taylor- charles. hegel_sistema-metodo e estrutura
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S U M Á R I O
A p r e se n t a ç ã o à e d i ç ã o b r a s i le i r a 7
P r e f á c i o c a g r a d e c i m e n t o s i S
R e f e r e n d a s b i b l i o g r á f i c a s a b r e v i a d a s 1 7
G loss á r i o de pa l a vr a s a l e m ã s á v ida s no t e x to 19
P A R T E I : A S D E M A N D A S D A R A Z Ã O E S P E C U L A T I V A
I. Aspirações dc um a nova época 2 )
I I. O i t i ne r á r i o de H e g e l 74
I I I. O e s p i r it o q u e p õ e a si m e s m o 1 0
P A R T E I I : F E N O M E N O L O G I A
IV . A d i a l é t i c a da c ons c i ê nc i a 15 5
V . A co nsciê ncia de s i 17 6
V I . A f o r m a ç ã o d o E s p í r i t o ' 9 9
V I I . A r o t a a t é a r e l ig i ã o m a n i f e s t a 225
V I I I . A
Fenomenologia
c o m o d i a l é t i c a i n t e rp r e t a ti v a 2 4 1
P A R T E I I I : L Ó G I C A
IX . Dialé tica de categorias 2f 3
X. Ser
2 6 1
I ASFJN. 2 6 1
I I Q U A N T I D A D E 2 7 }
I I I
M F . D I D A 2 8 T
X I . E ssê nc i a 288
I D A R F . FI .E X Â O A O F U N D A M E N T O 2 8 8
I I
A P A R I Ç Ã O 3 0 4
I I I R E A L I D A D E 3 1 0
X I I. O C o n c e i t o
3 29
I S
U B J F . T I V I D A O F
. 3 3 4
I I O B J E T I V I D A D E 3 5 '
I I I A
I D F . I A
3 6 2
XII I . A Ide ia na na tu reza 38$
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P A R T E I V : H I S T Ó R I A E P O L Í T I C A
XIV. Substânc ia ética 399
XV. Razão e história 4*4
XVI. O Estado realizado 466
P A R T E V : O E S P Í R I T O A B S O L U T O
XV II. Arte 503
XVIII. RcligjáO
XIX. Filosofia 550
P A R T E V I : C O N C L U S Ã O
XX. Hegel hoje 577
Nota biográfica 613
Bibliografia 616
índice tem ático
índice onom ástico 622
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A P R E S E N T A Ç Ã O À E D I Ç Ã O B R A S I L E I R A
Heg el e os novos rum os do E spírito
em Ch arles Taylor
Charles Margrave Taylor nasceu em Mon treal , no Estado do Queb ec , Can adá , no ano
de 1931- Iniciou seus estudos no Can adá na Mc Gill University e c ontinu ou sua form ação
na Universidade de O xf ord, on de, sob a supervisão de Isaiah Berlin c Ge rtrud Elizabeth
Ansc om be, recebeu seu Dou torad o cm Eilosofia no ano de 1961. Foi recon hec ido ao
long o da sua carreira com diversos prêm ios, c om endas e honrarias nos Estados Unidos, na
Inglaterra, no C anadá e no Japão, entre outros países, e atualm ente c professor em érito de
Ciênc ia P olít ica c Eilosofia na Mc Gill Universi ty cm Mo ntreal , no C anadá .
Cha r l e s T a y lo r é um dos m a ior e s e m a i s f e cun dos pe nsa dor es da a tua li da de , d i s -
c u t i nd o e re f l e t i ndo t e m a s que vã o da cha m a da f i loso f ia a na l ít i c a , c om o a e p i s te m o-
log i a , a f il osof i a da a çã o , o e s t a tu to do c om por t a m e n to hum a no , e n t r e ou t r os , a té os
t e m a s m a is c a r os à f il osof ia c on t ine n t a l , c om o a f unç ã o he r m e nê u t i c a da e xpre ss iv i-
da de , o c onc e i t o de e sp í r it o , a insu f i c i ê nc i a do m ode lo i l um in i s ta qua nd o c om pr e -
end ido à luz dos di tam es eco nôm ico s , os l im i tes da sc c ula rização c o pape l cent ra l
da r e li g i ã o na c on t e m por a ne ida de , e sp r a i a ndo a inda sua g a m a de i n f l uênc i a * pa r a as
á reas das c iênc ias das re li g iões , da teolog ia , da e c ono m ia , da ps i colog ia , do d i re i to e
das c iênc ias soc ia is cm ge ra l .
Taylor inicia sua trajetór ia intelectual n o seio de um a r ígida fo rm ação analít ica , c olo-
can do-se . todavia , já desde seus pr im e i ros esc r i tos , co m o The Explanation of Behaviour*
de 1964, com o um c r í ti c o do pe nsa m e n to a na lí ti c o f o r m a l e nqua n to m odo de r ef l exã o
capaz de art icu lar os problem as e as estratégias f ilosóficas de enf ren tam ent o das questões
susc i tadas pe la con tem porane idad e .
O ca r á te r he te rodoxo da form ação de Char les Taylor , que com bina um a am pla for -
m ação em Wit tg enste in c om um ra ro dom ínio da f ilosof ia c l á ss ica a lem ã , seja em sua
acep ção rom ântica , seja naquela idealista , inser iu-o n um a l inha de reHexão e de deb ates
que o coloc ou para alem dos unilateralism os próp rios das escolas f i losóficas, pod end o,
assim , dialogar , discu tir e susci tar a reHexão de autores tão díspares co m o Ric hard Rorty
e John Milbak, Quen t in Sk inner e Jürg en Haberm as , ent re tantos que dia logaram e
c ont inua m dia logand o com as rcHcxócs taylorianas .
No c onju nto dc sua obra , o ano de 1975 é um m ar co na sua reHexão, pois Char les
Taylor publ i ca pe la Cam br idg e Universi ty P ress sua m onum enta l obra int i tu lada
Hegel,
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que sc c onst i tui , a to co nt ínu o ao seu lançam ento, nu m a re fe renc ia obr iga tór ia nas r c -
Hexóes da
Hegel-Forschung,
dado o ca r á te r s is tem á t i co c o inedi t ism o de propic ia r ao
hege l ianism o, nu m a perspec t iva g loba l , sua coloc ação no seio do deba te de tem as que
hodiernam ente re leg avam -no ao os tra c i sm o, c om o aqueles da ps icolog ia , das c iênc ias
sociais, das c iênc ias da rel ig ião, da f i losofia analí t ica , do secu lar ism o, do m ult icu lturalis-
m o, da es t ruturação do
Self,
etc .
Este l ivro já rec ebeu diversas traduções nas pr incipais l ínguas f i losóficas da atualida-
de , c om o o alem ão (1978) , o sueco (1986) , o chinês (2001) c o espanhol (2010) , e a
part ir da presente edição brasileira , consti tui-se um m arc o na historiog rafia f ilosófica em
l íng ua por tuguesa , em g eral , e na recepção da f i losof ia c ontem porânea , c m par ti cula r ,
através da iniciat iva da É Realizações de verter , publicar c oferecer ao público lusófono
e ste v o lu m e m o n u m e n t a l.
Seg uram ente, esta pod e ser considerad a a m aior obra sobre o f i lósofo, por ser a m ais
abrang ente c a de m a ior f idel idade herm enêut i ca , ao m esm o tem po que não se t raduz
nu m a lei tura or todoxa q ue se reduziria em suas análises a m eras repetições ou paráf rases
de sentenças da obra hegeliana acerca do s ternas, problem as, núc leos de produ tividades
e dé f i c i t s do s i stem a hcg e l iano.
O presente livro possui a qualid ade extrínseca de ser um a obra de rcHexáo m etodo log i-
cam ente g enerosa com as fontes ,
e
com for te teor de or iginalidade, pois não se l im ita a um a
leitura idiossincrática que privilegie a priori a correção ou a inexatidá o das análises a serem
elaboradas, desenvolvidas e avaliadas c om o aquelas, outrora, oriun das da lavra de gran des
autores c om o Rudol f H aym , Karl P opper ou Jacques Mar ita in , que apenas descor t inavam
em Hegel desc ontinuidades e equívocos, ou, de m odo inverso, com o aquela lei tura de
heg elianos ortodo xos c om o P ierre-Jean Labarriere, Bernard Bourgeois, Eric Weil ou Josiah
Royce, para os quais Heg el é um a espécie de f i lósofo insuperável .
Do m esm o m odo, as aná l ises dc Char les Taylor não caem no t ipo de herm enêut i -
ca , out rora m ui to com um , de ut il ização do pr inc ípio
pars pro totu,
m ui to p r ese nt e e m
Kojève e Ho nn eth, ent re out ros , que elegem um m om ento da reHexão hege l iana e ava-
l iam o todo do si s tem a à luz desse m om ento e lei to , num a c la ra c quivoc idadc tanto no
t r a ta m e n to do p r ob l em a com o do m é todo u t i li za do .
A lei tura de
Hegel,
de Char les Taylor , fa cul ta rá ao le itor o am plo do m ínio das f ontes ,
das correntes de interpretação, dos tem as pr incipais da reHexão hegeliana c da recepção,
apropr iação e c r í ti ca c onst rut iva des tes m esm os tem as , problem as c de suas fontes , à luz
da exigênc ia da f ilosof ia de traduz i r seu tem po em co nce i tos , num exigente disce rnim en-
to acerca da c entral idade da reHexão hegeliana na m ode rnida de e de seus insuperáveis
inH uxos no pe nsa m e n to co n t e m por â ne o .
A obra divide-se em seis capítulos, os quais abarcam a quase total idade dos tem as
desenvolvidos pela reHexão hegeliana. P ara a explic i tação dos tem as, Taylor op tou por
um c r i tér io interno ao p róprio desenv olvim ento de Heg el , qual seja , a divisão da obra a
par t ir do f io con duto r da produção bibliogr á f i ca do f i lósofo.
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Deste m odo, o pr im e i ro capí tulo c or responde ao lugar de Hege l na his tór ia da f i lo-
sof ia c dos problem as de seu tem po; o seg undo c apí tulo c or responde à
Fenomenologia
Jo Espirito
e à ascensão de H eg el ao lugar de f i lósofo de obra p rópria; o terceiro c apítulo
cor responde à Ciência d/t Lógica; o quar to c apí tulo re f le te a ce r ca dos tem as per t inentes à
Filosofia do Direito
e da f i losofia da histór ia; o quin to c apítulo retom a a tr íade c onc lusiva
d a
Enciclopédia das Ciências Filosóficas;
e, por f im , no últ im o cap ítulo, Taylor apresenta-
d o s o lugar de Hege l c do heg e l ianism o na his tória das ide ias de nosso tem po.
O pr im e i ro c apí tulo , in t i tu lado As Dem andas da Razão Especula t iva , desc reve o
e sp í ri to da é poca na qua l se g e s t am os conc e i tos f unda m e n ta i s do he g e l ia n i sm o da m a -
tu r ida de , c om o E sp í r it o , Ra zã o , E n te nd im e n to , H i s tó ri a , E u . A o c on t r á r i o da m a io ri a
dos com e n ta dor e s h c g e l ia nos que se co loca m no un i l a te r a li sm o de a f i rm a r ou ne g a r
a herança hege l iana do i lum inism o, Ch ar les Taylor am pl ia as aná l i ses da ges tação e
fo r m a ç ã o dos conce i t os heg e l i anos pa ra m om e n tos pouc o e xp lo ra dos no i t ine r á r i o
fi losófico de Hegel .
Assim , re conhec endo o papel am bíg uo do i lum inism o na reHexáo hege l iana , das
c ont inuidades e descont inuidades da apropr iação por Hege l dos fenóm enos postos pe lo
i lum inism o, Char les Taylor aprof und a as ra ízes de Heg e l no solo da própr ia A lem anha ,
de s ce ndo aos fun da m e n tos do
Sturm und Drang
, do r om a n t i sm o e do i l um in i sm o t i p i-
c am ente alem ães , para enc ont ra r em Herder o e lem ento de li gação e form ação, não ape-
nas daque les pr inc ipa is conc e i tos hege l ianos , por exem plo, o de Espí r ito , com o tam bém
da pr im e i ra g rande c r í ti ca avant la lettre ao postulado r cpresentac ionis ta na co ntem po-
rane idade com o ins tânc ia f i losóf i ca insuf i c iente para a autodesc r ição do Eu m oderno.
Cha rles Taylor, no prim eiro c apítulo desta obra, coloc ará as bases da cr í t ica à com -
preensão do Eu em te rm os representauonis tas , um tem a que ser á de ta lhadam ente ex-
plic i tado em suas obras poster iores, a exem plo de
As Fontes do Self,
e que se antec ipar á
em décadas aos fam osos debates susci tados por W ilfr id Sellars e , a tualm ente, por R obert
Rrandom , a ce r ca da insuf i c iênc ia da aná l i se do Eu e de sua dinâm ica es t rutura l em te r-
m os representac ionis tas , optand o pe la noção da expressividade que ele enc ont ra r á em
Herder e que assum ir á um pape l g randi loquente na de l im i tação do conc e i to de Espí r ito
[Geist]
em Heg e l , c om o resposta e suprassunção da c om preensão do Eu em te rm os re-
presenrac iona is , egoi cos e , m esm o, t r anscendenta is.
Todo o pr im e i ro capí tulo , ao re colocar os te rm os do i t iner á r io heg c l iano, expl ic i ta ao
leitor as c ondições e os l im ites de gestão daquele sistem a f i losófico que f ará c om que He -
gel seja c onhec ido c om o o Sol de Berlim . P ara tanto. Charles Taylor, ao ar t icular em
sua aná l i se e lem entos tanto his tóri cos com o f ilosóf icos , opor tun iza co m o Hege l c hego u
à com preensão da necess idade de suprassunção dos dua l ism os ins taurados pe lo i lum inis-
m o e da c om preensão do Si -m esm o em te rm os não express ivos . Ta l resposta hege l iana ,
nos te rm os com preendidos por Char les Taylor , coloca-se exa tam ente pe lo fa to de que
Hege l busca uni r a auton om ia ra c iona l co m a plena unidad e express iva m ediando a
histór ia com a natureza, através do c onc eito de Espír i to.
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Será o conceito de Espír i to que portará as condições expressivas de expor a autono-
m ia raciona] da razão, expressando-se co m o necessidade racional na Histór ia h um ana.
H a história desta nec essidade rat ional expressiva aprcsentar-sc -á pela pr im eira vez na-
quela obra qu e busca exp or as determ inações da c onsc iência subjetiva e objetiva, isto e ,
lóg i co-his tór icas , da ra c iona l idade hum ana , a Fen omenologia do Espirito.
N o se g undo c a p í tu lo d c
Hegel.
Cha rles Taylor apresenta-nos suas reflexões acerca da
Fenomenologia do E spírito,
assum indo-a c om o a m a is poderosa c es tim ulante r cHexáo es-
peculativa elaborada por Hegel , pelo fato de que na Fenomenologia se nos é apresen tada
um a visáo f i losóf i ca s i stem á t i ca , e laborada desde as pr im e i ras form as da consc iênc ia a té
a sua com ple t a a u tom a n i f e s ta ç ã o .
N a
Fenomenologia,
segu ndo Taylor , Hege l inaugura um m odo novo de ref lexão f i -
losóf i ca , pois , cm vez de assum ir com o pr inc ípio da re f lexão s i stem á t i ca as t radi c iona is
fo rm as do ser ou as c ategorias, pr incip ia sua reflexão desde as fo rm as da c onsc iência ,
para des tas fazer em erg i r as de te rm inações do pen sam ento puro.
