retroatividade da lei tributÁria interpretativa · no âmbito da criação ou aumento do tributo,...
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CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA – CESB
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA - IESB
BACHARELADO EM CIÊNCIAS JURÍDICAS
RETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA INTERPRETATIVA
Aluno: Thiago Figueiredo de Lima Orientadora: Simone Horta Andrade Righi
Resumo
Este trabalho trata da questão da lei tributária interpretativa e seu efeito retroativo, analisando sua constitucionalidade, natureza, características e efeitos no ordenamento jurídico e na vida prática dos sujeitos da relação obrigacional tributária. Trata também da Lei Complementar n° 118 de 09 de fevereiro de 2005, que a pretexto de “interpretar” o disposto no artigo 168, inciso I do Código Tributário Nacional, alterou substancialmente regras prescricionais e de cobrança do crédito tributário, originando diversas divergências jurídicas. O presente trabalho tem como objetivo principal demonstrar que as chamadas leis interpretativas, e seu pretenso efeito retroativo, deverão ser utilizadas em perfeita consonância com o ordenamento jurídico, cumprindo sua finalidade de aclarar outra norma que prescinda de tal tratamento, respeitando, assim, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, em reverência a segurança jurídica.
Palavras-chaves: Lei tributária interpretativa. Efeito Retroativo. Princípio da Irretroatividade. Segurança Jurídica.
INTRODUÇÃO
O assunto a ser abordado no presente trabalho de conclusão de curso versará
sobre a retroatividade da lei tributária interpretativa, situação excepcional prevista pelo
artigo 106, I, do Código Tributário Nacional1, analisando todos os seus efeitos e
conseqüências, tanto no ordenamento jurídico, como na vida prática dos contribuintes.
Como se sabe, em regra, a norma jurídica projeta sua eficácia para o futuro.
Assim, o fato regula-se juridicamente pela lei em rigor na época de sua ocorrência, não
devendo se falar em aplicação retroativa da lei, posto que o tempo é irreversível. Pode-se
dizer que esta é a regra geral do direito intertemporal.
Todavia, haverá situações, em que a lei, expressamente, poderá reportar-se a
fatos pretéritos, dando-lhes ou modificando-lhes seus efeitos jurídicos, elidindo a incidência
da lei anterior.
A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio da irretroatividade
relativa da lei ao determinar que esta não atingirá o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e
coisa julgada (art. 5º XXXVI); ou mesmo quando prevê que “não há crime sem lei anterior
que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º XXXIX).
No que diz respeito à matéria tributária, a Constituição proíbe a cobrança de
tributos em relação “a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os
houver instituído ou aumentado” (art. 150, III, “a”). Por outro lado, diz o art. 106, I, do
Código Tributário Nacional que a lei aplica-se ao ato ou fato pretérito, ou seja, ocorrido antes
do início de sua vigência, em qualquer caso quando seja expressamente interpretativa,
ressalvando a aplicação de penalidade pela infração dos dispositivos interpretados.
Com efeito, iremos avaliar a possível constitucionalidade da Lei
Complementar nº 118 de 09 de fevereiro de 2005, que a pretexto de “interpretar” o disposto
no artigo 168, inciso I do Código Tributário Nacional, alterou substancialmente regras
1 BRASIL, Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, estados e municípios. Diário Oficial da União, Brasília, Distrito Federal, pub. 27 de out. de 1966.
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prescricionais e de cobrança do crédito tributário, originando diversas divergências jurídicas,
além de sopesar o entendimento dos tribunais pátrios quanto à matéria.
Assim, far-se-á necessário analisar a natureza, características e efeitos das leis
interpretativas, avaliando suas conseqüências no ordenamento jurídico e na vida prática dos
sujeitos da relação obrigacional tributária, destacando as alterações provocadas pela Lei
Complementar nº 118/2005.
1. O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
Antes, porém, de aventarmos a questão principal deste trabalho, cumpre
abordamos um tema fundamental, qual seja, o princípio da irretroatividade, importante
instituto para a consolidação e segurança das relações jurídicas.
Nas palavras do renomado mestre Hugo de Brito Machado2:
Como expressão do princípio da segurança jurídica a irretroatividade é preceito universal. Faz parte da própria idéia do Direito. Ocorre que o legislador poderia, por razões políticas, elaboras leis com cláusulas expressas determinando sua aplicação retroativa. Então, para tornar induvidosa a desvalia de tais retroativas e para dar segurança jurídica, erigiu-se este princípio em norma da Lei Maior, segundo a qual é vedada a cobrança de tributos ‘em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei que os houver instituído ou aumentado.
O princípio da irretroatividade está intimamente atrelado ao valor da
segurança jurídica, e, conseqüentemente, à estabilidade dos direitos subjetivos3: direito
adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. É o princípio constitucional geral de que a lei
nova não pode vir a prejudicar direitos já adquiridos e atos jurídicos já aperfeiçoados, ou seja,
é o mesmo que dizer que o tempo rege o fato.
No Brasil, tem-se notícia que o princípio da irretroatividade da lei tem caráter
constitucional desde a Constituição do Império, de 1824. Como bem ressaltou Carlos
Velloso4, em seu intitulado trabalho “O Princípio da Irretroatividade da Lei Tributária”, a
presença do princípio da irretroatividade, em respeito ao direito adquirido, à coisa julgada e
ao ato jurídico perfeito, em status constitucional, é uma das características das constituições
2 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2006. 3 DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros. 2004. p. 435-440.4 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. “O princípio da irretroatividade da lei tributária” in RTDP 15:13/23.
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republicanas. Em um único momento na história das constituições brasileiras o princípio da
irretroatividade não foi prestigiado, a Carta Política de 1937. Motivo mais do que
compreensível, visto que surgia ali à ditadura do Estado Novo.
