resistÊncia: a trajetÓria polÍtica de jovens … · 3 estatuto de promoção da igualdade racial...
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RESISTÊNCIA: A TRAJETÓRIA POLÍTICA DE JOVENS NEGROS
NO SÉCULO XXI
Juliano Gonçalves Pereira1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Relações Etinicorraciais do NEAB-
CEFET/RJ
Bolsista da Capes
Resumo:
As análises apresentadas neste texto buscam refletir sobre a trajetória política da
Juventude Negra brasileira no século XXI. Tomando como ponto de partida o I
Encontro Nacional de Juventude Negra/ENJUNE - realizado em Lauro de
Freitas/BA em 2007, e considerando como um marco histórico da organização deste
grupo juvenil, este artigo busca responder como este público tem sido tematizado
nas políticas públicas contemporânea. Para isso propõe a intersecção dos índices de
violência, uso e abuso de drogas e homicídio com os esforços da Secretaria
Nacional de Juventude/SNJ juntamente com o Conselho Nacional de
Juventude/CONJUVE para resolver a equação que apresenta a Juventude Negra
como a mais vulnerável na sociedade. Partimos da hipótese que a cor da pele é
determinante para os tratamentos sociais, e nessa dinâmica, a trajetória política da
Juventude Negra se mostra promissora, desenvolvida sob resistências étnicas, em
busca de acesso aos direitos.
Palavras Chave: Juventude Negra, Juventude, Políticas Públicas, Políticas
Afirmativas
The analyzes presented in this paper seek to reflect on the political trajectory of the
Brazilian Black Youth in the XXI century. Taking as its starting point the First
National Youth Black / ENJUNE - held in Lauro de Freitas / BA in 2007 and
considered as a milestone in the organization of this youth group, this article seeks
to answer as this audience has been thematized in public policy contemporary. For
this propose the intersection of the levels of violence, drug use and abuse and
murder with the efforts of the National Youth / SNJ with the National Youth
Council / CONJUVE to solve the equation that shows the Black Youth as the most
vulnerable in society. We start from the hypothesis that skin color is crucial to
social treatments, and this dynamic, the political trajectory of Black Youth shows
promise, developed under ethnic resistance, seeking access to rights.
Keywords: Black Youth, Youth, Public Policy, Policy Statements
“Os exploradores dos Negros não vão ter descanso
enquanto toda nossa nação negro africana não for
definitivamente livre”(Abdias do Nascimento, Serra da
Barriga 1983).
1 Rua Tarira, 45, Apt: 102. Vicente de Carvalho; Rio de Janeiro/Brasil.
Email: juliano.afro@gmail.com
A frase citada na epígrafe acima revela em partes, o dilema das trajetórias de
lutas que vivem ativistas pela promoção da igualdade racial2 no Brasil. Quando
identificamos o lugar social que a população negra3 ocupa neste país um paradoxo se
instaura. Por um lado, a sensibilidade em torno das temáticas raciais são expressas, por
meio das políticas públicas afirmativas, como a aprovação recente da
constitucionalidade das cotas pelo Supremo Tribunal Federal, por outro o Relatório
Anual das Desigualdades Raciais revela crescente às distancias entre negros e brancos
no Brasil.
Abdias do Nascimento como muitos dedicou parte de sua vida à luta pela
promoção da igualdade racial no Brasil, construindo vias que possibilitam hoje, análises
mais profundas que envolvem justiça, liberdade e direitos a questão racial. Em sua
trajetória perceberemos um legado de análises que possibilitam outras conjunturas e
formas diferenciadas de pensar a população negra no Brasil, como a exemplo, a
trajetória política da Juventude Negra.
O século XXI é emblemático para as experiências de políticas afirmativas4 neste
país. Estas têm possibilitado a inclusão de jovens negros no ensino superior, bem como
projetado espaços que favorecem a organização deste segmento, para disputa por acesso
aos direitos. A estruturação da Secretaria Nacional da Juventude/SNJ e do Conselho
Nacional de Juventude/CONJUVE, ambos datados de 2005, é também fundamental
para compreensão do processo de organização da Juventude Negra.
