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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Centro-Oeste – Cuiabá - MT – 12 a 14/06/2017
SIGA MS: UTILIZAÇÃO DE DADOS NO JORNALISMO RURAL DE MATO
GROSSO DO SUL1
Aline de Oliveira Silva2
Daniela Cristiane Ota3
Resumo:
A utilização de dados para construção de material jornalístico é uma realidade ainda pouco
explorada no cenário nacional, mas, que pode contribuir com outra editoria de fundamental
importância na divulgação de informações econômicas, sociais e ambientais, que é o jornalismo
rural. Apresentando uma iniciativa proposta por instituições representativas do setor no estado
de Mato Grosso do Sul, denominada projeto Siga MS, foi feita uma análise com a imprensa
local, no sentido de verificar se o conteúdo apresentado em um portal de dados é utilizado, no
sentido de produzir matérias e reportagens autorais. Com intuito de melhor focalizar a avaliação
foi desenvolvido um monitoramento das notícias publicadas no período oficial de lançamento
da colheita de soja. A reflexão realizada no texto chama atenção para a importância de utilizar
ferramentas que contribuam para o fortalecimento da editoria, aperfeiçoando o conteúdo
publicado sobre o setor econômico mais importante do território brasileiro.
Palavras chaves: Jornalismo Rural, Jornalismo de Dados, Interfaces da Comunicação
Introdução:
Um dos elementos fundamentais para se produzir uma pauta em jornalismo rural está presente
nos números que a atividade agropecuária gera, desde os prognósticos que antecipam os
resultados de uma safra até informações geográficas sobre quais áreas produtivas terão menor
ou maior performance. Os consumidores de notícias desta editoria buscam as informações com
intuito de estarem informados sobre a realidade local e global, ou ainda, com objetivo de
avaliarem quais estratégias serão tomadas no que se refere a compra e comercialização da
produção alcançada, desde o momento do plantio.
Neste sentido, faz se necessário que as instituições de pesquisa e representatividade do setor
disponibilizem o maior número de dados possíveis, que resultarão em análises econômicas
essenciais para todos os segmentos da cadeia produtiva e utilizadas na elaboração de conteúdo
1 Trabalho apresentado no DT 8 – Estudos Interdisciplinares do XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região
Centro-Oeste, realizado de 12 a 14 de junho de 2017. 2 Aluna Especial do Mestrado em Comunicação da UFMS, e-mail: alineolsilva@hotmail.com 3 Orientadora e professora - Doutora do curso de Jornalismo da UFMS; e-mail: daniela.ota@ufms.br
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jornalístico, bem como publicações técnicas que atendem à demanda informacional do
agronegócio nacional.
Em Mato Grosso do Sul, desde 2009, um projeto implementado pela Federação da Agricultura
e Pecuária de MS (Sistema Famasul) e a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja/MS)
disponibilizou a produtores, pesquisadores, comunidade acadêmica e a imprensa especializada
uma plataforma online chamada SIGA - Sistema de Informação Geográfica do Agronegócio,
na qual é possível acessar números referentes as atividades agropecuárias desenvolvidas no
Estado, bem como a evolução de plantios e colheitas oferecidos a cada ciclo produtivo.
A ferramenta é focada nas principais culturas regionais que são a soja e o milho e monitora a
performance das safras desde o ciclo 2009 / 2010, no entanto, também identifica e quantifica
áreas cultivadas com cana-de-açúcar, florestas plantadas, pastagens e áreas de preservação
ambiental. É importante ressaltar que Mato Grosso do Sul ocupa posição de destaque na
produção de grãos nacional, pontuado como 3º maior produtor de milho e 5º no cultivo de soja.
Os números divulgados pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística reforçam a
aptidão agrícola regional que também apresenta comercialização expressiva para o mercado
internacional, visto que em 2016 foram exportados 2,89 milhões de toneladas de soja e 1,88
milhão de toneladas de milho, totalizando receita de quase US$1,5 bilhão.
