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Jan Carlos de Souza
O DRAMA DOS PLPITOS PREGADORES TENDENCIOSOS E OUVINTESVICIADOS: UMA ANLISE DA PREGAO TELEVISIVA DA IGREJA
INTERNACIONAL DA GRAA DE DEUS
SO PAULO2008
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Jan Carlos de Souza
O DRAMA DOS PLPITOS PREGADORES TENDENCIOSOS E OUVINTESVICIADOS: UMA ANLISE DA PREGAO TELEVISIVA DA IGREJA
INTERNACIONAL DA GRAA DE DEUS
Trabalho de Concluso de Cursoapresentado como requisito final no cursode Bacharel em Teologia da FaculdadeTeolgica Batista de So Paulo
Orientador: Prof. Ms. Itamir Neves de Souza
SO PAULO2008
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Jan Carlos de Souza
O DRAMA DOS PLPITOS PREGADORES TENDENCIOSOS E OUVINTESVICIADOS: UMA ANLISE DA PREGAO TELEVISIVA DA IGREJA
INTERNACIONAL DA GRAA DE DEUS
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________Prof. Ms. Itamir Neves de Souza - Orientador
___________________________________________________________________Prof. Guilherme de Amorim villa Gimenez
___________________________________________________________________Prof. Madalena Molochenco
SO PAULO2008
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4DEDICATRIA
Juliana, minha esposa, pela compreenso em meus momentos de isolamento.
Neste primeiro ano em que estamos juntos, vejo em voc a amiga indispensvel,
auxiliadora sempre presente e a menina cheia de ternura divina. Obrigado por estar
sempre ao meu lado. Juju, te amo!
Aos meus amados pais, Antonio e Ana, e s minhas queridas irms Monia, Monica
e Milka (sem esquecer os cunhados Beto e Du, claro!). Vocs foram peas
fundamentais para eu chegar aqui. Tenho orgulho de fazer parte dessa famlia!
Primeira Igreja Batista da Lapa, em especial ao Pr. Joo Marcos Morilha.
Shepherd Johnny, obrigado pela fora nestes quatro anos, e por entender meus
questionamentos, angstias e ausncias. Jamais esquecerei seu apoio!
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5AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus, Pai amoroso que sempre tm me sustentado. No tenho palavras
para agradecer Tua bondade (...). Tudo o que tenho, tudo o que sou, o que vier a
ser, vm de ti Senhor.
Aos amigos de sempre: Alex Cara, Frei Rodrigo, Mrcio, Plnio, Stan, Thiago e
suas respectivas companheiras. um prazer estar ao lado de vocs, seja refletindo,
discutindo ou nos divertindo.
Turma (com T maisculo) de 2005 da Faculdade Teolgica Batista de So
Paulo, em especial ao Alex, Luiz Cludio, Jnatas, Paula e Wilfrid. Tenho orgulho de
ter participado desse grupo. Que a nossa integrao permanea aps essa jornada.
Ao Mestre Itamir Neves de Souza por suas orientaes valiosas.
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6Pregadores corajosos so a necessidade urgente nos plpitos do mundo
atual. Pregadores semelhantes aos apstolos da igreja primitiva, que
eram cheios do Esprito Santo e anunciavam corajosamente a Palavra de
Deus. Os que procuram agradar aos homens (...) jamais sero bons
pregadores. Somos chamados tarefa sagrada da exposio bblica e
comissionados para proclamar o que Deus disse, no o que os seres
humanos querem escutar.
John Stott
Que a mensagem que voc prega seja bblica, para que possua uno,
alimente e transforme vidas. Que teu sermo seja bem estruturado, para
facilitar o entendimento. Que a tua pregao seja eficaz, trabalho de um
bom despenseiro dos mistrios de Deus.
Ricardo Arakaki
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7RESUMO
Esta pesquisa pretende analisar a origem e crescimento da Igreja Internacional da
Graa de Deus no processo histrico do neopentecostalismo brasileiro,
especificando o fator miditico como fora-motriz desse processo. A pesquisa
considera o modus operandi estrutural e organizacional da denominao, alm de
identificar os principais conceitos doutrinrios e sua pregao televisiva.
Correlaciona estas mensagens com a teologia da prosperidade e com a viso
doutrinria de R. R. Soares acerca da sade e prosperidade do cristo, luz dos
ensinos da confisso positiva. A partir de ento verifica os conceitos primazes da
interpretao bblica, como ferramenta para a correta exposio da mensagem
evanglica. Com base nesses conceitos estuda a prxis doutrinria da Igreja da
Graa a respeito da sade e riqueza na vida do cristo, relacionando esses
princpios com a estrutura social do mundo ps-moderno. Fundamenta os termos
sade e riqueza sob a perspectiva bblica e prope uma nova abordagem nas
mensagens televisivas da Igreja Internacional da Graa de Deus, com o intuito de
mostrar aos telespectadores uma espiritualidade crist autntica, preocupada com o
carter do evanglico como cidado e a sua conseqente influncia na cidadania
brasileira.
Palavras-chave: Igreja Internacional da Graa de Deus, Igreja da Graa,
Missionrio, R. R. Soares, sade, riqueza, bno, teologia da prosperidade,
neopentecostalismo, neopentecostal, ps-modernidade, confisso positiva,
determinar, evangelho, hermenutica, interpretao, mdia, TV, doutrina, pregao,
Bblia Sagrada.
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8ABSTRACT
This research analyses the origins and the growth of the Igreja Internacional da
Graa de Deus (International Church of the Grace of God) in the historical
development of the Brazilian neopentecostalism, specifying the media factor as the
motive power of this development. This research considers the structural and
organizational modus operandi of this evangelical denomination, as well as identifies
the main doctrine concepts and its preaching on the television. It establishes a
relationship between these messages and the Prosperity Theology and with the R. R.
Soares doctrine view towards the Christian health and prosperity, in the light of the
Positive Confession teaching. From these points it verifies the essential concepts of
biblical interpretation as a tool for the correct Christian message explanation. Based
on these concepts it studies the doctrine practices of Igreja da Graa with respect to
health and richness in the life of the Christian, relating these principles to the post-
modern world social structure. It establishes the health and richness concepts under
the biblical perspective and proposes a new approach to the television messages of
Igreja Internacional da Graa de Deus, in the purpose of showing the television
audience an authentic Christian spirituality, which is concerned about the character
of the Christian as a citizen and its resultant influence on Brazilian citizenship.
Key-words: International Church of the Grace of God, Church of the Grace, R. R.
Soares, health, richness, blessing, prosperity theology, neopentecostalism, post-
modernism, positive confession, determine, gospel, hermeneutics, interpretation,
media, TV, doctrine, preaching, Holy Bible.
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9SUMRIO
INTRODUO.......................................................................................................... 10
1. R. R. SOARES E A IGREJA INTERNACIONAL DA GRAA DE DEUS............... 14
1.1 R. R. SOARES UMA BREVE BIOGRAFIA.......................................................................... 141.2 HISTRICO DA IGREJA INTERNACIONAL DA GRAA DE DEUS ...................................... 161.3 O ALCANCE DA IGREJA NA MDIA...................................................................................... 171.4 FORMA DE GOVERNO E ORGANIZAO........................................................................... 18
2. A PRXIS HERMENUTICA DA IGREJA DA GRAA ........................................ 21
2.1 A CONFISSO POSITIVA COMO FERRAMENTA DA VITRIA............................................ 222.2 O EVANGELHO DA SADE PERFEITA................................................................................ 242.3 A FRMULA DO SUCESSO. ................................................................................................ 25
3. PRINCPIOS DE INTERPRETAO DA BBLIA.................................................. 29
3.1 AS ESTRUTURAS CONTEMPORNEAS E A EXPOSIO BBLICA................................... 293.2 A NECESSIDADE DE INTERPRETAO ............................................................................. 303.3 PASSOS PARA A EXPOSIO BBLICA.............................................................................. 323.4 O PRIMEIRO NVEL: A EXEGESE........................................................................................ 323.5 O SEGUNDO NVEL: A HERMENUTICA. ........................................................................... 343.6 OS PRINCPIOS PARA A CORRETA INTERPRETAO BBLICA. ...................................... 36
4. ANLISE HERMENUTICA DAS DOUTRINAS DA IGREJA DA GRAA. .......... 38
4.1 AS CONTROVRSIAS DO "EVANGELHO COMPLETO". ..................................................... 394.2 A DETERMINAO EM CONTRAPONTO SOBERANIA DIVINA. ...................................... 414.3 REVISITANDO OS TERMOS "SADE" E "RIQUEZA"........................................................... 45
5. CONSIDERAES FINAIS.................................................................................. 51
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.......................................................................... 57
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INTRODUO
O homem vive uma nova fase de pensamento, uma fase de mudanas
drsticas que incluem no s a rea dos conceitos, mas tambm da cultura, das
habilidades e do domnio da tecnologia.
Essas alteraes afetam todos os nveis da vida. uma mudana de hbitos,
um conjunto novo de valores na msica, na literatura, na arte, nos filmes, nas
novelas, no modo de vestir e no trato com as pessoas. Valores educacionais,
sociais, polticos, morais e religiosos esto sendo contestados e outros esto sendo
propostos em seu lugar, e o mundo est se amoldando a essas alteraes. Tanto
que h certo tipo de pregao evanglica que j se adaptou a ela. Essa a poca
ps-moderna, onde o homem se coloca acima de Deus. Um tempo onde o que se
faz estabelecer que no existe uma verdade a ser encontrada, no existe o bem
ou o mal, nem existe o belo e o feio. Tudo relativo e circunstancial. No existem
padres morais a serem seguidos. Cada um vive a sua vida, pois o homem
independente.1
nesse contexto que se tm visto uma nova forma de religiosidade crist,
que tenta se adequar a isso. As grandes mudanas ocorridas nesse tempo exigem
respostas mais rpidas e adequadas, portanto, prega-se o evangelho dentro de
uma conjuntura social e cultural moldada pela ps-modernidade. Essa prxis
religiosa prope uma inovao no relacionamento entre Deus e o homem, e tem
conseguido angariar adeptos no s pela sua forma mais atraente, permeada pelos
pressupostos do ps-modernismo j enraizado, mas tambm pela promessa de
imediatismo, principalmente no que se refere aos problemas enfrentados no dia a
dia. Nesse ambiente, as igrejas neopentecostais2 obtm xito, como o fenmeno
1 Segundo Coelho Filho (2007) a ps-modernidade fundamentada em alguns pilares de existnciapara a sociedade e para o indivduo. So eles: o relativismo, o liberalismo, o hedonismo e oconsumismo.2 Vertente do cristianismo que segundo Romeiro (2005) enfatiza a cura divina, exorcismo, donsespirituais, e a aceitao da teologia da prosperidade. Esta teologia prega que o dinheiro adquireum valor espiritual, onde o fiel dizima e oferta para adquirir as bnos divinas. A estrutura da igrejase concentra nas mos de lderes carismticos. O aspecto emocional enfatizado na liturgia doscultos e a mdia vista como a forma mais rpida de expanso. Este ramo considerado a 3 ondado pentecostalismo, que se inicia por volta das dcadas de 60 e 70, oriundo dos EUA. As principais
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religioso cada vez mais presente no mundo globalizado.
