taveira, Ângela montenegro. o poder de polícia dos membros das
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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
ÂNGELA MONTENEGRO TAVEIRA
O Poder de Polícia dos Membros das Forças Armadas nas
operações de patrulhamento de fronteiras:
limites e implicações com a segurança e o desenvolvimento
nacionais.
Rio de Janeiro 2011
ÂNGELA MONTENEGRO TAVEIRA
O Poder de Polícia dos Membros das Forças Armadas nas
operações de patrulhamento de fronteiras:
Limites e implicações com a segurança e o
desenvolvimento nacionais.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de
Guerra como requisito à obtenção do diploma do
Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.
Orientador: Cel. R/1 João de Oliveira MATTOS
Rio de Janeiro
2011
C2011 ESG
Este trabalho, nos termos de legislação
que resguarda os direitos autorais, é
considerado propriedade da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É
permitido a transcrição parcial de textos
do trabalho, ou mencioná-los, para
comentários e citações, desde que sem
propósitos comerciais e que seja feita a
referência bibliográfica completa.
Os conceitos expressos neste trabalho
são de responsabilidade do autor e não
expressam qualquer orientação
institucional da ESG
_________________________________
Biblioteca General Cordeiro de Farias
Taveira, Ângela Montenegro.
O Poder de Polícia dos Membros das Forças Armadas nas
operações de patrulhamento de fronteiras: limites e implicações com
a segurança e o desenvolvimento nacionais / Promotora da Justiça
Militar Ângela Montenegro Taveira - Rio de Janeiro: ESG, 2011.
67f
Orientador: Cel R/1 João de Oliveira Mattos.
Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao
Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como
requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de
Política e Estratégia (CAEPE), 2011.
1. Poder Político. 2. Poder de Polícia dos Membros das Forças
Armadas. 3. Patrulhamento das Fronteiras Terrestres. I.Título.
Dedico este trabalho aos meus pais Nelson e
Divone, representantes de Deus na minha vida, que
sempre me impulsionaram, com seu imenso amor,
para uma vida feliz e produtiva.
A minha irmã Márcia, zelosa médica do meu corpo e
da minha alma.
A meus filhos Pedro Henrique e Luís Filipe, razão,
causa e consequência da minha jornada neste
mundo.
AGRADECIMENTOS
Agradeço à Procuradora-Geral da Justiça Militar Doutora Cláudia
Márcia Ramalho Moreira Luz, por ter-me concedido a oportunidade de participar do
Curso de Altos Estudos de Política e Estratégica da Escola Superior de Guerra.
Agradeço, também, ao corpo docente da ESG e a todos os colegas da
Turma Segurança e Desenvolvimento, por ter podido desfrutar com eles deste ano
de cordial convivência e aprofundadas reflexões sobre o Brasil.
“Tem fé no direito, como o melhor instrumento para a convivência humana; na justiça, como destino natural do direito; na paz, como substitutivo benevolente da justiça; e, sobretudo, tem fé na liberdade, sem a qual não há direito, nem justiça, nem paz.” Eduardo Juan Couture
RESUMO
O presente trabalho aborda a natureza, a amplitude e os limites do poder de polícia
dos membros das Forças Armadas prevista na Lei Complementar n° 97/1999, e
suas posteriores modificações, em especial as alterações trazidas pelas Leis
Complementares n° 117/2004 e 136/2010. O foco principal do estudo é o emprego
do Exército Brasileiro na sua dupla missão constitucional de assegurar a soberania
territorial brasileira de garantir a lei e a ordem. Busca-se entender em que medida as
missões de patrulhamento e policiamento na faixa de fronteira são atribuições
subsidiárias das Forças Armadas e como devem ser compreendidas dentro do
conceito maior da missão constitucional de garantia da lei e da ordem.
Inicialmente, é feita uma rápida abordagem dos fundamentos doutrinários e legais do
poder de polícia com destaque para a diferença entre o “poder de polícia
administrativo” e o “poder de polícia de segurança”, ambos originários do poder
político e do poder estatal que caracterizam o Estado Democrático de Direito.
Procura-se enfatizar que o poder de polícia representa um importante instrumento em
favor da concretização de políticas públicas de segurança, desenvolvimento e defesa
do País.
Conclui-se pela necessidade de que seja estabelecida uma disciplina de instrução e
adestramento dos militares das Forças Terrestres, que vise ao bom desempenho
dessas atribuições subsidiárias e das atividades contidas na esfera de atribuição
originária da Polícia Federal e da Polícia Militar. Ao final, são abordadas algumas
questões jurídicas decorrentes da atuação das Forças Armadas ditadas pela Lei
Complementar 97/99.
Palavras chave: Poder de polícia. Forças Armadas. Missão constitucional. Forças terrestre.
Garantia da lei e da ordem. Patrulhamento de fronteiras. Polícia Federal. Polícia Militar,
Crimes transfronteiriços.
ABSTRACT
This paper addresses the nature, scope, and limits of the police powers of the
members of the Brazilian armed forces as outlined in supplemental law number
97/1999 and its subsequent modifications, particularly those changes provided for
under supplemental laws number 117/2004 and 136/2010. The primary focus of this
study is the employment of the Brazilian Army in its dual constitutional roles of
insuring the territorial sovereignty of Brazil and insuring law and order. This paper
seeks to understand how patrolling and policing border areas are ancillary functions
of the armed forces and how they should be understood within the broader concept
provided for under the constitutional mission of insuring law and order.
The paper begins with a quick overview of the doctrinal and legal fundamentals of
police power in Brazil, with emphasis on the difference between “administrative
policing functions” and “security functions,” both of which are derived from the political
power and authority of the state, characteristic of a democratic state based on the rule
of law. This paper emphasizes that police power represents an important instrument
for the implementation of public policies for security, development, and national
defense.
The conclusion of this study is that there is a necessity to establish a training and
education program for members of the Brazilian ground forces (army) aimed at
insuring their preparedness to perform these ancillary functions and activities that are
normally executed by law enforcement entities such as the Federal Police and the
State Police (known as Polícia Militar in Brazil). Finally, this paper addresses certain
legal issues arising from the role of the armed forces as mandated by supplemental
law 97/99.
Key words: Police power. Armed forces. Constitutional role. Ground forces. Insuring law and
order. Border patrolling, Federal police. Military Police. Cross-border crimes.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
APF Auto de Prisão em Flagrante
ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ANAC Agência Nacional da Aviação Civil
CF Constituição Federal COM Código Penal Militar CPPM Código de Processo Penal Militar EB Exército Brasileiro ENAFRON Estratégia Nacional de Defesa FAB Força Aérea Brasileira FARC Forças Armadas Revolucionárias Colombianas FFAA Forças Armadas
GLO Garantia da Lei e da Ordem
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
JMU Justiça Militar da União
LC Lei Complementar
MB Marinha do Brasil
MPM Ministério Público Militar
OSP Órgãos de Segurança Pública
PATCOS Serviço de Patrulha Costeira
PATNAV Patrulha Naval
PDN Política de Defesa Nacional
PF Polícia Federal
PM Polícia Militar
SIVAM Sistema de Vigilância da Amazônia
SIPAM Sistema de Proteção a Amazônia
STM Superior Tribunal Militar
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10 2 O PODER POLÍTICO: DA FILOSOFIA AO ESTADO DE DIREITO ............ 14 2.1 O PODER POLÍTICO .................................................................................... 14 2.2 O PODER DE ESTADO ................................................................................ 18 2.3 O PODER DE POLÍCIA ................................................................................ 21 2.4 O PODER DE POLÍCIA COMO FATOR DE SEGURANÇA E
DESENVOLVIMENTO .................................................................................. 25 3 O PODER DE POLÍCIA DAS FORÇAS ARMADAS NA GARANTIA DA LEI
E DA ORDEM ............................................................................................... 28 3.1 BASE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL: A TEORIA DOS PODERES
IMPLÍCITOS .................................................................................................. 28 3.2 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL ............. 29 3.2.1 Patrulha Naval - legislação específica para a Marinha do Brasil ........... 32 3.2.2 Patrulha Terrestre - legislação específica para o Exército Brasileiro ... 34 3.2.3 Patrulha Aérea - legislação específica para a Força Aérea Brasileira ... 36 4 O PATRULHAMENTO DA FAIXA DE FRONTEIRA NO ARCO
AMAZÔNICO: ATRIBUIÇÃO SUBSIDIÁRIA PARTICULAR DA FORÇA TERRESTRE ................................................................................................ 40
4.1 LIMITES DO PODER DE POLÍCIA EM OPERAÇÕES MILITARES NA FRONTEIRA ................................................................................................. 40
4.2 OS PELOTÕES DE FRONTEIRA ................................................................. 44 4.3 AÇÕES DE PREVENÇÃO E REPRESSÃO ................................................. 47 4.3.1 O Patrulhamento ......................................................................................... 48 4.3.2 A Prisão em Flagrante ................................................................................ 51 4.3.3 Outras ações ............................................................................................... 53 4.4 QUESTÕES JURÍDICAS RELEVANTES ..................................................... 53 5 CONCLUSÃO ............................................................................................... 57 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 60 ANEXO A - Entrevista em forma de Questionário ................................... 62
10
1 INTRODUÇÃO
O artigo 142 da Constituição Federal de 1988 preceitua que as Forças
Armadas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e,
por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
Essa dupla missão constitucional não pode ser entendida sem a
compreensão do conceito de segurança nacional, sendo, a primeira, relativa à
segurança externa e, a segunda, relacionada à segurança interna do País.
A Política de Defesa Nacional, promulgada pelo Decreto n° 5.484, de 30 de
junho de 2005, postula que a segurança “é a condição em que o Estado, a
sociedade ou os indivíduos não se sentem expostos a riscos ou ameaças, enquanto
que a defesa é a ação efetiva para se obter ou manter o grau de segurança
desejado.” O emprego da defesa se dá em função da necessidade de proporcionar
segurança à sociedade, considerando que, quando se desfruta de uma efetiva
segurança, dispensa-se o emprego da defesa como ato de repelir um ataque. As
Forças Armadas existem para garantir os poderes constitucionais, pilares do próprio
Estado Democrático de Direito, e desempenham a importante tarefa de proporcionar
segurança à Nação brasileira na forma integral, externa e interna.
De outro norte, o artigo 144 da Carta Magna prevê que a Polícia Federal, a
Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar são os órgãos
responsáveis pela Segurança Pública, cuja missão constitucional é a preservação da
ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, o que equivale a dar
garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais.
Essa interseção de responsabilidades no âmbito da Segurança Pública tem
causado controvérsias, especialmente quanto à amplitude do poder de polícia do
qual é investido o membro das Forças Armadas para o cumprimento de missões de
garantia da lei e da ordem (GLO) e de outras atribuições subsidiárias previstas em
lei, como o patrulhamento marítimo, terrestre e aéreo.
Isso ocorre, ao nosso aviso, porque as operações de GLO e as decorrentes
de atribuições subsidiárias não são consideradas “atividades fim” das Forças. Todo o
esforço de mobilização e adestramento das Forças está centrado na defesa e tem
por finalidade o incremento da capacidade dissuasória e de pronta resposta a
qualquer agressão externa.
11
Contudo, é sempre bom lembrar que a missão de garantia da lei e da ordem
não é nenhuma novidade e remonta à primeira Constituição Republicana de 1891.
Definida a missão das Forças Armadas na Carta Magna da República,
coube ao Congresso Nacional sua normatização para preparo e emprego, o que foi
feito por via da Lei Complementar n° 69, de 19 de novembro de 1990, revogada pela
Lei Complementar n° 97, de 9 de junho de 1999, atualmente em vigor. Essa lei
recebeu ainda duas alterações introduzidas pelas Leis Complementares n° 117, de 2
de setembro de 2004, e n° 136, de 25 de agosto de 2010. Verifica-se que, em
apenas duas décadas de vigência da Constituição Federal foram editadas quatro leis
complementares para tratar do mesmo assunto. Essas modificações, efetuadas de
maneira fragmentada, certamente trazem prejuízo ao entendimento da matéria.
A mais recente modificação da Lei Complementar n° 97 pretendeu, dentre
outros ajustes, explicitar o exercício do poder de polícia pelo militar federal nas
operações de GLO e nas operações subsidiárias de prevenção e repressão aos
crimes transfronteiriços e ambientais (artigos 15, 16 e 16 A, da LC n° 097/99,
modificados pela LC n° 136/2010).
No que concerne às atribuições subsidiárias delegadas às Forças Armadas
na faixa de fronteira, algumas novidades foram introduzidas pela nova lei. Nesse
sentido as autoridades militares e civis competentes devem envidar esforços na
elaboração de legislação específica (leis, normas, regulamentos e portarias), que
estabeleça normas de conduta.
A necessidade de esclarecimento dos limites legais para o exercício do
poder de polícia por membros das Forças Armadas merece uma reflexão mais
aprofundada. Basta dizer que a expressão poder de polícia não é encontrada em
nenhum trecho da Lei Complementar n° 97, apesar de esse poder ser inerente às
operações nela definidas e atribuídas aos membros das Forças Armadas.
No entanto, ao assumir o comando de uma operação de GLO, a lei manda
que o chefe do órgão de segurança pública transfira o controle operacional ao
comandante militar federal com todos os poderes necessários para a consecução
das missões e tarefas. Aí está, de forma explícita, a delegação do “poder de polícia”.
O Supremo Tribunal Federal consagrou um princípio de hermenêutica
jurídica oriunda da Suprema Corte dos Estados Unidos conhecido como a Teoria
dos Poderes Implícitos, popularmente traduzido pelo ditado “quem pode o mais,
pode o menos” (MORAES e TRIGUEIRO, 2009).
12
De acordo com referida teoria, sempre que a lei atribui à Administração uma
determinada competência, defere, de forma implícita, todos os meios necessários à
sua efetivação. Do contrário, a missão se torna inexeqüível. No capítulo 3, que trata
do poder de polícia delegado aos membros das Forças Armadas em operações de
patrulhamento, voltaremos a tratar do tema.
Assentado o entendimento de que o emprego das Forças Armadas em
operações de garantia da lei e da ordem inclui não só a atuação episódica em ações
de segurança pública, mas também ações de prevenção e repressão aos crimes
transnacionais e ambientais, busca-se, no presente trabalho, disciplinar como,
quando e com que base legal o poder de polícia será exercido. Atenção especial
será dada às seguintes situações: patrulhamento das fronteiras terrestres, marítimas
e aéreas; inspeção de veículos terrestres, embarcações e aeronaves; abordagem e
interceptação de aeronaves, embarcações e veículos suspeitos de prática de ilícitos;
apreensão de bens e de instrumentos ou de produto de crime; buscas e revista de
pessoas; interdição de atividades; proibição de livre circulação de bens e de
pessoas; autuação em flagrante delito, prisões, dentre outras medidas urgentes e
acautelatórias.