No que tange ao Direito Constitucional Comparado, registra-se que a primeira
Constituição que tratou do tema foi à norte-americana de 1787, que proibiu expressamente
que fossem votadas leis com efeito retroativo5.
Para efeito de informação, vislumbra-se que são pouquíssimos os países que
possuem o princípio da irretroatividade com status constitucional. Carlos Velloso6 destaca que
apenas as Constituições americana, brasileira, mexicana e norueguesa tratam expressamente
do tema.
2. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA LEI TRIBUTÁRIA
O princípio da irretroatividade da lei tributária é corolário do princípio
constitucional geral de que a lei nova não pode vir a prejudicar direitos já adquiridos e atos
jurídicos aperfeiçoados (Constituição Federal, art. 5º, XXXVI).
Encontra-se expresso no art. 150, III, alínea “a”, da Constituição Federal,
fazendo parte do rol dos princípios limitadores ao poder de tributar do Estado. Conforme
disposto no mencionado dispositivo, fica estabelecida proibição da cobrança de tributo em
relação a fato gerador ocorrido antes da vigência da lei que o institui ou o majora. João
Marcelo Rocha7 entende que, mesmo não estando expressamente na Constituição, aplica-se o
princípio nos casos em que a lei venha a reduzir o tributo.
Segundo Sacha Calmon8, a irretroatividade da lei fiscal, salvo quando
interpretativa ou para beneficiar, é princípio geral de direito do Direito, sendo que não seria de
fundamental importância que o legislador constituinte o mencionasse na parte das vedações
ao poder de tributar.
Em que pese o fato de o princípio da irretroatividade tributária está expresso,
entende Luciano Amaro que o texto constitucional não foi feliz em mencionar fatos
geradores. Assevera que fato anterior à vigência da lei que institui o tributo não é gerador,
haja vista que somente se pode falar em fato gerador anterior à lei quando esta aumente 5 VELLOSO, op. cit., p.16.6 VELLOSO, op. cit., p. 17.7 ROCHA, João Marcelo. Curso de Direito Tributário. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Ed. Ferreira, 2005. p. 73.8 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988. 6ª Edição. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1995. p. 319.
4
tributo. Assim, finaliza concluindo que “[...] a Constituição pretende, obviamente, é vedar a
aplicação da lei nova, que criou ou aumentou tributo, a fato pretérito, que, portanto,
continua sendo não-gerador de tributo, ou permanece como gerador de menor tributo,
segundo a lei da época de sua ocorrência”.9
Ademais, o ilustre autor analisa o princípio da irretroatividade da lei tributária
sob três óticas: a) redução ou dispensa do pagamento do tributo; b) criação ou aumento do
tributo; c) e a possibilidade da retroatividade da lei tributária interpretativa.10
Primeiramente, quanto à possibilidade da lei de reduzir ou dispensar o
pagamento do tributo em relação a fatos do passado, afirma que essa possibilidade somente
poderia ocorrer de maneira expressa e cautelosa, respeitando o princípio da igualdade.
No âmbito da criação ou aumento do tributo, torna-se imperiosa a aplicação do
princípio. A lei não poderá retroagir, aplicando-se tão somente a fatos futuros, ou seja,
posteriores ao momento de entrada em vigor da lei nova. Caso contrário (atingindo fatos
passados) estará incorrendo em inconstitucionalidade, por ferir o princípio irretroatividade da
lei criadora ou majoradora do tributo.
Com efeito, cabe trazer à colação o seguinte posicionamento de Paulo de
Barros Carvalho11:
[...] o enunciado normativo que protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conhecido como princípio da irretroatividade das leis, não vinha sendo, é bom que se reconheça, impedimento suficientemente forte para obstar certas iniciativas de entidades tributantes, em especial a União, no sentido de atingir fatos passados, já consumados no tempo, debaixo de plexos normativos segundos os quais os administrados orientaram a direção de seus negócios.
Quanto à questão da retroatividade da lei tributária, deixaremos para discorrer
mais a frente, quando trataremos das questões principais desse trabalho.
Hugo de Brito Machado12 ventila a hipótese em que o fato gerador se tenha
iniciado, mas não esteja consumado. Portanto, neste caso, ele está pendente. Assevera que a
lei nova aplica-se aos fatos geradores pendentes, ocorrendo principalmente com os tributos
que possuem o fato gerador continuado. Como exemplo ele cita o imposto de renda.
Ressalvando as hipóteses em que há incidência na fonte, ressalta que só no final do
9 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003. p. 118. 10 AMARO, op.ci. p. 118-119. 11 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 7ª Edição. São Paulo: Ed. Saraiva, 1995. p. 100-101.12 MACHADO, op. ci. p. 117.
5
denominado “ano-base”, se considera consumado, completo, o fato gerador do imposto de
renda. Destarte, afirma que se antes disto surge uma lei nova, ela se aplica imediatamente.
Ressalta, ainda, que embora alguns tributaristas entendam que o imposto de
renda deve ser regulado por lei em vigor antes do período ano-base respectivo, tal
entendimento não tem sido aceito pelo Supremo Tribunal Federal.
Entendemos que, em respeito ao princípio da irretroatividade, e
consequëntemente à segurança jurídica, no caso do imposto de renda, a lei nova que agrava o
ônus do contribuinte somente deve ser aplicado aos fatos ainda não iniciados. Portanto, a lei
nova que aumenta os encargos dos contribuintes somente deve ser aplicada no ano seguinte ao
de sua publicação.
