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Tiragem: 33028
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
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Corte: 1 de 9ID: 64449881 15-05-2016
Apanha ilegal de toneladas de
Centenas de pessoas retiram diariamente do estuário do Tejo cerca de 15 toneladas de amêijoa ilegal. Muita espalha-se pelo mercado nacional. Bivalves que podem estar contaminados com toxinas e metais pesados. Um estudo científi co, autarcas e autoridades alertam para uma grave ameaça para a saúde pública que o consumo desta amêijoa pode signifi car. No estuário mistura-se um mundo de miséria e um negócio pirata que vale milhões de euros
Luciano Alvarez TextoEnric Vives-Rubio Fotos
amêijoa no Tejo ameaça saúde pública
Todos os dias, quando a maré bai-
xa, centenas de pessoas entram Tejo
adentro entre a Trafaria e Alcochete.
Munidos de sachos, ancinhos, facas
de mariscar ou mesmo enxadas, fa-
mílias inteiras, homens, mulheres e
crianças, andam quilómetros para
escavar o lodo. Buscam todo o gé-
nero de bivalves, mas especialmente
amêijoa-japonesa. Para muitos, esta
actividade ilegal é o único sustento.
Mas há também um circuito orga-
nizado de intermediários que com-
pram a amêijoa a estes mariscadores
a preços irrisórios para a levar para o
mercado espanhol, onde a procura é
grande, ou para a passar para o mer-
cado nacional. Tudo de forma ilegal.
Muitos destes bivalves que che-
gam ao prato dos portugueses não
passam por qualquer análise, trata-
mento ou depuração e podem estar
Tiragem: 33028
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
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cadores, cerca de 1500 ilegais, que
retiram do estuário a maioria dos 19
mil quilos de amêijoa-japonesa por
dia (dez mil pelos aparelhos de arras-
to) num negócio na sua larga parte
pirata que, em 2014, terá envolvido
uma verba estimada entre os 10 e os
23 milhões de euros.
Se se tiver em conta que os 182
apanhadores legais licenciados em
2014 registaram em lota nesse ano
um valor de cerca 1,6 toneladas por
dia e as apreensões feitas pela GNR
nos primeiros quatro meses deste
ano (58 toneladas a nível nacional),
percebe-se melhor a dimensão desta
actividade completamente desregu-
lada.
Autarcas da região do estuário
ouvidos pelo PÚBLICO falam de um
“problema gravíssimo”, “assusta-
dor”, “dramático” e com “graves
consequências para a saúde públi-
ca e ambiente”. Dizem-se de “mãos
atadas” por não terem poderes pa-
ra a resolução do caso e já apelaram
bastam”. O ministério aponta para a
necessidade de “um plano de gestão
integrado” que o Governo irá “de-
senvolver com as autarquias e outros
parceiros locais para criar condições
para a regulamentação da apanha no
estuário do Tejo”.
O impacto de um estudoO estudo, intitulado “Amêijoa-japo-
nesa, uma nova realidade no rio Te-
jo, reestruturação da pesca e pres-
são social versus impacto ambien-
tal”, juntou os investigadores João
Ramajal (do Centro em Rede de In-
vestigação em Antropologia, CRIA,
da Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa e do Centro de Ciências
do Mar e do Ambiente, MARE, da
Faculdade de Ciências da Univer-
sidade de Lisboa), David Piccard
(também do CRIA), José Lino Costa
(MARE e Instituto Português do Mar
e da Atmosfera, IPMA), Frederico B.
Carvalho (MARE), Miguel B. Gaspar
(IPMA e Centro de Ciências do Mar,
da Universidade do Algarve) e Pau-
la Chaínho (MARE).
O trabalho teve como objectivo a
“caracterização da pesca de amêi-
joa-japonesa e a caracterização do
circuito comercial dos exemplares
capturados no estuário do Tejo,
providenciando o conhecimen-
to científi co essencial para apoiar
uma proposta de regulamentação
de pesca sustentável às entidades
públicas”. O quadro que este estu-
do traça é negro: começa logo por
revelar que, embora não exista um
regulamento específi co para a pesca
de R. philippinarum (nome científi co
para amêijoa-japonesa) em Portugal,
“a pesca deste bivalve no estuário do
Tejo é enquadrada através da publi-
cação da Portaria 1228/2010, de 6 de
Dezembro, onde aparece elencada
com a designação genérica de Rudita-
pes spp., na lista de espécies animais
marinhas que podem ser objecto de
apanha”. “Apesar deste en-
contaminados com toxinas e até me-
tais pesados, levantando um grave
problema de saúde pública. Existem
também impactos ambientais nega-
tivos, causados especialmente pela
captura com uma técnica de arrasto:
ganchorras atreladas a barcos (apa-
relhos com uma espécie de lâminas
que rasgam o fundo do rio), por mer-
gulho, ou uso de berbigoeiros, uma
arte que revolve o solo do Tejo de
forma manual.
Desde o dia 3 deste mês que a
apanha de bivalves está proibida no
estuário do Tejo “devido à presença
de fi toplâncton produtor de toxinas
marinhas ou de níveis de toxinas ou
de contaminação microbiológica aci-
ma dos valores regulamentares”, in-
forma o Instituto Português do Mar
e da Atmosfera (IPMA).
Um estudo científi co que reuniu
departamentos de investigação de
várias universidades, realizado entre
Janeiro e Dezembro do ano passado,
revela existirem mais de 1700 maris-
a diversos ministérios, mostrando
estar “totalmente disponíveis para
colaborar”. “É um problema que to-
da a gente conhece, mas que poucos
querem resolver”, diz Luís Miguel
Franco, presidente da Câmara de
Alcochete.
