triste amanhecer
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Triste Amanhecer
Cristiane G. Sant´Ana
Triste
Amanhecer E-mail: sinfoniadeletras@gmail.com Blog: cristianegsantana@blogspot.com.br www.clubedeautores.com.br/book/129437--Triste_Amanhecer
2012
Cristiane G. Sant՚Ana
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Sumário
AGRADECIMENTOS
PRÓLOGO
A DESCOBERTA DO MINÉRIO
A POSSE DAS TERRAS
SANTO AMARO DA PURIFICAÇÃO
ESPINHOS
NOS DIAS ATUAIS
QUE PAÍS É ESSE?
A RESPOSTA
TUDO TEM UM PROPÓSITO
A CHERNOBYL BRASILEIRA
A VIAGEM
A CONTAMINAÇÃO DO RIO SUBAÉ
DOENÇA E MISÉRIA
PRIMEIRO LAUDO
O LITORAL
A AUDIÊNCIA
A PRIMEIRA SENTENÇA
O TRATAMENTO
LUZ NO FIM DO TÚNEL
O CASAMENTO
A DESPEDIDA DE UM AMIGO
O ADEUS
Triste Amanhecer
Agradecimentos
Primeiramente gostaria de agradecer a Deus que
tornou tudo isso possível, pois sem ele e sua aprovação, nada acontece!
A pessoa que me inspirou a escrever sobre toda essa catástrofe ambiental, pois sempre falou muito a respeito de tudo o que aconteceu e sofreu naquele lugar, Sr. Juarez Sant´Ana. Sogro, pai e avô maravilhoso, atencioso com as pessoas e suas dores, líder comunitário, um dos bravos guerreiros brasileiro, que por ser honesto, integro e incorruptível, acabou pagando um alto preço.
Ao ex-prefeito Eurípedes Bonfim, pois através de seu livro “Nem tudo está perdido”, tive a oportunidade de conhecer um pouco da sua história.
Ao meu esposo e a minha filha, que me ajudaram dando-me incentivo para que eu conseguisse escrever.
A minha mãe Dona Nildete, que sempre foi um instrumento nas mãos de Deus para me ajudar e socorrer nos momentos mais difíceis.
Minha amiga Gení de São Caetano do Sul, pelo incentivo e força para continuar escrevendo.
A Miriam que me ajudou a fazer uma breve revisão do texto, pois escrever um livro nunca foi uma missão solitária.
As pessoas de Santo Amaro da Purificação - Bahia, que Deus os abençoe. Que esse livro, possa mostrar a situação em que vivem. Que o mundo volte seus olhos para esse lugar, que a justiça seja feita. E as autoridades se mobilizem para fazer o que deveriam ter feito há muitos anos.
Cristiane G. Sant՚Ana
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Prólogo
A vida é repleta de recordações. Algumas nos fazem
sorrir, enquanto outras nos fazem chorar. Mas essas
recordações nos fazem pensar e refletir sobre tudo o que
aconteceu, pois com cada uma delas sempre podemos
aprender alguma coisa.
Hoje, a paisagem a minha volta acabou trazendo-me
muitas recordações, que provocaram um saudosismo que
chegava a ser doloroso. Naquele momento, minha memória
era como se fosse um filme, onde buscava constantemente os
momentos inesquecíveis que vivi ao lado de um homem, que
marcou para sempre a minha existência.
Sempre me recordo com saudade do dia em que nos
casamos, pois apesar desse homem já estar doente, naquele
dia a doença o havia abandonado completamente, parecia
curado. Ele estava corado, saudável, havia recuperado seu
peso e seus olhos tinham a cor acinzentada e cheia de vida de
sempre.
Olhando para essa fotografia, vejo que ela conseguiu
captar a essência daquele momento, pois ainda posso sentir o
cheiro de orvalho daquela manhã, ouvir o som das pessoas
conversando e tudo misturado a um suave fundo musical.
Ainda me recordo do sorriso de nossos amigos e
parentes. Todos sabiam de nossa história e que o nosso amor,
teria seus dias contados, embora pense que a maioria
Triste Amanhecer
estivesse esperando por um milagre, assim como eu.
Nosso casamento aconteceu exatamente como sempre
havia sonhado, ao lado do homem certo e com todas as
pessoas que eram importantes para nós.
Essa foto sempre me trás sentimentos antagônicos,
tristeza e alegria. Tristeza, por aquele momento ter ficado no
passado e alegria por ter existido. Qualquer pessoa ao olhar
essa fotografia, verá que o amor e a felicidade estão
estampados no rosto de quem às compõem.
Como podem perceber, não consigo parar de buscar o
passado, pois nele encontrei a verdadeira felicidade. Já se
passaram mais de vinte anos e ainda posso dizer que, amo
esse homem com a mesma intensidade daquela época. Jamais
consegui me interessar por alguém durante todos esses anos.
Muitas pessoas não compreenderiam o que sinto,
também não seria fácil explicá-las, só sei dizer que, tem
pessoas que passam por nossas vidas e deixam marcas, boas
lembranças e até podemos sentir seu perfume no ar... Além
de uma imensa gratidão em nossos corações, por terem feito
parte de nossa história.
Acredito que todos já tivemos esse tipo de sentimento
em algum momento de nossas vidas.