Reafirmando a importância que o agronegócio representa para os números da economia
nacional - responsável por quase 22% do Produto Interno Bruto (PIB) - em 2016, o setor
agrícola foi protagonista na composição dos números registrados no período, somando 15,87%
do total acumulado entre janeiro e dezembro. As informações foram divulgadas pelo Relatório
PIB Agro-Brasil desenvolvido pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada
(CEPEA), da Esalq / USP, e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Diante deste cenário é natural que a editoria rural busque constantemente informações
quantitativas, para traçar com mais exatidão a realidade econômica do mercado local. Ainda
assim, o Siga MS é desconhecido de muitos veículos de imprensa que acabam reproduzindo na
maior parte do tempo, releases institucionais em detrimento de conteúdos autorais que
possibilitariam a realização de análises mais consistentes e isentas.
Não cabe aqui criticar as publicações simplesmente replicadas, mas, propor a reflexão sobre
quais os avanços que a comunicação rural tem conquistado nas últimas décadas, após a
popularização do jornalismo produzido para o ambiente do ciberespaço. Além disso, pontuar a
tímida utilização do jornalismo de dados na composição de matérias e reportagens que podem
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atrair muito mais leitores, cada vez mais ávidos por informações diferenciadas e que
contextualize a conexão entre o campo e a cidade.
Para isso, optou-se por analisar o período de 7 a 27 janeiro de 2017, no qual foi realizado um
evento oficial para formalizar o lançamento da colheita de soja 2016 / 2017 no estado de Mato
Grosso do Sul. A cerimônia transmitida ao vivo pela internet (via Canal Rural) obteve ampla
cobertura da imprensa regional e nacional e foi realizada em uma propriedade rural considerada
modelo na produção da oleaginosa, no município de Ponta Porã, distante 316 quilômetros da
capital, Campo Grande. Apesar da facilitação oferecida aos jornalistas que receberam material
complementar da atividade, condução e alimentação, percebeu-se que muito do conteúdo
publicado na mídia manteve o método de replicação dos releases oficiais.
O intuito da reflexão proposta pela autora é destacar que a ferramenta de divulgação de dados
agropecuários pode contribuir para a interpretação e análise mais apurada de importantes
desdobramentos da cadeia produtiva agrícola. O acesso ao site é livre e atualizado
semanalmente, a fim de que se possa acompanhar a evolução do plantio até a colheita e com a
utilização de cruzamentos proporcionados pelo jornalismo de dados, o profissional de imprensa
conseguirá subsídios para entender com mais profundidade a dinâmica do setor agrícola, bem
como, quais os fatores estão interligados a um processo de safra.
Comunicação Rural no contexto nacional e regional:
Ainda que os registros oficiais apontem que o primeiro jornal brasileiro a entrar em circulação
no Rio de Janeiro foi o ‘Correio Braziliense’ editado por Hipólito José da Costa, em junho de
1808, as pesquisas históricas avaliam que o primeiro jornalista conceituado como rural foi Pero
Vaz de Caminha, que destacou na primeira carta descritiva sobre o território nacional, a cultura,
fauna, flora e costumes dos habitantes que aqui encontrou.
Os apontamentos descritos por Dias (2011) no livro “A Imprensa Rural no Brasil” detalha ainda
que o famoso texto foi censurado e liberado somente três séculos depois pelo colonialismo
português, em razão da preocupação com a divulgação de qualquer escrito que exaltasse as
qualidades e riquezas da colônia americana, temendo invasões de outros países como Holanda,
França, Espanha e Inglaterra.
Avançando na linha do tempo, em 1833 é publicada a primeira veiculação agrícola do país
denominada “Auxiliador da Indústria Nacional” que permaneceu em circulação por quase 50
anos. O autor argumenta que as principais dificuldades enfrentadas pelas publicações que
surgiram nas décadas subsequentes eram de ordem econômica e social, isso pela dificuldade de
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manter a atividade em razão dos custos de produção e pelo analfabetismo de grande parte das
comunidades rurais. Diante deste quadro, a atividade de imprensa se consolida a partir da
década de 1950 com as primeiras ações de desenvolvimento do setor agropecuário no território
brasileiro.
