tese consolidada paolareeditada
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7/24/2019 TESE CONSOLIDADA Paolareeditada
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UNIVERSIDADE DE BRASLIA
INSTITUTO DE CINCIAS SOCIAIS
CENTRO DE PESQUISA E PS-GRADUAO SOBRE AS AMRICAS
A pertinncia do conceito de legitimidade para organizaespolticas: modelos racionais-legais europeus, Tahuantinsuyue
sociedade Tupinamb em perspectiva comparada
Paola Novaes Ramos
Banca Examinadora:
Prof Dra. Sonia Ranincheski (Presidente) CEPPAC/UnB
Prof. Dr. Gilmrio Guerreiro Costa (Membro Externo) Universidade Catlica de
Braslia
Prof Dra. Marilde Loiola Menezes (Membro Externo) - Instituto de Cincia Poltica/
UnB
Prof Dra. Fernanda Sobral (Membro Interno) CEPPAC/ UnB
Prof. Dr. David Fleischer (Membro Interno) CEPPAC/UnBProf. Dr. Henrique de Oliveira Castro (Suplente) CEPPAC/UnB
BRASLIA DF
02 de Julho de 2010
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Aos meus pais.
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AGRADECIMENTOS
Agradeo em primeiro lugar aos meus pais, Marcus Vinicius e Maria Clara, a quem
dedico essa tese, de quem me orgulho de ser filha, e a quem devo as razes do que
sou. Ao meu irmo Guilherme, minha cunhada Dora e ao Chico, pelo amor de famlia.
Ao Matthias, por todo o amor, carinho, apoio, pacincia, flores, alimentos, referncias
bibliogrficas e incontveis contribuies a esta tese. minha orientadora Sonia
Ranincheski, pela confiana, pelo conhecimento e apoio em vrios sentidos, e acima
de tudo, por incentivar minha vida profissional na UnB. Ao CEPPAC, por ampliarmeus horizontes acadmicos. Ao IPOL, a quem devo o incio da minha formao,
especialmente aos professores Luis Felipe Miguel e Marilde Loiola, pelo incentivo e
apoio de sempre. CAPES, pelo financiamento do meu estgio doutoral e bolsa-
sanduche na Espanha, e pelas bolsas nos anos de graduao (PET-POL) e mestrado,
que possibilitaram minha trajetria acadmica at o doutorado. Aos professores
Fernanda Sobral, Henrique Carlos de Castro, David Fleischer, Bencio Schmidt,
Moiss Balestro e Graa Rua, pelas contribuies acadmicas. Aos professores Nuria
Rodriguez vila e Jaume Farrs pelo apoio em Barcelona. s Universidades de
Barcelona e Salamanca, pelas oportunidades e fontes de pesquisa. Ao Fr e Sandra,
pelo carinho e cuidado em Barcelona. Residncia Universitria Sagrado Corazn de
Jess de Salamanca, pelo acolhimento. Aos meus tios Tets e Welington, e s minhas
famlias materna e paterna. Aos amigos Natlia Lleras, Juliana Rochet, Anglica
Bessa, Sarah Mailleux, Claudia Digues, Ana Paula Hecksher, Carminha Carvalho,
Silvana Gilli, Adriana Marques, Anna Beatriz Ferreira, Fernando Paulino, Andr
Leme Lopes, Danilo Carvalho, Renato Vieira, Valria Silva, Mari Pesquero, Carmen
Jimenez e Carmen Rodrigues. E finalmente, Universidade de Braslia, meu ponto de
partida como aluna, e meu novo caminho como professora.
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RESUMO
A presente tese analisa a pertinncia do conceito de legitimidade em diferentes formasde organizao poltica, especificamente no que se refere presena ou no da diviso
entre governantes e governados. Para tanto, observa e compara os fundamentos
racionais-legais de modelos histricos e tericos de estados nacionais europeus a
formas de organizao sociais e polticas do imprio teocrtico Inca (Tahuantinsuyu)
e da sociedade tribal Tupinamb em tempos pr-coloniais.
Caracterizado principalmente por deter o monoplio legtimo dos meios de violncia,
o estado nacional secular de origem europia observado em contraste lgica deorganizao coletiva dos mundos sul-americanos pr-coloniais, com o intuito de
contribuir para o debate terico sobre o conceito de legitimidade e diferentes formas
de organizao poltica de sociedades humanas.
Utilizando referenciais da teoria poltica moderna e a metodologia dos tipos ideais
weberianos, dois elementos fundamentais do estado nacional (monoplio dos meios
de violncia e legitimao pelo ethos racional-legal) so problematizados em
contraste ao Tahuantinsuyu teocrtico da regio andina e sociedade tribalTupinamb da atual costa brasileira antes do contato colonial.
Esta tese busca, portanto, entender em que medida havia os dois principais elementos
caractersticos dos estados em geral: uso de mecanismos para manter as sociedades
agregadas (seja este mecanismo a fora fsica ou a crena) e legitimao desses
mecanismos. Com auxlio das categorias weberianas, o objetivo ampliar o escopo de
anlises sobre estado nacional para um mbito comparativo de interpretaes de
estudos histricos sobre diferentes culturas e formas de organizao poltica.
Assim, possvel verificar como o conhecimento sobre organizaes polticas sul-
americanas pr-coloniais capaz de contribuir para a compreenso e o
aprofundamento de conceitos fundamentais em teoria poltica, e no caso desta tese, o
conceito de legitimidade.
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ABSTRACT
This thesis analyzes the pertinence of the concept of legitimacy in different types of
political organization, especially concerning the presence or absence ofinstitucionalized governmental structures. In order to observe this phenomenom, it
compares the fundamental elements of historical and theoretical legal-rational state
models to the pre-colonial political organizations of the theocratic Inca Empire
(Tahuantinsuyu) and the Tupinamb tribal society.
Since european-origin secular models of national states are usually characterized by
the legitimate monopoly of means of violence, they are observed in contrast to the
two South American Pre-Columbian worlds mentioned above, in an effort to
contribute to the theoretical debate over the concept of legitimacy and different forms
of human social and political organizations.
By the use of references in modern political theory and the weberian-ideal types
methodology, two fundamental elements of the national state (monopoly of the means
of physical coercion and legitimacy by legal-rational values) are contrasted to the
theocratic logic of Tahuantinsuyu in the Andes and the Tupinamb tribal society in
the Atlantic coast before colonial contact.
Since this thesis aims to understand political organizations, it analyzes up until what
point did these two amerindian societies contain two of the basic elements that
characterize states in general: the use of specific mechanisms to keep the group
together by force of belief systems, and the legitimacy of such mechanisms. With the
help of weberian categories, the goal is to broaden the analytical scope of national
state studies to a comparative level of the interpretation of historical objects and the
political organization of different cultures.
In this sense, it is possible to try to verify how studies about political organization in
Pre-Columbian South America may contribute to the understanding of fundamental
concepts in political theory - in this case, the concept of legitimacy.
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SUMRIO
AGRADECIMENTOS ...................................................................................................... i
RESUMO ......................................................................................................................... iiABSTRACT .................................................................................................................... iiiSUMRIO ........................................................................................................................ vLISTA DE FIGURAS .................................................................................................... viiLISTA DE TABELAS ................................................................................................... viiINTRODUO ................................................................................................................ 2
Motivaes da Tese ...................................................................................................... 5Mtodo e contedo ....................................................................................................... 8Objetivos ..................................................................................................................... 11Problema e Hiptese ................................................................................................... 12
CAPTULO 1 CATEGORIAS WEBERIANAS E REFLEXES SOBRE PODER E
LEGITIMIDADE ........................................................................................................... 18A dimenso das crenas e a perspectiva weberiana ................................................... 21Valor, Ao Social e Tipos Puros de Dominao Legtima ....................................... 24
Dominao racional-legal ....................................................................................... 26Dominao Tradicional .......................................................................................... 27Dominao carismtica........................................................................................... 28
Legitimidade como conceito e critrio ....................................................................... 29Outras concepes de poder, dominao e legitimidade: breve comparao entrecenrios europeus e amerndios .................................................................................. 34Visualizao do conceito de poder e suas gravitaes ............................................... 40
CAPTULO 2 FORMAS RACIONAIS-LEGAIS DE ORGANIZAO POLTICA
NA EUROPA MODERNA ............................................................................................ 49Consideraes Preliminares ........................................................................................ 49Conceitos fundamentais .............................................................................................. 50O conceito de estado nacional e suas origens histrico-sociolgicas ......................... 54Cidades, imprios e estados nacionais como organizaes polticas europias ......... 63Especificidades formais e valorativas dos modelos de estado racional-legal europeu67Governos e estados racionais-legais e a teoria poltica moderna ............................... 79Modelo hobbesiano e modelo rousseauniano de estado racional-legal ...................... 82
O modelo hobbesiano: Leviat ............................................................................... 83Novo Contrato Social: o modelo rousseauniano de governo racional-legal .......... 85
Consideraes sobre o captulo .................................................................................. 87CAPTULO 3 TAHUANTINSUYU.............................................................................. 91
Consideraes preliminares ........................................................................................ 91Caractersticas histricas e geogrficas dos Andes .................................................... 93Tipologia das organizaes polticas sul-americanas ................................................. 94Algumas culturas antecedentes e contemporneas dos Incas ................................... 101Trajetria poltica dos Incas at a formao do Tahuantinsuyu ............................... 108Tahuantinsuyu .......................................................................................................... 113Regras de Sucesso ................................................................................................... 129O Tahuantinsuyu como Culto ................................................................................... 131Especificidades dos Incas ......................................................................................... 136
Interpretaes sobre o Tahuantinsuyu ...................................................................... 137Consideraes sobre o captulo ................................................................................ 147CAPTULO 4 A SOCIEDADE TUPINAMB ........................................................ 150
