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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
RELATÓRIO
I SEMINÁRIO DA ÁREA DE SAÚDE DO FORUM DE PRÓ-REITORES DE
EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS/ II
SEMINÁRIO DA ÁREA DE SAÚDE DA REGIONAL SUDESTE DO FORUM
DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
BRASILEIRAS.
SÃO PAULO 2010
I SEMINÁRIO DA ÁREA DE SAÚDE DO FORUM DE PRÓ-REITORES DE
EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS.
II SEMINÁRIO DA ÁREA DE SAÚDE DA REGIONAL SUDESTE DO FORUM
DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS
BRASILEIRAS.
TEMA: “CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA NACIONAL DE EXTENSÃO
PARA ÁREA DE SAÚDE”.
Data: 11 e 12 de junho de 2010
Local: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO (UNIFESP)
Realização: PRÓ-REITORIA DE EXTENSÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL
DE SÃO PAULO (UNIFESP).
Apoio
Universidade Federal de Minas Gerais
Universidade Federal de Uberlândia
Fundação de Apoio à Universidade Federal de São Paulo - FapUNIFESP
Comissão organizadora
Profa. Dra. Eleonora Menicucci de Oliveira Pró-Reitora de Extensão da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Coordenadora da Área de Saúde do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Prof. Dr. José Roberto da Silva Brêtas Vice Pró-Reitor Adjunto de Extensão da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Coordenador da Área de Saúde da Regional Sudeste do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras. Profa. Dra. Geni de Araújo Costa Diretora de Extensão da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Profa. Dra. Paula Cambraia de Mendonça Vianna Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
PROGRAMA
(1) Palestra com o tema: O PAPEL DA EXTENSÃO NO
DESENVOLVIMENTO E CONSOLIDAÇÃO DO SUS.
Conferencista: Prof. Dr. Sigisfredo Brenelli (Coordenador de Ações
Estratégicas de Educação na Saúde).
(2) Mesa redonda com o tema: “REFERENCIAIS TEÓRICOS E
METODOLÓGICOS NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA”.
Coordenadora: Profa. Dra. Geni de Araújo Costa
Diretora de Extensão da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Debatedora: Profa. Dra. Paula Cambraia de Mendonça Vianna
Professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
TEMA 1: A PRÁTICA EXTENSIONISTA NA FORMAÇÃO DE
PROFISSIONAIS PARA O SUS.
Conferencista: Profa. Dra. Regina Lúcia Monteiro Henriques
Enfermeira, Sub-Reitora de Extensão e Cultura da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ).
TEMA 2: POLÍTICAS DA DIFERENÇA E PRÁTICAS DE EXTENSÃO.
Conferencista: Prof. Dr. Pedro Paulo Gomes Pereira
Antropólogo, Professor do Departamento de Medicina Preventiva da Escola
Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
TEMA 3: A EXTENSÃO NA SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE.
Conferencista: Profa. Dra. Ana Cristina Passarella Brêtas
Enfermeira. Socióloga, Professora da Escola Paulista de Enfermagem da
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
(3) Grupo de trabalho
RELATÓRIO DO SEMINÁRIO
Mesa redonda com o tema: “REFERENCIAIS TEÓRICOS E
METODOLÓGICOS”.
TEMA 1 - PRÁTICA EXTENSIONISTA NA FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS
PARA O SUS.
Conferencista: Prof. Dr. Regina Lúcia Monteiro Henrique
Prazer enorme pelo espaço de troca e o fórum de Pró-Reitores de
Extensão tem sido um espaço muito rico para este tipo de troca de experiência
e reflexões e de retorno para as instituições em relação às experiências vividas
em conjunto.
A área temática de saúde da regional sudeste a nacional realizou um
seminário num bom momento para pensar e refletir sobre os processos de
formação na área da saúde e que relação é feita no processo de formação do
Sistema Único de Saúde. É importante recuperar um pouco a trajetória
histórica dos movimentos sociais em que muito dos presentes participaram
ativamente destes movimentos na década de 80.
Passados 20 anos da constituição do SUS que possa se pensar no que
de fato avançou e qual a responsabilidade pública e política que as instituições
de ensino também possuem ao alcance do objeto de desejo de todos na
construção deste Sistema Único de Saúde.
Trajetória: Enfermeira de formação, Professora de Enfermagem na
UERJ, participou de um Projeto que a UERJ desenvolveu junto ao Município do
RJ, na década de 80, que foi a constituição de um Posto de Saúde numa época
em que o Município estava desenvolvendo uma política a partir das áreas e de
toda a discussão da época de organização de Postos de Atenção Primária e
Unidades Básicas de Atenção Primária e a UERJ e o Município desenvolveram
em parceria a proposta de um Posto que teria uma característica de inovar em
determinadas práticas e em determinadas políticas para a saúde juntando a
academia e o serviço numa proposta de experimentação fosse um local que
pudesse usar algumas coisas, já que tinha uma característica que diferia dos
demais da rede municipal, diferia a inserção que a universidade fazia nos
serviços e no seu próprio hospital.
Hoje, ainda encontro profissionais que atuaram no mesmo projeto e
relatam a experiência como algo formador que desenhou a trajetória de vida
que seguiram depois.
Esta experiência é uma potencia dentro da articulação ensino-serviço
como organizador de postura de vida das pessoas que trabalham na saúde.
Processo de reflexão até chegar no ponto de discussão da extensão e
esse espaço da extensão como sendo um espaço importante da formação
destacando a área da saúde nesse processo de extensão articulada com o
ensino.
Prática Extensionista na Formação de Profissionais para o SUS, teria
que remontar a década de 80 onde começa ver determinados movimentos
sociais no país, movimentos em várias esferas, com destaque ao movimento
na área da educação e saúde. Vivia-se um momento intenso no sistema de
saúde e de proposição de novos modelos de atenção à saúde e também em
alguns municípios viviam-se algumas reorganizações e reorientações dos
modelos assistenciais da organização de rede que permitiu abrir a
possibilidade de participação efetiva da população nestes movimentos.
Tinha também a riqueza nos movimentos na área de formação de
saúde, com experiências bem constituídas e algumas por questões políticas
deixaram de existir.
Destaque para a década de 70 para este repensar a saúde, as políticas
de saúde, a organização das praticas de saúde, dos serviços e o processo de
formação da área de saúde.
A extensão também começa se fazer presente porque na década de 80
tem um momento de consolidação universitária com a criação do Fórum de
Pró-Reitores, com a constituição de uma política nacional de extensão e isso
também fazia parte deste contexto dessa multiplicidade de situações vividas
nas lutas por mudanças na sociedade.
Estes movimentos tinham algo em comum que era a busca pelos
direitos, pela equidade, a luta por uma sociedade mais justa.
Destacando a questão da educação em saúde, é importante dizer que
mesmo com os avanços da constituição dos SUS hoje é possível olhar para
trás e fazer criticamente uma série de discussões em relação à própria
constituição existente hoje.
O que avançou e o que perdeu nas lutas, como foi negociada a
formação do sistema como é hoje. Mas não se pode negar o avanço na
perspectiva da saúde vista como um direito e como isso vai reverberar em
todos os outros aspectos da organização dos serviços e nas praticas, tanto
para os profissionais que estão na rede como para os professores e estudantes
das academias que se articulam como estes serviços no processo de
formação.
Não da para deixar de lado a questão da assistência e do cuidado em
saúde, por ser uma pratica humana, vai se revestindo de significados.
Na própria organização do SUS naquilo que é principio e diretriz do
sistema, se observar do momento da elaboração e enunciação até o
entendimento e compreensão que hoje nós pensamos a respeito desses
princípios veremos que também fomos nos transformando no modo como
encaramos o que está enunciado, na própria organização do SUS.
Destaque para o principio da Integralidade por ter a possibilidade de ter
como uma das lutas e bandeiras, por um sistema mais justo e que pudesse ser
de fato garantia de direito de todos os cidadãos.
Integralidade como primeiro enunciado surge como possibilidade de
integrar os vários níveis da assistência a saúde, garantindo o direito de circular
por este sistema, qualquer que seja a sua entrada no sistema, mas que ela
tenha garantia de acesso a todos os níveis de acordo com sua necessidade e
como o problema que apresente.
Este princípio acabou sendo revestido de um direito de valor ético e
político que é o valor de “como eu cuido” e “como eu me responsabilizo” junto à
pessoa pelo cuidado que ela merece, precisa e demanda ter. Ou mesmo que
ela não demande mas que na conjuntura da sua vida é percebido que tenha
ações que podem se desenvolvidas de maneira a melhorar sua qualidade de
vida e que a pessoa possa ser autora de seu processo de vida na busca de
felicidade inerente ao ser humano.