Tomando como ponto de partida o I Encontro Nacional de Juventude
Negra/ENJUNE - realizado em Lauro de Freitas/BA em 2007, considerando como
2 Do ponto de vista biológico não existem raças humanas; há apenas uma raça, a humana. No entanto, do
ponto de vista social e político é possível (e necessário) reconhecer a existência do racismo enquanto
atitude. Assim, só há sentido em usar o termo raça em uma sociedade racializada, ou seja, que define a
trajetória social dos indivíduos em razão da sua aparência. Segundo Munanga (2006), o conceito de raça,
tal qual empregado hoje, nada tem de biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois, como todas
as ideologias ele esconde algo não proclamado: a relação de poder e de dominação. A raça, sempre
apresentada como categoria biológica, naturalizada é de fato uma categoria etno-semântica. De outro
modo, o campo semântico do conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas
relações de poder que a governam. Os conceitos de negro, branco, mestiço não significam a mesma coisa
nos Estados Unidos, no Brasil, na África do Sul, na Inglaterra etc. Por isto, o conteúdo dessas palavras é
etno-semântico, político-ideológico e não biológico (p. 27). 3 Estatuto de Promoção da Igualdade Racial que conceitua Art. 1⁰, Parágrafo Único, inciso IV população
negra: é o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça,
usado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga
(Estatuto da Igualdade Racial). 4 Políticas Afirmativas se constituem em mecanismos de diminuição de desigualdades historicamente
construídas ou destinam-se a prevenir que novas desigualdades se estabeleçam no tecido social, tendo por
base condições de gênero, raça, orientação sexual, participação política, religiosa e desenvolvimento
econômico e social.
um marco histórico da organização deste grupo juvenil percebe um movimento em
torno da garantia dos direitos da Juventude Negra. Buscaremos neste estudo
responder como este público tem sido tematizado nos espaços de juventude5 entre
2007 e 2012.
Toda ação gera reação
A aprovação da constitucionalidade das cotas raciais em abril deste ano
apresentou-se contraditória as rasas comemorações, em partes seguidas por protestos,
que ocorre no mês de maio, em detrimento da abolição da escravidão. Os discursos
longos e, as justificativas dos ministros do Supremo Tribunal Federal respaldam o que o
Movimento Negro vem lutando e apresentando há décadas para os governantes neste
país. As justificativas em favor das cotas feita pelos ministros do STF é um terreno fértil
para pensarmos o ideal para a população brasileira. Abdias do Nascimento, porém, já
pontuava a necessidade de ações afirmativas, bem como justificavam a importância
delas em Quilombismo.
Também constam no Relatório Final do ENJUNE, algumas maneiras que a
Juventude Negra julga como fundamentais, para a inclusão destes jovens na sociedade,
bem como sua responsabilidade no desenvolvimento deste país. A sensibilidade em
torno das cotas raciais incita perguntarmos se já é chegada à hora de um projeto político
que respeite o multiculturalismo6 e a diversidade da sociedade brasileira? Bem, se de
um lado parece que sim, de outro veremos que não.
A cultura de privilégios e exclusividades que marcam a fundação deste país
e, consequentemente escamoteia a problemática racial, em que pese a Juventude Negra,
esbarra na constitucionalidade conferida ao sistema de cotas no ensino superior, postura
que fragmenta a tradição do pensamento que insistente em depositar a problemática
social no Brasil no discurso de classe. As cotas forçam para além da inclusão de
pessoas, a inclusão de pensamentos, e tendo comprovado o bom desempenho destas
5 A Organização das Nações Unidas – ONU define como juventude a faixa etária que vai dos 15 aos 24
anos. Já a Organização Ibero-Americana de Juventude considera Juventude como as pessoas de faixa
etária de 15 aos 30 anos. No Brasil, a Constituição Federal reconhece a categoria “juventude” (Ementa
65) a partir do conceito apropriado pelo Conselho Nacional de Juventude – CONJUVE, que considera
juventude como segmento que vai dos 15 aos 29 anos (BRASIL, 2007). Neste estudo seguiremos este
último conceito de juventude. 6 O termo multicultural representa neste sentido, a formação de uma nação que se estrutura a partir da
diversidade. Segundo Reis (2010) “O multiculturalismo, existe a convivência em um país, região ou local
de diferentes culturas e tradições. Há uma mescla de culturas, de visões de vida e valores. O
multiculturalismo é pluralista, como já se pode observar, pois aceita diversos pensamentos sobre o mesmo
tema, abolido o pensamento único. Há o diálogo entre culturas diversas para convivência pacífica e com
resultados positivos a ambas”.
políticas, já é perceptível o momento de pensar a sociedade brasileira por um viés étnico
racial.