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Consideraes preliminares ...................................................................................... 150Sociedades primitivas ou sociedades tribais ............................................................. 151Tipologias de organizao social e caractersticas histrico-geogrficas de sociedadespr-coloniais sul-americanas .................................................................................... 152Consideraes sobre sociedades tribais .................................................................... 157
As culturas da atual regio brasileira de acordo com lnguas nativas ...................... 160Indgenas sul-americanos de florestas tropicais ....................................................... 163Tupinambs: Os indgenas da Costa Atlntica ......................................................... 167Especificidades dos Tupinamb ............................................................................... 180As descries de Florestan Fernandes sobre a sociedade Tupinamb...................... 183Cenrios de ocupao Tupinamb e o contato colonial ........................................... 184Organizao social dos Tupinamb na leitura de Fernandes .................................... 187A Questo Migratria ............................................................................................... 196A Questo da Guerra ................................................................................................ 200Divises Sociais e Sistemas de Hierarquia ............................................................... 209Consideraes sobre o captulo ................................................................................ 211
CAPTULO 5 MODELOS RACIONAIS-LEGAIS DE ORGANIZAO POLTICA,TAHUANTINSUYU E SOCIEDADE TUPINAMB EM PERSPECTIVACOMPARADA ............................................................................................................. 214
Consideraes Preliminares ...................................................................................... 214Estado, imprio e questes geogrfico-populacionais .............................................. 215Consideraes sobre o Tahuantinsuyu ..................................................................... 225Sociedades sem estado, a idia racional-legal de repblica e a sociedade tupinamb.................................................................................................................................. 231Elementos comuns entre a racional-legalidade europia, o Tahuantinsuyu esociedades tribais tupinambs .................................................................................. 232Situaes de guerra e meios de violncia fsica ....................................................... 235Semelhanas entre as organizaes polticas analisadas: gerenciamento de diferenas.................................................................................................................................. 242Coletividade, Pertencimento e Reconhecimento ...................................................... 243Semelhanas e diferenas entre Incas e Tupinambs ............................................... 245Legitimidade em estados e governos racional-legais, no Tahuantinsuyu e dentre osTupinamb ................................................................................................................ 247Legitimidade, dominao, igualdade e hierarquia .................................................... 248Consideraes Finais ................................................................................................ 253
CONCLUSO .............................................................................................................. 257BIBLIOGRAFIA METODOLGICO-CONCEITUAL .............................................. 271
BIBLIOGRAFIA ESTADO NACIONAL E FORMATOS DE ESTADO E GOVERNO...................................................................................................................................... 275BIBILIOGRAFIA SOBRE AMERNDIOS, O TAHUANTINSUYU E OSTUPINAMBS ............................................................................................................ 282BIBLIOGRAFIA GERAL ............................................................................................ 290APNDICE I SUSAN RAMREZ E FLORESTAN FERNANDES ........................ 309APNDICE II TABELAS COMPARATIVAS ........................................................ 312APNDICE III QUESTES INDIGENAS PS-COLONIAIS ............................... 316APNDICE IV POSSVEIS ESTUDOS A PARTIR DESTA TESE ....................... 318
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Eixo de Legitimidade (elaborao prpria) .................................................... 14Figura 2: Eixo de Relaes de Obedincia (elaborao prpria) ................................... 41
Figura 3: Diagrama de relaes de poder, influncia e autoridade (LUKES, O Poder:uma viso radical, 1980, p. 27) ...................................................................................... 42Figura 4: Diagrama das relaes entre cidades, estados, capital e meios de coero(TILLY, Coersion, Capital and European States1993, p.16) ....................................... 66Figura 5: Mapa poltico da Amrica Andina antes da consolidao da hegemonia Inca(SELLIER,Atlas de los Pueblos de Amrica2007, p. 27) ........................................... 107Figura 6: Mapa de expanso geracional do Tahuantinsuyu (HEWITT, The History of
Money: Peru, 2009) ...................................................................................................... 114Figura 7: Estrutura hierrquica do Tahuantinsuyu (PERLACIO CAMPOS, Historia,2008) ............................................................................................................................. 123Figura 8: Imagem de autoria do cronista de origem amerndia, Guamn Poma de Ayala,
no sculo XVI: ndio chasquitransportando quipue tocandopututo(GARCILASO DELA VEGA, 1991) ......................................................................................................... 126Figura 9: Imagem do Quipu (URTON, Signs of the Inka Khipu: Binary Coding in the
Andean Knotted-String Records, 2003) ........................................................................ 127Figura 10: Imagem do Quipu (URTON e BREZINE, Khipu Database Project,2002)128Figura 11: Diagrama de vnculos hierrquicos no Tahuantinsuyu(RAMREZ, To Feedand be Fed: the cosmological bases of authority and identity in the Andes2005, p. 69)...................................................................................................................................... 144Figura 12: Distribuio das lnguas do Tronco Macro-Tupi (URBAN, Histria dacultura brasileira segundo as lnguas nativas, 1992, p. 89) ........................................ 163Figura 13: Mapa Migratrio dos Tupi-Guarani segundo Mtraux (FAUSTO, 1992, p.
384) ............................................................................................................................... 169Figura 14: Mapa Migratrio dos Tupi-Guarani segundo Brochado (FAUSTO, 1992, p.384) ............................................................................................................................... 169Figura 15: Imagem do chefe Francisco Carypyra, extrada da obra A funo social daguerra na sociedade tupinamb(FERNANDES, 2006) .............................................. 179Figura 16: Diagrama ilustrativo da disposio de uma tribo Tupinamb (elaboraoprpria) ......................................................................................................................... 188Figura 17: Diagrama ilustrativo da disposio espacial de aldeia Tupinamb I(elaborao prpria) ...................................................................................................... 191Figura 18: Diagrama ilustrativo da disposio espacial de aldeia Tupinamb II(elaborao prpria) ...................................................................................................... 192Figura 19: Cena de combate corpo a corpo, gravura de Jean de Lry (imagem extradada obraA funo social da guerra na sociedade tupinamb, FERNANDES, 2006)... 202
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Dinastias Inca (elaborao prpria, inspirada na narrativa de GARCILASODE LA VEGA, Comentarios Reales de Los Incas, 2008)............................................ 113Tabela 2: Organizao social Inca (PERLACIO CAMPOS, Historia, 2008, traduoprpria) ......................................................................................................................... 129
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Existe algo na relao de poder que no apenas da ordem da violncia.
Pierre Clastres
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INTRODUO
O estudo da poltica diz respeito, essencialmente, a decises que visam garantir a
sobrevivncia de sociedades humanas e seus membros. Tais decises podem ser
tomadas com ou sem diviso formal entre governantes e governados, e na presena ou
no do monoplio dos meios de violncia. Isto significa, em termos gerais, a verificao
da existncia ou no de elites polticas, se elas so ou no dotadas de poder coercitivo
(definido nesta tese como a ameaa ou uso de fora fsica, ou como efetiva destruio
material de bens e corpos).
A vida poltica, neste sentido, realiza-se por meio de decises coletivizadas (SARTORI,
1987), que podem ser tomadas pela totalidade da populao, por uma maioria numrica,
ou por uma minoria de indivduos em posio de comando. E a estabilidade desses trs
tipos de estratos decisrios reside na legitimidadedas regras e das pessoas que tomam
tais decises polticas.
Diante desses pontos de partida, esta tese um estudo exploratrio sobre legitimidadeem diferentes tipos de organizao poltica: modelos racionais-legais de estados de
origem europia, o TahuantinsuyuInca e a sociedade tribal dos Tupinamb. O objetivo
principal e terico , portanto, verificar como tais modelos de sociedade se organizam
(de forma hierrquica ou igualitria) e quais so os valores que justificam tais modelos
(critrios de legitimidade).
Tal empreendimento ser auxiliado pela observao dos alcances e limitaes dealgumas categorias weberianas sobre poder, dominao e legitimidade diante dos
modelos tericos e empricos escolhidos para anlise. A diviso ou no de determinadas
sociedades entre governantes e governados (da qual deriva a instituio da maioria dos
modelos de estado, por exemplo) e os tipos de legitimidade das organizaes polticas
observadas permitem interpretar como se manifestam, qual o papel das crenas e qual
o significado atribudo ao estado, possibilidade de guerra e ao uso da fora fsica
nesses diferentes modelos.
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Como objetivo especfico e emprico, realiza-se uma comparao por contraste entre
eles. Assim, so observadas as propostas de organizao poltica de sociedades
europias modernas e interpretaes acadmicas de especialistas que destacam a
importncia da crena nas organizaes polticas de sociedades amerndias pr-
coloniais.
Alm disso, os modelos racionais-legais de organizaes polticas modernas europias e
as duas sociedades amerndias pr-coloniais coincidem em termos de perodo histrico,
pois o contato colonial da Europa com as Amricas marca tanto o fim das sociedades
amerndias analisadas tais como eram antes da chegada dos europeus, quanto tambm
o perodo de consolidao do ethosracional-legal na Europa.
Este fator permite comparao por contraste de vrios aspectos de organizao poltica e
pode contribuir para estudos acadmicos sobre crena e legitimidade. Lateralmente,
contribui tambm para observar como a destruio fsica entre seres humanos pode ser
encarada em diferentes culturas (especialmente no que diz respeito s crenas sobre
autoridade e dominao e sobre o uso da fora, violncia e guerra).
A teoria social moderna sobre legitimidade contempla tanto teorias de estado (como,
por exemplo, a filosofia poltica de Thomas Hobbes, que considera a existncia de
estado com autoridade e poderes coercitivos absolutos a melhor forma de se conduzir
grupos humanos) quanto de governo (como, por exemplo, as propostas de John Locke e
Jean-Jacques Rousseau1), e assim, os modelos racionais-legais de organizao poltica
so contrastados sociedade teocrtica dos Incas, explicitamente hierrquica, e
sociedade tribal Tupinamb, que embora estratificada, era politicamente mais
igualitria.