Mesmo aquela pessoa que sofre por uma patologia já diagnosticada ou
um sofrimento difuso que ela não consegue identificar e que procura o serviço
numa tentativa de descobrir junto ao profissional o que a faz sofrer, todas
merecem a atenção, o vinculo, o cuidado e o acolhimento do profissional que
cuida.
Falar disso é bonito, mas à medida que o discurso é repetido e não
consegue atribuir a ele o sentido de realidade no concreto do cotidiano ele
perde a força.
Esse discurso fica esvaziado de sentido já que ele não opera no
cotidiano.
A integralidade acaba sendo algo assim também porque é dito que é
preciso que o serviço de saúde acolha todas as pessoas que o buscam que
seja capaz de junto a esta pessoa estabelecer um roteiro para que ela possa
se cuidar, que se responsabilize por isso, crie este vinculo que estabelece a
confiança e permitirá que a pessoa construa a trajetória do cuidado. Mas, a
realidade é que o acolhimento é uma salinha com uma plaquinha escrito
acolhimento e quem chega para ser acolhido entra na fila e pega um número e
às vezes consegue conversar com a pessoa responsável pelo acolhimento. Às
vezes a triagem é bem, porém, às vezes nem isso.
Estas situações que o próprio cotidiano apresenta também vão
destituindo de sentido, de significado.
Quanto a Integralidade, temos tentado recuperar esta discussão do
cuidado da saúde, de organização de serviços e da formação para poder dar
um sentido ao que se luta tanto para reestruturar, que não seja simplesmente
uma organização de serviços no sentido de fazer aquilo que mais interessa ao
profissional (não que o profissional não precise também estar cuidado) e ele
estar também acolhido neste processo de trabalho e que possa fazer este
cuidado de forma responsável, que desejamos e queremos.
Muitas vezes nós organizamos o serviço não na perspectiva daquele
que busca o serviço de saúde e da proposta de trabalho junto à população,
mas sim naquilo que fica mais cômodo e melhor, às vezes para o gestor e para
determinados profissionais do serviço.
A Reorganização da formação em saúde veio junto. Talvez possamos
destacar que algumas profissões já estavam engajadas, na década de 80, nos
movimentos sociais e começaram a refletir sobre estes processos de formação
e encaminhar questões em relação a mudanças necessárias para o processo
de formação, outras vieram mais tarde ainda nesta discussão algumas no
movimento tinha uma base sólida no movimento estudantil, outra era no
movimento dos profissionais em busca de uma política de saúde e de atenção
que fosse mais justa e pensava que a formação não podia estar descolada. Já
definia que a formação também precisava ser assumida pelo Ministério da
Saúde como sua responsabilidade na questão da formação de profissionais
para esta área e que todos deveriam implementar processos de transformação
nesta trajetória de transformação que estava sendo implantada.
Não da para pensar na articulação da extensão com a formação em
saúde e com a rede de serviços de saúde sem pensar e destacar alguns
sentidos que fizeram parte destes vários processos de transformação que vem
acontecendo nos cursos da área da saúde.
Destaque nos cursos da área, na arquitetura curricular, ou na metodologia de
ensino, ou nas reflexões com os grupos dentro dos cursos se não é isso é na
perspectiva de que já tem um entendimento que vem elencado, como as
políticas que o Ministério da Saúde tem desenvolvido em relação aos
processos de formação e a necessidade de mudança que estes processos
devem sofrer.
O MS sofreu varias alterações em 2002 e 2003, desenvolvendo
determinadas políticas, como o EDUCASUS e os Pólos de Educação
Permanente, uma articulação maior com a rede Unida, de modo a colaborar,
estimular e apoiar estes processos de transformação nos vários cursos da área
da saúde e agora o MS por meio do Pró Saúde tem buscado este estimulo e
caberia avançar nesta discussão do significado que o Pró Saúde tem hoje no
estimulo e no apoio destes processos de mudança.
A ampliação do cenário de prática é um elemento que está presente em
todas as discussões sobre processos de formação, é possível continuar
formando profissionais que pode estar na rede de serviços do SUS ficando
apenas no interior dos hospitais próprios das universidades mesmo que estes
hospitais possuam praticas ambulatorial e de desenvolvimento de atendimento
primário. Mas é uma realidade completamente distinta e se perde a
oportunidade de os estudantes vivenciarem determinadas experiências, na
vivencia dentro destes serviços, na vivencia nas comunidades, na vivencia com
outros espaços da sociedade que apenas o hospital de clinicas e o hospital
universitário não poderiam oferecer.
A ampliação vem como algo que encabeça todos os processos de
transformação que ocorrem hoje, não só na diversificação, mas também na
oportunidade do estudante entrar em contato com estas redes de realidade
desde o inicio do processo de formação. Então quase todos os cursos se
estruturaram e apresentam esta possibilidade para o estudante deste o
primeiro período e desde a sua entrada e começa a estabelecer esta relação
com estes espaços sociais.
Entendimento de que o espaço é publico e temos uma responsabilidade
política onde nos colocamos neste espaço independente de nosso
posicionamento ideológico e independente da nossa forma de inserção na
universidade, nós somos vistos por outros e temos uma grande
responsabilidade no que fazemos.
Como Profa. Eleonora disse ontem, mudamos a mentalidade do
estudante para não mudar a mentalidade do professor, então ocupar
determinados espaços não é somente estar lá ou usar este espaço como
estratégias para ensinar determinadas praticas ao estudante. Muitas vezes sou
obrigada a diversificar o cenário, então incluo o máximo possível, colocando os
estudantes espalhados por todos estes lugares e um dia ele conta o que fez,
mas é como me responsabilizo de fato por estar com este estudante nestes
espaços onde necessariamente nos aceitaremos mutuamente. É impossível
estar num lugar sem produzir a aceitação do outro.
Gancho da aceitação é fundamental para a discussão que tivemos hoje.
A Inter-relação serviços de saúde e instituição de formação que
queremos e que pretendemos quando colocamos o estudante para viver esta
realidade. É que fiquem o máximo possível discretos só para eu poder passar
para o estudante, fazer aquilo que quero nos serviços, para dizer para o
estudante “olha meu filho, toma cuidado, olha tudo, mas nunca siga o exemplo
do que se faz aqui” ou dizer “como o serviço não quer me aceitar, se estou aqui
para ajudar, fazendo melhor que eles, porque não me aceitam?”. Como é de
fato a relação que estabeleço? Qual responsabilidade deste serviço com o
processo de formação? Temos algumas experiências muito ricas pelo Brasil
afora em relação a novas possibilidades de articulação da academia com os
serviços.
Pensando na extensão isso é relação com a saúde. A extensão tem uma
força, uma riqueza, que atrai como potencia e possibilidade de construir
caminhos mas também não é isenta de suas contradições. Todos nós sabemos
que muitas vezes a extensão é apenas uma prestação de serviços. Muitas
vezes é uma forma de organizar a carga horária do docente desenvolvendo um
projeto extra que ele precisa para pontuar na CAPES, no Lattes ou nos
sistemas de avaliação interna das universidades.
Muitas vezes esta prática extensionista acontece porque uma pessoa
entendeu que aquele processo era muito importante e quis desenvolver, mas é
solitário, às vezes conquista adesão dos alunos, torna-se militante e sozinha,
levando um grupo de alunos, conquistando alguns nesta paixão, mas no
trabalho, se for olhar que impacto concreto ele traz para esta trajetória de
formação e para a organização do serviço, ele não tem e tende a se extinguir
porque fica na dependência de um individuo.
Institucionalidade desta extensão é um termo que precisa desenvolver
mais. Não sei se fazendo a sua curricularização. Portanto, tem que discutir o
que significa isso.
Também se corre o risco de pegar projetos muito potentes e acabar por
enquadrá-los dentro desta rigidez que a universidade possui e que a tudo quer
colocar dentro de um determinado padrão de conhecido.
A extensão por enquanto ainda é um espaço muito vivo com muita
flexibilidade que muda mais rapidamente, então cria possibilidade de novas
experiências.
Destas compreensões possíveis de construir com a relação da extensão
e a saúde, uma delas (explicação dos trabalhos que tem feito junto a cursos em
outros Estados e no RJ) tenho percebido que quando a extensão surge
espontaneamente, naturalmente falada pelas pessoas, ela surge porque as
experiências de extensão de alguma forma abriram a possibilidade de uma
experimentação de uma nova forma de fazer ensino e articular os serviços.