Taylor interpreta a
Fenomenologia do Espírito
c om o um g r a nde i ti ner á r io da s nos -
sas conce pç õe s, c om o
modus
de explic i tação daquilo que e próprio ao Espír i to e sua
capac idade express iva de apresentar , sem reduz i r- se ao m om ento his tór i co da m ani fes-
tação, o decu rso do i t inerá r io espir itual do ser hu m ano . P ara Taylor, a Fenomenologia é,
sobre tudo, um a obra de autoesc la rec im ento e es tá perm eada de um a poderosa tensão
i nt er na , e n tr e u f v e o
nó s
, entre a existência individual e a perspectiva histór ic a , entre a
co nsc iência e o Espír i to, entre a f initude e a infin itude, entre o aparecer e o revelar ; e
é
isso que lhe confere essa extraordinár ia contundência c fascinação.
A fenom enolog ia es tá ass im des ig nada porqu e e a c iênc ia dos aparec im entos , do
fenom enalizar-se, num a clara resposta aos l im ites postos por Kant, ao m enosprezar os
m odos co m o as coisas aparecem para a nossa consc iênc ia . P a ra Hege l o m a is e fe tivo - o
Absoluto - e essenc ia lm ente autoaparênc ia e , por i sso, essenc ia lm ente m ani fes to .
Taylor propõe-se a analisar a
Fenomenologia do E spirito
seguindo o i t inerár io propos-
to por Hege l de par t ir de nossa consc iênc ia com um das coisas {das natürliche Hewuftt-
sein)
e conduz i r -nos a te o
Geist.
P a ra t a n to , conduz - nos por c i n co m om e n tos i n t e rnos a o
seg undo capí tulo , os qua is vão seguindo da dia lét ica da c onsc iênc ia , para, dem onst rando
seus pressupostos e l im ites, prom over unia elevação
{Erhebung
dos tem as, e avançar na
pá tr ia da c onsc iência de Si , e desta até aquela do Espír i to.
T a ylor a f i r m a de m odo c on tund e n te que t oda a e p is te m olog i a sub j ac e n t e da
Fenome-
nologia
ê de t ipo dia lé t i co- im anc nt i s ta , pois Heg e l obje t iva
[ .. .] m ostrar com o a consciência com um cuidadosam ente exam inada sucum be
diante da con tradição
c
ela própria aponta para além de
si
m esm a para um a form a
m ais adequada. E é claro que só um argum ento com essa f orm a seria c onsistente
com a conclusão de Heg el. Se fosse preciso m ostrar à consciência com um a partir
de fora o cam inho até o con hec im ento absoluto, se ela tivesse de ser instruída por
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m eio de algum a inform ação ou noção que não pudevíe obter por si m esm a, então
da não estaria f azendo parte daquela série ascendente de m odos de entendi m en to
que constituem o autoconhecim ento do
Geist,
ela estaria fora do Absoluto.
1
Nesta perspec t iva, todo c am inho qu e c onduz da c onsc iênc ia ao Espí r ito é o expli -
c i tar das c apac idades expressivas do Espír i to a si m esm o sem o recurso reduc ionista a
um pr in c íp io aiiextra. Com e st a e st ra té g i a , H e g e l co lo ca -se a o m e sm o t e m po com o um
con t inua dor de K a n t — desde a perspectiva da dedução transcendental — e seu m aior
oposi tor , pois inves te c ont ra K ant exa tam ente na dis t inção, para este fu ndam enta l , ent re
noumenon
c
phenomenon,
que para Heg el era insubsistente.
Assim , a lei tura de Taylor , espec ialm ente nos do is últ im os c apítulos da sua reHexão
acer ca da
Fenomenologia,
dem ons tra, à luz da ótic a do Espír i to, a reHexão acerca dos
t rês m odos de c onhec er o absoluto: a r te , r el ig ião c c iênc ia . E le apresenta , ao m esm o
tem po, seus t rês m odos de exis ti r, a inda que de form a não suf i c ientem ente desenvolvi -
da , e nqua n to
consciência, consciência tie si
e
razão.
É sabido que , na m a tur idade . Heg e l
apresenta r á os m odos do exist ir do absoluto co m o espirito subjetivo, objetivo e absoluto.
Todavia, para Taylor, a
Fenomenologia
a inda não desenvolve de m odo suf i c iente a
perspectiva que ela se autoestipula, pois as seções referentes à consciência são relativa-
m ente f r áge is para ancorarem toda a dinâm ica c com plexidade da histór ia . En t re tanto,
para ele, a c onstatação heg eliana da c onversão da co nsc iência c m co nsciênc ia de Si é dc
um br i lhant i sm o inaudi to , pois Hege l propic iou o autoc onhe c im ento f ilosóf ico do Seif.
Neste sent ido, a insuf i c iênc ia da
Fenomenologia
consis te num a incapac idade de sus-
tenta r um a dia lét i ca que se autoautent i ca enqu anto p rodução qu e o
Espírito
dá a si m es-
m o, talvez resultante da própria cr ise fen om enológ ica da obra, devido à sua am pliação
no curso da escr i ta , encontrando sua resolução na Ciência tia Lógica.
A terceira parte de
Hegel
de d ic a - se a o e n f r e n t a m e n to da
Lógica
hege l iana , tanto em
sua versão conhecida de a
grande lógica {Wissenschaft tier Log ik),
co m o em sua versão
menor (im GrunJisse), a s sum indo que a Lógica tem por fu nção a autoexposição de um a
prova dialét ico-c onc c i tual estr i ta . Taylor adm ite que, se o real existe c sua estrutura pos-
sui necess idade conc e i tuai , é apenas m ediante a lóg i ca e o uso dos puros a rgu m entos que
esta estrutura pode autoexplici tar-se.
N a
Lóffca
hege l iana , os co nc e i tos não se coloc am c om o
meros
ins t rum entos de nosso
pensam ento, apl ic á ve is e /ou adequáve is ou não à real idade . Há de se c om preender q ue ,
no proje to da lóg i ca , não há oposição ent re o pensam ento e o m und o, pois inexis te, cm
H e g e l , a com pr e e nsã o do conc e i to co m o um a de t e rm ina ç ã o abs tr at a opos ta às de t er m i -
nações dadas pe lo sensíve l; há um c om prom isso ent re pensam ento e m und o que a
Lógica
tem por tarefa tornar explíc i to, a través da autodescr içá o de suas fo rm as e , m ediante
es tas , dos c onteúd os das m esm as form as .
1
Ver adiante , note l ivro . p . 156.
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A
Légu a
cum pr e as sim a f unç ã o da c om ple t a au todes c r i çã o do
Geist
a n te s m e sm o de
sua f cnom enal izaçáo, por i sso a
Lógica
é a inda , cm Heg e l , um a c iênc ia form al , das puras
fo r m a s . E nqua n to a
Fenomenologia
apreend e estas puras f orm as na oposição do pensa-
m e n to d ia n te d o m u n d o , a
Lógica
apreende-as em sua c om ple ta unidade c in teração,
dc m odo nã o dua li st a c m e sm o nã o m on i s ta
tout court
, pois estas determ inações apenas
colocam o pênd ulo da reHexão num dos lados , re ins taurando o dua l ism o das puras de-
te rm inações de pensam ento.
Para a efet ivação desta com pleta autodesc r ição da
Lógica,
Taylor enf renta tod os os
três grandes blocos de signif icação lógica: o Ser , a Essência e o Conceito, dedicando-se
ainda à reHexão acerca da Ideia na natureza. Taylor c om pree nde que a
Lógica
m os t ra
um a estrutura c onc eituai necessár ia da realidade baseada cm c ontradição. Ela m ostra
que a cont radição per tence à na tureza m esm a das nossas ca tegor ias (
Denkbestimmungen,
WL vol. I , p. 38) V
Neste projeto de explic i tação do projeto
lógico
de Heg el , Taylor aduz ainda que o qu e
[ . . . ] a Lógica nos p r opor c iona é a fórm ula bás ica da necess idade rac ional que c orpor i f i -
ca a s i própr ia c , por conseg uinte , é m ani fes ta no universo . ' Deste m odo, a
Lógica
expõe
cm si e a si própria aq uilo que a natureza c a histór ia o farão na exter ior idade da m atér ia
e na aparência f enom enal das inst i tuições, a
vida ile Deus
, ou o
Geist.
A im por t ânc i a da Lógica heg eliana é tão grand e para Charles Taylor qu e oco rre um a
espécie de desequil íbr io expositivo, pois este capítulo da obra tem o dobro d e pá g inas
em relação àque las dedicadas às dem ais seções do pen sam ento heg e l iano, dem arc ando a
c entralidade do discurso lóg ico, para Hegel cm g eral, e para Taylor, cm part icular .
Após rcHct i r a ce r ca do proje to lóg i co heg e l iano, Char les Taylor em preende um a
g rande odisseia acerca do Espír i to Ob jetivo, ex pon do as ar t icu lações e os ternas internos
ao desdo bram ento da substância ét ica na f i losofia da polí t ica , na f i losofia do direi to c n a
fi losofia da histór ia . É esta tríplice m oldu ra tem á tica q ue o Espír i to Objetiv o deve ser
capaz de explic i tar à consciência de si individual que se coloca a efet ivar-se no processo
de efet ivação histór ico.
Este tr íplic e propósito d o Espír i to Obje tivo aglutina-se num a ideia-vetor , aquela de
que a autoc om preensá o do Espí r ito im pl ica o re con hec im ento da necess idade de que o
se r h u m a n o ,
médium
desta e fe t ivação, tam bém a l cance a sua própr ia autoc om preensá o.
O s ser es hum a nos de vem conhe c e r a si m e sm os e a o m undo c om o e le s e f e t iva m e n te são ,
e este co nhe c im ento deve ser e fet ivado, inicialm ente, na histór ia e plenif ic ado na ar te ,
na religião e na filosofia.
As instituições são as m ediações da subjetividade q ue se art icula na po lí tica , se c o-
nhec e na histór ia e se efet iva m ediante a atividade da
ciência
ou
jilosojia.
Tal périplo não
se realiza sem algum desgaste ou óbice, e o pr im eiro é aquele de orden ação da substânc ia
' Ver adiante , neste l ivro . p . 259.
' Ib idem .
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ética cm fac e das individualidades, da razão em face da histór ia c da efet ivação do
divino
sobre a terra,
ou Estado c om o f im e m e ta . A es tra tég ia heg e l iana , segundo Taylor , ser á
coordenar o postulado da
autonomia,
or iun do da f i losof ia m oderna , com aque le da f ilo-
sof ia ant i ga e m edieva l de um a pressuposição da ordem cósm ica ou prim az ia do m und o
sobre os seres hum ano s. Nesta tensão, coloc a-se a resposta de Heg el ao problem a d a
m odernidade na polí t ica e na histór ia , expli c i tando na resposta ao própr io problem a um
novo prob lem a, qual seja , a c ontradição in erente aos novos tem pos.
Sc no nível do Espír i to Objetiv o e que se coloca à efet ivação aquilo q ue há de div ino
sobre a terra — o Estado - enten dido es te c om o suprem a rea lização c om uni t á r ia , não é
para Hegel o Estado um a suprem a efet ivação do E spír i to, eTaylor , seg uindo esta diretr iz
heg eliana, a firm a sobre o Estado qu e
O autoconhc cim cnto do Espirito deve transcender o Estado em outro aspecto
tam bém . A com unidade política é a substância de certo povo cm dada época.
Porém , o espirito c ósm ico que deve chegar a reconhecer a si m esm o ná o está na
base só da m inha própria c om unidade, m as de toda a história c, para além disso,
de todo o universo.*
E es te novo veí culo de autoc onhc c im c nto e autodesc r iç áo do Espí r i to é sua apreensão
e nqua n to
absoluto,
ou enqu anto total autotransparéne ia de s i a s i m esm o m ediante a
intuição na arte, a representação na religião e a Ideia na filosofia. A perspectiva adotada
por Hegel de que o
Espirito enquanto absoluto
se c onhe c e por seus m odo s internos (ar te ,
relig ião e f i losofia) e efet iva-se por seus m odo s externos (subjetivo e objetivo) , enc ontra
seu ná o l im i te, e fe t ivando-se c om o pura l iberdade . P a ra Hege l , o absoluto em sua e fe -
t ivação espi ri tua l prom ove a c om ple ta autot ransparéne ia a si m esm o m ediante sua m e-
diação con sigo m esm o, a lg o pouc o ace it áve l para os padrões da f ilosof ia c ontem porânea .
Todavia, Taylor , c iente da di f ic uldade de aproxim ar a perspectiva do abs oluto em Hegel
das exig ências do disc urso f i losófico atua l , pr ior iza a tem atizaçáo dos níveis anter iores
do absoluto,
arte e religião,
e n t r eg a ndo a o c l ím a x do
absoluto esua apreensão como saber,
filosofia, o despontar de um a nova época no m und o, aque la da c iênc ia .
Após percor re r as sendas de um c am inho á rduo, exigente , m as g ra t if i c ante . Charles
Taylor encer ra seu livro com um m ag is tra l c apí tulo int i tu lado Heg e l Hoje , em que
percorre toda a genese das influênc ias c refutações do heg elianism o desde a m orte de
Hegel até o advento da própria obra
Hegel.
N e s t e pe rcu r so , a o m e sm o t e m po h i stó ri co
e f i losófico, por isso rem em orativo, Taylor afirm a que o projeto hegeliano é atual e rele-
vante quanto aos tem as , aos problem as e às est ra tég ias de enf re ntam ento.
A ide ia de um a resposta s i s tem á t i ca e g loba l com o aque la proposta por Heg e l , de u m a
lóg i ca c om o m etaf í s i ca e de um a total autotransparéne ia do Espí r ito , coloca-se num a es-
teira dif íc i l de ser at ing ida e a di f ic uldad e se deve, em g rande m edida, aos avanços das
* Ib idem , p . 503 .
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diversas c iênc ias c da própria natureza do discurso f i losófico c onte m porâ neo , o qual , a
cada dia , aproxim a-se m a is c m a is do proje to c ient if i c i s ta c obje tua l da c iênc ia c ontem -
porânea.
Seg undo Taylor , Hege l e um dos autores m odernos m a is fe cu ndos para a c ontem -
porane idade c , se a fec undid ade de Heg el persiste , e porq ue m uitas de suas respostas
ainda prec isam ser reelaboradas. P ara Charles Taylor, sua reelaboração im plica voltar
àque les e lem entos que es tão na base do heg e l ianism o, qua is se jam : i lum inism o,
Sturm
und Drang
c rom ant ism o, por m a is anacrónic os que es tes nos pareçam e que perm ane-
çam i rr cHetidos em nossa experiênc ia quan do do en c ont ro ent re l inguag em e na tureza .
Charles Taylor con seg uiu estabelecer a m ais lúc ida c ousada reflexão soba- Heg el e
seu s is tem a , assim c om o aproxim ou há m a is de t rinta anos duas cor rentes f ilosóf icas que
se dig ladiam si lenciosam ente desde os pr im eiros l ivros lógic os de Aristóteles, e aberta-
m ente desde os in f luxos da filosofia da linguagem, q uais sejam , as perspectivas analí t ic as
e co ntinentais. A penas por estes dois m éri tos, a obra
Hegel
, de Charles Taylor, já se ins-
creve no pan teá o das obras f i losóficas que perduraram na histór ia .
Ag ernir Bavaresco é do uto r cm Filosofia pela Sorbo nne e
professor do P rogram a de P ós-Graduação em Fi losof ia da P UC /RS .
Dani lo Vaz-Curado R. M . Costa é doutor em Fi losof ia pe la UF RG S e
ê professor e coordenador do Curso de Fi losof ia da UN ICA P /P E.
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P R E F Á C I O F. A G R A D E C I M E N T O S
Esta c m a is um a tenta tiva de expor Heg e l . Sup onho que se ria supérHuo e , bem pos-
sivelm ente, con trapro dutiv o ten tar just if icá - la logo de início. Mas vale a pena visualizar
as di f ic uldades que acossam todas essas tentativas.
O e m pr e e nd im e n to pode f a c i lm e n t e da r er ra do num a de dua s m a ne ir a s opos ta s .
