resÍduos sÓlidos urbanos como fator agravante do desastre ... · pelo desastre, um ano depois da...
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RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS COMO
FATOR AGRAVANTE DO DESASTRE:
UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O
FORTALECIMENTO DA GESTÃO DE
RISCOS DE DESASTRE
Louizy Minora Costa Ataide de Almeida (UFRN )
louminora@gmail.com
Jane Ciambele Souza da Silva (UFRN )
jane_ciambele@hotmail.com
Ricardo Jose Matos de Carvalho (UFRN )
rjmatos@terra.com.br
O objetivo do presente trabalho é discorrer a respeito da relação entre
a educação ambiental ineficiente e a disposição inadequada dos
resíduos nos centros urbanos que contribuem para o agravamento dos
riscos de desastres. Tomou-se como basse o desastre ocorrido no
bairro de Mãe Luíza, Natal, Brasil, em junho de 2014. Trata-se de uma
pesquisa bibliográfica, documental e de campo, com observação in
loco. Foi possível constatar que a cidade de Natal não possui um plano
de gerenciamento de riscos de desastres eficiente, não possui um plano
eficiente de gestão de resíduos sólidos e estes planos não estão
integrados. Além disso, apesar de existir regularmente coleta pública
de lixo no bairro de Mãe Luíza, o acúmulo de lixo nas vias coletoras de
esgoto e nas encostas do morro se dá devido à falta de conhecimento
da população sobre os riscos aos quais estão submetidos e à falta de
ações de educação ambiental que os conscientize sobre tais riscos.
Mesmo durante o período das obras de recuperação da área afetada
pelo desastre, um ano depois da ocorrência do mesmo, um dos
moradores do bairro foi arrastado pelas águas de uma intensa chuva, e
morreu, após tentar retirar um acúmulo de lixo na entrada de uma
tubulação provisória, de drenagem da água pluvial, instalada em uma
das ruas do bairro, demonstrando a continuidade de ausência de um
sistema eficiente de gestão de risco de desastre e de gestão de resíduos.
Palavras-chave: Desastres; Riscos; Resíduos Sólidos; Gestão;
Ergonomia Comunitária.
XXXVI ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCÃO Contribuições da Engenharia de Produção para Melhores Práticas de Gestão e Modernização do Brasil
João Pessoa/PB, Brasil, de 03 a 06 de outubro de 2016.
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1. Introdução
Nas cidades, com ou sem chuva, observa-se que o lixo urbano se acumula nas encostas, nas
ruas e tudo quanto é canto em que há a presença humana, chegando a entupir a rede de
escoamento de água, alagando as vias públicas dentre outros, tornando a comunidade mais
resiliente no enfrentamento dos riscos de desastres.
O presente trabalho tem o objetivo de discorrer a respeito da relação entre a disposição
inadequada do lixo nos centros urbanos e o agravamento dos riscos de desastres. Tomou-se
como base o desastre ocorrido no bairro de Mãe Luíza, Natal, Brasil, em junho de 2014,
devido a intensas chuvas, afetando a vida de 187 famílias e destruindo totalmente 26 casas.
A urbanização acelerada ocorrida a partir da segunda metade do século XX ocasionou a
impermeabilização das áreas urbanas, inviabilizando o solo, meio de infiltração natural das
águas pluviais. Com o mecanismo de drenagem reduzido, a drenagem das cidades, de maneira
geral, não acompanhou a necessidade crescente de mecanismos de escoamento que não fosse
o solo natural. A má disposição dos resíduos, a frequência e cobertura da coleta de resíduos,
da limpeza das ruas e a precipitação das chuvas terminam por propiciar o acúmulo dos
resíduos no sistema de drenagem, já ineficiente (TUCCI, 2004).
Günther (2008) aponta os resíduos sólidos como um dos problemas prioritários dos centros
urbanos no século XXI. O autor cita ainda que o problema dos resíduos cresce não somente
pelo crescimento urbano, incluindo, também, a forma desordenada da ocupação do solo, a
falta de controle ambiental e a baixa disponibilidade de recursos para implementação de ações
de intervenção. Assim, Tucci (2003) ratifica a informação de o lixo ser um dos problemas
urbanos e cita como solução para a questão da disposição incorreta do lixo, a regularidade na
coleta e a educação ambiental da população com punição através de multas pesadas em casos
de descumprimento das leis de disposição inadequada.