A minha experiência se eu fosse defender como curricular no meu
departamento da minha disciplina eu não conseguiria ter adeptos ou sucesso,
mas se coloco como um projeto de extensão teria poucas resistências. Então
vou experimentando este fazer e de alguma forma potencializando este fazer e
contribuindo a partir da minha experiência alguma reflexão que vá acertar o
curso e a trajetória que esta posta para o estudante. É também uma maneira
de garantir que a minha presença nos serviços não seja daquele que usa os
serviços para determinadas experiências que estão no programa da disciplina.
Ela também permite que eu me articule com o serviço de modo mais parceiro e
mais solidário. Significa o enraizamento daquele curso da universidade naquele
serviço de saúde, garantindo uma presença da universidade, daquele professor
e do grupo de estudantes que vai mudando mas que tem alguém que
permanentemente tem alguém na relação constituindo os novos projetos e os
novos caminhos de trajetória porque esta presente ali no serviço e na
articulação.
Uma articulação também com novos cenários de aprendizagem, então
novas oportunidades que surgem que ainda não tenho tempo para garantir que
sejam inseridas na trajetória de formação, mas que através da extensão posso
abrir estes cenários e à medida que eles avançam e que temos mais
consistência no que esta fazendo, determinadas práticas vai sendo
incorporadas nos cursos e na forma como eles se organizam. A ampliação do
olhar e do dialogo com as pessoas, pode se abrir mais e se deixar afetar pelo
outro e aceitar o outro nessa relação.
Viver experiências diversificadas com significação, e tenho observado
que independente de entender que mudando a metodologia de ensino-
aprendizagem eu abro espaço a ter um ensino que forme de fato cidadãos
além de profissionais, é uma estratégia adotada por vários cursos,
metodologias ativas no processo de ensino aprendizagem porque o aluno se
desenvolve muito mais, se torna autor de seu processo de formação. Você
também despe o professor daquela aura de poder que acaba sendo um reforço
dos feudos. Mas a metodologia pode ser adotada e se você não conseguir no
dia a dia mudar as pessoas que estão desenvolvendo (seja porque o currículo
esta diferente em sua arquitetura e não é mais disciplinar, é por modulo, é por
área de conhecimento, é por eixo da vida), se não trouxer para esta
experiência da formação as possibilidades de alunos e professores viverem
situações que os desalojem dessa área de conforto.
TEMA 2: POLÍTICAS DA DIFERENÇA E PRÁTICAS DE EXTENSÃO
Conferencista: Prof. Dr. Pedro Paulo Gomes Pereira
Gostaria de agradecer o convite e a oportunidade de apresentar aqui um
pouco do que venho pensando sobre políticas da diferença e, de alguma forma,
tentar relacionar essas idéias com as práticas e políticas de extensão. Inicio
esta nossa conversa com duas cenas. Na verdade, duas paisagens sobre as
quais pretendo refletir. Prefiro tratá-las como alegorias, como poderosos tropos
que nos contam algo sobre a universidade brasileira.
A primeira cena se deu em maio deste ano. 120 alunos do 2º ano de
medicina se colocaram, sob a coordenação de diversos professores, diante de
um grupo de hip-hop aqui na Vila Clementino, numa das salas da Unifesp. O
grupo foi liderado por um jovem muito inteligente que iniciou um tipo de
interpelação aos estudantes. Perguntou, então, quantos negros estavam
presentes. Duas alunas e um aluno levantaram as mãos. Em seguida, indagou
sobre quantas pessoas moravam na periferia. Três levantaram as mãos: os
três que se autodenominaram negros. Por fim, perguntou quais alunos eram
filhos de nordestinos. Duas pessoas levantaram as mãos.
A segunda cena ocorreu pouco tempo depois. Fui convidado pela pró-
reitoria de extensão da Unifesp para organizar com o grupo “Pela Vidda” uma
discussão sobre tratamento e atendimento a travestis e transexuais. O Centro
de Referência de Diversidade (CRD) estava atendendo travestis com silicone
que escorriam para os pés, com deformações corporais e sérios problemas de
saúde. A demanda era enorme e não havia (não há) consensos médicos, nem
conversa direta entre médicos e travestis. A idéia era trazer para Unifesp
duzentas travestis, transexuais, militantes, médicos, e promover um momento
rico de interlocução. Fui ao encontro do “Pela Vidda” com esse intuito. Logo
após discutir sobre o assunto, e diante da presença forte e agradável de uma
militante lésbica, vinculada ao Candomblé, desci a Rua General Jardim para
me encontrar com amigo negro, gay, baiano que trabalhava a tempos com
travestis e transexuais na Bahia e que pretendia se mudar para o Rio de
Janeiro. Passeamos naquela noite pelo centro de São Paulo. Negros
senegaleses falando francês e wolof. Nigerianos, falando em inglês, mas
também hausa, Igbo, Yorubá, Edo, Efik, Ibdio e não sei quantas outras das 521
línguas da Nigéria. Direcionamo-nos para debaixo do Viaduto Alcântara
Machado, onde jovens, principalmente negros, da periferia e da Baixada do
Glicério – que concentra grande quantidade de cortiços e de moradores de rua
– dedicam-se ao boxe num Projeto de um ex-lutador.
As duas cenas colocadas assim em contraposição nos fazem sentir
certo desconforto sobre o apartamento da universidade no Brasil. Que
universidade é essa? Quem são os que aqui estão e quem está de fora? O que
acontece e por quais mecanismos uma profusão de diferenças acaba em tons
monocromáticos e monocórdios? Tal paisagem social não é nova no país e
alguns pesquisadores têm mesmo apontado que estamos num sistema
universitário dos mais excludentes do mundo.
E não é só isso.
Além desse isolamento, de uma universidade elitizada, temos também
uma economia imaginativa basicamente eurocêntrica. Economia que vem
bloqueando nossa força imaginativa, crítica e criadora. Tudo se passa como se
fôssemos abertos apenas aos saberes europeus (e dos Estados Unidos) e
fechados aos outros saberes. Tal trânsito alerta os teóricos denominados pós-
coloniais, vem nos colocando na condição de repetidores daquilo que se
pensam alhures. Ou melhor, alhures sempre de cores européias.
Se há, certamente por pressão social, discussões sobre a necessária
tarefa das universidades de inclusão social, pouco se tem refletido sobre os
conteúdos ministrados. Geralmente, mesmo nos cursos recém abertos, temos
quase que exclusivamente uma adesão ao cânone – e de sua lista de seleção
de autores, critérios e objetos extremamente valorados – em detrimento do que
fica de fora, em detrimento justamente dos saberes subalternos. Processo este
consubstancial à exclusão, que se dá exatamente na medida em que os outros
(negros, mulheres, indígenas, quilombolas, migrantes) não incomodam os
cânones adormecidos.
A universidade aqui é uma instituição típica da modernidade ocidental,
exportada para os territórios colonizados (ou neo-colonizados) e que serve
como reprodutora das concepções eurocêntricas de diversidade. Ou quando
muito emula piedosamente o respeito à diversidade - colocando-se, assim,
numa distância denunciadora do local de fala.
Tudo isso somado a critérios produtivistas; com o abortamento
prematuro de ideais pedagógicos diferenciados; com currículos engessados
que fixam aluno e professor em especializações que dificultam visões mais
críticas e sensíveis. A universidade seria um dispositivo disciplinador que
funcionaria para conter disciplinadamente o surgimento desse outro – outro
física e conceitualmente apartados das universidades brasileiras. Enfim, uma
educação “careta”, como se dizia antigamente, formando uma geração cada
vez colada a idéias (então normalizadas e internalizadas) que perfazem a
geração “lattes”. A título de curiosidade: um colega me dizia outro dia que
estava sofrendo de “stress lattes”, geralmente seguido de “depressão qualis”.
Esse quadro, que pretendo matizar um pouco adiante, leva-nos a ter que
enfrentar com seriedade a questão da diferença. Adianto que acredito que a
extensão é um dos espaços que tem propiciado em diversas universidades no
Brasil uma fuga desse quadro claustrofóbico e possibilitado o exercício de uma
imaginação criativa, que temos que realmente incrementar e incentivar. Ponto
este que voltarei adiante, com exemplos. Antes quero me deter um pouco na
discussão sobre diferença e identidade.
Diferença e identidade
O que é identidade e o que é diferença? Pergunta equivocada, pois
pressupõe que há uma identidade em primeiro lugar e indica a diferença como
segundo plano, como um efeito da identidade. Poderíamos, em vez disso,
perceber a diferença como a produtora tanto das diferenças (agora, como
produto) como das identidades. Ou seja, diferença é um processo. Tanto
identidade como diferença são ficções construídas. Identidade e diferença,
portanto, não são naturais. São processos sociais que inventam o que é
natural, o que é normal, o que é anormal, e que, por relações de poder e
exclusão, criam o "Nós" ou o "Eu" no mesmo ato que cria o "Outro".