Para a interpretao das duas sociedades amerndias, foram escolhidos dois autores
como referncias centrais: a historiadora Susan Ramrez (RAMREZ, 1996; 2005;
2008) e o cientista social Florestan Fernandes (FERNANDES, 1989; 2006). O fato dos
1 Rousseau defende um modelo de sociedade que no centrado no monoplio legtimo de violnciafsica, e sim na expresso da vontade geral dos membros da sociedade, e tampouco enfatiza uma divisoexplcita da sociedade entre governantes e governados, mas apia-se em estruturas republicanas racionais-
legais de governo.
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dois autores terem realizado pesquisas extensas sobre cada uma das duas sociedades,
recorrendo s fontes histricas dos cronistas coloniais e reinterpretando descries
clssicas os levou a atribuir nfase dimenso subjetiva das crenas como fator
explicativo de suas formas de organizao poltica. Aps observar diversas descries e
interpretaes sobre os Incas e os Tupinamb, respectivamente, ambos acadmicos
destacam a importncia das crenas em determinados valores como varivel relevante
para se explicar o comportamento polticode cada uma das duas sociedades.
Neste sentido, embora os dois autores tenham formaes diferentes e nenhum dos dois
utilize categorias weberianas, este tipo de interpretao crucial para o estudo da
legitimidade (categoria central da presente tese).
A comparao entre os modelos de sociedade escolhidos ser realizada pelos conceitos
e critrios de legitimidade e dominao legtima descritos por Max Weber,
considerando legitimidadeuma categoria ampla, que embora seja elaborada pela lgica
cultural europia, pode ser aplicada a realidades sociais diferentes, e alm disso,
independe de relaes de dominao para existir.Dominao, por outro lado, ainda que
seja um fenmeno menos complexo e menos caracterizado pela cultura europia,
depende, nas cincias sociais, da idia de legitimidade para existir. Legitimidade e
dominao nesta tese pode, portanto, estar sobrepostas ou no, dependendo da
individualidade histrica a ser analisada.
Desta maneira, a dominao racional-legal observada nesta tese em sobreposio a
idia de legitimidade, tanto na anlise de estados nacionais histricos europeus quanto
na teoria social moderna (com destaque para as teorias contratualistas de Thomas
Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, pelo fato dos dois autores apresentarem um contrasteexplcito na diviso da sociedade em uma minoria de governantes e uma maioria de
governados no caso do primeiro, e na sobreposio dos dois papis no caso do
segundo2). Ademais, a abordagem contratualista na teoria potica moderna a que mais
2O novo contrato social de Rousseau, por exemplo, sobrepe as funes de governantes e governadossobre o corpo de cidados, que so senhores e sditos de si mesmos (ROUSSEAU, 2006, Livro I, Cap.
VII e Cap. VIII).
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explicitamente salienta a razo como fundadora de uma nova ordem social, algo tpico
do ethosracional-legal europeu.
Os tipos puros de dominao legtima tradicional e carismtica, por vez, so observados
nas descries de possvel legitimidade do Tahuantinsuyudos Incas, onde existia uma
sociedade com estado. E no caso das sociedades tribais tupinamb, que no tinham
estado e articulavam-se como uma rede social de cultura partilhada, os tipos puros de
dominao legtima podem no ser pertinentes, embora o critrio de legitimidade, se
desvinculado de noo de poder e hierarquia entre indivduos, possa fazer sentido.
Para construir referenciais comuns capazes de conectar organizaes polticas to
diferentes, alm do critrio de legitimidade e dos tipos puros de dominao legtima,
esta tese utiliza categorias sociolgicas weberianas sobre poder, dominao e
legitimidade como parmetros conceituais gerais. Outros autores como Stephen Lukes,
Louis Dumont, Pierre Clastres e Hannah Arendt sero tambm utilizados tambm para
dialogar com o pensamento weberiano. Os tipos de ao social descritos por Weber
sero, tambm, ferramentas de anlise para realizar as comparaes entre os objetos.
Motivaes da Tese
Esta tese possui uma motivao de ordem metodolgica (testar a capacidade explicativa
e potencialmente universal de alguns conceitos amplos das cincias sociais) e uma
motivao em termos de contedo terico (observar a legitimidade como dimenso
valorativa de organizaes polticas com ou sem diviso entre governantes e
governados).
Esta inspirao vem do fato de que estruturas polticas e a relao entre governantes e
governados inspiraram vrios pensadores modernos a fazer perguntas sobre o uso da
fora, a questo da guerra e os motivos ou justificativas das relaes de mando e
obedincia (MAQUIAVEL, 1996; HOBBES, 2008; LOCKE, 2006; WEBER, 1999a;
1999b). Ou ento, buscam explicar ou justificar por que tais relaes existem
(HOBBES, 2008; LOCKE, 2006; ROUSSEAU, 2006; MONTESQUIEU, 1996) e como
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evit-las para que no haja abuso de poder ou opresso entre seres humanos (LOCKE,
1996; ROUSSEAU, 2006; MARX, 1985, 1993; BAKUNIN, 1999; CLASTRES, 2003).
O que motiva tais perguntas a necessidade poltica de justificar quem decide os rumos
que as sociedades devem tomar ou um chefe, ou um grupo de deliberao, ou a
totalidade dos membros da sociedade em questo.
No caso dos estados nacionais modernos europeus, sua natureza racional-legal em geral
possui um argumento baseado na adeso por livre vontadepara justificar a relao de
mando e obedincia entre governantes e governados. Este , tambm, o centro
gravitacional de modelos contratualistas. E segundo Flathman, justamente neste ponto
que se iniciam definies e estudos sistemticos sobre legitimidade (FLATHMAN,
1996).
Pelo motivo de auto-justificao racional, o tipo ideal do estado moderno europeu
contrastado s formas amerndias de organizao poltica dos incas e tupinambs que
tambm tinham, segundo Ramrez e Fernandes, explicaes e justificativas sobre quem
decide ou indica os rumos das decises coletivizadas. Tais explicaes, mesmo que no
fossem racionais-legais, podem ser consideradas justificativas igualmente capazes de
motivar perguntas acadmicas sobre legitimidade.
Trata-se, portanto, de uma tese que observa os contedos de diferentes tipos de
legitimidade em organizaes poltica. Nos Andes do Tahuantinsuyu descrito por
Ramrez, havia diviso explcita entre governantes e governados, forte presena de
poder coercitivo e relaes claras de autoridade (algo inicialmente passvel de ser
comparado a interpretaes de modelos de estado monrquico de Maquiavel, Hobbes eMontesquieu, por exemplo).
Na costa atlntica Tupinamb, por outro lado, existia outra cultura amerndia na qual
no existia desigualdade explicitamente institucionalizada entre os membros da
sociedade. Os reconhecimentos de superioridade no se desdobravam em hierarquias
polticas, monoplio dos meios de violncia, grandes desigualdades de recursos
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materiais ou relaes explcitas ou veladas de mando e obedincia3(algo inicialmente
comparvel, por certa semelhana, a modelos polticos mais igualitrios propostos por
autores modernos como Rousseau (ROUSSEAU, 2006) e Etienne de la Botie (LA
BOTIE, 2001), por exemplo).
Assim, a nfase da tese na legitimidade detm-se principalmente dimenso das
crenas e valores sobre poder e dominao na esfera poltica. Secundariamente, atm-se
a como esses valores motivam e justificam o uso da fora, a violncia fsica e a guerra.
Assim, as descries de Susan Ramrez sobre os incas pr-coloniais (RAMREZ, 1996;
2005; 2008) e de Florestan Fernandes sobre os tupinambs (FERNANDES, 1977; 2006)
foram escolhidas justamente porque, por meio das obras dos dois autores, possvel
localizar interpretaes de certas crenas, motivaes e justificativas acerca dos arranjos
sociopolticos das duas sociedades amerndias, e como as duas culturas lidavam com a
manuteno e a sobrevivncia dos seus respectivos grupos sociais por meio de
justificativas polticas.
No caso dos modelos racionais-legais modernos, observa-se geralmente teorias de
estado que instituem hierarquia poltica e monoplio legtimo dos meios de violncia
(MAQUIAVEL,1996; HOBBES, 2008; MONTESQUIEU, 1996), ou teorias de governo
mais horizontalizadas e baseadas na palavra, e no nas armas (ROUSSEAU, 2006).
Assim, o recorte que define a legitimidade como eixo gravitacional da tese permite o
enfoque nos valores que motivam a criao de instituies polticas racionais-legais em
dois formatos diferentes (com ou sem estado detentor do monoplio legtimo dos meios
de violncia) e em organizaes polticas amerndias no-racionais-legais.
Embora Ramrez e Fernandes no utilizem fundamentos da teoria poltica moderna na
descrio de seus objetos, e tampouco categorias weberianas sobre poder, dominao e
legitimidade, ainda assim a comparao entre as interpretaes desses dois autores sobre
os incas e os tupinambs permite explicitar a idia de legitimidade como conceito
fundamental para a compreenso de organizaes polticas.
3
Segundo Fernandes e Fausto, dentre os tupinambs, a diferena entre chefe e demais membros dasociedade residia em reconhecimentos simblicos e valorativos, sem sobreposio das posies decomando poltico, militar e econmico (FERNANDES, 1977; 2006; FAUSTO, 1992).
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As categorias weberianas, embora no sejam usadas nos textos das obras dos autores
abordados (por impossibilidade histrica no caso dos modernos e por opo acadmica
por parte dos dois autores contemporneos), permitem principalmente que se ressalte as
dimenses valorativas das teorias polticas modernas racionais-legais sobre estado e
governo, e das descries de Ramirez e Fernandes sobre a organizao poltica dos
incas e dos tupinambs.
importante ressaltar que Max Weber no reivindica o conceito de dominao ou o
critrio de legitimidade para sociedades diferentes da que adotam a estrutura do estado
moderno europeu, e por isso, Weber um ponto de partida da tese, mas no
necessariamente, um ponto de chegada. Alm disso, embora Max Weber seja um autor
que nunca buscou universais, e sim descries tpicas, a possibilidade de se buscar
conceitos com capacidade explicativa abrangente pode ser um norte a ser seguido pelas
cincias sociais, utilizando tipos especficos como os weberianos como ponto de partida
para busca de semelhanas e de contrastes.