Como fatores centrais da problemática da produção de lixo mundial estão os valores que
guiam o consumo e os hábitos das populações e o descarte de bens. Neste contexto, as pessoas
querem se livrar desses materiais o mais rápido possível, sem pensar no destino e nos
impactos do descarte realizado de forma inapropriada (GUTBERLET, 2013).
Pozzer e Cohen (2014) aponta a desobstrução de sumidouros, valetas e outros canais de
drenagem, retirando resíduos acumulados nestes locais antes do período de chuvas como
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sendo uma medida preventiva para a redução de risco de inundação. O autor acrescenta que
dentre as ações preventivas de inundações cabíveis aos órgãos locais de Proteção e Defesa
Civil estão a limpeza e desobstrução de valetas, sumidouros e outros canais de drenagem.
O CEPED/UFSC (2012) relaciona como fatores que podem tornar mais vulnerável a situação
das populações na ocorrência de eventos extremos, a intensa exploração dos recursos naturais,
o consumo de bens e serviços, a produção de resíduos, entre outros aspectos.
Gouveia (2012) ressalta que a maior parte dos estudos sobre resíduos enfatizam o interesse
econômico como pano de fundo da questão da geração, coleta e reciclagem ou reutilização de
resíduos, em detrimento dos fatores ambientais existentes.
2. Metodologia
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, segundo a natureza dos dados, realizada por meio de
pesquisa bibliográfica e documental, de observação em loco, registro de depoimentos de 5
moradores locais, filmagens e registro fotográfico. O local de pesquisa é o bairro de Mãe
Luíza, localizado na região metropolitana e litorânea do município de Natal.
Para a condução desta pesquisa foi adotada a abordagem da Ergonomia Comunitária - EC,
sendo esta uma abordagem da ergonomia que se concentra na participação e no envolvimento
dos membros das comunidades nos processos de tomada de decisão e nas ações referentes aos
seus destinos, tendo como foco a compreensão e solução de problemas sociais e econômicos
relacionados com as comunidades urbanas mais carentes (COHEN, 2000; COHEN e SMITH,
2001), negligenciadas pelas políticas e/ou ações de governos públicas.
Esta abordagem metodológica foi aplicada no sentido de compreender o problema da geração
e da gestão dos resíduos sólidos no bairro de Mãe Luíza, as ações desenvolvidas pelo órgão da
administração pública e pela própria comunidade, no tocante à gestão dos resíduos sólidos
(geração, destinação e coleta), e propor ações para que estes atores passem, efetivamente, a
atuar compartilhadamente na gestão de resíduos sólidos e de modo integrado com a política e
ações de gestão dos riscos de desastre.
3. Aspectos Normativos
3.1 A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil - PNPDEC
O Brasil instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC (2012), através
da Lei nº 12.608 de 10 de abril de 2012, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e
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Defesa Civil – SINPDEC, o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC e
autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de desastres e dá outras
providências (BRASIL, 2012). A referente Lei responsabiliza a União, os Estados e Distrito
Federal e os Municípios brasileiros pela adoção das medidas necessárias à redução de riscos
de desastres no país.
Esta lei ainda prevê as seguintes etapas da gestão de riscos de desastres: prevenção,
mitigação, preparação, resposta e recuperação/reconstrução. Estas etapas e suas ações
correspondentes devem ocorrer “de forma multissetorial e nos três níveis de governo –
federal, estadual e municipal –, exigindo uma ampla participação comunitária”
(CEPED/UFSC, 2012, p. 43). De acordo com a referida Política, estas ações devem integrar-
se às políticas de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente,
mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e
tecnologia e às demais políticas setoriais, tendo em vista a promoção do desenvolvimento
sustentável.
3.2 A Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS
Criada pela Lei Nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos,
dispõe sobre os princípios, objetivos e instrumentos, bem como sobre as diretrizes relativas à
gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às
responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos
aplicáveis.
