salvaÇÃo da colmeia -...
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AS ABELHAS COMEÇARAM A DESAPARECER NUM RITMO
ACELERADO HÁ SEIS ANOS. JUNTO COM ELAS, VAI-SE EMBORA A NOSSA COMIDA. AGORA, UM PESQUISADOR
BRASILEIRO ESTÁ USANDO SENSORES COMO ESTE PARA ENTENDER O QUE ESTÁ
POR TRÁS DAS MORTES EM MASSA
COMIDAABELHAS SENSORES
EXTINÇÃOPESQUISA COMO FAZ
TE X TO • LUCIANA GAL ASTRISALVAÇÃO DA COLMEIA
FOTOS • CL AUS LEHMANN
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Numa manhã de março em Hobart,
capital do estado australiano da Tas-
mânia, o brasileiro Paulo de Souza se
prepara para uma tarefa rotineira. Pri-
meiro, sai para caçar abelhas que, uma
vez capturadas, são colocadas numa
geladeira até que suas temperaturas
corporais baixem para 5 °C, quando
entram em hibernação. Souza começa
então a segunda etapa do trabalho: com
um bisturi e uma pinça, raspa cuidado-
samente os pelos dos insetos. As abe-
lhas são depiladas para a instalação de
sensores de 2,5 milímetros de largura
e 5 miligramas de peso em suas costas
(veja o passo a passo ao lado). O proce-
dimento dura menos de cinco minutos,
quando os bichinhos acordam. Envia-
das para uma área de readaptação, elas
demoram para se acostumar com o peso
extra do chip — e daí estão prontas para
voltar às colmeias. Souza não é colecio-
nador de insetos e nem tem um hobby
esquisito. Ele é engenheiro do CSIRO
(órgão de desenvolvimento científico
da Austrália) e está à frente de uma
pesquisa que tenta responder a
uma pergunta que está tirando
o sono de cientistas: por que as
abelhas estão morrendo numa
velocidade duas vezes mais rá-
pida do que alguns anos atrás?
“Precisamos saber por que as
operárias abandonam suas col-
meias”, disse Souza. “De forma
direta e indireta, isso causa a
falência de fazendas e prejudi-
ca a produção de alimentos ao
redor do mundo.”
Nascido no Espírito Santo e radicado na Austrália desde
2008, Souza aposta na tecnologia para solucionar o misté-
rio da morte em massa das abelhas. Equipadas com chips
de RFID (identificação de radiofrequência, na sigla em in-
glês), elas saem do laboratório para retomar a polinização,
a produção de mel ou qualquer outra função na colmeia. O
zum-zum-zum é monitorado por uma série de antenas que
registram toda vez que uma delas passa por um determinado
ponto. Ao todo, 5 mil abelhas carregarão o chip nas costas
até o final do experimento. Essa informação é retransmitida
para um centro de controle, onde cientistas criam um modelo
tridimensional da movimentação das abelhas. A ideia por
trás do estudo é verificar o quanto a exposição aos pesticidas
afeta o comportamento de colônias. Para isso, duas das col-
meias do centro de pesquisa de Hobart são expostas a pólen
contaminado com agrotóxico. As outras duas não. Se Souza
e sua equipe notarem uma alteração no comportamento das
abelhas expostas ao pesticida, como a incapacidade de voltar
para o ninho, atrasos e até a morte precoce, o produto passará
a ser o principal suspeito de causar o Distúrbio de Colapso
de Colônias, ou CCD na sigla em inglês.