Pelo menos duas coisas podem ser acrescidas e sublinhadas: (1) onde
existe o jogo da identidade e diferença há poder, há o desejo de normalizar, de
naturalizar, de forçar uma identificação entre identidade e normalidade,
identidade e naturalização, jogando o anormal para margem, excluindo-o,
conformando as parcelas abjetas e indesejáveis (os descartáveis urbanos). (2)
As identidades são instáveis, já que os de dentro estão sempre pressionados
pelos de fora, pelas margens. Não é preciso muita discussão sobre gênero e
sobre sexualidades dissidentes para percebermos essas dimensões. É desse
lugar que os outros questionam o poder, que se insinuam, pois mostram um
"outro lado da moeda". Insurge nesse processo os Outros (com maiúsculas).
Esses Outros (as mulheres, os índios, as travestis, os estrangeiros, os
bárbaros, os nativos) que habitam nossas paisagens urbanas.
Lembremos que metrópole significa em grego "cidade mãe". Está
vinculada, portanto, às relações entre cidade e colônias. Os cidadãos que
partiam para fundar uma colônia eram denominados en apoikia (distantes da
casa e da cidade). Cidade que em face da colônia assumia o caráter de cidade
mãe – metrópole. Giorgio Agamben deduz dessa discussão terminológica que
metrópole implica e traz sempre consigo a idéia de deslocamento e
heterogeneidade. O que nos leva de volta à diferença. O caráter heterogêneo
sugere identidades contraditórias, híbridas, em práticas de fronteira.
Contradições expressas tanto na sociedade, como internalizadas nos sujeitos.
Diante da diversidade de configurações, nenhuma vinculação identitária
(nação, região, gênero, raça, classe) consegue abarcar todas as esferas dos
indivíduos e grupos sociais. As paisagens políticas são fraturadas, ocorrendo
mesmo a erosão da identidade mestra da classe e com a emergência de novas
identidades: o feminismo, as lutas raciais, movimentos indígenas e
quilombolas, os movimentos de libertação nacional, as biossocialidades.
Se a identidade se transforma com a interpelação, e se, como disse, a
questão da identidade não é automática nem natural (podendo, assim, ser
ganhada ou perdida), trata-se então de uma política da diferença. O que nos
leva a indagar: a expansão tem sido eficaz em abrir a universidade à diferença
irredutível desses outros que se apresentam como gênero, raça e sexualidade
diferenciadas, diversas? E que efeito essa abertura produz?
Diferença e práticas de extensão
O que isso tudo tem a ver com a extensão? Ora, é na extensão que esse
outro vem penetrando com mais freqüência nas universidades. E é por meio
desses outros que podemos fazer renovar àquela imaginação eurocêntrica e
implodir aqueles cenários alegóricos com os quais iniciei esta narrativa.
Extensão remete à duração, à distância. Tempo e espaço. Indica limites.
Podemos ir mais longe. Como lembra José Jorge de Carvalho, extensão
remete à ex-tensão, podendo então funcionar como uma máquina de tensão,
algo que traga tensão a um campo domesticado, que talvez possa inserir
saberes excluídos na paisagem geral das universidades.
Até o momento venho argumentando a favor de se levar a sério as
questões da diferença – o que implicaria pensar em direitos coletivos e em
cidadanias plurais, e falar não apenas no “reconhecimento” (ou "tolerância") da
diferença (como no multiculturalismo), mas numa abertura ao diferente em
busca de mudar nosso quadro imaginativo. Em realidade, numa época em que
surgem novas identidades e se desestabiliza o sujeito moderno; num momento
de reinvenções de corpos e reconfigurações de gênero; num país com uma
diversidade sociocultural como o Brasil – onde processos migratórios,
negociações de fronteiras, populações indígenas e quilombolas, se somam a
novas configurações urbanas – a questão da diferença aparece como central.
Diante desse quadro, as ações de extensão vêm se configurando num
dos espaços mais abertos das universidades – abertura que vem propiciando
diálogos inusitados com saberes subalternos. Essa conformação apresenta
pelo menos dois tipos de desafios, sobre os quais gostaria de refletir: (1) A
exposição das universidades aos saberes subalternos, em sua diferença, como
forma de subverter o eurocentrismo ainda predominante na Academia e de
ampliar, criativamente, o nosso olhar; (2) A necessidade de uma postura que
se afaste de um apóio benevolente ou de um simples apelo à tolerância à
diversidade, mas que, ao contrário, se coloque como uma crítica aos saberes
hegemônicos.
Advogo aqui a necessidade de uma abertura radical ao outro, ao
diverso, às experiências diferenciadas, à alteridade. Dou exemplos. Temos
aqui na Unifesp um contato intenso com populações indígenas. O Projeto
Xingu tem atraído aos hospitais, aos serviços de saúde e ao espaço físico da
universidade membros de etnias diversas. Um dos maiores problemas no
Xingu em sua aproximação é a tradução (pensada aqui no sentido forte do
termo). Fizemos um curso de letras em Guarulhos até onde acompanhei
marcadamente anglo-saxônico e francês. Todas as vezes que se abre algo de
Línguas há pressões para que penda para o inglês, francês e alemão. Temos
no entanto aproximadamente 180 línguas indígenas no brasil. Não seria
interessante que pensássemos sobre as relações íntimas e proveitosas entre
problema social, necessidade de tradução, disciplinas, currículos e práticas de
extensão? Se assim for, a Universidade do Amazonas – como vem indagando
diversos antropólogos – talvez pudessem fazer cursos de tukano, baniwa,
tikuna; a UFMG de quimbundo e kincongo; a UFRGS de Kaingang, guarani,
xokleng, ioruba? Quando vamos fazer incorporar nas universidades esses
saberes? Existe mesmo uma tendência geral de adotar uma postura de
ministrar um conteúdo canônico e não de colocar os problemas prático-teóricos
que enfrentamos. Resultado: um cânon rotinizado e muitas vezes banalizado.
Na contramão dessas pressões: práticas de extensão. A Universidade
Federal de Alagoas introduziu o curso de Capoeira como disciplina formativa. A
intenção é acolher a capoeira como filosofia de vida, visão de mundo, como um
saber e não somente como algum tipo de exercício físico ou esporte.
A Universidade Federal de Minas Gerais conta com um projeto do
Instituto de Letras. Elas estão trazendo os índios Maxakalis, do norte de Minas,
para fazer estágios na universidade e participar de oficinas. Os Maxakalis são
muito pobres, vivem em uma situação miserável em uma área muito pequena,
mas sua imaginação artística e científica é enorme. Vários dos índios estão
participando de oficinas em Artes Visuais, Gráficas, Música, Literatura,
Arquitetura, Antropologia, Arqueologia, Lingüística, Ecologia e Turismo, a cada
vez por um período de até quinze dias. Como sustenta José Jorge de Carvalho,
são os primeiros passos no longo e tortuoso caminho da inclusão mais regular
dos índios na nossa academia.
Com esta experiência, o Núcleo de Pesquisas Literárias vem se
aproximando da antropologia justamente por este contato com grupos
indígenas. Numa entrevista impressionante, publicada na revista Aletria, Maria
Inês de Almeida indaga Eduardo Viveiros de Castro e ambos investem
imaginativamente na imaginação indígena, pensada agora sob a luz da poetisa
Maria Gabriela Llasol, do perspectivismo ameríndio, de Deleuze, ou seja, a
presença dos índios na universidade muda a paisagem não só por sua
importante presença física, mas por sua presença, entendida no sentido forte
do termo, como algo que possibilita o repensar, o recriar. De forma que levar
sério a diferença não é só uma questão de justiça social, mas epistemológica:
permite fugir do eurocentrismo e inventar novas imaginações conceituais. Ou
pelo menos de experimentar novas imaginações conceituais. A relação de
necessidade é, em realidade, inversa: é a universidade que necessita desses
outros para sair de certa estagnação imaginativa!
