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STELA BARBIERI
STELA BARBIERI
Stela Barbieri Stela Barbieri é artista, contadora de histórias, autora
e educadora. Dirige o bináh espaço de arte, um lugar
de educação e invenção. Foi diretora da ação educativa
do Instituto Tomie Ohtake em São Paulo, e curadora
educacional da Fundação Bienal de São Paulo. Assessora na
área de arte e educação para várias escolas e museus em
diferentes Estados do país. Publicou materiais educativos
para instituições culturais, livros para professores e 25
livros para o público infanto-juvenil. Realiza exposições
espetáculos e ministra cursos de narrações no Brasil e no
exterior.
EXPOSIÇÕES RECENTES
2013 - 2019
MÁQUINAS DE PAISAGENS - CRIA
MINAS TÊNIS CLUB - 2019
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MÁQUiNas De FaZer PaisaGeNs
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MIRANTES
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sesC JUNDiaÍ - sP
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EMIA - 2018
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Para Ver a PaisaGeM
OFiCiNa CUltUral OswalD De aNDraDe-sP
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CirCUitO De NarratiVas lÍQUiDas
CeNtral Galeria De arte, sãO PaUlO-sP
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PaisaGeM Passa aGeM
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esseN e HaGeM - aleMaNHa
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seM tÍtUlO
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stela barbieri, 1998
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aGUaDas
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ViDrOs, ÁGUa e COraNte
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lUGar De COMbiNaÇÕes lÍQUiDas
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MUseU De arte De ribeirãO PretO - sP
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seM tÍtUlO
esPaÇO CUltUral bM&F,
sãO PaUlO - sP
stela barbieri, 2007. seM tÍtUlO
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DeseNHOs COM GraVetOs
stela barbieri, 2007
DESENHOS E LIVROS DE ARTISTA
2009 - 2014
stela barbieri, 2010. liVrO De artista
stela barbieri, 2010. liVrO De artista
stela barbieri, 2014. liVrO De artista
stela barbieri, 2007
liVrO De artista
stela barbieri, 2014. liVrO De artista
stela barbieri, 2008. liVrO De artista
stela barbieri, 1999. MONOtiPias
Galeria ValU Oria, sãO PaUlO-sP
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GeNiUs lOCi – O esPÍritO DO lUGar
Maria aNtôNia, sãO PaUlO - sP
TEXTOS CRÍTICOS
2014 - 2015
ESPAÇO DE AÇÃO
Agnaldo Farias
O Projeto Lugares, de autoria de Stela Barbieri, neste momento
compreende cinco de suas obras: LUGAR PARA LER, LUGAR PARA
DESENHAR, LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS, LUGAR PARA
CRIAR ESPAÇOS e LUGAR PARA SEMEAR. Poderia compreender outras,
todas elas relacionadas com o variado espectro de ações, conceitos,
materiais e territórios – disciplinares e poéticos – praticados pela artista.
A recorrência do termo lugar, denominador comum de todas as obras
pertencentes a esse projeto, algumas já realizadas, outras a serem
inventadas, explica o foco de sua investigação: a produção de espaços
dotados de qualidades específicas.
O conceito de espaço, em que pese seu uso generalizado, traz con-
sigo uma herança fortemente abstrata. Com as raízes fundadas na
geometria analítica, o espaço concerne à ideia de coordenadas, de
posição, sem qualidades, homogêneo, branco e preciso como grande
parte da arquitetura moderna. Stela repele drasticamente esse con-
ceito e as imagens que lhe são correlatas.
Num mundo cujo grande avanço tecnológico gera, em contrapartida,
a perda de experiência, o contato direto e consciente com fenômenos,
coisas e processos, é necessário, imprescindível, tomar providências. É
preciso fazer com que as pessoas se deixem ensinar pelas coisas, saber
delas, saber de si por meio delas. Urge fazer com que seus sentidos
alimentem-se de parte do universo oferecido pelo mundo sensível
para que o ser seja irrigado, para que a sensibilidade, a imaginação e a
expressão se levantem.
As providências de Stela são, desta vez, obras-oficinas, um dos pontos
culminantes de sua trajetória, e que consistem na construção de luga-
res, sítios potentes, acolhedores, desafiadores, cuja luminosidade da
artista – que orquestra a situação, que propõe o campo a ser revolvido,
que oferece os modos de trabalhá-lo sob a forma de um jogo, com
regras, materiais e dispositivos para que qualquer um possa jogá-lo
– combina-se com a dos visitantes ou – como diria Lygia Clark, com
quem nessa série de trabalhos Stela faz eco – dos agentes.
Cada um dos LUGARES propostos é um espaço de ação e sonho, de
engenharia e poesia, de contato corporal e afetivo, de decisão e intuição.
LUGAR PARA LER
Ler é uma ação semelhante a viajar, com a diferença que é imóvel. O
leitor, qualquer um, é como um viajante imóvel. Não foi assim que
Cioran cunhou Jorge Luis Borges, o grande escritor argentino, diretor
da imensa Biblioteca Nacional de Buenos Aires, tema de vários de seus
contos labirínticos, que mesmo cego jamais deixou de escrever?
Associamos leitura com livros e é normal que o façamos. Afinal, desde
a invenção da imprensa o mundo foi povoado por esse objeto, esse
meio de transporte portátil que nos leva enquanto nós o levamos para
casa, para o sofá, para a cama, para a escola, para todos os lugares
para os quais viajamos, pois nada como a companhia silenciosa de um
livro. Uma companhia rigorosamente à mão.