O PÚBLICO contactou o Ministério
do Mar para saber que medidas tinha
em curso para combater esta activi-
dade ilegal. A resposta veio através
de um comunicado. “Os diferentes
contornos do problema e a nature-
za inorgânica dos apanhadores, que
agem a título individual, sem qual-
quer estrutura ou organização de
enquadramento, exigem que a res-
posta a dar ao problema seja pensada
de forma integrada”, lê-se no texto.
O comunicado acrescenta que o IP-
MA “continuará o seu programa de
acompanhamento e monitorização
da qualidade das águas e as autorida-
des fi scalizadoras mantêm a pressão
no combate às ilegalidades”, mas re-
conhece que “estes dois factores não c
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País: Portugal
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Âmbito: Informação Geral
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16 | PÚBLICO, DOM 15 MAI 2016
LISBOA
Loures
Vila Francade Xira
Ponte25 Abril
PonteVasco da Gama
Parque dasNações
1111431
12
5
105
60
0 10 20 30 40 50 60 70
Área de apanha para as várias artes de pesca de amêijoa-japonesa
Apeados Berbigoeiro apeado Berbigoeiro com vara
Apneia
Arrasto com ganchorraem embarcação
Mergulho
0 a 3 metrosprofundidade
3 a 18 metrosprofundidade
Foram detectadas seis artes de apanha da amêijoa-japonesa, os apanhadores designados como “apeados” foram identificados nas zonas intertidais, todos as outras artes são realizadas em zonas subtidais, umas com pouca profundidade, outras com mais, como é o caso do mergulho.
Apanha da amêijoa-japonesa no estuário do Tejo
Total de apanhadores por tipo de apanha
Apanhadores por género, em %
Fonte: Estudo Amêijoa-Japonesa, uma nova realidade no rio Tejo. Restruturação da pesca e pressão social versus impacto ambiental Cátia Mendonça
1
1 2 3 4 5 6
2 3
4
6
5
Apanhadores por faixaetária, em %
Técnicas de apanha
Cala do Norte
Moita
Barreiro
Alcochete
Baía do Seixal
TrafariaAlmada
Montijo
Estuáriodo Tejo
Estimativa das quantidades e dos preços totais de apanha por técnica de pesca em 2015
Para onde vai a amêijoa?
das capturas são expedidas para Espanha, podendo representar 9000 toneladas por ano sem controlo
Este molusco bivalve vive enterrado a cerca de 4 cm da superfície em sedimentos arenosos e vasosos das zonas intertidais e subtidais
Distribuição e rendimento médio da pesca de amêijoa-japonesa no estuário do rio Tejo em Maio de 2015, gramas/30 seg. arrasto
Kg/maré
Preço/kg
90%
Quantidades totais por ano*, em kg Valores por ano*, em euros
/embarcação/dia
Quantidade/esforço total anual de captura, kg/ano
17.271.102
3.393.434
Máximo
Mínimo*Estimativa**Acções da apanha
Amêijoa-japonesa Ruditapes philippinarum
836.637
1.069.809
31.864
12.702
1.412.512
2.990.010
1.673.275
1.783.015
63.728
25.404
1.765.640
11.960.040
1.606.344
2.139.618
75.836
32.264
3.587.780
2.990.010
3.212.688
3.566.030
151.673
64.526
4.484.726
11.960.040
Esforço mínimo** Máximo Esforço mínimo** Máximo
Apeados Berbigoeiroapeado
Berbigoeirocom vara
Apneia Mergulho Arrasto com ganchorra
1,92€ 2,00€ 2,38€ 2,54€ 2,54€ 1,00€
5-10 15-25 20-40 20-40 80-100 300-1200
Apeados
Berbigoeiroapeado
Berbigoeirocom vara
Apneia
Arrasto comganchorra
Mergulho
Espécie não ocorreu na estação
≥1 e <99 g
≥100 e <1000 g
≥1000 e <2500 g
≥2500 e <5000 g
≥5000 g
Apeados
Berbigoeiro ap.
Vara
Apneia
Ganchorra
Mergulho
Apeados
Berbigoeiro ap.
Vara
Apneia
Ganchorra
Mergulho
MasculinoFeminino
Indiferenciado
20-30 30-40 40-50 50-60 >60
Indeterminado
Berbigoeiroapeado
Apeados Berbigoeirocom vara
Apneia Arrasto comganchorra
Mergulho
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País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
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quadramento legal específi co para
o estuário do Tejo, todo o circuito co-
mercial, desde a apanha, depuração,
até ao consumidor fi nal tem sido alvo
de uma gestão defi citária, quer pela
dimensão da actividade, em expan-
são, que envolve um número cada
vez maior de pessoas, na sua maioria
ilegais, quer aos meios limitados das
autoridades públicas competentes na
fi scalização”, acrescenta.
Com base em diversas metodolo-
gias aplicadas no terreno, os investi-
gadores chegaram a uma estimativa
de um total de 1724 apanhadores de
amêijoa-japonesa no estuário do
rio Tejo, “sendo a grande maioria
apanhadores apeados com apanha
manual, com sacho, ancinho, faca
de mariscar ou enxada (1111 apanha-
dores) e com berbigoeiro (431)”. As
artes com menor representatividade
“são o mergulho em apneia e com
berbigoeiro com vara, perfazendo
cerca de 1% da média de apanhado-
res diários no estuário do rio Tejo”.