O trânsito da Juventude Negra brasileira no Século XXI, diz muito sobre
como tem sido a realidade vivida por este segmento no Brasil. Após o I ENJUNE,
várias campanhas foram às ruas e chegaram a 2008 sendo a proposta 01 da I
Conferência Nacional de Políticas Públicas para a Juventude/CNPPJ. O texto revela
o “reconhecimento e aplicação, pelo poder público, transformando em políticas
públicas de juventude as resoluções I ENJUNE, priorizando as mesmas como
diretrizes étnico/raciais de/para/com as juventudes” (PRIORIDADES DA I CNPPJ,
2009).
A I CNPPJ foi um espaço importante para as ações de juventude no
Brasil e Juventude Negra conseguiu sair vitoriosa deste processo com a prioridade
01. Os altos índices de homicídios sobre este segmento, possibilitaram campanhas
que denunciassem às mortes evitáveis. Os números levam a um quadro de
genocídio. Esta proposta provocou no ano de 2009 a estruturação do Grupo de
Trabalho Juventude Negra e Políticas Públicas no âmbito do CONJUVE. Apesar
dos esforços, pouco se viu ser desenvolvido frete a prioridade 01 da I CNPPJ nos
anos seguintes.
A falta de uma orientação e de uma ação prática por parte da Secretaria
Nacional de Juventude corresponde, induz a existência de uma problemática dentro das
Políticas Públicas de Juventude /PPJ, que traduz uma postura histórica na política que
pretere a população negra. As PPJ do século XXI, tem novamente reproduzido os
equívocos históricos com seu silênciamento, quando o que está em jogo é a garantia dos
diretos da Juventude Negra.
Dayrell e Gomes (2008) mostram que uma das mais arraigadas imagens
presentes no imaginário brasileiro é o de ver a juventude na sua condição de
transitoriedade, segundo a qual o jovem é um “vir a ser”, tendo, no futuro, na
passagem para a vida adulta, o sentido das suas ações no presente. Ressaltam que a
juventude é, ao mesmo tempo, uma condição social e um tipo de representação. De
um lado há um caráter universal, dado pelas transformações do indivíduo numa
determinada faixa etária, de outro, há diferentes construções históricas e sociais
relacionadas a esse tempo/ciclo da vida. Quando chamamos atenção a Juventude
Negra nesta análise, a mesma recolhe estereótipos que tem dificultado a
compreensão de suas especificidades.
Este segmento, recolhem estereótipos e visões preconceituosas e
negativas que denunciam a tradição do pensamento social brasileiro que identifica
na Juventude Negra o ideal de suspeitos, desqualificando para o mercado de
trabalho. Reúne ainda sobre esta juventude os impactos de fenômenos sociais
contemporâneos como o aumento de homicídios como já diagnosticados nas leituras
governamentais que justificam políticas públicas de combate ao uso abusivo de
drogas, violência e desemprego7.
Dayrel e Gomes (2008) pontuam que se considerarmos outras variáveis,
como cor da pele para analisarmos a sociedade brasileira em especial as juventudes,
verifica-se um quadro muito intenso de desigualdades entre os jovens. Os principais
programas sociais no Brasil que tem como foco a juventude, como Projovem,
Pronasci entre outros, embora não identificam a juventude negra como foco central
de suas ações são destinados a jovens que possui rentabilidade per capta inferior ao
julgado dignos de sobrevivência pelo governo, neste caso > que 70,00 reais, que
vivem em locais que não contem infra-estrutura, geralmente periferias, possuem
famílias desestruturadas.