Livros trazem dentro de si, entranhados, textos de toda ordem, teorias,
narrativas, geografias e histórias íntimas, distantes, plausíveis, extraor-
dinárias. O que pode caber nesse pequeno objeto denso, espesso,
composto por folhas secas, empilhadas, coladas em uma das bordas?
Virtualmente tudo ou quase tudo (deixemos uma larga e infinita mar-
gem para todos os livros que ainda serão escritos).
Se é fato que quase tudo pode caber num livro, apresentado sob a
forma de ilustrações, esboços, desenhos e... letras, o mais abstrato dos
signos; se o jogo das cifras tingindo as páginas quadrangulares alimen-
ta-nos a imaginação, isto deveria servir de lição sobre outras formas de
leitura. E não é fato que se fala sobre o “livro do mundo”?
Mais importante que o livro, essa máquina preguiçosa, é o leitor, que
é quem a coloca em movimento. Aprender a ler não é algo que se
reduz a uma língua, mas que se estende a tudo. Tudo o que há, feito
ou não pela mão do homem, está à espera de ser decifrado, porque
assim desejamos, porque não conseguimos resistir a esse impulso. Da
palavra escrita à direção do vento, do mais prosaico dos objetos a
uma foto enviada pelo Hubble, tudo conta uma história, de tudo se
desprende um aroma. Aliás, até um aroma enuncia sua fonte que, em
alguns casos, enraíza-se em nossos afetos.
Com mesas e bancos, com a coleção de livros de autoria da própria
artista, com uma vasta oferta de materiais, LUGAR PARA LER é um
espaço de expansão da leitura, na medida em que não só convida
à leitura, mas à produção de narrativas, até mesmo narrativas
enigmáticas, aquelas cujo conteúdo não alcançamos entender. Pois,
considerando as sucessivas incompreensões cotidianas, a leitura de
nossas ações nem sempre coincide com o que desejávamos. Somos,
constantemente, lidos sob óticas surpreendentes. Então, que tal
produzir um livro cuja compreensão nos escape, mas que pode fazer
sentido para os outros?
LUGAR PARA DESENHAR
Desenhar é ver o mundo de perto, escrutinizando seus detalhes, con-
tornos e estrutura, bem como projetando um mundo desde dentro,
exteriorizando-o por meio de um esboço, uma cifra sobre uma folha
de papel ou parede de caverna, ou ainda realizando uma construção.
Embora admitido como fonte das várias expressões humanas, afinal
todos nós, artistas e não artistas, projeta ou anota ideias sob a forma
de rabiscos, garatujas, esboços, o desenho que comumente é exposto
nas paredes de museus e galerias é aquele considerado um fim em si
mesmo, e não parte de um processo mais longo e intrincado.
Desenhar, porém, tem a ver com olhar, comentar, registrar, lançar uma
ideia, tanto em estado mais avançado quanto em condição larvar.
Equivale a se colocar em relação a algo, esteja ele diante de nós, agora,
ou venha sob a forma de lembrança, ou ainda como a tentativa de
tradução de um relato, como o célebre desenho de um rinoceronte que
Dürer fez a partir de uma descrição. Desenhar também é uma maneira
de se lançar ao futuro, abrindo-se à imaginação e à impossibilidade. Em
qualquer caso, desenhar é ampliar a subjetividade.
LUGAR PARA DESENHAR defende e aprofunda essa perspectiva, esse
modo de entendimento do desenho, lembrando que além do papel
jogado por essa prática nos variados processos de cognição e expressão
de que nos valemos, internos ou externos à arte, desenhar concerne ao
modo como nos organizamos no mundo, dele tomando a matéria-prima
com que construímos espaços, estabelecemos ritmos e estruturas.
Desde o princípio de sua trajetória, Stela Barbieri, afeita que sempre
foi aos materiais, combinou desenhos realizados com lápis e pincéis
sobre papéis e tecidos, com um elenco variado de materiais, orgânicos
e não orgânicos, eventualmente articulados. Da clássica situação do
lápis premido pelos dedos da mão apontados para a superfície de papel
ou de pano, a artista lançou-se às lãs encharcadas de tinta jogadas
contra a parede, as membranas produzidas por folhas de papel celofa-
ne endurecidas com cola, estruturadas com fios metálicos, apoiadas e
dispostas no ambiente expositivo.
LUGAR PARA DESENHAR propicia a prática do desenho em suas várias
versões, da escala intimista do que se produz com os dedos até aquele
que se obtém por intermédio do corpo.
LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS
Analisar um material, manipulá-lo, compreender paulatinamente suas
peculiaridades, seus comportamentos, seu temperamento, sua aparên-
cia, o modo como se relaciona com outros materiais, seu envelhecimento,
suas vontades, algumas delas ocultas, que só se dão a ver após estudos
demorados, equivale a introjetá-lo, transformar-se nele da mesma forma
como, no dizer de Camões, o amador transforma-se na coisa amada.
LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS é um convite ao envolvimento
detido sobre a água, o líquido primordial, um ensejo à aprendizagem
de algumas das lições que ele oferece. É também uma curiosa cons-
trução situada entre um laboratório químico, um centro de pesquisas
hidrológicas e um jardim aquático cujas florações coloridas, plantadas
pelos frequentadores, têm o formato de recipientes duros, como gar-
rafas e frascos de vidro e porcelana, macios, como tecidos porosos ou
sacos plásticos, quase tudo transparente ou branco, estratégia para
evidenciar algumas de suas propriedades mais distintivas.
Vive-se graças à água. Não há dia que passemos sem ela, o que não
significa que atentemos para o seu alcance, sua profundidade material
e simbólica, maior, muito maior, que a imensa importância que lhe
consignamos. Assim somos hoje: sabemos das coisas, mas nos recu-
samos a vivenciá-las; sabemos abstratamente, e quando chove nos
apressamos em abrir os guarda-chuvas.