Mas ainda existem pessoas que causam tristeza, dor,
desapontamento e destruição. Essas com certeza serão
lembradas com revolta, desprezo e ressentimento. São
pessoas que não nos trazem saudades, pelo contrário,
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gostaríamos de nunca tê-las conhecido. Sentimo-nos assim,
por todos os que tiveram culpa, direta ou indiretamente, pela
catástrofe ocorrida em Santo Amaro da Purificação, estado da
Bahia.
As pessoas que causaram toda aquela catástrofe, penso
que vivem com a marca da culpa, pois mesmo que seus
valores e ética fossem diferentes, sua consciência os
condenaria, pois me recuso a acreditar que o ser humano
possa sentir-se vitorioso, sabendo ser culpado pelo
sofrimento e morte de tantas pessoas.
Às vezes pensamos que tudo o que fizemos no
passado, será esquecido com novos acontecimentos e assim
acabamos não dando a devida importância ao rastro que
fazemos durante nossa caminhada. Todos nós deixamos
rastros, não há os que não deixam. Não se engane quanto a
isso.
Todos deixamos nossas impressões no mundo, por
menores que sejam e as pessoas sempre serão lembradas
pelos sentimentos que despertam em nós.
E você, que tipo de impressão deixará nesse mundo?
Meu nome é Alexia e para que vocês entendam o que
estou dizendo, vou contar a história desde o início.
Triste Amanhecer
A descoberta do Minério
Em 1953 Padre Macário em suas andanças pelo
povoado de Boquira, notou em seu caminho algumas pedras
brilhantes. Isso o deixou intrigado por semanas.
Essas pedras não podem ser comuns, pois se parecem
demais com Chumbo. Se meu pensamento estiver certo, serei
um homem muito rico, pois essa área é cheia dessas pedras e
com certeza, deve haver muito mais delas no subsolo. Mas
como ter certeza de que realmente é Chumbo? Só há uma
pessoa nessa cidade capaz de me ajudar, pensou enquanto
caminhava por aquelas terras.
Dirigiu-se à farmácia do Sr. Antenor, pois era
considerado um dos homens mais inteligentes e cultos da
região naquela época.
Chegando à farmácia encontrou Antenor, homem de
meia idade e bem sucedido na vida. Ele falava ao telefone e
quando notou sua presença, fez um gesto para que ele o
aguardasse. Logo em seguida, desligou o telefone, voltou-se
para o padre e apertou sua mão com firmeza.
- Bom dia, padre. Em que posso ajudá-lo? – indagou o
farmacêutico.
- Bom dia, Antenor – cumprimentou. - Encontrei uma
pedra diferente no meio do caminho. Ela se parece com
Chumbo, mas não tenho certeza. Você saberia me dizer se
realmente é o minério? – perguntou ansioso.
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- Você está com a pedra, Padre?
- Sim. – disse pegando a pedra e entregando ao
farmacêutico.
Após analisá-la com calma, o farmacêutico decidiu não
opinar a respeito, pois não tinha nenhum conhecimento a
respeito daquele assunto.
- Não sei identificá-la, mas conheço um laboratório no
Rio de Janeiro que poderá fazer a identificação - informou
Antenor.
- Não tenho outra saída, poderia me dar o endereço
do tal laboratório?
- O endereço está em minha casa. Faça o seguinte,
apareça aqui à tarde e lhe entrego endereço – disse
devolvendo-lhe a pedra.
O Padre concordou e saiu da farmácia, satisfeito.
Através do laboratório, finalmente teria condições de
confirmar ou não suas suspeitas. À tarde voltaria novamente
à farmácia.
Naquele dia, não conseguiu concentrar-se em
absolutamente nada do que fazia, pois seus pensamentos
estavam voltados à descoberta feita naquela manhã. Se
estivesse certo, sua vida mudaria da água para o vinho, pois
deixaria de ser um simples padre, para tornar-se um homem
poderoso e influente.
Sentiu seu corpo cansado, mas sua mente não parava
de pensar nas possibilidades que teria, caso sua suspeita fosse
Triste Amanhecer
confirmada.
Decidiu fazer uma boa faxina na paróquia, pois assim
o tempo passaria mais rápido. Ao concluir a limpeza, fez a
homilia que seria realizada naquela noite, mas não foi fácil,
pois não estava conseguindo focar sua atenção em
absolutamente nada, que não fosse aquelas benditas pedras.
Quando a fome apertou, decidiu procurar por alguma
coisa na velha geladeira. Tirou a faixa de pano que segurava a
porta e abriu. Notou que em seu interior, havia uma panela
com sobras de comida feita na noite anterior. Na geladeira,
não havia nada que pudesse usar como mistura. Decidiu
comer um pão adormecido que estava em seu armário.
Após se alimentar, decidiu dedicar-se novamente a
homilia daquela noite, pois ainda não estava satisfeito com a
que havia preparado. Isso durou toda à tarde, até que
finalmente olhando para o relógio, constatou que já estava na
hora de ir até a farmácia, a fim de pegar o endereço do tal
laboratório.
Na farmácia, Antenor entregou-lhe o endereço. Mas
Macário tinha consciência de que, não teria condições de
arcar com as despesas daquela grande empreitada. Então
decidiu propor ao farmacêutico uma sociedade.
- Antenor, gostaria de lhe fazer uma proposta. –
propôs olhando atentamente para o farmacêutico. - Se essa
pedra for chumbo acabo de descobrir uma mina, pois onde a
encontrei, existem milhares delas. Mas preciso de sua ajuda,
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pois não tenho dinheiro suficiente para investir em
absolutamente nada. Gostaria de tornar-se meu sócio?