Ao observarmos os legados da escravidão perceberemos na formação
das favelas, em especial no Rio de Janeiro, uma forte associação entre periferia e a
questão racial. Neste sentido os jovens assistidos por estes programas sociais são
em sua maioria negros, porém a condição racial não é levada em consideração. Tal
condição justifica a letra da canção Esmola, interpretada pela banda mineira Skank,
onde traz entre as características dos que precisam de esmola “o preto pobre”. Ver -
se na canção uma associação possível entre a pausterização e a condição racial no
Brasil.
Barros (2008, p. 135), na pesquisa “Filtragem Racial: a cor na seleção de
suspeito” reflete sobre a violência com enfoque racial, que segundo o autor nem
sempre é percebida. Utilizando dados do Centro Internacional de Investigação e
7 Ver“Mapa da Violência – Anatomia dos Homicídios no Brasil 2011 encomendada pelo Ministério da
Justiça ao Instituto Sangari, no período de 2002 a 2008”, realizada pelo professor Waiselfisz (2010)
revela que o número de vítimas brancas caiu de 18.852 para 14.650 o que representa uma significativa
diferença negativa, da ordem de 22,3%. Já entre os negros, o número de vítimas de homicídio aumentou
de 26.915 para 32.349, o que equivale a um crescimento de 20,2%, mostra o crescimento da distância já
evidenciada desde 2002, crescendo mais ainda e de forma drástica, firmando as evidências do Movimento
Negro brasileiro. Conclui o estudo que em 2002, morriam proporcionalmente 45,8% mais negros do que
brancos. Em 2005, esse indicador sobe mais ainda indo para 77,8%. E, em 2008, o índice atinge 127,6%.
Nota-se, por esses dados, que, para cada branco assassinado em 2008, morreram, proporcionalmente,
mais de 02 (dois) negros nas mesmas circunstâncias.
Informação para a Paz – CIIIP, mostra que muitas vezes a violência está mascarada
por rotinas e práticas assimiladas pela cultura, sem a devida reflexão. A visibilidade
da violência é “o grau de transparência com que uma sociedade torna mais ou
menos visível suas violências” (CIIIP, 2002, p. 26). O autor ainda ressalta que o
racismo sofre adaptações, muda de estratégia, conforme as circunstâncias, dando a
entender que está ultrapassado e moribundo. Entretanto, continua tão vivo quanto
antes e muito mais perigoso, pois essa aparente invisibilidade permite que se
instalem e produzam seus efeitos sem serem percebidos.
Esses tipos racismos miméticos, que se confundem com o meio,
assumindo discursos politicamente corretos e caminha ombro a ombro com suas
vítimas, deve ser erradicado das práticas institucionais, em especial das l igadas à
segurança pública e acesso à justiça. Sampaio (2003) considera o racismo
institucional8 um fato social existente no Brasil que dificulta a compreensão das
pessoas na sociedade, recaindo como um estigma visível, que promove identidades
incorporadas e geografias sociais lesando, sobretudo, a juventude negra. É engano
pensar que um ato, para ser considerado racista, tenha que ter ocorrido de forma
intencional. Ainda hoje pela falta de formação e informação muitas agentes de
segurança pública agem de forma racista, e produz violência a jovens negros. Essa
realidade precisa ser mudada.
No documentário “Meninos do Tráfico”, MV Bill reflete sobre os
estereótipos que formam os jovens negros moradores de morros e favelas do Rio de
Janeiro. A forma violenta que os julgamentos sociais negativos recaem sobre estes
jovens os formam “Soldados do Morro” tema do rap descrito cantor supracitado,
favorecendo a moldagem da mentalidade destes jovens de tal forma que os fazem
perder a condição de sujeitos de direitos, em especial pelo tratamento que recebem
por policiais ao subir o morro.
Tais ações fortalecem as palavras de Dayrel e Gomes ao apresentarem
que a juventude é vista como problema, ganhando visibilidade quando associada ao
crescimento alarmante dos índices de violência, ao consumo e tráfico de drogas ou
8 O fracasso coletivo de uma organização para prover um serviço apropriado e profissional para as
pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica. Ele pode ser visto ou detectado em processos,
atitudes e comportamentos que totalizam em discriminação por preconceito involuntário, ignorância,
negligência e estereotipagem racista, que causa desvantagem a pessoas de minoria étnica (SAMPAIO,
RACISMO INSTITUCIONAL: desenvolvimento social e políticas públicas de caráter afirmativo no
Brasil, 2003).
mesmo à expansão da AIDS e da gravidez precoce, entre outros. Ainda segundo
os/as autores ao conceber o jovem de uma maneira reducionista, vendo-o apenas
sob a ótica do problema, as ações em prol da juventude passam a ser focadas na
busca de superação do suposto “problema” e, nesse sentido, voltam-se somente para
os setores juvenis considerados pela sociedade, pela escola e pela mídia como “em
situação de risco”.