É mesmo surpreendente a extensão da presença da água, sua ubiqui-
dade, sabê-la compondo a maior parte do nosso corpo, fluir e espraiar-
se pelas teias capilares, ao mesmo tempo em que se esparge pelo ar,
umedecendo-o ou, quando em grande volume e consoante as condições
ambientais, condensando-se, vertendo sobre o chão ou jorrando do seu
interior, escorrendo desatadamente, enamorada que é da gravidade, até
acomodar-se em lagos, poças, lâminas finas cuja sensibilidade se denun-
cia pelo modo como reage à brisa que lhe roça a superfície.
LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS retrata a doce submissão da água
assumindo o corpo do frasco que a contém; retrata também o desejo
voraz e incontido por tudo que há, da chuva à mucosa dos pântanos,
de como encharca os tecidos e refresca o barro, mantendo-o maleável.
Mostra ainda a solubilidade da água, do poderoso dissolvente que é.
E talvez justamente porque seja inodora, insípida e incolor, esgarça o
torrão de pigmento de terra, toma para si o bocado de tinta pastosa
grudada no pincel, ávida da cor que ele carrega.
LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS
Linhas, pontos, planos em tamanhos, formatos, texturas e cores varia-
das... O que é preciso para se produzir espaços no espaço plano da
superfície de uma folha de papel? Linhas e pontos são balizas para os
olhos, elementos que os atraem e os guiam pelo interior de corredores,
umbrais, acontecimentos sutis, imperceptíveis ou não, situações ruido-
sas, tensas, crispadas, quando é o caso do gume de uma linha eriçar-se,
quando o ritmo dramático de planos hachurados agem como redes
de captura, deixando que os olhos momentaneamente se debatam
como peixes vivos. E quando vêm as cores, o desenho ilumina-se em
atmosferas variáveis; planos, linhas e pontos irradiam-se, exaltam-se,
escapam de si, contaminando as presenças próximas com seus hálitos
e suas sonoridades, que podem ser discretos ou agressivamente ácidos.
Stela Barbieri desenha com lápis, pincéis, papéis, mas também com
tesouras, estiletes, gravetos, arames, cola, tecidos e o que mais enten-
der na construção de espaços. E se o papel foi seu ponto de partida,
não se pode saber qual será seu ponto de chegada, pois o volume
espacial de uma sala qualquer é mais do que suficiente para ela inven-
tar uma miríade de ambientes, para que ela ponha em movimento sua
capacidade de compor espaços.
É assim com LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS, obra polimórfica, caleidos-
cópica, fundada em cores quentes – vermelho, nesse caso –, estacas de
madeira passíveis de serem encaixadas entre si e num piso preparado
precisamente para esse fim, com tecidos fazendo as vezes de paredes e
tetos, percorrendo alturas, deslizando em quedas de velocidade variável,
acomodando-se, lisos ou enrugados, em soluções com a mesma ternura
das cabanas que, nos dias de chuva, fabricávamos nas salas de nossas
casas com lençóis e almofadas, ou, melhor ainda, nas barracas mais
duradouras que erguíamos em quintais sob as árvores, as casinhas onde a
vida, regada pela imaginação, era tão intensa e feliz que mal conseguía-
mos suportá-la.
LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS é uma obra e um sonho ofertado pela artis-
ta para que todos, crianças e adultos, exercitem a produção de espaços.
Eles vão chegando e organizando suas afetuosas clareiras de aconchego,
construindo casas dentro de casa: uma cidade cambiante, tomando para
si os materiais, empreendendo com mãos e corpos, decidindo juntos a
feição do lugar que querem para si, o espaço cálido, mergulhado numa
penumbra avermelhada, no qual, entre as risadas de cristal das crianças,
conversarão e brincarão por um momento esquecidos do mundo lá fora.
LUGAR PARA SEMEAR
Em 1990 Stela Barbieri expôs numa mostra coletiva realizada no Paço das
Artes, em São Paulo, um trabalho composto por feijões espalhados sobre
uma área retangular constituída de camadas de algodão e que ocupava
uma parte da sala expositiva. Durante a abertura, alguns de seus colegas
artistas comentavam discretamente que aquilo não poderia ser conside-
rado propriamente uma obra de arte, uma vez que o autor não podia
controlar o resultado. A artista, indiferente ou apenas alheia às ressalvas,
visitava diariamente a exposição com o propósito de regar o campo-alvo,
garantindo que os feijões vicejassem. Como era de se esperar, em pouco
tempo os delicados talos foram rompendo a trama espessa do chão claro
e macio, erguendo-se vívidos, com os bulbos nas extremidades semelhan-
tes a olhos curiosos.
Com o passar dos dias, o ritmo alternado das aguadas e ressecamentos
foram assentando as camadas do algodão, cada vez mais borrado pelo
crescimento dos feijões, sobretudo pelas raízes que iam se fincando e se
espalhando subterraneamente de modo a garantir a firmeza da plantinha.
O apodrecimento progressivo do campo cultivado praticamente coincidiu
com o auge dos feijões. O desenho desencontrado dos caules e raízes, o
grafismo nítido de marrons-claros e tonalidades de verde, sobreposto às
fibras brancas cada vez mais embaciadas por uma coloração ferruginosa,
garantia que a obra, do primeiro ao último dia de exposição, fosse se
metamorfoseando ininterruptamente.
Até onde sei, essa foi a primeira vez que a artista exibiu um trabalho
orquestrado por ela, mas realizado em associação com a natureza, uma
coautora cujos princípios nem sempre logramos entender.