O problema foi notado pela primeira vez em 1995 nos
EUA e faz com que as operárias de um ninho não encontrem
mais o caminho de casa, abandonando a rainha e os ovos e
causando a destruição de suas colmeias. Estima-se que, nos
últimos seis anos, o CCD tenha causado a morte de 35%
N1. Depois de capturadas em Hobart, na Tasmânia, as abelhas são colocadas em potes dentro de uma geladei-ra até que suas temperaturas corporais che-guem a 5 °C, quando entram em hibernação
2. Com a ajuda de uma pinça e de um bisturi, o pesquisador brasileiro raspa cuidadosa-mente o pelo das costas das abelhas para a instalação de um sensor. O processo de-mora menos de cinco minutos
3. O chip de RFID (identifica-dor de radiofre-quência, na sigla em inglês) tem 2,5 milímetros de largura, 5 miligramas de peso, ou 5,5% da massa corpórea da abelha. Ele é instalado como uma espécie de mochila hi-tech
4. Quando as abelhas saem da hibernação, elas são coloca-das numa espé-cie de área de recuperação. É preciso dar um tempo para que elas se adaptem a voar com o peso extra do sensor instala-do nas costas
5. Adaptadas, as abelhas são liberadas para realizar suas tarefas na colmeia. A movimentação dos insetos é registrada por antenas e enviada para computadores, que preparam modelos 3D
ABELHAS SENSORIZADAS
2,5 mm
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sáveis pela produção de 73% dos vegetais do
mundo. Não entendeu a ligação? Basta lembrar
das aulas de biologia: as abelhas são respon-
sáveis por levar pólen de uma planta a outra,
colaborando com a fecundação das flores que,
por sua vez, geram novos frutos e sementes.
Quando não há a polinização, a reprodução fica
comprometida. A planta não consegue gerar
frutos e brotos ou a variação genética da espé-
cie é prejudicada, já que se torna dependente
do próprio pólen para se proliferar. “Ela fica
fadada a reproduzir clones de si mesmo, que
seriam mais suscetíveis às doenças”, afirma
David de Jong, outro professor da USP de Ri-
beirão Preto, especialista em patologia apícola.
ALIMENTOS MAIS CAROSA amendoeira é um bom exemplo de como o
CCD pode afetar as plantações. A árvore de-
pende única e exclusivamente dos insetos para
se reproduzir, e 80% da produção mundial da
fruta seca está localizada na Califórnia, estado
norte-americano muito afetado pelo fenôme-
no. Para tentar manter a safra, agricultores
locais foram obrigados a alugar 1,4 milhão de
colmeias durante a época de polinização dos
últimos anos. A demanda inflacionou o aluguel
de colônias, cujo preço aumentou mais de seis
vezes e bateu em US$ 250. Hoje, é mais caro
alugar abelhas do que pagar por fertilizante,
água ou mão de obra. O resultado? Queda na
produção e aumento no preço da amêndoa — o
que deu início a um efeito cascata que atingiu em cheio ou-
tras áreas da indústria alimentícia. Por ser muito nutritiva,
a casca da amêndoa é usada para alimentar o gado, o que
encareceu a ração bovina. Quando vacas não se alimentam
de forma apropriada, elas produzem pouco leite, expandindo
as consequências do CCD para as fabricantes de laticínios.
Isso sem contar as outras espécies de plantas que seriam
afetadas, em maior ou menor escala, pela falta de abelhas. O
que aconteceria caso elas sumissem para sempre? Pesquisa
realizada pela ONG americana Xerxes Society em parceria
Abelhas de estimação
QUER AJUDAR O PROCESSO DE POLINIZAÇÃO EM REGIÕES URBANAS? CONSTRUA UMA COLMEIA EM CASA. ESPÉCIES COMO A JATAÍ SE ADAPTAM A PEQUENOS JARDINS, EXIGEM POUCOS CUIDADOS E NÃO TÊM FERRÃO. APRENDA A CRIAR A SUA:
PASSO 1
LOCALIZAÇÃO A colônia deve ser instalada num lugar alto para evitar a invasão de formigas e outros insetos. Lembre-se de que a colmeia precisa ficar ao ar livre ou ter acesso a uma janela.
PASSO 2
MÃOZINHAColoque mel ou água com açúcar na melgueira para alimentá-las durante a fase de adaptação ao novo local. Fixe palitos de dente na estrutura pa-ra que a abelha colete o mel sem cair no líquido.