Tais características que agridem muitas vezes de forma direta os direitos
humanos de jovens negros levou a necessidade de releitura e reflexões sobre a
constituinte brasileira de 1988, conhecida como constituição cidadã que assegura no
artigo 5⁰ que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Art. 5⁰;
CONSTITUIÇÃO, 1988). Porém como os índices sociais mostram na prática, a
garantia de direitos no Brasil, seguem caminhos diferentes ao se tratar de negros e
jovens. A condição dos jovens negros, em especial os que tiveram a experiência de
passar por medidas sócio-educativas, ou cumpriram pena por algum tipo de delito
dificilmente se enquadra no artigo supracitado como iguais. Estes com muita
dificuldade conhecerão a risca o que este direito constitucional reza para si.
Nesse sentido ver-se na arena social um fato histórico que muito importa
para a política de juventude que se fundamenta no “I Encontro Nacional da Juventude
Negra – ENJUNE”, realizado em Lauro de Freitas/BA em julho de 2007. Na ocasião, a
juventude negra presente representando os estados brasileiros, protagonizou uma das
grandes ações de juventude das Américas rumo a garantia dos direitos constitucionais
que reuniu delegados/as de quase todos os estados brasileiros, depois das prévias
estaduais. Tal esforço negligenciado pela mídia conseguiu estruturar a plataforma
política deste segmento, compilada no documento intitulado “Relatório Final do
ENJUNE” publicado em 2008, que em 2008 na I Conferência Nacional de Juventude
foi aprovada como proposta 01 da conferência.
Um dos encaminhamentos principais deste encontro ressalta a necessidade
de manter uma articulação nacional ativa que pudesse apresentar as demandas deste
segmento aos órgãos responsáveis em busca da garantia dos direitos sociais e
constitucionais muitas vezes negados a este segmento. O Fórum Nacional de Juventude
Negra – FONAJUNE, que tinha como propósito reunir um ano posterior ao ENJUNE
jovens negros para pensar o que havia se avançado desde o encontro em Lauro de
Freitas. Em junho de 2008 na cidade de Guarujá/SP, ocorreu a Plenária Nacional
FONAJUNE, onde foram retiradas as prioridades deste segmento, entre as muitas
compiladas no Relatório Final do II ENJUNE, ficou nítido a necessidade de se manter a
luta histórica em favor do direito a vida. A denúncia do extermínio da Juventude Negra
se tornou a bandeira principal desta juventude e compreendida pelas demais juventudes
na I CNPPJ.
A Campanha Nacional Contra o Extermínio da Juventude Negra ganhou
fôlego, e pelo uso da internet chegou na I Conferencia Nacional de Políticas Públicas
para Juventude /CNPPJ, ocorrida em Brasília no final de 2008. O Relatório Final do I
ENJUNE foi aprovado como proposta número 01 desta conferência Reforça o
documento que os/as negros/as são os/as principais vítimas da violência urbana e alvos
prediletos de homicidas e de excessos policiais como corrobora o estudo Mapa da
Violência 2011, por isso uma ação emergente é preciso. Na ocasião da II Conferência de
Juventude, ocorrida em dezembro de 2011, a política afirmativa intitulada Plano
Nacional Contra o Extermínio de Jovens Negros, aprovado pelo Fórum de Cidadania e
Direitos Humanos, em tramitação no Governo Federal foi pontuado como prioridade
para as próximas ações governamentais.
Waiselfisz (2011) revela que o número de vítimas jovens brancas caiu
de 18.852 para 14.650, o que representa uma significativa diferença negativa, da
ordem de 22,3%. Já entre os jovens negros, o número de vítimas de homicídio
aumentou de 26.915 para 32.349, o que equivale a um crescimento de 20,2%,
mostra o crescimento da distancia já evidenciada desde 2002, crescendo mais ainda
e de forma drástica, firmando as evidências do Movimento Negro brasileiro.