P ode-se acabar sendo terr ivelm ente claro e soand o m uito rac ional ao preço de distorcer
ou a té censurar Hege l , ou pode-se perm anecer f ie l ao teor, m as tão im pc nc t rave lm c nte ,
que, no f inal das contas, os lei tores recorrerão aliviados ao texto or iginal para consegui-
re m e n t e nde r o com e n t á r i o .
O le itor ter á de julga r se t ive êxi to em evi ta r um a dessas duas a rm adi lhas ou am bas .
P orém , agora , eu gos ta ria de expli ca r co m o tente i . A Par te I des te livro é um a tenta t iva
de expor as linhas cent ra is da con cep ção de Heg e l sem m e res tr ing i r a seus próp r ios
te rm os . Rec onheço qu e se t ra ta de um a ini c ia t iva per igosa . Mas espero perm anec er f ie l
às intençõ es de Heg el ao relacionar esse esboço de sua f i losofia c om as aspirações de
sua ge ração, ao enc ont ro das qua is a sua visão f i losóf i ca pre tende u i r, em sua m ane i ra
própria e singular .
O c apítulo I , por c onseg uinte, é dedic ado a um a tentativa de descrever as aspirações
da geração de jovens rom ântic os da décad a de 179 0, da qual Heg el proveio e c ontra a
qua l e le de f iniu a si m esm o. Após um breve capí tulo sobre o desenvolvim ento de Hege l ,
tenro então apresentar, no capírulo III, um esboço de suas idéias centrais.
N o restante do l ivro, preenc ho esse retrato estrutural , valendo-m e dele para expor
as fases m ais im portan tes da obra de Heg el . A P arte II é dedic ada à
Fenomenologia do
Espirito.
Na P arte III , tento oferec er um a explicação da
Lógica.
Esta é a parte m ais long a,
m ais exaustiva e . para aqueles que nã o estão interessados nos detalhes dos arg um entos de
Heg e l , a m enos c om pensadora do l ivro. O le itor in te ressado apenas em te r um a noção
geral do pensam ento de Heg e l ou, m a is espec i f i c am ente , da teor ia pol ít i ca de Hege l ou
da sua f ilosofia da histór ia ou da c onc epção de c ultura m ode rna p ode pular essa seção.
P o r ém , a
Lógica
perm anece indispensáve l para quem quiser entender c om o a f ilosof ia de
Hegel se auten tic ou aos seus próprios olhos c , de f ato, c om o essa f ilosofia c a sua auten-
t icação são inseparáveis para Heg el .
A P arte IV oferec e urna exposição da f i losofia hegeliana da histór ia e da po lí tica , bem
c om o da per cepção que Hege l teve, a m eu ver, dos di lem as das soc iedades m odernas . N a
P arte V, exam ino brevem ente as f i losofias hcg elianas da ar te c da rel ig ião, assim c om o a
sua c onc epção da histór ia da f i losofia. E, no ca pítulo c onc lusivo, ten to m ostrar de que
m odo a f ilosofia de Heg el é parte essencial do conH ito recap itulativo de interpretações,
por m e io das qua is tentam os entender a nós m esm os c om o c ivil ização.
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Ag radeço, cm pr im e i ro lug ar , a Isa iah B er l in , S tuar t Ham psh i re e A. J . Aycr , que
ha m u i tos a nos - m a i s do que co ns i g o m e l e m br a r ou g os t a ri a de r e co r da r - m e
l e va ra m a e nc e t a r es se e m pr e e n d im e n to . E sou m u i to g r a to a Isa ia h Be r li n por s e us
c om e n t á r i os a um a pa r t e do o r i g ina l e pe lo p r ove i to que t ir ei do seu a m plo c onhe -
c i m e n t o e e n t e n d i m e n t o d e to d a a f as e d o p e n s a m e n t o a l e m ã o c d a s e n si b il id a d e
a l e m á da qua l p r ove io H e g e l .
Eu gos ta ria de ag radecer tam bém a Bernard Wil l iam s , que fez a lgum as va liosas su-
ges tões de m udanças , as qua is talvez não tenham s ido suf i c ientem ente consideradas por
m im ; e aos professores He rm ann Boeschenste in , Harold Sar f e Geof f rey Cham bers , po r
seus com entá r ios a par tes do or ig ina l.
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R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S A B R E V I A D A S
ABREVIAÇÃO ÜBRA OBSERVAÇÃO
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A Diferença entre o Sistema
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b l i c ada po r Hegel ( ju l l iod c 1801) .
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HR.GF.U G . W . F. System der Sittlichkeit. In:
G. lasson (ed.) . Schriften zur Politik und
Kechnphilosophte. Leipzig, 19 2Í .
Obra inédi ta do per íodo de Iena.
Kcal ph ilo II
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G . W . X\
Jenaer Realphilosophie.
Ed.
J . H o f f m e i st e r. H am b u r g o . 1 9 6 7 .
As preleçóes de Heg el c m Iena de 1S05-
1806. publ icadas por Hoff m eis ter pela pr i -
m ei ra vez na décad a de 1930 .
FF
Hr .G F .u G. W. F. FenomnioJagia do Espirito.
Trad. Paulo Meneses . Petrópol is : Vozes Bra-
gança Paulista: USF. 2Ü02.'
A Fenomenologia do Espirito publ icada por
Hegel cm 1807 . no f inal do per íodo d c I ena .
P h G E d . a l em ã :
Phänomenologie des Geistes.
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G. I -as son . Ha m burg o . 1952 .
A Fenomenologia do Espirito publ icada por
Hegel cm 1807 . no f inal do per íodo d c I ena .
W I .
H EGEU G. W. F. Wissenschaft da Ugtk. Fd.
G. Iais iun. HAMLMRGU. 1V63.
A Ciêricia da I-ógica pub l i cada po r Hegel cm
1812- IS 16. cm seu perim i s» de Nur c m i j t r g ,
às vezes t am bém cham ada d c ló g i ca m aio r .
El .
H E G E L , G . W . F. System da Philosophie,
erster Teil. Die l-ogik. SW VIII. |ed. bras.:
H E G E L . G . W . F. Enciclopédia das Ciências
Filosóficas em Compênd io. Vo lum e I : A Ci -
ên c i a da I .ó g i ca . Trad . Pau lo Mè nes» . São
Paulo: I -oyob. 19951 '
Essas tres obras foram publicadas orig inalm en-
te por Hegel cm 1817 com o t í tu lo Enciclopédia
da s Ciências Filusófiias em Compêndio (a seg un-
da e a terceira edições saíram ein 1827 c 1830).
A pr im eira parte às vezes é cham ada dc ' l ó -
gica m enor . O texto indicado aqui Uztc ia-tc
na terceira edição com acrésc im o* baseados cm
anotações dc estudantes durante a prclcçáo. As
referencias bibliográficas a essas obras são feitas
por núm eros dc parág rafos ($ . . .) . Os parágrafos
dc Hegel consist iram dc um enunc iado pr inci-
pal . seguido, cm alguns casos dc um a observa-
ção explicativa, que. ãs veres, por seu turno, era
seguida dc um acrésc im o inserido pelos edi to-
res posteriores. On de for útil. assinalo nas m i-
nhas referencias a distinção entre o enunciado
principal c a observação, c. onde a observação
ou o acrésc imo forem dem asiado longos , indi-
carei a pág ina dc referenda na edição das SW.
E N H E G E L , G . W . F. System da llnlowpJw.
zweiter Tei l . Die Naturphi losophie,
SW
IX.
led. bras.: H E G E L , G. W. F. Enciclopédia das
Ciências Filosóficas em Compên dio. V o l um e
II : A Fi losofia da Natureza. Trad. José No-
gueira Machado. Sio Paulo: Loyola. 19971 '
Essas tres obras foram publicadas orig inalm en-
te por Hegel cm 1817 com o t í tu lo Enciclopédia
da s Ciências Filusófiias em Compêndio (a seg un-
da e a terceira edições saíram ein 1827 c 1830).
A pr im eira parte às vezes é cham ada dc ' l ó -
gica m enor . O texto indicado aqui Uztc ia-tc
na terceira edição com acrésc im o* baseados cm
anotações dc estudantes durante a prclcçáo. As
referencias bibliográficas a essas obras são feitas
por núm eros dc parág rafos ($ . . .) . Os parágrafos
dc Hegel consist iram dc um enunc iado pr inci-
pal . seguido, cm alguns casos dc um a observa-
ção explicativa, que. ãs veres, por seu turno, era
seguida dc um acrésc im o inserido pelos edi to-
res posteriores. On de for útil. assinalo nas m i-
nhas referencias a distinção entre o enunciado
principal c a observação, c. onde a observação
ou o acrésc imo forem dem asiado longos , indi-
carei a pág ina dc referenda na edição das SW.
E G
H E G E L ,
G. W. F.
System der Wilotop/w.
dri t -
ter Tei l . Die Phi losophie des Geis tes . SWX.
led. bras.: H E G E L , G. W. F. Enciclopédia das
Ciências Filosóficas em Compên dio. V o l um e
III: A Fi losofia do Espír i to . Trad. Paulo Me-
neses. São Paulo: lioyola. 19951
Essas tres obras foram publicadas orig inalm en-
te por Hegel cm 1817 com o t í tu lo Enciclopédia
da s Ciências Filusófiias em Compêndio (a seg un-
da e a terceira edições saíram ein 1827 c 1830).
A pr im eira parte às vezes é cham ada dc ' l ó -
gica m enor . O texto indicado aqui Uztc ia-tc
na terceira edição com acrésc im o* baseados cm
anotações dc estudantes durante a prclcçáo. As
referencias bibliográficas a essas obras são feitas
por núm eros dc parág rafos ($ . . .) . Os parágrafos
dc Hegel consist iram dc um enunc iado pr inci-
pal . seguido, cm alguns casos dc um a observa-
ção explicativa, que. ãs veres, por seu turno, era
seguida dc um acrésc im o inserido pelos edi to-
res posteriores. On de for útil. assinalo nas m i-
nhas referencias a distinção entre o enunciado
principal c a observação, c. onde a observação
ou o acrésc imo forem dem asiado longos , indi-
carei a pág ina dc referenda na edição das SW.
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F D H
E C E L
, G. W. H
Unhas Fundamentais da Fi-
A» re fe renda i a esta obra . pr im e iramente
luso i do Durito ou D ireito Natural e Ciência public ada em 1821. também se rão fe i tas por
do Etude em Compêndio. Trad. Paulo Mc nc - núm eros de par á g ra fos {§. . . ). Ne la , o texto
ses et ai São Leopoldo: Unisinos, 2010. pr inc ipa l dc um par á g ra fo também é . c m a l-
PR H
E GE L
, G. W. F.
Grundlinien der W?ilosopf?ie
guns c asos, seguido por uma observação c x-
dej Rechts. Ed. J . Hof fm e iste r . Ham burgo , pl ic a t iva (às vezes, indic ada por um E após
1955. ou: Hegel's Philosophy of Rigfst. Trad, o nú mero do par á g ra fo) , c . eventua lmente .
T. M. Knox. Oxford . 1942. também por um ac résc imo inse r ido por
editores poste r iores c om base c m anotações
feitas durante a prclcção. Em g eral, c itc i o
texto da edição dc Kno x. mas a» referências
aos par á g ra fos fa c i l i tam enc ontra r os tc xt iw
também na edição a lemã . Quan do as obser -
vações ou os a c résc imos são longos, indique i
as pá g inas dc re fe renc ia na edição dc K nox.
VG
H
E GE L
. G .
W.
E
Die Vetnunfi in der Ges-
Par te introdutór ia das pr c ic çóc s de Hege l
chichte.
Ed .
J.
Hof fm e iste r . H amb urgo, sobre a f i losof ia da histór ia , c om piladas pos-
1955- tum amen te a pa r t ir dc vá r ios c ic los dc ano-
tações feitas durante a prclcção.
G \ V
l & l
Hr .Gtl , G. W. E Die Germanisme Welt. Ed. Esta c a parte conclusiva das prclcçóes de
G. less on. Leipzig, 1920. Hegel sobre a filosofia da história, com pilada
do m odo a c ima desc r i to.
H E GE L . G. W. F. Die Idee und das Ideal. Ed. Pa r te introdutór ia das pr c ic çóc s dc Hege l
G. I -asson. Le ipz ig . 1931. sobre a esté t ic a , igua lm ente c om piladas
postum am ente a pa r t ir dc anotações fe i ta s
durante a pr c lc ção.
BRd
NatRc l
HE GE L, G . W. E tiegriff der Religion. Ed. G. Prim eira pane das prcicçócs dc Hcgql sobre a
lesso n. Leipzig, 1925. filosofia da religião, com pilada postum am ente
a partir dc anotações feitas durante a prclcção.
H E C E L . G . W . F . Die Naturreligion. Ed. G. Segunda parte das prcicçócs de Hegpl solxe a
lesson. I - c ípzig . 1927. hlosoha da re l ig io, c ompilada postumam ente
a partir dc anotações feitas durante a prclcção.
RcIGI
AbsRd
H
E GE L
, G. W. F .
Die Religionen der Geistigen
Tcrccira parte das prcicçócs dc Hegel sobre a
Individualität.
Ed. G. l asson. 1-cipzig, 1927. filosofia da religião, com pilada postum am ente
a partir dc anotações feitas durante a prclcção.
H E GE L , G. W. F . Die Absolute Religion. Ed. Quar ta c úl t im a par te das prc ic çóc s dc HE-
G. I-asson. Leipzig, 1929. gel sobre a filosofia da religião, com pilada
postum amente a pa r t ir dc anotações fe i ta s
durante a pr c lc ção.
G P h i l HE GE L, G. W. E Gesdücbte der llúlosoplnc. Par te introdutór ia das pr c ic çóc s dc Hege l
Ed. J . Hof fm e iste r . 1- c ipz ig . 1940. sobre a histór ia da f i losof ia , c om pilada pos-
tum am ente a pa r t ir dc anotações fe ita s du-
rante a pr c lc ção.
' A tradução para o por tuguês da i c i tações desta obra tom a por base essa trad it io , exc e to quando houver
indicação diferente no respectivo local. (N. T.)
A tradução para o por tuguês das c i tações desta obra tem por base o texto c m a lem ão, exc e to quando
houver indic ação di fe rente no respec t ivo loc a l . (N. T.)
G L O S S Á R I O D E P A L A V R A S A L E M Ã S U S A D A S N O T E X T O
TRRMO
T
R A D U Ç Ã O
C O M E N T Á R I O
an sich cm si Com o te rmos té c nic os hegdianos . c f . a disc ussão no c apítulo
III. 7.
fur s ic h
para si
an und für s ic h c m c pa ra si
A u f h e b u n g
a li- rogação ou supressão No uso espec í f ic o dc Hege l , o te rmo c om bina seu sentido or -
diná r io c om um sentido m a is ra ro. dc pòr de lado ou pre -
servação . Nesse caso, ele é usado para designar a transição
dia lé t ic a c m que um está g io infe r ior é unto c anc e lado c om o
prese rvado num está g io super ior . C f . c apítulo I I I . S .
A u f k l ä ru n g I l u m i n i s m o
Aufklärer
i lum inista ( s) . os homens
d o I l u m i n i s m o
be i s ic h c m c asa Traduz ido c om exa tidão para o f ranc ês c om o c hez soi , ten-
do. a inda , a c onotação da presença c onsigo m esmo.
Dasein existência ou existente Usado por Hegel para designar a catego ria da Ilógica que
e inerge da dia lé tic a dc Ser c Nada . Nesse sentido, usua lm ente
traduz ido por Ser De te rm inado . C f . c apítulo X. seção I .
Ding an sic h
c oisa - c m-si
Geist e spír i to Usado por Hege l pa ra designar a subje t ividade no mo do c om o
da re torna a dc dc den tro dc sua c orpor i f ic ação: a pa r t ir da í .
também é usado c oin re fe rênc ia ao espíri to c ósm ic o ou a Deus.