Em 2011, Dias publicou um dos mais relevantes registros da história da imprensa rural, no qual
constatou que existem 1.200 profissionais atuando nesta modalidade jornalística, 300
publicações periódicas (revistas e jornais), 40 programas em rádio e 35 na televisão. Apesar do
campo de pesquisa estar focado prioritariamente nas regiões Sul e Sudeste do País, apresenta
uma contribuição valiosa para entender a problemática enfrentada pelo setor, no enquadramento
do que é o jornalismo rural.
Na avaliação do jornalista e pesquisador Lucas Mourão um dos fatores que contribuem para o
desenvolvimento deste segmento jornalístico é a multidisciplinaridade:
O jornalismo rural é uma editoria que pode ser trabalhada facilmente em
diferentes veículos de comunicação: televisão, internet, rádio e impresso.
Seguindo os princípios de divulgação de matérias rurais, qualquer um desses
meios pode atingir o público e cumprir seus objetivos. (MOURÃO, 2012,
p.07)
Contextualizar a realidade da imprensa regional é mais delicada, pois, o estado de Mato Grosso
do Sul é jovem e completa este ano 40 anos de emancipação política. Ainda assim é possível
elencar alguns números com apoio da pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (UFMS), por meio do grupo de pesquisa em Comunicação Social ‘Portal
de Mídia’. Estão em funcionamento atualmente na região: 79 jornais impressos, 132 rádios, 356
sites e 11 emissoras de televisão.
A problemática proposta no presente trabalho tem objetivo de demonstrar a dificuldade das
editorias de jornalismo rural em produzir conteúdo autoral, apesar da facilitação apresentada
por instituições representativas do setor agropecuário. Seja pelo número reduzido das redações
e a necessidade de publicar conteúdo factual, uma das características da editoria, foi
comprovado no acompanhamento de matérias divulgadas no período da pesquisa que é mais
cômodo replicar os releases compartilhados pelas assessorias de imprensa oficiais, a fim de não
perder a imediaticidade da informação.
Sobre a importância de modificar este cenário que não é particularidade somente da imprensa
sul-mato-grossense é válido destacar o pensamento do pesquisador Geraldo Bueno Carvalho,
acerca da análise sobre a responsabilidade que permeia a atividade:
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O papel do jornalismo é atuar nos conflitos da sociedade afetando
comportamentos para gerar mudanças. O jornalismo é um fenômeno urbano,
onde se desenvolveu e se reproduz por diversos veículos, está entre as
atividades humanas que mais avançaram em tecnologia nas últimas décadas é
um ambiente de veracidade e por definição, dá voz à sociedade em todas as
suas manifestações. (CARVALHO, 2003, p. 05)
No entanto, no que se refere ao espaço oferecido nos veículos de imprensa, sobre as questões
que envolvem o cenário rural, percebe-se ainda, que é preciso avançar bastante na pesquisa e
no desenvolvimento de pautas que esclareçam a importância da produção agropecuária no
cotidiano da população urbana. Isto porque é ultrapassada a ideia de que o meio rural e urbano
podem ser separados geograficamente ou culturalmente. A conexão desses ambientes faz parte
do desenvolvimento da humanidade e, se faz urgente que o jornalista esteja preparado para ser
o porta-voz dessas mudanças.
Sobre as implicações possibilitadas por um ambiente tecnológico e no qual o público interage
cada vez mais é oportuno destacar a afirmação de Magnoni e Miranda:
Essas tecnologias empreendem uma nova lógica, na qual a linha tênue
emissor>mensagem>receptor apontam para a consolidação da possibilidade
de alteração de determinados padrões de produção e consumo, principalmente,
do fato dos consumidores passarem a dispor dos recursos tecnológicos que os
permite questionar as informações recebidas e até utilizar aplicativos para
interferir na formatação dos conteúdos da comunicação midiática.