- O que preciso fazer? – indagou interessado.
- Pague as despesas necessárias, para que eu vá até o
Rio de Janeiro e descubra se a pedra que encontrei realmente
é chumbo.
Antenor mal podia acreditar naquela proposta, pois
não teria nada a perder. As despesas que o padre teria seriam
ínfimas, visto a possibilidade de tornar-se um homem
milionário do dia para a noite. Não sabia exatamente qual a
classificação daquela pedra, mas não era preciso ser muito
esperto ou mesmo um perito, para perceber que a pedra em
questão, não era comum.
- Está bem, todas as despesas ocorrerá por minha
conta, Padre Macário. Pedirei a um funcionário que compre
as passagens e entregue em sua casa. Eu farei as reservas do
hotel onde ficará hospedado – disse dirigindo-se ao caixa,
onde pegou uma grande quantia em dinheiro. – Pegue esse
dinheiro para pagar as despesas que terá no Rio de Janeiro.
Padre Macário saiu satisfeito daquela farmácia, pois
tudo estava acontecendo melhor do que havia planejado.
Amanhã iria até o Rio de Janeiro, com todas as despesas
pagas e com o endereço de um laboratório que esclareceria de
uma vez por todas, suas dúvidas.
Após a missa daquela noite, um rapaz que trabalhava
com Antenor, o procurou e entregou-lhe as passagens para o
Triste Amanhecer
Rio de Janeiro.
Sentindo-se cansado, o padre decidiu dormir cedo.
Tirou a batina e vestiu o velho pijama que estava sobre sua
cama e colocou o relógio para despertar às cinco horas da
manhã. Deitou-se na cama, mas o sono não chegou, pois
passou a noite inteira em claro, pensando sobre tudo o que
estava acontecendo em sua vida.
Na manhã seguinte, entrou no ônibus que o levaria até
a cidade Maravilhosa. A viagem foi tranquila, conseguiu até
dormir um pouco, já não fazia isso, desde a descoberta do
minério. A ansiedade era sufocante, pois cada minuto era
como se fosse um dia.
Na janela do ônibus, avistou aquela magnifica cidade.
Tudo no Rio de Janeiro era maravilhoso, parecia estar em
outro país. Aquilo tudo era tão diferente de Boquira, lugar
simples, onde todos se conheciam e o cheiro do progresso
ainda nem dera sinal de vida por ali.
Pegou um táxi e pediu que o levasse ao endereço que
estava no papel. Quando o táxi parou em frente ao hotel,
ficou deslumbrado e admirado com aquele arranha-céu. Em
Macaúbas e Boquira, não havia nada parecido com aquilo.
Chegando a recepção, disse seu nome como Antenor
o instruíra e imediatamente lhe deram a chave e o número de
seu quarto.
Ao entrar, viu uma cama de casal com lençóis limpos,
televisão e um telefone ao lado da cabeceira da cama. Aquilo
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tudo era realmente um sonho, diferente da pobreza com que
estava acostumado.
Se essa pedra for chumbo, serei um homem
milionário, frequentarei hotéis tão bons como esse, ou
melhor, me hospedarei em hotéis até mais luxuosos do que
esse, pensou sorrindo.
À tarde, pegou um táxi e seguiu em direção ao
laboratório. Ao chegar ao endereço indicado pelo
farmacêutico, percebeu que aquilo iria custar uma pequena
fortuna, pois o lugar era muito luxuoso e com certeza, deveria
ter os melhores profissionais da cidade.
- Bom dia, eu sou Macário. Gostaria que vocês
fizessem a avaliação dessa pedra – disse entregando a pedra
ao rapaz. – Preciso que vocês descubram qual o nome desse
minério.
- Vejo que não é uma pedra comum – disse o perito
analisando o minério. – Amanhã à tarde, o relatório estará
pronto. Então saberá a que minério pertence sua pedra.
- Muito Obrigado. Amanhã pagarei pelo serviço –
disse abrindo a porta da saída.
Saiu daquele laboratório imensamente feliz, pois em
breve saberia o rumo que sua vida tomaria. No hotel ligaria
para Antenor e lhe diria que amanhã, finalmente saberiam a
que minério pertencia àquelas pedras.
Resolveu almoçar, pois já passava das três horas da
tarde e seu estômago estava começando a reclamar. Entrou
Triste Amanhecer
num grande restaurante e decidiu pedir uma lasanha, pois em
breve seria um homem muito rico e precisava melhorar seus
hábitos alimentares, concluiu sorrindo.
Decidiu conhecer o Rio de Janeiro e ficou encantado
com o progresso daquele lugar. Jamais pensou que um dia
poderia conhecer aquela cidade. Tudo ali era muito diferente
do que estava acostumado...
Cansado e ansioso para que chegasse o dia seguinte,
achou que seria melhor ligar para Antenor, quando estivesse
com o laudo técnico em suas mãos. Senão deixaria seu futuro
sócio, tão ansioso e desesperado quanto ele.
Naquela noite não conseguiu dormir novamente, pois
amanhã, finalmente teria a resposta que mudaria sua vida e de
toda aquela cidade. Amanhã descobriria qual seria o rumo de
sua vida, seria apenas um padre de uma cidadezinha pequena
e pacata, ou se tornaria o dono de uma mina de chumbo,
com poder de transformar aquela cidade e a vida de seus
moradores.
Sua Mineradora iria gerar muitos empregos e
consequentemente, o progresso para todos os habitantes dali.