Os investigadores concluem ain-
da que a maioria dos apanhadores
“exerce a sua actividade durante
todo o ano e em todos os tipos de
maré (47%)”. No entanto, uma boa
proporção efectua a apanha apenas
quando a maré está baixa (42%), em
particular os apanhadores que estão
mais dependentes da área disponí-
vel que surge quando a maré baixa,
como é o caso dos apeados e com
berbigoeiro.
Relativamente ao esforço sema-
nal, a maioria dos inquiridos indi-
cou que “exerce esta actividade 6
dias por semana (33%), havendo
também uma elevada proporção
de apanhadores que o fazem todos
os dias da semana (22%) e 5 dias por
semana (21%).
Os resultados do estudo apon-
tam para um esforço de pesca (idas
à apanha) anual “maior para os apa-
nhadores apeados (167.327 unidades
de esforço/ano)”. “No entanto, o in-
tervalo de rendimento (5-10 quilos/
dia) desses apanhadores é inferior
ao das restantes artes, pelo que as
capturas diárias são dominadas pe-
los apanhadores por arrasto com
ganchorra, cujo rendimento diário
varia entre os 300 e os 1200 kg.”
A disparidade destes e de outros
valores apresentados no estudo fi -
cam a dever-se ao facto de os apa-
nhadores retirarem quantidades
muito variáveis de amêijoa do rio,
além das variações de apanha nos
diversos meses do ano.
Os investigadores estimaram um
número aproximado de 35 interme-
diários (centros de depuração e ex-
pedição e compradores com locais
de armazenamento) “a distribuir 5
toneladas/semana/ cada para Espa-
nha, perfazendo um total estimado
em cerca de 9400 toneladas no ano
de 2014”.
A lei em vigor estabelece um má-
ximo de 80 quilos por dia por apa-
nhador legal no estuário do Tejo.
Em 2014, foram emitidas 182 licen-
ças, o que pode perfazer um total de
Após apanhar a amêijoa no Samouco, a GNR regressou a Lisboa para a devolver ao rio no Poço do Bispo
14,7 toneladas por dia como limite
máximo de capturas legais. Os regis-
tos das descargas em lota em 2014,
cedidos pela Direcção-Geral dos Re-
cursos Naturais aos investigadores,
apontam para um valor aproximado
de 1,6 toneladas por dia. “Estes dados
agregam os registos nas capitanias de
Cascais, Lisboa e Setúbal e Sesimbra,
tendo em conta que os apanhadores
podem registar as suas capturas nas
capitais imediatamente a montante e
jusante daquela onde está registada a
sua licença. Tendo em conta o inter-
valo de esforço anual estimado, que
varia de 4000 a 17.000 toneladas,
grande parte das capturas não são
registadas em lota e entram ilegal-
mente no circuito comercial nacio-
nal. Foram identifi cadas diferentes
vias de canalização da amêijoa-japo-
nesa até ao consumidor fi nal, fora do
circuito legal. Foi observada a venda
directa efectuada por apanhadores a
mercados, restaurantes e cafés. Não
foi possível quantifi car este volume
devido ao elevado número transac-
ções efectuadas a este nível”, revela
o estudo.
9 mil toneladas sem controloOutra forma ilegal de comerciali-
zação identifi cada, acrescentam os
investigadores, “foi o transporte de
amêijoa-japonesa por apanhadores
em viaturas próprias e de lotes de
amêijoa com rótulos falsos, sendo
difícil obter informação junto dos in-
tervenientes, sempre reticentes em
revelar detalhes”. Também a GNR já
detectou a falsa rotulagem, tendo
instaurado dois processos-crime a
dois intermediários.
Os autores do estudo apuraram
ainda que a amêijoa-japonesa é ven-
dida pelos mariscadores aos interme-
diários “entre os 8 cêntimos e 4 euros
por quilo” e “chega ao consumidor a
preços que podem variar entre os 8
e os 12 euros/quilo”. Autarcas e mili-
tares da GNR dizem que em alturas
de maior procura, como no Verão
ou fi ns-de-semana, o preço mais alto
pode chegar aos 5 euros/quilo.
“Verifi cou-se que 90% das capturas
de amêijoa-japonesa são expedidas
para Espanha, podendo representar
9000 toneladas/ano, sem controlo
por parte das autoridades, estando
as mais-valias deste recurso a ser
deslocalizadas para o país vizinho”,
salientam.
Segundo o estudo, os impactos
ambientais “são diferenciados en-
tre as diferentes artes de apanha de
bivalves e devem-se maioritariamen-
te ao revolvimento dos sedimentos
em zonas estuarinas”. A apanha re-
alizada pelos apanhadores apeados
“aparenta ser a menos lesiva sobre
o ecossistema (...) uma vez que a
sua intervenção restringe-se as áre-
as intertidais e o tempo de trabalho
é limitado ao período e amplitude
das marés”. Continua o estudo: “A
ganchorra rebocada por embarcação
é mais lesiva para o ecossistema por
intervencionar uma maior profundi-
dade do sedimento, devido à maior
dimensão dos dentes, à extensão
da área da actuação e tempo médio
de operação superior desta arte no
estuário.” Esta arte de apanha tem
ainda “consequências ao nível ben-
tónico [comunidade de organismos
que vive no substrato de ambientes
aquáticos], seja pela alteração da sua
biologia, suspensão de nutrientes e
consequente alterações na composi-
ção química e biologia na estabilida-
de do sedimento”.