(MAGNONI E MIRANDA, 2015, p. 215)
Analisando a importância de oferecer condições para que o jornalista possa coletar dados e
interpretá-los, a fim de produzir conteúdo informativo que proponha uma análise mais
abrangente do cenário econômico regional e as repercussões de oscilações no setor, considerado
a matriz da economia nacional, faz-se necessário pontuar outro segmento que vem se
despontando na produção jornalística: o Jornalismo de Dados.
As conceituações sobre este segmento variam, mas, convergem em um ponto comum: é função
comum do jornalismo de dados reunir informações, filtrar e avaliar quais os destaques passíveis
de investigação ou que oferecerão desdobramentos importantes para o entendimento de
diferentes setores que compõem a realidade de um estado, país ou continente.
Em 2012, uma iniciativa conjunta do European Journalism Centre (EJC) e a Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) produzida com apoio coletivo de 26 jornalistas
voluntários possibilitou a disponibilização do primeiro Manual de Jornalismo de Dados na
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versão da língua portuguesa. Entre as várias opiniões elencadas está a do jornalista alemão
Mirko Lorenz4 (Deutsche Welle) que valida as reflexões sobre o contexto da mídia local:
Trabalhar com dados é como pisar em um vasto e desconhecido território. À
primeira vista, os dados brutos são intrigantes aos olhos e à mente. Esses dados
são complicados. É bastante difícil moldá-los corretamente para a
visualização. Isto requer jornalistas experientes, que têm energia para olhar
aqueles dados brutos, por vezes confusos, por vezes chatos, e enxergar as
histórias escondidas lá dentro.
A partir desta alegação reforça-se a necessidade de que os jornalistas entendam o quanto é
importante estarem conectados com as ferramentas do ambiente virtual, que podem contribuir
na produção de materiais autorais de qualidade e que despertem o interesse do público que
busca no conteúdo informativo a validação de temas que estejam ligados ao seu cotidiano
profissional e social.
No entendimento de Bradshaw, o jornalismo de dados não deve perder de vista os elementos
próprios do jornalismo como o de contar histórias, porém, valendo-se de números para melhor
delimitar a informação que se deseja divulgar. Para o jornalista e professor da City University
in London é essencial que o profissional de imprensa tenha noções de estatística para
compreensão e análise de planilhas – material básico neste novo setor do jornalismo baseado
em números – a fim de que possa conduzir com clareza e objetividade a construção de um texto
informativo e com dados que o validem (ARAÚJO apud BRADSHAW, 2010, p. 156).
Sistema de Informação Geográfica do Agronegócio (Siga MS):
O projeto Siga MS foi idealizado em 2009 com o objetivo de disponibilizar informações
detalhadas sobre a produção agrícola de Mato Grosso do Sul, tendo em vista a necessidade de
divulgar à sociedade dados atualizados sobre o gerenciamento da produção, bem como do
manejo realizado nas principais áreas produtivas do Estado. A ferramenta é mantida pela
Associação de Produtores de Soja (Aprosoja / MS) e Federação da Agricultura e Pecuária de
MS (Sistema Famasul) oferecendo referências estatísticas e dados georeferenciados das
culturas de soja (1ª safra) e milho (2ª safra).
A coleta de informações abrange uma amostragem detalhada da qual participam mais de 60%
dos municípios que possuem produção de soja ou milho, o que significa uma cobertura de 92%
da área total utilizada para a agricultura sul-mato-grossense. Outras informações que são
4 Dados no site: http://datajournalismhandbook.org/pt/introducao_1.html . Acesso em: 31/03/2017.
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disponibilizadas por meio da pesquisa de campo, realizada por profissionais especializados é o
acompanhamento da evolução das culturas, identificação de pragas, doenças, plantas daninhas,
localização dos usos do solo, perdas, dados climáticos, de armazenagem e logística.