Mora li tä t mora lidade Usado por Hege l c m c ontraste c om
S ittlichkeit,
para designar
a m ora lidade que nos é própr ia c omo vontades ra c iona is uni-
versais , independentemente dc pe r tenc e rmos (ou não per ten-
c e rmos) a uma c omu nidade . C f . c apitulo XIV.
sittlich
Sitdic hkc i t
ético/a (adjetivo)
é t ic a (= c t ic idadc )
Com o tenno té c nic o hege liano. designa a mora lidade que nos
é própr ia c m vir tude dc se rmos m embros dc um a c om unidade
autossubsistente . à qual devemos f ide l idade c om o c orpor i f ic a -
ção do universal. Cf. capítulo XIV.
Sein ente, ser
Sollen dever-ser
Verstand entendim ento
Vernunf t razão
Volk povo
Volksgdst( c r )
espírito(s) do povo Cf. capítu lo XV. 1.
Volks religion
re l ig ião dc um povo Cf . c apítulo I I .
Vorste l lung representação Com o te rmo té c nic o hegdiano . é usado para designar um
mod o dc pensar que se base ia c m im agens e in vez dc se r pu-
ramente c on c dtua l . £ o m odo dc pensar própr io da re l ig ião.
Cf . c apítulo XVII .
Wirklic hke it rea l idade Usado c om re fe rênc ia ao real no sentido ordiná r io, somente
na m edida c m que está a í c omo c onc re t ização da Ide ia . C f .
capítulo XI, seção III.
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P A R T E I
S DEM ND S
D R ZÃO
ESPECUL TIV
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C A P Í T U L O I
Aspirações de um a nova époc a
H e g e l na sc e u em 1770, no m om e n to e m que a cu l t u r a a l em á i n ic i ava a m uda nç a de -
c i siva conhe c ida c om o Sturm und Drang, e quando nascia a geração que revolucionaria
o p ensam ento c a l i teratura alem ães na virada do século. Hegel pertenc e a essa g eração,
que foi c ham ada , um tanto im prcc i sam entc , de ge ração rom ânt ic a . De fa to , essas e t i-
quetas part idár ias induzem a erro; havia c er tas preoc upações que prend iam a atenção
dos pensado res e ar t istas dessa g eração, quer sejam quali f ic ados de rom ântic os ou não,
p r eocupa ç ões que e ra m com pa r ti l ha da s a té m e sm o por c r ít ic os ve em e n te s dos r om â n t i -
cos , c om o Heg e l . Não c onsegui rem os entender rea lm ente o que e le quer ia , sem vis lum -
brar as aspirações c os problem as bá sicos que o dom inav am , e estes eram os de sua époc a.
É claro que se tratou d e um a époc a revoluc ioná ria. Essa frase se tor no u trivial para nós,
porqu e a revolução no m un do tem se tornad o quase um a con stante da nossa experiência .
P orém , na déc ada de 1790, a Revolução ating iu seu im pac to total, quand o as ond as de
c hoq ue vindas de P aris se espalharam pela Europa; c seu im pac to foi tanto m ais for te por
ter sido am bivalente: entusiasm o seg uido de horror perplexo entre a jovem
intelligentsia
da
Alem anha. Mu ita coisa nos escr i tos de Hegel e de seus con tem porâneo s po de ser explicada
pela necessidade dc obter c l a i m sobre a dolorosa, perrurbadora c conf l i tuosa experiência
m oral da Revolução Francesa. Mas tam bém devem os obter urna noção do m eio no qual
esse evento que fez época reper cut iu , a a tm osfe ra de pensam ento e sent im ento cm que foi
form ada c se desenvolveu a então nascente geração de jovens alem ães bem -educ ados.
Talvez o m odo m ais eco nôm ico d e esboçar essa atm osfera ou seus aspectos que m ais nos
ajudarão a entender Heg el seja delinear um problem a central que insistentem ente dem an-
dou um a solução dos pensadores dessa época. Ele dizia respeito à natureza d a subjetividade
hum ana e sua re lação com o m undo . Era o problem a de unir duas im agens aparentem ente
indispensáveis do ser hum ano que, em c er to nível , possuíam profu ndas afinidades um a com
a outra, c , no entanto, não podiam senão se apresentar c om o com pletam ente inc om patíveis.
I
Essas duas visões surgiram c om o reações à
—
e , cm conse quê nc i a , pa r c i alm e n te com o
desenvolvim entos da - c or rente pr inc ipa l do pensam ento i lum inis ta radica l , c om o este
foi desenvolvido du ran te os séculos XVII e XV III na Inglaterra c na França. Ref iro-m e
à l inha de pensam ento que teve iní c io c om a revolução epis tem ológ i ca que foi em par te
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inspiradora, cm parte benefic iá r ia , da revolução cientí f ic a do séc ulo XV II. Ela foi desen-
volvida por pensadores tão diversos quanto Bacon, Hobbcs, Descar tes c Locke; sendo
autenticada pela c iência de Gali leu e Newton, ela consolidou a sua posição no século
X V I II nã o só c om o t eo r ia do conhe c im e n to , m a s t a m bé m c om o te o r ia do se r hum a no
e da sociedade. Pelas m ãos de seus protag onistas m ais radicais, e la evoluiu ru m o a um
a tom i sm o e m e ca n i c i sm o consum a dos , às vez es che g a ndo às ra ia s do m a t er ia l ism o , e m
sua expli cação do ser hum ano e da soc iedade , e conv er teu-se nu m ut i l ita r ism o radi ca l
no c a m po da é ti c a . H e lvét ius , H olba c h , H um e , Be n tham pode m ser cons ider ados c om o
representantes de di ferentes «m en te s desse vasto c audal.
Oia , há m uitas m aneiras de interpretar esse m ovim ento de ideias; a m ais c om um é a que
acabam os de m enc ionar: que a vem os, pr im ordia lm ente, c om o um a revolução epis tem oló-
gica com co nsequênc ias antropológ icas. P orém , será m ais relevante para os nossos propósitos
tentarm os n os conc entrar na noção de sujeito subjac ente a essa revolução desde o princ ípio.
Co m o inovadores epis tem ológ i cos , os m odernos do século XVII dir i g i ram o seu
desprezo e as suas polém icas c ontra a c iênc ia ar istotél ica e a visão do universo que se
havia enredado com e la no pensam ento m edieva l e no da pr im e i ra fase da R enascença .
As causas f inais c a respectiva visão do universo co m o u m a ordem signif ic at iva de níveis
qua l i tat ivam ente di fe renc iados deram lugar, pr im e i ro , a um a visão pla tônico -pi tag ór i ca
da o r de m m a t em á t i c a ( com o e m Br uno , Ke p le r e pa r c i a lm e n te t a m bé m e m G a l il e u) , e ,
por f im , à m oderna visão de m un do das cor re lações cm úl t im a ins tânc ia co nt ingen tes ,
a serem pac ientem ente m apeadas pela observação em pír i ca . Do pon to de vis ta m oderno ,
essas visões do períod o inicial traíam urna deplorá vel , em bora c om preensível , fraqueza
hum a na , um a a u to indu l g é nc i a com que p r o je ta va m nas co i sa s a s f o r m a s que m a is dese-
javam enc ontrar , nas quais se sentiam plenif ic ados ou em casa. A verdade e a desc oberta
c ient íf i cas requerem auste ridade , um a ba ta lha co ra josa c ont ra aquilo que Bacon c ham ou
de os ídolos da m ente hum ana .
Todos nós som os suf i c ientem ente m odernos para te r com prado boa par te dessa
h i stó ri a . É com um m i s to de conde s ce ndê nc i a e e m ba r aç o que le m os um a passa g e m
c om o a seguinte , um a re futação da descober ta das luas de Júpi te r por Gal ileu, da tada
do início do século XVII.
Há sete janelas dadas aos anim ais no dom icílio da cabeça, através das quais o ar e
adm itido no tabernác ulo do corpo, para ilum iná-lo. aquecé-lo e alim entá-lo. Quais
sáu essas partes do rniovrosmoï Duas narinas, dois olhos, dois ouvidos e um a boca.
Assim sendo, nos céus, com o cm um
macrocosmo
há duas estreias favoráveis, duas
im propícias, duas lum inares e M ercúrio indeciso e indiferente. A partir dessa e de
muitas outras
sim ilaridades na natureza, c om o
a dos
sete m etais, etc.,
cuja
enum eração
seria m uito tediosa, inferim os que o núm ero de planetas é necessariam ente sete.'
1
Apiid S . Warhil f t (ed .) . Francis tíacvn: A Selection of His Works. Toro n to . 1965 . p . 17 .
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O que parec e esrar na base dessa arg um entaçã o, na qualid ade de assunção antro-
pom ór f i ca , e a visão de um a ordem s igni f i ca t iva . E la pode ser ch am ada de ordem
signif icat iva porq ue a noção é a de que diferen tes elem entos na cr iação expressam ou
co rpor i f i cam um a ce r ta ordem de ide ias - é por isso que os or i f í c ios na cabeça , os pla-
ne tas , os m e ta is c out ros fenóm enos cuja enum eração se ria m ui to tediosa podem ser
todos postos em relação uns com os out ros . Todos e les co rpor i f i cam a m esm a ide ia re -
f le t ida em di fe rentes m e ios , ass im c om o faz ca lor e
ilfait chaud'
e xpre ssam o m e sm o
enunc iado cm di fe rentes l ínguas . E , devido a essa c or respondênc ia , podem os deduz i r a
na tureza de um a a par t ir da out ra , exa tam ente c om o se i, a par ti r do que aprendi , que , se
alguém diz faz calor em franc ês, fa la i l fa i t c hau d . A ideia da ordem signif ic at iva está
inseparavelm ente l igada à das causas f inais, pois postula que a disposição do universo é
c om o é , e se desenvolve do m odo c om o o faz , v isando corpor i f i ca r essas Ide ias ; a ordem
é a explicação ú lt im a.
Enten der o m un do em c a tegor ias s i gni f i ca t ivas que existem para c orpor i f i c a r ou
expressar um a ordem de Ide ias ou a rqué t ipos , que m ani fes tam o r i tm o da vida divina
ou os a tos f únda n te s dos de uses ou a von ta de de D e us ; ver o m un do c om o um t e xto
ou o universo com o um l ivro (um a noção de que Gal i leu a inda se se rviu) - esse tipo
de visão
interpretativa
da s co i sa s, que de um a ou ou t r a f o r m a de se m pe nhou um pa pel
ba s t a n te im por t a n t e e m m u i t as soc i e da des p r é - m ode r na s , pode a f ig u r a r- se a nós c om o
o pa r a d ig m a da pr o j eç ã o a n t r opom ór f i c a sobr e o m un do , a p r opr i a do a um a er a e m
que o se r hum a no nã o er a p l e na m e n te a du l to . E se e st e f o r o ún i c o m odo qu e t e m os
de ver essa t ransição que h ouve em nossa his tór ia intele c tua l e cul tura l , então te rem os
de inte rpre ta r as revoltas c ont ra o m ec anic i sm o do f ina l do século XV II I , a visão de
Go ethe , a im ag inação rom ânti ca , as f i losof ias da na tureza de um Sc he l l ing ou de um
H e g e l s im p le sm e n te c om o um co l a pso ne rvoso , um r e to r no nos t á l g i co a con f o r táve i s
i lusões m a is ant i gas .
Esse m odo de ver as coisas não é inc om um , m as est á longe de co m preender o po nto
dec is ivo dessas reações , bem c om o obscurece o m odo c om o as questões susc i tadas cont i -
nuam cen trais hoje. Em vez de ver a questão entre Gali leu c os f i lósofos de P á dua, entre
a c iênc ia m oderna e a m e ta f ís i ca m edieva l , c om o um a ba talha ent re duas tendênc ias
presentes no
self,
um a im plem entand o i lusões c onf or tadoras , a out ra fazendo f rente a
duras rea l idades, podem os encar á - la com o um a revolução nas ca tegor ias bás i cas com que
e n t en d e m o s o
self.
Isso não que r dizer que ela tenha sido entendida dessa m aneira na
época , m as que essa form ulação é m a is apropr iada para nos a judar a entender os m ovi-
m entos do f inal do século XV II I .
A lei tura que os m oderno s fazem dos seus predecessores c opone ntes c om o presos
num a te ia de i lusão que te ce ram para si m esm os, proje tando s igni f i cados divisados na
m ente de m odo autoind ulg ente sobre os fa tos, é decor rênc ia com preensíve l da ba ta lha
dos inovadores para l iber tar-se de um a venerável or todox ia. P orém , esta persiste parcial-
m ente porque a própr ia c om ple tude da revolução m oderna m i l ita no sent ido c ont r á r io
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ao nosso entend im ento da visão que e la subst i tui. A própr ia noção m oderna d o self, que
e o
locus
dessa baralha entre indulg ênc ia e auster idade, só vem a existir, de fato, no século
XVII . em bora a visão epicure ia a prenunc ie em ce r ta m edida .
A di fe rença essenc ia l ta lvez possa se r fo rm ulad a des ta m ane i ra : o suje i to m ode rno
é autode f in i tór io , ao passo que , cm visões ante r iores , o suje i to é de f inido c m re lação a
ur na o r de m cósm i c a .
Qu alqu er expl icação do suje i to hum ano prec isa fazer f r ente a c e r tas fa c e tas univer -
sais da exper iênc ia : que há m om ento s cm que é poss íve l es tar em s inton ia consig o
m esm o, c om os própr ios inte resses cent ra is , em que pod em os te r c la reza sobre quem
som os e sobr e qua is sã o nossos p r opós i t os , e nqu a n to , cm ou t r os m om e n tos , e s t a m os
c onf usos , sem c la reza ou per turb ados , divididos ent re es te c am inho c aque le ou ob-
c e ca dos com o que nã o é e s se nc i al , ou a pe nas a ton i t a m e n te de sm e m or i a dos . M ui tos
co nc e i tos e m ui tas im agens pod em ser usados para desc rever essas c ondições opostas :
h a rm o n ia
versus
c o n f l i to , p r o f u n d i d a d e
versus
super f i c ia l idade , posse de s i m esm o
ver-
sus
pe rd a d e si m e s m o , a u t o c e n t r a m e n t o
versus
d i spe r sã o . E , obv i a m e n te , ne nh um a é
neut ra , no sent ido de que cada urna propõe um a inte rpre tação do que es tá em jogo e
dc que pod e ser c ontes tada . Com e fe i to , d i fe rentes noções do suje i to sugerem inte r -
pre tações m ui to di fe rentes .
Se tom arm os autopresença c om o te rm o provisór io c ont raposto a dist ração ou
dispersão para desig nar as oposições nesse po nto , poderem os dizer que a visão dc sujei-
to or iunda da tradição dom inante dos ant ig os foi a de que o m om ento em que o se r hu-
m a no es te ve m a is p le na m e n te em co n t a to cons ig o m e sm o se de u qua ndo e le e st eve e m
s in ton i a com um a o rde m cósm i c a , c cm s in ton i a com c i a no m odo m a is a p r opr ia do a c i a
c om o ordem de ideias , is to é , m ediante a razáo. Este é c la ram ente o legado de P la táo; a
ordem na alm a hum ana é inseparável da visão racional da ordem do ser. Para Aristóteles,
a contem plação dessa ordem é a a t ividade m a is elevada do ser hum ano. A m esm a noção
básica está presente na visão neop latónic a que, por interm édio de Ag ostinho, torn a-se
fu nda nte para g rande par te do pensam ento m edieva l.
Nessa visão, a noção dc um sujeito que alcança autopresen ça e c lareza na ausência dc
qua lquer ordem cósm ica , ou na ig norânc ia da ordem cósm ica e sem relação com e la , é
com ple t a m e n te de st i tu ída de se n tido : de spe r ta r de um sonho , de um a c on fusã o , de um a
ilusão
nada mais é que
ver a ordem das coisas. P odem os dizer isto dessa visão: não há
nela noção do
self
no sent ido m odern o, i s to é, no sentido dc um a ident idade que posso
de f i n ir pa ra m im m e sm o sem r ef e r ênc i a a o que m e rode ia e a o m und o e m que e s tou
si tuado. Antes , sou essenc ia lm ente visão de .. . um a ordem ou u m a i lusão.