Conclui o estudo que em 2002, morriam proporcionalmente 45,8% mais negros do
que brancos. Em 2005, esse indicador sobe mais ainda indo para 77,8%. E, em
2008, o índice atinge 127,6%. Nota-se, por esses dados, que, para cada branco
assassinado em 2008, morreram, proporcionalmente, mais de 02 (dois) negros nas
mesmas circunstâncias.
Dayrel e Gomes cita pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada) sobre “desigualdade racial no Brasil; evolução das
condições de vida na década de 90” e revelam dados importantes sobre a situação
étnico/racial da juventude brasileira e seu processo de escolarização. Esse estudo
atesta a existência de uma grande desigualdade racial entre jovens negros e brancos
na educação. Segundo o estudo a escolaridade média de um jovem negro com 25
anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma
idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. Dentre os estudantes que vivem situações de
exclusão social (famílias que vivem com até ½ salário mínimo), 69,2% são negros e
pardos. A PNAD de 2007 nos mostra que, no grupo de 15 a 17 anos de idade, o
percentual de adolescentes negros que concluíram o ensino fundamental e
freqüentam o ensino médio foi de 20%, enquanto entre os brancos essa taxa foi de
28,1%.
Tais evidências só confirmam o que o Movimento Negro brasileiro ao
longo de sua existência vem denunciando por meio de suas ações. A Juventude
Negra não diferente tem buscado se colocar na sociedade brasileira de forma
propositiva e protagonista. Tais ações marcam uma trajetória que precisa ser
identificada e registrada. A busca pela garantia dos direitos constitucionais é
corroborada nos encaminhamentos dos principais espaços de exercício da
democracia participativa, onde a temática Juventude Negra tem aparecido de forma
evidente fortalecendo as palavras de Abdias do Nascimento na epígrafe deste texto.
As ações desenvolvidas e que têm chamado atenção à Juventude Negra,
tem possibilitado formas diferenciadas de pensar a sociedade brasileira e a
participação social, revelando lugares e realidades que fogem a regra hegemônica
imposta. As políticas de ações afirmativas, resultado de lutas históricas dos
movimentos sociais, neste momento compreendida como constitucional para o STF
diz muito.
Nascimento (2002) denuncia que o Estado brasileiro tem sido o lugar
da cristalização política-social dos interesses exclusivos de um segmento elitista,
cuja aspiração é atingir o status ário-europeu em estética racial, em padrão de
cultura e civilização. Ressalta a importância do negro na constituição desta nação
como sendo o próprio corpo e a alma deste país, denunciando que africanos e seus
descendentes nunca foram tratados como iguais pelos brancos, além de manterem a
exclusividade do poder, do bem-estar e da renda nacional (NASCIMENTO, 2008,
p. 262).
Não por acaso encontramos em diversos pontos do Quilombismo a
necessária importância do negro reconhecer o seu protagonismo na história do
Brasil e na condução da sua emancipação social, econômica e política,
desvinculadas das orientações racistas. Para tanto, Nascimento (2002) afirma que,
O negro já compreendeu que terá de derrotar todos os componentes do
sistema ou estrutura vigente, inclusive a sua intelligentsia responsável
pela cobertura ideológica da opressão através da teorização científica ,
seja de sua inferioridade biossocial, da miscigenação sutilmente
compulsória ou do “mito” da democracia racial. Essa intelligentsia,
aliada a mentores europeus e norte-americanos, fabricou uma ciência
histórica ou humana que ajudou na desumanização dos africanos e seus
descendentes para servir os interesses dos opressores eurocentristas.
Uma ciência histórica que não serve à historia do povo de que trata está
negando-se a si mesma. Trata-se de uma presunção cientificista e não de
uma ciência histórica verdadeira (NASCIMENTO, 2002, p.270).