Seria um dos homens mais ricos da Bahia e teria tudo o que
sempre desejou em sua vida.
Na manhã seguinte, andou pela praia e sorriu ao
imaginar que, nunca passaria por sua cabeça, colocar os pés
nas areias de uma das praias mais famosas do Rio de Janeiro.
Aquele lugar era tão bonito que merecia a fama de ser a
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cidade maravilhosa.
Aquela bendita pedra precisava realmente ser chumbo.
Teria que desistir de seus votos de padre e no início haveria
muitos comentários negativos a seu respeito, mas isso logo
seria esquecido, quando surgisse outro fato mais relevante
naquela cidade.
Logo depois, dirigiu-se ao laboratório pedindo a Deus
que estivesse certo. Chegando, aguardou na recepção apenas
alguns instantes, até aparecer o técnico que o havia recebido
no dia anterior.
- Macário, fizemos os testes e temos o laudo técnico
da classificação de sua pedra.
- Então diga, por favor. Que pedra é essa?
- Esse minério é chumbo e tem altíssimo valor
comercial – disse entregando-lhe a pedra e o laudo técnico.
- O senhor tem certeza?
- Certeza absoluta. Sua pedra é Chumbo! – garantiu o
perito.
Pagou uma quantia considerável pelo serviço prestado
do perito. Mas aquela conta foi paga com enorme prazer,
pois a partir daquele momento, sua vida mudaria para
sempre.
Arrumou as malas, pagou a conta do hotel e partiu em
direção a rodoviária.
Entrou no ônibus feliz, pois ele o levaria novamente a
sua mina de chumbo. Daria a notícia ao sócio somente
Triste Amanhecer
quando chegasse a Macaúbas. Queria ver a cara de espanto e
alegria daquele farmacêutico.
Ao colocar os pés em Macaúbas, imediatamente foi ao
encontro de Antenor, que o aguardava ansioso.
- Como foi à viagem, Padre Macário? Deu tudo certo?
- Seremos milionários muito em breve, Antenor –
disse abraçando o sócio.
- Afinal, qual é o nome daquele minério?
- Eu tinha razão, Antenor. O laboratório só confirmou
minhas suspeitas, aquela pedra é chumbo. Segundo o técnico,
tem um valor comercial muito alto – informou com
satisfação.
Ele estava feliz por confirmar suas suspeitas. Mal
conseguia acreditar que havia descoberto uma mina de
chumbo, naquele fim de mundo.
A partir daquele momento Antenor seria o seu sócio,
porque precisaria de sua ajuda para tomar posse das terras
onde havia encontrado o minério, pois seus proprietários
eram pequenos lavradores.
Meses após a confirmação de o minério ser Chumbo,
já havia comunicado a Roma que deixaria de ser um vigário.
Celebrando sua última missa, disse aos fiéis da Igreja
que, a partir daquele dia não seria mais um padre, pois
decidiu largar a batina para trabalhar com mineração.
Não ficou surpreso ao notar que algumas pessoas
pareciam escandalizadas com a notícia, pois não era comum
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um padre largar seu oficio naquela época.
Após a missa, precisava encontrar um lugar para
morar, pois estava livre de obrigações com a Igreja Católica
Apostólica Romana e vice-versa. Mas esse problema não era
o foco de seus pensamentos, precisava pensar numa maneira
de adquirir a posse das terras onde estava localizado o
chumbo. Esse seria o maior desafio, pois quando fosse dono
daquelas terras, tudo ficaria muito mais fácil.
Macário e o farmacêutico precisavam encontrar uma
maneira de por as mãos naquelas terras. Esse seria o maior
desafio daquela jornada, o resto seria somente uma questão
de tempo.
Triste Amanhecer
A posse das terras Tabelionato Civil e Tabelião de notas por lei, do
Distrito sede de Boquira Comarca de Macaúbas – BA.
Escritura Pública de cessão de Direitos de
propriedade para PESQUISA, que entre si em notas fazem, de um lado como cessionários, farmacêutico Antenor Alves da Silva e Padre Macário de Maia Freitas, como abaixo se declara:
Saibam quanto dessa escritura que no dia 25 de março de 1954, em meu Cartório, perante mim, Escrivã compareceu os Senhores: Joaquim de Almeida Rodrigues, Antônio Rodrigues dos Santos, Leão Santos, Joaquim Ângelo de Souza e sua mulher Herculana Cursino, Rosendo Xavier dos Santos e suas mulheres, todos eles lavradores, elas prendas domésticas, todos brasileiros, casados e domiciliados e residentes em Boquira.
““... Perante mim, foi dito serem possuidores, com posse mansa e pacífica, continuada, por mais de trinta anos de uma área de terras secas de cento e dez Hectares, com partes cercadas e partes em abertos, com denominação de “Morro Pelado” da extrema, situado da Vila de Boquira-BA.
Por este público instrumento, DE LIVRE E ESPONTANEA VONTADE, fazem Cessão plena e irrestrita, assim como sem condição, de todos seus direitos de proprietários de preferência para PESQUISA e LAVRA dentro das áreas descritas o que trata o artigo 153 da Constituição Federal.
Cristiane G. Sant՚Ana
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Saíram do Cartório, felizes. Tudo havia acontecido da
maneira como haviam planejado. Olharam-se com um sorriso
vitorioso no rosto.
- Finalmente, conseguimos Antenor! – exclamou
Macário abraçando o sócio fora do Cartório.