Quando estava tentando organizar o encontro com as travestis na
Unifesp como uma prática de extensão, lembrei-me imediatamente da
etnografia que realizei no Hospital Universitário de Brasília, entre os anos de
1998 e 2000. No contexto da Aids, percebi que muitos médicos se sentiam
muito mais à vontade com pobres do que com travestis ou transexuais. Um
médico me disse certa vez: “minha imagem ficará sempre boa, positiva, se me
embrenhar na periferia e trabalhar com os excluídos têm um quê de
missionário, de religioso nessa atitude. Mas, não quero ver minha imagem
associada a travestis! Isso não é normal”. Outro médico entrevistado foi mais
direto: “um médico ajudando pobres, em contato com pessoas necessitadas, é
uma coisa cristã, mas, trabalhar com veados degenerados, isso não dá!”. Com
esses exemplos desejo apenas sugerir como são mais complexas as
diferenças, e que existem diferenças mais diferentes que as demais... E talvez
seja interessante colocar essa profusão de diferenças para que possamos
modificar atitudes e posições como as que presenciei.
Cabe-nos, então, e para continuar na discussão sobre a medicina,
indagar: Qual o papel da medicina na produção desses corpos? Quais as
concepções de normal e patológico e como opera (não resisti o duplo sentido
do verbo operar) o médico nisso tudo? Produzindo corpos normais? Numa
concepção de normalidade que descredencia os corpos discrepantes, as
sexualidades dissidentes, os corpos abjetos? Não seria essa operação a que
busca “formatar” a diferença em padrões de normalidade, num processo que
simultaneamente cria o normal e exclui os anormais?
Como já foi extensamente analisado, as "verdades" e os conceitos da
medicina possuem força normativa que incidem diretamente sobre as
convicções e estilos de vida das pessoas. Como a medicina lida com
momentos cruciais como vida, morte, nascimento, enfermidades, acaba por se
impor como narrativa ponderada do bem viver. As narrativas médicas
geralmente operam da seguinte forma: supõe-se um consenso da saúde como
um valor fundamental e primário e que as enfermidades são nocivas e devem
ser "combatidas", desejando dela todos escaparem; localiza-se,
imediatamente, determinadas condutas como condições originárias das
doenças e, assim, conclui-se normativamente que essas condutas devem ser
evitadas, combatidas ou extintas. Não é necessário muito tempo para se
detectar nos discursos médicos essas pretensões normativas, que se
estendem por diversos campos – dietética, sexualidade, higiene, terapêutica.
Diversos pesquisadores vêm salientando essas características e alertados para
a dimensão normativa e prescritiva das narrativas dos profissionais de saúde,
sustentando reiteradamente que na biomedicina etiologia e normatização
andam juntas. E que o poder normativo da biomedicina cresce com seus êxitos
e sua eficácia como tecnologia. Como ciência do normal e do patológico, a
medicina acaba por se tornar predominante entre as ciências, estabelecendo
os padrões de razoabilidade dos comportamentos.
Nada mais interessante para fraturar essas narrativas e a força
normalizadora (e normatizadora) da medicina que trazer outras formas de viver,
de pensar o mundo, nova imaginações conceituais em fluxos intensivos, para
dentro das universidades. O que estou propondo não é uma
interdisciplinaridade, mas uma exposição a epistemologias diferenciadas,
perfazendo multiplicidades que possam mesmo questionar as "disciplinas".
As práticas de extensão, radicalizando essa abertura ao outro, às
diferenças, poderão então proporcionar momentos de tradução cultural, de
práticas de tradução que imponha uma mutação e possibilite um habitar o
mundo diferenciadamente. Trata-se, enfim, de colocar nas universidades essas
contra-histórias, essas histórias esquecidas, histórias indisciplinares e
indisciplinadas, com toda sua força, sua diferença, trazendo-nos uma nova
dimensão epistemológica, uma epistemologia da margem ou da diferença.
TEMA 3: A EXTENSÃO NA SAÚDE E SUA RELAÇÃO COM A COMUNIDADE.
Conferencista: Profa. Dra. Ana Cristina Passarella Brêtas
O ato de escrever decorre da experiência de falar sobre idéias, que
paulatinamente vão se fixando sobre o papel e sobre nós mesmos. O presente
texto representa a síntese desta oralidade compartilhada com os palestrantes
da mesa redonda com o tema: “Referenciais Teóricos e Metodológicos na
Extensão Universitária” e demais participantes do Fórum de Pró-Reitores de
Extensão da região sudeste do Brasil, realizado em junho de 2010, nas
dependências do campus Vila Clementino da Universidade Federal de São
Paulo.
Agradeço o convite para estar com vocês conversando sobre um tema
que tem me impregnado de sentido(s) pelo menos nos últimos 25 anos.
Contudo o título “Extensão na Saúde e a sua relação com a comunidade” me
remete a uma digressão no que diz respeito ao foco do olhar na temática que
me solicitaram. Sugiro trabalhar na perspectiva da Extensão e Saúde uma vez
que entendo que são campos que se complementam nas suas especificidades,
sem se sobrepor. Não são campos neutros, pelo contrário, expressam
diferentes ideologias e mentalidades, sobretudo na relação que estabelecem
com a comunidade.
Neste contexto, inicio a fala contando um “caso” que ouvi da educadora
Ausônia Donatto em uma Conferência de Saúde na cidade de São Paulo. Era
mais ou menos assim: um dia, logo pela manhã, uma estudante de um curso
de Saúde chega a um bar ao entorno da universidade – aquele que ela ia todos
os dias no mesmo horário – e pede o salgado que estava na estufa sobre o
balcão. O dono do estabelecimento prontamente lhe atende e fala para ela
aguardar um pouco, pois aquele salgado era de ontem e um novo estava
saindo do forno. Enquanto a estudante aguardava, entra no bar um gari – que
também ia todos os dias no mesmo horário naquele lugar – solicita aquele
mesmo salgado e em um passe de mágica o proprietário o serve de imediato.
O homem paga a mercadoria e sai comendo. Vendo aquilo, a estudante
perguntou ao proprietário por que para ela o salgado estava envelhecido e para
o homem ele era adequado. O dono do bar responde: não se preocupe, “ele
está acostumado”.
É sobre isso que gostaria de conversar com vocês – sobre “estar
acostumado”. Desde que ouvi pela primeira vez este caso me pego a pensar
que significado tem para a nossa prática na Extensão e na Saúde,
principalmente para nós que trabalhamos COM a comunidade.
Entendo que no mundo dos direitos não deva existir “Saúde e Extensão
pobres para pobres”, por que eles “estão acostumados”. Acostumados a que?
Assim, o grande desafio é impregnar de sentido os estudantes, docentes,
gerentes e gestores das unidades acadêmicas, no sentido de que Extensão
não é caridade, messianismo ou benevolência, pelo contrário, Extensão -
sobretudo quando aliada à Saúde - deve ser vislumbrada no mundo dos
direitos, jamais na perspectiva dos favores. Afinal, “favor” se tira quando se
“perde o interesse” do investimento sociopolítico nas pessoas e suas
comunidades.
Portanto, estamos combinados, falamos de Extensão e Saúde no mundo
da cidadania, ou seja, na lógica da relação do indivíduo com o Estado, a partir
da qual são conferidos direitos individuais em direção à igualdade de
condições. Veja, não estou falando em igualar as pessoas e sim em assegurar
que todas tenham liberdade de expressão e acesso a bens públicos e privados.
A intenção é intervir - COM as comunidades que nos aceitam como
extensionistas - no sentido de construir coletivamente formas para minimizar
desigualdades de acesso, especialmente no campo da Saúde e da Educação.
Vale lembrar que a cidadania não é vazia de significado político,
principalmente, por que o bom funcionamento de uma sociedade depende dos
direitos e deveres das pessoas. Contudo, ai reside uma questão paradoxal,
pois se o princípio da cidadania é a igualdade, o campo no qual efetivamos a
Extensão e a Saúde no Brasil é construído a partir de um cenário sociopolítico
delineado pelo capitalismo, que na sua essência pressupõe a desigualdade,
pois o capital depende da pobreza para gerar a riqueza. Portanto, trabalhamos
enquanto extensionistas e profissionais da Saúde no contexto da luta de
classes. Isso é inevitável.
Neste contexto, acredito que a maior medida da desigualdade social é o
déficit de cidadania e, indo além, afirmo que os percalços da democracia
ocorrem na esfera dos direitos. Portanto, o cenário para a atuação do
extensionista comprometido com a construção de uma sociedade mais justa
esta posto, resta ocupá-lo.
Há algum tempo atrás, o mestre Gastão Wagner, cunhou a expressão
que o “sanitarista tem a onipotência do discurso e a inoperância da prática”, na
perspectiva de nos incitar ao movimento da trans/forma/ação das nossas
atitudes em relação às pessoas que trabalhamos e/ou cuidamos. Por sua vez,
o educador Paulo Freire nos provoca a “abrir a Escola ao mundo” entendendo
que a Educação como justiça social procura dar poder às pessoas por meio do
conhecimento - que deve pertencer a todos -, resgatando a noção da Educação
para o cidadão e não para o consumidor.