Os conflitos de atribuição que ocorrem no teatro de operações de que
participam policiais federais, policiais civis, policiais militares e militares das Forças
Armadas dificultam o pleno sucesso de algumas operações e confundem a opinião
pública a respeito da missão constitucional das Forças Armadas.
Diante desse quadro, pergunta-se: qual é a natureza do poder de polícia
dos membros das Forças Armadas, emanado da Lei Complementar n° 97 e suas
recentes alterações? Poder Político, Poder de Estado, Poder Administrativo, Poder
Militar? De que modo o poder de polícia é exercido em ações repressivas,
preventivas e de patrulhamento das fronteiras?
A preocupação central do presente trabalho é tentar esclarecer tais dúvidas,
com abordagem especial para as atividades nas fronteiras terrestres do arco
amazônico, tomando-se como núcleo de estudo o município de São Gabriel da
Cachoeira.
A atenção especial com o patrulhamento e guarda das fronteiras do norte do
País se justifica pelos obstáculos naturais da floresta amazônica e pela ausência da
presença do Poder Público. O controle migratório, a fiscalização das fronteiras e o
combate aos crimes transnacionais são atribuições da Polícia Federal. No entanto,
13
em razão da vasta extensão territorial e de um quadro insuficiente de delegados e
agentes federais, esse policiamento não chega às localidades de fronteira do arco
amazônico, a não ser por meio de operações esporádicas e temporárias.
O objetivo primordial da autora, ao elaborar o presente trabalho é o
aprofundamento da matéria de modo a aplicar tais conhecimentos no exercício de
seu munus como membro do Ministério Público Militar.
Após esta introdução, será estudado, no decorrer do segundo capítulo, o
significado da palavra “poder”. O estudo prosseguirá com uma abordagem jurídico-
doutrinária das definições mais recorrentes de “poder de polícia”. Buscar-se-á
identificar as implicações do exercício do poder de polícia com a temática da
segurança e desenvolvimento nacional.
O terceiro capítulo fará uma breve exposição do repositório legal do poder
de polícia delegado aos membros das FFAA e seu uso como instrumento de
atuação na prevenção e repressão dos crimes transnacionais e ambientais.
O quarto capítulo enfatiza a atuação da Força Terrestre nas operações de
patrulhamento das fronteiras na região Norte do País. Busca-se definir os limites
dessa atuação subsidiária das Forças Armadas. Algumas considerações jurídicas
relacionadas ao poder de polícia em atividades militares exercidas de forma
subsidiária na garantia da lei e da ordem são deixadas para o final.
14
2 O PODER POLÍTICO: DA FILOSOFIA AO ESTADO DE DIREITO
2.1 O PODER POLÍTICO
O conceito de poder político evolui no tempo e se altera conforme o ramo da
ciência que pretende conceituá-lo.
O estudo da política, desde a antiga Grécia com Platão e Aristóteles, está
intrinsecamente ligado à busca de uma compreensão sobre a conduta do homem na
sociedade, com a identificação das normas de convivência e da ética vigente
(COMPARATO, 2006).
Um dos primeiros conceitos de poder político como um poder de Estado
pode ser haurido da obra de Nicolau Maquiavel, autor pioneiro na descrição de um
Estado Moderno governado por um príncipe que vê na “razão de estado” o critério
supremo da sua ação política e do exercício do poder. Maquiavel trouxe à tona um
conceito que pode parecer óbvio nos dias de hoje: o poder é o nervo central de toda ação de Estado. Com efeito, colhe-se de sua obra “O Príncipe” (MAQUIAVEL,
2010), publicada entre os anos de 1531 e 1532, a ideia de que o governante deve se
valer da força das armas para impor e manter o poder.
No capítulo XVIII de “O Príncipe”, Maquiavel (2010, p.107) expõe sua
concepção da ação política, in verbis: Enfim, nas ações de todos os homens, especialmente nas dos príncipes, quando não há juiz a quem apelar, o que vale é o resultado final. Então, que o príncipe faça por conquistar e manter o Estado: os meios serão sempre julgados honrosos e merecerão o elogio de todos, pois o vulgo é capturado por aquilo que parece e pelo evento da coisa, e no mundo não há senão o vulgo – os poucos não têm vez quando a maioria tem onde se apoiar.
Segue ensinando que o príncipe deve, sobretudo, fazer-se temido, de modo
que, se não conseguir ser amado, evite pelo menos o ódio, pois é perfeitamente
possível ser ao mesmo tempo temido e não odiado (MAQUIAVEL, 2010, p. 107). Daí
decorre que para Maquiavel não são as leis que legitimam o uso da força pelo
príncipe, mas o contrário: “Os principais fundamentos de todos os Estados (...) são
as boas leis e as boas armas; e, como não pode haver boas leis onde não houver
boas armas (...) onde há boas armas, convém que haja boas leis (...) (MAQUIAVEL,
2010, p.86).
15
Para Nicolau Maquiavel o príncipe, como autoridade máxima, goza do poder
para realizar qualquer ação, utilizar-se de quaisquer meios, até mesmo de métodos
não convencionais, antiéticos ou violentos, desde que necessários ao alcance dos
objetivos do Estado. Em um Estado absolutista, como os daquela época, as razões
de Estado se confundem com as razões do príncipe, que irão sempre respaldar a
manutenção do poder. Desse modo, ainda que não tenha sido escrita pelo autor em
comento a frase “os fins justificam os meios”, ela expressa o pensamento
maquiavélico, podendo traduzir, também, a ideia de que o abuso de poder é prática
recorrente nas disputas políticas. Basta seguir os noticiários para nos darmos conta
da atualidade conceitual contida na obra de Nicolau Maquiavel.
Décadas mais tarde, no fim do século XVI e início do século XVI, destacam-
se as idéias de Jean Bodin (1530-1596) e de Thomas Hobbes (1588-1679)
(COMPARATO, 2006). O entendimento de ambos sobre convivência em sociedade
é bastante diversa da de Maquiavel. Para esses autores “a felicidade humana na
vida social depende, fundamentalmente, da segurança e da paz, e a razão de ser da
ordem política consiste em garantir a preservação desse valores supremos.”
(COMPARATO, 2006, p. 185).
A grande contribuição de Bodin e Hobbes para a Ciência Política foi a
propalação da idéia de separação entre o mundo político e o mundo religioso, com a
clara submissão deste àquele. A teocracia dá lugar à autocracia como fundamento
da ordem social. Fortalece-se o absolutismo, onde todos os poderes de natureza
civil e religiosa se concentram no monarca. Hobbes afirma que a noção de justiça é
puramente convencional, fundada na do monarca. Bodin elabora o conceito de
soberania como o de um poder absoluto, indivisível e inalienável (COMPARATO,
2006).
O modelo proposto por Hobbes encobria, porém, um perigo: se todo poder
político se concentra na pessoa do monarca (soberano), os governados ficam
permanentemente sujeitos às crises de loucura ou tirania dos governantes.
John Locke, outro pensador inglês, contemporâneo de Hobbes, percebeu o
perigo. Para Locke é essencial preservar a esfera da vida privada contra as
intrusões do poder estatal. Segundo ele, todo indivíduo deve gozar de liberdades
individuais ligadas à natureza humana e independentes do arbítrio do soberano. A
construção de uma barreira formada por direitos e garantias seria a maneira mais
16
eficaz de limitar o poder estatal. Por suas idéias, John Locke é considerado o
preconizador dos estudos sobre os direitos humanos. (COMPARATO, 2006).
Com a evolução dos tempos chega-se a Max Weber, filósofo alemão do
século XIX, que estudou o poder político sob o ponto de vista sociológico. Na sua
análise sobre as relações de poder estabelecidas entre o Estado e os cidadãos,
Weber conclui que o poder político se manifesta como poder de dominação do
Estado, um poder coercitivo, fundado na força física e psíquica, legitimado por lei.
Ainda na visão weberiana, o Estado é a única fonte de “direito à violência” (WEBER,
apud MARSAL, 1974).
Enfim, para Max Weber, a origem e o fundamento do poder é a força. Sua
definição de poder não deixa dúvidas a esse respeito: “(...) a possibilidade de que
uma pessoa ou um número de pessoas realizem a sua própria vontade numa ação
comum, mesmo contra a resistência de outros que participam da ação” (WEBER,
2004, p. 16).
Em outros termos, poder, na visão weberiana, é a faculdade de forçar ou
coagir alguém a fazer algo contra a sua vontade, por causa da posição de
superioridade ou da força do coator.
Mais próximo de nossos tempos, o poder político foi conceituado na obra
“Dicionário de Política” de Norberto Bobbio, organizado juntamente com Manteucci e
Pasquino. Para esse jus filósofo italiano poder político é aquele capaz de produzir
efeitos necessários à sociedade, desejados ou consentidos por ela. O poder político
é consequência da vontade coletiva e se expressa conforme a organização da
coletividade. Como expressão institucionalizada dos interesses coletivos, o poder é
exercido pelo Estado na esfera jurídica, política e administrativa. Desse modo, o
poder político é responsável pela orientação de todas as outras formas de poder
estatal, devendo combinar a vontade e a capacidade da sociedade para atingir os
objetivos que a ela interessem, superando as dificuldades existentes. O verbete
“política”, do Dicionário de Política de Bobbio, define que o fim mínimo da Política é a
ordem pública nas relações internas e a defesa da integridade nacional nas relações
de um Estado com outros Estados (BOBBIO, MANTEUCCI e PASQUINO, 1995).
Percebe-se, na obra de Bobbio, um empenho permanente na discussão
sobre a defesa do regime democrático como requisito necessário ao exercício do
poder político. A defesa do modelo democrático foi tema recorrente em sua
produção literária que atravessou todo o século XX, inspirada pela busca de uma via
17
alternativa ao fascismo italiano, que glorificava a violência e o poder absoluto do
“Duce”. (BOBBIO, 2010).
Dentro das concepções de poder político apresentadas por Maquiavel,
Hobbes e Weber, em que o Estado é o detentor do monopólio legítimo do uso da
força, é importante observar que, em um Estado de Direito esse uso deve ser útil,
adequado, razoável e proporcional, sempre regido pelo espírito da prevalência do
interesse da sociedade, devendo ser essa uma característica básica da atuação do
poder político do Estado moderno.
Ao nosso aviso, os autores citados plantaram a semente de um dos
princípios mestres da administração pública, o “princípio da supremacia do interesse
público sobre o interesse privado”, propalado nas obras de autores nacionais como
as dos Professores José Afonso da Silva (SILVA, 2011) e Celso Antonio Bandeira de
Melo (MELO, 2010).
Com efeito, segundo José Afonso da Silva (SILVA, 2011, p.107):
O Estado, como grupo social máximo e total, tem também o seu poder, que é o poder político ou poder estatal. A sociedade estatal, chamada também sociedade civil, compreende uma multiplicidade de grupos sociais diferenciados e indivíduos, aos quais o poder político tem que coordenar e impor regras e limites em função dos fins globais que ao Estado cumpre realizar. Daí se vê que o poder político é superior a todos os outros poderes sociais, os quais reconhece, rege e domina, visando a ordenar as relações entre esses grupos e os indivíduos entre si e reciprocamente, de maneira a manter um mínimo de ordem e estimular um máximo de progresso à vista do bem comum. Essa superioridade do poder político caracteriza a soberania do Estado (...) que implica, a um tempo, independência em confronto com todos os poderes exteriores à sociedade estatal (soberania externa) e supremacia sobre todos os poderes sociais interiores à mesma sociedade estatal (soberania interna).
No pensamento da Escola Superior de Guerra o conceito que mais se
aproxima de poder político é aquele de poder nacional, conforme se lê no manual
básico: “Poder Nacional é a capacidade que tem o conjunto de Homens e Meios que
constituem a Nação para alcançar e manter os Objetivos Nacionais, em
conformidade com a Vontade Nacional” (Escola Superior de Guerra, 2009, v. 1, p.
31). Ainda, segundo o manual da ESG, o “Poder Nacional deve ser sempre
entendido como um todo, uno e indivisível. Entretanto, para compreender os
elementos estruturais anteriormente referidos, podemos estudá-lo segundo suas
manifestações, que se processam por intermédio de cinco Expressões, a saber:
18
Política, Econômica, Psicossocial, Militar e Científica e Tecnológica.” (Escola
Superior de Guerra, 2009, v. 1, p. 36).
Tem-se, assim, no conceito de poder nacional da ESG, a ideia de soberania
(poder uno e indivisível), sociedade (conjunto de Homens), instrumentos de poder
(conjunto de Meios) e lei constitucional (Objetivos Nacionais em conformidade com a
Vontade Nacional).
Se por um lado o Estado detém o monopólio da força (WEBER, 2004), por
outro, impõe deveres, garante direitos, distribui justiça e assegura o bem estar
(BOBBIO, 2010).
Com base nos estudos realizados até o momento permito-me traçar a
seguinte linha de raciocínio no tocante à origem e à natureza do poder, deixando ao
próximo tópico o estudo dos poderes de Estado:
● (FORÇA) PODER→ PODER POLÍTICO→ PODER NACIONAL→ PODER DE ESTADO
2.2 O PODER DE ESTADO
Efetivamente a ideia de separação dos poderes do Estado contra o
despotismo e a tirania, se encontra sugerida na obra “Política”, do grego Aristóteles
(PIÇARRO, 1989). Porém, a sistematização do primeiro modelo de Estado Liberal e
a elaboração de uma doutrina da separação dos poderes chegam aos nossos dias
por meio dos estudos do inglês John Locke (1632-1704) e do francês Charles de
Montesquieu (1689-1755). O inglês, pioneiro, escreveu o “Segundo tratado sobre o
governo civil”, e o francês, brindou-nos com o célebre “Do espírito das leis”.
Locke desenvolveu uma completa formulação do Estado Liberal, para o qual
elaborou a doutrina da separação dos poderes. Segundo o filósofo iluminista, pai do
empirismo, “para que a lei seja imparcialmente aplicada é necessário que não sejam
os mesmos homens que a fazem, a aplicá-la” (LOCKE, apud MALDONADO, sem
data). Em decorrência disso, é necessária a separação entre o poder legislativo e o
poder executivo. Ele concebe um terceiro poder, que apesar de distinto, não pode
ser separado do executivo, denominado de federativo, ao qual incumbiria “o
relacionamento com os estrangeiros, a administração da comunidade com outras
comunidades, compreendendo formação de alianças e decisões sobre a guerra e a
paz”. (LOCKE, apud MALDONADO, sem data) .
19
É, contudo, Montesquieu, o responsável pela inclusão expressa do poder de
julgar dentre os poderes fundamentais do Estado.
Montesquieu, inspirado em John Locke estudou as instituições políticas
inglesas e elaborou uma teoria que expôs no livro “O espírito das leis” (1748). Nessa
obra, procurou descobrir as relações que as leis possuem com a natureza e o
princípio de cada governo. Desenvolveu uma teoria de governo que busca distribuir
a autoridade com base na lei, de modo a evitar a violência e o abuso de poder por
parte de alguns.