- Sim, meu amigo. Agora precisamos pensar no
próximo passo, o alvará de funcionamento da Mineradora.
- Não se preocupe, não chegamos até aqui para
morrermos na praia – disse Macário animado. – Agora as
coisas serão mais fáceis, pois somos proprietários da terra
onde construiremos a mineradora de chumbo.
- Vamos para minha casa – disse Antenor abrindo a
porta do carro. - Está convidado para almoçar conosco hoje.
- Aceito seu convite meu grande amigo. Estou com
muita fome, pois ser proprietário de uma mina de chumbo
me abriu o apetite – revelou Macário sorrindo ao entrar no
carro de Antenor.
Finalmente consegui, pensou Macário. Não importa se
omitiu dos lavradores que suas terras poderiam valer milhões.
Mas o que aqueles pobres lavradores poderiam fazer? A
maioria mal sabia ler e escrever. Não poderiam fazer nada
para reaver a posse daquelas terras.
Ficarei milionário com a extração de todo aquele
chumbo e a cidade ganhará muito com essa aquisição. Esse
empreendimento irá gerar muitos empregos e
consequentemente o progresso da cidade. Isso jamais
Triste Amanhecer
aconteceria se, aquelas terras continuassem nas mãos
daqueles simples lavradores.
Para surpresa de todos, aqueles pobres lavradores não
aceitaram pacificamente perder suas terras, pois lutaram para
consegui-las novamente. Alguns afirmam que jamais
colocaram os pés naquele cartório, cedendo suas terras a
quem quer que fosse.
Agora Macário e Antenor precisavam correr atrás da
autorização para o funcionamento da Mineração.
Parecia uma maratona, mal venciam um obstáculo e
logo aparecia outro. Mas seus esforços foram
recompensados, quando conseguiram a posse das terras do
minério.
Agora, precisavam da bendita autorização para o
funcionamento da Mineração Boquira Ltda.
Cristiane G. Sant՚Ana
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Santo Amaro da Purificação
Macário mal podia acreditar naquele papel em suas
mãos, agora seria questão de tempo para o progresso chegar
naquele lugar e ele se tornar um homem muito rico.
Decreto nº 35.915, de 28 de Julho de 1954.
Concede à Mineração Boquira Ltda. autorização para
funcionar como empresa de mineração.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da
atribuição que lhe confere o art. 87, nº I, da Constituição e
nos termos do Decreto-lei nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940
(Código de Minas),
DECRETA:
Artigo único. É concedida a Mineração Boquira Ltda.,
constituída por instrumento público de 27 de abril de 1954,
lavrado no cartório do 4º Ofício de Notas desta Capital, com
sede nesta cidade, autorização para funcionar como empresa
de mineração, ficando a mesma sociedade obrigada a cumprir
integralmente as leis e regulamentos em vigor ou que venham
a vigorar sobre o objeto da referida autorização. Rio de
Janeiro, 28 de julho de 1954; 133º da Independência e 66º da
República.
GETÚLIO VARGAS
Apolônio Sales
Triste Amanhecer
O coração de Macário batia forte. Olhou novamente
para aqueles papéis, como para certificar-se de que ele
realmente existia e não era apenas fruto de sua imaginação.
Agora era uma questão de tempo, paciência e
determinação, pois tudo estava dando certo.
Sabia que ao adquirir a posse daquelas terras não
ficaria rico, pensou sorrindo, mas seria um homem
milionário.
Foi correndo até a casa do farmacêutico e encontrou
sua filha, Yeda.
- Bom dia, Yeda – cumprimentou Macário.
- Bom dia Padre, ou melhor, Macário – disse com
timidez.
- Seu pai está?
- Sim, ele está – informou. - Entre, por favor.
Macário entrou e sorriu ao notar que Yeda era uma
moça muito bonita e educada. Ela seria a esposa perfeita,
além do mais, era filha de seu sócio, uma mulher em que ele
poderia confiar. Tornar-se-ia tão rica quanto ele, por que não
investir naquele relacionamento?
Ao entrar na sala, avistou o farmacêutico que sentado
confortavelmente numa poltrona, lia seu jornal. Ele sorriu ao
ver Macário adentrar a sala.
- Bom dia, sócio – cumprimentou estendendo a mão
para Antenor.
- Bom dia, amigo. Tem alguma novidade? – indagou
Cristiane G. Sant՚Ana
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curioso. – Sente-se, por favor.
Macário sentou-se naquele confortável sofá, pois tudo
na casa de Antenor era de boa qualidade. Diferente dele, que
não tinha onde cair vivo, pois morto, se cai em qualquer
lugar, constatou com amargura.
- Se prepare, porque nosso trabalho irá aumentar em
gênero, número e grau – disse sorrindo.
- O que quer dizer com isso? – indagou confuso.
- Conseguimos a autorização de funcionamento da
mineração. Agora teremos que encontrar sócios com capital
para começar a mineração. Seu dinheiro não daria nem para o
começo, Antenor. Precisamos de um investidor com muito,
mais muito dinheiro mesmo.
- Tem ideia onde encontraremos alguém com tanto
dinheiro assim? – indagou preocupado.
- Sim, precisamos encontrar algumas multinacionais
que utilizam chumbo – constatou Macário convicto.
- Já fez alguma sondagem a respeito disso?
- Meu amigo, eu não durmo no ponto – informou
Macário. - Já tenho algumas pessoas que se forem
inteligentes, se juntarão a nós.