Ainda em o Quilombismo, Abdias marcará como necessidade primordial
a ocupação, pelo negro, dos espaços de poder. Para isso, propõe objetivamente a
presença do negro em cargos de alta cúpula do Governo, citando nominalmente os
seguintes: Conselho Federal de Educação, Conselho Federal de Cultura, Conselho
de Segurança Nacional, Tribunal de Contas, Forças Armadas, Superior Tribunal
Federal, Superior Tribunal Eleitoral, Superior Tribunal Militar, Superior Tribunal
do Trabalho, e Senado Federal. Além desses sugere ainda cargos nas embaixadas
(como diplomatas) e nas casas legislativas de todas as esferas públicas. Observamos
então que a proposta presente no Quilombismo vai muito além das cotas raciais na
Educação.
Aliás, em se tratando do tema educação, o estado Quilombista propõe
uma educação gratuita e abertas a todos, onde a História da África, das
culturas, das civilizações e das artes africanas terão um lugar eminente
nos currículos escolares (NASCIMENTO, 2008, p. 289). Fora a questão
curricular, propõe ainda a criação de uma Universidade Afro-brasileira.
Importa considerar o que traz Jurema Werneck (2003) ao citar Liv
Sovik,
Colocar a justiça racial na mira, para brancos assim como para negros,
pode fazer parte de uma abertura para o mundo, pois para brancos como
para negros, tomar posição antirracista pode contribuir para os prazeres
da vida. Além disso, o reconhecimento pelos brancos antirracistas de que
estamos distantes da dor causada pelo racismo tem um custo: o de não
sermos líderes, mas coadjuvantes (...) O fato de nossas vidas não serem
cercadas pela discriminação racial significa que tampouco temos um
lugar garantido na condução da luta pela justiça racial (WERNECK apud
SOVIK, 2003, p. 47-48).
Reforça pensar e, dizer que o tempo da inocência já passou. Aquilo que
não se via ou não se dizia ou se fingia não ver/dizer está dito: racismo. E é hora de
passar adiante. Este, por muito tempo foi o país pautado pelo mito da democracia
racial. Um país condenado ao futuro segundo as teorias eugênicas. E um futuro
necessariamente de cachos loiros (WERNECK, 2003, p. 40). Discutir políticas de
ações afirmativas como as cotas no âmbito acadêmico, é também colocar em
questão a tradição do pensamento social brasileiro, não só a função social da
universidade pública, mas também a forma de pensar e problematizar toda a
estrutura ideológica, política e cultural que sustenta a educação superior do país.
A luta continua.
A Juventude Negra brasileira ainda enfrenta problemas estruturais herdados
do período escravocrata que contribuem para dificultar as ações desenvolvidas em
prol de garantia dos direitos salvos em constituição. As ações protagonistas deste
segmento desenvolvidas de forma corajosa são realizadas em território nacional
desde o momento em que o primeiro negro escravizado enfrentou o regime
escravocrata e fugiu da repressão.
A trajetória da Juventude Negra neste século XXI tem possibilitado
teorizações e análises que traem para o centro dos discursos este segmento. A
aprovação da constitucionalidade das cotas raciais no sistema educacional brasileiro
é uma ação importante, porém não se pode negar e reconhecer que muitos foram os
debates e ações realizados contra o racismo, e suas engenharias perversas e mesmo
com todos os esforços grupos anti-racistas continuam se organizando. Não à toa, o
mesmo Estado hoje é sensível às cotas raciais e assim ao ingresso de jovens negros
no ensino superior, é o mesmo que mantém tratamento diferenciado quando
tratamos do sistema segurança pública. Podemos com a constitucionalidade das
cotas considerar que pessoas negras e brancas, que se encontravam submersas nas
teorias da democracia racial, podem perceber que outras vozes, com novas teorias,
pesquisas e argumentos redefinem os pensamentos ao problematizar as tradições.
Os estudos realizados sobre a participação política da juventude brasileira
apontam, para o fato de que a Juventude Negra organizada em movimentos juvenis
e grupos culturais têm sido nos últimos anos, um dos principais agentes nesse
repensar e nesse alargamento da concepção de movimento. Desse modo, o que a
Juventude Negra brasileira tem feito hoje é a continuidade dessa luta bem como o
acréscimo de novas ferramentas e formas de resistência que tem conseguido mesmo
com dificuldades, dissolver paradigmas e estabelecer novas fronteiras e formas de
se pensar a juventude brasileira e sua própria concepção de identidade juvenil.
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