PASSO 3
FEITO EM CASAO mel poderá ser coletado na primavera. Use uma seringa para retirar o líquido através das melgueiras e lembre-se de deixar um pouco para suas amigas aladas. Elas também preci-sam do néctar.
PASSO 4
NOVA COLMEIAAs Jataí se reproduzem rapidamente. Em três meses, sua caixa não será suficiente para abri-gá-las e parte da colmeia formará outra comu-nidade. Decida se quer transferi-las para outra caixa ou deixar que busquem um novo lar.
VOCÊ VAI PRECISAR DE:» Uma colônia de abelhas Jataí, vendida por apicultores (até pela internet!) por R$ 250» Mel» Seringa» Árvores e flores próximas à colônia
nessa rotina é muito simples”, diz Sou-
za. “Se uma funcionária sai para coletar
pólen e demora mais do que as outras
para voltar para a colmeia, já sabemos
que há algo errado.” As primeiras con-
clusões do estudo devem ser conheci-
das em junho deste ano.
Mas por que ter tanto esforço para
investigar esses bichinhos que insis-
tem em se afogar na sua Coca-Cola?
“É simples: se não tem abelha, não tem
comida”, diz o professor Lionel Segui
Gonçalves, do Departamento de Biolo-
gia da Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras da USP de Ribeirão Preto. Ele
lidera o movimento Bee or not to be
(um trocadilho com o bordão To be or
not to be de Hamlet, personagem do
escritor inglês William Shakespeare) e
estima que esses insetos sejam respon-
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das abelhas criadas
em cativeiro dos EUA
e da Europa — e a Aca-
demia Nacional de Ci-
ência norte-americana
sugere que o efeito nas
colônias selvagens seja
ainda pior. Quando as
abelhas começaram a desaparecer, especialistas estimaram
que elas estariam extintas até 2035. Com o agravamento da
crise causada pelo CCD, isso deve acontecer muito antes.
O pesticida pode ser o principal suspeito, mas outros fato-
res são apontados como possíveis causas desse fenômeno:
estresse causado pelas mudanças climáticas, infestações
de uma espécie de pulga, radiação de telefones celulares e
plantações com sementes geneticamente modificadas. “As
abelhas têm hábitos muito regulares e perceber alterações
ILUSTR AÇÃO: Evandro Bertol/Editora Globo
Mochila hi-tech: Até o fim do experimento, em junho, 5 mil abelhas serão equipadas com o sensor. O objetivo é entender o que matou 30% dos insetos nos EUA
com a proliferação dos insetos
— seja plantando mais flores ou
criando a sua própria colmeia em
casa (aprenda a montar a sua no quadro Como Faz). “Precisamos
usar pesticidas não-tóxicos para
as abelhas e priorizar o controle
biológico de pragas”, diz Gonçal-
ves, da USP de Ribeirão Preto. “E
todo mundo precisa saber da im-
portância das abelhas para a natu-
reza e para a nossa alimentação.”
Dados obtidos recentemente
por uma pesquisa da Universida-
de de New Hampshire, nos EUA,
podem mudar os rumos dessa
discussão. De acordo com o es-
tudo, as abelhas passaram por um
grande declínio popula-
cional há 65 milhões de
anos, mesma época da
extinção dos dinossau-
ros. Como há poucos
fósseis dos insetos, os
pesquisadores analisa-
ram a sequência gené-
tica de 230 espécies de
abelhas atuais e, em seus
DNAs, encontraram pis-
tas que indicariam a ex-
tinção. “Quatro grandes
grupos de abelhas apre-
sentavam os sinais e eles coincidiam com o fim do período
Cretáceo, quando os dinossauros desapareceram e diminuiu
também o número de plantas com flores”, conta a bióloga
Sandra Rehan, uma das autoras do estudo. Mas quem sumiu
primeiro, as plantas ou as abelhas? Ainda não se sabe. Os fa-
tores ambientais eram outros e os pesquisadores consideram
o impacto de um meteoro, que teria comprometido todo o
sistema. Mas o passado das abelhas indica como o equilíbrio
da espécie é frágil e como ele afeta o resto do ecossistema.