Ora , a m udan ça que oc or reu na revolução do século XVII é ,
inter alia,
u m a m u d an ç a
pa r a um a noçã o m ode r na do self. É esse t ipo de n oção que está na base do cogito de Des-
car tes, no qual a existência do
self é
dem onst rada , en qua nto a existênc ia dc tudo que é
exte rno, a té m esm o a dc Deus , perm anece duvidosa . De m od o s im i la r, é essa noção que
está na base da em anc ipação d o s ig ni f i cado. Se o se r hu m ano só al cança a autopresença
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m ediante um a visão rac iona l da ordem cósm ica , que c um a ordem de ideias , e se a
c iênc ia , com o o m od o m ais e levado de consc iênc ia , pressupõe autopresença , então a
c i ê nc i a de ve ser f und a da num a v isão de o r de m s ig n i f i c a ti va . N ã o im p le m e n ta do com o
um a r g um e n to , m a s a n te s c om o um l im i te t á c i t o a o pe nsa m e n to , es se ra c io c ín io deve te r
se rvido dc supor te para o a rg um ento dos opo nentes de Gal ileu. Sc
tivesse
de haver um a
ordem s igni f i ca t iva , então o co njun to de cor respondênc ias qu e eles m obi lizam é bas tante
co nvinc ente , adm i t idas out ras assunções cor rentes . P orém , na base deve haver um a or -
dem porque essa e ra um a das con dições da apreensão rac iona l do m und o que c ham am os
de ciênc ia , assum indo-se qu e essa racion alidade = visão dessa orde m . É claro que ser ia
a na c r ôn ico co loca r is so com o argumento na s boca s dos con t e m por â ne os . P o r que som os
nós , os pós - kan t ia nos , que pode m os a pr ese n tá - l o c om o um a r g um e n to t ra ns ce nde n ta l
a part i r do f a to da c iênc ia . P orém , não é incoerente ou ileg í t im o conc ebê- lo co m o um
l im i te inar t icu lado do pensam ento.
N o entanto , a re lação inversa tam bém se sus tenta , c presc indi r de um a noção de
ordem s igni f i ca t iva e ra o m esm o que rede f ini r o
self.
A situação agora está invert ida:
posse plena de si m esm o requer que l iber tem os a nós m esm os das projeções de s igni f i -
c a dos sobr e a s co i sa s, que se ja m os c a pa ze s d c t om a r d i s tâ nc i a do m und o c d c nos c on-
c ent ra r puram ente em nossos própr ios processos de observação e pensa m ento sobre as
coisas . O v e lho m odelo assum iu a fe ição de utn sonh o de autodispersão; au topresença
passou a se r es tar c onsc iente do qu e som os c do qu e es tam os fazendo em te rm os dc
a bs tr a çã o e m r el aç ã o a o m un do qu e obser va m os e j u lg a m os . O su j e i t o a u tode f i n i t ó rio
da e p is t e m olog i a m ode r na é , por conse g u in t e, na tu r a lm e n te , a sub j e ti v idade a tom i s t a
da psi co log i a c da po lí ti c a que b r o ta r a m do m e sm o m ovim e n to . A p r ópri a noç ã o dc
s u j ei to a s su m e u m n o v o s ig n i f i c a d o n o c o n t e x to m o d e r n o , c o m o a p o n t o u u m c e r to
núm e r o de e s c r it o re s con t e m por â ne os . '
J á f o i m e nc iona do que es sa noçã o m ode r na do « • / /obv i a m e n te nã o er a sem p r ece -
dentes . Os epi c ureus e os cé t i cos , ent re os ant i go s , apresenta ram um a visão do
self
que
se de f inia c om o abst ração de qua lq uer ordem ; e não é surpresa que essa t radição m i -
nor i t á r ia ent re os ant i gos tenha f ornec ido um a par te do c om bust íve l para a revolução
m ode r na , ou que m u i tos vu l tos do I l um in i sm o t e nha m se n t ido g r a nde a f i n ida de por
E pi cu r o e L uc r é c io . P o r é m , o su j e it o m ode r no p r opor c ionou um a g u ina da s ig n i f i c a -
t ivam ente nova .
Os epicureus e os cé ti cos obtiveram um a noção de autode f iniçá o m ediante re tra i-
m e n to do m undo ; sua a r m a fo i o c e t ic i sm o qua n to à o r dem cósm i c a , ou um p l ei to
pe la i rrelevânc ia dos Deuses. Em c ont ras te , a m udança m oderna para um suje i to au-
tode f ini tór io es tava li gada a um sent ido de cont role sobre o m un do — intelectual no
co m eço e depois te cnológ i co . I s to é , a m oderna c e r teza de que o m un do não dever ia se r
v is to com o um t ex to ou um a co r pori f i c a ç ão de s ig n i f i c a do nã o es ta va fun da da num a
' P o r H t m p io . He ideg g e r . Die Ze i t d c» W el tb i ldes . In : Holzwege. F rank fu r t a .M . , 1950 . p . 81 -8 5 .
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per cepção de sua desconcer c antc im pencc rabil idadc . P e lo c ont r á r io , e la c resceu c om o
m apeam ento das regula ridades nas coisas , m ediante o ra c ioc ínio m a tem á t i co t ranspa-
rente e com o c onsequente aum ento do cont role m anipula t ivo. É i sso que . em úl t im a
inst ânc i a , e st abel ec e u a im a g e m do m undo c om o o locus das correlações c onting entes,
neutras. Fnq ua nto neg avam nossa c apac idade de c onhec er a natureza das coisas, os c ét i-
cos ant igos a legavam que os seres hum ano s possuíam , de fo rm a bas tante im edia ta , um a
c om preensão relevante de sua si tuação pa ra cuidar da vida. Apesar de às vezes retom ar as
m e sm a s fó r m u las , o s é cu lo X V I I m udo u r a d ic a lm e n te o seu con t e údo , ü con he c im e n to
im e d ia ta m e n te r el eva nt e que náo de vi a se r com pa r a do com o con he c im e n to de c a usa s
finais passou a g ozar de um prestígio c ada vez m aior . Ele passou a ser ente ndid o c om o o
p a ra d ig m a d o c o n h e c i m e n to .
Esse c ont ro le sobre as coisas, que havia c resc ido c om a c iênc ia e a te c nolog ia
m ode r na s , c om f r e quê nc i a é co nc e b ido c om o a p r in c ipa l m o t ivaç ã o por tr á s da r e-
vo luç ã o c i e n t íf i c a c do de se nvo lv im e n to da v isão m ode r na . O
slogan
se m pr e c i t a do
c onhe c im e n to é pode r , de a u to r i a de Ba c on , pode f a c i lm e n t e nos da r e ssa im pr e s-
são, e essa visão tec nológ ic a da revolução do século XVII é urna das razões pelas
qua i s Bacon com f r e quê nc i a r e c e be um pa pel m a is im por t a n t e d o que e le m e r e ce , a o
lado de Gal i leu e Desc ar tes . P orém , até m esm o no caso de Bac on, qua nd o e le insis te
na nul id ade da f i losof ia, da qua l não se pode aduz i r um únic o expe r im ento q ue
t e nda a f a c i l i ta r e be nef i c i a r a cond iç ã o do se r hum a no , ' po de m os i n t e r p r e t a r a sua
m ot iva çã o de m odo d i f e r e n t e . N ós ve m os , a n t e s , o c on t r o l e c om o va li oso m e nos e m
s i m e sm o do que em sua c on f i r m a ç ã o de c e r t a v i sã o da s co i sa s : um a v isão do m un do
n á o c o m o um locus de s igni f i c ados , m as , antes , dc c or re lações de facto, con t ing e n t e s .
A m a n ipu l a b i l i da de do m un do c on f i r m a a nova ide n t ida de a u tode f i n i t ó r i a , qua l se ja :
a re lação aprop r iada do ser hu m ano com um a ordem s igni f i c a t iva deve es tar , e la
p r ópr i a , s i n ton i z a da com e ssa o r de m ; cm c on t r a s t e , na da a s sinal a m a i s c l a r a m e n te a
r e je i çã o de ssa vi sã o do que t r a ta r o m un do e x i tosa m e n te co m o ob j e to de c on t r o l e .
A m anipulação tanto prova qua nto , por ass im dizer , ce lebra a visão das coisas c om o
de se nca n t a da s
(entzaubert),
para usar a fam osa expressão dc Max Weber .
O progresso te cnológ i c o t rans form ou de tal m ane i ra nossas vidas c produz iu tantas
coisas das qua is di f i c i lm ente poder íam os presc indi r , que fa c i lm ente pensam os na re-
c om pensa da revolução do século XVII cm te rm os desses bene f í c ios (caso se jam tais
sem am big uidade) . P orém , no própr io século XVII , esse pag am ento foi bas tante m ag ro.
P ara Bacon e os dem ais hom ens do seu tem po, o cont role era m a is im por tante pe lo que
ele provava. Na m esm a passagem recém -ci tada, na qual ele fala sobre fac i l itar c benefic iar
a c ondição do ser hum ano , Bacon diz : P orque f rutos e obras são co m o que f iadores e
g arantias da verdade das f i losofias . E m ais adian te ele faz um a c om paração explíci ta da
im por tânc ia relat iva das duas considerações: as obras m esm as têm m aior va lor com o
Novum Organum, livro I. I.XXII1.
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penhores da verdade do que co m o co nt r ibuição para o con fo r to da vida .
4
Não há razão
para pensarm os que isso seja alg um a falsa piedade c ientí f ica .
Mais adian te. Bacon de fine esse objetivo, que em si é m ais valioso do que todo s
os f rutos das invenções , com o a própr ia contem plação das coisas c om o e las são, sem
superst ição ou im postura , er ro ou c on fu são / Min ha proposição c que um dos podero-
sos atrativos dessa visão austera, m uito antes de ela pag ar-se cm tecn olog ia, reside no
fa to de que um m un do desenc antado e cor re la t ivo a um suje i to autode f ini tór io e que
o gan ho aufe r ido na t rans ição para um a ident idade autode f ini tór ia fo i a com panhad o
dc um a sensação de regozijo e poder pelo f ato de o sujeito não m ais ter necessidade de
def inir a sua per feição ou o seu defeito, o seu equil íbr io ou a sua desarm onia em relação
a um a ordem exte rna . Junto c om o forjar dessa subje t ividade m oderna surge um a nova
noção de l iberdade e um novo papel c entral que se atr ibui à l iberdade, o qual parece ter
se co m provado c om o de f ini tivo e i rrevers íve l.
N a s p á g inas p r e ce de n t e s , e s ti vem os f a l a ndo dc u m a t r a ns fo r m a ç ã o na vi sã o f i lo -
sóf i ca , que c om o ta l poder ia a ting i r apenas um a m inor ia na Europa do século X VII .
P o r é m , a noç ã o m ode r na do su j e it o nã o de ixou n ing ué m in toca d o ne m ina lt e ra do
na soc i e da de e ur ope ia ou m e sm o 110 m und o . E m pa r t e, pode m os ve r is so com o o
resul tado de m udança s pol í ti cas , e conôm icas e soc iais que se dissem inaram sob a in-
f l uê nc i a de m inor ia s , p r im e i r a m e n te na soc i e da de oc ide n t a l com o um todo e, depo i s ,
em soc iedades foràncas . Po rém , no caso europeu, out ra in f luên c ia poderosa es tava
em operação, que parece te r se m ovim entado na m esm a di reção. Pa ra a m a ior ia das
pessoas não f i losóficas, a perc epção de seretn def inidas em relação a um a ordem m ais
am pla é produ z ida por sua co nsc iênc ia re li g iosa, c m a is fo r tem ente , para a m a ior ia das
pessoas, em todas as époc as, por seu senso de sag rado, que se refere aqui à presença
intensi f i cada do divino em c e r tos loca is, tem pos e a tos pr ivileg iados . O c r i s t ianism o
ca tól i co m anteve o sagrado nesse sent ido, tanto cm seus própr ios sac ram entos q uan to
em c e r tos fes tivais pagãos aprop r iadam ente ba t izados . P orém , o protes tant i sm o e,
pa r t i cu l a r m e n te , o c a lv in ism o c l as s if i c a r a m - no c om o ido la t ri a e m ove r a m - lhe um a
g uer ra incond ic ion a l . É prováve l que a ba ta lha incessante para dessac ra l iza r o m un do ,
m ovida por Calvino e seus seguidores em nom e de um a devoção indivisa a Deus , te -
nha a jud ado a des t rui r o senso de que a c r iação e ra um
locus
de s igni f i c ados , em re lação
ao qua l o se r hum an o dever ia de f ini r a s i m esm o. É c la ro que o a lvo desse exer c í c io
es tava m ui to longe dc se r o dc for ja r o suje ito autod e f in i tór io , m as co nsis t ia , antes ,
e m que o c r e n t e de pe nde sse un i c a m e n te de D e us . E n t r e t a n to , com o e sva ne c im e n to
da piedade protes tante , o m un do dessacra l izado a ju do u a fom entar sua subje t ividade
hum ana c or re la t iva, a qua l passou a fazer um a colhe i ta que or ig ina lm ente havia s ido
sem eada para o seu cr iador .
4
Ib idem , liv ro
I
CXXIV.
' Ib idem , l iv ro I C X X I X .
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Dc todo m odo, sob o im pac to da revolução f ilosóf ica c da re form a re li g iosa , po-
dem os disce rnir o desenvolvim ento, nesses países , dc um a noção m oderna d o suje ito ,
que c a rac te rizei c om o autod e f ini tór ia e , cor re la t ivam ente a e la , um a visão das coisas
c om o va zi as de si g n i f i c a do i n tr ínse co , um a vi sã o do m undo c om o o locus de correlações
c ont ing entes a se rem de te rm inadas por observação, c onf òrm ando-sc a um padrão não
a priori. Fale i ante r iorm ente dessa visão de m und o com o desencantada , usando a ex-
pressão dc Weber , ou c om o dessacral izada , ao m enc ionar o desenvolvim ento rel ig ioso.
Talvez c u possa introduz ir ag ora o term o téc nic o objetivado para c obrir essa neg ação
do m un do d o sig nif icado inerente, isto é , a negação de que ele deve ser visto co m o sig-
nif ic ado corp ori f ic ado. A razão para usar esse term o c m arcar o f ato de qu e, para a visão
m oderna , ca tegor ias dc s i gni f i cado c propósi to apl icam -se exc lus ivam ente ao pensam en-
to e a a tos de suje itos , e não enc ont ram sus tentação no m un do sobre o qua l pensam e
atua m . P ensar as coisas nesses term os é projetar categ orias subjetivas; pôr de lado essas
ca tegor ias é , por conseg uinte , obje tivar . I sso dem arca um a noção nova , m oderna , dc
objetividade correlat iva à nova subjetividade.
A nova noção de objetividade rejei tou o recurso a causas f inais, sendo m ecan icista
no sent ido dc apoia r -sc unic am ente na causaçáo e f i c iente . F.m c onexão com isso, c ia e ra
a tom ís t ica , por a t r ibui r m udanças em coisas com plexas, não a propr iedades es t rutura is
ou holísticas, m as, antes, a relações causais e fic ientes entre elem entos c onsti tuintes. Ela
tendia para a hom og ene idade po r exig i r que coisas aparentem ente dc qua l idades dis-
t intas fossem expli cadas c om o c onst ruções al te rna tivas resul tantes dos m esm os c onst i-
tuintes bás icos ou dos m esm os pr inc ípios bá s icos . Um dos resultados m a is espe tacula res
da nova f ísica foi derrubar a dist inção ar istotél ica entre o supralunar c o sublunar , para
a ss im e xp li c ar , c om a m e sm a fó r m u la , o m ov im e n to de um p l a ne t a e a que da de um a
m açã . Decor re da í que essa c iênc ia era m ecanic i s ta , a tom ís t ic a , hom og enizadora e , ob-
v i a m e n te, v ia a f o r m a das co isas com o con t ing e n t e .