A Lei responsabiliza direta e indiretamente tanto pessoas físicas quanto jurídicas, no âmbito
público e/ou privado, tornando todos corresponsáveis pela gestão de resíduos, criando o
conceito de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto, sendo este um dos
seus princípios juntamente com os de prevenção e precaução.
As diretrizes estabelecidas nesta considera como ordem de prioridade as seguintes ações no
processo de gestão de resíduos sólidos: não geração, redução, reutilização, reciclagem,
tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
A política prevê a criação dos planos de gerenciamento em todos os níveis federativos
(Municipal, Estadual e Federal), sendo estes um dos instrumentos da política, juntamente com
a coleta seletiva e os sistemas de logística reversa. Os planos de gerenciamento devem
estabelecer, obrigatoriamente, a extinção dos lixões e priorizar a instituição, pelo poder
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público, de promoção à formação de cooperativas ou outros tipos de associação de catadores
de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda,
viabilizando a inclusão social e emancipação econômica destas populações.
4. Gestão De Riscos De Desastre E Gerenciamento De Resíduos Sólidos
4.1 Gestão De Riscos De Desastre
De acordo com a International Strategy for Disaster Risk Reduction - ISDR (2004), os
desastres podem ser entendidos como sendo uma grave perturbação do funcionamento de uma
comunidade/sociedade causando perdas humanas, materiais, econômicas e ambientais que
excedem a capacidade da comunidade/sociedade afetada de lidar com a situação usando seus
próprios recursos. “A catástrofe é uma função do processo de risco” e “resulta da combinação
de perigos, condições de vulnerabilidade e insuficiente capacidade ou medidas para reduzir as
potenciais consequências do risco” (ISDR, 2004).
Quarantelli in Quarantelli (1988b) propõe que o paradigma atual de investigação sobre
desastres está pautado em duas ideias principais: 1) os desastres são, inerentemente,
fenômenos sociais e os eventos naturais, como furacões ou tempestades, não são os desastres
em si, mas sim a fonte dos danos; 2) o desastre está enraizado na estrutura social e reflete os
processos de mudanças sociais. Entende-se, portanto, que o desastre “não é um acontecimento
físico (...), é uma ocasião social”.
Sendo assim, parece impróprio se referir a “desastres naturais”, como se eles pudessem
acontecer fora das ações e decisões humanas e das suas comunidades (QUARANTELLI in
QUARANTELLI, 2007). Estes autores argumentam também que os seres humanos são, de
certa forma, “os responsáveis pela vulnerabilidade” e que “se não houver consequências
sociais negativas, não há desastre”.
A International Strategy for Disaster Reduction – ISDR (2004) define a gestão dos riscos de
desastres como sendo “o processo sistemático de decisões e medidas administrativas,
econômicas, organizacionais e conhecimentos operacionais desenvolvidos pelas sociedades e
comunidades para implementar políticas, estratégias e fortalecer suas capacidades a fim de
reduzir os impactos e ameaças naturais e de desastres ambientais ou tecnológicos
consequentes”. A gestão de riscos de desastres busca evitar, diminuir ou transferir os efeitos
adversos das ameaças mediante diversas atividades e medidas de prevenção, mitigação e
preparação (ISRD, 2009).
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4.2 Gestão de Resíduos Sólidos
De acordo com Demajorovic (1995), “lixo” é aquilo que não possui qualquer tipo de valor, ou
seja, é aquilo que deve apenas ser descartado, enquanto que "resíduos sólidos" são aqueles
que possuem valor econômico agregado, por possibilitarem (e estimularem) reaproveitamento
no próprio processo produtivo.
Entende-se por gerenciamento de resíduos o conjunto de ações exercidas, de forma direta ou
indireta, desde as etapas de coleta, transporte, transbordo, tratamento até a etapa de destinação
final ambientalmente adequada dos resíduos sólidos e de disposição final ambientalmente
adequada dos rejeitos (BRASIL, 2010). Por sua vez, a gestão integrada de resíduos sólidos é o
conjunto de ações direcionadas à busca de soluções para os resíduos sólidos, contemplando as
dimensões comuns ao desenvolvimento sustentável, sendo estas ações de ordem política,
econômica, ambiental, cultural e social (BRASIL, 2010).