Perigo para a saúdeEm termos de recomendações, os
investigadores dizem ser “necessá-
rio um plano estratégico de apoio à
gestão da apanha desta espécie no
estuário do Tejo, evitando uma po-
tencial exploração excessiva e conse-
quentemente a sua exaustão, como
verifi cados noutros ecossistemas” e
“de uma urgente regularização de
toda a cadeia-de-valor, visando adap-
tar o esforço de pesca ao estado de
conservação dos bancos de amêijoa-
japonesa”.
“O circuito comercial é defi ciente
e inefi ciente face a grande expansão
desta espécie no estuário do Tejo e
requer a colaboração e participação
de todos os intervenientes para a re-
gulamentação desta actividade eco-
nómica face a uma nova realidade”,
recomendam no documento que foi
entregue no fi nal do ano passado à
Direcção-Geral de Recursos Naturais,
Segurança e serviços Marítimos tute-
lada pelo Ministério do Ambiente.
Os problemas graves para a saúde
pública, abundantemente referidos
no estudo, é o que mais preocupa as
diversas entidades ouvidas pelo PÚ-
BLICO. Segundo explicou Paula Cha-
ínho, bióloga do MARE, o estuário
do Tejo está, em termos de salubri-
dade, classifi cado como área de ní-
vel C. Esta classifi cação signifi ca que
para estes bivalves serem vendidos e
consumidos teriam de ser colocados
em depuração prolongada em meio
natural, numa zona de nível A, onde
os bivalves podem ser apanhados e
consumidos. Acontece que em Por-
tugal não está defi nida em termos de
regulamentação nenhuma área de
transposição para essa depuração
prolongada, não podendo assim le-
var a cabo esse processo.
A amêijoa-japonesa apreendida
pela GNR é assim lançada ao estuário
do Tejo, podendo acabar por voltar
às mãos dos apanhadores ilegais.
Paula Chaínho não tem dúvidas
de “que o consumo desta amêijoa só
poderia ser feito após um processa-
mento industrial”, ou seja, cozida.
Consumida sem tratamento, acres-
centa, “pode constituir um grave
problema para a saúde pública”,
podendo causar doenças como in-
toxicação diarreica.
A bióloga aconselha que os portu-
gueses consumam apenas amêijoa
“devidamente ensacada e rotulada
com a autorização ao consumo” e
lembra que a venda de amêijoa em
tabuleiros ou outros recipientes e
sem rótulos, como acontece em mui-
tos restaurantes, “é proibida”.
Tiragem: 33028
País: Portugal
Period.: Diária
Âmbito: Informação Geral
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praia na sexta-feira da semana
passada (dia 6).
António Almeirim, 77 anos,
conhece como poucos a zona,
que é uma das mais frequentadas
pelos mariscadores ilegais devido
ao fácil acesso ao rio. Por ali
nasceu e trabalhou “uma vida” na
base área do Montijo. Foi eleito
autarca pela primeira vez em
1976, cumpriu o mandato, depois
afastou-se da junta por oito anos
e voltou a ser eleito em 2005.
Cumpre o seu terceiro e último
mandato, sempre eleito pelas
listas do PCP.
“Isto [os mariscadores ilegais] é
um cancro, um cancro. Dão cabo
de tudo, deixam lixo por todo o
lado, não respeitam ninguém”,
afi rma apontando para os montes
de lixo que os funcionários da
junta reuniram no areal e onde
se destacam garrafas e latas de
cerveja. “Isto é um perigo. Já
duas raparigas se cortaram aqui
nos vidros e tiveram de ir para o
hospital”, conta.
António Almeirim fala com
orgulho do trabalho que a
junta de freguesia tem feito
na praia do Samouco ao longo
Assim que a maré começa a subir, centenas de homens, mulheres e crianças saem do rio carregados de amêijoa
Em baixo, António Almeirim, presidente da junta do Samouco
Na página seguinte: em menos de uma hora, a GNR apreendeu cerca de 400 quilos de amêijoa--japonesa
dos anos, ainda frequentada
pela população local no Verão.
Aponta o parque infantil bem
cuidado, os balneários públicos,
o parque das merendas e o
“ginásio”, um telheiro onde se
encontram alguns aparelhos de
exercício físico. Conta a história
das palmeiras que “há muitos
anos” plantou “à borla” no
pequeno areal, dos chapéus-de-
sol coloridos e na insistência em
manter o local limpo.
Na véspera, uma operação
da GNR “limpou” os barcos
clandestinos que há “muitos
anos” se amontoavam junto ao
areal. “Foi uma luta longa, mas
fi nalmente conseguiu limpar-se a
praia, mas ainda há este cancro.”
“Mas qual é a família que quer
vir para aqui? Não respeitam
ninguém, saem da água e despem-
se com toda a gente a ver, exibindo
a nudez. Qual é o avô que vem
com os netos para aqui? Olhe,
ainda ontem à noite [quinta-feira,
dia 5], houve tiros entre grupos de
mariscadores a provocarem-se uns
aos outros”, revela.
O autarca diz que “o
espectáculo é igual todos os
façam apreensões de amêijoa
e de instrumentos de apanha
e identifi que mariscadores e
intermediários ilegais, mas
estes acabam sempre por voltar
quando a maré baixa, faça chuva
ou sol, porque o negócio, que
para alguns garante apenas a
subsistência, é para muitos uma
mina de ouro. Nos primeiros
quatro meses deste ano, a GNR
já apreendeu 58 toneladas de
amêijoa-japonesa um pouco por
todo o país. Estimam que cerca
de 90% seja retirada do estuário
do Tejo.