A ideias liberais de John Locke (1632-1704) e de Charles de Montesquieu
(1689-1755) inspiraram a independência dos Estados Unidos da América e o
movimento constitucionalista inaugurado naquele país com a promulgação da
primeira Constituição Federal, em 1787. O constitucionalismo eclodiu no resto do
mundo ocidental a partir da Revolução Francesa (1789).
O modelo de tripartição de poderes adotado nos dias atuais é o seguinte:
o Poder Executivo - órgão responsável pela administração do território e concentrado nas mãos do monarca ou regente; o Poder Legislativo - órgão responsável pela elaboração das leis e representado pelas câmaras de parlamentares; o Poder Judiciário - órgão responsável pela fiscalização do cumprimento das leis e exercido por juízes e magistrados.
Segundo Montesquieu “só o poder limita o poder”. Essa célebre assertiva
inspirou o sistema de “freios e contrapesos” (“checks and balances”) compreendido
atualmente como um sistema democrático do exercício do poder.
O sistema de “balance” (contrapesos, equilíbrio) surgiu na Inglaterra, a partir
da ação da Câmara dos Lordes (nobreza e clero), que, na elaboração das leis,
busca o ponto de equilíbrio dos projetos de leis oriundos da Câmara dos Comuns
(originados do povo). Isso, “a fim de evitar que leis demagogas, ou formuladas pelo
impulso momentâneo de pressões populares, fossem aprovadas” (MONTESQUIEU,
apud MALDONADO, sem data). Montesquieu defendia explicitamente a necessidade
do bicameralismo para dotar o poder desse equilíbrio.
O sistema de “check” surgiu depois, quando o Juiz Marshal da Suprema
Corte dos Estados Unidos declarou seu voto no famoso caso Marbury x Madison,
julgado em 1803. O Caso Marbury x Madison foi considerado como principal
referência para o controle de constitucionalidade difuso das leis exercido pelo Poder
20
Judiciário. Em seu voto, o Juiz Marschal firmou o entendimento de que o Poder
Judiciário tinha a missão constitucional de declarar a inconstitucionalidade e,
portanto, tornar nulos atos do Congresso quando, a seu exclusivo juízo, tais leis não
guardassem harmonia com a Carta Política. O Poder Judiciário passou, desde
então, a ter legitimidade para controlar o abuso do poder dos outros ramos
(PRITCHETT, 1978)
Assim, da racionalização de Montesquieu e do pragmatismo norte-
americano, exsurge o que, como dito, é o principal elemento caracterizador do
princípio da separação dos poderes no Direito Contemporâneo, o sistema de freios e
contrapesos (“checks and balances”) (MALDONADO, sem data).
As constituições republicanas brasileiras adotaram o sistema de tripartição
dos poderes e de freios e contrapesos, como se lê do atual texto do artigo 2° da
Constituição Federal de 1988: “São poderes da união, independentes e harmônicos
entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
No Brasil, vive-se em um Estado Democrático de Direito onde o povo
organizado politicamente elege seus representantes e a eles delega o poder político
necessário a conduzir os destinos da nação e de seus cidadãos. Esse poder político
é soberano e pertence ao povo, daí se falar em soberania popular. O poder político
uno, indivisível e inalienável transmuda-se em poder de Estado ao ser delegado pelo
povo ao conjunto de pessoas eleitas para governar, legislar e zelar pela aplicação
das leis do País. A fim de melhor atingir os objetivos de Estado, esse poder
desmembra-se nos poderes executivo, legislativo e judiciário, organizados e
estruturados mediante a criação de mecanismos de controles recíprocos que
garantem a perpetuidade do Estado Democrático de Direito.
É a Constituição Federal, Lei Maior de uma Nação, que trata da
organização política do Estado Brasileiro, distribui funções e competências
legislativas, judiciárias e executivas.
Em apertada síntese, o Poder Legislativo, representado pelo Congresso
Nacional, tem por função legislar, ou seja, traduzir por meio de leis o sentimento
social. É a vox populi. Igualmente fiscaliza as contas e a lisura dos contratos
administrativos firmados com o governo, por meio da atuação do Tribunal de Contas
da União. Como função secundária, incumbe a seus membros elaborar seus
próprios atos normativos, administrar os trabalhos do Congresso Nacional e
fiscalizar a atuação de seus parlamentares. Cabe exclusivamente ao Congresso
21
Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo e do Poder Judiciário que,
no desempenho de suas funções normativas exorbitem dos poderes que lhe foram
delegados.
O Poder Judiciário tem a função precípua de exercer o controle jurisdicional
da boa aplicação da lei. Como função secundária, produz atos normativos para a
condução dos trabalhos interna corporis e os administra. O Supremo Tribunal
Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro. Sua função principal é o
de “guardião da Constituição”. A excelsa Corte é o órgão competente para apreciar
qualquer matéria relativa ao cumprimento das normas constitucionais. “Nesse
sentido, o poder judiciário não é poder governamental, não administra, mas evita o
desgoverno. E a pior forma de desgoverno é o descumprimento da Constituição”
(BRITTO, 2011).
O Poder Executivo governa o País e administra os interesses públicos,
sempre de acordo com o ordenamento jurídico vigente, sob pena de o ato
administrativo ser considerado nulo. Esta predeterminação se expressa, no plano
jurídico, pelo princípio constitucional da legalidade: “ninguém será obrigado a fazer
ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Se ao Poder Legislativo
cabe a elaboração das leis, ao Poder Executivo é reservada importante parcela de
participação nesse processo, quer pela iniciativa das leis, quer pela sanção e veto.
Em última análise, o Poder Executivo exerce o seu papel de administrador
dos interesses públicos com fundamento nos poderes regulamentar, normativo,
hierárquico e “de polícia”. Este último é o que interessa ao nosso estudo.
2.3 O PODER DE POLÍCIA
A mais conhecida conceituação legal de poder de polícia está no Código
Tributário Nacional, em seu artigo 78, que assim dispõe:
Considera-se poder de polícia a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
22
Importa salientar que o parágrafo único do artigo 78 só considera regular o
exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente, nos
limites da lei e com observância do devido processo legal. É, portanto, a lei que
define as condutas a serem fiscalizadas e respectivas sanções, que podem ser de
natureza civil ou penal.
Releva dizer que a atividade e os atos da Administração Pública são
revestidos de coercibilidade, de força executória e de presunção de legalidade.
Apesar de claro, esse conceito legal de poder de polícia encontrado no
Código Tributário Nacional não é completo, pois se refere tão somente à atividade
de polícia administrativa, cujo descumprimento pode resultar em sanções cíveis e
administrativas. Por óbvio, não é esse o poder de polícia objeto do presente estudo.
Vamos além.
Conforme explanado nos itens anteriores, a palavra “poder” pressupõe a
capacidade ou a possibilidade de agir, de produzir efeitos. Uma síntese de tudo que
foi até aqui estudado poderia resultar no seguinte conceito: “poder é a capacidade
de exercer autoridade pelo simples uso da força ou pela habilidade de uma vontade
superior com capacidade de impor respeito e obediência”.
Para aprofundarmos ainda mais o sentido da expressão poder de polícia
parece-nos relevante pesquisar, também, o significado etimológico da palavra
“polícia”.
José Cretella Júnior, jurista e professor de direito administrativo da
Universidade de São Paulo, dá a seguinte definição (CRETELLA , 2005): A palavra portuguesa polícia, representada nas várias línguas românicas e anglo-germânicas, origina-se do grego politeia, através da forma latina politia, aliás, de raro emprego Ligada, etimologicamente, ao vocábulo política, pois ambas vêm do grego polis (cidade, Estado), indicou entre os helênicos, a constituição do Estado, a boa constituição, o bom ordenamento.
O vocábulo “polícia” designa a boa ordem da sociedade civil, o cuidado com
a coisa pública, a proteção ao patrimônio público.
A polícia é, pois, uma vertente do Estado, da polis. Pode-se dizer que a
polícia é a longa manus do Estado, responsável pela ordem social, a incolumidade
da coisa pública e das pessoas. Em um Estado Democrático de Direito o poder de
polícia é um poder-dever, positivado na Constituição e regulamentado nas leis
infraconstitucionais. Há, então, necessidade de que a lei defina as condutas que
23
deverão ser fiscalizadas pelo Estado, observado o princípio constitucional da
legalidade (artigo 5°, inciso II, da CF/88).
O poder de polícia se traduz com a atividade estatal de condicionar a
liberdade do cidadão, ou a tomada de medidas por parte do Estado que limitam e
restringem a esfera juridicamente tutelada da liberdade do cidadão (MELO, 2010). O
principal instrumento de que o Estado dispõe para exercer o poder de polícia sobre o
cidadão é a lei, que impõe limites a esse poder.
De acordo com Celso Antonio Bandeira de Melo, a razão do poder de
polícia é o interesse público e o seu fundamento está no já mencionado princípio da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
Bandeira de Melo define interesse público como o interesse resultante do
conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados
em sua qualidade de membros da sociedade. Os interesses privados não devem
prevalecer sobre o interesse público. A indisponibilidade indica a impossibilidade de
sacrifício ou transigência quanto ao interesse público, como decorrência da
supremacia do poder público. Ou seja, em se tratando de administração pública,
sempre que houver conflito entre um interesse individual e um interesse coletivo,
deverá prevalecer aquele coletivo (MELO, 2010).
Essa supremacia é exercida pelo Estado em todo o território nacional,
sobre todas as pessoas, nacionais e não nacionais, bens e atividades, e se revela
nas normas de ordem pública.
Assim, o sujeito passivo sobre o qual se exerce o poder de polícia é toda
pessoa, bem, direito ou atividade individual que possa afetar ou por em risco a
segurança da coletividade. Interessa ao Estado manter a ordem e o bem-estar. Com
esse propósito, os representantes dos poderes públicos podem condicionar o
exercício de direitos individuais. Podem delimitar a execução de atividades e o uso
de bens que afetem a coletividade, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida. A
ordem jurídica propõe que toda conduta, individual ou coletiva, possa ser limitada
pelo poder de polícia preventivo ou repressivo. Do mesmo modo, autarquias,
fundações, agências reguladoras, concessionárias de serviço público, empresas
públicas e privadas têm suas atividades limitadas pelo poder de polícia estatal.
Postula o grande administrativista Hely Lopes Meireles (1975, p. 6), ex-
estagiário da Escola Superior de Guerra:
24
A polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, ao passo que as outras atuam sobre as pessoas, individualmente ou indiscriminadamente. A polícia administrativa é inerente e se difunde por toda a administração pública, enquanto as demais são privativas de determinados órgãos (Polícias Civis) ou corporações (Polícias Militares).
Depreende-se que o poder de polícia administrativo é exercido para
evitar que o comportamento individual dos cidadãos cause prejuízo a terceiros ou ao
Estado. Esse poder é utilizado por diversos órgãos da administração pública de
natureza civil ou militar. Por exemplo, a ANVISA exerce o poder de polícia sanitária,
a ANAC, o poder de polícia da aviação civil, a Prefeitura de um município exerce o
poder de polícia de diversões públicas e posturas urbanas, o Exército Brasileiro tem
o poder de polícia para dar cumprimento à lei do serviço militar e controlar o uso e
porte de armas no País, decorrente do SIGMA - Sistema de Gerenciamento Militar
de Armas.
O poder de polícia exercido pelos órgãos de segurança pública (polícias
civis, polícias militares e bombeiros) tem caráter administrativo, como também o
objetivo de prover a segurança pública, por meio da manutenção da ordem pública.
Para José Afonso da Silva, o termo “segurança pública” é sinônimo de
“manutenção da ordem pública interna”. Segundo esse autor “garantir a ordem
pública (...) autoriza o exercício regular do poder de polícia. Ordem pública será
uma situação de pacífica convivência social, isenta de ameaça de violência ou de
sublevação que tenha produzido ou possa produzir, a curto prazo, a prática de
crimes” (SILVA, 2011, p. 778). Ele distingue a atividade de polícia em
“administrativa” e de “segurança”, esta última compreendendo a polícia ostensiva e a
polícia judiciária. José Afonso da Silva (2011, p. 780) leciona, ad litteram: A polícia administrativa tem ‘por objeto as limitações impostas a bens jurídicos individuais’ (liberdade e propriedade). A polícia de segurança que, em sentido estrito é a polícia ostensiva tem por objetivo a preservação da ordem pública e, pois, ‘as medidas preventivas que em sua prudência julga necessárias para evitar o dano ou o perigo para as pessoas’. Mas, apesar de toda vigilância, não é possível evitar o crime, sendo pois necessária a existência de um sistema que apure os fatos delituosos e cuide da perseguição de seus agentes. Esse sistema envolve as atividades de investigação, de apuração das infrações penais, a indicação de sua autoria, assim como o processo judicial pertinente à punição do agente. É aí que entra a polícia judiciária, que tem por objetivo precisamente aquelas atividades de investigação, de apuração das infrações penais e de indicação de sua autoria, a fim de fornecer os elementos necessários ao Ministério Público em sua função repressiva das condutas criminosas, por via de ação penal pública.
25
Interessa ao nosso estudo o poder de polícia de segurança, por ser este o
poder delegado aos membros das Forças Armadas no desempenho da garantia da lei e da ordem e demais atribuições subsidiárias particulares, como o combate a
crimes transfronteiriços.
Dito isso, avançamos um pouco mais no estudo da natureza do poder de
polícia dos membros das Forças Armadas nas operações de patrulhamento das
fronteiras terrestres, aéreas e marítimas, como se depreende do esquema a seguir:
● (FORÇA) PODER → PODER POLÍTICO → PODER NACIONAL →
→ PODER DE ESTADO → PODER EXECUTIVO → PODER DE POLÍCIA.
→ ADMINISTRATIVO
● PODER DE POLÍCIA
→ DE SEGURANÇA → OSTENSIVO
→ JUDICIÁRIO
2.4 O PODER DE POLÍCIA COMO FATOR DE SEGURANÇA E
DESENVOLVIMENTO
O desenvolvimento de um país pode ser definido como um processo de
permanente aperfeiçoamento do homem e da sociedade em que está inserido. Ele é
medido pela capacidade que o poder público tem de gerar bem-estar a seus
cidadãos. O desenvolvimento de uma nação é um processo que abrange todos os
níveis de expressão do poder nacional: político, psicossocial, econômico, científico-
tecnológico e militar (Escola Superior de Guerra, v. 1, p.53-54).
Ninguém tem dúvidas de que, para que o Brasil possa desenvolver todas as
suas potencialidades é necessário garantir a segurança interna e externa. No mundo
globalizado, em que a internet, o satélite, o celular e demais linhas de comunicação
ultrarrápidas superam todas as fronteiras comerciais e mercadológicas, em que o
fluxo de capitais e serviços entre os países é incessante, em que a criminalidade não
é só real, mas também virtual, com a necessidade do enfrentamento de delinquentes
cibernéticos, não é suficiente determinar políticas e traçar estratégias de
desenvolvimento. É também essencial a existência de um forte sistema de segurança e defesa, que garanta a manutenção da ordem e fomente o progresso
26
das populações de todo seu território. “Quanto maior a casa, mais florido o jardim,
mais produtivo o pomar, tanto mais altos deverão ser os muros” (NARDI, 2011).