No contexto brasileiro o neopentecostalismo uma realidade, sendo
considerado por alguns estudiosos como o fenmeno religioso mais importante
surgido neste pas nos ltimos trinta anos.3 Alm disso, foi e continua sendo um fato
marcante na histria do cristianismo, nutrindo sonhos de sade, paz e riqueza para
todos aqueles que abraam seus preceitos, com toda sua pluralidade
denominacional.
Milhes de brasileiros normalmente ligam seus televisores procura de
entretenimento e informao. A julgar pela programao televisiva atual, repleta de
programas religiosos de credos diversos, percebe-se que uma parcela da massa de
telespectadores tambm procura ajuda para os problemas cotidianos e busca paz
de esprito. Ao observar o cenrio miditico do Brasil nos ltimos anos, chama a
ateno a quantidade de programas das igrejas neopentecostais na esfera
televisiva, que se d no s pela compra de espaos em canais abertos, mas
tambm pela aquisio de concesses de canais prprios de TV.
Neste quadro propcio propagao de seus princpios e idias, os
pregadores neopentecostais oferecem ao pblico brasileiro uma oportunidade de
encontro com uma realidade fantstica, no conforto de seus lares, atravs do tele-
evangelismo. Conforme a observao de Kivitz (2006), nesses programas as
promessas bblicas tornam-se produtos elaborados pela mdia evanglica, entrando
em conformidade ideolgica com o marketing gospel.
Nessa indstria do entretenimento cristo configurada por um ambiente de
propostas religiosas salvadoras, as igrejas neopentecostais fazem sucesso.
Inserida nesse contexto, a Igreja Internacional da Graa de Deus mais uma das
diversas denominaes evanglicas que militam a causa, se que pode se chamar
assim, do evangelho da prosperidade, e seu crescimento vertiginoso um reflexo
deste quadro. Na esfera miditica, a Igreja da Graa expe uma programao com
contedo de fcil assimilao e que ecoa as regras e condutas desejadas pelo
grupo. Dentro desse molde, sua programao evanglica bem vinda em horrio
igrejas so a Universal do Reino de Deus, a Internacional da Graa e a Renascer em Cristo, dentreoutras.3 A Revista Veja (edio n 1758 de 03/07/02) publicou em sua matria de capa uma reportagem quemostra o avano dos evanglicos no Brasil, em especial os neopentecostais. Em recente edio (n2077 de 10/09/08) o peridico semanal retrata a influncia das igrejas evanglicas na vida dosjovens, onde os neopentecostais novamente se destacam.
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nobre tanto pelo dinheiro arrolado na aquisio de espao dentro da grade de
programao, quanto por suas mensagens de moralismo e aparente espiritualidade.
Esse procedimento admite questionamento, pelo menos no que tange
anlise das mensagens ministradas por seus pregadores luz das doutrinas
bblicas. Sendo assim, o interesse pelo tema surgiu a partir da observao da
prtica evangelstica da Igreja da Graa junto mdia televisiva nos ltimos anos,
principalmente em relao a uma metodologia polmica de propagao de sua
mensagem. empregada uma grande variedade de smbolos e objetos, atravs de
campanhas e correntes diversas, utilizando a premissa da troca simblica4, que
ocupa um lugar de destaque como meio de realizao pessoal e social, pois a f
entra como um investimento no reino de Deus e a certeza de retorno seguro para o
fiel (OLIVEIRA SILVA, 2004, p.18).
Paralelamente, no meio acadmico teolgico protestante, constata-se a
abundncia de crticas metodologia empregada pelas igrejas neopentecostais. No
h escassez de estudos sobre o tema, pois o assunto ainda gera polmicas em
forma de artigos, livros e pregaes em apologia f crist ortodoxa. Neste
ambiente percebe-se a preocupao com cada nova empreitada neopentecostal,
principalmente pelo fato do movimento crescer aceleradamente, exercendo impacto
na sociedade brasileira e arrebanhando at mesmo fiis membros das igrejas
protestantes histricas. Por isso, nunca ser plenamente suficiente um nmero
determinado de estudos que visam compreender este movimento. Principalmente
para os ministros cristos, a apologia contra os excessos do neopentecostalismo
importante, tanto em suas vidas pessoais como na formatao e conduo de seus
ministrios para a obteno de uma pregao genuna, permeada pela tica crist.
O objetivo deste trabalho, conseqentemente, consiste em identificar alguns
conceitos doutrinrios da Igreja Internacional da Graa de Deus veiculados na mdia
televisiva, e a partir da analis-los a partir da teologia bblica. Por fim, intenciona-se
apresentar algumas solues para uma correta exposio da doutrina crist. Urge
4 Por troca simblica entende-se oferta de bens e servios mgicos de cura e salvao, ligada reelaborao simblica dos significados do dinheiro, da doena, do mal e da relao com o sagrado.Muitas vezes esses pregadores utilizam o que Silva (2004) chama de linguagem icnica, ou seja,usa-se a imaginao do fiel e cria-se uma metodologia de valores religiosos que o crente precisaalcanar. No caso da Igreja da Graa, esses valores giram em torno da sade fsica e prosperidadefinanceira, que uma vez alcanadas, resultam na conquista de reconhecimento social, alm de umaalegada espiritualidade.
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ressaltar que, em se tratando teologicamente de interpretaes doutrinrias, a
discusso ser somente em torno desse assunto. A abordagem desta pesquisa no
envolver a questo da sinceridade de quem prega, ensina ou vive os ensinamentos
veiculados na Igreja da Graa.
A metodologia adotada foi a pesquisa bibliogrfica. Por isso, a anlise foi
baseada no levantamento dos dados sobre a teologia da Igreja da Graa a partir dos
principais livros de seu lder, o Missionrio R. R. Soares, incluindo programas da TV
e sites na Internet. As obras disponveis no mercado editorial brasileiro no campo de
estudos apologticos no tratam exclusivamente da teologia da Igreja da Graa,
mas se destacam como referenciais tericos os livros de Paulo Romeiro:
Decepcionados com a Graa Esperanas e Frustraes no Brasil Neopentecostal
(2005), Evanglicos em crise - decadncia doutrinria na igreja brasileira (2000) e
Super crentes - o evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os
profetas da prosperidade (1996), todos publicados pela Editora Mundo Cristo. Alm
de Romeiro, a dissertao de mestrado Cura e Poder na teologia de R. R. Soares:
uma anlise crtica luz da teologia prtica, de Alberto Kenji Yamabuchi, tambm
contribuiu para a sustentao das idias deste trabalho.
Portanto, mediante essa anlise crtica, procurar-se- entender porque o
homem o foco da mensagem nas pregaes da Igreja Internacional da Graa de
Deus, ao invs da Bblia Sagrada. Piper (2003), ao referir-se verdadeira pregao
crist, diz que ela a exposio e a aplicao da Palavra de Deus, e que a
autoridade do pregador diretamente proporcional sua lealdade aos textos
bblicos. H muitos pregadores que dizem expor as Escrituras a sua audincia, mas
as afirmaes de seus ensinos no encontram respaldo bblico. Sendo assim este
trabalho disserta sobre as diferenas entre a mensagem da Igreja da Graa e a
mensagem crist, a fim de colaborar com o progresso da prdica evanglica na
mdia televisiva.
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1. R. R. SOARES E A IGREJA INTERNACIONAL DA GRAA DE DEUS
Para entender o crescimento da Igreja Internacional da Graa de Deus,
fundamental compreender o histrico de seu principal lder e fundador, o
Missionrio R. R. Soares.
Dentro do segmento neopentecostal as palavras dos lderes so
consideradas como sendo revelao divina, e a Igreja da Graa no foge a essa
regra.5 A histria, a estrutura de governo, a base doutrinria e o uso da mdia em
geral so frutos da viso implantada por Soares. Portanto, este captulo pretende
abordar as origens tanto de Soares quanto da organizao por ele fundada para
posteriormente analisar alguns conceitos por eles transmitidos.
1.1. R. R. SOARES UMA BREVE BIOGRAFIA
Romildo Ribeiro Soares, conhecido como o missionrio R. R. Soares, o
fundador da Igreja Internacional da Graa de Deus. Nasceu em Muniz Freire, ES,
em 1948, numa famlia humilde, como o terceiro filho de um pedreiro protestante e
de uma dona de casa catlica.
Soares se converteu aos seis anos de idade, em um culto presbiteriano.
Segundo Yamabuchi (2002, p. 30) aos 11 anos de idade, em Cachoeiro de
Itapemirim, ES, teve o seu primeiro contato com a televiso, e desde aquele
momento sonhou em pregar o Evangelho via satlite. 6 Passou a freqentar a Igreja
Batista, onde ficou at os dezesseis anos de idade, quando se mudou para o Rio de
Janeiro, ficando afastado do evangelho por quatro anos. Filiou-se Igreja de Nova
Vida em 1968, onde se casou e permaneceu at 1975. Neste ano, foi consagrado
pastor na Igreja Casa da Bno, e aps isso participou da fundao de uma igreja 5 De acordo com Romeiro (2005) o lder neopentecostal est situado no topo da pirmide da igreja,isento de qualquer questionamento. No caso de Soares, sua liderana carismtica insubstituvel,pois no existe um sucessor sua altura, como geralmente acontece com lderes muitopersonalistas. Aps a morte do missionrio, Romeiro acredita que o movimento vai ser diludo efragmentado, pois a dinmica da Igreja da Graa est assentada totalmente no carisma e noministrio do missionrio.6 Yamabuchi (2002) relata a primeira experincia de cura milagrosa de Soares quando, aos 9 anos de
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chamada Cruzada do Caminho Eterno, junto com Edir Macedo, Roberto Augusto
Lopes e os irmos Samuel e Fidlis Coutinho.7
Soares, Macedo e Lopes deixaram a igreja que haviam fundado devido a
desentendimentos com os irmos Coutinho, e juntos fundaram a Igreja Universal do
Reino de Deus IURD no Rio de Janeiro, naquele mesmo ano. A pesquisa de
Yamabuchi (2002) relata que neste perodo Soares tambm comea a sua carreira
de televangelista na extinta TV Tupi. No incio da constituio da IURD Soares era o
lder, mas sua posio logo comeou a ser ofuscada por Edir Macedo, seu
cunhado, por este ter um estilo autoritrio, centralizador e carismtico. A situao
chegou ao ponto de toda a cpula da direo da igreja promover uma votao para
decidir qual dos dois seria o lder. Macedo ganhou, e Soares, compensado
financeiramente, desligou-se e fundou, em 1980, a Igreja Internacional da Graa de
Deus.