P orém , essa noção de objetividade n ão pod eria f icar restr i ta à natureza exterior . O
ser hum a no t a m bé m é um ob j eto na na tu r ez a , t a n to qua n to o su je i to do conhe c im e n to .
A par t ir disso, a nova c iênc ia inc ubou um t ipo dc enten dim ento do se r hum ano qu e é
m ecanic i s ta , a tom ís t ic o , hom og enizador e baseado na con t ingênc ia . Hu m e nos fornece
um pr im e i ro exem plo desse t ipo de visão do se r hum ano , no seu m odo inic ia l , e in que o
m eio dc observação era introspectivo; m as as m esm as noções estão na base de tentativas
behavioristas posteriores dc estabelecer um a ciência do ser hu m ano . As tentativas dc
fun dar ta l c iênc ia , fei tas pe lo I lum inism o radica l, por um Helvé tius , um Holbac h, utn
Con dorc c t , um Bendiam , baseavam -se nessa noção dc obje t ividade , c a e ra do I lum inis-
m o estava desenvolvendo um a antropolog ia que co nst ituía um am á lg am a - não intei ra -
m ente c onsistente - de duas coisas: a noção de subjetividade autod efin itór ia correlativa à
nova objet ividade , c a visão do se r hum ano c om o par te da na tureza e, cm consequênc ia ,
plenam ente sob a jur isdição dessa objetividade. Esses dois aspectos nem sem pre se c oadu-
na m . Ele s se re fo rç am m utua m e n te no a po io a o a tom i sm o , a um a c i ê nc i a a tom í s ti c a da
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narur cza com pat íve l com um a teor ia polí ti ca , cujo ponto de par t ida e ra o indivíduo num
estado dc na tureza . Porem , eles parecem conf l i ta r num a questão com o, por exem plo, a do
de te rm inism o, em que a l iberdade do ser hu m ano c orno suje i to parece es ta r com prom e-
tida pela necessidade causal estrita à qual ele está suje ito c om o parte da natureza. E isso se
rcHctiu cm noções diverg entes qua nto à relevância da natureza para a razão prát ica . Para
Kant , por exem plo, os im pulsos da na tureza cont ras tavam com as dem andas da l iberdade .
Ao passo que, para a c orrente pr incipal do I lum inism o, a natureza c om o a total idade do
sistem a integ rado da realidade objetiva, no qual todos os seres, inclu indo o ser hum ano ,
possuem um m odo na tura l de existênc ia que es tá im br i cado com o de todos os dem ais,
proveu, antes, o m odelo bás i co para o se r hum ano co m o um ser na tura l , dese jante , pro-
veu o projeto da razáo para a fel ic idade c , cm c onsequênc ia, para o bem .
Entre tanto , a despeito das tensões existentes, o am á lg am a resistiu, e essas duas pers-
pec t ivas , par c ia lm ente convergentes e par c ia lm ente c onf l i tantes , c om binaram -se de di -
fe rentes m odos para g e rar um a am pla g am a dc visões, desde o de ísm o m ais m oderado,
que enfatizava a natureza espiri tual e o destino do ser hu m ano , até o m ater ial ism o m ais
radica l ; desde o pess im ism o m ais prof und o qu anto à capac idade de esc la rec im ento da
pessoa c om um a té às esperanças utópicas m a is extravagantes cm um m un do reconstruí -
do pe la c iênc ia . Estas foram as visões da e ra que conh ec em os co m o o I lum inism o.
Essa ant ropolog ia co nst i tuiu o po nto de a taque , ou talvez re cuo se ja um te rm o m ais
adequado, dc duas das pr inc ipa is tendênc ias do pensam ento a lem ão, cuja reconc i liação
foi o problem a-chave da ge raçáo de Hege l . P orém , isso náo quer dizer que o I lum inis-
m o radica l , m ecanic i s ta , m a ter ial is ta , fosse for te na Alem anha . Bem pe lo co nt r á r io . Se
c onc eberm os os m a ter ia l is tas f r anceses c om o a fo rm a plenam ente desenvolvida , então o
I lum in i sm o se de sdobr ou na A le m a nha num a ver sã o b r a nda .
N a m e d ida e m que o I l um in i sm o r a di c al p re s supôs um a t r e m e nda con f i a nç a na
subje t ividade hum ana e nas capac idades hum anas , podem os ta lvez entender a variante
a lem ã c om o resul tado do a t raso a lem ão, o legado da Guer ra dos Tr inta Anos: divisão
inte rna num a col c ha de re ta lhos de Estados com f requênc ia absurdam ente m inúsculos ,
o desenvolvim ento lento da classe m édia capaz dc subsist ir por si m esm a, o atraso eco-
nôm ico relat ivam ente à Europa oc identa l , o desenvolvim ento cul tura l ta rdio no idiom a
loca l . E . obviam ente , boa par te da expli cação para a form a que o I lum inism o assum iu
na Alem anha reside no seu pan o dc f un do religioso. As Igrejas luteranas jam ais cheg a-
ram ao ponto dc o f e rece r um a oposição f ronta l , um co m bate para va le r, dec is ivo, con t ra
o I lum inism o, o que o ca tol ic i sm o f ranc ês logrou com tanta rapidez. Nesse toc ante , a
Alem anha sc assem elhou m ais à Ing la te rra protes tante . P orém , para a lém disso, tanto
o I lum in i sm o na A le m a nha qua n to a r ea çã o a e le f o r a m m olda dos por um im por t a n t e
m ovim e n to de r ea v iva m e n to r el ig i oso, g e r alm e n te de nom ina do p i e ti sm o .
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O p i c t i sm o - que possu í a a lg um a s a f i n ida de s com o m e tod ism o no m undo dc l í n -
gua ing lesa - fo i um m ovim ento dc renovação da vida espi ri tual . Tendo sc in i c iado no
século XVII , e le a t ing iu seu pon to a l to no século XVII I . Reag iu co nt ra o form al i sm o do
luteranism o ofic ial, sua ênfase nas crenças corretas c sua preocup ação c om as estruturas
cstabc lcc idas. Tud o isso foi releg ado a um a posição sec undá r ia cm relação ao pon to p r in-
cipal: a relação inter ior , sincera, com Cristo . Nesse sentido, o piet ism o foi ou tro rebento
da antiga t radição espi ri tua l a lem ã que rem onta aos m ís ti cos m edieva is Ec khar t c Taulc r ,
passando por Bö hm e - a tradição da qual o próprio I .utero sc nutr iu - , que coloc ou n o
c ent ro o enco nt ro inte rior da a lm a c om Deus .
Ele se c onve rteu n um a religião do c oração, um a religião da devoção entusiást ic a , da
renovação
(Wiedergeburt
f r c nasc im c nto] ) , na qua l as pessoas são tom adas pe lo fog o do
Espí ri to . O resultado foi que o pie ti sm o acabou se a l iando ao I lum inism o em ce r tos
pontos im por tantes , apesar de todas as dife renças prof und as em te rm os de base espir i-
tual ent re e les. Por c onseg uinte , o pi c t i sm o ig ua lm ente tendeu a denegr i r a preocu pação
com o dog m a e as di fe renças conf ess iona is. Ele i gua lm ente a cabou d e fen dendo o indiví-
duo, suas convicções sinceras e sua com unida de l ivrem ente escolhida , con t ra as es t rutu-
ras ofic iais m ais am plas de Estado c Ig reja que exigiam fidelidade. Ele tam bém tendeu a
g alvanizar as pessoas para obras de m elho ram ento , educ ação e bem -estar social. De fato,
c om sua ênfase na relig ião do c oração, os piet istas inicialm ente deram m enos atenção a
diferenças de classe e educação do que os
Aufklärer
Ao lado dessa co nc ordânc ia , obviam ente havia tam bém um abism o espi ri tual esta-
belecido entre o piet ism o e o espíri to da
Aufklärung.
E s ta ú l t im a com pa r ti l hava com
os oponentes or todoxos do pi c t i sm o aque la ênfase na adesão às
proposições
corretas, à
ve rda de com o co r r e t a m e n te
estatuída e provada
, às expensas da resposta espontânea do
coração. Por c onseg uinte , o pie t i sm o, co rno verem os m a is adiante , fo i um fa tor m ui to
im por tante nas reações à Aufklärung.
P orém , antes m esm o de o Ilum inism o te r . surg ido, o piet i sm o m at izou a a tm osfe ra
e a tona l idade do I lum inism o a lem ão. P or m a is intensa que fosse a suspe ita nut r ida po r
m ui tos pie ti s tas em re lação ao rac ioc ínio - Z inzendor f , l íder dos Hc r rnh utc n Qu em
deseja r c om preender D eus c om sua m ente tornar - se - á um a te ís ta*
—
o p ie ti sm o, não
obstante , a judo u a form ar o pensam ento de a lguns dos m a iores
Aufklärer
da Alem anha ,
c om o, por exem plo, Lessing e Kant . O
Natã,
de Lcss ing , que exerceu g rande in f luenc ia
sobre o jovem Heg e l , c om o a inda verem os, é um ple ito por um a re li g ião rac ional e
hum ana para a lém das di fe renças de dog m a e indepen dentem ente da f r ia e rudição
* I s to é . o s hom ens do I lum in ism o . A l ín g ua a lem ã é f el iz po r te r um a ún i c a pa lavra pa ra o s des ig na r , ao
pavso que c m ing lês são necessárias qua tro . P or essa razão, às vezes usarei a palavra a lem ã no texto , c om o
t a m b é m , p a r a v ar ia r, o t e r m o a l em ã o p ar a I l u m i n i s m o :
Auftlãntng.
' Apud Koppe l S . P in son , Pietism a s a Factor in the Rite of German Nationalism. C o l u m b i a U n i v er s it y H I C -
K S , 1934, vol. 23, p . 52.
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l ivresca ,* plei to que é deve dor tan to da razão i lum inista qua nto da espir i tualidade pic-
t is ta. Co m esse t ipo dc ent re laçam ento, re li g ião c I lum inism o jam ais poder iam const i -
tui r dois cam pos opostos , c om o na França .
Co ntu do , qua isquer que tenham s ido as razões , a Aufklärung alem ã desenvolveu sua
própr ia a tm osfe ra inte le c tua l . Esta fo i m ui to m a is re ceptiva ao de ísm o que ao m a te ria -
l ism o radi ca l. O de ísm o do século XVII I obviam ente reHet iu o novo sent ido do selfe a
sua re lação com o m und o. E o ponto em que e le o re f le t iu de m odo m ais c la ro foi cm sua
noção dc Deus com o suprem o a rqui te to do universo, que foi c onst ruído para fun c ionar
de ac ordo c om leis causais obje t ivas . A ordem cósm ica edi f i cada dessa m ane i ra não e ra
um a ordem de s igni f i cados , i s to c , um a ordem em vi r tude das ide ias que c orpori f i cava ,
m as antes cm vi r tude dos seus e lem entos que se ent rosavam per fe i tam ente em seus e fe i -
tos re c íprocos . Advém da í a im agem do universo com o um relóg io . E aqui lo que D eus
era c orno suprassujeito, o ser hum an o estava destin ado a alcançar , à m edida qu e c aptava
m ais c m a is das le is do universo c se tornava m a is c m a is capaz dc sec undar a ordem
natura l com o seu própr io a r t if i c io .
N o e n t a n to , o deí sm o e ur ope u a s sum iu um a fo r m a d i f e r e n te , c a r a c t er ís t ic a , na
Alem anha , a form a do s i s tem a de Le ibniz, que , na inte rpre tação dc Chr is t ian Wol f f ,
do m ino u o m un do f i losóf i co da Alem anha no século XV II I . Essa f ilosof ia pode se r
c onsiderada , a part i r de c e r to pon to de vis ta , c om o um a espéc ie de es t ág io inte rm edi -
á r i o e n tr e a f il osof ia da o r dem cósm i c a c o I lum in i sm o r a d ic a l , e m bor a , d c um pon to
de vista di fe ren te e m a is fe c und o, t r a te - se c la ram ente da sem ente i ra dos im por tan te
r ecom e ç os pós - il um in i st a s que c r ia r am a a tm os f e r a do t e m po de H e g e l . L e ibn i z de
f a to nos a pr ese n ta um a o rde m cósm i c a cm que a e xpl ic a ç ã o ú l t im a se d á cm t e rm os d c
causas f inais, a saber , qu e este m un do é o m elhor de todos os m un do s possíveis ; e ,
não obstante , a ordem é fe i ta de entes , m ónadas , qu e se desenvolvem de dent ro de las
m esm as , que rea lm ente são subje t ividades no sent ido m odern o. A ordem dc coisas não
está aí para exem pli f icar um a cer ta ordem de ideias, m as, antes, para realizar a m aior
va r ie da de com pa tível com a m a io r qua n t ida de de o r dem ou ha r m onia . I sso s ig n i f i c a
que devem os entender as coisas , não tentando inte rpre ta r o m un do c om o um texto,
m a s a n t es e xa m ina ndo co m o os p r opós it os da s m óna da s se im br ic a m um com o ou t r o ,
e es ta é u r na m o ldur a do e n t e nd im e n to que pode consoc i a r- se be m com a f ís ic a m a -
tem á t i c a . (Ou tro est ág io inte rm ediá r io desse t ipo, a ordem harm oniosa dc na turezas
dc Sha f tesbury, in f luenc iada , cm úl t im a ins tânc ia , pe los platônicos de Cam br idg e , e ra
i g ua lm e n te m u i to popu la r na A le m a nha .)
Dc qua lquer m odo, c om base nessa var iante a lem ã e avançando
pari passu
c o m a
reação c ont ra a suposição co m par t i lhada pe los f ranceses c m ui tos a lem ães dc que o
I lum inism o f rancês e ra o paradigm a a ser seg uido e que a cul tura f r ancesa e ra o m odelo
a se r cop i a do , de scnvo lvcu- s c na A le m a nha um a a tm os f e r a pós - I lum in i sm o , a o m e sm o
' Kohr Htichgelslnsainkeit.
a lo 5 . c c na 6 : a s pa lav ra ü o d c Kc tha .
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tem po c r í t ica dc a lg uns dos pr inc ipa is rem as da revolução m oderna e , náo obstante ,
a lm e jando incorporar m ui ta coisa de la. Nesse esboço esquem á t i co do pano dc fu ndo ,
quero destacar duas l inhas.
A prim e i ra g anha expressão na década dc 1770, no período do assim c ham ado
Sturm
und Drang,
a revolução na l i teratura c na cr í t ica alem ãs que f oi decisiva para o fu turo da
c ul tura a lem ã . Ta lvez o hom em c ujo pensam ento m a is m ereça des taque nesse pon to seja
Herder , o m a ior teór ico c c r í ti co do
Sturm und Drang,
que excr c cu g rande inHuènc ia
sobre Goethe nos anos c ruc ia is dc form ação dc sua vida .
Herder reage cont ra a ant ropolog ia do I lum inism o, cont ra o que cham ei ante r ior -
m e n te d c a ob je ti vaç áo da na tu r ez a hum a na , con t ra a a ná li se da m e n te hum a na cm
di fe rentes fa c uldades, do ser hum ano c om o c orpo c a lm a , c ont ra a noção ca l culadora da
razão, divorciada de sentim ento e vontad e. E ele é um dos pr inc ipais responsáveis por
desenvolver um a antrop olog ia al ternativa, c entrada nas categorias da expressão.