A segurança de um País, em sentido lato, demanda políticas de segurança
pública e de defesa nacional.
Em sentido estrito, a segurança pública (segurança interna) deve ser
proporcionada e exercida pelo Estado por meio de órgãos especializados, conforme
estabelecido no artigo 144 da Constituição Federal. O mesmo artigo preconiza em
seu caput que: “a segurança é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”.
É preciso, portanto, que a questão da segurança seja discutida e assumida como
tarefa e responsabilidade permanente de todos, Estado e população. Não é por
outro motivo que o constituinte determinou que as polícias militares e os corpos de
bombeiros militares são forças auxiliares e reserva do Exército (§ 6º do artigo 144).
Por outro lado, faz parte da destinação constitucional das Forças Armadas a
garantia da lei e da ordem, com os desdobramentos previstos na lei complementar
de regência. Trata-se, como já foi dito, do provimento de segurança interna, seja em
operações não vinculadas à garantia dos poderes constitucionais, como o combate à
criminalidade urbana e à criminalidade transfronteiriça, seja em operações que
ocorram no bojo das missões de garantia dos poderes constitucionais, aí
consideradas as de segurança de chefes de Estado e segurança do processo
eleitoral.
O Decreto Presidencial n.º 5.484/2005, que aprovou a Política de Defesa
Nacional (PDN) conceitua segurança e defesa como segue: Para efeito da Política de Defesa Nacional, são adotados os seguintes conceitos: I – Segurança é a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais; II – Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas.
A Estratégia de Defesa Nacional, promulgada por meio do Decreto
Presidencial n° 6.703/2008 é resultado de um trabalho que tem a sociedade como
destinatária. Preconiza o emprego dos recursos nacionais para que sejam
alcançados os objetivos da Política de Defesa Nacional. O Plano de Defesa Nacional
é inseparável de qualquer estratégia nacional de desenvolvimento, sendo este o
27
motivo de ser do Plano de Defesa, pois somente com um efetivo sistema de
segurança interno e externo o Brasil terá capacidade de impor a vontade nacional e
resguardar sua independência e soberania.
Em tempos de paz, os órgãos de segurança pública e as Forças Armadas
não raro têm trabalhado conjuntamente em ações de repressão à criminalidade
organizada, de repressão ao tráfico ilegal de armas, drogas, mercadorias e pessoas.
Combater o narcotráfico internacional não é tarefa fácil para os órgãos de
segurança pública. Por isso buscam o suporte das Forças Armadas sempre que
esgotada sua capacidade, nos termos dos §§ 2° e 3° do artigo 15 da LC n° 97/99:
§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal. § 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.
Nesse contexto e ante a evidente insuficiência dos órgãos de segurança
pública, o emprego das Forças Armadas é necessário no combate ao tráfico
internacional de drogas, contrabando de armas e crimes ambientais, especialmente
nas faixas de fronteira, áreas em que se verifica a inexistência total dos instrumentos
destinados à preservação da ordem pública como a Polícia Federal e Polícias
Militares dos Estados.
Forças Armadas preparadas e conscientes da responsabilidade do exercício
do poder de polícia para o enfrentamento da criminalidade é um indispensável e
imprescindível fator de segurança e desenvolvimento para o País. Considerando que
a única presença do Estado em algumas localidades de fronteira do País se faz por
via do Exército, apoiado pela Marinha e pela Aeronáutica, tem-se que seus homens
devam estar investidos da capacidade de exercer poder e autoridade
adequadamente. Esse preparo só se alcança com instrução e treinamento
específicos para ações de garantia da lei e da ordem, diversos do adestramento
para ações de defesa e combate, uma vez que aquelas envolvem normalmente o
trato direto com a sociedade civil.
28
3 O PODER DE POLÍCIA DAS FORÇAS ARMADAS NA GARANTIA DA LEI E DA ORDEM
3.1 BASE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL: A TEORIA DOS PODERES
IMPLÍCITOS
A teoria dos poderes implícitos constitui um verdadeiro postulado de
hermenêutica, eficaz e eficiente instrumento de interpretação para aplicação da
técnica lógico-racional de interpretação das leis. Essa teoria surgiu no mundo
jurídico a partir dos célebres julgamentos dos casos MacCulloch vs. Maryland e
Myers vs. Estados Unidos, realizados pela Suprema Corte norte-americana, na
primeira metade do século XIX (MORAES e TRIGUEIRO, 2009).
No âmbito da doutrina nacional, especificamente no campo do Direito
Constitucional, tal teoria tem sido largamente utilizada como técnica de
hermenêutica, destacando-se a máxima dela decorrente: "quem pode o mais, pode o
menos".
Sobre o tema, destacam Alexandre de Moraes e Oswaldo Trigueiro (2009, p.
605): Incorporou-se em nosso ordenamento jurídico, portanto, a pacífica doutrina constitucional norte-americana sobre a teoria dos poderes implícitos - inherent powers -, pela qual no exercício de sua missão constitucional enumerada, o órgão executivo deveria dispor de todas as funções necessárias, ainda que implícitas, desde que não expressamente limitadas (Myers v. Estados Unidos US - 272 - 52, 118), consagrando-se, dessa forma, e entre nós aplicável ao Ministério Público, o reconhecimento de competências genéricas implícitas que possibilitem o exercício de sua missão constitucional, apenas sujeitas às proibições e limites estruturais da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal se posicionou pela aplicabilidade da teoria dos
poderes implícitos no ordenamento jurídico nacional, conforme se depreende de
trecho de um de seus arestos: Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos "poderes implícitos", segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios.” (HC 91.661-PE, 03/04/2009, Relatora a Ministra Ellen Gracie).
No entendimento do Supremo, a competência outorgada expressamente a
determinado órgão estatal importa em disponibilização implícita, a esse mesmo
órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos.
29
Com efeito, a teoria dos poderes implícitos vem sendo reiteradamente
aplicada pelo Supremo Tribunal Federal para afirmar o poder de investigação do
Ministério Público, haja vista ser o Ministério Público o titular da ação penal e do
controle externo da atividade policial (quem pode o mais, pode o menos).
Referida teoria muito bem se coaduna com a questão do poder de polícia
das Forças Armadas em operações de GLO, eis que garantir a lei e a ordem é
missão (competência) outorgada pela Constituição Federal. Na realidade, o exercício
do poder de polícia pela autoridade militar nas operações de garantia da lei e da
ordem destina-se a garantir a própria utilidade do dispositivo constitucional e a
respaldar as decisões por ele tomadas, de modo a impedir o comprometimento da
missão e a frustração do resultado.
Nessa perspectiva, a outorga de uma missão a qualquer dos poderes
constitucionais ou instituições oficialmente a serviço desses poderes deve ser
interpretada mediante a presunção de que, às autoridades públicas que as
representam, foram, simultânea e implicitamente, conferidos amplos poderes para a
sua plena concretização.
3.2 FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL
● A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1891 assim previu: Art. 14 - As forças de terra e mar são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à manutenção das leis no interior.
Assim também restou estatuído nas constituições subsequentes (com
exceção da Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas) como segue:
● Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934: Art. 162 - As forças armadas são instituições nacionais permanentes, e, dentro da lei, essencialmente obedientes aos seus superiores hierárquicos. Destinam-se a defender a Pátria e garantir os Poderes constitucionais, e, ordem e a lei.
● Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946: Art. 177 - Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.
● Constituição da República Federativa do Brasil de 1967: Art. 92 (...) § 1º - Destinam-se as forças armadas a defender a Pátria e a garantir os Poderes constituídos, a lei e a ordem.
.
30
● Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, com a emenda
constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969: Art. 91 - As Forças Armadas, (...) destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constituídos, da lei e da ordem.
● Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: Art. 142. As Forças Armadas, (...) destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. § 1º - Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.
A Lei Complementar em vigor, que estabeleceu as normas gerais de
organização, preparo e emprego das Forças Armadas na Segurança e Defesa
Nacional é a LC n° 97, de 9 de junho de 1999, modificada pelas Leis
Complementares n° 117/2004 e n° 136/2010. Dispõe citada lei complementar, no
que diz respeito ao emprego, in verbis: Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação: I - ao Comandante Supremo, por intermédio do Ministro de Estado da Defesa, no caso de Comandos conjuntos, compostos por meios adjudicados pelas Forças Armadas e, quando necessário, por outros órgãos; (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010). II - diretamente ao Ministro de Estado da Defesa, para fim de adestramento, em operações conjuntas, ou por ocasião da participação brasileira em operações de paz; (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010). III - diretamente ao respectivo Comandante da Força, respeitada a direção superior do Ministro de Estado da Defesa, no caso de emprego isolado de meios de uma única Força.
A modificação da Lei Complementar n° 97 pela Lei Complementar
n°136/2010, trouxe nova estrutura para o Ministério da Defesa, tendo criado o
Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, o que implicou em transformações na
estrutura da Defesa Nacional.
A primeira parte do artigo 15 da LC n° 97/99 repete o texto do artigo 142 da
Constituição Federal. Verifica-se que, afora a ordem sequencial do texto, nem a
Constituição Federal nem a lei infraconstitucional classifica o emprego das Forças
Armadas na defesa da Pátria como de primeira grandeza em relação à missão de
garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem.
31
Mesmo porque, a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem é
missão que se confunde com a própria defesa do Estado Democrático de Direito e
da soberania nacional, manifestado pelo livre exercício dos três poderes e da
cidadania.
No entanto, no seio dos comandos militares, a defesa da Pátria ainda é
considerada pelo oficialato mais antigo a missão precípua das Forças Armadas,
enquanto a garantia da lei e da ordem representa destinação secundário por ser
pontual e episódica.
A defesa da pátria é exercida por meio de atividades de caráter dissuasório
e de ações dea combate, ante ameaças ou agressões estrangeiras, com o objetivo
de preservar a integridade territorial, a soberania nacional e a independência do
País.
O artigo 144 da Constituição Federal atribui aos órgãos de segurança
pública a missão de preservação da ordem pública, o que parece se chocar com a
parte final do artigo 142. Por não existir conflito entre normas constitucionais não se
pode apontar antinomia. Às Forças Armadas cabe a garantia da lei e da ordem e
às forças de segurança pública cabe a preservação da ordem pública, atribuições
entendidas como concorrentes, ambas reguladas em lei.
A segunda parte do artigo 15 da LC n° 97/99 dispõe que a declaração de
guerra para a defesa territorial, as ações para a manutenção de quaisquer dos
poderes constitucionais e o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da
ordem são decisões do Presidente da República, comandante supremo das Forças
Armadas, com a intermediação do Ministro da Defesa.
As operações de GLO com a atuação de comandos conjuntos, compostos
por meios adjudicados pelas Forças Armadas e, quando necessário, por outros
órgãos, conforme descreve o inciso I do artigo 15, estão regulamentadas com
maiores detalhes no Decreto n° 3.897, de 24 de agosto de 2001.
As ações de adestramento da Marinha, Exército e Aeronáutica em
operações conjuntas, ou a participação em operações de paz, sob a égide das
Nações Unidas, são subordinadas ao Ministro da Defesa, após autorização do
Presidente da República (artigo 15, II).
No que concerne ao emprego isolado de uma das Forças Singulares, a
subordinação é direta ao comandante da força que estiver presente na localidade
desguarnecida de proteção das forças de segurança pública (art. 15, III).
32
O artigo 16-A, introduzido pela LC 136/2010 credita às Forças Armadas
atribuições subsidiárias típicas da Polícia Federal e da Polícia Militar. O motivo
dessa delegação é o preenchimento de um vácuo do poder público por conta da
indisponibilidade ou inexistência de órgãos de segurança pública atuantes nas faixas
de fronteira, mares, rios e espaço aéreo.
Essa atribuição subsidiária já vinha sendo desempenhada, de certa forma,
pela Marinha, Exército e Aeronáutica por meio de patrulhamento marítimo, terrestre
e aéreo. A nova lei veio a galope dos fatos. A legislação existente sobre a matéria, é
a seguinte.
3.2.1 Patrulha Naval - legislação específica para a Marinha do Brasil
A mesma Lei Complementar n° 97/99, segue determinando as seguintes
atribuições subsidiárias particulares à Marinha do Brasil:
Art. 17. Cabe à Marinha, como atribuições subsidiárias particulares: I - orientar e controlar a Marinha Mercante e suas atividades correlatas, no que interessa à defesa nacional; II - prover a segurança da navegação aquaviária; III - contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao mar; IV - implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas. V – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Marinha o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como "Autoridade Marítima", para esse fim.
Segundo dados do IBGE a costa brasileira se estende pelo Oceano
Atlântico, cobrindo 7.367 Km.
À Marinha do Brasil foram atribuídas imensas responsabilidades na guarda
de toda a costa brasileira e águas interiores. Além de possuir o poder-dever de
orientar e controlar a Marinha Mercante, prover a segurança da navegação
aquaviária, implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos no mar e
nas águas interiores, incumbe também à Marinha, a tarefa de “cooperar com os
33
órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de áreas portuárias”
Para bem desincumbir-se de tão variadas e importantes tarefas, o
Comando de Operações Navais instituiu, desde 1955, de acordo com a Lei n° 2.419/1955, o “Serviço de Patrulha Costeira” (PATCOS), regulamentado
posteriormente pelo Decreto n° 64.063/1969. Essa era a legislação em vigor até a
edição da Lei Complementar n° 97/99. A partir de então, novas comissões de
legislação foram formadas para a elaboração de um novo Decreto regulamentador
da atividade marítima, surgindo o Decreto n° 5.129/2004, passou a denominar
aquele serviço como “Patrulha Naval” (PATNAV).