Outra verso conta que no incio da constituio da Universal, Soares
participou das reunies por ter sido convidado pelo Edir Macedo. O fato de Macedo
ser seu cunhado influenciou a escolha do Missionrio. Soares no permaneceu na
cpula da IURD em conseqncia de vrios desacordos pessoais e doutrinrios
entre ele e Macedo. Ento se retirou da IURD pelo fato de entender que Edir
Macedo imprimia um tom agressivo ao mtodo de evangelismo e aos rituais de
exorcismo existentes nos cultos, principalmente na parte destinada ao tratamento
dos membros.8 Por essa razo e, ao perceber que no teria acesso liderana
mxima da IURD, Soares fundou uma igreja paralela semelhante ao do bispo
Macedo. 9
Romildo Ribeiro Soares prefere ser conhecido como R. R. Soares. Em
entrevista concedida Revista Veja, em 1 de outubro de 2003, explica o motivo10
Uma vez eu fui a uma igreja na favela da Rocinha. Sentei-me no meio do povo e o pastorgritou: "Romildo, vem c!". Quando me levantei, um moreninho tambm se levantou. Eufalei: Ai, Jesus!. Amanh eu me torno pastor e esse cidado tambm se torna. Os dois voser pastor Romildo. Vamos dizer que ele fizesse alguma coisa errada. Meu medo que
idade, repreendeu sua febre invocando o nome de Jesus.7 Mariano (1999) fornece um relato detalhado do ocorrido.8 Essa informao foi ratificada, em partes, pelo Missionrio R. R. Soares em entrevista concedida aJ Soares, em seu Programa do J da Rede Globo de Televiso do dia 03/04/2002.9 De acordo com relato de Wrege (2001, p. 69).10 Entrevista concedida na seo Pginas Amarelas da Edio n 1822.
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poderiam dizer: "Foi o pastor Romildo quem fez". Vamos dizer que ele tivesse se tornadoum adltero. Iam dizer que o pastor Romildo adltero. Da eu que poderia pagar o pato.Falei: "Jesus, tenho de mudar isso". Ento lembrei que os americanos usam muito as siglas.Pensei em R. R. Soares. Se algum colocar, t me imitando. Eu sa na frente.
R. R. Soares no tem formao teolgica, mas graduado em Direito,
apesar de nunca ter exercido a advocacia. Concorreu ao cargo de Deputado
Federal pelo Estado do Rio de Janeiro nas eleies de 1990, contudo no foi eleito.
casado com Dona Maria Magdalena Bezerra Soares, irm do Bispo Edir Macedo,
h mais de 30 anos, e tem 5 filhos homens.
1.2. HISTRICO DA IGREJA INTERNACIONAL DA GRAA DE DEUS
A Igreja Internacional da Graa de Deus, ou Igreja da Graa, como mais
popularmente conhecida, teve suas razes na Igreja de Nova Vida, fundada em
1960 pelo bispo Robert McAlister.11
Canadense de origem e ex-membro da Igreja do Evangelho Quadrangular,
Robert McAlister fixou residncia com sua famlia no Brasil em 1959, onde iniciou
seu ministrio na cidade do Rio de Janeiro atravs do rdio. De acordo com a
pesquisa de Romeiro (2005), a aceitao pblica foi grande, e ele comeou a
realizar cultos na sede da Associao Brasileira de Imprensa (ABI), onde a partir
da o crescimento foi constante. Adotando o nome de Roberto McAlister, o lder da
Igreja de Nova Vida chegou televiso. Em sua doutrina e liturgia de culto,
enfatizava a cura fsica, a libertao espiritual e a doutrina do dzimo. Publicou
escritos com suas vises contra as religies afro-brasileiras, um tratado sobre
demonologia e livros sobre dzimos. Faleceu em 1993 aos 62 anos.12
Quando criana, Soares fez uma promessa a Deus que teria um programa
de TV evanglico, e a cumpriu em 01/11/1977, quando ingressou na TV Tupi como
11 Romeiro (2005, p. 44) relata que McAlister foi o agente catalisador do neopentecostalismo noBrasil.12 Segundo a pesquisa de Macedo (2007), foi essa denominao que subseqentemente deu incios principais igrejas de cunho neopentecostal em terras brasileiras. Com uma abordagem diferentedos princpios de McAlister, a cidade do Rio de Janeiro viu nascer a Igreja Universal do Reino deDeus, a Cristo Vive (fundada pelo apstolo Miguel ngelo em 1986) e a Igreja Internacional daGraa de Deus, que o foco do estudo.
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ncora do Programa O Despertar da F. Aps o seu desligamento da IURD,
Soares decidiu ento seguir seu caminho e em 1980 comea seu ministrio, na Rua
Lauro Neiva, no Municpio de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, onde foi inaugurada
a primeira Igreja Internacional da Graa de Deus. Em matria publicada na Revista
Isto Gente em 14/04/2003, h o relato de que no incio de seu ministrio na Igreja
da Graa, Soares contou com o auxlio financeiro de seu cunhado Edir Macedo.
Hoje eles pouco se vem, apesar do parentesco. Embora afirme que no ficaram
mgoas, o missionrio no se estende quando o assunto a relao com o
cunhado.13
1.3. O ALCANCE DA IGREJA NA MDIA
Para Romeiro (2005) um fator que contribuiu para o crescimento explosivo
da Igreja da Graa o carisma de R. R. Soares. O ministrio investe fortemente em
programas de TV e rdio patrocinados pelos dzimos e ofertas da membresia e com
os donativos dos contribuintes regulares, ou associados. Com isso consegue
alavancar a posio de uma das denominaes evanglicas de maior visibilidade
no Brasil. Os principais cultos so realizados nas sedes do Rio de Janeiro e de So
Paulo conduzidos pessoalmente pelo missionrio e so transmitidos ao vivo pela
rede de rdios que a Igreja mantm Rede Nossa Rdio FM, de alcance nacional
sendo tambm gravados para exibio na TV. Alm disso, Soares foi considerado
no ano de 2002 a figura mais vista na televiso pela quantidade de horas em que
apareceu (quase sessenta horas mensais).14
Atualmente a Igreja possui uma rede de emissoras de televiso denominada
RIT (Rede Internacional de Televiso) que irradia sua programao para todo o
Pas atravs de uma geradora em Dourados (MS), alm de exibir um programa
dirio em horrio nobre na Rede Bandeirantes, e tambm nas madrugadas na
mesma emissora e na RedeTV! intitulado Show da F. O programa mostra
msicas e quadros dramticos, com ttulos como "Novela da Vida Real" e "Abrindo 13 A entrevista concedida ao peridico semanal enfatiza a trajetria de Soares, sua ascenso na mdiae seu relacionamento com o lder da Igreja Universal do Reino de Deus
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o Corao". Alm disso, Soares responde s dvidas dos fiis no quadro "O
Missionrio Responde". Ao final realizada a orao da f, na qual Soares
intercede pelos fiis. Sua pregao baseia-se numa linguagem simples e direta,
com nfase na libertao e posse de milagres diante dos desafios da vida.
Soares o ncora do principal programa evangelstico da igreja, sobre o
qual Yamabuchi informa
(...) impossvel desvincular a Igreja da Graa da figura de R. R. Soares. H, no entanto,espao nos programas televisivos para outros pastores da Igreja da Graa como asparticipaes do pastor Jayme de Amorim Campos em So Paulo. (YAMABUCHI, 2002, p.35)
No h informaes sobre o nmero de membros que freqenta a Igreja da
Graa. O ministrio conta com 1.739 templos espalhados pelo Brasil, Uruguai, Peru,
Mxico, Frana, Portugal, EUA e Japo. A igreja tambm conta com o Jornal Show
da F, de tiragem mensal de 1,1 milhes de exemplares e com a Revista Graa
Show da F, com tiragem mensal de 180 mil exemplares. Existe tambm uma
revista infantil de histrias em quadrinhos, intitulada Turminha da Graa, de
circulao mensal, alm da gravadora Graa Music. Por intermdio da Graa
Editorial a igreja tem publicado inmeros ttulos de livros evanglicos, grande parte
de autoria de R. R. Soares.15 A Sede da Igreja Internacional da Graa de Deus
encontra-se no Centro da Cidade de So Paulo, onde se realizam cultos dirios.
1.4. FORMA DE GOVERNO E ORGANIZAO
Apesar de no participar diretamente da administrao burocrtica, o
governo da Igreja centralizado em Soares. Romeiro (2005, p. 64) relata que a
Igreja da Graa possui uma diretoria chamada Presbitrio: um grupo formado por
doze homens, os presbteros, que respondem pela administrao e pela
movimentao financeira da igreja. Porm R. R. Soares possui plenos poderes
para decidir os rumos da Igreja, pois o presidente da organizao. A sede
14 Segundo a reportagem da Revista Veja (n 1822 em 1 de outubro de 2003).15 Dados extrados do site da denominao, disponvel em http://www.ongrace.com
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administrativa da Igreja da Graa se localiza no Meyer, Rio de Janeiro.
Romeiro (2005) classifica o modelo organizacional da Igreja Internacional da
Graa de Deus como personalista, ou seja, a influncia do lder totalmente
patronal.16 Todos os assuntos eclesisticos e doutrinrios passam pelo crivo de
Soares. Quando uma campanha iniciada, uma nova Igreja precisa ser aberta, ou
h o desejo da publicao de um novo livro, Soares tem de aprovar. Da mesma
maneira, delega aos seus lderes regionais o controle do rodzio de pastores em
todas as igrejas, pois cr que nenhum pastor deve permanecer muito tempo num s
lugar, para que no haja comodismo, tanto da igreja quanto do prprio pastor. Na
Igreja da Graa apenas R. R. Soares tem autonomia para ordenar os vocacionados.
O ministrio inclui tanto homens quanto mulheres, em sua maioria rapazes e moas
tiradas das fileiras da Igreja, para o ministrio pastoral. Todos os pastores so
assalariados e dedicam-se exclusivamente ao ministrio.
Quanto administrao das ofertas, percebe-se que
O dinheiro arrecadado nas igrejas filiais vai para um caixa nico, central. A Igreja da Graa totalmente centralizada, possuindo apenas um CNPJ. Os depsitos so identificados, e orelatrio financeiro sobre as entradas, as sadas e as despesas autorizadas enviado pormalote. O dzimo no pode ser utilizado pela igreja local. (ROMEIRO, 2005, p. 65)
Quanto ao posto eclesistico que ocupa, Soares prefere ser chamado
simplesmente de missionrio.17 A Igreja da Graa segue sua viso pessoal de
liderana e ela abraa uma linha doutrinria neopentecostal, atingindo
principalmente a camada pobre da populao. Tem como fundamento teolgico a
conhecida Teologia da Prosperidade, em que h forte apelo para que os membros
sejam sempre saudveis e abastados financeiramente.