Dezenas de carros enchem
quase por completo o parque de
estacionamento e as ruas perto
da praia do Samouco, concelho
de Alcochete, no distrito de
Setúbal. Além de meia dúzia de
trabalhadores da junta de freguesia
que fazem a limpeza do local,
pouca gente se vê mais por ali.
“Os donos dos carros estão
todos no rio. Daqui a pouco
já começam a aparecer”, diz
António Almeirim, presidente da
junta de Freguesia do Samouco,
que se encontrou com os
jornalistas do PÚBLICO junto à
São centenas de pessoas que
diariamente se dedicam à apanha
ilegal de amêijoa no estuário
do Tejo. Assim que saem do rio
quando a maré começa a encher,
têm à sua espera receptadores
igualmente ilegais que vão
enchendo carrinhas depois
de pesarem os bivalves em
balanças comerciais pagando
valores irrisórios por quilo
(entre 8 cêntimos e 5 euros).
Depois vendem-no em Espanha
e Portugal pelo dobro do valor
pago aos mariscadores (de 8 a 12
euros).
Quando a GNR faz uma
operação de combate, “o
que acontece quase todos os
dias” ao longo do estuário, a
actividade não pára. Só que os
sacos carregados desta espécie
de amêijoa fi cam à espera no
estuário aguardando que a guarda
se vá embora para depois serem
trazidos para terra.
Segundo a GNR, é raro o
dia em que os militares não
Um negócio ilegal feito
às claras por gente que
não gosta de fotografias
A pacata praia da vila do Samouco transforma-se quando a maré começa a encher. A amêijoa é negociada com
intermediários ou enfi ada logo em carros. Quando a GNR aparece, o negócio atrasa-
se um pouco, mas nunca pára
Reportagem Luciano Alvarez
Tiragem: 33028
País: Portugal
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Âmbito: Informação Geral
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dias. “Assim que maré começa a
baixar, entram pelo rio. Todos os
dias andam por lá 200, 300, 400
pessoas. Tiram-se centenas de
quilos de amêijoa. Tudo ilegal”,
assegura.
Naquela sexta-feira a maré
atingiu o pico mínimo perto das
9h. Pelas 10h30, uma carrinha de
caixa fechada estacionou à boca do
areal. Três homens tiraram bidons
altos do interior que encheram
com água do rio. “Estes vêm para
o negócio. Não tarda nada, salta lá
de dentro uma balança para pesar
as amêijoas”, diz o presidente da
junta. Não tardou cinco minutos
para que uma balança comercial
fosse tirada da carrinha e colocada
em terra.
António Almeirim fala dos
“negócios paralelos” que a
apanha ilegal de amêijoa gera.
Aponta para um homem que
vende laranjas, para uma rulote
de bifanas que por essa altura
abria a venda e diz que “há dias”
em que por ali “se vende de tudo,
desde cerveja a alfaces”. Fala
também do “negócio dos barcos”,
que, “por cinco euros”, levam
os mariscadores para os baixios
mais distantes e depois “os vão
buscar”.
“Isto [mariscar a amêijoa] é
uma vida muito dura. Andar ali
horas dobrado no lodo não é fácil.
Para uns é o único sustento, mas
para muitos é um grande negócio.
Ui, ui”, afi rma o autarca.
“Se me dessem a escolher
ganhar um euromilhões ou
dinheiro que aqui passa, dizia
logo que queria o dinheiro
daqui”, acrescenta Vasco
Vespeiro, um funcionário da
junta que acompanha a conversa
enquanto vai reunindo o lixo
acumulado na praia.
Questionado por António
Almeirim “a como anda o preço
da amêijoa-japonesa por estes
dias”, o funcionário diz que
“ronda os 3,8 euros o quilo”,
mas quando a fartura é muita e a
procura menor “pode ser vendida
a um euro o quilo.”
“Isto é tudo ilegal, mas feito às
claras. À noite, os intermediários
até holofotes trazem para fazer o
negócio. Aqui acontece de tudo,
aqui há uns meses até houve uma
‘greve’”, conta António Almeirim,
explicando que os romenos,
que por ali andam em grande
número como confi rmámos, “não
foram para o rio e não deixaram
ninguém ir para obrigar os
intermediários a subir o preço. “A
‘greve’ durou um dia. No outro
dia, os preços subiram um pouco
e voltou tudo para o rio”, revela.
Pouco depois das 11h, os
primeiros homens, mulheres e
crianças começam a chegar a
terra. São dezenas, que formam
longas fi las no estuário numa
marcha lenta. Uns usam fatos
de mergulho, outros roupa
normal. Quase todos carregam
grandes mochilas ou sacos cheios
de amêijoa, ancinhos, facas e
aparelhos de arrasto manuais,
conhecidos como “berbigoeiros”.
Uns seguem directamente com
a carga para os carros, outros
juntam-se perto da carrinha e da
balança. A amêijoa é rapidamente
pesada e trocada por dinheiro. A
fi la de gente junto à carrinha vai
crescendo. As sacas carregadas de
amêijoa também.
Assim que o repórter
fotográfi co do PÚBLICO faz as
primeiras fotografi as, um dos
homens da carrinha chega-se
perto dos jornalistas. “Amigo, não
faça fotografi as que esta gente não
gosta de fotografi as”, diz.
Ao argumento dos jornalistas
de que ninguém será identifi cado
nas fotografi as e ao pedido de,
pelo menos, fotografar só as sacas
de amêijoas, o homem responde
como um seco “é melhor não”.