Finalmente, em matéria de tributária, o princípio da irretroatividade opera de
forma absoluta quando se pretende instituir, majorar ou reduzir tributo, resguardando o direito
adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
2.1 Irretroatividade e direito adquirido no ordenamento jurídico brasileiro.
De modo geral, pode-se afirmar que o ordenamento jurídico brasileiro admite a
retroatividade da lei. Portanto, desde que a lei não viole o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada, não há problema em se falar em retroatividade.
Analisaremos a questão do ponto de vista do direito adquirido.
Vislumbra-se que o conceito de “direito adquirido”, como um bem que se
integrou ao patrimônio de seu titular, não possui maiores controvérsias. Assim, ou se
realizaram as condições impostas por lei para aquisição e, portanto, o plexo, situações ou
status se integram ao patrimônio do titular. No caso de não se realizarem, não há que se falar
em direito adquirido13.
Alexandre de Moraes14 entende que em nosso ordenamento positivo inexiste
definição constitucional de direito adquirido, uma vez que o conceito ajusta-se à concepção
que dá o próprio legislador ordinário, a quem assiste a prerrogativa de definir, normatividade,
o conteúdo evidenciador da idéia de situação jurídica definitivamente consolidada.
Nesse sentido, o direito adquirido, na lição de Celso Bastos15:
13 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito Adquirido e Expectativa de Direito.1ª Edição. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 2005. p. 50.14 MOARES, Alexandre. Direito Constitucional. 10 Edição. São Paulo: Ed. Atlas, 2005. p. 74.15 BASTOS, Celso. Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 43.
6
[...] constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, esta está em constante mutação; o Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entretanto, a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra.
Com efeito, cumpre ressaltar o seguinte ensinamento de Carlos Velloso16, [...] o direito se origina de do fato nasce o direito adquirido de uma relação fático-jurídica, fato-direito objetiva. O direito se origina do fato, nasce o direito subjetivo de uma relação fático-jurídica, fato-direito objetivo. O legislador escolhe um fato e faz incidir sobre ele uma norma. Desta incidência pode nascer o direito subjetivo. Nascido, então, o direito subjetivo sob o pálio de uma lei, ele é intocável, vale dizer, o legislador não pode desfazê-lo.
Pode-se dizer que os fatos são simples ou são complexos. Quando são simples
não há maiores discussões, uma vez que se constituem de um só acontecimento, ficando claro
o direito subjetivo e o direito adquirido. No que tange aos fatos complexos, composto de
vários acontecimentos, a questão se põe de forma mais complicada, haja vista que enquanto
todos esses acontecimentos não ocorrerem, o fato não estará aperfeiçoado. Portanto, enquanto
o fato não se exaurir, há apenas uma mera expectativa de direito, certo que cada um desses
acontecimentos deve reger-se pela lei então vigente, ou seja, tempus regit actum.
Tem-se que o ordenamento brasileiro, no tocante ao direito adquirido, sofreu
grande influência da teoria subjetivista de Gabba. Tanto a Lei de Introdução ao Código
Civil17, como a Constituição, no seu art. 5º, XXXVI, adotam a teria subjetivista18.
Carlos Velloso afirma que para Gabba19, em sua obra Teoria della retroatività
delle leggi, é direito adquirido:
[...] o direito que é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato foi consumado, embora ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova sobre o mesmo direito, e que nos termos da lei nova sobre o mesmo direito, e que nos termos da lei sob cujo império se tabulou o fato do qual se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu. Não obstante a crítica de Planiol, Bonnecase, Duguit, Jéze, Roubier, Chironi, Ferrara, Ruggiero, a doutrina de Gabba predominou, conforme se verifica das obras de Baudry-Lacantineire, Jossenrand, Loborde-Lacoste, Sebatier, Trabucchi e Von Tuhr.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou já inúmeras vezes acerca da
irretroatividade da lei e do direito adquirido, consolidando que “[...] o disposto no art. 5º,
16 VELLOSO, op. ci. p.17.17 BRASIL, Decreto-lei nº 4.657, de 4 de Setembro de 1942. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Diário Oficial da União, de 9 de Setembro de 1942.18 VELLOSO, op. ci. p.17.19 Apud, VELLOSO, op.cit. p.17.
7
XXXVI, da Constituição Federal, se aplica a toda e qualquer lei infraconstitucional, sem
qualquer distinção entre direito público e privado, ou entre lei de ordem pública ou lei
dispositiva.” 20
Quanto à questão da irretroatividade e das normas de ordem pública, não
obstante o posicionamento de ilustres autores como Carvalho Santos e Clóvis Beviláqua21 no
sentido do efeito retroativo daquelas, entendemos que Carlos Velloso possui razão. Segundo o
ilustre autor, as normas de ordem pública têm efeito imediato, porém, devem respeitar o
princípio da Irretroatividade. Esse é, também, o posicionamento de Pontes de Miranda22.
Um Estado para ser considerado de Direito deverá sujeitar-se à legalidade e à
jurisdição. Como se sabe, a lei tem caráter de abstração, de generalidade, de impessoalidade,
sempre aplicada para o futuro. Assim, “[...] aplicada com retroatividade, faz ruir o Estado de
Direito”.23
Cabe ressaltar que nos sistemas constitucionais que não conferem ao princípio
da irretroatividade status constitucional, como já mencionado, é o Código Civil que irá dispor
sobre a retroatividade da lei.
Conclui-se que nas ordens jurídicas que têm o princípio da irretroatividade
como cânon constitucional, não se pode afirmar que as normas de ordem pública são
retroativas. Mesmo que a lei possua efeito imediato, ela sempre deve respeito ao direito
adquirido.