LUGAR PARA SEMEAR consiste no coroamento desse processo fundado
na compreensão do artista como aquele que catalisa, ou dá a ver, pro-
cessos naturais, como as pequeníssimas, imperceptíveis, aos nossos olhos
de natural desatentos, explosões ocorridas no âmbito da natureza, sob a
forma das sementes que explodem, desentranhado as carnes e cores com
que conquistarão o espaço.
O vidro ovalado em cujo interior repousa um tesouro de semente mínimas,
irrequietamente coloridas, o tubo cilíndrico preenchido com água e uma
planta verde delicada, filiforme, arranjada num desenho helicoidal, são
exemplos de como os mistérios e as maravilhas do mundo vegetal podem
ser, ao menos parcialmente, revelados.
VER COM AS MÃOS
Julia Buenaventura
Nada mais irritante do que sair com um guarda-chuva comprido num
dia ensolarado. O cidadão caminha com o instrumento como quem
leva um estranho pacote, sendo atrapalhado pelos menores obstáculos,
por portas e catracas, e, mais ainda, tendo de superar a adversidade
com uma mão a menos: aquela que leva o fardo. Uma vez em casa,
só lhe resta reclamar: Ah vilão, se não tivesse te levado, teríamos tido
o dilúvio!
Porém, convido-os a não agir tão severamente com aqueles guarda-
chuvas, pois eles emprestam um serviço particular e valioso, isto é, nos
ensinam a ver com as mãos. De fato, eles oferecem notícia dos objetos
a distância com um rigor muito maior que o dos olhos, pois estes
costumam errar: às vezes, julgam o macio por duro ou acham suave
o que é áspero. Enquanto o tato é infalível. Jamais chega se enganar.
Cada fenda, cada mudança de calçada, cada desnível do chão é reve-
lado em detalhe. As crianças sabem bem disso. Não é por acaso que
gostam de arrastar galhos pelas paredes: eles oferecem informações
fundamentais sobre a textura e a dureza e, mais ainda, se porventura
aparecer uma grade, dão conta – com o compasso – do tempo que
implica o percurso.
Uma das chaves para entrar na obra de Stela Barbieri está em com-
preender a experiência como um problema sensorial, isto é, os canais
e a forma em que sentimos o mundo. Assim, o trabalho desta artista
é um convite ao visitante para explorar seus próprios mecanismos de
percepção e suas interações. Um exercício que só é possível porque Stela
se recusa a propor o olho como rei dos sentidos, rompe essa hierarquia
tipicamente ocidental, revelando as relações entre a visão e outros dispo-
sitivos sensoriais, especificamente o tato. Daí seu trabalho com líquidos,
fluidos, com minerais triturados, com materiais flexíveis que dão conta
tanto da pressão quanto do peso e – como explicarei mais adiante – com
determinadas cores.
Em suas intervenções no Sesc, Stela Barbieri propõe o Projeto Lugares.
Peças que, longe de se constituir em objetos a serem contemplados, se
abrem como espaços a serem experimentados, vivenciados e, mais ain-
da, transformados pelos visitantes, que terão a possibilidade de brincar
com os materiais, jogar com os elementos. Isto é, terão a possibilidade
de conhecer, assunto que só é possível através da experiência. A outra
classe de conhecimento, essa tão explorada em universidades e escolas,
aquela que consiste em repetir algo que um outro já disse, é esquecida
na hora. Assim, aqui temos obras-experiências que justamente aconte-
cem no tempo do visitante, quando este perde a compostura própria
de um hóspede e, tornando-se membro da família, começa a mudar a
casa; o que é, em resumo, o convite de Barbieri.
LUGAR PARA CONSTRUIR é composto por dois elementos princi-
pais: madeira e diversos objetos de espuma. O primeiro elemento é
estrutural. Assim, ao modo de uma coluna vertebral, encarrega-se
de encadear o espaço, articulando o conjunto. Os outros objetos são
cubos de espuma de uma densidade média e pranchas de espuma
densa; artefatos a serem movimentados com facilidade; a espuma
é leve e é mole, poderá ser carregada e em caso de queda não vai
afetar ninguém, nem sequer a si própria. A espuma absorve a força, é
flexível ao mundo, pode mudar a forma para depois recuperá-la sem o
menor inconveniente, condições que a contrapõem às estruturas. Com
efeito, nesse espaço, temos dois objetos de categorias diversas: aqueles
constituídos por tábuas, imóveis, e aqueles feitos de espuma a serem
movimentados, deslocados.
Um lugar em que visitantes-familiares ficam à vontade; podem mexer
e, como seu nome indica, construir. Levantar uma casa, uma passagem
e, nessa experiência perceber, já não tanto as dimensões dos objetos e
do espaço, mas suas próprias dimensões: a que altura está sua cabeça;
quão longe de seu nariz se encontra seu dedo mindinho.
A segunda intervenção, LUGAR DE COMBINAÇÕES LÍQUIDAS, consiste
numa sala com estruturas feitas de metal, mesas, objetos de vidro e
cores. As estruturas metálicas vêm do desenho, dos esboços que Stela
tem realizado durante anos em seus cadernos de estudo. Assim, mais
do que tubos, são traços de nanquim que abandonaram a página,
se tornaram volumes, corpos no espaço, mas sem perder a condição
de risco. Sua cor específica: um preto opaco, que rejeita qualquer
brilho, e seu caráter não industrial, não homogêneo, enfatizam essa
característica.