É relevante destacar que a Marinha do Brasil foi pioneira em tomar a si a
responsabilidade da patrulha preventiva e repressiva, com todos os poderes
inerentes a essa missão constitucional e legal, investindo seus comandantes do
poder de polícia, entendido como um poder essencial ao cumprimento da Patrulha
Naval. Nesse sentido, destaco trecho da Carta de Instrução PATNAV/Comando de
Operações Navais n° 003/09, ad litteram:
A PATNAV e o Poder de Polícia: À PATNAV é reconhecido o necessário poder de polícia administrativa para cumprir as atribuições subsidiárias determinadas pela Lei Complementar em referência. Não se pode admitir a existência de um poder para “implementar e fiscalizar o cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se fizer necessária, em razão de competências específicas” (Art. 17, inciso IV), sem a contrapartida da tácita autorização para adotar providências, que o resultado da fiscalização indicar. Esse entendimento é corroborado pelo documento em referência l, no qual a Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando da Marinha (CJACM) manifestou-se favoravelmente a que o navio em PATNAV poderá “exercer e desenvolver atividades executoras da lei, as quais se caracterizam como poder de polícia administrativa e se concretizam na coibição de condutas ilícitas que digam respeito à ocorrência de direitos que possam vir a ocorrer em águas jurisdicionais brasileiras e em alto-mar.” (Grifo nosso). Assim, o navio em PATNAV poderá, entre outras ações adequadas, apresar embarcações nacionais e estrangeiras que infrinjam as leis brasileiras, como explicitado no art. 2o do decreto em referência d, exceto os navios de guerra e de Estado estrangeiros engajados em atividades não autorizadas nas AJB, para os quais serão disseminadas, na ocasião, orientações complementares pelos comandos superiores. É importante ressaltar que os navios de guerra e de Estado estrangeiros quando engajados em atividades comerciais perdem as prerrogativas acima, asseguradas pelo Direito Internacional. O poder de polícia atribuído aos executores da PATNAV tem o propósito de prevenir e reprimir os delitos e infrações que possam ocorrer nas Águas
34
Jurisdicionais Brasileiras (AJB) e na PC. O material ou o pessoal envolvido deverá ser remetido às autoridades competentes quando as ações subsequentes ultrapassarem o limite da atribuição da polícia administrativa.
3.2.2 Patrulha Terrestre - legislação específica para o Exército Brasileiro
Com relação ao Exército Brasileiro, a lei dispõe sobre suas novas
atribuições subsidiárias, como segue:
Art. 16-A. Cabe às Forças Armadas, além de outras ações pertinentes, também como atribuições subsidiárias, preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de: (Incluído pela Lei Complementar nº 136, de 2010). I - patrulhamento; (Incluído pela Lei Complementar nº 136, de 2010). II - revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e (Incluído pela Lei Complementar nº 136, de 2010). III - prisões em flagrante delito. (Incluído pela Lei Complementar nº 136, de 2010). ..........................................................................................................................
Art. 17A. Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares: (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) I – contribuir para a formulação e condução de políticas nacionais que digam respeito ao Poder Militar Terrestre; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) II – cooperar com órgãos públicos federais, estaduais e municipais e, excepcionalmente, com empresas privadas, na execução de obras e serviços de engenharia, sendo os recursos advindos do órgão solicitante; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) III – cooperar com órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) a) patrulhamento; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) c) prisões em flagrante delito. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004).
A primeira modificação foi a do artigo 17 A, efetuada em 2004, por meio da
LC n° 117/2004. O dispositivo legal dispôs sobre tarefa exercida pelo Exército nas
faixas de fronteiras em cooperação com outros órgãos federais. A partir de 2004, o
poder de polícia foi expressamente autorizado para a execução de ações de polícia
35
ostensiva na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional. A
inovação trazida pela LC n° 136/2010 foi a permissão para atuar isoladamente, na
prevenção e repressão aos delitos transfronteiriços e ambientais nas faixas de
fronteira, conforme artigo 16 A.
Em suma, a LC n° 136/2010 reescreveu, no artigo 16 A, o dispositivo legal
do artigo 17 A, inciso III, introduzido pela LC n° 117/2004, com ampliação das
atribuições do Exército nas faixas de fronteira. Ao nosso aviso, o confuso “remendo”
dificulta a própria compreensão da lei. Atualmente, o Ministério da Defesa está
estudando a elaboração de legislação que regulamente essas novas atribuições1,
uma vez que o Decreto n° 3.897, de 24 de agosto de 2001, que regulamenta o
emprego das Forças Armadas em operações da lei e da ordem, está desatualizado
frente às novas atribuições particulares.
A extensão da faixa de fronteira está descrita no § 2° do art. 20 da
Constituição Federal: "A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao
longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada
fundamental para defesa do território nacional e sua ocupação e utilização serão
reguladas em lei".
A Portaria Nº 061, de 16 de fevereiro de 2005, do Comandante do Exército,
traz um rol não exaustivo de delitos transfronteiriços e ambientais.
● Delitos transfronteiriços: - A entrada (e/ou tentativa de saída) ilegal no território nacional de armas,
munições, explosivos e demais produtos afins;
- O tráfico ilícito de entorpecentes e/ou de substâncias que determinem
dependência física ou psíquica, ou matéria-prima destinada à sua
preparação;
- O contrabando e o descaminho (Código Penal Brasileiro, art. 334);
- O tráfico de plantas e de animais, na forma da Lei de Crimes Ambientais
(L. 9.605/98), do Código Florestal (L. 4.771/65) e do Código de Proteção à
Fauna (L. 5.197/67);
1 Anexo A: Resposta à pergunta 12 da entrevista em forma de questionário feita ao Tenente SOUZA SANTOS, assistente jurídico da 2ª Brigada de Infantaria de Selva de São Gabriel da Cachoeira (Amazonas).
36
- A entrada (e/ou tentativa de saída) no território nacional de vetores em
desacordo com as normas de vigilância epidemiológica.
● Delitos ambientais: - A prática de atos lesivos ao meio ambiente, assim definido pela Lei de
Crimes Ambientais (L. 9.605/98);
- A exploração predatória ou ilegal de recursos naturais; e
- A prática de atos lesivos à diversidade e à integridade do patrimônio
genético do País, assim definido na Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de
Agosto de 2001.
Outros decretos e portarias compõem a legislação atinente à matéria como
os Decretos n° 4.411 e 4.412, de 07 de outubro de 2002, com as modificações
introduzidas pelo Decreto 6.513, de 22 de julho de 2008 que dispõem sobre a
atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal em terras indígenas e dão outras
providências.
Convém frisar que essas ações poderão ocorrer de modo isolado ou em
conjunto. No entanto, segundo própria recomendação do Comandante do Exército, e
considerada premissa básica (Port Nº 061/2005, Cmt EB), deverão ser realizadas
dentro de um contexto de segurança integrada, compreendendo o contato com as
demais Forças Armadas, os órgãos de Segurança Pública (OSP), o Ministério
Público (MP) e órgãos do Poder Judiciário, dos Ministérios da Justiça e do Meio
Ambiente, dentre outros afins, sempre que pertinente e possível.
A LC n° 136/2010 ampliou a atuação das Forças Armadas na faixa de
fronteira, vez que, ao relacionar as ações executáveis para o cumprimento dessa
missão subsidiária particular (patrulhamento, revistas e prisão em flagrante), utilizou
a expressão “dentre outras”. Desse modo, abriu a possibilidade para que outras
ações de prevenção e repressão sejam autorizadas ou simplesmente executadas,
desde que não firam o ordenamento jurídico em vigor. Essas ações serão abordadas
adiante.
3.2.3 Patrulha Aérea - legislação específica para a Força Aérea Brasileira
No que toca a Força Aérea Brasileira, grandes e positivas atualizações
foram introduzidas pela nova Lei de Defesa, em especial quanto ao poder de
patrulhamento do espaço aéreo brasileiro, atividade abrangida pela missão contínua
37
e permanente da Aeronáutica de defesa e controle do espaço aéreo brasileiro, a
conferir: Art. 18. Cabe à Aeronáutica, como atribuições subsidiárias particulares: I - orientar, coordenar e controlar as atividades de Aviação Civil; II - prover a segurança da navegação aérea; III - contribuir para a formulação e condução da Política Aeroespacial Nacional; IV - estabelecer, equipar e operar, diretamente ou mediante concessão, a infra-estrutura aeroespacial, aeronáutica e aeroportuária; V - operar o Correio Aéreo Nacional. VI – cooperar com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional, quanto ao uso do espaço aéreo e de áreas aeroportuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução; (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) VII - preservadas as competências exclusivas das polícias judiciárias, atuar, de maneira contínua e permanente, por meio das ações de controle do espaço aéreo brasileiro, contra todos os tipos de tráfego aéreo ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e passageiros ilegais, agindo em operação combinada com organismos de fiscalização competentes, aos quais caberá a tarefa de agir após a aterragem das aeronaves envolvidas em tráfego aéreo ilícito, podendo, na ausência destes, revistar pessoas, veículos terrestres, embarcações e aeronaves, bem como efetuar prisões em flagrante delito. (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010). (Grifo nosso). Parágrafo único. Pela especificidade dessas atribuições, é da competência do Comandante da Aeronáutica o trato dos assuntos dispostos neste artigo, ficando designado como ‘Autoridade Aeronáutica Militar’, para esse fim. (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).
Primeiramente, oportuno apontar o esquecimento do legislador quanto à
revogação expressa dos incisos I e IV do artigo 18 da LC n° 97. Isso porque a Lei n°
11.182/2005 reestruturou o aparato institucional responsável pela regulação das
atividades da aviação civil, que passou a ser de responsabilidade da Agência
Nacional de Aviação Civil (ANAC). A nova Agência substituiu o Departamento de
Aviação Civil (DAC) da Aeronáutica, até então responsável por orientar, coordenar e
controlar as atividades de Aviação Civil.
A LC n° 136/2010, que modificou a LC n° 97/99, reflete a preocupação das
autoridades governamentais e militares com as rotas aéreas do tráfico internacional
de drogas. Essa atividade ilícita ganhou vulto na década de 80 em todo o mundo e o
espaço aéreo brasileiro passou a ser invadido por aeronaves provenientes de países
vizinhos com carga ilícita destinada à Europa, Estados Unidos e outros destinos.
Somente a partir de 1996 foi possível prover a vigilância e proteção do espaço aéreo
na faixa de fronteira, haja vista a entrada em operação de um moderno sistema de
defesa e controle do tráfego aéreo (SIVAM/SIPAM). Comprovou-se que as principais
38
entradas de drogas ilícitas em território brasileiro ocorrem por via aérea, em
pequenas aeronaves oriundas de países e regiões reconhecidamente produtoras
dessas substâncias no norte e noroeste do continente sulamericano (RESERVAER).
Tornou-se necessária uma ação mais eficaz do Estado no combate a esses
voos ilícitos, que transportam a droga para o território brasileiro.
Com esse intuito, foi editada a Lei n° 9.614, de 5 de março de 1998,
conhecida como “Lei de Tiro e Destruição” ou “Lei do Abate”, considerada
inconstitucional por uma inteira década, por ter entrado em nosso ordenamento
jurídico por via de lei ordinária. Somente após a edição da Lei Complementar n°
117/2004 e, mais recentemente, com as modificações introduzidas pela LC n°
136/2010, passou a ser aplicada sem receio de se incorrer em inconstitucionalidade.
A Lei n° 9.614 modificou o artigo 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica e
sua aplicação foi regulamentada no Decreto n° 5.144/2004. O artigo 303 passou a
ter a seguinte redação:
Art. 303. A aeronave poderá ser detida por autoridades aeronáuticas, fazendárias ou da Polícia Federal, nos seguintes casos: I - se voar no espaço aéreo brasileiro com infração das convenções ou atos internacionais, ou das autorizações para tal fim; II - se, entrando no espaço aéreo brasileiro, desrespeitar a obrigatoriedade de pouso em aeroporto internacional; III - para exame dos certificados e outros documentos indispensáveis; IV - para verificação de sua carga no caso de restrição legal (artigo 21) ou de porte proibido de equipamento (parágrafo único do artigo 21); V - para averiguação de ilícito. § 1° A autoridade aeronáutica poderá empregar os meios que julgar necessários para compelir a aeronave a efetuar o pouso no aeródromo que lhe for indicado; § 2° Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada. (Incluído pela Lei nº 9.614, de 1998) § 3° A autoridade mencionada no § 1° responderá por seus atos quando agir com excesso de poder ou com espírito emulatório. (Renumerado do § 2° para § 3º com nova redação pela Lei nº 9.614, de 1998). (Grifo nosso).
Note-se que o inciso VII do artigo 18 da LC 97/99, modificado pela LC
136/2010, ampliou a hipótese de interceptação de aeronaves invasoras do espaço
aéreo brasileiro. Isso porque o Decreto fala em “aeronave suspeita de tráfico de
substâncias entorpecentes e drogas afins”, enquanto a nova Lei de Defesa fala em
“atuar, de maneira contínua e permanente, por meio das ações de controle do
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espaço aéreo brasileiro, contra todos tipos de tráfego aéreo ilícito, com ênfase nos
envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e passageiros ilegais”. Porém, a
primeira vista, a hipótese de tiro de destruição continua restrito a aeronaves de
narcotraficantes, conforme previsto no Decreto n° 5.144/2004. Ante a ausência de
legislação esclarecedora é possível interpretar que a interceptação de aeronave em
situação de ilegalidade deve ser feita com o intuito de forçar a aterrissagem, sendo
possível a efetivação do tiro de aviso, mas não o de destruição.
Com o objetivo de conceder maior efetividade ao controle e à patrulha do
espaço aéreo e fornecer provimento judicial especializado no julgamento de
eventuais condutas ilícitas, praticadas no contexto do art. 303 da Lei no 7.565, de 19
de dezembro de 1986, o legislador trouxe para a Justiça Militar da União a
competência para processar e julgar os fatos decorrentes da aplicação da citada lei.
O parágrafo único do artigo 9° do Código Penal Militar sofreu a seguinte
modificação, introduzida pela Lei n° 12.432, de 29 de junho de 2011:
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica. (Redação dada pela Lei nº 12.432, de 2011). (Grifo nosso).
A modificação é benvinda, uma vez que deixa a cargo da Justiça
especializada a apreciação de questão jurídica delicada, proveniente de efeitos
colaterais da ação militar de interceptação e abate de aeronave suspeita de invadir o
espaço aéreo brasileiro para o cometimento de crimes.
40
4 O PATRULHAMENTO DA FAIXA DE FRONTEIRA NO ARCO AMAZÔNICO: ATRIBUIÇÃO SUBSIDIÁRIA PARTICULAR DA FORÇA TERRESTRE
4.1 LIMITES DO PODER DE POLÍCIA EM OPERAÇÕES MILITARES NA
FRONTEIRA
Em um Estado Democrático de Direito a lei é o limite para todo e qualquer
poder. O poder de polícia das Forças Armadas nas operações militares se fronteira
se encontra, portanto, na própria Lei Complementar n° 97/99, modificada pelas Leis
Complementares n° 117/2004 e n° 136/2010, e na ordem jurídica vigente, como
segue.
A Força Terrestre só tem permissão para atuar como polícia de segurança
na prevenção e repressão de crimes transfronteiriços e ambientais, na faixa de fronteira (150 kilômetros), ante a ausência das forças de segurança pública. Assume, assim, subsidiariamente, atribuição da Polícia Federal, titular do dever de
prevenção e repressão a esses crimes. Toda e qualquer atuação dos militares
federais deve ser reportado à PF, a quem incumbe o papel de polícia judiciária.
José Afonso da Silva (2011, p. 704 e p. 705) assim descreve a destinação
da Polícia Federal: (1) a apurar infrações penais contra a ordem política e social (...) ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como as infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo dispuser em lei; (2) a prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; (...); (3) a exercer as funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras; (4) a exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. (Grifo nosso).