3. AS CHAMADAS LEIS INTERPRETATIVAS.
20 Cf. Ação Direta de Inconstitucionalidade 493 – DF, Pleno, Relator Ministro Moreira Alves, in Revista Trimestral de Jurisprudência volume 143, p. 724 e segs. Por maioria de votos, o Tribunal conheceu ação, integralmente, vencido em parte o Ministro Carlos Mário Velloso, que dela conhecia apenas no ponto que impugna os artigos 23 e parágrafos, 24 e parágrafos, da Lei 8177, de 1º de março de 1991, não assim quanto aos artigos 18, caput, §§ 1º e 4º, 20, 21 e parágrafo único. No mérito, por maioria de votos, o Pretório Excelso julgou a ação procedente, in totum, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 18, caput, 21 e parágrafo único, 23 e §§. 24 e §§, da Lei 8177, vencidos em parte os Ministros Ilmar Galvão e Marco Aurélio, que a julgavam procedente também, em parte, para declarar a inconstitucionalidade, apenas, do § 3º do artigo 24; e, ainda, o Ministro Carlos Mário Velloso que a julgava parcialmente procedente para julgar inconstitucional somente os artigos 23 e seus §§, 24 e seus §§. Presidiu a sessão o Ministro Sydney Sanches. SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Irretroatividade da lei . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4190>. Acesso em: 17 maio 2007.21 Idem, ibidem, p.19.22 MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição de 1967 com a EC nº 1/69. 2º ed. RT, 1971, V/99.23 VELLOSO, op. ci. P. 19.
8
Após uma relevante exposição acerca do princípio da irretroatividade,
passemos a discorrer sobre as chamadas leis interpretativas, relevante aspecto para a
compreensão do tema proposto.
O art. 106, I do Código Tributário Nacional24, como já mencionado, prevê que
a lei aplica-se a ato ou fato pretérito quando “expressamente interpretativa” excluída a
aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.
A possibilidade de retroação da lei tributária interpretativa não é unânime na
doutrina, tanto no tocante a sua existência no ordenamento jurídico, quanto no seu pretenso
efeito retroativo. Com efeito, cabe ressaltar o raciocínio do escólio de Hugo de Brito
Machado25 que dizia:
Juristas autorizados afirmam que toda lei, mesmo que se afirme expressamente interpretativa, ou inova ou é inútil. Essa tese tem sido sustentada por tributaristas de grande expressão como doutrinadores, e tem inegável consistência, especialmente sob o enfoque da lógica formal.
Por outro lado, avalia que o art. 106, I do CTN não foi ainda declarado
inconstitucional, de modo que continua integrando nosso ordenamento jurídico. Acolhe,
portanto, a existência de leis meramente interpretativas, que não inovariam propriamente, mas
apenas se limitariam a esclarecer dúvidas atinentes ao dispositivo anterior. Entretanto, ressalta
que o Estado não pode valer-se de seu poder para legislar para alterar, em seu benefício,
relações jurídicas já existentes.
Carlos Maximiliano sinaliza que a interpretação autêntica, realizada pelo
próprio poder que criou o ato normativo, ou seja, o Legislativo, “arranha o princípio de
Montesquieu”, uma vez que “transforma o legislador em juiz; aquele toma conhecimento de
casos concretos e procura resolvê-los por meio de uma disposição geral”. Reforça que:
[...] se a lei tem defeitos de forma, é obscura, imprecisa, faça-se outra com caráter franco de disposição nova. Evite-se o expediente perigoso e retrógado, a exegese por via de autoridade, irretoquível, obrigatória para os próprios juízes; não tem mais razão de ser; coube-lhe preponderante outrora, evanescente hoje. 26
24 BRASIL, Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, estados e municípios. Diário Oficial da União, Brasília, Distrito Federal, pub. 27 de out. de 1966.25 MACHADO, op. cit. p.562.26 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 18ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 93-94.
9
Nessa linha de pensamento é o escólio do ex-ministro do Supremo Tribunal
Federal Carlos Mário da Silva Velloso27, que trouxe importantes reflexões em seu artigo “O
princípio da irretroatividade da lei tributária”, vejamos:
A questão deve ser posta assim: se a lei se diz interpretativa e nada acrescenta, nada inova, ela não vale nada. Se inova, ela vale como lei nova, sujeita ao princípio da irretroatividade. Diz-se ela que retroage, incorre em inconstitucionalidade e, por isso, nada vale. Desta forma, não há falar, na ordem jurídica brasileira, em lei interpretativa com efeito retroativo.
Esse entendimento é esposado pelo Desembargador Federal Sergio Feltrion
Corrêa, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, na obra coletiva “Código Tributário
Nacional Comentado” (3ª Edição, p. 530).
Temos ainda lição do renomado mestre Luciano Amaro, que em sua obra
relata:
A doutrina tem-se dedicado à tarefa impossível de conciliar a retroação da lei interpretativa com o princípio constitucional da irretroatividade, afirmando que a lei interpretativa, afirmando que a lei interpretativa com o princípio constitucional da irretroatividade, afirmando que a lei interpretativa deve limitar-se a “esclarecer” o conteúdo da lei interpretada, sem criar obrigações novas, pois isso seria inconstitucional. Segundo já afirmamos noutra ocasião, a lei “interpretativa” sofre todas as limitações aplicáveis às leis retroativas, e, portanto, é inútil.
Aliomar Baleeiro28 só aceita a lei “realmente” interpretativa, a saber:
Apesar da cláusula “em qualquer caso”, cremos que o texto se refere à lei realmente interpretativa, isto é, que revela o exato alcance da lei anterior, sem lhe introduzir gravame novo, nem submeter à penalidade por ato que repousou no entendimento anterior.