Completamente distinto de LUGAR PARA CONSTRUIR, agora nos
encontramos numa espécie de laboratório químico com mesas e
prateleiras para a realização de testes; e massas de algodão e um
líquido laranja em recipientes de vidro, como materiais de estudo. De
fato, emprego a palavra laboratório porque se trata de um lugar que
não é semelhante ao mundo, mas está regido por regras específicas,
estabelecidas a partir da cor. Um lugar onde o preto, o branco e o
laranja são os únicos tons aceitos.
A preocupação com a cor é uma constante no percurso de Stela
Barbieri. Várias obras anteriores, desde a década de 1990, têm assu-
mido a cor como problema fundamental. Dessa forma, a escolha do
preto, do laranja e do branco para essa instalação não é um acaso; vem
de pesquisas anteriores com o urucum – semente de um laranja inten-
síssimo –, o extrato de nogueira e o nanquim – pretos por excelência –,
e o algodão – imagem do branco. Em resumo, materiais em que a cor
é fundamental, intrínseca.
Na Metafísica, Aristóteles afirma que existem duas classes de ser. A pri-
meira quando declaro: isto é uma laranja; a segunda quando digo: isto
é laranja. Concordaremos que, no primeiro caso, estou dando conta do
objeto, a fruta, enquanto no segundo, de uma qualidade – atributo ou
acidente – dessa fruta. No entanto, Stela Barbieri não gosta de trabalhar
os atributos como acidentes, mas como substâncias em si, de modo que
uma cor determinada ou uma caraterística específica vira um objeto.
Logo, não é a coisa a encarregada de possuir determinada característica;
é a característica que acaba convertida em coisa. Assim, se o habitual é
afirmar: “Este líquido é laranja”, numa instalação de Barbieri, vamos ter
que colocar a frase de cabeça para baixo, afirmando: “O laranja é este
líquido”. Igualmente acontece algo que eu já vinha pressentindo: não é
que o nanquim seja preto; é que o preto é o nanquim.
Em resumo, a qualidade toma o lugar da coisa, o adjetivo vira substan-
tivo, o atributo se converte em substância. Troca de papéis que conduz,
inevitavelmente, a um diálogo sensorial na medida em que se uma cor é
objeto, então poderá ser conhecida não somente através do olho, mas
através do tato, do olfato, do ouvido e, incluso, do gosto.
Assim, numa obra de Barbieri, os sentidos entram em diálogo. Ou
melhor, a gente, nesse laboratório, nesse lugar a ser construído, percebe
seu bate-papo, essa conversa que costumam manter sem nos consultar:
raramente escuto a ponta de meu indicador falando com meu olho, mas
desconfio que sempre estão fazendo intrigas. A obra de Barbieri confirma
a minha suspeita.
“(...) achar-abordar-penetrar é sem fim”*: lugares moventes em campos de presença
Galciani Neves
Um lugar é um estado de ânimo. Embora mencione uma dimensão espa-
cial em que as coisas ocupam posições, é feito de singularidades humanas
e de seus desordenamentos, de fricções entre distintos modos de agir, de
ressonâncias de vozes que sopram de nós. De toda maneira, a palavra
lugar, no dicionário das nossas imaginações, não é um abrigo lacrado
a ser explicado geometrizadamente, mas talvez a intensidade que pulsa
nos “habitantes delicados das florestas de nós mesmos”, como disse o
poeta Jules Supervielle. Habitantes estes que deambulam, cartografam
passagens e criam lugares, como afazeres da vida.
Um lugar é um estado de ânimo. Embora mencione uma dimensão
espacial em que as coisas ocupam posições, é feito de singularidades
humanas e de seus desordenamentos, de fricções entre distintos modos
de agir, de ressonâncias de vozes que sopram de nós. De toda maneira,
a palavra lugar, no dicionário das nossas imaginações, não é um abrigo
lacrado a ser explicado geometrizadamente, mas talvez a intensidade
que pulsa nos “habitantes delicados das florestas de nós mesmos”,
como disse o poeta Jules Supervielle. Habitantes estes que deambulam,
cartografam passagens e criam lugares, como afazeres da vida.
Stela Barbieri nos convida a partir, avistar paisagens e regressar com
ramos, ventos, cadernos de viagem, punhados de areia e aportar em
“obras-oficinas”, onde mescla percepção e desejo construtivo e onde
podemos (re)construir outras florestas, ao mesmo tempo em que
adentramos histórias e tramas no espaço. Assim, os “Lugares” são
como mapas sem limites, com minúsculos cantos, pontos e brechas
compartilháveis no vasto campo em que não somos apenas o eu.
Constam em seus territórios garatujas, ensaios visuais e cores coreo-
grafando autorias em livros.
Enquanto formas de sociabilidade e afetividade versam, acumulam e
traduzem coisas, percepções e vontades tremulantes passam a integrar
os “Lugares” e fazê-los vibrar. Uma vez ali, pode-se vivenciar porme-
nores à medida que “nos permitimos desmecanizar as gramáticas do
corpo e do espaço”, propõe a artista. A história desses “Lugares”
são muitas a serem inventadas e inúmeros são os contornos a serem
desenhados e transbordados no dentro-fora de nós.
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Livro: lugar em que somos e estamos
À espera, a ponto de prolongar-se, tal como se tivesse tentáculos,
envolvendo o leitor, o lugar entre ele próprio e o leitor. Eis o livro.
LUGAR PARA LER é uma biblioteca de livros em estado de espera, com
prolongamentos que são seu acontecimento – gestos constituidores,
dispondo-se a olhos e mãos que lhes mudarão a escala e até mesmo
sua feição. Os livros estão ali em múltiplas personalidades, em versões
ambivalentes: dispersos em folhas coloridas, contando um tanto de
história ou ainda ansiosos por recebê-las; abertos em formato de asas
ou adormecidos guardando o tempo da escrita. LUGAR PARA LER é
uma obra-oficina onde Stela Barbieri desaguou seus livros de artista e
cadernos de anotação por entre livros que ainda vão ser. Todos estão
em permanente continuação, afeitos ao imprevisível de seus habitantes.