Dentre as atribuições descritas, somente uma pequena parcela, como visto,
foi delegada em caráter subsidiário à Força Terrestre, qual seja, “apurar (...)
infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija
repressão uniforme, segundo dispuser em lei” e “prevenir e reprimir o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho”. Adira-se também a
atribuição subsidiária para a prevenção e repressão aos crimes ambientais.
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A atribuição subsidiária da Força Terrestre prevista no artigo 17A da LC
97/99 ainda não foi regulamentada. A proposta, salvo melhor juízo, é do Comando
do Estado Maior Conjunto das Forças Armadas. Ante a ausência de regulamentação
específica, deve-se seguir, por analogia, a orientação do procedimento estabelecido
para as operações de GLO.
O Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001, disciplinou, nos artigos 3º e
4º, as condições de emprego das Forças em operações de garantia da lei e da
ordem, ressaltando os seguintes aspectos legais:
Art. 3º Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico. Parágrafo único. Consideram-se esgotados os meios previstos no art. 144 da Constituição, inclusive no que concerne às Polícias Militares, quando, em determinado momento, indisponíveis, inexistentes, ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional. (Grifo nosso).
A norma acima transcrita investe as Forças Armadas do poder de polícia
ostensiva.
O Art. 3º do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969 (que reorganiza as
polícias militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios), com a redação
dada pelo Decreto-Lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, dispõe: Art. 3º Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições: a) executar com exclusividade, ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos; b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem; c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas. (Grifo nosso).
Observe-se que, desde 1983, o entendimento é de que as Polícias Militares
devem preceder a um possível emprego das Forças Armadas em missões de
garantia da lei e da ordem.
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Observe-se que o Decreto n° 3.897 adota o termo “polícia ostensiva”,
enquanto o Decreto-Lei n° 2.010 fala em “policiamento ostensivo”.
O termo “polícia ostensiva” é mais amplo, remete à missão constitucional da
Polícia Militar. Com efeito, segundo a Constituição Federal, “às polícias militares
cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; (...)” (artigo 144, § 5°).
O “policiamento ostensivo” é apenas uma das formas de atuação da Polícia
Militar, por isso seu uso parece ser mais adequado para descrever essas atividades
militares exercidas em caráter subsidiário.
O Coronel da Polícia Militar de Santa Catarina Marlon Jorge Teza, autor do
livro Temas de Polícia Militar – Novas Atitudes da Polícia Ostensiva na Ordem
Pública, assim esclarece: Policiamento é somente o ato de fiscalizar com a presença. Já a expressão Polícia é o todo. (...) Na verdade, é a atuação em toda a dimensão do Poder de Polícia, especificamente de Polícia Ostensiva da Polícia Militar, no sentido de evitar a quebra da Ordem Pública, ou seja, o foco e o alvo principal devem ser a prevenção com a atuação em tudo aquilo que possa representar um risco à quebra dessa ordem pública. (TEZA, 2009, p. 107).
Portanto, é mais correto afirmar que os membros das Forças Armadas estão
revestidos de uma parcela do poder de polícia ostensivo para praticar ações de policiamento ostensivo nas situações previstas em lei.
Releva asseverar que outras atribuições afetas à Polícia de Fronteira,
Polícia Marítima, Polícia de Aeroportos, Polícia Aduaneira, Polícia Ambiental, dentre
outras, não estão abrangidas pela lei. Por exemplo, a fiscalização aduaneira
continua a cargo da Receita Federal, o controle migratório permanece atribuição
exclusiva da Polícia Federal e as ações de Polícia Ambiental estão restritas aos
agentes do IBAMA.
As ações de policiamento ostensivo, de natureza preventiva ou repressiva,
encontram outros limites no ordenamento jurídico pátrio.
Merecem destaque, ainda, os limites de status constitucional previstos nos
incisos II, III e XI do artigo 5° da Constituição Federal: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
43
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro ou, durante o dia, por determinação judicial;
Na esfera infraconstitucional releva recordar os ditames da Lei nº 4.898, de
9 de dezembro de 1965, que tipifica o crime de abuso de autoridade nos artigos 3º e
4º. O artigo 5° da citada lei define como autoridade, para o fim de aplicação da lei,
quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda
que transitoriamente e sem remuneração.
Além de estar atento para não incorrer em nenhuma das condutas descritas
na lei de abuso de autoridade, o militar que atua com poder de polícia não deve
perder de vista o conceito de abuso do poder e suas implicações legais.
Segundo Hely Lopes Meirelles (2002, p. 117) “O abuso do poder ocorre
quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites
de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas”.
O abuso do poder poderá ocorrer sob duas formas: excesso de poder e
desvio de finalidade. Meirelles assim descreve o excesso de poder:
O excesso de poder ocorre quando a autoridade embora competente para praticar o ato, vai além do permitido e exorbita no uso de suas faculdades administrativas. Excede, portanto, sua competência legal e, com isso, invalida o ato, porque ninguém pode agir em nome da Administração fora do que a lei lhe permite. O excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito e nulo. É uma forma de abuso de poder que retira a legitimidade da conduta do administrador público, colocando-o na ilegalidade e até mesmo no crime de abuso de autoridade quando incide nas previsões penais da Lei 4.898, de 9.12.65, que visa a melhor preservar as liberdades individuais já asseguradas na Constituição (art. 5º) (MEIRELLES, 2002, p. 118).
O mesmo Hely Lopes Meirelles leciona que o desvio de finalidade verifica-
se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o
ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo
interesse público (MEIRELLES, 2002).
Os comandantes das operações devem ter conhecimento inequívoco da lei
de abuso de autoridade e do conceito de abuso do poder a fim de evitar excessos,
prevenindo, assim, possíveis responsabilidades nas esferas cível, administrativa e
criminal. Também devem impor limites de atuação aos seus subordinados.
44
4.2 OS PELOTÕES DE FRONTEIRA2
São Gabriel da Cachoeira foi eleito como o município de onde foram
extraídos alguns dados e informações para o estudo do emprego da Força Terrestre
no patrulhamento de fronteiras.
Além das informações coletadas in loco por ocasião da primeira viagem de
estudos da Turma Segurança e Desenvolvimento - CAEPE 201, foi elaborada uma
entrevista, em forma de questionário, respondido pelo assessor jurídico da 2ª
Brigada de Infantaria da Selva (ANEXO 1). A entrevista teve como propósito levantar
mais informações a respeito da regulamentação das atividades subsidiárias dos
Pelotões de Fronteiras no combate à criminalidade e nas atividades de fiscalização e
controle das fronteiras. Algumas dessas localidades são regiões altamente
conflituosas com forte presença de traficantes de drogas e guerrilheiros das Forças
Armadas Revolucionárias Colombianas, as FARC.
A extensão territorial de fronteira verde no Norte e Noroeste do Brasil é de
11,6 mil Km. Em linha reta corresponde à distância entre as cidades de São Paulo e
a de São Francisco, nos Estados Unidos. A floresta amazônica com seus obstáculos
naturais, rios tortuosos e volumosos, mata densa e inóspita, dificulta o trânsito de
pessoas e veículos, promovendo o isolamento da população local.
A Marinha, o Exército e a Aeronáutica são os únicos braços do poder
público presentes nos limites fronteiriços da Amazônia de forma incondicional,
movidos que são pela filosofia de caserna de que “missão dada é missão cumprida”.
Entre os militares da zona de fronteira, a Marinha conta com 7.000 homens,
o Exército com 31.000 e a Aeronáutica com pouco mais de 2.500 homens3. Além de
lá estarem com o objetivo de cumprir sua missão constitucional de defesa e guarda
do território nacional, assumem, subsidiariamente, missões atribuídas aos órgãos de
segurança pública e de defesa civil, em especial à Polícia Federal, haja vista a
necessidade de policiamento preventivo e repressivo contra crimes transfronteiriços
e ambientais.
A grande extensão da fronteira terrestre do Brasil e as dificuldades em
mantê-la sob plena fiscalização e controle facilitam o contrabando de armas e de
2As informações contidas no item 4.2 foram colhidas durante a viagem de estudos realizada a São Gabriel da Cachoeira (VG 1), pelos estagiários do CAEPE, em maio de 2011. 3ENAFRON. Disponível em: http://www.inforel.org/noticias/noticia.php?not_id=4846&tipo=2. Acesso em: 06 set 2011.
45
drogas como cocaína, maconha e “crack”. Outros crimes ocorrem como resultado de
falhas de vigilância nas fronteiras, a saber, trânsito de veículos roubados, imigração
ilegal, tráfico de pessoas, crimes ambientais e biopirataria.
As Forças Armadas entregaram para deputados federais das comissões de
Relações Exteriores e de Defesa Nacional, em maio de 2011, proposta de criação da
ENAFRON (Estratégia Nacional de Fronteiras) A proposta da ENAFRON é aumentar
consideravelmente a presença das Forças Armadas e da polícia Federal ao longo
dos quase 17.000 quilômetros de fronteiras, sendo 7.000 de fronteiras secas.
Segundo o coordenador da Estratégia Nacional de Fronteiras (ENAFRON),
José Altair Benites, um dos problemas da Polícia Federal em manter seus agentes e
delegados em postos avançados é a falta de motivação para trabalhar na região. "Um
policial, quando é lotado nessas regiões em cidade inóspita, não tem imóveis para
alugar”, explica Benites. “Quando consegue [imóveis], eventualmente são de pessoas
investigadas pela própria PF.” (JORNAL DA CÂMARA, 2011).
A ENAFRON pretende implantar melhorias na vigilância da Amazônia por
meio de patrulhamento aéreo terrestre e nos 9.523 quilômetros de rios e canais que
separam o País dos seus vizinhos. O objetivo do projeto do governo é coibir a
criminalidade nas áreas limítrofes e integrar ações das Forças Armadas e da Polícia
Federal.
A Estratégia Nacional de Fronteiras prevê, também, construções de
residências para a PF em locais onde não há possibilidade de seus integrantes
residirem com as famílias e propõe gratificação para esses policiais, além da
reposição anual do efetivo por meio de concurso público.
As dificuldades enfrentadas pela Polícia Federal em enviar agentes e
delegados para a faixa de fronteira redundam na efetiva necessidade de atuação das
Forças Armadas na região. Militares do Exército lá se instalam com suas famílias,
muitas vezes com estruturas mínimas de moradia, em galpões e alojamentos
modulados de madeira, tudo a cargo do Exército.
A ausência do Estado naquelas localidades é tamanha que as Forças
Armadas assumem, ainda, tarefas como as de levar saúde, educação e infraestrutura
sanitária mínima às populações ribeirinhas, nas áreas mais remotas da Amazônia.
A presença da Força Terrestre na faixa de fronteira se faz por meio de
Pelotões Especiais de Fronteira compostos em média por 50 militares. Atualmente, o
Comando Militar da Amazônia conta com 25 Pelotões e três Destacamentos, que
46
cuidam de 11 mil quilômetros de fronteira. Eles promovem a vigilância das principais
vias penetrantes do território nacional, contribuindo para a manutenção da
integridade territorial e a vivificação de uma região muito pouco assistida pelo
Estado.
Essas pequenas unidades militares se distribuem em pontos estratégicos
de fronteira, quase sempre localizadas à beira dos grandes rios amazônicos, únicos
meios de locomoção em superfície. Nenhum deles é acessível por estradas. Sob o
comando de um Tenente do Exército, o pelotão é responsável pela fiscalização de
embarcações e, consequentemente, pelo controle do tráfico de drogas, da
exploração ilegal de madeiras ou de outros recursos naturais, como animais
silvestres. A principal tarefa dos pelotões, entretanto, é fiscalizar permanentemente a
fronteira, checando marcos e acompanhando movimentos suspeitos. Integrado
também por profissionais como médicos e dentistas, entre outros, os pelotões
acabam por servir de polos catalizadores de povoamentos e processos de
desenvolvimento. Em torno deles, é comum perceber o florescimento de pequenas
vilas, como é o caso do Pelotão Especial de Fronteira de Maturacá, cujas atividades
já se incorporaram ao cotidiano dos índios ianomâmis que vivem no local.
Em Maturacá, o pavilhão construído para abrigar representantes da Polícia
Federal, IBAMA e outras instituições públicas, encontra-se fechado e nunca foi
utilizado por ninguém. Só o Exército, com apoio da Marinha e da Aeronáutica, está
presente no local.
As dificuldades são semelhantes no 4° Pelotão Especial de Fronteira, em
Estirão do Equador, no Javari, a trinta minutos de voo de Tabatinga, Acre, onde o
Rio Solimões internaliza-se no Brasil. Uma constatação curiosa: ali, búfalos são
treinados para operações de selva, uma experiência considerada pelo Comando
Militar da Amazônia como iniciativa vitoriosa. Nas florestas impenetráveis, cabe ao
búfalo a função principal de transportar a carga pesada.
O trabalho desenvolvido pelos membros das Forças Armadas em toda a
Amazônia, em particular na faixa de fronteira do arco amazônico, impulsiona o
desenvolvimento e garante a segurança daquelas populações. As condições
precárias de trabalho são superadas pela dedicação e disciplina militar. É lá que o
militar vivencia intensamente sua vocação de defensor da soberania nacional,
guardando as fronteiras mais inóspitas do País e levando esperança de bem-estar
às populações esquecidas pelos governos federal e estadual.
47
O município de São Gabriel da Cachoeira é sede da 2ª Brigada de Infantaria
de Selva (2ª Bda Inf Sl), do 5º Batalhão de Infantaria de Selva (5º BIS), da 21ª
Companhia de Engenharia de Construção (21ª Cia E Cnst) e do Destacamento do
Controle do Espaço Aéreo de São Gabriel da Cachoeira (DTCEA-UA). A Força
Operacional da 2ª Brigada é composta pelos 5º Batalhão de Infantaria de Selva, 3º
Batalhão de Infantaria de Selva, em processo de ativação em Barcelos, e pelo 56°
Batalhão de Infantaria de Selva em Santa Izabel do Rio Negro, ainda a ser ativado.
O 5º BIS possui, como força de vigilância, sete Pelotões Especiais de
Fronteira. Destes, cinco estão localizados na faixa de fronteira com a Colômbia (São
Joaquim, Querari, Iauaretê, Pari-Cachoeira, Tunuí-Cachoeira) e dois com a
Venezuela (Cucuí e Maturacá). As distâncias dos pelotões ao 5º BIS variam de 200
a 500 km.
São Gabriel da Cachoeira dista, em linha reta, 846 Km de Manaus. Como
não há estrada, o transporte é realizado pelos rios ou por via aérea. Por via fluvial, a
distância é 1.102 Km. Não existem estradas ligando a cidade a outros municípios.
4.3 AÇÕES DE PREVENÇÃO E REPRESSÃO
A Lei Complementar n° 97/99 prevê duas formas de atuação das Forças
Armadas no combate aos crimes transfronteiriços e ambientais: preventiva e repressiva. A lei insere o Exército como agente concretizador de políticas públicas e
de prevenção da prática de crimes transfronteiriços e ambientais. São exemplos
desses delitos o contrabando e o tráfico internacional de drogas e de animais
silvestres.