Em que pese toda a discussão relacionada às chamadas leis interpretativas,
conforme já avaliou Hugo de Brito Machado, o art. 106, I do Código Tributário Nacional
jamais foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, permanecendo válido e
plenamente eficaz no ordenamento jurídico.
As normas fiscais interpretativas são aquelas com natureza predominantemente
declaratórias de direitos já assegurados pelas normas anteriores, devendo, sempre, operar em
favor da segurança jurídica, integrando-se com o sistema jurídico vigente. Portanto, o
dispositivo nunca poderá ser utilizado de forma isolada.
27 VELLOSO , op. cit. p.20.28 BALEEIRO, Aliomar. Direto Tributário Brasileiro. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 428.
10
Destarte, para a utilização do mencionado dispositivo, deverão ser analisadas,
de forma criteriosa, as suas hipóteses justificadoras. Caso não fiquem comprovados os
pressupostos de validade, restará caracterizado manifesto desvio de finalidade, além de
inequívoca violação ao próprio art. 106, I do Código Tributário Nacional.
Mário Luiz Oliveira da Costa29 chama atenção para a possibilidade das leis
interpretativas virem a serem mal utilizadas. Acentua:
Como todas as demais normas, aquelas interpretativas estarão sempre sujeitas ao crivo do Poder Judiciário, inclusive, preliminarmente, ao exame de validade quanto ao próprio pressuposto de sua edição. Se o legislador qualificar, falsamente, a lei nova interpretativa, somente para lhe imprimir o desejo de feito retroativo, caberá ao Poder Judiciário afastar tal pretensão.
Sob outro enfoque, mesmo que as leis interpretativas tenham tão-somente a
finalidade de “esclarecer” uma lei anterior, ele sempre inovará no mundo jurídico, visto que,
após sua edição, “não mais haverá a obscuridade até então existente, restando explicitado o
real conteúdo do dispositivo interpretado”. 30
Portanto, temos que, por inovar no mundo jurídico, as chamadas leis
interpretativas são plenamente válidas quando tratarem, efetivamente, de norma regulando
matéria que demandava tal providência. Demais disso, nunca poderão retroagir para
prejudicar os contribuintes, haja vista os princípios constitucionais da irretroatividade e da
segurança jurídica. Aliás, quanto a isso, inexistem divergências doutrinárias.
O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou, entendendo ser perfeitamente
aplicável o art. 106, I, do Código Tributário Nacional, desde que não venha a prejudicar os
contribuintes. Nesse sentido, cabe trazer à colação os seguintes julgados:
TRIBUTÁRIO. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E
CONTRIBUIÇÕES (SIMPLES). APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.
1. A lei tributária mais benéfica e aquelas meramente interpretativas
retroagem, a teor do disposto nos incisos I e II, do art. 106, do CTN 2. O § 4º
introduzido pela Lei n.º 9.528/97 no art. 9º, da Lei n.º 9.317/96, ao explicitar
em que consiste "a atividade de construção de imóveis", veicula norma
restritiva do direito do contribuinte, cuja retroatividade é vedada.
2. "Consoante o disposto no artigo 8º, parágrafo 2º da Lei n.º 9.317/96, a opção
da pessoa jurídica pelo SIMPLES, submeterá a optante à esta sistemática, a partir
29 COSTA, Mário Luiz Oliveira da. Lei Complementar n° 118/2005: a Pretendida Interpretação Retroativa acerca do disposto no art. 168, I do CTN. Revista Dialética de Direito Tributário. Nº 115. Abril de 2005, p.100.30 Idem, ibidem, p. 100.
11
do primeiro dia do ano-calendário subseqüente." (REsp n.º 329892/RS, Rel. Min.
Garcia Vieira, DJ de 05.11.2001)
3. Recurso especial improvido.31
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IPI. INSUMOS. ISENÇÃO. CREDITA
MENTO. PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE. LEI Nº 9.779/99.
1. Até que seja totalmente implementada a Reforma Tributária e criado o IVA –
Imposto sobre o Valor Agregado (o que ocorrerá somente em 2007), valerá a re
gra da não-cumulatividade, que encontra assento constitucional.
2. A Lei nº 9.779/99, por força do assento constitucional do princípio da não-
cumulatividade, tem caráter meramente elucidativo e explicitador. Apresen
ta nítida feição interpretativa, podendo operar efeitos retroativos para atin
gir a operações anteriores ao seu advento, em conformidade com o que pre
ceitua o artigo 106, inciso I, do Código Tributário Nacional, segundo o qual
“a lei se aplica a ato ou fato pretérito” sempre que apresentar conteúdo in
terpretativo.
3. Se a Lei nº 9.779/99 apenas explicita uma norma constitucional que é auto-
aplicável (princípio da não-cumulatividade) não há razão lógica, nem jurídica,
que justifique tratamento diferenciado entre situações fáticas absolutamente idên
ticas, só porque concretizada uma antes e outra depois da lei.
4. Recurso especial improvido.32
Ademais, é manifestação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal que as
leis interpretativas não são inconstitucionais:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA PROVISORIA DE CARÁTER INTERPRETATIVO - LEIS INTERPRETATIVAS - A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO DE LEIS DE CONVERSAO POR MEDIDA PROVISORIA - PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE - CARÁTER RELATIVO - LEIS INTERPRETATIVAS E APLICAÇÃO RETROATIVA - REITERAÇÃO DE MEDIDA PROVISORIA SOBRE MATÉRIA APRECIADA E REJEITADA PELO CONGRESSO NACIONAL - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA - AUSÊNCIA DO "PERICULUM IN MORA" - INDEFERIMENTO DA CAUTELAR. - E PLAUSÍVEL, EM FACE DO ORDENAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, O RECONHECIMENTO DA ADMISSIBILIDADE DAS LEIS INTERPRETATIVAS, QUE CONFIGURAM INSTRUMENTO JURIDICAMENTE IDONEO DE VEICULAÇÃO DA DENOMINADA INTERPRETAÇÃO AUTENTICA. – AS LEIS INTERPRETATIVAS - DESDE QUE RECONHECIDA A SUA EXISTÊNCIA EM NOSSO SISTEMA DE DIREITO POSITIVO - NÃO TRADUZEM USURPAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES INSTITUCIONAIS DO JUDICIARIO E, EM CONSEQUENCIA, NÃO OFENDEM O POSTULADO
31 REsp nº 440.994, Rel. Min. Luiz Fux, DJ em 24/03/2003.32 REsp n° 435.783, Rel. p/ Acórdão Min. Castro Meira, DJ em 03/05/2004.