Ver-ler-percorrer são conjugações da fruição dos livros da artista.
Ocorrem como sequências de espaços, onde o desenho espalha-se
mergulhando pela transparência das páginas, cortando-as e desdo-
brando-se descontinuamente. Nesses livros, a ideia/ato de desenhar
ocorre na palpabilidade e na experiência de seus materiais, texturas e
cores. Assim, quando manuseamos suas páginas-asas, distintas formas
revelam-se, enquanto enquadramentos de paisagens abstratas se
expandem. E uma escritura--desenho se dá construindo pontes entre o
espaço da página e o lugar onde estamos.
A prática de narrar histórias, de se arriscar em planos, ideias e projetos de
obras, e a reflexão sobre arte, educação e os inúmeros atravessamentos
cotidianos fragmentam-se nos muitos cadernos de Stela Barbieri. São
anseios e registros do tempo que narram uma vigília de si mesmo
em permanente porosidade com o mundo, em folhas, desenhos
e guardados da vida. Concentram--se nesses cadernos torções da
língua incentivadas pela organicidade de seus desenhos, compondo
assim um léxico nada categórico em que imagem e palavra fundem-
se permanentemente na rotina criativa da artista. LUGAR PARA LER
abriga uma multidão de autores-leitores que montam capas, folhas de
rosto, páginas, lombadas e que inventam outras anatomias de livros,
migrando de volume em volume, de letra em letra, de entrelinha em
entrelinha, navegando pelos rios de histórias por vir.
Através do lugar: uma poética-ação lúdica
O homem pode ser definido, afirma Johan Huizinga, pela existência
de um componente “lúdico”: impulso nato e formador de sua cultura
pessoal. Assim, o homem vive momentos conscientes de reflexão
e de expressão verbal e corporal, em que fenômenos da vida e da
natureza são avistados de modo a possibilitar potenciais ritmos de
transformação. Tal visão pode desmantelar alguns de nossos habituais
pressupostos: “arte é coisa séria” ou “alguém encarregado de alguma
responsabilidade séria deve afastar-se da postura do brincante”.
Podemos pensar que LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS é uma atmosfera
de brincadeira – aspecto há muito tempo inerente aos processos de
criação de Stela Barbieri e que engendra nesse “lugar” gêneses de
arquiteturas flutuantes. As unidades fundamentais propostas pela
artista – varetas coloridas, formas esféricas e um tablado de madeira
– não se encerram como ferramentas utilitárias, nem como verdades
formais para a construção de um espaço. São antes instrumentos de
uma poética-ação em que seus construtores atravessam e concebem
um lugar de convívio para ser e atuar. A inspiração é livre e acontece
também na mão que doa sua forma.
LUGAR PARA CRIAR ESPAÇOS é um tablado mutante, onde relações
de coexistência de espaços, a serem construídos e desenhados,
personificam cenas e mundos imaginários. Nesse “lugar”, o “Homo
ludens” usufrui de uma realidade brincante e experimenta, sem verbos
delimitadores, ficções sociais, éticas, estéticas. E a imagem ritualística
do jogo e a brincadeira de levantar espaços constituem-se experiências
de arrebatamento diante do novo e, sobretudo, da excitação diante da
invenção, propulsionando processos de imaginação criadora: tensão,
movimento, mudança, entusiasmo pelo espaço, onde tudo parece
gravitar poeticamente.
LUGAR PARA PLANTAR
Olivia Ardui
Os jardins são associados, no inconsciente coletivo, a um complexo
sistema simbólico com dimensões filosóficas, místicas e políticas. Dos
jardins suspensos da Babilônia, passando pelos jardins renascentistas,
orientais, até os atuais quintais urbanos, esses espaços organizam e
incluem elementos do mundo vegetal em uma estrutura artificial pen-
sada pelo homem. Talvez seja por essa qualidade de meio-termo entre
o homem e a flora que o jardim constitui um ambiente tão privilegiado
para reconexão e redescoberta da natureza e seus ciclos, mas também
um lugar que acentua a propensão à interioridade, incitando uma deriva
pelos caminhos do imaginário e das memórias. Como se a vivência do
jardim, reminiscência distante mas onipresente do paraíso, interviesse
como convite ao regresso a uma experiência mais verdadeira e simples.
Por essa faculdade de reaproximar o homem tanto da natureza física
como da sua própria essência, o jardim poderia ser entendido como um
agente que suscita reflexões acerca de diferentes aspectos de sua vida.
Não é por acaso que a artista e educadora Stela Barbieri adota o jardim
em sua obra-oficina LUGAR PARA PLANTAR.
Realizada especialmente para o Sesc Osasco, a proposta insere-se
no Projeto Lugares, um conjunto de obras-oficinas idealizadas para
diferentes unidades do Sesc São Paulo e que incita a interação direta
com o visitante, cada vez com uma abordagem distinta. Se os outros
espaços confeccionados por Stela Barbieri nessa série são fruto de con-
siderações sobre parâmetros próprios da cultura, como a questão da
leitura ou da arquitetura, LUGAR PARA PLANTAR propõe um encontro
singelo com a natureza, da qual estamos cada vez mais afastados em
meio urbano. Essa desconexão e esse afastamento característicos da
contemporaneidade, somados aos nossos cotidianos marcados pela
ânsia de produtividade, pela alienação induzida por uma virtualização
progressiva das relações interpessoais e de trabalho, são causa de
desajustes, mesmo que inconscientes.