A Igreja da Graa mantm relativa nfase na educao teolgica, pois
divulga sua instituio de ensino bblico chamada AGRADE Academia Teolgica
da Graa de Deus. Quanto a isso Yamabuchi argumenta
(...) o interesse da Igreja da Graa pela educao teolgica, embora no seja largamente
16 Entende-se que este modelo (...) geralmente encontrado nas igrejas pentecostais, (...) podeexistir alguma coordenao entre congregaes e conselhos (...). A influncia do pastor na vidapessoal dos seus membros pode ser considervel (...) se assemelha aos laos de dominao pessoal(...). (ROMEIRO apud NELSON, 2005, p. 62)17 Entrevista concedida a J Soares, em seu Programa do J da Rede Globo de Televiso do dia03/04/2002.
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divulgado, at filosoficamente contraditrio se levarmos em conta o popular desprezo doneopentecostalismo pela formao acadmica de seus ministros. (...) aparentemente, aIgreja da Graa est preocupada em levantar e capacitar seus prprios ministros (...)oferecendo-Ihes treinamento adequado que esteja sintonizado com a viso do missionrioR. R. Soares. O treinamento intensivo e tambm oferecido aos cnjuges dos pastores.(YAMABUCHI, 2002, p. 37)
Diferente dos moldes tradicionais, a Igreja da Graa no mantm escola
bblica dominical, no h preocupao com misses nem um discipulado dos novos
adeptos. Alm disso, o ministrio no apresenta uma programao de assistncia
social aos carentes. O atendimento pastoral depende da personalidade de cada
ministro, mas no de praxe a prtica da visita pastoral casa da ovelha. O
contato entre R. R. Soares e seus fiis nfimo, pois ele apenas conversa com
alguns para obter detalhes de milagres, como o que mostrado em seus
programas televisivos, ou responde a e-mails filtrados por sua assessoria.18
O maior alvo da preocupao da Igreja da Graa tem sido a evangelizao
atravs da mdia, pois os recursos da Igreja so utilizados para esse fim. Apesar de
ser criticado por muitos, o ministrio obtm sucesso amparado pela habilidade de
colocar a Igreja vista de todos, sustentado por uma legio de fiis vidos por
prosperidade, cura e libertao. E essa popularidade tem uma razo: o carisma de
Soares aliado sua doutrina do evangelho completo. Os fundamentos desse
ensino sero alvo do assunto abordado a seguir.
18 Informaes adquiridas por Romeiro (2005) na elaborao de sua pesquisa, onde o mesmoentrevistou o ento assessor do Missionrio R. R. Soares, Eber Cocareli.
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2. A PRXIS HERMENUTICA DA IGREJA DA GRAA
O mtodo interpretativo da Bblia utilizado nas mensagens televisivas da
Igreja Internacional da Graa de Deus geralmente consiste numa transposio das
experincias de personagens bblicas para os dias atuais. Talvez isto ocorra em
virtude de entenderem ser a Bblia um livro de experincias religiosas que podem
ser transpostas nos mesmos moldes para os dias de hoje.
Essa a chave interpretativa que lhes permite usar as Escrituras como base
da sua prtica. Observa-se uma grande dose de alegoria dos textos bblicos,
desconsiderando o contexto histrico dos escritos, bem como a falta de distino
entre o que descritivo na Bblia, e o que normativo para as experincias dos
cristos. Isto ser mais abordado na questo dos princpios hermenuticos, mas
desde agora se deve ressaltar isto.
A coerncia de uma mensagem, independente do pblico, obrigatria. Se a
pregao uma informao transmitida, obviamente ela deve ter uma lgica; deve
ser inteligvel. Se Deus deu uma mensagem ao pregador para ser levada ao povo, o
ministro deve mostrar, de uma maneira clara e sucinta, o que todos devem fazer. O
sermo deve ter contedo, incio, meio e fim; algo progressivo, que leve a uma
ao, a uma deciso frente ao que foi dito pelo sacerdote.19
Portanto neste captulo procurar-se- entender qual a leitura que os
pregadores televisivos desta igreja fazem da Palavra de Deus, e como a transmitem
ao povo. Esta questo fundamental para uma argumentao teolgica, pois se
tem unicamente a Bblia Sagrada como base para a discusso. Dentre as temticas
abordadas nas mensagens, assuntos como salvao, cura, batalha espiritual,
prosperidade, esto sempre presentes. Para objetivar o estudo, ser abordada
apenas a utilizao da doutrina da Confisso Positiva na cura e prosperidade do
cristo.
19 No caso das mensagens televisivas da Igreja da Graa veiculadas diariamente na TV,peremptoriamente pode-se ratificar a afirmao de Coelho Filho (2008) no tocante prticahermenutica da grande maioria das igrejas neopentecostais. A mesma expe uma prdicapseudobblica, atravs de uma leitura fragmentria (ou seja, de versculos isolados) desarraigada deseu contexto e usada alegoricamente. Disponvel em http://www.luz.eti.br/es_interpretandoabibliahoje.html#r1.
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22
2.1. A CONFISSO POSITIVA20 COMO FERRAMENTA DA VITRIA
Segundo Romeiro (2005) esta uma das correntes doutrinrias que mais
conquistou espao entre as igrejas neopentecostais. tambm conhecida como o
evangelho da sade e da prosperidade. Muitas pesquisas j foram publicadas
sobre este movimento, primeiro nos Estados Unidos, depois no Brasil, quando o
movimento comeou a chamar ateno ao angariar seguidores e conquistar espao
na mdia.
Mesmo que a Igreja da Graa trabalhe mais com a imagem e a persuaso do
discurso oral, no caso da televiso, e em segundo plano com jornais e revistas, o
mesmo tom do discurso televisivo est presente nos livros de autoria do fundador da
igreja. As publicaes cumprem o papel de registrar os principais elementos
caractersticos que norteiam a prtica ritual dos cultos e o iderio existente nos
discurso dos lderes.
Para conhecer melhor os ensinos de Soares preciso descobrir os
pressupostos doutrinrios que fundamentam sua pregao. Na categorizao que
ele faz das bnos que o homem tem direito, ressalta-se que elas se referem
principalmente sade e vida financeira. Assim, estudar o ensino da Igreja da
Graa tambm estudar os ensinos de Kenneth Hagin.21 Yamabuchi (2002) afirma
que praticamente todos os ensinos de Soares em respeito cura e prosperidade so
inspirados no evangelista americano e quase todas as obras de Hagin foram
traduzidas e publicadas pela Graa Editorial. Romeiro explicita essa base teolgica
como a mola propulsora da pregao da Igreja da Graa
20 Uma verso cristianizada do pensamento positivo, que a crena em que o pensamento de umapessoa o fator primordial em relao as suas circunstncias. Ao ter pensamentos positivos todas asinfluncias e circunstncias negativas sero vencidas. A Confisso Positiva essencialmente substituia f em Deus pela habilidade de ter f em si mesmo. O simples fato de confessar positivamente o quese cr faz com que o desejo confessado acontea. Romeiro (2005) ao referir-se aos primrdios dessemovimento, relata que seu precursor foi Essek William Kenyon, um pastor batista que sofreu fortesinfluncias da Cincia Crist, publicando seus ensinos, os quais Kenneth Hagin tomou para si.21 Hagin, falecido em 2003, foi o maior expoente da confisso positiva. Seu ministrio recheado decontrovertidos relatos de vises e experincias e curas, desde sua converso. Pastor batista, aoreceber a experincia pentecostal, tornou-se ministro das Assemblias de Deus. Depois disso fundouo seu prprio ministrio, tornando-se conhecido mundialmente atravs dos ensinos de uma ftriunfalista e de um evangelho polmico. Grande parte do fundamento doutrinrio de Hagin baseado em vises e revelaes extra-bblicas, que, segundo Rodrigues (1995, p. 25) transformoucompletamente sua maneira de ver as Escrituras e tornou-se a marca registrada de seu ministrio.
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(...) o cristo no deve ser atingido pelas vicissitudes da vida, assunto atraente nos dias dehoje. Muito longe da exaltao da indigncia, cara a uma certa tradio catlica, suaretrica consiste em proclamar que a pobreza no faz parte dos propsitos divinos. Pelocontrrio: tendo criado o ser humano a sua imagem, Deus deseja distribuir riqueza, sade efelicidade queles que tm f e a exprimem intensamente. (ROMEIRO, 2005, p. 14)
Ao seguir essa lgica, Soares concede bastante importncia ao poder mgico
da palavra.22 O simples fato de a pessoa proferir palavras que se referem ao
fracasso e derrota confere aos demnios a oportunidade de trabalharem na mente
humana, visando efetivao do que foi falado
Falar em fracasso, comentar o quanto voc sofre, confessar o que o mal est lhe fazendo, dar aos poderes das trevas o senhorio da sua vida. Quando voc usa palavras negativas epessimistas, voc cria ao seu redor um envolvimento maligno tal que dificilmente vocconseguir ver as oportunidades gigantescas que esto sua espera. As suas palavrasfaro de voc um vencedor ou um derrotado. As suas palavras ditaro o que voc ter navida. (SOARES, s.d., p. 5)
Soares ressalta a conseqncia, positiva ou negativa, atravs da experincia
prtica da verbalizao
A verdade que podemos, a partir deste momento, ser o que quisermos. Somos ns quefazemos a diferena e que escrevemos o nosso futuro. Sem dvida, so as nossas palavrasque nos governam, que nos do sade, paz, prosperidade e felicidade. So tambm asnossas palavras que nos fazem derrotados, doentes ou miserveis. (SOARES, 2001, p.101)
Segundo seu pensamento, o cristo deve ser livre de qualquer problema
No importa o problema pelo qual voc esteja passando. (...) voc deve, sem vacilar, usar onome de Jesus, reivindicando o que lhe foi revelado. Aps usar o Nome de Jesus, creia quej foi atendido e considere a obra como feita, mesmo que os sintomas atestem o contrrio.(SOARES, 2001, p. 43)
Se isso no ocorrer, estar caracterizada a falta de f, ou ento o domnio de
Satans. Resumindo, as prerrogativas de um filho de Deus so a plena sade fsica
e emocional, alm da prosperidade material.23
22 Segundo Sayo (1999) a confisso positiva defende que o cristo recebeu autoridade da parte deDeus para dominar e subjugar todas as coisas, temporais e espirituais. Essa autoridade exercidaatravs de comandos de voz, mediante verbalizaes do nome de Jesus e de frases como eudetermino, eu exijo, entre outras. O mundo maligno para o adepto da confisso positiva, masentende que deve usufruir dele, e no apenas rejeit-lo, utilizando a idia de domnio e conquista.23 No programa Show da F (exibido em 21/10/2008) Soares diz: Eu queria que voc se imaginasseassentado entre reis (...) voc no est sem poder (...) Deus (...) essas pessoas esto assumindo ocontrole da situao, elas esto fazendo valer o direito delas (...) Na mesma mensagem diz ainda:(...) com as suas palavras voc d o direito a Deus ou ao diabo sobre sua vida (...)