“Ao compreendermos melhor o que aconteceu no passado
das abelhas, podemos enfrentar a crise de polinizadores com
mais conhecimento no presente”, afirma Sandra.
52%
52% dos alimentos vendidos no mercado, como alface, banana e maçã, desaparecerão das pratelei-
ras caso o número de abelhas continue a cair
ENXAME DE PROBLEMASNÚMEROS MOSTRAM COMO A CRISE DAS ABELHAS AFETA OS SUPERMERCADOS, O PREÇO DE ALIMENTOS E OS ESTADOS BRASILEIROS ATINGIDOS PELO DISTÚRBIO
Nos últimos seis anos, os EUA
apresentaram uma redução de 30% na quanti-dade de abelhas
criadas em cativeiro
30%
de colmeias preci-sam ser alugadas
todos os anos para polinizar plantações de amêndoas na
Califórnia
1.4 MILHÃO
A redução no número de abelhas aumentou em 43% o preço das amêndoas no mundo, já que sua repro-
dução é 100% dependente da polinização
R$ 16,93
2012 2013
R$ 27,28
43%
5 são os estados brasileiros que já apresentam
sinais de redução de abelhas: Piauí,
Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Santa Catarina e
São Paulo
com a rede Whole Foods estima que
as prateleiras de supermercados perde-
riam 52% do total dos seus produtos,
como banana, maçã, repolho e couve.
Os efeitos devastadores do CCD são
mais evidentes em países do hemisfé-
rio Norte, mas já há suspeitas de que a
síndrome esteja se repetindo em outros
lugares, inclusive no Brasil. “Em San-
ta Catarina houve uma taxa maior de
mortalidade em 2011, quando um terço
das colmeias do estado morreu em ape-
nas seis meses”, conta David de Jong.
O problema prejudicou não apenas a
produção de mel, que ficou abaixo do
esperado. A colheita de maçã na região
também sentiu os efeitos, já que poma-
res ficaram sem polinização. A versão
brasileira da síndrome estaria relacio-
nada ao uso de neocotinoides, um tipo
de agrotóxico proibido na União Euro-
peia. Aqui, eles tiveram o uso restringi-
do em 2012, justamente pela suspeita
de que a exposição a esses químicos
poderia alterar o comportamento das
abelhas. Mas após uma reação de asso-
ciações de agricultores e do Ministério
da Agricultura, que alegavam queda na
produtividade, o governo voltou atrás.
“Há um limite para a utilização dos
pesticidas, mas muita gente usa bem
mais do que deveria por não ter infor-
mações”, diz Osmar Malaspina, doutor em ciências biológi-
cas do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro. “O
piloto do avião não sabe qual é o efeito daquele produto nas
abelhas e nem o papel delas na polinização.”
A HISTÓRIA SE REPETE?Apesar da preocupação dos apicultores, muita gente acredi-
ta que esses dados ainda sejam muito pontuais para provar
que o CCD já esteja causando estragos em território nacio-
nal. Um exemplo são as perdas de até 70% das colônias
do Nordeste nos últimos meses, que estariam ligadas à
seca severa na região. “Muitas coisas podem afetar as po-
pulações de abelhas, ainda não conseguimos achar uma
lógica”, afirma Malaspina. “Em Santa Catarina isso pode
ter sido causado por um surto, algum problema de manejo.”
A coleta de dados oficiais está começando agora — e um
parecer mais conclusivo só será apresentado daqui a dois
anos. Para ajudar, o movimento Bee or not to be lançou
o Bee Alert, aplicativo voltado aos criadores de abelhas e
pesquisadores que pode ser acessado em qualquer plata-
forma pelo site semabelhasemalimento.com.br/beealert.
Com o programa é possível marcar onde colmeias foram
afetadas, a intensidade do fenômeno e a sua provável causa.
Além disso, o movimento pede para que todos colaborem
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Olho no problema: Com a pesquisa, o brasileiro Paulo de Souza quer evitar que a produção de alimentos entre em colapso no mundo todo por causa da falta de polinização
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