Macário saiu da casa de Antenor cheio de planos.
Pouco tempo depois, resolveu entrar em contato com uma
empresa americana, a Cia. Acumuladores Prest-O-Lite que
possuía sede em São Paulo.
A Prest-O-Lite iniciou sua sociedade abrindo galerias
Triste Amanhecer
nas terras de Macário, onde foi retirado no início: Galena,
Cerusita e Carbonato de Chumbo.
Em seguida, a Peñarroya Oxide S.A., empresa
francesa, também fez parte desta sociedade porque
conheciam bem a flotação, que na época, era uma operação
de altíssima tecnologia.
Com o tempo, foram saindo da sociedade da
Mineração Boquira Ltda. a Prest-O-Lite e depois Macário,
todos comprados pela poderosa Peñarroya, que criou a
subsidiaria COBRAC - Companhia Brasileira de Chumbo.
A COBRAC pertencia ao grupo francês Peñarroya e
decide em 1960 iniciar a fabricação de ligas de chumbo.
Então escolhe a Cidade de Santo Amaro da Purificação,
estado da Bahia.
A instalação da fábrica teria uma localização
privilegiada, pois seu acesso seria através da Avenida Rui
Barbosa, uma das principais vias de acesso ao Município de
Santo Amaro da Purificação. E paralela a Av. Rui Barbosa,
está o maravilhoso Rio Subaé.
Os habitantes da cidade estavam felizes com a nova
aquisição, pois a COBRAC no início trouxe inúmeras
vantagens, como empregos e pagamento de impostos, isso
fez gerar uma perspectiva de prosperidade ao povo
santamarense.
Mas aquela felicidade durou pouco, pois em 1961,
apenas um ano após a COBRAC iniciar suas atividades em
Cristiane G. Sant՚Ana
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Santo Amaro da Purificação, estava estampada a manchete na
primeira capa do Jornal O Archote de 16 de dezembro de
1961 – “COBRAC: FÁBRICA DE CHUMBO E DE
MORTE”.
“Os pecuaristas locais, tendo como cabeça, o Sr. José
Andrade, preocupados com a grande mortandade de seu
gado, contrata Dr. Hans K. F. Dittmar para investigar a
causa.
O técnico aponta a COBRAC como emissora de gases
altamente venenosos. Esses gases seriam responsáveis pela
morte de 250 burros, 200 cabeças de gado, além de grande
quantidade de outros animais mortos. Consta ainda que
pessoas também têm sido vitimadas.
Tal fato foi denunciado pelo presidente da Câmara, Sr.
Viraldo de Senna, que apresentou ao plenário, o relatório do
engenheiro, tendo em vista, o perigo de vida que está
submetida à população local.”
Para remediar a situação, a COBRAC, “solucionou” o
problema com a aquisição de todas as terras dos pecuaristas
atingidos e os indenizou pelos animais mortos. Algumas
medidas foram tomadas para o controle da contaminação
atmosférica. Tudo parecia resolvido!
Triste Amanhecer
Espinhos
Na década de 60 havia um conjunto famoso em
Macaúbas, tendo como destaque os irmãos Sant´Ana. O
baterista era Juarez Sant´Ana e como saxofonista, José
Augusto Sant´Ana, mais conhecido como Chéu.
O grupo era conhecido como “Os Cometas”.
Costumavam tocar no Clube Social de Macaúbas,
aniversários, leilões, e nas festas realizadas por Antenor, o
farmacêutico. O grupo também tocou no casamento de
Macário e a filha de Antenor, Yeda.
Durante uma dessas apresentações, conheceram o
Engenheiro Helder, que trabalhava na Mineração em
Boquira.
Juarez Sant´Ana foi convidado por Helder a fazer
parte do quadro de funcionários da Mineração, assumindo o
cargo de auxiliar de escritório e procurador da mineração
junto ao I. A. P. E. T, hoje conhecido como INSS.
No dia 28 de dezembro de 1963, sábado, era mais um
dia tranquilo de trabalho na Mineração Boquira. De repente
apareceu Manoel Dutra Seixas, mais conhecido por
Nequinho, oferecendo aos funcionários do escritório, uma
arma Taurus de calibre trinta e oito.
Nequinho alegou precisar de dinheiro para comprar
remédios para esposa, que além de grávida estava muito
doente.
Cristiane G. Sant՚Ana
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Juarez Sant´Ana e outros funcionários do escritório,
não demonstraram interesse em comprar o revólver, pois
naquela hora, estavam se preparando para ir embora porque
aos sábados, trabalhavam apenas meio-expediente.
Vendo que não havia interesse de ninguém por ali,
Nequinho se dirigiu a sala do gerente da Mineração, o
português Carlos França Martins, queria apenas oferecer-lhe
o revólver.
O gerente ficou extremamente irritado e aborrecido,
por Nequinho entrar em sua sala sem autorização e acabou
expulsando-o da sala aos chutes e empurrões.
Foi quando Nequinho, sentindo-se humilhado, sacou a
arma atirando em França. Infelizmente o tiro foi fatal e os
funcionários perplexos, acabaram chamando a polícia.
Nequinho foi preso e o levaram para a casa do
delegado, que ficou sob vigília de policiais.
Após dois dias, o corpo de França foi velado na Igreja
Nossa Senhora da Abadia, em Boquira. Naquele mesmo dia,
o delegado achou melhor levar o preso para a cadeia pública e
ao virar a rua da mineração, o Sr. Ladislau Kowalski, que
também era funcionário da Mineração, incitou os operários
que saiam do velório ao linchamento de Nequinho, uma cena
triste de ser vista até mesmo em filmes.