Tais reflexões têm contribuído para o desenvolvimento de dois Projetos
de extensão universitária que vimos coordenando na UNIFESP: o Projeto
Saber Cuidar e o Projeto Periferia dos Sonhos. Ambos foram criados a partir de
demandas do movimento estudantil, que argumentava a necessidade de
construir laços com comunidades “extramuros” da universidade, bem como,
aprender a trabalhar com a Saúde e não com a doença, na dimensão da
Educação Popular.
O primeiro – Saber Cuidar - foi criado em 2001, momento em que eu
representava a UNIFESP como gestora do Distrito de Saúde Escola de Vila
Maria/ Vila Guilherme da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Na
ocasião, fui procurada por um grupo de estudantes solicitando participar na
gestão desenvolvendo atividades (que estavam sendo construídas pelo
governo recém eleito) com os movimentos sociais, em particular o movimento
popular de saúde.
Neste contexto o Saber Cuidar foi pensado a partir da lógica “freiriana”,
na qual é imprescindível a leitura do mundo, para poder compreendê-lo e
construir ações coletivas. Destaco que este movimento tem sido feito durante
todos esses anos, por meio da participação conjunta de lideranças sociais das
comunidades e a de diferentes estudantes, que ano a ano, adentram e saem
do Projeto (decorrência do próprio tempo formativo para graduação ou pós-
graduação). Até 2008 nossas ações aconteciam com a comunidade da região
da Chácara Bela Vista (Vila Maria), região norte da cidade de São Paulo. A
partir de 2009, em decorrência de mudanças estruturais e políticas na própria
comunidade (entre elas a construção de um braço do Rodoanel na cidade de
São Paulo), o Projeto Saber Cuidar migra a pedido do movimento popular de
saúde para a região sudeste de São Paulo, no Jardim São Savério/ Parque
Bristol.
Saliento que o Saber Cuidar prevê na sua essência não apenas a ação
extensionista focalizada caracterizada pela prestação de serviços e/ou
realização de oficinas e grupos educativos; mas valoriza a produção e
disseminação do conhecimento, como complementos dialógico e dialético na
formação acadêmica. O eixo estruturante do Projeto Saber Cuidar e a sua
cogestão entre os estudantes, docentes, técnicos administrativos em educação
e lideranças do movimento popular de saúde, implica no contínuo exercício do
diálogo entre esses diferentes atores e atrizes sociais. Tal práxis tem
contribuído para a formação crítica (técnica e política) dos participantes e
ensinado a “arte da negociação”.
Em relação ao segundo Projeto, saliento que desde 1995, na disciplina
Enfermagem em Saúde Pública, trabalho com a população em situação de rua
na cidade de São Paulo, desenvolvendo atividades de ensino, extensão e
pesquisa com graduandos e pós-graduandos da Escola Paulista de
Enfermagem da UNIFESP. O ensino e a extensão até o ano de 2009 estavam
previstos no currículo do Curso de Enfermagem, com o objetivo de propiciar
aos estudantes o desenvolvimento de ações de educação e comunicação em
saúde, bem como prestar assistência de enfermagem para esta população. No
período entre 1995 e 2006 esta experiência ocorreu junto ao Centro de
Convivência São Martinho de Lima por meio do projeto curricular de extensão
“Saúde do povo em situação de rua”. As pesquisas, por sua vez, respondiam
às exigências dos programas de iniciação científica e da pós-graduação estrito
senso vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da
UNIFESP.
Neste contexto, fomos procuradas em 2009 por um grupo de estudantes
com o intuito de criar um projeto de extensão capaz de propiciar a vivência dos
seus participantes junto a adultos e idosos em situação de rua. Dado a
dinâmica de vida dessa população e a não flexibilização curricular a demanda
estudantil acarretou a construção de um projeto no período noturno. Deste
movimento, surge o Projeto Periferia dos Sonhos, desenvolvido desde então no
Albergue Portal de Futuro, localizado na região norte da cidade de São Paulo.
Destaco que o trabalho que vimos realizando neste albergue é pactuado com
os trabalhadores do equipamento social, contudo, as pessoas em situação de
rua ainda participam muito pouco da construção das atividades. Dado a própria
transitoriedade dessas pessoas no local o trabalho é feito para elas e não com
elas, dificultando a construção de redes sociais.
Enfim, retomando a temática que me coube trazer à reflexão, afirmo que
pensar sobre Extensão e Saúde requer revisitar conceitos, sobretudo o de
Saúde. Confesso que a maior dificuldade que temos no desenvolvimento dos
nossos Projetos de Extensão no campus Vila Clementino da UNIFESP é
ancorá-los na Saúde e não na doença. Não raras vezes, somos tentados (por
nós mesmos) a falar sobre diabetes, hipertensão, cânceres, feridas, entre
tantas outras demandas que nos são caras, familiares e não menos
importantes aos corpos que sofrem. Contudo, o desafio que nos propusemos
está em trabalhar com graduandos e pós-graduandos da área da Saúde a
partir de um “novo” movimento, ou seja, de buscar impregná-los e ao mesmo
tempo nos impregnar de sentido em relação à crença de que a Saúde é o
contínuo agir do ser humano no universo biológico, psicológico e social, sendo
que este ser não regateia esforços para modificar, criar, transformar tudo o que
acredita que deva ser modificado, criado e transformado. Pensar Saúde nesta
dimensão implica em compreender que os tempos das pessoas são diferentes,
bem como seus estilos e condições de vida. Podemos intervir com educação à
saúde (e/ou Educação Popular) para estimular a consciência sobre os estilos,
hábitos de vida, entretanto, temos a obrigação no mundo dos direitos de buscar
formas (coletivas sempre que possível) para transformar as condições de vida
interferindo positivamente para minimizar as desigualdades sociais tão
presentes no cenário da práxis da Extensão e Saúde.
Esta crença nos arranca dos nossos lugares de conforto, principalmente
se fizemos a opção do trabalho conjunto com diferentes atores e atrizes sociais
da universidade, do campo de trabalho e/ou das comunidades que nos
acolhem como extensionistas da Saúde.
Destaco ainda que os Projetos Saber Cuidar e Periferia dos Sonhos
integram o Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre Saúde, Políticas Públicas e
Sociais, credenciado no CNPq e reconhecido institucionalmente pela
UNIFESP. No início de 2010, fomos procuradas enquanto pesquisadoras deste
Núcleo por um grupo que se autodenominava “filhos do Movimento Popular de
Saúde”, com o argumento de que suas mães (ainda são as mulheres que mais
se movimentam) haviam lhes estimulado a concluir o ensino superior, o que
fizeram com gosto. Agora, queriam saber como continuar seus estudos e
realizar pesquisas capazes de intervir nas suas comunidades de
pertencimento. Desta forma, hoje, este Núcleo se reinventa a partir do diálogo
com seus atores e atrizes sociais.
Assim, o desafio esta posto!
Creio que mais uma vez quem nos ensinará a indissociabilidade entre o
ensino, a pesquisa e a extensão são as pessoas com as quais vimos
construindo um projeto de mudança social por meio da Educação como direito
fundamental do ser humano. Certamente o empoderamento da cidadania nos
remete à certeza de que “não estamos acostumados” ao ensino, pesquisa e
extensão pobres para pobres.
Cabe a nós, nos reinventarmos construindo redes que se tornem
rizomas. Estamos convencidos de que o ato de educar acima de tudo deve ser
dialógico, entre sujeitos, e requer uma ação transformadora sobre a realidade
posta. Cremos que cabe a universidade não a tarefa de “adestramento”,
treinamento, pura e simplesmente, mas sim a dimensão participativa, onde
COM as pessoas e não apenas para elas, os universitários possam exercitar o
ato libertário da educação como prática de transformação social. A educação
vista desta forma torna-se uma ação criativa, portanto não pode ser
padronizada, é a criatividade dos sujeitos que oferecerá condições para a
transformação.
No entanto, caros colegas extensionistas, conversar neste tom com
vocês é cair na obviedade, afinal, se estamos aqui em pleno sábado discutindo
sobre tais temáticas é por que temos muito em comum, especialmente a
crença de que a Extensão e a Saúde (principalmente se estiverem juntas) são
campos fundamentais para contribuir com a formação de estudantes críticos e
participativos na construção de uma sociedade mais justa. Creio que já
definimos o lado que estamos. O problema, no meu modo de ver, está em
como sensibilizar nossos “pares e ímpares” na universidade a se engajarem
nesta luta, que dá trabalho, ocorre quase sempre fora dos horários tradicionais
da academia e ainda tem pouca valorização no mundo da “bibliometria”.