É válido destacar que o Siga MS contribui para que os agricultores possam tomar decisões
estratégicas quanto a produtividade, rentabilidade, riscos de perdas ou mesmo, no momento da
comercialização de ambas culturas agrícolas. Ainda que as informações oferecidas tenham foco
em detalhamentos considerados técnicos, oferecem dados fundamentais para a composição de
pautas de interesse nacional e internacional.
Um artigo publicado em 2010, no 48º Congresso da Sociedade Brasileira de Economia,
Administração e Sociologia Rural apresentou uma iniciativa semelhante viabilizada pelo
Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) denominado ‘Sistema Alerta’ que foi implantado
no ambiente virtual com intuito de prever o monitoramento do fungo mais perigoso para a
cultura de soja, que é a Ferrugem Asiática.
O grupo de pesquisadores provenientes da Universidade de Santa Maria (RS) desenvolveu uma
pesquisa para avaliar se projeto atendia os objetivos propostos de criar uma rede de informações
entre os profissionais das ciências agrárias, bem como se a ação se caracterizava como um
exemplo de inserção da comunidade rural na Sociedade da Informação.
Entre as considerações apontadas pelo grupo de pesquisa, estão algumas que reforçam a
importância da plataforma Siga MS5 na disseminação de informações que subsidiarão o setor
em todas etapas da cadeia produtiva:
[...] Assim, instrumentos como o Sistema de Alerta que auxiliam na tomada
de decisão são motivadores de aproximação do meio rural com os meios
digitais. Do mesmo modo, mostra-se essencial a produção de conteúdo
específico para as comunidades rurais que estimulam e facilitam a construção
de parcerias que constituam redes de produção e disseminação de
informação, aprendizagens e conhecimentos estrategicamente relevantes para
as populações e as organizações das áreas rurais. (grifo nosso)
A página do Siga MS http://www.sigaweb.org/ possui um sistema de navegação prático e
focado nos temas que mais interessam ao produtor rural, pesquisadores e demais envolvidos no
setor, a partir das seguintes abas: Apresentação, Publicações, Cadastro de Usuários, Consulta
(Tabulação de dados das safras), Análise Espacial e o Mapa Siga-Web. Neste último item o
usuário obterá ainda, informações sobre performance dos municípios produtores de grãos,
5 Dados no site : http://www.sigaweb.org/. Acesso em: 31/03/2017.
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unidades de armazenamento, rodovias, cursos d’água, corpos hídricos, mapas de solos e
detalhamento das safras concluídas desde o início do projeto.
Como é possível constatar por intermédio da apresentação do site, os jornalistas especializados
no setor têm à disposição um número expressivo de dados que serão essenciais na construção
de matérias e reportagens especializadas, ou ainda, na construção de análises conjunturais da
atividade agrícola e seus impactos na economia regional e nacional.
Levantamento e Análise da cobertura jornalística regional:
O período escolhido para realização de levantamento da amostragem de publicações realizadas
pela mídia regional de Mato Grosso do Sul foi delimitado entre os dias 7 e 27 de janeiro, visto
que a data marcou o Lançamento Nacional da Colheita de Soja promovido pela primeira vez
no Estado, no dia 26 de janeiro de 2017. O local escolhido para o evento foi a propriedade do
Grupo Agropastoril Jotabasso localizada a 25 quilômetros de distância do município de Ponta
Porã, segundo maior produtor regional do grão e que faz fronteira seca com o país vizinho,
Paraguai.
A propriedade cultiva uma área de 18,5 mil hectares de soja, sendo considerada modelo na
produção da oleaginosa, com experiência de 30 anos na produção de sementes. Na ocasião do
evento foram recebidos cerca de 1000 convidados, entre produtores rurais, pesquisadores,
investidores, representatividades políticas e institucionais do setor agropecuário. Além da
cerimônia oficial foram realizadas palestras com especialistas que discorreram sobre assuntos
que variaram desde manejos culturais até perspectivas econômicas do mercado nacional e
internacional.