A área externa gramada do Sesc Osasco, pontuada por árvores frutífe-
ras e vasos com plantas de diversas espécies, é ocupada por algumas
mesas e prateleiras com sementes, diversas ervas e flores. Como se
estivessem em um laboratório, os visitantes, tanto adultos quanto
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crianças, são convidados a manusear essas sementes, plantá-las em vasos
que estão à disposição, manipulá-las para formar composições ou manda-
las, sendo assim estimulados a observar com cuidado, tocar, sentir, enfim,
a parar por um instante e estar presentes. A instalação também chama a
atenção para os ciclos de regeneração perpétua das plantas, passando do
nascimento, da maturação e da morte até uma transformação e, assim,
apontando para uma alternativa à temporalidade linear e unidirecional
que rege nossas vidas. Nesse dispositivo serão organizados ateliês e seções
de leituras de histórias, todas elas voltadas a esse retorno existencial à
natureza, mesmo que fabricada, passada pelo filtro do homem na forma
de um jardim.
O conceito do jardim, além de protagonista da proposta educativa dessa
obra-oficina, também é uma metáfora relevante para abordar o conjunto
da obra de Stela Barbieri. Efetivamente, além de o mundo vegetal sempre
ter sido uma fonte de inspiração para a artista, o jardim, por ser um híbrido
entre o autêntico e o artificial, a natureza e a cultura, encarna a ideia de
uma dialética entre duas extremidades, dinâmica que também é inerente
a vários trabalhos da artista.
Depois de um início de carreira em pintura, Stela Barbieri dirigiu o seu foco
para a experimentação com materiais e suas texturas. O pigmento da tinta
que antes era aplicado na tela passou a tingir líquidos contidos em reci-
pientes de vidros ou em plásticos, ou a impregnar formas irregulares em
látex ou lã. Em esculturas precárias e orgânicas, essa confrontação entre
estados líquidos e sólidos denota uma condição frágil de impermeabilida-
de, em que um elemento fluido é contido, mas a qualquer momento, e às
vezes de fato, infiltra-se, transpassando o seu receptáculo. É o caso por
exemplo de Sem Título (“Ampulheta”), em que dois plásticos são prega-
dos à parede contendo sementes de urucum que tingiram de vermelho o
óleo que pinga de um plástico para o outro, suscetíveis de ceder ao peso.
Se essas obras esculturais, realizadas nos anos 1990, já apresentavam
certa autonomia em relação ao formato da pintura, elas ainda eram
fixadas à parede. Progressivamente, as experimentações de Stela Barbieri
autonomizaram-se, e a artista buscou realizar instalações de maior escala,
como é o caso de Circuito de Narrativas Líquidas realizado em 2013. Nessa
instalação, estruturas metálicas são o suporte para uma série de vidros e
mecanismos que ora retêm, ora fazem circular um líquido de cor laranja,
em uma condição de constante movimento e transformação.
Para além da sua proposta educativa, a obra-oficina de Stela Barbieri pro-
põe, de maneira mais sutil e indireta, retomar vários aspectos-chave da sua
produção, em um momento mais introspectivo e reflexivo de sua trajetória.
Primeiramente, LUGAR PARA PLANTAR dá continuidade às instalações de
grande porte realizadas nos últimos anos e precede alguns projetos em
espaços públicos. Em seguida, a referência direta à natureza em um con-
texto urbano reitera um binômio transversal na obra da artista: sólido e
rígido/maleável e fluido. Enfim, a importância da maquete no processo de
realização desse trabalho, assim como a relação entre as escalas micro e
macro, também é uma constante na produção artística de Stela Barbieri.
Tal como o jardim, historicamente associado à representação da totalidade
do cosmos em miniatura, a experiência da obra-oficina é uma metáfora:
trata-se de semear, plantar, e cultivar sementes para a vida.
DESFRUTAR
A obra-oficina “Desfrutar” consiste na instalação de um ambiente que
mescla um pomar, uma cozinha e uma mesa de encontros. Stela Barbieri se
vale de frutas, folhas comestíveis e utensílios de cozinha e convida o público
não somente a preparar comida e se aventurar em misturas imprevistas, mas
também a engendrar conversas, trocar subjetividades e vivenciar negociações
coletivamente. Se a mesa, segundo Maffesoli, pode ser o lugar onde se esta-
belecem as mais sólidas amizades, discussões e decisões importantes e outros
tantos laços afetivos, a artista propõe que “Desfrutar” seja um lugar onde
possam se desencadear percepções durante o fazer e o comer como modos de
condução de comunicação e como expressões de sociabilidade.
PARA VER A PAISAGEM
Uma paisagem é uma forma de apreensão do mundo, um desenho que
traçamos a partir de relações com a realidade que nos cerca ou com os
lugares imaginários que nos povoam. Stela Barbieri nos convida a inventar
paisagens, a percebê-las como um artifício do sujeito, como uma espécie
de inventário ou testemunho constituído de forma simbólica num embate
fenomenológico com o meio ambiente, com as pessoas, com os desejos.
Nesta “obra-oficina”, projeto, matéria (caixas de papelão e cores) e espaço
expositivo incorporam-se aos gestos do público, à presença e olhar desse
habitante temporário que é convidado a criar condições, perspectivas,
passagens e possibilidades de miradas às arquiteturas afetivas que ali são
planejadas.