Mas afinal, para que serve o Educador?
Agradeço mais uma vez o convite que me possibilitou estar com vocês,
sobretudo, a paciência impaciente da escuta.
RELATÓRIO DAS DISCUSSÕES RESULTANTES DO GRUPO DE
TRABALHO
Temas emergentes
(1) curricularização da Extensão;
(2) a extensão fortalecendo os princípios do SUS;
(3) a extensão e a prestação de serviços;
(3) a extensão como fator de inclusão;
(4) garantir o cumprimento dos pressupostos da política de extensão vigente;
(5) fortalecimento do ensino das Ciências Humanas e Sociais nos currículos da
área da saúde.
Pensando na atualização da política de extensão, das praticas de
extensão para um contexto da universidade que vive uma fase de mudanças,
alguns participantes defenderam a tese da curricularização. Quanto a este
tema reiterou-se e enfatizou-se a institucionalização e a curricularização. Neste
sentido, pode-se refletir que as instituições são processos constantes de
instituintes e instituídos e se teve como reflexão a crise da universidade e a
demanda por mudanças. Temos na instituição o discurso da indissociabilidade
para podermos influenciar o rumo dessa mudança.
Outros participantes entendem que é uma oportunidade para a
transformação de estudantes em bons profissionais, comprometidos com a
saúde da população. Acham que nosso papel é expor os estudantes às
situações sociais da nossa população; porém a curricularização pode
normatizar o estágio, obrigando o estudante a passar pela atenção básica, ter
contato com a comunidade, ver as condições de vida das pessoas, discutirem
um pouco os determinantes sociais da saúde. Esta passagem segundo alguns
participantes poderá afetar de alguma forma estes estudantes. Por isso, a
curricularização da extensão pode afetar positivamente alguns estudantes, não
dá para acreditar que seja algo generalizador, porque existe o fator classe
social, de origem social.
A extensão está dentro da trajetória de formação e que agrega
experiências que são extremamente enriquecedoras para esse processo de
formação independente da origem social da pessoa. Oferece possibilidades de
afetação do outro dentro da trajetória de formação. É neste contexto que a
extensão tem que estar institucionalizada, tem que ser reconhecida e tem que
ter o espaço para que todos os estudantes possam viver as experiências de
extensão, enriquecer e ter contato com essas possibilidades de serem afetados
por diferentes realidades e viver isso de modo a agregar mais valor a sua
trajetória de formação.
Segundo os defensores da curricularização, a sua noção não pode ser
orientada pela visão de caixas. Devemos pensar na curricularização como
trajetória organizada em módulos, em outras bases não disciplinares. Onde se
reconheça toda experiência como formação. E por mais que ela seja livre, deve
ter alguns parâmetros firmes para isto, como a pesquisa tem. Apesar de se
querer mudar os parâmetros da pesquisa para que ela se abra mais, assim
como mudar o ensino. Desta forma, para institucionalizar a extensão, a
curricularização é um caminho importante para valorizar o trabalho docente,
obter reconhecimento, com uma interação maior com a pesquisa e com o
ensino.
Muitos estudantes falam em relação à extensão que “foi a experiência
mais relevante da minha passagem pela universidade” e isso não é
reconhecido no currículo. Então curricularizar é incorporar esta experiência e
reconhecê-la na trajetória de formação. Não é só aquilo que é tido como
disciplina ou bloco. Então é neste sentido que você pode ter várias formas.
Defende-se a curricularização o reconhecimento de várias modalidades do
fazer extensionista. Seja a disciplina clássica que a Universidade Federal de
São Carlos tem com a CIEP, ou a Universidade Federal da Bahia com a ACC,
seja o reconhecimento de projetos vinculados ao projeto pedagógico do curso,
seja principalmente os projetos multiprofissionais, interdisciplinares.
Foram expressos outros tipos de opinião sobre a curricularização da
extensão, o risco de colocar a extensão dentro de uma estrutura que pode
sufocar a riqueza da extensão, caracterizada como lugar da experimentação,
da indisciplina, experimentação no sentido de experiências diferentes e do erro,
mas o erro como contribuição, do equívoco como uma forma de pensar a
aprendizagem, espaço que não se subordina a determinados padrões impostos
e lugar da afetação.
Por outro lado, se a extensão não estivesse institucionalizada nós não
estaríamos reunidos discutindo-a. A discussão não é se vai institucionalizar ou
não, mas é como implementar aquilo que já está instituído dentro no processo
da universidade e a gente pensa isso a partir da perspectiva do currículo, que
não é única; a extensão nos permite uma lógica de currículo oculto e de
currículo visível, se é que podemos pensar nessas duas perspectivas. Pensar
esse processo nos remete a estar pensando desde a forma mais tradicional,
que é formatar em disciplinas, então, programas e projetos que têm uma visão
de programas e projetos curriculares, mas também permitir a flexibilidade de
programas e projetos curriculares e extracurriculares. Quanto ao envolvimento
do estudante, não é todo estudante que se identifica e gosta de participar de
um projeto de extensão, assim fica dificil obrigar esse estudante, que vem de
uma classe social diferenciada, que ideologicamente fez uma opção por
movimentos sociais conservadores. Ao mesmo tempo em que falamos de MST
se fala da UDR, são movimentos sociais. É muito complicado trazer esse
estudante para alguns projetos sociais, para alguns projetos que tem em si a
não neutralidade e opções ideológicas. É pensar o currículo nessas duas
dimensões do que de fato é para todo mundo e o que a gente abre
possibilidade das pessoas adentrarem ou não.
Outra faceta de um projeto de extensão na área da saúde deveria ser o
fortalecimento dos próprios princípios do SUS dentro da perspectiva do
atendimento integral. Na prática dos projetos de extensão essa faceta se dá
pelas parcerias que se estabelecem, aqui na Universidade Federal de São
Paulo temos projetos que construíram parcerias com secretarias municipais de
saúde do próprio município que estão estabelecidos. Assim, os espaços que a
gente tem na área de saúde são privilegiados quando você consegue
estabelecer uma parceria interessante com o município e o sistema local de
saúde, o que vai permitir uma realização e articulação mais ampla entre a
universidade e o sistema local de saúde, que por sua vez permite a que
pequenos projetos e programas de extensão possam desenvolver
experimentações dentro do que prevê a metodologia e todos os nossos
critérios da extensão. Desta forma, a relação com os serviços é um fator
importante da extensão na área da saúde. É importante estabelecer parceiras
formalizadas para garantir uma relação de co-gestão e organização social de
saúde. Na interface com a pesquisa a extensão pode oferecer novas formas de
se estudar fenômenos, ao se identificar problemas de saúde que se
estabelecem as problemáticas que estão colocadas por um grupo ou por
necessidades do próprio serviço de saúde, o que permite discutir formas de
enfrentamento dessa problemática. Assim vamos ter teses de mestrado e
doutorado voltadas para a avaliação dos projetos e programas, cujos
resultados servirão para se propor novas políticas públicas para o sistema local
e novas formas criativas de enfretamento de problemas na saúde da
população.
Como ponto de partida para a atualização da política nacional de
extensão, particularmente a concepção de extensão na saúde, devemos
incorporar todos os princípios e diretrizes do SUS enquanto fundamental.
Devemos pensar que a extensão na saúde pressupõe uma nova concepção de
saúde que inclui os princípios do SUS numa interação dialógica com os
serviços e com a comunidade, que deveria ser explicitado em um documento
de proposições sobre a política de extensão na saúde.
Outro tema classificado como inquietante que envolve a extensão é a
questão da prestação de serviço, enquanto uma metodologia de extensão que
se dá às vezes no dia a dia das pró-reitorias. O que seria uma prestação se
serviço? A prestação de serviço é quando há recursos externos envolvidos com
uma determinada ação? Devemos refletir muito nesse sentido. Será que esses
projetos e programas que estão vinculados a editais são prestação de serviço?
Devemos esclarecer o que é a prestação de serviço dentro de uma
universidade publica.
Alguns referem que os projetos de extensão, envolvidos com a
prestação de serviços são produtos da nossa formação, na área de saúde.
Neste sentido, não acham que a prestação de serviços seja contraditória, pois
não devemos considerar uma atividade de extensão o numero de atendimentos
que você faz no ambulatório. Por outro lado, a prestação de serviços é inerente
do hospital universitário, que em muitas pró-reitorias são considerados
atividades envolvendo extensão, ensino e pesquisa.
Outra posição refere que a prestação de serviço é uma discussão antiga
dentro da universidade e não é uma discussão só da área de saúde.