“Sempre que para aqui vêm
jornalistas e televisões, no dia
seguinte aparece logo a GNR.
Hoje [os militares] andam ali
por Alcochete, amanhã se calhar
estão aqui”, diz o homem.
Enquanto decorria a conversa,
um dos mariscadores sai de junto
da carrinha e dirige-se ao repórter
fotográfi co. “Se tiras mais uma
fotografi a, parto a máquina toda”,
ameaça num português mal
amanhado.
Acabada a venda, os
mariscadores, já mais longe do
areal, juntam-se em grupos.
Mudam de roupa e arrumam o
material que ajuda na apanha
da amêijoa. Muitos olhos dos
mariscadores ilegais viram-se
para os jornalistas. É uma boa
altura para deixar o local. O
presidente da junta de freguesia
do Samouco despede-se com mais
um desabafo. “Isto é uma tristeza,
vão acabar por dar cabo disto
tudo. A mim, um dia destes ainda
me limpam o sebo.”
GNR: operações diárias, O PÚBLICO voltou à praia
do Samouco na terça-feira
desta semana, desta vez para
acompanhar uma operação da
Unidade de Controlo Costeiro do
destacamento da GNR de Lisboa
contra a apanha ilegal de bivalves,
especialmente a captura de
amêijoa-japonesa.
Segundo o capitão Delgadinho,
a unidade “faz operações quase
diárias no estuário do Tejo, quer
pelo mar quer por terra”, contra
esta prática. No ano passado,
foram apreendidas cerca de 25
toneladas de amêijoa ilegal no
estuário do Tejo. Nos primeiros
quatro meses deste ano, até 30
Abril, a GNR já contabiliza cerca
de 18 toneladas.
O capitão Delgadinho revela
que e amêijoa-japonesa é
vendida pelos apanhadores
aos intermediários por valores
que oscilam entre um e cinco
euros, que muitas vezes a
comercializam, seja em Espanha,
seja no circuito nacional, por
“mais do dobro do preço”.
É sobre os intermediários
que incidem muitas das
acções da GNR, pois são eles
que transportam as grandes
quantidades e promovem este
negócio ilegal.
O 1.º sargento Gil Matos, da
Unidade de Controlo Costeiro, sai
de Lisboa pelas 13h acompanhado
por um militar. No caminho
para a margem, fala das “muitas
toneladas de amêijoa” que
apreendem e “no perigo que pode
causar para a saúde pública”.
Confessa mesmo que deixou de
comer amêijoas desde que faz
operações contra a apanha ilegal.
E faz operações desde que a
unidade foi criada, em 2009.
Um dos problemas com que
os militares se deparam é com
a apanha ilegal mascarada de
apanha lúdica. Cada cidadão
pode apanhar até cinco quilos
de amêijoa no estuário do Tejo
sem qualquer licença se a c
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A pesca de bivalves no estuário do Tejo tem sido uma actividade relevante ao longo de toda a história
de ocupação humana, sendo as ostras, berbigão, amêijoa-boa, lambujinha e amêijoa-macha as espécies mais capturadas.
Segundo os investigadores do estudo a que o PÚBLICO teve acesso, “a exploração destas espécies tem sido particularmente afectada pelos níveis de contaminação microbiológica e por metais pesados verificados neste estuário, que impõem restrições à sua comercialização [Despacho n.º 14515/2010 de 17 de Setembro] e pela depleção dos stocks de algumas espécies”.
“A amêijoa-boa e a amêijoa-macha são exemplos do decréscimo acentuado das populações de bivalves deste estuário. No primeiro caso, foi observado um decréscimo significativo nos últimos dez anos, que coincidiu com a colonização extensiva do habitat ocupado pela amêijoa-japonesa, uma espécie não nativa”, acrescentam os investigadores.
Essa depleção levou à interdição da captura da amêijoa-boa (Portaria n.º 85/201de 25 de Fevereiro), sendo simultaneamente autorizada a captura da amêijoa-japonesa. “A partir de 2010 verificou-se um decréscimo tão significativo das
populações de amêijoa-macha que levou à paragem da quase totalidade das embarcações dedicadas a esta pescaria”.
Não se sabe exactamente como a amêijoa-japonesa foi introduzida em Portugal, “mas a sua ocorrência nos sistemas portugueses é conhecida há mais de duas décadas”, refere o estudo.
“É provável que a espécie, endémica do Japão, tenha sido importada até águas europeias no contexto de ensaios de aquicultura, inicialmente em França em 1972, e subsequentemente em Itália, Espanha e Irlanda”.
Os investigadores dizem ainda que em Portugal, “apesar de as abundâncias
A “japonesa” está no Tejo há duas décadas
recolha for feita à mão, se usar
um instrumento como uma faca
de mariscar ou um ancinho, pode
igualmente apanhar até cinco
quilos, mas necessita de pagar
uma licença para a pesca naquele
dia. Acontece que muitos ilegais
só trazem aos cinco quilos de
cada vez para terra para puderem
alegar pesca lúdica perante as
autoridades.
Gil Matos diz ter conhecimento
de que os intermediários têm
vigilantes junto às capitanias, ou
junto aos locais de apanha, para
avisarem que está pronto para
comprar amêijoa nas margens do
estuário. “Se um intermediário
for apanhado com 300 quilos de
amêijoa ilegal, tendo pago quatro
euros por quilo, ao preço que ela
anda por estes dias, são 1200 euros
que perde em minutos”, afi rma.