Assim, a possibilidade de conceitos amplos considerada um ponto de chegada
almejado. No entando, esta idia, defendida na tese diante do conceito de legitimidade,
faz sentido para conceitos operacionais, mas no ha pretenso de busca de
generalidade para elaborao de grandes teorias sociais.
Mtodo e contedo
Pelo fato desta ser uma tese eminentemente terica, compara-se formas de organizaes
polticas modernas europias e duas formas de organizao poltica amerndias pr-
coloniais niveladas na forma de tipos ideais. Assim, utiliza-se a metodologia weberiana
que recorta aspectos da realidade em questo e os contrasta, considerando as sociedades
inca e tupinamb como individualidades histricas (WEBER, 2004, cap. 1) descritas
por dois autores especializados, principalmente com o intuito de apontar e criticar a
tendncia de certos estudos que generalizam os amerndios como unidade de anlise
homognea (ver crticas neste sentido em CARNEIRO DA CUNHA, 1986; e FAUSTO,
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2005). Mais do que isto, como foi dito, nivela os objetos na forma de tipos ideais
comparavs no que diz respeito possibilidade de legitimidade em cada um deles.
As descries dessas individualidades histricas (tanto o Tahuantinsuyu quanto os
tupinambs) sero realizadas como recortes especficos que os particularizam tanto
dentro do pensamento de dois autores especializados em tais sociedades (Ramrez e
Fernandes), quanto dentro do cenrio onde havia vrias outras sociedades indgenas que
habitavam o a rea sulamericana antes da conquista europia (cacicados amaznicos e
do norte do atual Peru, outras sociedades tribais alm da Tupinamb, e vrios grupos
nmades caadores-coletores).
Do ponto de vista dos sujeitos que formam as sociedades dos modelos amerndios
analisados (estado/imprio do Tahuantinsuyu e sociedades tribais tupinambs), um
aspecto a se destacar que os grupos indgenas so observados na condio de grupos
scio-culturais (CARNEIRO DA CUNHA, 1986, Parte II; CARDOSO DE OLIVEIRA,
2006, caps. 1 e 3). Estas so as individualidades histricas que definem o
Tahuantinsuyucomo um imprio plural unificado pela figura de El Cuzco (RAMREZ,
2005), e tambm a sociedade em rede Tupinamb (FERNANDES, 1989; FAUSTO,
1992).
Tal critrio marca uma diferena fundamental entre essas individualidades histricas
amerndias e o tratamento individual dado dos membros das sociedades em modelos
racionais-legais, que baseiam seu pertencimento organizao poltica na adeso
pessoal e na escolha racional de sujeitos individuais atomizados (sem considerar grupos
culturais ou tnicos como unidades de pertencimento). Contudo, embora este seja um
dos pontos principais a serem considerados na comparao entre modelos amerndios eracionais-legais, no ser o ponto central desta tese, pois requer estudos mais
aprofundados sobre o tema que necessitaria de outra tese de igual porte.
No que tange geografia s e populaes amerndias, as dimenses territoriais, a
composio e a distribuio populacional das regies que incas e tupinambs
habitavam so trs fatores materiais necessrios para a comparao entre as duas
organizaes sociopolticas. Observa-se que no passado pr-colonial, no territrio dacosta do atual Brasil a densidade demogrfica indgena era consideravelmente menor
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que nos Andes (as sociedades gravitavam ao redor de centenas ou no mximo de
milhares de membros, enquanto, segundo estimativas, o Tahuantinsuyu chegou a
abarcar entre nove e dez milhes de membros). Como os cenrios geogrficos eram
bastante diferentes, havia formas de organizao poltica mais dispersas sem
centralizao na costa do atual Brasil4.
Assim, a comparao por semelhana da sociedade com estado dos incas e as
sociedades sem estado dos tupinambs feita pela mnima semelhana de prtica de
agricultura em territrio fixo por parte das duas sociedades (algo pouco expressivo
dentre os caadores-coletores nmades, por exemplo) e pela lgica dos laos de
parentesco (algo abolido da lgica racional-legal de estados modernos europeus, no
sentido de vnculo entre governantes e governados).
Por outro lado, o fato dos tupinambs formarem sociedades em rede (FERNANDES,
1977; 2006; FAUSTO, 1992) e no grupos populosos hierarquizados, como o caso dos
cacicados complexos da Amrica do Sul (MURRA, 1984; ROOSEVELT, 1992) e do
Tahuantinsuyuinca (RAMREZ, 1996; 2005; 2009) apresenta um contraste substantivo
tanto com a realidade dos incas, quanto com os modelos de estado racionais-legais
europeus.
Do ponto de vista da mobilidade territorial, os Tupinamb se deslocavam com
freqncia, e segundo Ramrez, El Cuzco, imperador que era o centro gravitacional da
sociedade inca, movia-se de centro urbano a centro urbano dentro do Tahuantinsuyu,
sendo que a cidade de Cuzco como o centro do imprio estabeleceu-se principalmente
como referncia dos colonizadores europeus (RAMREZ, 2005).
Nesse sentido, o nivelamento de objetos muito diferentes entre si (o modelo histrico de
estado moderno europeu, fundado na guerra, o modelo interpretativo e justificativo de
4A maioria das estatsticas estima que o estado/imprio inca chegou a abarcar entre nove e dez milhes deindivduos FAVRE, 2004, p. 7 - enquanto os tupinamb estavam entre 189 mil STEWARD, 1946,vol. 5 e 1 milho DENEVAN, 1976, pp. 226-230). Atualmente, a presena demogrfica indgena ainda mais baixa no Brasil em relao a pases andinos como Bolvia e Peru, pois alm de originalmente(antes do contato colonial) j haver menos indgenas nesta regio, as eliminaes populacionais porguerras e principalmente por doenas infecciosas trazidas pelos europeus foram devastadoras
(DIAMOND, 2003, cap.3). Alm desse fator, o prprio imprio portugus promoveu polticas mais fortesde miscigenao com indgenas e afro-descendentes para povoar o pas, algo menos presente na ao doimprio espanhol nas colnias das Amricas.
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de contrastar o ethos racional-legal europeu a culturas no-europias, ainda que Max
Weber no tenha aprofundado seus estudos em culturas amerndias.
Os objetivos especficos da tese, portanto, so: 1) observar nos objetos analisados se h
ou no poder institucionalizado e estruturas de mando e obedincia no mbito
politico; 2) observar a pertinncia da categoria legitimidadediante do ethos racional-
legal moderno europeu e das sociedades inca e tupinamb; 3) observar como e se os
tipos puros de dominao legtima weberianos procedem na teoria poltica moderna
sobre legitimidade e nos mundos amerndios inca e tupinamb descritos por Ramrez e
Fernandes; 4) observar como a ameaa ou o uso da fora e a destruio fsica so
tratados nos objetos analisados.
Problema e Hiptese
Partindo da pergunta chave de Max Weber ao desenvolver suas explicaes sobre os
tipos puros de dominao legtima: por que existem relaes de mando e obedincia na
vida social, ou mais precisamente, por que as pessoas obedecem? (WEBER, 1982;
1999a; BENDIX, 1986), ao analisar os objetos escolhidos como possibilidades ou
histrias partilhadas de solo e sangue7, pergunta-se qual a capacidade explicativa (em
termos de abrangncia e limitao) do conceito de legitimidade diante de diferentes
modelos de organizao poltica, se analisado pela racional-legalidade da teoria
poltica moderna e interpretaes de Ramrez e Fernandes sobre as sociedades inca e
tupinamb?
A partir desta pergunta, elabora-se a seguinte hiptese: mesmo na ausncia de diviso
entre governantes e governados e monoplio legtimo do poder coercitivo (ou seja, na
ausncia de estado no sentido tradicional do termo, como possvel verificar nas
descries da sociedade Tupinamb e no modelo republicano de Rousseau), ainda assim
possvel observar a existncia do fenmeno da legitimidade pela crena na
7 Disputas, convivncia ou eliminao dentro de um mesmo territrio algo substitudo pela razo nosmodelos racionais-legais, mas presente nos rituais de antropofagia no caso dos tupinambs, e na
miscigenao entre etnias promovidas e controladas pelo estado no caso dos incas). Para discusses maisprofundas sobre questes sobre pertencimento de solo e sangue, ver SAHLINS, 2003.
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superioridade de valores, ou saberes, ou discernimento, de certos membros do grupo,
que auxiliam no processo de decises coletivizadas e na orientao da vida social. E em
modelos racionais-legais monrquicos europeus e no Tahuantinsuyu, onde h presena
de estado com diviso entre governantes e governados e monoplio legtimo dos meios
de violncia, a legitimidade vincula-se a relaes de dominao.
A idia geral de legitimidade em Weber trata o fenmeno no apenas como
reconhecimento de algo superior em meio sociedade (seja a superioridade
manifestada em um valor ou em um indivduo), mas que tambm como justificativa
para relaes coercitivas ou de mando e obedincia (WEBER, 1999b, p. 155; BENDIX,
1986, p. 233).
Para ampliar as interpretaes sobre legitimidade, portanto, observa-se as figuras dos
chefes tupinambs (FAUSTO, 1992, p. 383) e do grande legislador de Rousseau
(ROUSSEAU, 2003b, cap. 7) como exemplos de lideranas desprovidas de poder
coercitivo e possivelmente sequer estabelecem relaes de dominao com os demais
membros do grupo social, mas que no escapam relao simbolicamente desigual de
influncia.