Em razão da distância, a organização do evento ofereceu transporte para a imprensa da capital,
Campo Grande, acompanhar a programação e ter a oportunidade de realizar matérias in loco.
Segundo informações da assessoria de imprensa da Aprosoja / MS nove veículos aceitaram o
convite e utilizaram o serviço de transporte.
De acordo com pesquisa levantada pelo grupo de pesquisa em Comunicação Social da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), o ‘Portal de Mídia’ em 2016, a capital
sul-mato-grossense registrou os seguintes números, referentes a empresas jornalísticas em
atividade: 18 jornais impressos, 46 sites noticiosos, 07 emissoras de televisão e 14 concessões
de rádio.
O monitoramento realizado foi cruzado com os releases disponibilizados pelo site da
Aprosoja/MS nos dias 8, 13, 23 e 26 de janeiro, do qual chegou-se ao seguinte resultado,
conforme demonstrado na tabela abaixo:
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VEICULOS
JORNALÍSTICOS
PUBLICAÇÕES
AUTORAIS
PUBLICAÇÕES
REPLICADAS
TELEVISÃO 11 0
IMPRESSO 02 18
ONLINE 14 89
RÁDIO 04 0
Com base no monitoramento realizado acerca de uma das pautas mais importantes para o
calendário agrícola regional observa-se que os veículos jornalísticos locais enfrentam
dificuldades logísticas para acompanhar eventos, valendo-se então dos releases institucionais
para divulgar informações atualizadas do setor agropecuário.
Além dos entraves estruturais e financeiros enfrentados pelas empresas jornalísticas, observa-
se que uma parcela expressiva das redações desconhece a ferramenta institucional
disponibilizada gratuitamente e que pode vir a colaborar na produção autoral de conteúdos que
permeiam o setor agrícola. Outro fato que deve ser destacado é que o jornalismo rural ainda
encontra pouco espaço nos veículos de imprensa, sendo na maior parte das vezes subdividido
no espaço da editoria de economia.
Sobre os critérios utilizados pelas redações na produção da notícia, Ciro Marcondes Filho
argumenta:
A produção da notícia deve ser compreendida em um quadro que inclui as
práticas institucionais e os valores que regem a estrutura social. Essas práticas
e esses valores acabam por definir os critérios de noticiabilidade, que são os
requisitos exigidos de um fato para que este se eleve a acontecimento
jornalístico, considerando as características próprias dos fatos e sua relação
com as demais notícias e veículos concorrentes. (FILHO, Marcondes Ciro,
2014. p. 362).
Considerando-se então os fatores que determinam a noticiabilidade das informações são
observados a partir da ótica empresarial do que é mais atraente para o público urbano, os
profissionais de imprensa ainda estão imbuídos da crença ultrapassada que o rural interessa a
minoria do público leitor. Entretanto, não é o que se percebe quando se verifica a quantidade
de publicações segmentadas ao setor agropecuário, ou ainda, nas emissoras de canal fechado
que estão se especializando cada vez mais em oferecer programas que atendam à demanda de
consumidores e anunciantes.
Outra observação oportuna e que pode responder o alto número de publicações replicadas em
detrimento aos materiais autorais é confirmada na análise de Traquina:
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A produtividade é outro critério de avaliação das fontes. A produtividade diz
respeito às razões pelas quais, normalmente, prevalecem as fontes
institucionais: é que elas fornecem os materiais suficientes para fazer a notícia,
permitindo que os jornalistas não tenham de recorrer a demasiadas fontes para
obterem os dados ou os elementos necessários. (TRAQUINA, 2012. p. 193)
Diante deste contexto é válido destacar que se faz urgente ampliar o debate sobre a importância
do segmento jornalístico rural, discutindo as principais lacunas verificadas no processo de
produção da informação e porque ainda se encontra tanta resistência dos jornalistas em
buscarem conteúdos mais abrangentes ou que possibilitem a construção de grandes reportagens.