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FUNDAMENTAL DA DIVISAO FUNCIONAL DO PODER. - MESMO AS LEIS INTERPRETATIVAS EXPOEM-SE AO EXAME E A INTERPRETAÇÃO DOS JUIZES E TRIBUNAIS. NÃO SE REVELAM, ASSIM, ESPÉCIES NORMATIVAS IMUNES AO CONTROLE JURISDICIONAL. - A QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO DE LEIS DE CONVERSAO POR MEDIDA PROVISORIA EDITADA PELO PRESIDENTE DA REPUBLICA. - O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE "SOMENTE" CONDICIONA A ATIVIDADE JURÍDICA DO ESTADO NAS HIPÓTESES EXPRESSAMENTE PREVISTAS PELA CONSTITUIÇÃO, EM ORDEM A INIBIR A AÇÃO DO PODER PÚBLICO EVENTUALMENTE CONFIGURADORA DE RESTRIÇÃO GRAVOSA (A) AO "STATUS LIBERTATIS" DA PESSOA (CF, ART. 5. XL), (B) AO "STATUS SUBJECTIONAIS" DO CONTRIBUINTE EM MATÉRIA TRIBUTARIA (CF, ART. 150, III, "A") E (C) A "SEGURANÇA" JURÍDICA NO DOMÍNIO DAS RELAÇÕES SOCIAIS (CF, ART. 5., XXXVI). - NA MEDIDA EM QUE A RETROPROJEÇÃO NORMATIVA DA LEI "NÃO" GERE E "NEM" PRODUZA OS GRAVAMES REFERIDOS, NADA IMPEDE QUE O ESTADO EDITE E PRESCREVA ATOS NORMATIVOS COM EFEITO RETROATIVO. - AS LEIS, EM FACE DO CARÁTER PROSPECTIVO DE QUE SE REVESTEM, DEVEM, "ORDINARIAMENTE", DISPOR PARA O FUTURO. O SISTEMA JURÍDICO- CONSTITUCIONAL BRASILEIRO, CONTUDO, "NÃO" ASSENTOU, COMO POSTULADO ABSOLUTO, INCONDICIONAL E INDERROGAVEL, O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE. - A QUESTÃO DA RETROATIVIDADE DAS LEIS INTERPRETATIVAS.33
4. A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA A RESPEITO DO
ART. 168, INCISO I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.
Antes de adentramos na celeuma jurídica trazida pelo artigo 3º da Lei
Complementar nº 118/200534, cumpre fazermos um retrospecto da jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça no tocante ao prazo prescricional do direito de pleitear a restituição ou
compensação dos tributos lançados por homologação.
Assim dispõe o art. 168, I do Código Tributário Nacional:
“[...]
Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de
5 (cinco) anos, contados:
I – nas hipóteses dos incisos I e II do art. 165, da data da extinção dos créditos
tributário”.
33 ADI MC 605/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, DJ em 05/03/1993.34 BRASIL, Lei Complementar nº 118 de 9 de Fevereiro de 2005. Altera e acrescenta dispositivos à Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional, e dispõe sobre a interpretação do inciso I do art. 168 da mesma Lei. Diário Oficial da União, Brasília, Distrito Federal, pub. 09 de fev. de 2005.
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Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça aplicou a teoria da actio nata, em
que se contava o prazo de cinco anos a partir do pagamento antecipado pelo contribuinte,
evoluindo para a tese dos “cinco mais cinco”35. Vale dizer cinco da ocorrência do fato
gerador, acrescidos de mais cinco anos, contados a partir da homologação tácita. Houve ainda
uma terceira corrente, posteriormente superada, a estabelecer que a referida tese dos “cinco
mais cinco” somente se aplicaria aos tributos não declarados inconstitucionais pelo Supremo
Tribunal Federal36.
Enfim, no julgamento do EREsp 436.835/SC, firmou-se definitivamente a tese
dos “cinco mais cinco”. Assim, não havendo prazo fixado em lei para homologação, ela será
de até 5 (cinco) anos, a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, §4
º, do CTN). Portanto, e extinção do crédito tributário ocorrerá com a homologação e não com
o pagamento antecipado, quando então deverá fluir o prazo prescricional de 5 (cinco) anos
previsto no art. 168, inciso I, do CTN.
Nesse sentido, temos a brilhante decisão proferida pela ilustre Ministra Eliana
Calmon no processo Agravo de Instrumento n° 827.346/SP37 de sua relatoria. Destacamos:[...] no julgamento do EREsp 436.835/SC, consagrou-se definitivamente a tese dos “cinco mais cinco”, diante das perplexidades causadas pela adoção de outras teses. Portanto, considerando-se que o tributo em tela está sujeito ao chamado “autolançamento”, o Fisco pode homologá-la expressa ou tacitamente. Não havendo prazo fixado em lei para a homologação, ela será de até 5 (cinco) anos, a contra da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN). A extinção do crédito tributário ocorrerá com a homologação e não com o pagamento antecipado, quando então deverá fluir o prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 168, inciso I, do CTN.