Pelas 13h30, encontra-se com
parte da equipa de 11 homens que
vai coordenar na operação num
parque de estacionamento junto
ao Montijo. No local, fazem um
compasso de espera de cerca de
meia hora antes de partirem para
a praia do Samouco, que já está a
ser vigiada à distância. Pelas 14h,
partem para a praia.
Chegam com serenidade, sem
alaridos e agem de forma rápida
e coordenada. Mostram, todos
eles, ter uma grande experiência
e conhecimento do terreno e do
comportamento dos mariscadores
ilegais. Os 11 militares espalham-se
pelo perímetro da praia de forma
a controlar o terreno, rodeados
por centenas de ilegais, num
ambiente claramente hostil.
Ao contrário da primeira vez
que o PÚBLICO esteve na praia,
não há nenhuma carrinha a fazer
negócio. É notório que estavam
avisados da proximidade da GNR.
Os militares depressa descobrem
uma pequena carrinha de
transporte com vários sacos
de amêijoa-japonesa. É uma
viatura que está estacionada
no mesmo lugar junto à praia
há cerca de dois meses. Os
militares chamam-lhe “carrinha-
armazém”. O marisco é colocado
no seu interior, para mais tarde
ser levantado e transportado
para Espanha ou para o circuito
nacional, provavelmente pela
calada da noite.
O seu proprietário é identifi cado
e alvo de uma contra-ordenação
que segue para a Direcção-Geral
de Recursos Naturais, Segurança
e Serviços Marítimos (DGRM), a
quem cabe aplicar a multa quando
a apanha de bivalves está proibida
no Tejo, como acontece neste
momento, devido à presença de
fi toplâncton produtor de toxinas
marinhas, detectadas por análises
realizadas pelo Instituto Português
do Mar e Atmosfera. Se a apanha
não estivesse interdita e se se
tratasse de um caso de apanha
ilegal, a multa seria aplicada pela
ASAE. As multas variam entre os
600 e os 3400 euros, dependendo
acima de tudo da reincidência no
crime.
Ao contrário da sexta-feira da
passada semana, as centenas
de mulheres e homens que
saem do rio para a praia do
Samouco não carregam mochilas
ou sacos cheios de amêijoa.
Os mariscadores também não
abandonam rapidamente a praia.
Muitos fi cam em terra, juntando-
se em grupos. “Deixam os sacos
no mar, para os irem buscar
quando formos embora. Se a
maré já estiver alta, vão buscar os
sacos quando ela voltar a baixar”,
explica o sargento Gil Matos.
Uma pouca-vergonhaMuitos não se chegam à praia,
esperam nas pequenas ilhotas
que a maré baixa criou, até que a
GNR parta, para depois trazerem
os sacos carregados. “Se o rio não
estivesse já a subir e pudéssemos
entrar, apanharíamos dezenas
de sacas”, acrescenta o sargento.
Ainda assim, apanham três sacos
já próximos de terra.
Cerca de meia hora depois de
chegarem à praia, os militares
descobrem uma nova carrinha
igualmente carregada com vários
sacos de amêijoa-japonesa,
utensílios para a apanha e
uma balança comercial. Foi
abandonada pelo proprietário
devido à presença da GNR. Um
telefonema para Lisboa basta para
identifi car o proprietário, mas
isso não signifi ca que seja ele que
conduzia a viatura. A GNR mostra-
se esperançada em encontrar o
condutor na praia, mas acaba
por não conseguir. O material
é apreendido e o proprietário
receberá uma contra-ordenação.
Enquanto a operação decorre,
uma mulher dirige-se aos
militares. “Ó senhor guarda, não
pode chamar uma televisão para
vir fi lmar esta pouca-vergonha?”
O militar responde que isso não é
da sua competência.
Informada da presença
dos jornalistas do PÚBLICO,
manifesta-se interessada “em
fazer uma reclamação”. Diz
chamar-se Cláudia Santos,
identifi ca-se como mariscadora
ilegal e reclama “por licenças
que os autorizem a mariscar.”
À volta dos jornalistas e da GNR
juntam-se agora várias dezenas de
pessoas.
Cláudia continua o protesto:
“Isto é uma pouca-vergonha.
Anda aqui tudo ilegal, quando
devia ter licenças para apanhar
a amêijoa. Vamos unir-nos e
pressionar o Governo para nos
dar licenças. Isto tem de passar a
ser legal.”
Questionada sobre o facto
de a apanha estar por estes
dias totalmente interditada, a
mariscadora tem uma resposta
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desta espécie serem ainda geralmente baixas nos sistemas colonizados, no estuário do Tejo, onde ocorre há cerca de 12 anos, verificou-se uma explosão demográfica nos últimos anos, não existindo ainda produção aquícola da espécie e um circuito comercial com muitas práticas ilegais”.
A bióloga Paula Chaínho admite que para quem não é especialista é fácil confundir a amêijoa-japonesa com outros tipos de amêijoa consumida pelos portugueses. As principais diferenças estão na concha, sendo a da japonesa mais rugosa, e na composição dos sifões com que se alimentam.
curta: “Temos de comer todos os
dias.” Já sobre os problemas que
isso pode causar para a saúde
pública, Cláudia ignora a questão
e passa a palavra a um colega.
César Nascimento repete as
palavras de Cláudia e pede a
“construção de uma depuradora”
na margem Sul. “Isto [a amêijoa
japonesa] vai toda para Espanha.
Eles é que lucram com isto, e
muita da amêijoa volta depois
para ser vendida em Portugal.”