O policiamento ostensivo tem duas dimensões:
- o policiamento ostensivo preventivo: se realiza em situações de
normalidade, por meio de ações antecipadoras, que visam prevenir a criminalidade e
evitar a quebra da ordem. O policiamento ostensivo preventivo abrange ações de
fiscalização e inspeção, que podem ser provocadas ou realizadas ex officio; e
- o policiamento ostensivo repressivo: ocorre em situação de
anormalidade, quando há perturbação da ordem pública e quebra do ordenamento
legal. É, portanto, uma atuação repressiva e sancionatória posterior à perturbação,
transgressão ou consumação do ilícito. A sanção de polícia é a atuação
administrativa autoexecutória, que se destina à repressão da infração com o
48
restabelecimento da ordem. A repressão se esgota no constrangimento pessoal,
direto e imediato, na justa medida para o restabelecimento da ordem.
O artigo 17A da citada lei complementar prevê, expressamente, que a
atividade de prevenção e repressão ao crime será realizada executando-se, dentre
outras, as ações de: I – patrulhamento; II - revista de pessoas, de veículos terrestres,
de embarcações e de aeronaves; e III - prisões em flagrante delito.
4.3.1 O Patrulhamento
O patrulhamento é o emprego organizado da Força Terrestre para realizar
ações preventivas e repressivas contra a ocorrência de ilícitos.
Na faixa de fronteira, o emprego do Exército pode ocorrer de forma isolada
ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo.
Para tal, o comando da 2ª Bda Inf Sl segue as seguintes condicionantes:
1 - como agente de cooperação, fornece apoio logístico, de inteligência, de
comunicações (comando e controle) e de instrução (treinamento) à Polícia Federal e
a outros órgãos que dele necessitem;
2 - como agente de prevenção, realiza policiamento ostensivo,
patrulhamento, revista de pessoas, de veículos, de embarcações e de aeronaves;
3 - como agente de repressão, realiza medidas diretas de combate ao
crime, faz uso da força e do enfrentamento imediato, cuida da preservação do local
do crime, realiza o recolhimento de objetos, instrumentos e produtos de crime para
posterior regularização e efetua a prisão em flagrante delito.
Mesmo com o relativo enfraquecimento das atividades das FARC na faixa
de fronteira, verificado nos últimos dois anos em função da intensificação das
atividades das Forças Armadas Colombianas, parte dos ilícitos praticados nessa
região ainda pode ser relacionada à ação da guerrilha, que continua financiando
suas atividades por intermédio do narcotráfico.
O Comando Militar da Amazônia realiza, ainda, operações de maior
complexidade, regularmente previstas no calendário de instrução, apoiadas pela
Marinha e Aeronáutica e integradas pela Polícia Federal e outros órgãos do Poder
Público. Essas operações estão dentro do âmbito de decisão do Ministério da
Defesa na forma do artigo 15, inciso II, da LC n° 97/99. Além do escopo primordial
49
de adestramento da tropa, também são realizadas ações de patrulha durante a
operação.
Em abril do corrente ano, a 16ª Brigada de Infantaria de Selva (16ª Bda Inf
Sl), com o apoio da Polícia Federal e do IBAMA, realizou a Operação Curare4, nas
regiões de fronteira com a Colômbia e o Peru, no estado do Amazonas.
Normalmente, as operações militares recebem denominações com termos
típicos da região. Neste caso, o vocábulo “curare” faz referência a compostos
químicos orgânicos conhecidos como venenos de flecha, extraídos da casca de
certos cipós de plantas encontradas na América do Sul. Possuem intensa e letal
ação paralisante, embora tais substâncias possam ser utilizadas medicinalmente
como relaxante muscular ou anestésico.
A Operação Curare/2011 teve por finalidade intensificar a presença das
Forças Armadas junto à faixa de fronteira oeste, reprimir os delitos transfronteiriços e
ambientais, além de reforçar, junto à população regional, o sentimento de
nacionalismo e de defesa da Pátria.
Foram estabelecidos postos de bloqueio na calha dos rios para a realização
de revistas em embarcações. Durante a operação, foi apreendida uma draga de
exploração ilegal de areia. Ela foi encontrada pela Polícia Federal nos afluentes do
rio Boia, e recolhida com auxílio do 4º Batalhão de Aviação do Exército.
Participaram da operação cerca de 600 militares do Exército Brasileiro, que
realizaram ações táticas como patrulhas a pé, aeromóveis e fluviais, operações
especiais e atividades logísticas e de comunicações.
4.3.2 A revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves
A revista pessoal deve observar as disposições legais para o seu
cumprimento presentes nos Códigos de Processo Penal e Código de Processo
Penal Militar (Decreto-Lei n° 3.689/1941 e Decreto-Lei n° 1.002/1969,
respectivamente). Consiste na procura material feita nas vestes, pastas, malas e em
outros objetos que estejam com a pessoa revistada e, quando necessário, no próprio
veículo.
4 Disponível em <http://www.forte.jor.br/2011/04/28/operacao-curare-i-2011/>. Acesso em 12/08/2011.
50
A revista é medida que pode ser executada no cumprimento de ordem
judicial de busca e apreensão, quando houver fundada suspeita de que alguém
oculte consigo instrumento ou produto do crime ou elementos de prova. É importante
observar que uma mulher só poderá ser revistada por outra mulher.
A revista que independe de mandado judicial está prevista no artigo 182, do
CPPM, e se restringe às seguintes hipóteses:
a) quando feita no ato da captura de pessoa que deve ser presa;
b) quando houver fundada suspeita de que o revistado traz consigo
objetos ou papéis que constituam corpo de delito;
c) quando feita na presença de autoridade judiciária ou do
presidente do inquérito.
Cabe destacar que, quando a lei exige fundada suspeita, os executores do
ato podem ser chamados em juízo para que esclareçam pessoalmente em que
consistia tal suspeita, e então será deliberado se havia ou não fundamento para a
revista, podendo o agente responder criminalmente por seus atos.
É preciso ainda abordar a questão do domicílio, bem protegido pelo artigo
5º, inciso XI, da Constituição Federal, no qual se afirma que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo
em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia,
por determinação judicial.
O artigo 173 do CPPM considera domicílio, para efeito de revista,
compartimento não aberto ao público onde alguém exerce profissão ou atividade.
Sob essa ótica, a busca e apreensão em veículos, embarcações e aeronaves é
perfeitamente aceita pela jurisprudência pátria.
A cautela recomenda que se obtenha sempre mandado judicial prévio à
execução de busca e apreensão, salvo nas hipóteses em que a lei excepciona, até
porque há previsão legal de crime de violação de domicílio, nas formas simples e
qualificada. Essas são algumas regras elementares que os militares devem observar
na execução de uma operação militar em faixa de fronteira, quando incumbidos da
repressão aos crimes transfronteiriços e ambientais.
51
4.3.2 A Prisão em Flagrante
Qualquer pessoa pode efetuar uma prisão em flagrante, sendo dever dos militares prender quem se encontra em situação de flagrante delito. As normas
sobre a prisão em flagrante estão no Código de Processo Penal (Decreto-Lei n°
3.689/1941), artigos 301 e 302, bem como no Código de Processo Penal Militar,
artigos 243 e 244.
O CPPM não limita o dever de prender quem for flagrado incorrendo em
delito à ocorrência de crimes militares. A lei é genérica nesse ponto e a interpretação
não pode ser restritiva. Esse dever legal está em conformidade, portanto, com o que
dispôs a Lei Complementar n° 136, ao modificar o artigo 16 A, transcrito no item 3.2.
A prisão em flagrante, como exercício do poder de polícia, deve observar
rigorosamente as disposições legais, a fim de que os defensores da ordem não
venham a ser acusados, posteriormente, de constrangimento ilegal, injusta agressão
ou tortura. Práticas equivocadas denotam a falta de preparo dos militares das Forças
para o combate à criminalidade urbana e nas áreas de fronteira.
A atividade de policiamento ostensivo e de repressão ao crime organizado
exige o conhecimento dos direitos constitucionais e fundamentais declarados em
tratados internacionais de direitos humanos e elencados no artigo 5º, da
Constituição Federal.
Em caso de prisão em flagrante delito devem ser lidas as garantias
constitucionais do preso e colhida a assinatura do mesmo na Nota de Ciência,
assegurando-se o cumprimento de todas elas, sob pena de nulidade do Auto de
Prisão em Flagrante, cuja consequência é o relaxamento da prisão.
Tais garantias estão elencadas no artigo 5° da Constituição Federal, incisos
LVX, LXII, LXIII e LXIV. Em síntese, a prisão fora da situação de flagrância só pode
ser efetuada por ordem escrita e fundamentada do juiz competente. Todo preso
deve ser informado de que tem direito a permanecer calado, em que local
permanecerá preso, por ordem de quem, identificados os responsáveis pela sua
prisão. A comunicação com a família é direito do preso em qualquer circunstância,
assim como a presença de um advogado ou defensor público. A incomunicabilidade
é inconstitucional em qualquer circunstância.
O agente preso, por óbvio, deve se encontrar numa das situações legais de
flagrante delito. O respectivo auto será lavrado após a oitiva do condutor,
52
testemunhas do fato e do próprio preso. A lavratura do auto até vinte e quatro horas
após a prisão é indispensável, com a comunicação ao Juiz competente, Ministério
Público e Defensoria Pública. Do contrário, a prisão será considerada ilegal. O auto
de prisão em flagrante será remetido à Polícia Federal, assim como o preso.
Civis presos em flagrante de crime comum devem ser encaminhados à
carceragem da Polícia Federal ou a que estiver disponível no local, no aguardo de
posterior transferência. Deve-se evitar manter civis encarcerados por muito tempo
em unidades militares. Qualquer ocorrência poderá repercutir negativamente, ainda
que todas as cautelas tenham sido adotadas. É o próprio Código Penal Militar que
estabelece que a pena privativa de liberdade aplicada a civil será cumprida em
estabelecimento prisional civil, devendo estender-se a mesma regra para as
hipóteses da prisão em flagrante.
O uso de algemas é outra questão relevante, sendo inclusive objeto de
súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Dispõe a Súmula nº 11/STF: Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do estado.
O uso de algemas e de armas no momento da prisão está também
regulamentado no artigo 234 do Código de Processo Penal Militar. A lei dispõe que
deverá ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão por parte do
preso. Aos agentes da prisão cabe, então, precaver-se, justificando por escrito o uso
de algemas, tão logo isso seja possível, como forma de resguardo pessoal.
Qualquer tipo de tratamento cruel e indigno que exceda a restrição da
liberdade pode ser enquadrado no tipo penal de tortura. A tortura é expressamente
proibida por força de tratado internacional de direitos humanos ratificado pelo Brasil,
portanto integrante do ordenamento jurídico pátrio.
A Constituição Federal (art. 5º, inciso XLIII) considera a tortura crime
inafiançável, insuscetível de graça ou anistia. Por ele respondem os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-la, se omitem. A confissão obtida mediante
tortura é considerada prova ilícita, podendo contaminar toda a investigação e o
processo que dela resulte, sendo assim causa até mesmo de impunidade. Não por
outra razão a Constituição Federal garante aos presos em flagrante o direito de
53
permanecer calado e tal garantia se propaga até a fase judicial, sem que isso possa
ser interpretado em prejuízo da defesa.
A tortura é crime definido na Lei nº 9.455/1997, e como tal não se inclui na
competência da justiça militar.
4.3.3 Outras ações
Quando a lei fala em “outras ações” preventivas e repressivas está se
referindo a ações que possam contribuir na patrulha (vigilância) e no policiamento
ostensivo para preservação da lei e da ordem pública. O adjetivo “ostensivo” refere-
se à ação pública de dissuasão, característica do policial fardado e armado,
reforçada pelo aparato militar utilizado, que evoca o poder de uma corporação
eficientemente unificada pela hierarquia e disciplina (TEZA, 2009, p. 107).
A Portaria Nº 061, de 16 de fevereiro de 2005, do Comandante do Exército,
elenca “outras ações”, aqui expostas a título de exemplo, pois não há um elenco
exaustivo dessas ações. Elas são tomadas na medida das circunstâncias
vivenciadas e das necessidades, sempre com respeito aos limites legais do
ordenamento jurídico em vigor:
● Preventivas: intensificar das atividades de preparo da tropa, de
inteligência e de comunicação social, consideradas de caráter permanente; cooperar
com órgãos federais, quando se fizer necessário, for desejável e em virtude de
solicitação, na forma do apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de
instrução; e prover segurança às atividades de órgãos federais, quando solicitado e
desejável.
● Repressivas: instalar e operar postos de bloqueio e controle de estradas
e fluviais e postos de segurança estáticos; apoiar a interdição de pistas de pouso e
atracadouros clandestinos, utilizados, comprovadamente, para atividades ilícitas; e
fiscalizar produtos controlados.
4.4 QUESTÕES JURÍDICAS RELEVANTES
O parágrafo 7° do inciso III do artigo 15 da Lei Complementar n° 97/99,
alterada pela Lei Complementar nº 136/2010, dispõe:
54
“§ 7° A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16 desta Lei Complementar e no inciso XIV do art. 23 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do art. 124 da Constituição Federal”.
O artigo 124 da Constituição Federal dispõe: “À Justiça Militar compete
processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”
Quer o dispositivo legal da LC 97/99 dizer que são considerados crimes
militares, de competência da Justiça Militar da União, as condutas ilícitas, em tese,
praticadas por militar nas situações previstas na lei penal militar, ainda que fora de
área sujeita à administração militar, contra outro militar ou civil.
Na prática, o elenco do artigo 9° do Código Penal Militar, que estabelece as
hipóteses de prática de crime militar em tempo de paz, foi ampliado.
As novas hipóteses são as seguintes:
- Artigos 13, 14 e 15: atividades de preparo e emprego das FFAA para o
cumprimento da destinação constitucional na defesa da Pátria, garantia dos poderes
constitucionais, da lei e da ordem, e na participação de operações de paz;
- artigo 16: atividades advindas da atribuição subsidiária geral de
cooperação com a Defesa Civil;
- artigo 16 A: atividades e ações preventivas e repressivas, na faixa de
fronteira terrestre, no mar e nas águas interiores, independentemente da posse, da
propriedade, da finalidade ou de qualquer gravame que sobre ela recaia, contra
delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros
órgãos do Poder Executivo;
- artigo 17, IV e V: atividades de implementação e fiscalização do
cumprimento de leis e regulamentos, no mar e nas águas interiores, em
coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, federal ou estadual, quando se
fizer necessária, em razão de competências específicas. Atividades de cooperação
com os órgãos federais, quando se fizer necessário, na repressão aos delitos de
repercussão nacional ou internacional, quanto ao uso do mar, águas interiores e de
áreas portuárias, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de
instrução;
- artigo 17 A: atividades de cooperação com órgãos federais, quando se
fizer necessário, na repressão aos delitos de repercussão nacional e internacional,
55
no território nacional, na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e
de instrução; e
- artigo 18, VI e VII: atividades de repressão aos delitos de repercussão
nacional e internacional, quanto ao uso do espaço aéreo e de áreas aeroportuárias,
na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução.