A Companhia de Serviços Urbanos da Cidade de Natal, URBANA, de capital misto (público
e privado), é a responsável pela limpeza dos dispositivos de drenagem urbana da cidade de
Natal. O calendário de coleta domiciliar da cidade mostra que a coleta de lixo no bairro de
Mãe Luiza ocorre diariamente. Relatos dos moradores locais citam até duas coletas diárias, o
que não ocorre em outras regiões da cidade. O site da Urbana e o documento utilizado como
Plano de Gestão de Resíduos, intitulado “Proposta para Elaboração de Plano de Gestão
Integrada de Resíduos” não mostram o quantitativo de lixo que é coletado nos dispositivos de
drenagem (NATAL, 2012).
A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE)
mostra que, em 2011, a geração de lixo no Brasil era de 1,04Kg/hab/dia, passando para 1,049
kg/dia/habitante em 2012 (ABRELPE, 2012). A produção de lixo média diária por habitante
em Mãe Luiza, bairro da cidade de Natal/RN, local foco desta pesquisa, foi de 1,81
Kg/hab/dia no ano de 2010, superior à média da produção de lixo em Natal, que passou de
0,84 Kg/hab/dia em 2012, chegando a 1,203 Kg/hab/dia em 2013 (NATAL, 2012; SNIS,
2016).
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
5.1 Relativos à Pesquisa Bibliográfica
Pesquisando nos sites de periódicos disponíveis no “google acadêmico” e no site de
periódicos da Capes, utilizando as palavras-chave “waste and disaster” e “disaster and waste”,
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do inglês “lixo e desastre” e “desastre e lixo”, identificaram-se 53 artigos abordando o tema
da gestão de resíduos em situações pós-desastres. Dentre estes artigos, pode-se destacar o de
Onan et al (2015), estudo de caso realizado na cidade de Istambul, na Turquia, apresentando
uma metodologia para gestão dos resíduos de desastres, com vistas à minimização dos perigos
gerados no pós-desastre.
O estudo de Srinivas e Nakagawa (2008) refere-se à gestão de resíduos no pós-desastre como
um fator de diminuição dos riscos e da vulnerabilidade, ressaltando a questão dos resíduos
como o problema ambiental mais crítico pelos quais passaram os países afetados pelo
tsunami, ocorrido em dezembro de 2004 no Oceano Índico.
Utilizando-se as palavras chaves “lixo e desastres”, “resíduos e desastres”, foram
identificados 3 artigos e a exemplo da bibliografia em inglês, também tratam sobre resíduos
de pós desastre. Leite (2001) relata que desastres naturais e guerras são grandes geradores de
resíduos.
Utilizando-se as palavras-chaves “inundações e lixo” e “inundações e resíduos” identificou-se
7 artigos. De Abreu et al (2016) refere-se à falta de educação ambiental que gera um acúmulo
de lixo nas margens e dentro dos rios, como fator que contribui para a ocorrência de
inundações. Medeiros (2011) lista os seguintes fatores contribuintes do agravo do impacto
socioeconômico dos eventos de cheias: o uso e a ocupação das planícies naturais de
inundação; a obstrução dos cursos d’água por obras hidráulicas inadequadas; o lançamento de
lixo e a impermeabilização dos solos urbanos.
Tucci (2003) aponta o lixo como um problema urbano relacionado à ocorrência de
alagamentos e recomenda como solução a regularidade na coleta de lixo e a punição com
multas pesadas para a má disposição. Tucci (2001) argumenta que a má disposição dos
resíduos, a frequência da coleta de resíduos, a cobertura da coleta de resíduos, a frequência da
limpeza das ruas e a precipitação das chuvas terminam por propiciar o acúmulo dos resíduos
no sistema de drenagem, já ineficiente, enchentes urbanas.
Pozzer (2014) argumenta que é da responsabilidade dos órgãos de Proteção e Defesa Civil a
desobstrução de sumidouros, valetas e outros canais de drenagem, retirando resíduos
acumulados nestes locais antes do período de chuvas, sendo esta ação uma medida preventiva
para a redução de risco de inundação.