Historicamente a prestação de serviços e o assistencialismo são dois aspectos
que acompanham a extensão há décadas. Temos a dificuldade de romper com
esta barreira. Um novo conceito de extensão não se transforma do dia para a
noite. Mentalidades precisam ser mudadas. Então esse momento que a gente
está vivendo, caracteriza-se ainda como sendo um momento de transição em
função do que era a extensão, se olharmos especificamente as questões que
tivemos como, por exemplo, o projeto Rondon.
A atividade de extensão preconizada pelo FORPROEX que vem sendo
discutido e que está amadurecendo, uma determinada prestação de serviço
pode até fazer parte considerando determinados aspectos em certas situações
do assistencialismo, mas enquanto um fator que esteja favorecendo uma
atividade de extensão no enquadre do modelo conceitual. Porém, a extensão
não pode procurar ficar calcada em prestação de serviço, e muito menos em
assistencialismo.
Outra questão importante abordada pelo grupo é que antes de se propor
qualquer mudança na extensão devemos observar e avaliar se estamos de fato
garantindo o cumprimento dos pressupostos da política de extensão vigente,
temos que fazer valer o nosso manual. Devemos zelar pelo cumprimento do
preceito da indissociabilidade extensão, ensino e pesquisa, caracterizada pela
integração da ação desenvolvida à formação técnica e cidadã do estudante e
pela produção e difusão de novos conhecimentos e novas metodologias, de
modo a configurar a natureza extensionista da proposta; pela
Interdisciplinaridade, caracterizada pela interação de modelos e conceitos
complementares, de material analítico e de metodologia, com ações
interprofissionais e interinstitucionais, com consistência teórica e operacional
que permita a estruturação das diversas ações de extensão propostas em um
programa abrangente; pelo impacto na formação do estudante técnico-
científica, pessoal e social, existência de projeto didático-pedagógico que
facilite a flexibilização e a integralização curricular, com atribuição de créditos
acadêmicos, sob orientação docente/tutoria e avaliação; pela geração de
produtos ou processos como publicações, monografias, dissertações, teses,
abertura de novas linhas de extensão, ensino e pesquisa; pelo impacto social,
pela ação transformadora sobre os problemas sociais, contribuição à inclusão
de grupos sociais, ao desenvolvimento de meios e processos de produção,
inovação e transferência de conhecimento e à ampliação de oportunidades
educacionais, facilitando o acesso ao processo de formação e de qualificação;
pela relação bilateral com os outros setores da sociedade, pela interação do
conhecimento e experiência acumulados na academia com o saber popular e
pela articulação com organizações de outros setores da sociedade, com vistas
ao desenvolvimento de sistemas de parcerias interinstitucionais; e finalmente
pela contribuição para formulação, implementação e acompanhamento das
políticas públicas prioritárias ao desenvolvimento regional e nacional.
Outro assunto lembrado e discutido foi o da extensão como fator de
inclusão de aspectos como raça/etnia, religião, diversidade sexual e outros, no
contexto da formação universitária. É a promoção da cidadania tanto na
extensão quanto na graduação, porque saimos do nosso espaço e vamos
atender o indivíduo em domicilio. Em nosso espaço estamos seguros, existe
toda uma organização de horário e toda uma rigidez que o “paciente” tem que
obedecer dentro da instituição. Quando chegamos à casa de um cidadão, ele é
o rei, é o universo dele, aí temos que nos adequar a esta variável que não é
contemplada no currículo. Vemos nessas situações fatos como: “você quer
fazer o curativo na minha úlcera? Então você espera um pouquinho, que esse
horário está reservado para meu compromisso espiritual; ele tem um cantinho
na casa dele e conversa com seu orixá, pede a benção e toda aquela
orientação, inclusive permissão para eu manipular a ferida do corpo dele”. Se o
estudante não tiver um pouco de compreensão sobre cultura e religião, como é
que ele vai lidar com situações como esta? A extensão pode ser o canal para
experiências, conhecimento e compreensão dos fatos.
Com relação à raça, etnia, gênero, geração e todas as outras categorias,
é fundamental fortalecer o ensino das Ciências Humanas e Sociais nos
currículos da área da saúde, mas não apenas como aquele curso que o
estudante suporta, de forma a impregnar de sentidos, então, como Ciências
Humanas e Sociais aplicadas à área da saúde. Se nós conseguirmos, aí
poderemos pensar nos quatro princípios do SUS, os doutrinários: equidade,
universalidade e integralidade e o operacional que é a participação da
comunidade. Se a universidade incorporar esses princípios, pode ser que a
gente consiga fazer um processo diferenciado, porque a nossa preocupação
não é nessa lógica do movimento social que é diferente dentro da universidade,
mas aquele que é diferente dentro da própria universidade, ele é invisível e
indizível.
Outra questão está no financiamento aos projetos de extensão,
dependentes sempre dos convênios e parcerias para a alocação de recursos,
repasse de uma instituição para outra. Muitas vezes se utiliza a infra-estrutura
da universidade e do serviço, mas a potencialização para novos projetos, com
novas ações de extensão que possam dar amplitude para os programas e
estes grandes intervenções, o financiamento é fundamental e todos nós
sabemos disso. Desta forma, somente um edital do PROEXT por ano, é muito
pouco, precisamos ter um fluxo continuo nas universidades destinado à
extensão.
Falou-se sobre o peso da extensão na análise do currículo do docente,
que de forma geral tem pouca importância nos concursos públicos e/ou
avaliação de desempenho na carreira, valoriza-se o numero de publicações por
meio da qual a bibliometria tem peso exacerbado em relação à qualidade de
aula, em relação a qualidade de envolvimento social e outros detalhes, o que
acaba promovendo a perda de profissionais com potencial para extensão.
PROPOSICÕES
(1) A curricularização da Extensão foi um tema que causou discussão e
polêmica, com posições divergentes e defesas interessantes em relação ao
assunto. O que sugere o aprofundamento das discussões junto aos pares nas
várias instâncias da extensão, como eventos, congressos e Fóruns regionais
da Extensão. Somente dessa forma poderemos obter um amadurecimento
sobre o assunto, para que o mesmo possa ser debatido em nível do Fórum de
Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras.
(2) Garantir junto às Universidades Públicas Brasileiras o cumprimento dos
pressupostos da política de extensão vigente: a flexibilização curricular; a
indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão; a Interdisciplinaridade; o
impacto social pela ação transformadora sobre os problemas sociais.
(3) Fortalecer o ensino das Ciências Humanas e Sociais nos currículos da área
da saúde.
(4) Incorporar à prática extensionista da área da saúde, a concepção de saúde
que inclua os princípios do SUS numa interação dialógica com os serviços e
com a comunidade.
(5) Promover o fortalecimento dos princípios do SUS, garantindo projetos de
extensão na área da saúde que estabeleçam parcerias entre a universidade
pública e as secretarias municipais e estaduais de saúde onde estão
estabelecidos.
(6) Garantir a extensão como campo de contribuição à inclusão de grupos
sociais.
(7) Discutir e estimular a valoração da extensão nos concursos públicos e
processos de avaliação de desempenho na carreira docente nas universidades
públicas brasileiras.
PARTICIPANTES
Ana Cristina Passarella Brêtas Ana Lucia de Moraes Horta Antonio Fernando Lyra da Silva Ayodele Floriano Silva Carlos Roberto de Castro e Silva Celva Maria Guimarães Barreto Cipriano Maia de Vasconcelos Conceição Vieira da Silva Ohara Cristina Mauzoni Ferreira Mangia Eleonora Menicucci de Oliveira Geni de Araújo Costa Georgina Carolina O. Faneco Maniakas José Roberto da Silva Brêtas Juliana Barreto Lopes Rofrigues Juliana Castilho Julia Alves da Silva Neto Júnia Jorge Rjeille Cordeiro Lêda Maria da Costa Macedo Liliane Belz dos Reis Lina Marcia Migueis Benardinelli Maira Francisco Moya Maria Cecilia Saccomani Lapa Maria das Graças Barreto da Silva Maria de Fátima Ferreira Queiroz Maria Fernanda Petroli Frutuoso Miriam Regina Macieira
Nara Martins Correa de Oliveira Paula Cambria de Mendonça Vianna Plinio Zornoff Taboas Raquel Aguiar Furuie Regina Gonçalves de Moura Regina Lucia Monteiro Henriques Renata Nunes Aranha Renato Nabas Ventura Rosangela Pinheiro dos Santos Jasper Roseli Ferreira da Silva Rozelia Bezerra Ruth Ferreira Santos Galduróz Sandra Maria Oliveira Moraes Veiga Selma Ferreira França Sergio Donizette Zorzo
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