Com a morte de Carlos França, a mineração passou a
ser chefiada pelo francês André Prieto. E como gerente,
admirado por todos os operários, o Sr. Henry Granger
Triste Amanhecer
também francês, conhecido por ser um homem sincero e
preocupado com todos os empregados da mineração.
O que o senhor Henry Granger tinha de bom, o outro
francês tinha de maquiavélico, pois André Prieto era
implacável com as pessoas que não se submetiam aos seus
caprichos, costumava perseguir as pessoas com quem não
simpatizava. Era conhecido por demitir pessoas sem qualquer
motivo aparente. E esse foi o caso de Juarez Sant’Ana, no
ano de 1966.
Juarez Sant´Ana, ainda fazia parte do grupo musical
“Os Cometas”. Isso o tornou um homem conhecido em toda
a região. Por ser uma pessoa muito carismática e popular em
toda cidade, foi convidado pelo Partido do Movimento
Democrático Brasileiro, mais conhecido como PMDB, para
ser um dos candidatos a vereador de Boquira.
Naquela época a mineração obtinha todo o poder
político e econômico da Região. Na cidade haviam somente
dois partidos políticos: a Arena, dominada pela Mineração e o
PMDB, que fazia parte da oposição.
Dias antes da votação, bateram forte na porta da casa
do Sr. Juarez Sant´Ana. Ele ficou muito assustado, ao notar
que em seu relógio, marcava meia noite.
Só pode ser notícia ruim! Ninguém incomodaria uma
pessoa tão tarde, pensou Juarez.
Ao abrir a porta, ainda sonolento, levou um susto ao
ver Zezão e mais dois funcionários da Mineração.
Cristiane G. Sant՚Ana
28
- Boa noite, Juarez. – cumprimentou Zezão, homem
forte e conhecido por sua valentia.
- Aconteceu alguma coisa? – perguntou preocupado.
- Não aconteceu absolutamente nada, está tudo bem –
informou Zezão sorrindo. – Estamos aqui em nome da
Mineração, para lhe propor uma aliança que, será vantajosa
para ambas às partes.
- Que tipo de aliança tem a me propor? – perguntou
Juarez desconfiado.
- O que temos a lhe propor é muito simples. Você se
aliará a mineração em decisões políticas e em troca terá seu
emprego de volta – fez uma pequena pausa para avaliar a
reação de Juarez e depois continuou. – Se tornará o
Secretário da Arena e poderá até mesmo, chegar a Prefeitura
de Boquira. O que me diz dessa proposta, Juarez?
Juarez olhou incrédulo para aquele homem, que há
muito tempo conhecia e respondeu indignado:
- Eu me nego a participar dessas trocas de favores –
respondeu irritado. – Minha consciência não permitiria
melhorar minha situação financeira à custa da miséria desse
povo.
- Vamos lhe dar um tempo maior. Poderá refletir
sobre as vantagens dessa proposta – concluiu um deles. –
Não vejo em que, essa proposta poderia trazer miséria a esse
povo.
- Não tenho o que pensar – insistiu Juarez.
Triste Amanhecer
- Sabemos que tem uma família grande – comentou
Zezão. – Afinal, alimentar sete filhos não é uma tarefa nada
fácil.
- Meus filhos se alimentarão com o suor do meu
trabalho. Durante toda minha vida, o alimento servido a
minha mesa, foi e será de procedência limpa e honesta – disse
Juarez irritado.
Juarez notou que os mensageiros pareciam surpresos e
confusos com sua atitude.
- Diga a quem os enviou, que não alimento minha
família com a miséria alheia. Apesar de ser um homem de
poucos recursos, jamais me venderia a uma causa em que,
não acredito e condeno. Aprendi desde criança, que um
homem honrado possui as mãos e consciência limpa.
- É isso o que tem a nos dizer? – perguntou Zezão.
- Sim. Isso é tudo o que tenho a lhes dizer. Tenham
uma boa noite – disse fechando a porta de sua casa.
No dia das eleições, tudo ocorreu com tranquilidade.
Mas na hora da apuração dos votos, Juarez acabou perdendo
para o candidato da Arena. Novamente a cidade estava sob o
comando e domínio da poderosa mineração.
Chateado, resolveu procurar um velho amigo, para
desabafar e falar de sua decepção.
Professor Aroldo era um homem culto, inteligente e
perspicaz. Era uma das raras pessoas que, de tudo conhecia
um pouco.
Cristiane G. Sant՚Ana
30
Frente a sua casa, bateu palma e logo viu o rosto
sorridente daquele bom homem.
- Juarez? – perguntou olhando pela janela.
- Sim, sou eu mesmo.
Abriu a porta e pediu que entrasse.
- O que o trás aqui num momento tão importante? –
perguntou curioso.
- Perdi a eleição para um candidato da Mineração –
disse entrando na casa.
- Estou ciente do que ocorreu. Mas também soube que
você foi o candidato mais votado de seu partido.
- Do que isso adianta, se tudo vai permanecer como
sempre foi.
- Nem tudo está perdido – disse o professor Aroldo.
- O que quer dizer com isso, professor?
- Você foi eleito por voto em legenda.
- O que significa isso? – perguntou interessado,
sentando-se no sofá.