Sem ocupar posio explcitas de mando ou possurem poder coercitivo, e impedidos de
acumular bens materiais, os chefes tupinambs e o grande legislador rousseauniano
tinham um reconhecimento diferente da legitimidade tradicional, carismtica ou de
natureza racional-legal. Possivelmente, aproximam-se mais do tipo ideal da liderana
carismtica. Tal legitimidade, se que o conceito procede nesses casos, no se
vincula a qualquer tipo de monoplio (material ou simblico) e ainda assim pode, em
tese, manter uma sociedade coesa (desde que, como ressaltam Clastres e Rousseau, comescalas populacionais reduzidas CLASTRES, 2003, Entrevista; ROUSSEAU, 2003b).
Assim, possvel que tal legitimidade no esteja necessariamente ligada ao conceito
de dominao, mas sim de influncia, o que permite interpretar esse conceito como uma
gradao, e no como um imperativo, ou o que Merquior denominou graus de validade
na situao de poder [pois] a legitimidade e a ilegitimidade absolutas constituem casos
excepcionais (MERQUIOR, 1990, p. 7). Desta forma, como indica o diagrama naFigura 1, a legitimidade pode ser localizada em um eixo que tem apenas o
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reconhecimento em uma das extremidades, e as relaes de coero justificadas por
valores sociais na outra (sendo que estas garantem o direito de mando e o dever de
obedincia, geralmente amparados em monoplio dos meios de violncia):
LEGITIMIDADE
----------------------------------------------------------------------------------------------- Apenas Reconhecimento de Valores Reconhecimento de valores + Justificativa de Dominao
Figura 1:Eixo de Legitimidade (elaborao prpria)
Desta forma, lgicas valorativas em diferentes culturas podem responder perguntas
sobre motivaes de obedincia, e assim impulsionar estudos sobre a pertinncia ou no
do conceito de legitimidade como justificativa de estratificao social. Ou ento, podem
apenas existir como reconhecimento de valoressuperiores, intermediados pela vontade
de todo o grupo ou ento por certos indivduos.
Neste sentido, se alguns fenmenos sociais universais, principalmente o poder, podem
no pertencer natureza humana e sim vida social (CLASTRES, 2003, Entrevista; ver
tambm MOSCA, 1966), tal afirmao contraria boa parte da teoria poltica moderna
sobre estado (MAQUIAVEL, 1996; HOBBES, 2008; MONTESQUIEU, 1996;LOCKE, 1963) mas no autores que apresentam teorias mais igualitrias de governo
civil, como La Botie e Rousseau (LA BOTIE, 2001; ROUSSEAU, 2003), e
tampouco sociedades amerndias como a sociedade tupinamb8.
Considerando o que afirma Roberto Cardoso de Oliveira (CARDOSO DE OLIVEIRA,
2006, p. 118) inspirado por Marcel Mauss, a importncia de se perguntar quem so e
como pensamos grupos sociais a serem estudados nas cincias sociais, esta tese, porcomparar modelos tericos modernos europeus e interpretaes acadmicas sobre
realidades histricas amerndias, no um estudo emprico sobre sociedades amerndias
8Tais organizaes indgenas tanto servem de contraste a modelos racionais-legais de estado civil, como
foram fontes de inspirao ao imaginrio que cria a idia de estado de natureza, e tambm umcontraponto selvagem ou irracional para o mundo racional-legal do estado civil europeu.
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e europias, e sim uma comparao entre possveis tipos de legitimidade histrica,
geogrfica e culturalmente situadas9.
Assim, os estudos sobre os valores sociais desta tese derivam precisamente da busca de
se descobrir como pensavam determinados grupos sociais em termos de poder,
dominao, legitimidade e violncia pela interpretao de suas organizaes polticas.
Se o uso de categorias weberianas para observar as Amricas no corresponde a mais
uma forma de colonizao do pensamento, como apontam vrias leituras
contemporneas na Iberoamrica sobre a atualidade da construo do pensamento
social10, podem ser consideradas tentativas de se observar o fenmeno terico da
legitimidade. Este fenmeno terico pressupe que, talvez, o poder coercitivo
monopolizado no seja um universal inevitvel da humanidade no que diz respeito a
organizaes polticas, mas a hierarquia de valores e a legitimidade, possivelmente
podem tender a ser, principalmente como forma de atribuir sentido vida social.
Trata-se, no fundo, de observar se a contemplao da diversidade de formas polticas
por meio de categorias weberianas uma maneira de se verificar a pluralidade do
real, nas palavras Roberto Cardoso de Oliveira (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976,
p.7). A idia bsica desta tese, portanto, integrar algumas interpretaes de autores
modernos europeus e de autores contemporneos como Susan Ramrez e Florestan
Fernandes aos estudos gerais de teoria poltica sobre poder, legitimidade e dominao,
enfatizando a pertinncia dos valores sociais em tais estudos polticos.
9Isto possibilita compreender tais sociedades como individualidades histricas dentro da interpretao de
Ramrez e Fernandes em contraponto lgica das narrativas de estudos prvios (BETHELL, 1984;MURRA, 1984; HENDERSON e NETHERLY, 1993; CARNEIRO DA CUNHA, 1986, 1992;CARDOSO DE OLIVEIRA; FAUSTO, 1992; 2005) sobre quem eram os amerndios sul-americanos ecomo se organizavam politicamente. Desta forma, busca-se contribuir, pelo uso das categoriasweberianas, para o conhecimento sobre o alcance das teorias sociais sobre organizao poltica com baseem estudos amerndios pr-coloniais, alm de destacar as interpretaes de Ramrez e Fernandes sobre aimportncia das crenas nas sociedades estudadas e na esfera poltica em geral.
10 Para questes sobre descolonizao do pensamento e reconstruo das cincias sociais a partir dosAndes, ver MIGNOLO, 2001; MALDONADO-TORRES, 2007. Sem ignorar a existncia de recentescorrentes de sociologia iberoamericana sobre colonizao e descolonizao do pensamento, as realidadesamerndias nesta tese no so engessadas em categorias de origem europia. O intuito simplesmentecontribuir para observar o alcance e as limitaes das teorias polticas clssicas e contemporneas sobre
poder e dominao por meio de conhecimento especfico sobre as sociedades sul-americanas pr-colombianas.
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Para desenvolver este raciocnio, portanto, esta tese desenvolve-se em uma introduo,
cinco captulos e uma concluso. O captulo 1 tem a finalidade metodolgica de situar
os objetos da tese do ponto de vista conceitual, e os captulos 2, 3 e 4 descrevem os
objetos de anlise (modelos racionais-legais de estado e governo, o Tahuantinsuyue a
sociedade tupinamb, respectivamente), e o captulo 5 uma anlise comparativa.
O captulo 1 descreve a metodologia da tese, as categorias weberianas utilizadas com
nfase nas definies dos tipos de ao social, nos tipos puros de dominao legtima e
principalmente, na categoria de legitimidade. Os conceitos de poder, autoridade,
dominao e violncia so tambm abordados e utilizados como auxiliares para
esclarecer o que legitimidade, e alguns aspectos de pensadores Dumont, Lukes,
Clastres, Merquior e Arendt tambm sero abordados para auxiliar a discusso.
O captulo 2 dedica-se teoria poltica moderna de origem europia e apresenta, em
primeiro lugar, as caractersticas do estado nacional racional-legal como tipo ideal
histrico, e posteriormente, descreve tipos ideais tericos estado e governo11, com
nfase nos princpios de legitimidade de diferentes autores modernos.
Ao final do captulo, os modelos de Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau so
enfatizados, pois alm de proporem a instituio de estados por contrato (o que j
uma caracterstica do ethosracional-legal), suas propostas caracterizam-se por rupturas
com o estado de natureza, enquanto o modelo contratualista de Locke, por vez, trata a
transio da realidade que antecede o contrato e o governo civil racional-legal como
uma conseqncia natural da vida em sociedade (LOCKE, 2005, cap. 7), e mereceria
uma anlise mais minuciosa em uma tese de outra natureza, e portanto, no ser
abordado com tanto destaque.
O captulo 3 e o captulo 4 desta tese descrevem os dois mundos amerndios escolhidos
para anlise, a sociedade inca e a sociedade tupinamb. O captulo 3 dedicado ao
Tahuantinsuyu dos Andes, observado principalmente pelas interpretaes de Susan
Ramrez (RAMREZ, 1996; 2005; 2008). O captulo 4 descreve os Tupinamb da costa
11 A metodologia dos tipos ideais, de inspirao weberiana, abrange conceitos elaborados a partir das
reflexes de vrios autores, e no apenas os clssicos tipos elaborados por Max Weber, ainda que estessejam tambm bastante utilizados na tese.
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atlntica do atual territrio brasileiro, observados principalmente pelas interpretaes de
Florestan Fernandes (1989; 2006). Ambos captulos, por serem empricos, tm muitos
contedos histricos descritivos, apresentados em linguagem basicamente narrativa,
mas o enfoque nas formas de organizao social com nfase na dimenso de crenas
descritas por Ramrez e Fernandes nas duas sociedades.
O captulo 5, ltimo da tese, contrasta os modelos racionais-legais modernos europeus e
as sociedades amerndias por meio de anlises comparativas. nesse ponto que ocorre o
contraste entre as duas sociedades sul-americanas pr-coloniais e os tipos ideais de
organizao poltica racional-legal de estado e governo dos europeus modernos. A
nfase das comparaes na presena ou ausncia de posies de comando em cada um
dos modelos observados, existncia ou no de esferas polticas e nos valores
atribudos s situaes reais ou potenciais de guerra.
Na concluso, a tese se encerra com anlises que apontam os alcances e limitaes do
conceito de legitimidade, alm da possibilidade de uso das categorias weberianas para
observar tais sociedades e outras possveis interpretaes sobre relaes de poder e
dominao.
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Os homens no poder querem que suas posies
sejam consideradas legtimase suas vantagens merecidas.
