitiu esclarecer algumas dúvidas e, fundamentalmente, ultrapassar o nível de
abstração que a matéria em específico implicava. A meu ver, este foi um dos melhores
momentos da aula. Por um lado, porque me permitiu reagir ao imprevisto de forma
inédita, isto é, sem qualquer bengala prévia. Por outro, reconheci naquele momento o
meu cuidado face aos alunos, isto é, não avançando na matéria sem que certos
conteúdos estivessem bem consolidados.
Já no que diz respeito ao contraponto que se fez entre o subjetivismo e o
objetivismo axiológicos, optei por construir um esquema no quadro no qual contavam
três conceitos-base para cada uma das perspetivas. Na sua construção e explicitação
optei por recorrer sempre ao mesmo exemplo, alterando-o conforme o conceito e
conforme a perspetiva que se estivesse a analisar. A minha ideia era só uma: que os
alunos através do mesmo exemplo compreendessem as diferenças estruturais entre estas
duas perspetivas, reconhecendo igualmente as suas consequências. Do meu ponto de
vista, este foi um momento que me permitiu apresentar meios adequados para
consolidar e sistematizar os conteúdos e, por conseguinte, avançar de forma oportuna. A
meu ver, foi esta preocupação entre o que está a ser ensinado e o que está a ser
aprendido que me permitiu apresentar um fio condutor claro, bem como uma passagem
equilibrada e interessante entre as diferentes temáticas a serem analisadas. Para além
disso, cumpre observar que houve da minha parte uma boa orientação, o que resultou
numa efetiva e clara transposição didática.
Importa salientar que não foi cumprido o plano, o que, à primeira vista, pode ser
considerado com um aspeto negativo desta regência. Todavia, analisando a quantidade
de conteúdos que tinha por lecionar, considero que se tratava de um plano ambicioso e
pouco exequível. Para além disso, na segunda parte da aula o grupo-turma encontrava-
se mais agitado, o que acabou por destabilizar, em certa parte, a harmonia que até então
se tinha experienciado. Por ser assim, vi-me forçada a orientar de forma mais fechada o
meu discurso. Estou consciente de que isso acabou por afetar a boa dinâmica da aula.
No entanto, algo não deve ser esquecido: a gestão de tempo é uma presença constante,
algo que nos é solicitado a todo o momento e que nos permite, quando bem orientada,
34
alcançar os objetivos previamente definidos. A ser assim, do mesmo modo que é
importante solicitar o contributo dos estudantes, é também fundamental saber expor de
forma consistente e sucinta.
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