Galciani Neves
stela barbieri, 2014
MaQUetes “Para Ver a PaisaGeM” e “DesFUtar”
OFiCiNa CUltUral OswalD De aNDraDe
sãO PaUlO-sP
Stela Barbieri, redescobre a carga vital adormecida dentro da matéria
industrializada. Por isso suas esculturas não se esgotam nos limites das
suas aparências inesperadamente orgânicas. Algumas exalam cheiros,
enquanto outras não cessam de purgar líquidos. A relação entre suas
esculturas e os mistérios orgânicos começou nas primeiras realizações,
cheias de referência à algumas superfícies vegetais e animais que,
quando colocadas contra a luz, revelam o arame eTstrutural que lhes
dá forma. Mas as linhas de ferro prensadas pelas folhas de celofane
- elementos de antigas esculturas - não bastavam para a artista, uma
vez que era preciso despertar os materiais de seu sono letárgico. Era
preciso que o ferro se oxidasse e atacasse o papel, para que o resultado
fosse mais que uma metáfora; que o feijão germine sob o algodão para
que dai irrompa uma insólita topografia. Suas esculturas aspiram à vida
e toda a fertilidade que dela emana. Dai a fusão entre suas partes; o
motor erótico que as dinamiza. Sua feitura é guiada pelo desejo de
que as substâncias se animem e de que o tempo volte a escorrer num
murmúrio que se prolifera em nódoas, patinas e decomposição.
Agnaldo Farias
Há algo de receptáculo nesta construção orgânica suspensa em fios de
cobre, espécie de abrigo e proteção para um corpo volátil de serragem e
de vermelhidão. Stela Barbieri é uma artista sensível à interioridade e aos
rumos que possam derivar deste compromisso. A falta aqui é busca: com-
preender o comportamento da matéria por meio de uma ocupação expan-
siva do espaço. Busca dócil e lenta. Contrariamente ao que a vontade de
aconchego poderia indicar, a artista não nega a matéria ocultando-a sob
esconderijos. Prefere a hipótese de que não há continente suficiente para
a delicadeza da emoção. Por isso, os conteúdos vazam de uma topografia
feminina, forçando a saída das fronteiras. Emancipação do colo do ninho.
Lisette Lagnado
Cor e linha contribuem para armar o drama. Essa condição dramática,
entre o rir e o chorar, fica aqui consignada pelo vermelho que se derrama
em fios molemente enovelados. Existe algo de lúdico em dispor as lãs
sobre o suporte, movimento semelhante ao gesto livre de riscar e respingar
tinta na parede ou papel. Nenhum controle é imposto ao fluir dessa espon-
taneidade até que o material é fixado entre duas lâminas transparentes tal
qual sangue em laboratório. Neste momento espontâneo é surpreendido
pelo controle da vontade.
M. A. Milliet
Nas esculturas de Stela Barbieri, são as nações de interior e exterior que
se confundem, o paradoxo de que entranha e pele, víscera e superfície
sejam, se não idênticos, territórios sem conflito, alimenta todo o traba-
lho e responde pela fluência de suas soluções formais. Ao aproximar
estes dois pólos opostos, o trabalho passa a querer tudo: nós, laços,
sacos, materiais empilhadas, coisas jogadas, amontoadas, penduradas,
escorridas, coladas. Uma dilatação de idéia de forma acompanha a vizi-
nha proibida do dentro e do fora; uma indiferença pelo que é aparência
ordenada, individuação de uma visão. Tudo aqui é passagem, casulo
de outro casulo, pele desgovernada e faminta, em expansão aflita. A
matéria varia de estado, exibe suas qualidades sucessivas, torna-se a
pegada de todas as formas. O que dá interesse a estes trabalhos é sua
plasticidade excessiva, como se pudessem receber todas as operações.
Há, nisso, uma mistura de potência expressiva e passividade extrema,
que em seus melhores momentos parece apontar para uma compreen-
são trágica da vida, como se fazer e desfazer, liberdade e destino fossem
o mesmo.
Nuno Ramos
Stela Barbieri cria ambientes permeados de transparência e delicadeza.
Em seus objetos pulsa a vida que se faz escorrer, desdobrar, equilibrar,
tencionar, fletir, rasgar.
Contrasta o fraco e o forte, o rígido e o flexível, o denso e o volátil, que
se contaminam, tecem, borram, aspiram e transpiram juntos. Redenção
e luta. Seus trabalhos refletem o incessante conflito que perpassa a vida
do homem contemporâneo. Potência expressiva no território da arte, a
intenção sutil revela o acidente, a casualidade em resistência a um con-
trole excessivo do fazer artístico.
Vitória Daniela Bousso e Simona Misan Liberman
A soleira da porta:
Coadores de uma materialidade invisível
Grávida matéria-viva em suspensão
O tempo sendo regurgitado pelas coisas.
O espaço indagado entre um vão e outro
Bacias prenhes de gravidade engolindo tudo
Presságios corroendo o cotidiano
Sua tessitura escorrendo pela soleira da porta.
vasos-coadores de nossas percepções ,
A borra suspende o empoçado entendimento
Investido na posse de algo imaculado
Rubens Espírito Santo
Coordenação Editorial e Direção de Arte Fernando Vilela
Design Gráfico Marilda Donatelli
Fotos Ana Claúdia Rodrigues, Arthur Calasans, Daniel Ozana, Denise Adams, Fausto Chermont, Fernanda Beraldi, Fernanda Gomes, Fernanda Simionato, Fernando Vilela, Joseti Capusso, Laura Barbieri Gorski, Maetê Filizola Azevedo, Márcia Xavier, Mariana Francoio, Mariana Galender, Mauricio Simonetti, Rômulo Fialdini, Pedro Palhares, Raimo Benedetti - Estúdio B, Urga Maira Cardoso
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