5. A LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005: A PRETENDIDA INTERPRETAÇÃO
RETROATIVA ACERCA DO DISPOSTO NO ART. 168, INCISO I, DO CÓDIGO
TRIBUTÁRIO NACIONAL.
A lei Complementar nº 118, publicada no Diário Oficial da União de 9 de
fevereiro de 2005, alterou alguns dispositivos do Código Tributário Nacional. Cumpre
ressaltar que os dispositivos tratados por essa Lei Complementar praticamente em sua
35 Nesse sentido os seguintes julgados: REsp 75.006/PR, REsp 69.233/RN, EREsp 43.502/RS, AgRg/AG 317.687/SP e ArRg/REsp 256.344/DF.36 Nesse sentido: REsp 220.469/AL, EREsp 43.205/RS, AgRg/REsp 252.846/DF e REsp 329.444/DF.37 Decisão da Ministra Relatora Publicada no DJ de 26/02/2007.
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totalidade referem-se a temas relacionados àqueles regulados pela nova “Lei de Falências”38,
tendo ambos os projetos tramitado conjuntamente no Congresso Nacional.
Saltam aos olhos o fato de o art. 3º da Lei Complementar ter disciplinado
matéria que não guarda qualquer relação com a Lei nº 11.101/2005, encontrando-se assim
disposto:“Art. 3º. Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.712, de 25 de
outubro de 1966 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário
ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do
pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei.”
Por sua vez, o 4º da mencionada Lei Complementar determina que a mesma
entre em vigor cento e vinte dias após sua publicação, observando, quanto ao art. 3º, o
disposto no art. 106, inciso I, do Código Tributário Nacional.
Vislumbra-se que o artigo 3º da Lei Complementar 118/2005 se auto denomina
“norma interpretativa” trazendo para si a aplicação do art. 106, I do CTN. Assim, buscou-se
“interpretar” retroativamente o art. 168, I, do CTN, determinando que o prazo para restituição
de indébito, nos casos dos tributos submetidos a lançamento por homologação, fosse contado
da data do pagamento indevido, e não da data da extinção do crédito tributário pela
homologação tácita, conforme já pacificado na jurisprudência do STJ. Portanto, acarretaria
um grande prejuízo para os contribuintes, onde o prazo para pleitear a respectiva devolução,
se esgotaria em cinco anos, e não mais em dez anos, como vinha ocorrendo com a
consolidação da tese dos “cinco mais cinco”.
Com o advento da Lei Complementar 118/2005, inúmeras divergências
surgiram quanto à verdadeira natureza do art. 3º da mencionada lei. Embora traga em seu
comando sua estrita finalidade de “aclarar” o sentido do art. 168, I do CTN, muitos duvidam
do seu real sentido, e da verdadeira mens legislatoris.
Sobre a matéria, elucida Mário Luiz Oliveira da Costa:
O art. 3º da LC 118/2005 contrariou o disposto no próprio artigo art. 106, I do CTN em que pretendeu se fundamentar, por ser manifestamente incabível a edição de lei interpretativa tendo por objeto dispositivo legal que já fora exaustivamente interpretado pelo Poder Judiciário, em especial quando a suposta interpretação pretendida mostra-se contrária a jurisprudência atinente ao tema. 39
38 BRASIL, Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da União, Brasília, Distrito Federal, pub. 09 de fev. de 2005.
39 COSTA, op. cit. p. 106.
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Sustenta, ainda, que o dispositivo em questão seria inconstitucional, visto que
pretende contornar a jurisprudência já consolidada acerca da matéria, incorrendo em claro
desvio de finalidade e abuso de poder legislativo, desrespeitando a competência do Poder
Judiciário, além de desobedecer à orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, alega violação aos princípios da independência e harmonia dos poderes, segurança
jurídica, irretroatividade, boa-fé, moralidade, isonomia e neutralidade da tributação para fins
concorrências.40
Nesse sentido, Hugo Barroso Uelze e Rodolfo Tsunetaka Tamanaha entendem
que mencionado dispositivo ao buscar interpretar o inciso I do artigo 168 do CTN pretende
“alterar não apenas o prazo de prescrição – em clara afronta ao princípio da tripartição dos
poderes ou funções - (artigo 2º da CF) -, mas a própria natureza das exações fiscais, através
da equiparação de institutos distintos como o “pagamento antecipado” e o “crédito
tributário”, como se tributos por homologação ou de ofício fossem a mesma coisa, o que não
se admite”41.
Após extensos debates a respeito do caráter interpretativo do artigo 3º e, por
conseguinte, da aplicação do art. 106, I do CTN, no julgamento dos Embargos de Divergência
em Recurso Especial nº 327.043, em 27.04.2005, a Primeira Seção do STJ consolidou
entendimento segundo o qual o mencionado dispositivo não é norma interpretativa, uma vez
que não mais havia dúvida a respeito do significado dos dispositivos interpretados.
Com efeito, cabe destacar o seguinte trecho do brilhante voto do Ministro
Teori Albino Zavascki42:
[...] o art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a “interpretação” dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham ocorrer a partir de sua vigência.
.
Com o julgamento do EREsp nº 327.043 começaram a surgir algumas dúvidas
quanto o que realmente seria a “situação que venha a ocorrer a partir de sua vigência”.
40 Idem, ibidem, p. 106-107.41 UELZE, Hugo Barroso. TAMANAHA, Rodolfo Tsunetaka. A lei e a redução de prazo para a restituição de tributos. Consultor Jurídico, 21 de março de 2005. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/33663?display_mode=print>. Acesso em: 21 de outubro de 2006.42 Voto do Min. Teori Albino Zavascki, no julgamento do EREsp 327.043/DF.