9
G os ta r ia d c t e n t a r exa m inar um pouco m a is de pe r to o que e st á im p l i c a do nu m a
teoria do ser hum an o baseada nessas c ategorias, porqu e elas são centrais para q ualquer
c om preensão dc Hege l ou, a té m esm o, desse per íodo. A noção cent ra l é que a a t ividade
hum ana c a vida hum ana são vistas com o expressões. Ora , vim os ante r iorm ente que o
m odelo de um suje i to autode f ini tór io t rouxe consigo um obje tivar das coisas , is to é , bar -
rou noções c om o s igni f i cado , expressão c propósito c om o desc r ições inapropriadas
da realidade objetiva c as restring ia , antes, à vida m ental do s sujeitos. Por exem plo,
as teorias do s ig ni f i cado l inguís ti co que se es tendem de H obbes a té Condi l la c veem a
sign if ic at ividade c om o urna relação externa que c er tos sinais, sons. coisas ou ideias (re-
presentações) têm para nós. Ou seja, essa relação está na m ente dos su jeitos c co nsiste
nos sinais, sons, etc . que estáo sendo pensados o u usados por nós para fazer referência a
a lgum a out ra coisa . O fa to de haver algum as coisas no m un do sobre as qua is podem os
falar em categ orias sig nif icat ivas requer que haja outras c oisas às quais essas c ategorias
ná o pod em aplicar-se, porqu e aquelas (signos, palavras, ideias, e tc .) só se enquad ram
nessas categorias por c ausa de sua relação de referênc ia a estas. Além disso, o fato d e
a lgum as coisas poderem ser desc r itas em ca tegor ias dc s i g ni f i cado não const i tui um fa to
objet ivo a respe ito delas, i s to é, um fa to que se m antém indepen dentem ente dos c onte -
údos e convicções par ti cula res nas m entes hum anas; os nexos que g e ram s igni f i cado são
subjetivos. Essa teoria do signif ic ado l ingu íst ico é totalm ente objetivante no sentido
ac im a; ela faz um a separação r igorosa entre sig nif icado e ser . Ela tom a a visão do m un do
v
Nesse caso, expressão i necessar i am ent e um t e rm o t écn i co , m as es tou segu indo aqui I sa iah Berl in cm
íeu ensaio Herd er and ehe l ínl ig l i t cm nc nc (in: Earl Wasser m an (od.). Asptih of the Eighteenth Century.
Bal t im ore . c m que e le i den ti f i c a um a da i i dei as i novadora» dc Herder com o t e rm o expression ism o .
P e n s o es ta r a f i r m a n d o a m e s m a c o i w d c f o r m a u m p o u c o d i f e r e n te , a i n d a q u e, p a r a e v it ar c o n f u s ã o c o m o
m ovim ento do sécu lo XX. cu p re f i ra usar o t e rm o express iv i sm o - um t e rm o t am bém propos to por Ber li n
[l'rivalc Coininsinuation).
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c om o texto, própr ia da Idade Media e do iní c io da Renascença, incapaz de enunc iados
coerentes . A noção das coisas no m un do c om o expressão de a lgum a ordem idea l , e i sto
indepen dentem ente de c om preenderm os a ordem ou não, não faz sent ido. Essa teoria
do iníc io da m odernidad e é um a extensão int rans ig ente do nom ina l i sm o m edieva l a té
sua co nc lusão m a is avançada .
A antropolog ia da expressão representa ria , então, s im plesm ente um re torno, unia
reversão da revolução m oderna da subje tividade? Co m o foi m enc ionado ante r iorm ente ,
m ui tos pensaram assim ; tr a ta - se, porém , de um a inte rpre tação e r rônea g rave . P orque
um a noção di fe rente de expressão es tá c m jogo aqui . Ao falar , ante r iorm ente , do m odelo
reinante que inspirou os opo nen tes de Gali leu, eu disse que po deríam os ver os term os
co r respondentes - or i f í c ios na cabeça , plane tas , m e ta is , e t c . - c om o c or respondentes
porque e les expressam ou c orpor if i cam a m esm a ordem ideal . Aqui , es tam os fa lando de
expressão co m o de um ideal que a expressão representa. Esse
é
o sent ido do te rm o ou
isso está relacionado c om o sentido do term o que usam os para falar sobre expressar nos-
sos pensam entos ora lm ente . P orém , há out ro sentido em que fa lam os de expressão com o
dar vazão a, c om o realizar na realidade exter ior algo que sentim os ou desejam os. Esse
e o sent ido em que po dem os fa la r do f a to dc eu expressar m inha ra iva m a ldizendo ou
ag redindo o se r hum ano q ue m e provocou. Ora , nes te úl t im o sent ido, o que se expressa
é um su j ei to ou a lg um e s ta do de um su j e it o ou , no m ín im o , a l g um a fo r m a de v ida que
se pa re ce com um su j e it o ( com o qua ndo f a l am os de an im a i s e xpre s sa ndo se n t im e n to ) .
Ora, ao dizer que a noção central nessa nova antropologia era a da ação ou da vida
hum a na s com o expre ssão , e u e st ava usa ndo o t e r m o num se n tido um pouc o m a is p r ó -
xim o deste úl t im o, em bora , de fa to , c om o a inda verem os, a lgo do pr im e i ro sent ido
ig ualm ente seja inc orpo rado. Na antropolog ia desenvolvida por Herder e por aqueles
que o segui ram , c e r tam ente oc or re um a reabil itação de alguns c once i tos a r i stoté l icos
bás i cos ; ver a vida c om o um a expressão é vc - la c om o a rea lização de um propósi to e , na
m edida em que esse propósi to náo for c onc ebido com o, em úl t im a aná l i se, ceg o, pode-se
falar da realização de um a ideia. Porém , isso tam bém é enten dido c om o a realização de
um
seif,
e, nesse toc ante, a noção e m ode rna, indo além de Aristóteles e m ostra ndo sua
filiação a Leibniz.
Nesse ponto, falar sobre a realização de um
se t
dizer que a vida hum ana adequ ada
não ser ia apenas a c onc retização de um a ideia ou de um plano que está f ixada/o indep en-
dentem ente do suje i to que a /o rea liza , c om o ocor re na form a a r is toté l ica do se r hum ano.
Antes , essa vida deve ser a dim ensão adic ionada que o suje i to pode rec onhecer c om o sua
própr ia , c om o tend o s ido desdobrada de dent ro de le . Essa dim ensão autor rc la tiva es tá
totalm ente ausente na tradição ar istotél ica . Nessa tradição, um a vida hu m ana apropria-
da é m inha própr ia som ente no sent ido de que eu sou um ser hum ano , e essa é , por -
tanto, a vida adequada para m im . Foi Herder c a antrop olog ia expressivista desenvolvida
a par ti r de le que ac rescenta ram a dem anda , qu e m ar cou época , dc que m inha rea lização
da essênc ia hum ana se ja m inha própr ia rea lização e , em co nsequênc ia , lançaram a ide ia
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«le qu e cada ind ivíduo (c , na aplicação de Herd er , cada povo) possui o seu próprio m odo
dc ser hum ano , que c ie ná o pode trocar com o de nenh um out ro, exce to à cus ta dc dis-
torção e autom ut i lação.
En tretanto , o que foi ac rescen tado m ais prec isam ente à noção ar istotél ic a da reali-
z aç ão da fo rm a s c nós t a m bé m a ve m os c om o de sdobr a m e n to do
selfi
Nesse ponto, há
duas linhas inte rc ouec tadas que va le a pena exam inar um pouc o m a is de t idam ente .
P r im e i ro , r ea liz ar a f o r m a hum a na im p l ic a que um a fo r ç a i n te r io r im põe a si m e sm a
sobre a realidade exterior , ta lvez con tra obstác ulos externos. P or c onseg uinte, ond e a f i lo-
sofia ar istotél ica via o cresc im ento e o desenvo lvim ento d o ser hu m an o e a realização da
fo rm a hum a na com o t e nde ndo pa r a a o r de m e o e qu i lí b rio cons t a n t e m e n te a m e a ça dos
por desordem e desarm onia, a visão expressivista vê esse desenv olvim ento m ais c om o a
m ani fes tação de um poder inte rior ,' c rnpenhando-sc para rea liza r e m ante r sua própria
form a c ont ra aquelas que o m und o c i r cun dante possa im por . Por conseg uinte , a rea liza -
ção idea l é aque la que ná o só se c onf orm a à ide ia, m as tam bém é inte rnam ente g e rada ;
de f ato, esses dois requisi tos são inseparáveis, no f ato de a fo rm a apropriada de um ser
hu m an o inc orporar a noção da subjet ividade l ivre.
É evidente que Rousseau desem penhou um papel im por tan te no desenvolvim ento
dessa teoria , por ele ter vir tualm ente reinterpretad o a oposição tradic ional de vir tude e
ví c io nos te rm os de um a oposição m oderna de autodepen déne ia
versus
he t e r odepe ndé n-
cia . Po rém , em seus escr i tos, e le raram ente faz alusão a um a teoria c orrespo nden te do ser
hum ano , e nem m esm o o faz de m odo c onsis tente . Aos pensadores a lem ães , part i cula r -
m ente a Herder , foi dada a tarefa de desenvolver a antropo log ia em torn o da noção do
sujeito autoevolutivo.
Leibniz obviam ente tam bém tem im portância central;
a
sua noção
d a
m ônada f oi
sem ina l para a de um suje i to autoevolut ivo. P brém , Herder e os da sua ge ração, assim
c om o os da ge ração subsequente , tam bém sof re ram g rande in f luênc ia de Espinosa . Isso
pode ser surpreendente pelo fato de Espinosa ter sido o grande f i lósofo do antissujeito,
o f i lósofo qu e m ais do que qua lquer ou tro na tradição ociden tal parece nos levar para
a lém e para fora da subje tividade. P orém , a e ra que o re cepc ionou im pôs um a ce r ta le i-
tura a E ipinosa . Sua f i losof ia ná o foi vista c om o neg adora de um enten dim ento da vida
hum ana enqu anto autoevolutiva ; antes, a noção espinosiana de um
conatus
de todas as
coisas visando preservar a si próprias foi l ida à luz disso. O que Espinosa aparen tem ente
oferec eu, razão pela qual ele fascinou Go ethe c tento u tan tos outros, foi um a visão do
m odo c om o o suje i to f in i to se enqua dra dent ro de u m a co r rente universal de vida . Nesse
processo de lei tura , Espinosa foi em pur rad o na direção de um a espéc ie de pante ísm o
da força vital universal . Em outras palavras, ele foi reinterpretado p ara inc orporar a ca-
tegoria do autoevolutivo, q ue passou a ser visto c om o o ato de um a vida universal qu e
era m a ior do que qua lquer suje i to , m as
q ua
vida autoevolut iva e ra m ui to sem elhante ao
C f . Kräfte (Força*), de Her der.
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sujeito. Mais adiante retornarei à questão de por que foi sentida essa forte necessidade
dc um a relação com essa c orrc ntc vital universal .
A seg unda l inha im por tante no expressivism o e a noção de que a rea lização da f orm a
ac la ra ou torna de te rm inado o qu e é essa form a . Se re tom arm os nossa ana log ia n or tea-
dora , o m odo c om o um a ação ou um ges to pode expressar o que é ca rac te r ís t ico de u m a
pessoa, co nseg uirem os ver que h á dois aspectos que pod em ser unidos nessa ideia. Algo
que eu faço ou dig o pode expressar m eus sent im entos ou m inhas aspi rações no sent ido
de torná - los c la ros para out ros ou para m im m esm o. Nesse sent ido, podem os fa lar que
um a pessoa expressa a si m esm a qua nd o ela f inalm ente sai de si e, por c onseg uinte, torna
de te rm inado, talvez pela prim e i ra vez, o que sente ou quer . Em out ro sent ido, podem os
folar dos a tos de um a pessoa co m o expressão dos seus sent im entos ou dese jos qua ndo
eles efetuam o q ue ela quer ou realizam as suas aspirações. Esses dois aspectos podem ser
separados: posso dar expressão verbal aos m eus desejos sem agir , posso agir e perm anec er
um e n i g m a pa ra m im m e sm o c pa ra ou tr os ; m a s m u i t a s vez es e le s a nda m jun tos, c f r e-
quen tem ente es tam os inc l inados a dizer de nós m esm os ou de out ros que não sabíam os
rea lm ente o que sent íam os ou quer íam os até o m om ento de ag ir . Por conseg uinte , a
expressão m ais plena e m ais c onv inc ente de um sujeito é aquela cm que ele tan to realiza
c om o aclara as suas aspirações.
É esse m odelo m a is pleno de expressão subje t iva que es t á na base do que c ham ei
aqui dc teor ia express ivista . Co nc c bc r a nossa vida c om o rea l izadora dc um a essênc ia
ou f o r m a si g n i f ic a nã o m e r a m e n te a co r por i f i c a ç ã o de ssa fo r m a na r e al ida de , m a s
t a m bé m s ig n i f i c a de f i n i r de um m odo de t e r m ina do o que é e ssa f o r m a . E isso m os t r a
dc ou t ro m odo a im por tan te di fe rença ent re o m odelo express ivista c a t r adição a ri s to-
té li ca : para aque le , a ide ia que um ser hu m an o rea l iza náo es tá to ta lm ente de te rm inad a
de antem ão; e la só se torna plenam ente de te rm inad a ao ser e fe tu ada . Daí provém a
ide ia herder iana dc que m inha hum anid ade é a lgo únic o, não equiva lente à tua , e essa
qua l idade única só pode se r reve lada em m inha própr ia vida . Cada ser hu m an o tem
sua p r ópr i a m e d ida , c om o que um a a f i naç ã o p rópr i a de t odos os se us se n t im e n tos uns
com os ou t r os . A ide ia n á o é m e r a m e n te a de que os ser es hum a nos sã o d i f e r e n te s ;
i sso di f i c i lm ente ter ia s ido novidade ; é , antes , que as di fe renças de f inem a única f orm a
que cada um de nós é ins tado a rea liza r. As di fe renças adqui rem im por tânc ia m ora l ,
de ta l m od o que , pe la pr im e i ra vez, pódc-se perg unta r se um a dada form a de vida era
expressão autênt i ca de ce r tos indivíduos ou povos . Essa é a nova dim ensão ac rescenta -
da por um a teor ia da autor rea l izaçáo .
Por conseg uinte , a noção de vida hum ana c om o expressão vê isso náo apenas com o
a rea lização de propósi tos , m as tam bém c om o a ac la ração desses propósi tos . Ná o é s im -
plesm ente conc re t ização de vida , m as tam bém ac la ração de signi f i cado. N o per curso de
11
Jeder Mensch hat em eignes Maß. gleichsam eme eigne Stimmung aller seiner sinnlichen Gefühle zu einander
( Ib idem . VII I . 1 . In : Be rnha rd Supha n . HerdersSamm tische Werte. Ber l im . IS91 . vo l . XI I I , p . 291 ) .
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v iver a de qua da m e n te , nã o só e f e tuo m inha hum a n ida de , m a s ta m bé m ob t e nho c l a re za
sobre o que c a m inha hum anidade . Sendo essa a c la ração, a m inha f orm a dc viver não é
m e r a m e n te a conc r e t iz a çã o de um p r opós it o , m a s t a m bé m co r por if i c a ç ã o de s ig n i f i c a -
do, a expressão dc um a ide ia . A teoria da expressão rom pe a di cotom ia i lum inis ta ent re
s igni f i cado c se r, ao m enos no que c onc erne à vida hum ana . A vida hum ana é tanto fa to
qu ant o expressão sig nif icat iva; e seu ser-expressão não reside nu m a relação subjetiva de
referên c ia a alg um a ou tra c oisa; cia expressa a ideia qu e ela realiza.