Em relação a esses questionamentos, uma das contribuições mais expressivas vem do jornalista
e pesquisador Geraldo Bueno Carvalho que na sua tese de mestrado defendida em 2001 alerta
para insuficiência das pesquisas no campo acadêmico, citando Oliveira:
Ademais, se entendermos esta área como espaço de comunicação do e para o
rural, significa abrir inúmeras possibilidades de estudo sobre um importante e
substantivo segmento da sociedade brasileira. Neste sentido, as universidades
e, mais especificamente as escolas de comunicação, têm pela frente uma
grande tarefa e um grande desafio no processo de desenvolvimento da
sociedade rural (CARVALHO apud OLIVEIRA, p. 24).
Foi proposta ainda, a análise e pertinência da utilização do jornalismo de dados, como elemento
colaborador na produção de matérias e no despertar dos jornalistas quanto as possibilidades que
poderão surgir ao realizar a busca e interpretação de dados oficiais. Contextualizando a
utilização para o site do projeto Siga MS é importante reforçar que a utilização dos dados
obtidos no portal contribui para construção de publicações que utilizam dados, sem que esses
sejam o foco da narrativa.
No entendimento dos pesquisadores Leonardo Mancini e Fábio Vasconcellos, a utilização da
ferramenta está inserida no processo de disseminação da cultura de dados abertos na web:
Visto para além do campo jornalístico em si, podemos dizer que a prática do
Jornalismo de Dados, ao exigir de certo modo uma maior qualificação
profissional, mobiliza a discussão sobre a qualidade do papel da imprensa na
dinâmica democrática. Nesse sentido, mudanças no modus operandi da
produção jornalística, ou seja, a qualificação que leva, por exemplo, ao
Jornalismo de Dados, implica de certo modo mudanças no tipo e na qualidade
do conteúdo ofertado aos atores do espaço público democrático. (MANCINI
e VASCONCELLOS. 2016, p.70)
A pesquisa dos conceitos em jornalismo rural e jornalismo dados tem então o intuito de
apresentar outras alternativas para que os profissionais de imprensa possam se subsidiar quando
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forem escrever textos jornalísticos deste segmento, driblando as dificuldades existentes no
cotidiano de trabalho cada vez mais ágil e exigente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O Jornalismo rural brasileiro demonstra um potencial que merece ainda na atualidade, muitas
oportunidades de pesquisas e atualizações bibliográficas, no sentido de aperfeiçoar os
conteúdos informativos e desmistificar pré-conceitos como o de ser altamente especializado e
direcionado a um público específico.
A sociedade cada vez mais procura por conteúdos que esclareçam não apenas o fato, mas as
consequências e desdobramentos que surgirão, e neste sentido é importante que o profissional
de comunicação esteja preparado para atualizar uma matéria por horas, dias e até semanas.
Munido de informações qualificadas e utilizando técnicas como a busca por dados, aumentam
as possibilidades de interpretação ou de ‘enxergar’ em uma planilha, divergências na
disponibilização de informações que interessam ao público.
Reforçando o pensamento de (Carvalho, 2001), a comunicação rural certamente não encontrará
as repostas para todos os problemas que permeiam o setor agropecuário, mas poderá atuar no
sentido de mediar soluções, denunciar excessos e tratar o assunto rural com a devida
importância que representa para a nação nos aspectos sociais, econômicos e ambientais.
Utilizando-se da amostragem em apenas uma das várias pautas proporcionadas pelo jornalismo
rural, pode-se observar que as deficiências logísticas, estruturais ou mesmo de falta de
familiaridade com o tema leva muitos jornalistas a valerem-se da tática de reproduzir
integralmente os releases institucionais. Este fato precisa ser analisado com preocupação, pois,
vai além do ‘copiar e colar’ e pode colaborar com a divulgação e compartilhamento de
informações erradas ou que abordem temas oficiais, sem questionamento, sem análise e
interpretação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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IN: Revista Estudos do Jornalismo, nº 5, volume 1. 2016. ISSN 2237 -9967. Disponível em:
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