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24
2.2. O EVANGELHO DA SADE PERFEITA
Yamabuchi (2002, p. 39) afirma que o ncleo central da pregao de R. R.
Soares a cura que se alcana pela f. Para afirmar que o cristo no pode ficar
doente, um dos textos mais usados o de Isaas 53.4-5
Certamente ele tomou sobre si as nossas enfermidades e sobre si levou as nossasdoenas; contudo ns o consideramos castigado por Deus, por Deus atingido e afligido.Mas ele foi transpassado por causa das nossas transgresses, foi esmagado por causa denossas iniqidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridasfomos curados.24
Com base nesse texto, Soares (s. d.) declara que Deus garante a cura, pois
todas as doenas e enfermidades j foram sofridas e suportadas por Jesus Cristo.25
Portanto, no h espao para enfermidades na pregao da Igreja da Graa, pois
tanto a salvao quanto a cura fsica esto garantidas na morte de Cristo na cruz. O
problema que remete s doenas tido, por completo, como de origem maligna.
Assim, uma simples dor de cabea ou gripe representa ataques de espritos do mal
sobre as pessoas, incluindo crentes e no crentes.26
Devemos exigir que a doena saia do nosso corpo, deixando-o livre. Pois como poderemosser considerados como mais que vencedores no corpo, se o mesmo est sendo consumidopela molstia que a Bblia garante no ser nossa a nossa Jesus j levou. Tambmdevemos exigir que todo o pecado saia do nosso esprito, se no nos ser impossvel teresta classificao de mais que vencedores. (SOARES, 2001, p. 92)
Uma das alegaes mais polmicas a negao dos sintomas da doena,
levando o enfermo a rejeitar cuidados mdicos. Apesar da crena dos pregadores da
Igreja da Graa no fato de que a doena fsica exclusivamente decorrente do mal,
havendo ou no a sua comprovao atravs de exames mdicos, no desprezam
totalmente os recursos da medicina, desde que o fiel procure na igreja um
tratamento espiritual adicional. Entretanto, Romeiro (2005) sustenta que Soares
24 Bblia Sagrada Nova Verso Internacional.25 Ele vai um pouco mais alm, dizendo que ao orar pedindo ao Senhor que o cure, como se vocestivesse dizendo que no cr que Ele estava falando a verdade quando fez esta declarao deIsaas 53.4,5. (SOARES, 1990, p. 28).26 Em suas pregaes na TV, Soares sustenta que h mais de 20 anos no adoece, nem toma umcomprimido sequer. Segundo Romeiro (2005) se a cura no acontece, demonstra-se falta de f ouespao ao diabo na vida do cristo, pois se Deus prometeu, Ele prendeu-se s suas promessas.
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25
considera um ato de fraqueza espiritual a ao de recorrer medicina.27
2.3. A FRMULA DO SUCESSO
Uma das afirmaes mais contundentes desta mensagem que as bnos
de Deus so consolidadas por meio da f. No pensamento de Soares, a f e a
verbalizao daquilo que se deseja esto intrinsecamente ligados
claro que a f necessria. Ela o primeiro passo para a vitria. Mas, se algum der oprimeiro passo e no der o segundo, a obra no ser feita. Aps termos f em Deus, temosque falar montanha. Costumo exemplificar assim: A f o combustvel, a palavra oveculo. (SOARES, 2001, p. 17)
Soares procura descrever esse mtodo da seguinte forma
Primeiro, temos que ter f, a certeza das coisas que se esperam (...) A seguir, devemos nosdirigir ao problema e, com voz de autoridade, ordenar que saia de nossa vida. Ato contnuo,no podemos permitir que o nosso corao duvide. Em seguida, precisamos crer que aquiloque falamos nos ser feito e, ento, teremos a obra feita. (SOARES, 2001, p. 19)
A f, tal como concebida por R. R. Soares, da mesma forma que est
vinculada emanao de poder por parte da palavra, acha-se ligada categoria
beno, na medida em que promessa confundida com vitria e sucesso.
Com isso em prtica, acredita-se na modificao para uma alta qualidade de vida do
ponto de vista financeiro e de uma sade no sujeita s intempries do ambiente.
O fiel da Igreja da Graa consolida o imaginrio a partir da idia de que o
poder de sua prpria f, que provm dele mesmo e que confessada positivamente,
dispe do potencial de mudar a sua sorte, ou seja, de passar da condio de
empregado que , ganhando salrio insatisfatrio, para uma condio de
empresrio, capaz de exercer certa liderana sobre os seus empregados. 28
27 Para os propagadores dessa doutrina, o uso de recursos mdicos indcio de retaliaodemonaca. Ainda mais que o acesso a eles significa o gasto de dinheiro, sendo que h a crena deque um demnio est atacando o doente, fazendo com que haja o dispndio de dinheiro commdicos e remdios, pois os sos (...) que temem a Deus (...) no precisam de mdico, s osdoentes os que no temem a Deus. Se a pessoa no tem o temor de Deus (...) que v correndo setratar. (ROMEIRO apud SOARES, 2005, p. 106).28 Soares ensina costumeiramente em seus programas sobre os 5 passos da vitria, baseado emMarcos 11.23: 1 Ter f em Deus; 2 Falar ao monte (ou seja, verbalizar o pedido, ou determinar asada do mal); 3 No duvidar em seu corao; 4 Crer que se far aquilo que se diz (idntico aoterceiro passo); 5 Tudo que disser lhe ser feito (a obrigao divina em lhe abenoar).
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26
Oliveira Silva (2004) aponta dois fatores importantes nesse tipo de discurso
como mtodo de garantia de sucesso para quem os pratica: a determinao e as
promessas de Deus.29 Soares (1990) diz que a determinao o ponto de partida
para o sucesso, a fim do crente tomar posse da bno, onde o milagre acontecer
pelo empenho do fiel. Este deve entender que
Determinar marcar tempo, fixar, definir, prescrever, ordenar, estabelecer, decretar edecidir. Quantas pessoas passam o tempo todo sofrendo, enquanto oram pedindo a Deusque as cure, solucione os seus problemas, salve os pecadores e faa uma poro decoisas? No sabem que na verdade o Senhor que tem estado o tempo todo esperandoque elas determinassem para que Ele pudesse fazer a obra. (...) Se voc determinar em oNome de Jesus, voc pode estar certo de que a sua ordem no falhar. (SOARES, 2001, p.7-8)
O Missionrio utiliza o texto de Joo 14.1330 como base para seu ensino
Aqui est a grande revelao. Esta palavra pedirdes est mal traduzida. Deveria ter sidotraduzida por determinardes. O verbo traduzido na lngua grega por pedir tem o sentido dedeterminar, exigir, mandar. Em outras palavras: No precisamos pedir ao Senhor a bno,e sim exigir que ela se manifeste em nossa vida. (SOARES, 1990, p. 19)31
Aps isso, Deus obrigado a cumprir o que prometeu. Seus agentes de
bnos so os anjos celestiais, atentos voz de comando dos crentes
At o momento em que voc decide agir, assumindo os seus direitos, este poder nada podefazer por voc. Mas, a partir do instante em que qualquer filho de Deus se levanta edetermina (...) este poder comea ento a agir, fazendo tudo que lhe foi determinado. (...) Oexrcito de Deus, que foi alocado ao seu ministrio entra em ao, realizando o que vocdeterminou sobre a Palavra. (...) Os exrcitos de Deus se compem de todos os seus anjos,os quais tm a sublime tarefa de trabalhar ao nosso lado como nossos conservos, para arealizao da vontade do Senhor. (SOARES, 1999, p. 80-81)
As promessas de Deus so a garantia de conquista do crente. O discurso 29 Alm destes, Oliveira Silva aponta: a abundncia do crente (em toda a sorte de bnos); oprestgio e a ascenso social (investir no reino retorno certo porque a vontade de Deus que o fielprospere); A certeza da vitria (Cristo j venceu por ns, portanto somos mais que vencedores. Noh mais limites para o fiel, quando ele est impulsionado por essa promessa).30 E tudo quanto pedirdes em meu nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho.(Bblia Sagrada Verso Revista e Atualizada no Brasil).31 Especificamente neste texto, Soares (1990) alega o emprego do original no grego, aiteo. Valeressaltar o que diz o Dicionrio Vine (2000, p. 860): o verbo aiteo sugere na maioria das vezes aatitude de um suplicante, a petio daquele que est em posio inferior queles a quem a petio feita; (...) Caso o sentido fosse o de um pedido em um tom mais incisivo ou autoritrio, o verboempregado seria erotao, que indica com mais freqncia que o suplicante est em p de igualdade(...) com a pessoa a quem ele pede. As implicaes de aiteo sero trabalhadas mais detalhadamente
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27
dos pregadores da Igreja da Graa legitimado atravs de textos bblicos que
ilustram a vitria pela f. Assim, quando Soares ou outro pregador se coloca diante
de seu pblico para a prdica bblica, h um direcionamento do texto para um fim
especfico
A gente no pode brincar com aquilo que Deus est falando em nossos coraes, abrindo-nos o entendimento para que a gente faa uma obra para Ele, em qualquer sentido. Vocser curado uma obra que voc faz para Deus. Voc prosperar, qualquer coisa que Deuslhe revelar, voc pode assumir porque Deus est lhe dirigindo para voc fazer aquela obra(...). No duvide da Palavra de Deus, continue firme, porque aquilo que Deus prometeu Elevai cumprir (...). Voc pode ter certeza que Abrao foi tentado a desistir do sonho (...). Elecreu em Deus, acreditou, para ele era assunto encerrado (...). Mas Missionrio, Deus nofala comigo. No. Voc no quer ouvir a Deus. (...) Vai crendo, vai assumindo, Deus vai lheabenoando at que a obra acontece. Ns temos que dar o combustvel para o poder deDeus (...). Se voc continuar duvidando, pedindo sinal a Deus (...) voc vai passar pela vidade mos vazias. 32
Este tipo de mensagem busca correspondncia nas narrativas histricas
para com a situao presente do fiel. As palavras de promessas so apropriadas, e
o fiel entende que tm o direito de tomar posse das mesmas promessas e exigir os
mesmos resultados.33
De fato, Soares (1999) entende que sem manifestaes de milagres a Igreja
falha em sua misso, e a mensagem do Evangelho fica incompleta, sem sentido.