I sso propic ia um a nova inte rpretação da visão t radic iona l do se r hu m ano c om o um
anim al rac ional , um ser c uja essência é a consc iência rac ional . Essa ideia passa a ser
fo r m u la da num novo conc e i to d c c ons c i ênc i a d c s i. Co m o v im os , nossa v ida c v i st a
c om o autoexpressão tam bém no sent ido dc a c la ra r o que som os. Essa a c la ração aguarda
recon hec im ento por par te de um suje i to , e o se r hum ano c om o ser cô nsc io al cança o seu
ápice qua ndo reconhec e a sua própr ia vida c om o um a expressão adequada , verdade i ra ,
do que c ie potenc ia lm ente c - exa tam ente com o um ar ti s ta ou esc r i tor a t ing e seu alvo
ao reconhec er sua obra c om o expressão plenam ente adequ ada do que ele quis dizer . E,
tanto num caso qua nto no out ro, a m ensagem não poder ia te r s ido c onhec ida antes de
ser expressa. A visão tradicional recebe um a nova f orm ulação no expressivism o: o ser hu-
m a no che g a a o conhe c im e n to de s i m e sm o e xpr es sando e, e m conse quê nc i a , a c l a ra ndo
o que ele é e reconh ec endo a si próprio nessa expressão. A proprieda de espec í f ica da vida
hum ana é c ulm inar na consc iênc ia dc s i m ediante a expressão.
A ant ropolog ia express ivista, ass im , rom pe ni t idam ente com a m oderna obje t ivação
c ient í f i ca da na tureza , pe lo m enos no que c onc erne à na tureza hum ana (m a is ta rde , ve-
rem os co m o e la va i a lém disso). Ao ver a vida hum ana c om o expressão, a ant ropolog ia
expressivista rejei ta a dic otom ia de sig nif ic ado e ser ; um a vez m ais, e la uti l iza a m oeda
aristotél ica das causas f inais e dos co nc eitos holíst icos. P orém , em ou tro aspec to, ela
é
quint cssc nc ia lm cn tc m oderna , pois incorpora a ide ia da subje t ividade autode f ini tór ia . A
realização de sua essência é autorrealizaçáo do sujeito; assim , ele não def ine a si m esm o
em relação a um a ordem ideal externa, m as antes em relação a algo que evolve a part ir
dele próprio , a sua própria realização, algo q ue só se torna d eterm inad o nessa realização.
Esta é um a das ideias-chave subjac entes à revolução do f inal do século XVIII . P orém , é
m ais do q ue isso; é um a das ideias fun dan tes da civil ização que c resceu desde então. De
di fe rentes form as , é um a das princ ipa is
idées-forces
[ideias- força] que m oldaram o m un-
do con tem porâneo . Vale a pena exam inar m a is de t idam ente o que e la im pl ica .
É evidente que um a teor ia desse t ipo prec isou rom per c om as expli cações i lum inis-
tas dc l inguag em e s ig ni f i cado. E la necess itava de um a teor ia do s igni f i cado que não se
ativesse exc lusivam ente ao signif icado l ing uíst ico c n ão restringisse a sign if ic at ividade à
m era relação de ref erência a um sujeito. P arece estar c laro para nó s, herdeiros dessa revo-
lução, que a a r te nos provê com os paradigm as necessá r ios , porque tem os fam i l ia r idade
com um entend im ento dos obje tos de ar te que expressam a lgo, sem necessar iam ente se
refer ir a algo si tuad o além deles p róprios.
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P orém , no século X VII I , esse enten dim ento dc a r te a inda te r ia de ser de f inido. A
visão de ar te reinante era posta nos term os do c onc eito aristotélico da m im ese; a ar te
e ra entendida pr inc ipa lm ente co m o im i tação ou representação pi c tór i ca da real idade . A
visão expressivis ta do se r hum ano, c om o todas as m udanças prof und as no pensam ento,
teve que cr iar seus próprios paradig m as. Ela precisava de um a teoria da ar te c om o ar te
expressiva e de um a teoria do s igni f i cado em que o s ig ni f i cado l ing uís ti co , o s i gni f i c ado
dos sig nos, não estivesse r igo rosam ente separado de outras f orm as de sign if ic ado, m as,
antes, em c ont inuidad e c om o s ig ni f i cado express ivo da a r te . Porém , ela não necess itava
desse novo entendim ento da expressão l inguís ti ca e ar t ís t ica m eram ente para dispor de
m odelos para o entendim ento da vida hum ana co m o expressão; a ques tão náo e ra s im -
plesm ente ver a vida c om o sem elhante a um a obra de a r te , em bora , indubi tave lm ente ,
esse seja um dos im portan tes legados desse período. Se a vida do ser hum an o deve ser
expressão no sentido fo r te , ou seja , tan to conc retização de propó sito c om o aclaração de
s igni f i c ado, então i sso é assim porque o se r hum ano é m a is do que um ser vivo, apenas;
é porq ue ele é um ser capaz de at ividade expressiva. C) que torn a o ser hu m an o c apaz de
expressão é a l inguag em e a ar te . Por c onseg uinte, estas não só proveem m odelos para a
vida hum ana c om o expressão, m as são tam bém os m e ios pr ivi leg iados at ravés dos qua is
essa expressão é realizada.
H á a qu i t a n to co n t inu ida de com a tr a d iç ã o oc ide n ta l qua n to um a m odu la ç ão r a d i-
c a lm ente nova que lhe foi t r ansm i t ida . A c ont inuidad e res ide no fa to de que a l inguagem
c ont inua cent ra l para o se r hum ano , c om o sem pre foi desde as ant ig as de f inições do ser
hum a no c om o a n im a l ra c ional . A nova m odu la çã o é que a l ing ua g e m já n áo possu i a
m esm a im portân c ia crucial c om o veículo das Ideias - de fato, ela deixa dc ser isso para
algu ns escr i tores desse período, co m o Herde r , que, nesse toc ante, pod e ser classificado
c om o nom ina li s ta - , m a s a n te s co m o e xpre ssão do
self.
Conse que n te m e n te , a l ing ua g e m
passa a cor re r o r isco dc se r suplantada pe la a r te com o paradig m a da a t ividade h um ana .
O c ent ro de g ravidade do hom em es tá a pon to de des locar -se do
lógos
para a
poíesis.
Estas três transposições inter-relac ionadas - u m a nova teoria da l ing uag em , um novo
enten dim ento dc a r te e um novo entend im ento de sua cent ra l idade - podem ser vistas
desenvolvendo-se através da obra de Herder , de outros escr i tores do Sturm und Drang,
e da g e ração rom ânt i ca subsequente . Por co nseg uinte , no im por tante tra tado
Sobre a
Origem da Linguagem , pub l ic a do por H e r de r cm 1772 , ve m os um r om pim e n to com o
m odo i lum inis ta da teor ia sobre linguag em , c om o havia sido desenvolvida desde Hob bc s
a té CondiUac . H erder des loca radi ca lm ente o problem a . E le c i ta a expl icação que Co n-
di lla c o fe rece para o m odo c om o a l inguag em poder ia surg i r ent re duas c r ianças nu m
deser to à m edida que e las g radua lm ente aprendessem a assoc ia r ce r tos s ignos com ce r tos
ob j e tos . N u m a pa ssag e m , que em a l g uns pon tos l e m br a Wi t t g e ns t e in c om ba te ndo un i a
teoria não dissim ilar cerca de dois séculos m ais tarde, He rder indic a que essa explicação
pressupõe que o passo rea lm ente im por tante j á fo i dado; c om o, pe la pr im e i ra vez, as
c r ianças têm a ideia de qu e alg um as coisas pod em representar outras, que po de haver
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a lg o t o m o u m
signo
? Em outras palavras, c om o elas dão o passo da co nsc iência a nim al
para a c onsc iência l inguíst ica e , daí , hum ana?
Herder ná o dá rea lm ente um a resposta a essa perg unta , o que levou m ui tos a co-
m entar que o t ítu lo do t ra tado es ta ria equivocado. E nt re tanto, o pon to im por tan te é
que H e r de r tr a ns fo r m ou nosso e n t e nd im e n to de l ing ua g e m . P o r que a cons c i ênc i a r e-
presentativa de seus predecessores i lum inistas, o enten dim ento de que algo representa
ou se refere a alg um a outra c oisa, era t ida c om o l íquida e c erra. Ela surg ira na turalm ente
no jog o de associações na experiência d o sujeito. A insti tuição da l ing uag em , isto é , dos
signos arbitrár ios, só servira para nos colocar no controle do Huxo de associação, para
perm i t i r que colocá ssem os ordem em nossos pensam entos , para que t ivéssem os
empi-
re sur notre imagination
f pode r sobre nossa im a g ina ç áo l , c om o fo r m u lou Condi l l ac .
12
Nessa visão, palavras sáo um a subclasse de sig nos, ten do sign if ic ado sim plesm ente p or
proporc ionarem um a re lação de re fe rênc ia co m as coisas .
P orém , para Herd er , a existência dessa c onsc iênc ia representac ional ou l ing uíst ic a
c onsti tu i a questão central . O qu e faz c om que seja possível, para nós, dispor dessa
con sc iênc ia dis t inta , foc ada , das coisas, enq uan to os anim a is perm anecem presos no
Huxo m elódico, co m o que oní r i c o , da experiênc ia? É a linguag em que torna i sso possí -
ve l. A par t ir da í , a l inguag em deve ser exper im entada de um po nto de vis ta tota lm ente
d i f e r e n t e. Ela nã o é m e r a m e n te um c on ju n to de s ig nos que possue m s i g n i f ic a do em
vir tude de se re fe r irem a algo; e la é o ve í culo nec essá r io de c e r ta f orm a de c onsc iênc ia ,
que é ca rac te r is t i cam ente hum ana , a apreensão dis t inta das coisas que Herder ch am a
de reHexão (
Besonnenheit
) . Ein outro s term os, as palavras não apenas fazem referên-
c i a , m a s t a m bé m são se d im e n tos de um a a ti v ida de que ve m a ser a f o r m a hum a na d c
cons c i ê nc i a . A ssim se ndo , e la s n áo só de sc r e ve m um m und o , m a s t a m bé m e xpr es sa m
um m odo de consc iênc ia , no sent ido duplo esboçado ante r iorm ente , i s to é , e las o rea-
l iz am e de t e r m ina m o se u m odo .
E ssa é um a da s g r a nde s ide ia s se m ina is de H e r de r . Se ndo o se r hu m a no um e n t e a
ser e n t e nd ido sob a c a t e g or i a da expr e ssã o , s e ndo sua c a r a c t e r ís t ic a um a c e r t a f o r m a
de consc iênc ia , qua l se ja , a Besonnenheit, e send o es ta rea lizada un ic am ente na fa la,
e n t ã o o pe nsa m e n to , a re H exã o, a a t i v ida de d i s t i n t i va m e n te hu m a na ná o s áo a l g o
que possa ser e f e tua do num e l e m e n to i n c o r pór e o . E la só pode e x is ti r e m um m e io .
A l i ng ua g e m é e s se nc i al a o pe nsa m e n to . ' ' E se o pe nsa m e n to ou a a t i v ida de c a r a c -
t e r is t ic a m e n t e h u m a n a s ó p o d e m e x is ti r n o m e i o d a l in g u a g e m , e n tã o c a d a u m a d a s
d i f e r e n t e s l i ng ua g e ns na tu r ai s e xpre s sa o m odo s ing u l a r m e n te c a r a c t e r í st i co cm que
um povo re al iz a a e s sê nc i a hum a na . A li ng ua g e m dc um povo é o e spe lho p r iv i le -
g i a do ou a e xpr es sã o p riv i le g i a da de sua hum a n ida de . O e s tudo da l i ng ua g e m é a
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Sur l Origine des Connaissantes Humaines, parte I. seção 2. capítulo IV. §
46.
Herde r nem sem pre no tou a s imp l i cações dessa ide ia , m as e la s t iveram im por tân c ia cen t ra l pa ra Heg e l ,
c o m o v e r em o s m a i s a d i a n te .
8/11/2019 TAYLOR- Charles. Hegel_Sistema-Metodo e Estrutura
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v ia c e n t r a l e i nd ispe nsáve l pa r a o e n t e nd im e n to da d ive rs ida de hum a na . A obr a de
H e r de r e s tá , po r t a n to , na o r i g e m do g r a nde i n c r e m e n to dos e s tudos f il ológ i cos qu e
teve início nessa época.
1 4
C o n s e q u e n t e m e n t e , a l in g u a g e m é e n t e n d id a p o r H e r d e r n u m a d im e n s ã o d i f e -
rente daque la dos seus predecessores i lum inistas. Ela não é apen as signo ref erenc ial ,
m as tam bém expressão. E , qu an to a esse aspec to , ela é c ont ín ua c om a a r te . Resul ta
da í a visão de Herd er de que a ling uag em , em sua or ig em , é insepar áve l da poesia e
da c anção (essa visão não se or ig inou com e le, é verdade , m as o
Sturm und D rang
lhe deu urna nova m odal idade) e que a m a is adequ ada das l inguag ens une desc r ição
do m und o e e xpr es sã o do se n t im e n to . E ssa noç ã o de li ng ua g e m c om o e xpre s sã o de
se n t im e n to no se n t ido f o r t e nã o t e m lug a r nas t e o ri a s i l um in i st a s do ser hu m a no c
do s i g n i f i c a do
—
em bora es tivesse c om eçand o a aparecer cm a lgu ns dos esc r i tos sobre
ar te , em par t i cula r , por exem plo, nas discussões de Didero t sobre o tem a do g énio .
A ideia e ra c or rente a respe i to do g r i to , por exem plo com o a expressão na tura l do
sent im ento n o sent ido daqui lo que dava vazão ao sent im ento, sua descarga na tura l e
que m a is ta rde poder ia ser esco lhido c om o um s igno. P orém , a ide ia de expressão 110
se n t ido fo r t e , que t a m bé m
define
o que o se n t im e n to é , su rg i r ia som e n te com a nova
t eor ia do se r hum a no . A l ing ua g e m de sc r e ve o m und o , m a s e la t a m bé m de ve re al iz ar
o se r hu m an o e , por m e io disso, a c la ra r o que e le é .
É nesse aspec to que e la e ra c ont ín ua co m a a r te , pe lo m enos com o novo en tendi -
m ent o de a r te que foi desenvolvido pe la g e ração do
Sturm und Drang.
Ao passo que a
v i sã o-pa dr áo da é poca v ia a ar t e co r no p r e c ipua m e n te e xe rc e ndo um a f unç ã o im i t at i va
ou didá t i ca ou prazerosa, is to é , exis t indo ou para re t ra ta r o m un do o u para m e lhorar
as pessoas ou para proporcionar- lhes prazer , os
Stürmer und Dränger
desenvolveram
um a noção de a r te com o a r te express iva , ou se ja , que expressa os sent im entos p rof un -
dos do a r t is ta c que , nesse processo, com ple ta -o, exp andin do sua exis tênc ia ; G oeth e
usa o t e r m o pur if i c a ç ã o {
Läuterung
) . Co m o dá a e n t e nde r e sse t e r m o usa do por
G oe the , a e xpre s sã o nã o im p l ic a a pe na s da r va zã o a se n t im e n tos , m a s t a m bé m um a
t rans fo rm ação destes nu m a fo rm a m a is e levada . Pe la m esm a razão, essa expressão do
sent im ento não é subje t iva no sent ido res t r i tivo, não tendo pre tensão de verdade .
P e lo co n t r á r i o , a a r te supre m a é a ss im por que e s tá e m c on f o r m ida de com a N a tu r e z a ,
porém , não no sent ido de um a im i tação, m as , antes , c om o a expressão m a is e levada e
m ais plena de suas potenc ial idades.
P elo fato de a ar te ter sido vista c om o expressiva nesse novo sen tido, o ar t ista fo i visto
c om o um c r i ador , c um novo im pu l so fo i da do a o te m a do g é n io , p r ópr io do sécu lo
XVII I , um poder para o qua l nenhu m a fó rm ula podia ser dada dc antem ão, m as que só
poder ia ser reve lado em seu desdobram ento.
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Herde r tam bém deu o r i g em ao g rande in te re sse pe la t j n t á o popu la r c pela cu l tu ra popu la r que teve in i c io
noue pe r íodo .
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