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Os artigos obtidos em língua inglesa, sobre a relação entre o lixo e desastres, diziam respeito à
fase de pós-desastre, não relacionando o lixo como fator agravante para um evento adverso.
Se atribui a estes resultados o fato de que em outros países a educação ambiental das pessoas
é maior e que, portanto, a disposição do lixo não ocorre de forma incorreta, sendo a gestão de
resíduos mais eficiente do que no Brasil, portanto nestes locais a gestão de resíduos só é
verdadeiramente crítica numa situação adversa.
A bibliografia e documentação consultada mostrou que os resíduos podem ocasionar
obstrução da drenagem urbana e consequentemente inundações, alagamentos e enchentes
urbanas. Isto se justifica, pois os alagamentos são o tipo mais recorrente de desastre ocorrido
no Brasil, sendo rara a ocorrência de terremotos, tufões e não registrados casos de tsunamis.
Sabe-se que a drenagem ineficiente pode ocasionar outros tipos de desastres como o
deslizamento de terra, em consequência de alagamento e enxurradas, fator principal atribuído
ao caso ocorrido em Mãe Luiza.
5.2 Relativos à Pesquisa de Campo
5.2.1 Observações in loco
Durante a pesquisa de campo, em visitas à comunidade, foi verificada a ocorrência frequente
de resíduos acumulados em alguns pontos das vias públicas e passeio do bairro de Mãe Luíza,
como mostra a Figura 1.
Figura 1 – Pontos de disposição de resíduos nas vias.
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Nestes locais é possível encontrar resíduos de quase todos os tipos domésticos, construção
civil, eletroeletrônicos, etc. Esta realidade persiste, mesmo depois da ocorrência do desastre
de 2014 e da conclusão, em dezembro de 2015, das obras de reconstrução das vias públicas da
parte afetada, criando novas situações de risco, devido à obstrução, pelo lixo, do sistema de
drenagem pluvial, podendo gerar alagamento em vários pontos do bairro, deslizamento de
terra em áreas ainda não protegidas, com consequente desabamento de edificações e
soterramento.
5.2.2 Relatos dos Moradores
Durante as visitas de observação ao local em conversas com os moradores no
desenvolvimento do projeto, foram registrados alguns relatos que revelam a consciência da
parte de alguns moradores, afetados diretamente pelo desastre, sobre a importância da gestão
de resíduos:
“...Se eu dexa (deixar) isso aqui e o lixo desce, intope (entope) e o cano estora (estoura)....”
(Morador 1).
Ao ser questionado sobre um curso ou capacitação para evitar desastres um outro morador
envolvido fez o seguinte relato:
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“.... de um curso, uma coisa para ensinar você... mostrar como uma coisa pode prejudicar né,
com questão de lixo... eles (a população) colocam muito lixo na frente da casa, prejudica
muito aqui .... de repente vem uma chuva e joga tudo aquilo (o lixo) pra ali (drenagem),
aquilo (drenagem) ali entope... eu acho que as pessoas não tem muita noção de muitas coisas
sabe, precisava ser mostrado, ser né, pra eles entender o perigo que pode ser causado, as
garrafas essas coisas que eles colocam na... na rua e essas coisas...”(Morador 2)
Outro morador afetado indiretamente referiu-se ao lixo descartado indevidamente pela
população:
“...até prato das quentinha dalí, dos negóço(négocio) tem alí den (dentro) dos buraco (se referindo
aos dispositivos de drenagem da via). Tá no verão, tá sem chuva, mas quando vinhé (vier) a chuva?
Os buraco(buracos) já tão (estão) cheio (cheios) agora...” (Morador 3)
Alguns destes membros da população de Mãe Luíza observaram, historicamente, o
entupimento de galerias de águas pluviais dificultando a drenagem durante o período de
chuvas, que, por algumas vezes, já havia danificado as escadarias de acesso à praia.