Da a nfase nos testemunhos de curas de seus fiis. Como lder carismtico, o
Missionrio penetra a cada dia nos lares brasileiros. Seu mais conhecido programa,
o "Show da F", conta com a apresentao de cantores evanglicos e sermes
pregados pelo prprio Soares. O momento mximo do programa a orao feita
pelos enfermos, banhada de toda a "autoridade" e determinao, gerando no
pblico a expectativa de f na cura, que os leva a se sentirem libertos.34
no captulo 4.32 Transcrio de um trecho da mensagem do Missionrio R. R. Soares exibida no programa Show daF, em 28/10/2008. Nesta ocasio Soares usou o texto de Gnesis 15, aludindo a promessa feita porDeus a Abrao como exemplo para que o fiel tambm conquiste pela f. O princpio resume-se: Deusfez a promessa a Abrao, e este creu e recebeu. Assim tambm feito na vida do crente, pois Deusj fez as promessas, basta crer e receber.33 Oliveira Silva (2004) aborda a diferena entre os termos determinao e promessa. O primeirosurge como uma adaptao do significado do texto, de acordo com o desejo do fiel, onde as palavrassurgem para manifestar esse desejo. J na promessa tem-se uma proposio bblica clara, umaafirmao histrica construda no prprio texto, que d margem a motivaes especiais e restritas.34 No programa, Soares abre espao para os fiis relatarem suas curas instantneas. Alm disso, oShow da F apresenta o quadro Novela da vida real, onde h testemunhos de curas alcanadaspela orao feita em conjunto com o Missionrio. Alm disso, h inseres dirias de milagresalcanados no site www.ongrace.com.
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28
Para levar efeito fundamentao do contedo doutrinrio exibido na TV,
Soares utiliza um espao em seus programas para a comercializao de livros e
CDs que expressam o pensamento da Igreja, o qual faz uso macio desses
recursos. Sendo assim, sua atuao na msica e na publicao de livros de fcil
compreenso pea fundamental para a proliferao das suas doutrinas.
At aqui foram identificados os principais fundamentos teolgicos que
contriburam para a formao da mensagem televisiva da Igreja da Graa.35
interessante notar que toda a exploso do neopentecostalismo brasileiro
majoritariamente fruto desses conceitos, favorecendo a idia de conquista terrena
para o cumprimento dos propsitos divinos de expanso e implantao do reino de
Deus neste mundo.
No prximo captulo a pesquisa procurar entender os princpios da correta
interpretao bblica, para um posterior aprofundamento na anlise teolgica deste
tipo de mensagem.
35 Na elaborao desta pesquisa foi constatada a informao de Yamabuchi, onde o mesmoassevera: Soares repetitivo no contedo de seus livros. Tem-se a impresso de que quem l umlivro de Soares, j leu todas as suas obras. (YAMABUCHI, 2002, p. 38)
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3. PRINCPIOS DE INTERPRETAO DA BBLIA
Os ouvintes das mensagens veiculadas na Igreja da Graa esto suscetveis
a uma pregao com contedo desconexo, quando se trata da aplicao do texto
bblico lido. Sendo assim, a empregabilidade das ferramentas de interpretao
bblica nas mensagens pregadas por estes pastores de extrema utilidade para a
sadia exposio da Palavra de Deus.
Nas palavras de Martin (1991, p. 29) perfeitamente possvel que um
homem seja caracterizado por um elevado grau de piedade pessoal e de santidade
diria e, no entanto, mostre-se desgraadamente deficiente quanto a um poderoso
ministrio de pregao. Portanto, sem desmerecer o carter dos pregadores
televisivos da Igreja da Graa, este captulo objetiva pontuar as regras fundamentais
da interpretao bblica para auxiliar, qualitativamente, as mensagens exibidas
diariamente na TV.
3.1. AS ESTRUTURAS CONTEMPORNEAS E A EXPOSIO BBLICA
A Bblia contm as palavras pelas quais os cristos nutrem sua vida
espiritual, e consenso entre eles que a Bblia Sagrada contm a revelao
divina.36 Crer nesta afirmao no significa ter uma f cega, subjetiva, mas sim uma
f que pode de certa forma ser analisada e explicada.
importante que a pessoa que se converta ao cristianismo continue
pensando e exercendo o seu senso crtico. A f, embora transcenda a razo, no
irracional. Sendo assim, estuda-se a Bblia partindo do pressuposto de que ela a
autoridade suprema em questes de religio, f e doutrina, mas sempre refletindo
os seus conceitos.
A livre interpretao dos textos sagrados, to defendida por Lutero e outros
reformadores, foi um avano para a cristandade. Hoje, cada cristo tem o acesso s
Santas Escrituras, com liberdade para interpretar e aplicar os princpios nela 36 Grudem (2006) comenta sobre as quatro caractersticas das Escrituras Sagradas: A autoridade daBblia como Palavra de Deus; a inerrncia dos Escritos; sua clareza dos assuntos concernentes salvao; e a necessidade da Palavra de Deus a fim de que as pessoas conheam o Evangelho.
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30
contidos. Entretanto, h um perigo velado atrs dessa liberdade. A recente
pesquisa do Instituto Pr-Livro mostra que a Bblia o livro mais lido pela
populao brasileira e segundo os dados colhidos, 43 milhes de pessoas j a
leram, dos quais 45% afirmaram faz-lo com freqncia.37 Outra pesquisa, veiculada
pelo Instituto Brasil Leitor, mostra que cerca de 63% dos brasileiros so
considerados analfabetos funcionais.38 A julgar pelas estatsticas vigentes, pode-se
incorrer na enorme probabilidade da m interpretao dos textos sagrados.
Coelho Filho (2005) comenta que, dependendo da maneira como a Bblia
usada, quando os princpios da correta interpretao bblica so abandonados, os
abusos, as manipulaes e os ensinos controvertidos comeam a se multiplicar ao
redor da Igreja.39 J Rodrigues (2008) relata que uma das caractersticas de uma
boa parte da Igreja Evanglica Brasileira a sua avidez por novidades.40 Muitas
igrejas no se contentam mais com a doutrina ortodoxa pregada pelos apstolos e
pais da Igreja - mais tarde defendida pelos reformadores - e vivem numa busca
constante de modismos doutrinrios.
3.2. A NECESSIDADE DE INTERPRETAO
importante ressaltar que a Bblia Sagrada essencial para todos os
cristos, independente da afiliao denominacional. provvel que o fiel ouvinte
das mensagens da Igreja Internacional da Graa de Deus tambm creia na Bblia
como o documento que contm a essncia da revelao de Deus, a sua sabedoria
e tudo aquilo que necessrio para a salvao. Sendo assim, estudar e aplicar
corretamente a Bblia faz parte do dever dos mesmos como cristos sinceros que a
tratam com seriedade.
Vale lembrar que muitos cristos tm uma viso equivocada quanto 37 Pesquisa Retratos da leitura no Brasil, publicada em 30/05/2008. Disponvel em:http://www.prolivro.org.br/ ipl/publier4.0/texto.asp?id=48.38 Pesquisa disponvel em: http://www.brasilleitor.org.br/www/analfabetismo_funcional_sintese.aspx39 Disponvel em disponvel em http://www.teologicadecampinas.com.br.40 Cabe observar aqui as palavras de Rodrigues: O crescimento evanglico brasileiro continua. Asestatsticas no mentem. (...) Contudo, junto com essa expanso somam-se vrios problemas comomistura doutrinria, arrefecimento tico, vaidades ministeriais e politicagens internas. Disponvel em:http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=61&sg=0&id=1446.
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31
relevncia dos mtodos de estudos bblicos, inclusive em relao s aplicaes no
preparo e entrega de sermes. Estes consideram qualquer tentativa racional de
interpretao e aplicao dos escritos sagrados como metodologias secas e sem
vida para a igreja, ou meros exerccios acadmicos de investigao histrica, para
quem deles se utilizam.
A inteno mostrar exatamente o contrrio. E uma das razes principais diz
respeito alegao de Martin (1991), quando este afirma que um dos grandes
problemas com a pregao moderna que ela carece de substncia bblica e
doutrinria. notrio que at mesmo entre crculos mais teologicamente ortodoxos,
algumas idias duvidosas conseguem ganhar aceitao. O Evangelho da riqueza e
da sade, ou a Teologia da Prosperidade, como mais conhecido, um grande
exemplo disso, pois alega que o cristo tem o direito garantido por Deus de ser
abastado financeiramente e de nunca padecer doena alguma. Inclusive esta a
doutrina mais divulgada e ensinada nos arraiais da Igreja Internacional da Graa de
Deus, principalmente no que tange sade fsica do fiel.
No captulo seguinte sero analisados, luz da Bblia Sagrada e dos
princpios de interpretao textual, alguns ensinos de Soares que do base a certos
aspectos doutrinrios da Igreja Internacional da Graa de Deus. A princpio vale
ressaltar que, independente do ponto de vista doutrinrio, devemos ter a maior
responsabilidade ao expor a Palavra de Deus. Para ilustrar essa verdade, Stott
(2005) utiliza a metfora do despenseiro, baseado em I Corntios 4.1-2
Assim, pois, importa que os homens nos considerem como ministros de Cristo edespenseiros dos mistrios de Deus. Ora, alm disso, o que se requer dos despenseiros que cada um deles seja encontrado fiel.41
O despenseiro o empregado de confiana que zela pela correta utilizao
dos bens de outra pessoa. Tanto o dono da casa, quanto os membros da famlia
esperam dele as suas provises. Assim, Stott (2005) afirma que o pregador um
despenseiro da Palavra de Deus, da auto-revelao que Ele confiou aos homens,
preservada nas Escrituras. Portanto, necessrio que o despenseiro seja fiel em
seu rduo trabalho de proclamao da Palavra, pois ele no pode falhar no
cumprimento de seu papel. Corroborando com a metfora, a famlia anseia por
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ouvir as verdades eternas, e estas nunca devem ser desvirtuadas, caso contrrio
no sero verdadeiras, muito menos eternas. nesse momento em que se
manifesta a fidelidade do pregador, a partir do instante em que este expe toda a
verdade registrada nas Escrituras, em toda a sua abrangncia.
3.3. PASSOS PARA A EXPOSIO BBLICA
Assim como o despenseiro, o pregador foi imbudo de autoridade para
proclamar as verdades bblicas, e essa autoridade reconhecida pelos seus
ouvintes. Um texto mal interpretado pode gerar conseqncias terrveis no seio de
determinada comunidade crist. Decepes e frustraes podem se manifestar,
chegando ao ponto de algum ouvinte abandonar a comunidade. Tudo isso como
conseqncia de uma m aplicao da mensagem bblica. Nenhum expositor da
Bblia tem o direito de tirar ou acrescentar algo Palavra de Deus; ele tem de ser
fiel a toda a Escritura. Procedendo assim, o pregador vai poupar sua comunidade
dos desvios doutrinrios mais srios, e os ouvintes vo discernir aquilo que foi
claramente revelado e o que no foi.
Partindo desse pressuposto, fica clara a necessidade de que o texto bblico
deve ser interpretado com responsabilidade e, na maioria das vezes, atravs de um
rduo trabalho de pesquisa. Sobre isso, Fee e Stuart (2005) argumentam sobre os
dois nveis da correta interpretao bblica: a exegese e a hermenutica.