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Seria do pagamento indevido cuja restituição se requer, ou da distribuição da ação judicial na
qual se pleiteia a restituição?43
Entende Hugo de Brito Machado Segundo44 que o art. 3º da LC nº 118/2005
somente poderá ser aplicada aos pagamentos indevidos que forem realizados após a sua
vigência (junho/2005), ou a pagamentos anteriores, desde que o lapso remanescente para a
consumação da prescrição for superior a cinco anos, devendo ser reduzido então para esse
montante.
Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça vem consolidando seu
entendimento no sentido de que ajuizada a ação após 9 de junho de 2005 (120 dias após a
publicação da Lei Complementar 118/05), o art. 3
º não se aplicaria a fatos geradores ocorridos antes de sua aplicação.
Assim, o prazo de cinco anos poderá ser contado a partir do pagamento, e não
da homologação expressa ou tácita, desde que a ação tenha sido proposta depois de 9 de junho
de 2005 e mesmo que o pagamento antecipado pelo contribuinte tenha sido realizado antes da
vigência da lei. A saber:
“[...]21. Cumpre esclarecer que a retroatividade vedada na interpretação autêntica tributária é a que permite a retroação na criação de tributos, por isso que, in casu, trata-se de regular prazo para o exercício de ação, matéria estranha do cânone da anterioridade. (ADI MC 605/DF) Ademais, entrar em vigor imediatamente não significa retroagir, máxime porque a prescrição da ação é matéria confluente ao direito processual e se confina, também, nas regras de processo anteriormente indicadas.22. À míngua de prequestionamento por impossibilidade jurídica absoluta de engendrá-lo, e considerando que não há inconstitucionalidade nas leis interpretativas como decidiu em recentíssimo pronunciamento o Pretório Excelso, o preconizado na presente sugestão de decisão ao colegiado, sob o prisma institucional, deixa incólume a jurisprudência do Tribunal ao ângulo da máxima tempus regit actum, permite o prosseguimento do julgamento dos feitos de acordo com a jurisprudência reinante, sem invalidar a vontade do legislador através suscitação de incidente de inconstitucionalidade de resultado moroso e duvidoso a afrontar a efetividade da prestação jurisdicional, mantendo hígida a norma com eficácia aos fatos pretéritos ainda não sujeitos à apreciação judicial, máxime porque o artigo 106 do CTN é de constitucionalidade induvidosa até então e ensejou a edição da LC 118/2005, constitucionalmente imune de vícios.23. Embargos de Divergência conhecidos, porém, improvidos."45
Portanto, vê-se que a Lei Complementar 118, 09 de fevereiro de 2005, é
aplicável apenas aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos à apreciação judicial.
43 SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Código Tributário Nacional. 1º Edição. São Paulo: Ed. Atlas, 2007. p. 203.44 Idem, ibidem, p. 203.45 STJ. AgRg nº 696.883/SE; Rel. Ministro Luiz Fux. Primeira Turma. DJ 01.08.2005, p. 340.
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CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, podemos dizer que o nosso ordenamento jurídico
somente aceita as chamadas leis interpretativas em matéria fiscal quando estas forem
realmente interpretativas, ou seja, quando tiverem por objeto dispositivo cujo conteúdo
realmente necessite de ser elucidado. Ademais, entendemos que somente poderão retroagir
quando não prejudicarem os contribuintes, haja vista os princípios constitucionais da
irretroatividade e da segurança jurídica, entendimento esse já uníssono na doutrina e na
jurisprudência pátria.
Ademais, temos que o art. 3 da Lei Complementar n° 118 de 09 de fevereiro de
2005, violou o próprio art. 106, I do Código Tributário Nacional, haja vista ser incabível a
edição de uma lei interpretativa tendo por objeto um dispositivo legal que já fora
exaustivamente interpretado pelo Poder Judiciário. A contrariedade se torna ainda mais
absurda quando se vê que a pretendida interpretação é contrária à pacífica jurisprudência
atinente à matéria.
Embora entendemos ser inconstitucional o dispositivo em questão, sob o
argumento de que a pretensa interpretação do artigo 168, I do Código Tributário Nacional
contornaria a jurisprudência já consolidada pelo Poder Judiciário, incorrendo em desvio de
finalidade e abuso de poder legislativo, violando, assim, dentre outros, os princípios
constitucionais da independência e harmonia dos poderes, não se pode deixar de lado o atual
entendimento Superior Tribunal de Justiça.
Vislumbra-se que o Superior Tribunal de Justiça, sob forte influência da
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e da máxima tempus regit actum, se posicionou
no sentido de que os julgamentos dos processos deverão ser realizados de acordo com a
jurisprudência reinante na época.
Assim, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, entendendo ser
constitucionalmente imune de vícios a Lei Complementar de nº 118/2005, firmou seu
entendimento no sentido de que ajuizada a ação após 9 de junho de 2005 (120 dias após a
publicação da Lei Complementar 118/05), o art. 3
º não se aplicaria a fatos geradores ocorridos antes de sua aplicação. Portanto,
é perfeitamente aplicável aos fatos geradores pretéritos ainda não submetidos à apreciação
judicial.
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Conclui-se, portanto, que ao amparar os contribuintes que tenham distribuído
suas ações antes da entrada em vigor da Lei Complementar nº 118/2005, conseqüentemente
mantido prazo prescricional de 10 anos para pleitear a restituição ou compensação dos
tributos lançados por homologação, o Superior Tribunal de Justiça agiu com extrema
obediência aos princípios da segurança jurídica e irretroatividade.
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