César é o mesmo homem que
na sexta-feira negociava a amêijoa
ilegalmente numa carrinha
junto à praia do Samouco e
que, de forma ameaçadora,
aconselhou os jornalistas a não
tirarem fotografi as no local.
Antes de a conversa acabar, César
ainda pede ao redactor para se
identifi car, anotando o nome no
telemóvel.
A GNR conhece bem Cláudia
Santos e César Nascimento, já que
por várias vezes os identifi cou e
lhes apreendeu amêijoa-japonesa
colhida ilegalmente.
A operação termina de forma
tranquila pouco antes das 16h. No
porta-bagagem do carro seguem
cerca de 400 quilos de amêijoa-
japonesa apreendida, que, após
o regresso a Lisboa, é novamente
lançada ao rio, como manda a
lei. A descarga é feita num local
isolado no Cais da Pedra, no
Poço do Bispo. “Se a deitássemos
ao rio do outro lado, assim que
partíssemos mandavam-se todos
ao Tejo para a recuperarem”, diz
o sargento Gil Matos.
O militar e os homens da
Unidade de Controlo Costeiro vão
voltar muitas vezes ao estuário do
Tejo nos próximos tempos, com
uma certeza: em cada operação
vão apreender muitas centenas
de quilos de amêijoa capturada
de forma ilegal. Gil Matos diz
que a sua unidade nada mais faz
do que “cumprir a sua missão”,
mas não deixa de afi rmar que o
que mais o preocupa “é o grave
problema para a saúde pública”
que o consumo desta amêijoa
pode causar.
Autarcas alarmadosComo Gil Matos, também é
esta a principal preocupação
dos autarcas da região. Carlos
Humberto Carvalho, presidente
da Câmara do Barreiro, diz que
este “é um problema que se
estende a todas as câmaras do
arco ribeirinho”, mas que “devia
preocupar todos os portugueses,
uma vez que a amêijoa se espalha
por todo o país”. Este autarca
eleito pela CDU diz que as
câmaras “não têm nenhuma
competência para intervir” e
revela que já lançaram “muitos
alertas e diversas entidades e
ministérios”, mas que acaba tudo
no que chama de “difícil gestão de
contradições” e “nada é feito”.
“Não posso fazer mais do que
desabafar. Todos nós temos
grandes preocupações pelas
pessoas, pelos confl itos sociais,
pelos problemas ambientais e de
saúde pública, mas nada podemos
fazer a não ser lançar alertas. Só
que, depois, cada cabeça, sua
sentença. Nós estamos de mãos
atadas a assistir a esta desgraça”,
afi rma.
“É um gravíssimo problema
aos mais variados níveis. É uma
ameaça para o ambiente, para a
saúde pública e uma economia
paralela que ninguém controla.
É assustador e dramático”,
acrescenta por sua vez Luís
Miguel Franco, presidente da
Câmara de Alcochete. O autarca,
também eleito pela CDU, lembra
que “todos os presidentes
de câmara da região” já se
disponibilizaram “para ajudar a
resolver o problema”, mas que
não obtêm resposta das entidades
governamentais.
Além do problema para a saúde
pública, Franco fala de “praias
onde é deixado diariamente todo
o tipo de lixo, latas, garrafas,
fraldas”, estas últimas usadas
pelos mariscadores para se
manterem mais tempo no mar. “É
também um caso de uma grande
indignidade humana.”
Como soluções apontam uma
regulamentação deste tipo de
actividade, mais fi scalização
aos ilegais e a construção de
uma unidade de processamento
industrial ou uma depuradora na
região.
Luís Miguel Franco diz que
tem também “de haver respeito
pelas pessoas que vivem desta
actividade ilegal e que para
muitos é o único sustento”,
passando “pela criação de um
enquadramento profi ssional
e por garantias da realização
do trabalho com segurança e
dignidade”.
Armando Silva,
veterinário municipal do Barreiro,
é muitas vezes chamado pelas
autoridades para certifi car
apreensões feitas na região
pelas autoridades. Diz ter
conhecimento pessoal de “várias
pessoas que fi caram gravemente
doentes” devido ao consumo
de amêijoa-japonesa. “São
contaminadas com toxinas que
causam gastroenterites graves e,
em alguns casos, com materiais
pesados, que podem causar
cancro”, afi rma.
Diz ainda que, da Trafaria
a Alcochete, “a situação é
muito grave, por mais que
a polícia actue é impossível
controlar centenas e centenas
de apanhadores que fazem uma
captura brutal”. Armando Silva
também refere que muita dessa
amêijoa é vendida para Espanha,
“num circuito que ASAE e a
polícia conhecem bem”.
Fala de grupos organizados,
que chegam na baixa-mar para
fazer grandes apanhas para
vender aos intermediários. “Muita
desta amêijoa entra num mercado
de candonga, com vendas às
escondidas nas ruas ou para
vendas em alguns restaurantes.
Esses restaurantes misturam esta
amêijoa com a amêijoa legal,
ensacada, depurada e com selo
de garantia”, afi rma. “Não como
amêijoas em nenhum restaurante
da margem Sul. Só como as
compradas ensacadas, com o
selo legal, em lojas que eu sei que
são de confi ança ou em grandes
superfícies”, remata.
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Amêijoa apanhada no Tejo é grave ameaça à saúde públicaTodos os dias são recolhidas ilegalmente toneladas de amêijoa no estuário do Tejo. Um negócio pirata que vale milhões e para o qual alertam autarcas, autoridades e um estudo científi co Págs. 14 a 21
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