Reinhard Bendix
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CAPTULO 1 CATEGORIAS WEBERIANAS E REFLEXES
SOBRE PODER E LEGITIMIDADE
Esta tese trabalha com quatro objetos de anlise, a serem desenvolvidos ao longo dos
captulos que seguem, nivelados e comparados dentro do mtodo weberiano de tipos
ideais. A categoria de tipo ideal definida por Weber como
Um quadro de pensamento, no da realidade histrica, e muito menos da
realidade autntica; no serve de esquema em que se possa incluir a realidade
maneira de exemplar. Tem, antes, o significado de um conceito-limite,puramente ideal, em relao ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o
contedo emprico de alguns de seus elementos importantes, e com o qual esta
comparada. Tais conceitos so configuraes nas quais construmos relaes,
por meio da utilizao da categoria de possibilidade objetiva que nossa
imaginao, formada e orientada segundo a realidade, julga adequadas
(WEBER, 1999c, p.140).
Desta forma, embora os objetos da tese sejam tanto terico-hiopotticos como os
modelos de estado racional-legal de Hobbes e o modelo de governo racional-legal de
Rousseau, ou interpretaes empricas sobre o Tahuantinsuyu descrito por Susan
Ramrez e a sociedade tupinamb descrita por Florestan Fernandes, podem todos ser
nivelados como tipos ideais, por terem como denominador comum o fato de serem
concepes de mundos sociais possveis.
Assim, os tipos ideais da tese tm como contedo dois modelos tericos e duas
interpretaes de realidades histricas, e alguns de seus aspectos so recortados e
interpretados luz das categorias weberianas com auxlio de outros autores (como
Arendt, Clastres e Lukes, por exemplo). Tais aspectos a serem explorados so
precisamente os tipos de legitimidade em cada um dos objetos, se que existe o
fenmeno da legitimidade em todos eles (tal dvida refere-se em especial sociedade
tupinamb), e a forma como o uso da fora e os meios de violncia so encarados nos
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quatro objetos, de modo que, como tipos ideais, possam eventualmente inspirar estudos
futuros.
A validade acadmica desta comparao que contrasta modelos racionais-legais de
organizao poltica europia e realidades amerndias pr-coloniais pode encontrar
respaldo nas constataes de Gabriel Cohn, que ao refletir sobre a metodologia
comparativa weberiana, afirma:
"Segundo Karl Jaspers, um dos caminhos para achar o possvel a comparao.
Num mbito histrico-universal, Max Weber contidamente relaciona entre si
eventos totalmente diversos. (...) O semelhante o meio para se chegar
captao tanto mais decisiva do especificamente diferente. Em situaes
histricas semelhantes os possveis so semelhantes." (COHN, 1977, p. 128)
Desta forma, a busca do semelhante ou trao comum, nesta tese, est na verificao
da existncia e do tipo de legitimidadee secundariamente no papel da violncia em cada
um dos quatro objetos.
O fato de se comparar a cultura racional-legal de origem europia a culturas diferentes,seguindo os passos de Max Weber pode tambm relativizar o status quoacadmico na
rea de teoria poltica pela observao de contextos geogrficos e histricos de grupos
culturais diversos. Cohn demonstra, neste sentido, a importncia de autores que
trabalham com o passado histrico, pois contribuem para a compreenso do mundo
atual. Portanto, o estudo de modelos de estado racional-legal com pretenses de
homogeneidade interna tpicas de naes pode ser comparado a organizaes polticas
de diferentes culturas. A comparao deste modelo com culturas amerndias pr-coloniais pode, assim, ter pertinncia para estudos weberianos no sentido expresso por
Gabriel Cohn:
"A nao apenas um ponto de partida para a vontade de saber sociolgica de
Max Weber. Trata-se do nosso estado do mundo em geral. Para compreender
isso, necessita-se da histria universal; mas, por outro lado, para se compreender
qualquer evento histrico, preciso mergulhar no presente do prprio mundo de
cada qual" (COHN, 1977, p. 126).
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Assim, antes de entrar em contextos, importante esclarecer as bases conceituais que
servem de ponto de partida para qualquer estudo. Weber define luta,poder, dominao
e disciplina, respectivamente, em uma escala crescente de estabilidade. Em uma relao
de poder, um indivduo pode impor sua vontade mesmo mediante resistncia e
independente da base na qual essa oportunidade se fundamenta (WEBER, 1989,
p.107).
Pode-se observar tambm que a concepo weberiana de luta tangencia, ou
possivelmente antecede, o conceito de poder, se analisados em um eixo crescente de
estabilidade. Por lutaWeber entende a relao social na qual
a ao de um partido12 orientada propositadamente a fim de satisfazer a
vontade prpria, prevalecendo contra a resistncia de outros partidos ou de outro
partido. Se os meios de uma tal luta no consistem na violncia fsica real, ento
o processo de luta pacfica (WEBER, 1989, p. 71).
No caso da dominao, por vez, h a incorporao da dimenso das vontades e crenas
em ambas as partes relacionadas, definidas por um direito de mando e um dever de
obedincia. Trata-se da oportunidade de ter um dado comando obedecido por um grupo
especfico de pessoas (WEBER, 1989, p. 107), o que torna a dominao mais estvel e
previsvel do que a luta e o poder justamente porque ela abarca a dimenso das crenas
e do consentimento em ambos partidos.
Finalmente, se a dominao tem mais fora no vetor de comando, a disciplina mais
forte no vetor da obedincia, e defini-se como a oportunidade de se obter a obedinciaimediata de uma forma previsvel (...) por causa de sua orientao prtica ao comando
(WEBER, 1989, p. 107).
Tais formas de relao social por dominao enquadram-se principalmente na diviso
das sociedades entre um estrato que manda e outro que obedece, ou no que se refere
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Por partido entende-se no apenas partidos polticos em busca do poder do estado moderno, mas atoresengajados de forma ampla, podendo ser designados tambm como atores ou partes.
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esfera poltica, entre governantes e governados. No caso de sociedades onde no h
tanta estratificao ou hierarquia entre pessoas, tais relaes de imposio no
necessariamente procedem, e podem ser observadas com mais clareza por meio das
categorias de luta e poder13.
A dimenso das crenas e a perspectiva weberiana
Segundo Bendix, para Max Weber a vida social caracterizada por trs espaos
subjetivos sobrepostos: autoridade, interesse material e orientao valorativa
(BENDIX, 1977, p. 286). Todos esses espaos fazem parte, em maior ou menor grau, da
dimenso das crenas. Dentre eles, a autoridade a mais especfica de todas, pois existe
apenas quando se estabelece a distino explcita entre superior e inferior (ou seja,
quando se estabelece hierarquia14). Contudo, para Weber a dimenso das crenas mais
fortemente explicitada pelo poder dos lderes, cujas idias influenciam comportamentos
alheios sem imposio
Em sociedades onde no h clara hierarquia entre pessoas, mas sim um reconhecimento
simblico da chefia (se que o termo chefia adequado), ainda assim h interesses
materiais e orientaes valorativas que podem fazer vezes de superioridade, ou seja, um
valor que guia a sociedade pode ser considerado superior a outros valores e a qualquer
pessoa ou membro do grupo (ver DUMONT, 1997).
Uma vez que na dimenso crenas tambm residem a religio e o significado do
parentesco15, em grande parte da literatura a esfera poltica muitas vezes isolada como
parte exclusiva da dimenso material dos poderes coercitivos e econmicos
(CLASTRES, 2003, cap. 1). Na produo acadmica da cincia poltica denominada
13 Ainda assim, por mais que no haja hierarquia entre indivduos e relaes estveis de dominao, aconduo da sociedade norteada por certos valores coletivos que do sentido existencial e decomportamento ao grupo, que sero considerados mais adiante com o auxlio do pensamento de LouisDumont (DUMONT, 1997).
14Ver DUMONT, 1997, p. 68.15
Embora parentesco possa ser considerado um fenmeno privado e no poltico nas sociedadessecularizadas europias, eles so na maioria das vezes os pilares das estruturas de poder no-racionais.
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realista, a esfera poltica em geral associada sua dimenso material, que diz respeito
a escalas populacionais (tamanho da sociedade); escassez ou abundncia de bens
(mbito da economia), tecnologia16; espao fsico de convivncia entre membros das
sociedades (territrio); e principalmente, aos meios de violncia (coero).
Contudo, a dimenso imaterial das crenas espao dos valores onde reside a
legitimidade pode ser considerada igualmente relevante para estudos sobre a esfera
poltica, e associada s questes materiais, capaz de explicar as sociedades de forma
mais abrangente. Embora correntes contra-hegemnicas da teoria poltica
contempornea j apontem para a integrao das duas dimenses h algum tempo17, as
anlises das correntes realistas so ainda bastante presentes, e priorizam a existncia de
estados, questes militares e econmicas, e no fenmenos de crena como fatores
explicativos de fenmenos polticos.
Independente do sentido realista, porm, do ponto de vista poltico, quando a distino
entre governantes e governados existe diz respeito ao monoplio do poder coercitivo,
em geral, de uma minoria numrica conduzindo uma maioria (MAQUIAVEL, 1996;
HOBBES, 1995; BOBBIO, 2001; TURNEY-HIGH, 1971). Este o recorte ao qual a
teoria poltica moderna, e grande parte da teoria poltica contempornea, se atem.
Por no hierarquizar as duas dimenses e por buscar sempre associ-las em sua
metodologia18, destacando a importncia da cultura e dos valores em relao dimenso
16 Na definio de Franz Boas, os elementos que compem a cultura so a lngua, as tecnologias e ascrenas (BOAS, 1966), sendo as tecnologias como parte do saber transmitido e portanto, tambm
imateriais. Nessa linha de raciocnio, tais elementos manifestam-se tanto na dimenso material quanto nadimenso imaterial, no momento em que so transmitidos de gerao em gerao e elo contato comoutros grupos. Na tese, cultura concebida como a unio destes trs elementos, entendidos como crenase prticas sedimentadas na histria, na identidade de pertencimento a determinado grupo, e nas regras deconduta formais e informais.