A falta de consciência ambiental dos moradores do bairro faz com que os resíduos sejam
dispostos na rua de forma indiscriminada, apesar de a coleta de resíduos ser feita com
frequência diária, de acordo com o site da URBANA e, às vezes, duas vezes ao dia, segundo
o relato de um dos moradores: “Ele (o carro do lixo) passa de manhã e passa na boca da
noite (entardecer).”.
A ausência de educação ambiental na comunidade é citada por três dos moradores afetados:
“...Todo dia. .... o carro do lixo, colhe (coleta) o lixo. Agora seboso é or morado (os
moradores) .”;
“...poderia prestar muita atenção na questão do meio ambiente, que a gente tem de
cuidar dele, ... elas (as pessoas) sabem que não pode jogar lixo... Acho que todo
mundo pode cooperar de alguma forma com alguma situação digamos assim, ou
evitando de jogá (jogar) lixo, ou outra fazendo o trabalho de conscientização das
pessoas, né?!”;
“...a população ... além de, ignorante é mal educada. Porque a pessoa jogá (jogar)
papel chão, jogá (jogar) lixo no chão, faz parte da educação ”.
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As pesquisas bibliográficas, a observação em loco e os relatos dos populares mostram que, de
fato, existe relação entre lixo e desastres, e o lixo como um fator que pode agravar o desastre.
Foi identificado ainda que a cidade de Natal não possui um Plano de Gerenciamento de
Resíduos. O documento utilizado atualmente pela gestão municipal trata-se de uma proposta
elaborada por uma empresa de consultoria que para de fato ser validado como um Plano seria
necessária a submissão à Câmara Municipal de Vereadores, aprovação dos legisladores e
consequente publicação em diário oficial, fatos estes que não ocorreram.
Ressalta-se, portanto, a importância de uma Gestão eficiente e eficaz dos resíduos como
medida preventiva na Gestão de Risco de desastre e que seja efetivada a integração entre a
Política de Gestão de Resíduos e a Política de Gestão de Riscos de Desastre no minicípio de
Natal. Para tanto, é imprescindível a colaboração da comunidade para a eficácia da Gestão de
Resíduos e da Gestão de Riscos de Desastres. No entanto, é essencial a promoção de ações de
educação ambiental e de conscientização sobre os riscos de desastres, por parte dos órgãos
responsáveis, para que a população se mobilize e se torne mais resiliente.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A literatura pesquisada mostra os resíduos sólidos urbanos (lixo) descartados de forma
inadequada, constituindo-se fator agravante de desastres, como alagamentos e deslizamentos
de encostas, conforme ocorreu em Mãe Luíza em 2014. Isto porque o lixo obstrui o sistema de
drenagem urbana, contribuindo para o alagamento das vias públicas e o consequente
carreamento do lixo pelas águas pluviais para as encostas, muitas vezes desprotegidas,
resultando em deslizamento de terra, desabamento de edificações e soterramento.
Estes fatores revelam a necessidade de se haver integração entre o Gerenciamento de resíduos
e o Gerenciamento de Riscos de desastre, com ênfase nas fases de prevenção de riscos de
desastres – evitando a destinação inadequada do lixo e melhorando o sistema de destinação do
lixo, de preparação – com educação ambiental e exercícios simulados - e mitigação –
melhorando o sistema de coleta de lixo, para que de fato os riscos sejam eliminados ou
minimizados, a intensidade da gravidade dos desastres sejam minimizadas e a população se
torne menos vulnerável.
REFERÊNCIAS
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http://www.abrelpe.org.br/Panorama/panorama2012.pdf. Acesso em: 13/12/2015.
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BRASIL. Lei nº 12.305 de 02 de Agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei
no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 03 ago 2010.
BRASIL. LEI Nº 12.608 de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil –
PNPDEC; dispõe sobre o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil - SINPDEC e o Conselho Nacional de
Proteção e Defesa Civil - CONPDEC; autoriza a criação de sistema de informações e monitoramento de
desastres; altera as Leis nos
12.340, de 1o de dezembro de 2010, 10.257, de 10 de julho de 2001, 6.766, de 19 de
dezembro de 1979, 8.239, de 4 de outubro de 1991, e 9.394, de 20 de dezembro de 1996; e dá outras
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