3.4. O PRIMEIRO NVEL: A EXEGESE
O primeiro nvel envolve a exegese, ou seja, o estudo cuidadoso e
sistemtico da Escritura para descobrir o significado original que foi pretendido. A
exegese implica basicamente numa tarefa histrica, na tentativa de entender os
escritos conforme os destinatrios originais devem t-la ouvido, e descobrir qual era
a inteno original das palavras da Bblia.
A disciplina exegtica sempre vai exigir a ajuda de um especialista no
41 Bblia Sagrada Verso Revista e Atualizada no Brasil.
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assunto, pois este conhece bem o idioma bblico original, assim como a ambitude
que colaborou para que o texto fosse escrito. Entretanto, no necessrio ser um
perito para que a exegese seja aplicada, mas sim aprender a ler cuidadosamente o
texto e fazer as perguntas certas ao texto. (FEE e STUART, 2005, p. 22). Para
isso, o auxlio de ferramentas bsicas, como um dicionrio da Bblia, um manual
bblico e bons comentrios, sem esquecer-se de utilizar uma boa traduo do texto
sagrado, fundamental para que se tenha em mos a oportunidade de fazer um
trabalho digno.
A exegese gramtico-histrica o mtodo mais tradicional no processo de
elucidao do texto bblico.42 Envolve uma anlise cuidadosa e detalhada do texto,
levando em considerao a sua linguagem original e o seu respectivo contexto
cultural especfico que deu origem ao escrito. Em termos prticos, Fee e Stuart
ensinam dois pontos bsicos aplicados a cada passagem bblica ao utilizar esse
mtodo. Um diz respeito ao contexto (classificado em dois tipos: histrico ou
literrio) e o outro se refere s perguntas de contedo.
Sobre o contexto histrico afirmam
O contexto histrico, que diferir de livro para livro, tem a ver com vrias coisas: a poca e acultura do autor e dos seus leitores, ou seja; os fatores geogrficos, topogrficos e polticosque so relevantes ao mbito do autor; e a ocasio do livro, carta, salmo, orculo proftico,ou outro gnero. Todos os assuntos desse tipo so especialmente importantes para acompreenso. (FEE; STUART, 2005, p. 22)
Ao abordarem o contexto literrio, sustentam que
(...) a tarefa mais crucial na exegese. (...) Essencialmente, o contexto literrio significa queas palavras somente fazem sentido dentro de frases, e, na sua maior parte, as frases naBblia somente tm significado em relao s frases anteriores e posteriores. (...) Devemosprocurar descobrir a linha de pensamento do autor. O que o autor est dizendo e por que odiz exatamente aqui? Tendo ensinado esta lio, o que ele est dizendo em seguida, e porqu? (FEE; STUART, 2005, p. 23)
Na aplicao das perguntas de contedo, fornecem a seguinte orientao
(...) Contedo tem a ver com os significados das palavras, com os relacionamentosgramaticais, e com a escolha do texto original onde os manuscritos tm textos variantes.(...) Na sua maior parte, estas so as perguntas normais quanto ao sentido, que fazemoscomumente ao texto bblico. (FEE; STUART, 2005, p. 17)
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Ou seja, segundo Lachler (2002) uma tarefa que exige muita energia, pois
no pargrafo bblico que estiver sendo estudado, seus verbos e palavras do ao
pregador o sentimento das exigncias, obrigaes ou benefcios que Deus faz ou
oferece humanidade.43
3.5. O SEGUNDO NVEL: A HERMENUTICA
O segundo nvel para a correta interpretao bblica envolve a hermenutica.
Embora esta palavra abranja o campo inteiro da interpretao, inclusive a exegese,
tambm usada no sentido mais estreito de procurar a relevncia contempornea
dos textos antigos.44
Silva (2002) define a hermenutica como a disciplina que lida com os
princpios de interpretao, sendo extremamente necessrio aplic-la na Bblia.45 A
inteno original do texto o ponto de partida para o estudo hermenutico, pois o
pregador responsvel procura o significado claro do texto a ser ministrado. Quanto
a isso, deve ser ponto passivo entre os estudiosos da Bblia a declarao de Fee e
Stuart
Um texto no pode significar o que nunca significou. (...) o significado verdadeiro do textobblico para ns o que Deus originalmente pretendeu que significasse quando foifalado/escrito pela primeira vez. Este o ponto de partida. (FEE; STUART, 2005, p. 26)
A hermenutica a base terica da exegese, que, por sua vez, o alicerce
tanto da teologia (quer bblica, quer sistemtica) como da pregao. A importncia
do assunto no pode ser relegada, pois os textos bblicos podem ser forados a
significar o que qualquer determinado leitor deseja que signifiquem. Ou seja, corre-
se o perigo de que passagens como a de Joo 14.13, utilizada como base
42 Tambm chamado de mtodo sinttico-teolgico. (KAISER, 2002, p. 31)43 Para Lachler (2002) isso tambm depende do domnio tcnico e intuitivo que o pregador possuisobre seu prprio idioma.44 Em termos mais prticos, a exegese lida com o significado original do texto, com suas nuancesgramaticais, histricas e literrias. J a hermenutica lida com a aplicabilidade do texto original deforma contextualizada. (FEE; STUART, 2005, p. 17)45 Ele coaduna essa disciplina com os mtodos de estudos bblicos, alegando ser esta, dentro dosenso comum, uma ferramenta sui generis para os estudiosos das Sagradas Escrituras. (SILVA,2002, p. 13)
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doutrinria do Missionrio Soares e que ser analisada com detalhes adiante,
tornem-se puramente subjetivas. Por isso importante insistir que a sade
espiritual da igreja depende da correta interpretao bblica que os fiis recebem do
plpito. Uma hermenutica e exegese deformadas fatalmente produziro teologia e
pregao descaracterizadas da verdade bblica, e se manifestaro tragicamente em
igrejas e vidas desfiguradas.
Aludindo ao assunto, Martin diz
A pregao doutrinria que no estiver exegeticamente apoiada e textualmente orientada,conduzir a uma ortodoxia meramente filosfica. Por outro lado, o manuseio de textos, bemcomo a distoro da exegese dos mesmos, sem que se procure demonstrar o inter-relacionamento dos diversos aspectos da verdade divina, leva os ouvintes a adquiriremconceitos fragmentados e desconjunturados da verdade bblica. (MARTIN, 1991, p. 31-32)
Geisler e Nix (2003) corroboram com essa afirmao quando apontam que
h o fator humano envolvido na maneira que enxergamos os textos da Bblia
Sagrada. Os autores bblicos, inspirados pelo Esprito de Deus, escreveram
segundo a inteno total do corao, segundo a conscincia que os movia no
exerccio normal da sua tarefa, com seus estilos literrios e seus vocabulrios
individuais. (GEISLER; NIX, 2003, p. 11) Ou seja, pelo fato da Bblia ser o Livro
Divino mas tambm possuir o seu componente humano, cria a exigncia de um
tratamento especial para entend-la. Cada documento na Bblia tem sua
particularidade histrica, onde condicionado pela linguagem, poca e cultura em
que originalmente foi escrito. Esse fator humano envolve um processo complicado,
pois h o potencial para a m interpretao desses textos, o que torna um desafio a
correta aplicao dos mesmos.
A Bblia possui vrios gneros literrios: as narrativas, a poesia e a
sabedoria, os evangelhos e as epstolas, a profecia e as parbolas. Em sua leitura
potica e de sabedoria perceptvel, principalmente, os recursos retricos e as
figuras de linguagem (smile, metfora, parbola e alegoria, pleonasmo, hiprbole
etc.) provando ser uma rica fonte para reflexes. Os feitos de Jesus descritos nos
evangelhos, muito citado por Soares na alegao de suas doutrinas, no so
somente documentos histricos.46
46 Silva (2002) leva a crer que os escritores dos evangelhos so, na verdade, pregadores com opropsito de ensinar verdades especficas, pois h quatro relatos da vida de Cristo em abordagensdiferentes.
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Soares utiliza muitas pores das cartas paulinas em grande parte de suas
obras. preciso ter em mente que as epstolas devem ser lidas como um todo para
no correr o risco de incompreenso. A leitura das cartas, em suas entrelinhas,
ajuda a entender o texto dentro de seu contexto original.47 O objetivo deste trabalho
no explanar cada particularidade dos gneros literrios da Bblia, mas fica a
observao que cada um desses estilos pontual, ou seja, faz parte de um todo
mas deve ser analisado individualmente. Um salmo tem uma particularidade
interpretativa diferente de uma parbola, ou de uma narrativa de Atos, por exemplo.
A tarefa hermenutica no est completa at que seja lidado o problema da
aplicao do texto. Ao adotar os princpios por trs das ordens bblicas, Kaiser
(2002) remete aos mandamentos de interpretao, dando ao estudioso da Bblia
alguns conselhos: (1) a exegese vem antes de qualquer sistema de doutrina, (2) as
doutrinas no devem ir alm das evidncias encontradas nas Escrituras, (3)
somente aquilo que diretamente ensinado nas Escrituras deve falar conscincia,
e (4) a interpretao teolgica deve ser relevante para a Igreja. Recomenda
tambm o cuidado de separar o que ensinado, daquilo que foi registrado na
Bblia, como tambm no generalizar promessas bblicas alm do alvo, alm
daquilo que Deus revelou em Sua Palavra para os homens.
3.6. OS PRINCPIOS PARA A CORRETA INTERPRETAO BBLICA
A interpretao bblica o processo e as regras pelas quais o significado e a
mensagem de um texto bblico so descobertos e compreendidos. Seu objetivo
chegar ao nico significado original da passagem.
Souza (2006) resume essa idia da seguinte forma 48
Antes de querer relacionar o texto estudado (correlao) com outros textos bblicos e torn-lo prtico para obedecer a Palavra de Deus (aplicao), o pregador precisa saber o que otexto diz (observao) e compreender o seu significado (interpretao). (SOUZA, 2006, p.22)
47 O pregador precisa respeitar o carter interpretativo de uma epstola do Novo Testamento. Silva(2002) ratifica que todos os cristos podem se beneficiar dos Escritos Sagrados como Palavra deDeus para eles tambm, mas sempre tendo em mente a responsabilidade com o texto.48 Este um princpio fundamental da regra de interpretao do texto bblico, com o objetivo dechegar ao nico significado original da passagem. (SOUZA, 2006, p. 22)
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De modo geral Souza (2006) recomenda que, para que a aplicao de
determinado texto bblico seja realizada completamente, necessrio envolver
cada um dos aspectos abordados anteriormente, um passo de cada vez, em
conformidade com a teologia crist. Tanto a teologia bblica quanto a teologia
sistemtica originam-se do trabalho resultante do processo exegtico-hermenutico.