17 GRAMSCI, 1999; BOURDIEU, 1998; GUTMAN, 1992; PHILLIPS, 1995; LACLAU, 1986;MOUFFE, 2005.
18Enquanto Marx observaria a interao entre as duas dimenses dialeticamente, concebendo como tese adimenso material e como anttese a dimenso imaterial, e obtendo por resultado da interao dessas duasforas a sntese da realidade social (MARX, 1983), Weber diria que tanto a dimenso material quanto aimaterial interagem como elementos necessrios para explicar a realidade, sem orden-los de forma
linear, dialtica ou hierrquica. Weber inspira-se nas aporias kantianas de opostos inconciliveis, mas astranscende no momento em que aponta para a limitao do mundo racional para compreender a realidade(COHN, 1979, Parte I, cap. 1 e cap. 5; Parte II, cap. 2).
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material, Weber utilizado como referncia terico-metodolgica central para anlise
dos autores que pensam a vida poltica dos amerndios sul-americanos.
Quando no h diviso institucionalizada entre governantes e governados, os membros
do grupo social esto politicamente distribudos de forma mais igualitria, embora isso
em geral s seja admitido em unidades de identidade coletiva de menor porte e menos
populosas (ROUSSEAU, 2003b; CLASTRES, 2003, FAUSTO, 1992). O foco da tese
est precisamente em observar se h pertinncia do uso do conceito de legitimidade
nesses casos.
Nesses modelos nos quais no existem divises institucionalizadas entre governantes e
governados, tanto em casos abstratos como o contrato social proposto por Rousseau
(ROUSSEAU, 2003b), quanto em sociedades concretas como grupos e culturas tribais
amerndias no estilo dos tupinambs, existam certos papis sociais de destaque do ponto
de vista simblico, como a chefia e o xamanismo (FERNANDES, 1970;
FAUSTO,1992,2005; CLASTRES, 2003; CARNEIRO DA CUNHA, 1986), ou o
legislador rousseauniano (ROUSSEAU, 2003b, Cap. 7).
Contudo, mesmo sem poder coercitivo ou econmico, a existncia de tais figuras pode
corresponder a uma posio de autoridade? Diferente das sociedades com estado, nessas
sociedades no h desigualdade interna to marcante nem do ponto de vista econmico,
nem do ponto de vista poltico, e tampouco do ponto de vista militar, mas h distines
simblicas que podem ou no ser concebidas como figuras de autoridade.
Estudos sobre tais formas mais igualitrias de organizao poltica, portanto, se atm
basicamente a duas questes: 1) nmero reduzido de membros do grupo social no nvelde pequenas cidades-estados (ROUSSEAU, 2003b, Cap. 1), ou no nvel tribal
(CLASTRES, 2003, Entrevista); e 2) reconhecimento da relevncia da dimenso
imaterial das crenas na esfera poltica, que parecem mais auto-suficientes do que nas
sociedades nas quais as crenas no existem por si mesmas no mbito poltico, mas sim
para justificar a existncia de monoplio do poder coercitivo.
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Valor, Ao Social e Tipos Puros de Dominao Legtima
As categorias weberianas utilizadas como referncias na tese so os quatro tipos ideais
de ao social (racional segundo valores, racional segundo fins, afetiva e por costume),
e principalmente os trs tipos puros de dominao legtima (tradicional, racional-legal e
carismtica). Metodologicamente, os objetos analisados so tipos ideais tericos de
estado racional-legal, e o uso da categoria individualidade histrica para designar as
interpretaes das duas sociedades amerndias em questo.
Segundo Weber, os valores19que motivam indivduos a seguirem determinada pessoa
ou influncia podem produzir dominaes legtimas predominantemente tradicionais,
respaldadas por aes sociais segundo costumes; racionais-legais, vinculadas a aes
sociais racionais segundo valores, ou segundo fins e interesses especficos; ou
dominaes carismticas, motivadas por aes sociais de motivao afetiva e pessoal
(WEBER, 1999, cap. III; BENDIX, 1985, cap. XI).
Weber define costume como atividades habituais em que os homens persistem por
imitao irrefletida (BENDIX, 1986, p. 230) e tradiocomo vigncia do que sempre
assim foi (WEBER, 1999, vol. 1, p. 22). Em outras palavras, tradio20 um postulado
invarivel que inspira aes repetitivas, e costumes so aes que em geral no variam
conjunturalmente.
19Valores, embora imateriais, so relaes sociais objetivas e empiricamente verificveis. Politicamente,
tais relaes sociais se apresentam, em geral, como formas de organizao de coletividades, que podemser observadas por meio de processos histrico-sociolgicos (onde possvel verificar a trajetria dasdisputas e consensos de idias e interesses) ou por meio de momentos chave que fundam determinadasinstituies de organizao das sociedades.
20De forma mais especfica, ao falar das tradies do Reino Unido, Hobsbawm afirma que tradies, queparecem ou se afirmam como bastante antigas, na verdade so muitas vezes recentes, e em alguns casos,inventadas. Segundo ele, tradies inventadas so um conjunto de prticas, normalmente inspiradas porregras aceitas explcita ou tacitamente, de natureza ritual ou simblica, que objetivam inculcar certosvalores e normas de comportamento por repetio, que automaticamente implicam continuao com opassado (HOBSBAWM, 1988, p. 1, traduo prpria). Deve-se distinguir tradio (...) do costumeque domina as chamadas sociedades tradicionais. O objeto e a caracterstica definidora da tradio,incluindo as inventadas, a invariabilidade. (...) Costumes no podem ser invariveis (...), demonstram
uma combinao de flexibilidade substancial e adeso formal a precedentes (HOBSBAWM, 1988, p. 2,traduo prpria).
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Por outro lado, ao definir carisma, Weber afirma que trata-se de
uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (na origem, magicamente
condicionada, no caso tanto dos profetas quanto dos sbios curandeiros ou
jurdicos, chefes de caadores e heris de guerra) e em virtude da qual seatribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos, ou
pelo menos, extra-cotidianos especficos, ou ento, se a toma como enviada por
Deus, como exemplar, e portanto, como lder (WEBER, 1999, vol. 1, pp. 158-
159, nfase prpria).
Contudo, ao falar de liderana, Weber acreditava que a existncia de seguidores se dava
pela crena na existncia de uma ordem moral que lhes impe deveres (BENDIX,
1986, p. 230), revelada pelo lder. Pode-se inferir que o lder, apesar do poder pessoal,
tambm veculo da afirmao de algum valor socialmente partilhado e relevante para
o grupo, que adere pela afeio ou pela racionalidade segundo valores.
Para esta tese, portanto, importante destacar a diferena entre a relao que une os
tipos de liderana e as constelaes de interesses, e as relaes que unem a autoridade
aos tipos de dominao (BENDIX, 1986, p. 230), pois os quatro objetos analisados
podem encaixar-se em um par de relaes sociais (liderana-constelaes de interesses)
ou em outro (autoridade/dominao), e principalmente, deve-se verificar se o conceito
de legitimidade permeia todos esses quatro objetos (estado em Hobbes, governo civil
em Rousseau, Tahuantinsuyu e sociedade tupinamb) e categorias (liderana,
constelao de interesses, autoridade e dominao21) ou no.
A dominao racional-legal, por vez, que essencialmente caracteriza o estado nacional
laico moderno e as propostas de governo baseadas na racionalidade, est associada aaes sociais racionais segundo finsverificveis no liberalismo econmico, e tambm a
aes sociais racionais segundo valores (WEBER, 1999a, p. 15), verificveis do
liberalismo poltico (ambos tpicos desta determinada individualidade histrica). O
liberalismo poltico como valor baseado em liberdade e igualdade, dependendo da
interpretao, pode incluir teorias de governo radicalmente democrticas como a de
21Explicitamente a legitimidade est ligada ao par conceitual autoridade-dominao, mas indaga-se se o
conceito de legitimidade tem alcance ou flexibilidade suficiente para adequar-se tambm relaoliderana-constelao de interesses.
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Rousseau, como postula Jos Guilherme Merquior (MERQUIOR, 1990, Primeira
Parte), desde que a desigualdade material no seja fonte de conflito.
Por ao social racional segundo fins entende-se as expectativas quanto ao
comportamento de objetos do mundo exterior e de outras pessoas, utilizando essas
expectativas como condies ou meios para alcanar fins prprios, ponderados e
perseguidos racionalmente, como sucesso (WEBER, 1999a, p. 15). E por ao social
segundo valores entende-se crena consciente no valor tico, esttico, religioso ou
qualquer que seja sua interpretao absoluto e inerente a determinado comportamento
como tal, independentemente do resultado (WEBER, 1999a, p. 15).
O fato de existirem formatos polticos no caracterizados pela racionalidade, e sim com
forte contedo espiritual, no significa, porm, que aes sociais racionais segundo fins
ou valores no estejam presentes. No caso dos amerndios, pode-se observar, dentro das
tipologias weberianas, os dois tipos de ao social racional, ainda que os meios para se
chegar a determinados resultados sejam ligados a crenas de fundo religioso.
Alm disso, as aes racionais segundo fins e segundo valores, nos casos amerndios,
podem permear tambm um tipo de dominao legtima tradicional (obedincia por
costume arraigado WEBER, 1999a, p. 15) pela fora dos laos de parentesco, e
tambm, em maior ou menor grau, a dominao legtima carismtica22 e neste caso,
principalmente no que se refere aos dois diferentes tipos de chefia com e sem poder
coercitivo.
Sinteticamente, Weber concebe os tipos puros de dominao legtima da seguinte
forma:
Dominao racional-legal
Baseada estritamente em estatutos e na cultura escrita, sua idia bsica [que]
qualquer direito pode ser criado e modificado mediante um estatuto sancionado
22 Definida como reconhecimento por parte dos dominados de um lder por seus dons e qualidades
extracotidianos e/ou mgicos, em virtude de capacidade de revelao e entrega venerao de heris ouconfiana em lderes (WEBER, 1999a, pp. 158-159).