Atividades de controle do espaço aéreo brasileiro contra todos os tipos de tráfego
aéreo ilícito, com ênfase nos envolvidos no tráfico de drogas, armas, munições e
passageiros ilegais.
A principal consequência dessa nova disposição legal contida no § 7° do art.
15 da LC n° 97/99 é que as autoridades militares no comando das operações, assim
como seus subordinados, ficam submetidos ao controle externo do Ministério Público
Militar, titular da ação penal e destinatário final de qualquer investigação criminal
decorrente dessas atividades. Igualmente, o processo criminal eventualmente
deflagrado será processado e julgado perante a Justiça Militar da União com recurso
para o Superior Tribunal Militar.
A Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, que dispõe sobre o exercício das
atribuições institucionais da Advocacia-Geral da União, em caráter emergencial e
provisório, prevê assistência jurídica aos militares das Forças Armadas quando, em
decorrência do cumprimento de dever constitucional, legal ou regulamentar,
responderem a inquérito policial ou a processo judicial (artigo 22, § 1°, II, da Lei n°
9.028).
As praças contam com a Defensoria Pública da União para o patrocínio
obrigatório de suas demandas criminais (artigo 71, § 5º, do CPPM). Acredita-se,
assim, que os oficiais das Forças Armadas possam se valer da Advocacia-Geral da
União.
Questão que tem provocado acalorados debates é a decorrente da edição
da Lei nº 9.229, de 7 de agosto de 1996, que alterou normas do Código Penal Militar
e do Código de Processo Penal Militar, tendo levado alguns autores a arguirem sua
inconstitucionalidade.
Referida lei introduziu o parágrafo único do artigo 9° do CPM, e o parágrafo
2º do inciso II do artigo 82 do CPPM. Tais dispositivos determinam que a justiça
comum é o foro competente para processar e julgar os crimes de homicídio doloso
praticados por militar, em atividade ou função de natureza militar, contra civil.
56
Há que considerar que todos os militares federais, no cumprimento de
missões atinentes à garantia dos poderes constitucionais e à garantia da lei e da
ordem, mormente em atuação subsidiária à das atribuições da Polícia Militar e
Federal, estão sujeitos aos ditames da Lei 9.299/96. Na hipótese de seus
componentes cometerem um crime tipificado como homicídio doloso serão julgados
na justiça comum, perante um júri popular. A única exceção a essa regra está no
próprio enunciado do parágrafo único do artigo 9° do CPM e diz respeito à ação
militar realizada pela Força Aérea Brasileira na defesa e controle do espaço aéreo, já
comentado no item 3.2.3.
57
5 CONCLUSÃO
As Forças Armadas são os guardiões da Pátria, dos poderes
constitucionais, da lei e da ordem. Destinar-lhes tão importantes missões sem o
poder para bem realizá-las é impensável. Esse poder é o poder de polícia.
O poder de polícia das Forças Armadas emana do Poder de Estado.
É bom lembrar que no Estado Democrático de Direito o poder não tem a
força como pré-requisito, conforme idealizou Maquiavel para o Estado Absolutista.
O Poder de Estado tem a prerrogativa do uso da Força, mas não é a Força
que lhe dá o poder. A Força existe para proporcionar segurança, garantir a defesa e
assegurar o desenvolvimento do Estado. Eis a destinação das Forças Armadas.
O poder de polícia é também inerente à atividade policial, seja na vertente
administrativa, de restrição de liberdades com imposição de limites a atividades civis,
denominado poder de polícia administrativo, seja na outra vertente, a de
preservação e garantia da ordem pública, denominado poder de polícia de
segurança.
Preservar a ordem pública é a destinação genérica dos órgãos de
segurança pública. Consiste na atividade contínua e permanente, exercida por meio
de ações que evitam a quebra da ordem pública e mantêm a paz no seio da
sociedade. Abrange também ações repressivas, tomadas imediatamente após a
violação da lei ou da ordem.
Essas atividades, exercidas de forma constante pelas Polícias Federais,
Polícias Militares e Corpos de Bombeiros precedem e são mais amplas do que a
atuação pontual e enérgica das Forças Armadas.
As Forças Armadas somente são chamadas para garantir a lei e a ordem
quando as forças de segurança pública tiverem esgotado sua capacidade de
atuação, seja por indisponibilidade, inexistência ou insuficiência de efetivo, meios ou
equipamentos.
Lamentavelmente o cenário revelado dia a dia nas grandes e médias
cidades brasileiras é de uma forte sensação de insegurança. A criminalidade está
em contínua ascensão e o poder público se mostra ineficiente no seu combate. O
mesmo se diga com relação à corrupção e à impunidade. Pessoas morrem todos os
58
dias vítimas da guerra urbana. Nas fronteiras, a situação é agravada pelo intenso
tráfico de drogas e disputa de terras.
Esses os motivos que levam as Forças Armadas, cada vez mais, a ter um
papel mais atuante na garantia da lei e da ordem. Não seria necessário ser assim
caso os órgãos de segurança pública possuíssem os meios necessários humanos e
materiais para prover a segurança da população.
Ao receber atribuições subsidiárias de policiamento e combate ao crime
organizado, seja no ambiente urbano, na faixa de fronteira, no espaço aéreo, nos
rios ou nos mares, os membros das Forças Armadas são investidos de importante
parcela do poder de polícia de segurança.
A Marinha do Brasil, com sua Patrulha Naval, considerados os meios
disponíveis, está eficientemente organizada e possui uma legislação abrangente que
regula as atividades de polícia marítima.
A Força Aérea Brasileira defende o espaço aéreo com base em leis que
amparam e dão legitimidade às ações de interceptação de aeronaves suspeitas.
No tocante às atribuições subsidiárias da Força Terrestre na faixa de
fronteira, ainda não há nenhuma legislação que regulamente os artigos 16 A e 17 A
da LC n° 97/99, com suas recentes modificações.
O costume castrense de baixar normas de conduta de emprego de tropa
(NCET), normas de engajamento, avisos e diretrizes, não é suficiente, pois esses
documentos contêm instruções para o emprego da tropa em operações episódicas e
a preocupação de preparo para atuação em GLO deve ser permanente.
Percebe-se a nítida carência de uma normatização sobre o preparo, a
instrução, o adestramento, o uso dos meios e dos equipamentos necessários e,
sobretudo, conhecimento jurídico para a atuação do militar da Força Terrestre na
garantia da lei e da ordem e no policiamento ostensivo das faixas de fronteira.
A notícia que se tem é de que o Estado Maior Conjunto das Forças
Armadas está preparando uma proposta de atualização da legislação
regulamentadora a partir das modificações introduzidas na LC n° 97/99.
Essa regulamentação é essencial, a fim de que as operações transcorram
da forma mais tranquila e legal possível, visando sempre atender aos postulados
constitucionais, à defesa dos poderes constitucionais e à segurança interna e
externa, afastando-se o máximo possível de indício ou fato caracterizador de
arbitrariedade, desvio ou abuso de poder.
59
As Forças Armadas destinam-se a cumprir a missão que a nação brasileira
lhes outorgou. E devem cumpri-la bem, com eficácia e nos exatos limites da lei.
Cabe, portanto, aos legisladores proporcionar-lhes essa segurança legal.
Um comandante tem que estar seguro sobre o que pode e o que não pode
determinar a seus subordinados.
Se é verdade que toda arbitrariedade deve ser combatida, é verdade
também que é muito fácil apontar erros daqueles que fizeram, quando ninguém lhes
ensinou e nem lhes disse como fazer.
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REFERÊNCIAS
______. Apresentação de resumos: Norma Brasileira Registrada n. 6028. Liderança Militar. Escola de Aperfeiçoamento de oficiais, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 239-273, 2004, semestral. BOBBIO, Norberto. Qual Democracia? São Paulo: Edições Loyola, Leituras Filosóficas, 2010. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. 8. ed. Brasília, DF: Ed Universidade de Brasília, 1995. BRASIL. Ministério da Defesa. Marinha do Brasil. Comando de Operações Navais n° 003/09. Brasília, RJ, 2009. BRASIL. Ministério da Defesa. Comando da Aeronáutica. Comando de Comunicação Social da Aeronáutica. Entenda a Lei do Tiro de Destruição. Disponível em: http://www.reservaer.com.br/legislacao/leidoabate/entenda-leidoabate.htm. Acesso em: 07 set 2011. BRASIL. Ministério da Defesa. Política de Defesa Nacional. Brasília, DF, 2005. BRITTO, Carlos Ayres. A importância do Supremo Tribunal Federal no aprimoramento das instituições democráticas. Palestra proferida aos estagiários do Curso de Política e Estratégia da Escola Superior de Guerra, no Supremo Tribunal Federal, Brasília, DF, em 23 de maio de 2011. ______. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Forças Armadas apresentam plano para aumentar segurança nas fronteiras. Jornal da Câmara, publicado em: 25 de maio de 2011. Disponível em: http://www.camara.gov.br/internet/jornalcamara/default.asp?selecao=materia&codMat=64446&codjor=. Acesso em: 06 jun 2011. COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. CRETELLA JUNIOR, José. Direito Administrativo do Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. IV, 2005. ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (Brasil). Manual básico: elementos fundamentais. Rio de Janeiro, 2009. v. 1, p 31-36. ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (Brasil). Manual para elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso: monografia. Rio de Janeiro, 2011. LOCKE, John. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Locke>. Acesso em: 05 jun 2010.
61
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ANEXO A - ENTREVISTA EM FORMA DE QUESTIONÁRIO
As perguntas deste questionário foram gentilmente respondidas pelo Tenente
SOUZA SANTOS, assistente jurídico da 2ª Brigada de Infantaria de Selva de São
Gabriel da Cachoeira (Amazonas):
1. Qual é a Norma Padrão de Conduta para operações de patrulhamento de fronteira?
R: A Norma padrão consiste nas NCET (Normas de Conduta de Emprego de
Tropa), expedidas e reguladas no âmbito da região Amazônia, a cargo do Comando
Militar da Amazônia.
2. Qual é a Norma Padrão para o exercício do poder de polícia previsto nas Leis Complementares 117/2004 e 136/2010 no tocante às operações da Força Terrestre?
R: Cuida-se das normas acima, porém, o anexo que trata especificamente do
poder de polícia, decorrente das LC 117 e 136, está sendo objeto de
ATUALIZAÇÃO, de sorte que, hoje, NÃO se tem, no âmbito da fronteira amazônica,
salvo melhor juízo, norma atualizada sobre o assunto.
3. Com que freqüência são realizados patrulhamentos, operações repressivas ou preventivas na Região abrangida pela 2ª Brigada de Infantaria na Selva?
R: Os patrulhamentos são realizados frequentemente (praticamente diários), por
meio dos Pelotões Especiais de Fronteira, os quais estão instalados, em sedes fixas,
em 05 localidades compreendidas na faixa de fronteira na região. Da mesma forma,
o Comando Militar da Amazônia e a sede deste Comando, realizam operações de
maior complexidade, regularmente previstas no calendário de instrução. Obs: nesta
semana findou-se a Operação Amazônia (que durou duas semanas), a cargo do
Ministério da Defesa, envolvendo as 03 Forças Armadas. Ocorre também, a
Operação CURARE, realizada anualmente, a cargo do Comando militar da
Amazônia e da 2ª Brigada de Selva.
4. Quais são as situações ilícitas mais freqüentes enfrentadas pelos Pelotões de Fronteira nas localidades em que estão estacionadas?
R: A região é relativamente tranquila, sendo que as ocorrências ilícitas mais
comuns são ligadas à população indígena, particularmente no que tange o uso de
bebida alcoólica e entorpecentes de pequena monta.
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5. Essas operações são realizadas em conjunto com a Polícia Federal ou outros órgãos de segurança pública?
R: Sim, são realizadas em conjunto com os demais órgãos de segurança pública,
inclusive com a participação de outras agências não integrantes da segurança
pública (receita, IBAMA, FUNAI etc).
6. A quem incumbe o Comando da operação? R: Não conheço nada expresso a respeito, mas, na prática, o comando é sempre
da autoridade militar federal, a depender do tipo da operação (ex: se é
eminentemente terrestre, é do Exército). Todavia, em respeito à independência e
autonomia das instituições, não há, teoricamente, uma relação de subordinação
entre os ógãos, e sim de coordenação.
7. Existe na localidade algum posto avançado da Polícia Federal em funcionamento? A Polícia Militar tem postos em São Gabriel?
R: Sim, conta a PF com três agentes em sistema de rodízio. Sim, a PM possui
uma companhia, com mais ou menos oitenta homens.
8. Como é feito o controle migratório de pessoas nessa localidade? R: Na prática, não é feito em caráter preventivo, vez que a PF não dispõe de
pessoal para tal. Desse modo, segundo informações dos agentes da PF daqui,
assim que o estrangeiro adentra ao País, deverá ele, para regularizar sua situação,
dirigir-se ao posto da PF.
9. Quais são os crimes transnacionais mais comuns que ocorrem nessa localidade de fronteira?
R: Tráfico de drogas.
10. Qual é a conduta adotada pelo comandante militar que autua em flagrante um narcotraficante?
R: Encaminha-se o responsável ao posto da PF, a quem cabe a adoção das
medidas pertinentes.
11. Como são efetuadas as prisões? Onde são mantidas as pessoas presas até sua entrega à Polícia militar ou Federal?
R: Em regra, as prisões ocorrem no curso de operações ou, excepcionalmente,
por meio de patrulhamentos de rotina na área dos pelotões de fronteira. Ao serem
presas, são imediatamente encaminhadas à autoridade policial competente, não
permanecendo, de modo algum, em qualquer unidade carcerária da Força.
12. Considerações finais do entrevistado:
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As normas de que lhe falei (denominadas NCET - Normas de Conduta de
Emprego de Tropa na Amazônia) são de responsabilidade do Comando Militar da
Amazônia. Só consegui ter acesso a elas, mas referentes ao ano de 2009 (que nada
tratam do assunto de vosso interesse). Desse modo, procurei informações junto ao
Comando militar da Amazônia, no sentido de se obter tais normas, devidamente
atualizadas, particularmente no que pertine ao emprego da Força na região de
fronteira, no uso do poder de polícia, decorrente da LC 117/2004 e 137/2010.
Ocorre, porém, que fui informado pelo setor competente, que aludidas normas
estão sendo objeto de atualização, exatamente por conta da necessidade, dentre
outras, de adaptação às disposições contidas naquele diploma, segundo me
informou o Oficial responsável. Ademais, por não se tratar de um documento jé
concluído e por ser de caráter não ostensivo, não me foi ofertado o acesso à minuta
de atualização das normas em comento.
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