Kaiser (2002) argumenta que a analogia da f uma ferramenta que pode
auxiliar esse processo.49 Ela exige que interpretemos cada trecho das Escrituras de
modo que esteja de acordo com os ensinamentos bblicos como um todo, onde a
coerncia bblica, sua natureza orgnica e o cnon completo auxiliem a
interpretao do texto em relao ao resto da Bblia. Ou seja, faz valer a mxima
que de a Bblia interpreta a prpria Bblia. Outra ferramenta importante que o autor
expe sobre a analogia das Escrituras, ou seja, o uso exegtico de textos mais
antigos que serviram de fonte para passagens recentes, sendo til para colocarmos
o foco em certas passagens chave que so o fundamento de determinadas
doutrinas.50
Portanto, via de regra, a primeira responsabilidade do pregador descobrir o
que o texto quer dizer e, ento, pregar o que ele diz. A insistncia em no cumprir
esta regra leva ao questionamento se o significado claro do texto est realmente
sendo procurado. Talvez no seja errado questionar se os pregadores que assim
agem desejam realmente que o texto signifique simples e unicamente aquilo para o
qual o seu objetivo (no o do autor do texto bblico) aponte.
O prximo captulo mostrar os princpios da mensagem televisiva da Igreja
da Graa, e como eles tm atingido as massas com sua linguagem de sade e
riqueza.
49 Segundo Kaiser (2002) muitos defendem esse conceito, mas poucos o definem com cuidado.Rene versculos de todo o cnon em um conjunto nico, onde as doutrinas afirmadas encontramrespaldo dentro desse conjunto de versculos, devidamente trabalhados em sua exegese.50 Kaiser (2002) informa que um intrprete pode entender melhor a analogia da Escrituras aoconsultar edies anotadas da Bblia com referncias, tais como a Bblia Thompson, por exemplo.Deve-se ter o cuidado, entretanto, de eliminar referncias de passagens posteriores ao textoinvestigado.
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4. ANLISE HERMENUTICA DAS DOUTRINAS DA IGREJA DA GRAA
Como proposto na Introduo, este trabalho analisa certas alegaes
doutrinrias nas mensagens televisivas da Igreja da Graa. Sendo assim, a anlise
demonstrada aqui ter um foco teolgico, uma vez que neste mbito a validao ou
contestao de qualquer prtica ser sempre luz da Bblia Sagrada.
De acordo com o que foi dito anteriormente,51 a mdia eletrnica a
ferramenta mais utilizada pela Igreja da Graa para vicejar suas doutrinas e
alavancar seu crescimento, sempre em conformidade com a teologia da
prosperidade. Segundo Mariano (1999) uma maioria feminina, pobre, idosa e de
pouca instruo escolar compe grande parte da audincia dos cultos televisivos.
Entretanto, como os programas atingem todas as camadas sociais da populao,
sua tendncia foi a de crescimento pela diversificao, atravs de um marketing
cada vez mais arrojado na busca por novos adeptos. (ROMEIRO, 2005, p. 83)
A causa desse crescimento vem de uma hermenutica prpria, pois a
mensagem da Igreja da Graa praticamente antropocntrica. Nesta hora o
pregador, embasado em um determinado texto bblico, faz valer o chavo: texto
fora do contexto pretexto. Essa assertiva pode ser feita sem restries, pois a
aplicabilidade da mensagem praticamente a mesma: quando o fiel determina com
f a vitria garantida, seja em qualquer situao em que esteja vivendo.
preciso ressaltar que o paradigma hermenutico destas mensagens foge
do mbito escriturstico, ou seja, no se centra na Bblia.52 Como a postura teolgica
dos cristos sempre foi a de recitar que a Bblia a Palavra de Deus, por este
rumo que o captulo se encaminhar. Certamente o assunto muito vasto,
tornando-se impossvel trat-lo a contento no espao aqui disponvel. Por esta
51 Ver capitulo 1 desta pesquisa.52 Coelho Filho (2004) entende que este paradigma tambm no cristolgico, ou seja, Cristo no mais a chave hermenutica dos escritos bblicos. O neopentecostalismo tem um eixo hermenuticopneumatolgico, atribuindo uma diferena radical, que transforma toda a perspectiva teolgica damensagem. Em outras palavras, a experincia com o Esprito Santo subsidia as prticas e ensino dogrupo. a experincia que interpreta a Bblia. (Disponvel em http://www.teologicadecampinas.com.br/index.php?view=article&catid=18%3Aestudos&id=32%3Aneopentecostalismo-1-uma-introdu-geral&option=com_content&Itemid=36).
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causa, a ateno ser dada apenas a algumas divergncias doutrinrias que as
mensagens tm gerado entre os cristos.
4.1. AS CONTROVRSIAS DO EVANGELHO COMPLETO 53
De acordo com a teologia de R. R. Soares, o cristo deve ser livre de
qualquer problema. Sob a prerrogativa de lder principal da Igreja da Graa, o
Missionrio Soares o expoente mximo deste movimento, pois entende que seus
ensinos so regras prticas para o sucesso
Um cidado americano ganhou de presente o meu livro Como Tomar Posse da Bno.Ao comear a l-lo, ele se entusiasmou. Nunca tinha visto nada igual. (...) Diante de seusolhos estava passando o que ele sempre quis saber. Na sua mente ele desenhava osucesso que gostaria de ter e que agora, com a nova instruo que o livro estava lhe dando,ele conseguiria. (SOARES, 1999, p. 15-16)
de conhecimento geral que a confisso positiva tem deixado um rastro de
desapontamentos e confuses por onde ela aporta. Isso ocorre desde o incio do
movimento, em diferentes igrejas de diferentes denominaes. Romeiro (1993)
relata um aspecto positivo nesta prtica, que a nfase na orao e a rejeio ao
pessimismo, prejudicial qualidade de vida do homem. Entretanto os aspectos
doutrinrios deste ensino so amplamente contrrios quilo que a Bblia ensina.
Um dos grandes problemas de Soares so as fontes de sua teologia, e isto
importante por ele ser o referencial do movimento. Conforme o que foi dito
anteriormente,54 o Missionrio sofre enorme influncia de Kenneth Hagin,
considerado o porta-voz do evangelho completo. Este, por sua vez, promoveu seus
ensinos de uma maneira antitica, sob a clara influncia da Cincia Crist.55 Sobre
isso afirma Mariano
Em sua carreira de pregador da confisso positiva (...) Hagin inspirou-se em Essek WilliamKenyon (1867-1948) e chegou mesmo a plagiar vrios escritos dele. (...) Kenyon escritor,pregador batista, metodista, pentecostal e itinerante sem vnculos denominacionais,radialista de sucesso no final dos anos 30 e comeo dos 40 inclinou-se aos ensinos das
53 Tambm conhecido como Movimento da F, Palavra da F e outros ttulos correlatos jempregados nesta pesquisa.54 Ver captulo 2 desta pesquisa.55 Romeiro (1993) coloca a Cincia Crist como uma seita profundamente gnstica e metafsica.Entende-se por gnstica pelo dualismo entre esprito e matria, pois prega a inexistncia da matria,considerando-a como uma realidade ilusria e malfica. O combate ao gnosticismo remete aoperodo apostlico, onde os primeiros cristos j travavam batalhas contra os adeptos da seita.
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seitas metafsicas derivados da filosofia do Novo Pensamento, formulada originalmentepor Phineas Quimby (1802-1966). Quimby, que estudara espiritismo, ocultismo, hipnose eparapsicologia para produzir sua filosofia, inspirou e curou Mary Baker Eddy, fundadora daCincia Crist. E os escritos de Mary Baker, por sua vez, teriam influenciado as doutrinasde Kenyon, autor original da confisso positiva. (MARIANO, 1999, p. 151)
Rodrigues ainda acrescenta
Como a Cincia Crist cr na realidade nica do esprito (...) doenas so meramentemanifestaes patolgicas na rea do fsico. (...) no existe dor, e sim uma falsa concepomental. Atravs de exerccios espirituais e da confisso positiva, a mente ser controlada ea dor desaparecer. Um dos primeiros passos para este controle encontra-se em nopronunciar, admitir ou decretar com a boca sua enfermidade. (RODRIGUES, 1995, p. 41).
O discurso de Soares deixa claro que a devoo a Deus no basta. Para
ele no existe nada mais importante na nossa vida do que aquilo que sai dos
nossos lbios. (SOARES, s. d., p. 7), deixando claro o seu entendimento sobre
a vida crist, e o papel da confisso
A prpria vida crist que abraamos chamada de confisso. (...) A Palavra grega da qualfoi traduzida confisso homologia, que significa: Repetio das mesmas palavras,conceitos e figuras; falar o mesmo, ou seja: Dizer exatamente o que Deus diz na SuaPalavra. A confisso que temos que fazer em todos os momentos que alguma provao viersobre ns, repetir o que Deus na Sua Palavra nos revela sobre o assunto. (...) Quandoconfessamos a Palavra nos tornamos to irresistveis quanto o prprio Deus irresistvel .(SOARES, s.d., p. 7-8)
Pela verbalizao e empenho do fiel, o milagre se realiza.56 A vontade e a
interveno de Deus no contam mais, pois Ele j manifestou o seu desejo.57 O
que vale agora a determinao do fiel
O cristo no precisa ficar orando, suplicando que o Senhor o cure ou que lhe d sucesso,prosperidade ou vitria sobre as tentaes. Tudo que tm a fazer exigir que o mal saia dasua vida, determinando assim a bno. (SOARES, 1990, p. 21)
A liberdade da ao de Deus deixa de ser considerada,58 numa inverso
56 Soares (s. d. p. 27) diz: Agora hora de voc fazer alguma coisa. (...) Assuma a sua posio emCristo e passe a vencer exatamente nas mesmas coisas que o diabo tem lhe derrotado. S dependede voc.57 Soares (s. d. p. 10), comentando o texto de Isaas 53.4-5: (...) por declaraes como esta da SuaPalavra (Deus) garante que todas nossas doenas j foram sofridas pelo nosso Substituto, O SenhorJesus.58 O Missionrio ensina que Deus espera a determinao do crente para que possa atuar: (...) toda aautoridade de Deus fica inerte em relao a ns, at que decidamos agir (...). Quando ento damos aordem para que o mal seja desfeito, imediatamente o poder de Deus realiza a obra. A nossa ordem
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radical de valores alm de acarretar um problema tico de grandes implicaes,
devido suas alegaes nada recomendveis no que tange sade fsica do
fiel, pois
Crer acreditar, desprezar os sintomas, agir como se j tivesse a bno materializada.Na verdade, o que far a bno tomar-se realidade fsica. (SOARES, 1999, p. 22.)
Ratificando essa posio ele afirma que
Ao usarmos o Nome de Jesus, (...) somos atendidos pelo poder celestial (...) Quandousamos este Nome sobre as doenas ou qualquer outro mal, podemos estar certos de quederrotamos o mesmo. Por
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