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corretamente quanto forma. A associao dominante eleita ou nomeada, e ela
prpria e todas as suas partes so empresas23. (...) O quadro administrativo consiste de
funcionrios (...) e os subordinados so membros da associao (cidados24,
camaradas). Obedece-se no pessoa em virtude de seu direito prprio, mas regra
estatuda, que estabelece ao mesmo tempo a quem e em que medida se deve obedecer.
Tambm quem ordena obedece, ao emitir uma ordem, a uma regra: lei ou
regulamento de uma norma formalmente abstrata. (...) A burocracia constitui o tipo
tecnicamente mais puro da dominao legal (WEBER, 2006, pp. 129-130, destaques
em itlico no original).
Dominao Tradicional
Crena na santidade das ordenaes e dos poderes senhoriais que existem desde
tempos imemoriais e no reconhecimento de um estatuto vlido desde sempre
(WEBER, 2006, p. 131). Seu tipo mais puro o da dominao patriarcal, mas pode a
dominao tradicional pode repousar tambm em uma estrutura estamental, onde os
servidores no so pessoalmente do senhor, e sim pessoas independentes, de posio
prpria que lhes angaria proeminncia social25 (WEBER, 2006, p. 132).
Neste tipo de dominao, a associao dominante de carter comunitrio. O tipo
daquele que ordena senhor e os que obedecem so sditos, enquanto o quadro
administrativo formado por servidores (dependentes pessoais do senhor, familiares
ou funcionrios domsticos, ou parentes, ou amigos pessoais favoritos ou de pessoas
que lhe estejam ligadas por um vnculo de fidelidade vassalos, prncipes, tributrios).
Obedece-se pessoa em funo da sua dignidade prpria, santificada pela tradio: [ou
seja] por fidelidade. O contedo das ordens est fixado pela tradio, cuja violao
23Nesse ponto, nota-se implicitamente a associao deste tipo de dominao com a idia de propriedadeprivada.
24 Os membros com status de cidados so a principal fonte de legitimidade tanto no pensamento deHobbes quanto de Rousseau
25Este seria, tpica-idealmente, o caso da relao da famlia real inca com os caciques aliados no incio doTahuantinsuyu, e pode-se inferir que o projeto dos Sapa Incasera eventualmente transformar a realidade
tradicional-estamental da regio andina em uma estrutura tradicional patriarcal, como ser desenvolvidonos captulos 3 e 4 desta tese.
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desconsiderada por parte do senhor poria em perigo a legitimidade do seu prprio
domnio, que repousa exclusivamente na santidade delas (WEBER, 2006, p. 131).
Dominao carismtica
Existe em virtude de devoo afetiva pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais
(carisma) e, particularmente: a faculdades mgicas, revelaes ou herosmo, poder
intelectual ou de oratria (WEBER, 1999c, p. 134). Ou seja, d-se por uma motivao
que ultrapassa o reconhecimento e at mesmo a admirao, muitas vezes manifestando-
se em devoo.
Weber descreve a dominao carismtica em um sentido que torna a magia um possvel
oposto da sobrevivncia cotidiana econmica, no sentido de que a satisfao de todas
as necessidades que transcendemas exigncias da vida econmica cotidiana tem, em
princpio, fundamentos totalmente heterogneos [ou seja] carismticos. Isto significa
[que] os lderesnaturais, em situaes de dificuldadespsquicas, fsicas, econmicas,
ticas, religiosas e polticas no eram pessoas que ocupavam um cargo pblico, nem que
exerciam determinada profisso especializada e remunerada, no sentido atual da
palavra, mas portadores de dons fsicos e espirituais especficos, considerados
sobrenaturais (no sentido de no serem acessveis a todo mundo) (WEBER, 1999b, p.
323).
Assim, o sempre novo, o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que
provocam constituem aqui a fonte de devoo pessoal. Seus tipos mais puros so a
dominao do profeta, do heri guerreiro e do grande demagogo. Associao dominante
de carter comunitrio, na comunidade ou no squito. O tipo que manda o lder. Otipo que obedece o apstolo. Obedece-se exclusivamente pessoa do lder por suas
qualidades excepcionais e no em virtude de sua posio estatuda ou de sua dignidade
tradicional; e portanto, tambm somente enquanto essas qualidades lhe so atribudas,
ou seja, enquanto seu carisma subsiste(WEBER, 1999c, p. 135). Weber atribui
dominao carismtica uma natureza eminentemente irracional (WEBER, 1999c, p.
135), e afirma que a autoridade carismtica baseia-se na crena no profeta ou no
reconhecimento que encontram pessoalmente o heri guerreiro, o heri da rua ou odemagogo (WEBER, 1999c, p. 136).
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Ao descrever esses trs tipos puros de dominao legtima e afirmar que em geral as
realidades polticas repousam sobre bases mistas, sendo que a crena na legitimidade
formal define a dominao racional-legal, o hbito define a dominao tradicional e
o prestgio define o carisma (WEBER 1999c, p. 137).
Assim, os conceitos de dominao tradicional e dominao carismtica podem ser
ferramentas utilizadas para caracterizar aspectos polticos das sociedades amerndias
inca e tupinamb (em especial no que se refere medida em que elas so ou no
agregadas por relaes de poder e/ou autoridade), e por mais que os dois modelos
amerndios pr-coloniais no contemplem a dominao racional-legal, no
necessariamente excluem a lgica dos tipos racionais de ao social (segundo fins e
segundo valores). Analisadas luz do pensamento de Ramrez e Fernandes, elas so
contrastadas dominao racional-legal e posteriormente ao monoplio legtimo dos
meios de violncia de origem tipicamente europia.
No que se refere dimenso poltica, o conceito de legitimidade mais amplo que o de
dominao no pensamento weberiano. A dominao, por designar submisso voluntria,
depende de legitimidade para ser estvel e perdurar no tempo. A legitimidade, contudo,
diz respeito s justificativas de determinada ordem social, e pode existir em sociedades
que no aceitam ou no conhecem estruturas de hierarquia entre indivduos, mas que
possuem valores primordiais que devem ser seguidos por todos, e so esses valores,
independente de seus contedos, que determinam a legitimidade do tipo de organizao
social.
Legitimidade como conceito e critrio
O conceito de legitimidade deve sua existncia necessidade de se justificar relaes
sociais de mando e obedincia entre seres humanos, ou de hierarquia de valores que
regem uma sociedade. Est, portanto, ligado a uma idia de justificativa de determinada
ordem social. Alm disso, pode servir como critrio para se avaliar situaes de poder
social com submisso voluntria, ou seja, a legitimidade tambm pode servir para
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qualificar relaes de dominao (no sentido weberiano, por adjetivos como dominao
carismtica, tradicionalou racional-legal).
Se a legitimidade o que justifica organizaes sociais, em geral, invocada em
situaes de conflito como valor que reafirma relaes de poder. A legitimidade , latu
sensu, uma forma de reconhecimento de algum valor, e strictu sensu, de algum valor de
superioridade, representado na forma de governantes ou no.
A legitimidade sempre alguma forma de reconhecimento, do reconhecimento de
algum valor, expresso ou no em uma pessoa ou em um grupo de pessoas. Segundo
Merquior, na antiguidade clssica europia a idia de legitimidade em geral tinha
conotao de legalidade, daquilo que est de acordo com alguma lei ou documento26,
embora exista o relato de Xenofonte (Memorabilia, IV, 4) no qual Scrates afirma que o
que era legal era tambm justo (MERQUIOR, 1990, p. 2). Segundo Merquior,
o conceito de legitimidade se aproxima decisivamente da experincia do poder.
Na verdade, a emergncia da legitimidade como questo poltica foi ocasionada
pelo colapso do regime de governo direto no mundo antigo, podendo ser
atribuda, em grande parte, substituio da democracia direta da gora e do
governo pessoal dos tiranos locais pela autoridade imperial. Assim, o uso
medieval do termo legtimo para designar os detentores do poder reflete uma
longa familiaridade com o poder de representao dos imperadores e dos papas.
A necessidade prtica de justificar tais delegaes d autoridade naturalmente
estimulou a anlise terica da validade do poder, ou da legitimidade
(MERQUIOR, 1990. p. 2).
J na Idade Mdia, legitimidade significa aquilo que est de acordo com os costumes,
independente do que est postulado na letra da lei, mas principalmente,
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Como por exemplo, o reconhecimento de inimigos oficiais (que, diferentes de saqueadores e piratas,assinavam tratados).
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o direito e a filosofia medievais constituram a noo da legitimidade como qualidade
do direito ao governo. Tambm introduziram a idia de que o consentimento um
elemento integrante do poder legtimo (MERQUIOR, 1990, p. 3).
Alm disso, a legitimidade como conceito especificamente poltico primeiramente
formulado, segundo Merquior, por Guilherme de Occam na primeira metade do sculo
XIV, que definia legitimidade como um fenmeno governamental baseado no
consentimento (ou seja, o velho argumento medieval (...) no qual aquilo que atinge a
todos deve ser aprovado por todos- MERQUIOR, 1990, p. 3), e com o advento do
estado moderno constitucional, a legitimidade por consentimento coletivo passa a ser o
substrato do discurso que justifica a representao racional-legal dos estados modernos,
sempre associados idia de autoridade legtima (MERQUIOR, 1990, p. 3).
Esse tipo de legitimidade poltica, moderna e europia, no mais reconhece mais apenas
o sangue como fonte de pertencimento sociedade, abrindo lugar principalmente para a
adeso racional voluntria da coletividade sob comando de governantes27.
Contemporaneamente, Cromatie argumenta que legitimidade o fenmeno que ilustra
como todos os governos respaldam-se, pelo menos em parte, na cooperao dos
governados (...) e invariavelmente precisam lidar com um aparato c
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