- O voto em legenda é aquele em que o eleitor não
indica um candidato para ocupar uma vaga, mas, sim,
manifesta o desejo de que qualquer candidato daquele partido
ou legenda possa exercer a função – sentou-se no sofá e
depois continuou. – Como você foi o candidato do PMDB
que mais obteve votos, então a cadeira é sua.
- Cadeira?
- Você tem direito a exercer o cargo de vereador, pois
Triste Amanhecer
tem uma cadeira garantida na câmara dos vereadores. – disse
sorrindo ao notar a alegria no rosto de Juarez.
- O senhor tem certeza?
- Claro que sim. Por isso estou confiante de que nem
tudo está perdido nesse lugar – disse encorajando-o.
Juarez agradeceu ao amigo e saiu para dar a notícia a
sua família.
No meio do caminho, encontrou o Juiz corrupto
daquela cidade, que sorria ao vê-lo se aproximar.
- Juarez, soube que perdeu a eleição. Sinto muito –
disse sorrindo com desdém.
- Excelentíssimo Senhor Juiz – disse com ironia. –
Não fique triste, pois acabo de ser informado que fui eleito
por voto em legenda. Já que sou o candidato mais votado do
meu partido, tenho o direito à cadeira na câmara dos
vereadores.
Aquele sorriso debochado sumiu do rosto daquele
homem, que apressadamente saiu sem se despedir.
Juarez decidiu fazer a justiça funcionar naquele lugar.
Iniciou sua empreitada tentando ajudar os lavradores que
foram donos da terra da mineração. Foi buscar ajuda através
de um advogado da região.
Dr. Cistenas Oliveira, homem negro, alto e bem
vestido, famoso por ser um excelente advogado em Caetité.
Apresentou-o aos lavradores e pediu que os ajudassem
a conseguirem ao menos os Royalties da Mineração em
Cristiane G. Sant՚Ana
32
Boquira.
Infelizmente, o advogado sumiu com parte do
dinheiro que os lavradores haviam adiantado a ele. Mais tarde
soube que outros advogados procederam da mesma forma,
uns até melhoraram de situação financeira do dia para a noite.
Após esse fato, a perseguição contra Juarez aumentou
a ponto de proibirem qualquer funcionário da Mineração em
Boquira, entrar em seu estabelecimento, sito a Rua Carlos
França Martins, nome do gerente da Mineração assassinado.
Ele recebia diariamente uma série de ameaças.
Sentindo-se coagido e com medo que fizessem mal a sua
família por causa dele, foi obrigado a fugir. Deixou a esposa e
sete filhos na casa de parentes até possuir condições de trazê-
los para São Paulo.
Outra vítima foi o prefeito Eurípides Bonfim, homem
que se recusou a submeter-se aos caprichos da tal mineração.
Foi um candidato indicado pela própria mineração,
porque fazia parte do quadro de funcionários. Como era uma
pessoa pacata, pensaram que poderiam manobrá-lo como
haviam feito com o antigo Prefeito, Dr. José Lins.
Eles cometeram um ledo engano...
Quando Eurípedes Bonfim se tornou Prefeito de
Boquira, trabalhava na parte da manhã na Prefeitura e a tarde,
na Mineração, como radiotelegrafista.
Nos dois anos de sua administração, conseguiu
trabalhar com tranquilidade, fez algumas obras muito
Triste Amanhecer
importantes como a construção de um ginásio na cidade e
várias escolas em municípios pequenos.
Ao chegar o ano de 1969, data do terceiro ano de sua
administração, os problemas começaram a aparecer quando o
Sr. Prieto da Mineração, mandou seu motorista até a
prefeitura, a fim de procurar o prefeito Bonfim.
- Bom dia, Prefeito – cumprimentou educadamente o
motorista.
- Bom dia. Em que posso ajudá-lo? – perguntou o
Prefeito.
- Eu vim porque o Sr. Prieto pediu que o procurasse,
para levar alguns documentos de registros de proprietários de
terras inscritos no IBRA (Instituto Brasileiro de Reforma
Agrária).
- Diga ao senhor Prieto que tais documentos não
podem sair da Prefeitura – disse com firmeza. – Se ele
realmente precisa de alguma informação, diga a ele que
mande a informação que precisa, ou que me procure à tarde,
quando eu for trabalhar na Mineração.
O motorista saiu e logo em seguida estava de volta.
- Prefeito, o senhor Prieto, mandou dizer que precisa
mesmo é dos benditos documentos – disse constrangido o
motorista.
- Já lhe disse que os documentos não podem sair daqui
– disse calmamente.
- Mas o Prefeito José Lins, mandava esses registros
Cristiane G. Sant՚Ana
34
para ele sempre que fosse preciso.
- Certo. Isso pode ter acontecido em outra
administração. Mas na minha administração, esses
documentos segundo meu entender, pertencem aos legítimos
donos das terras, não posso tirá-los daqui. Eles somente
sairão da prefeitura, com autorização judicial ou com a
autorização dos legítimos donos.
Chegando a mineração, o prefeito procurou pelo Sr.
Prieto.
- Sr. Prieto, desculpa. Mas não posso entregar os
documentos.
Aquele homem ficou calado, não esboçou reação
nenhuma, permaneceu estático e imóvel. O prefeito pediu
licença e se retirou, pois não havia absolutamente mais nada a
ser dito.
Após esse dia, tudo ficou extremamente difícil para o
prefeito e sua administração.
O contador da prefeitura era o mesmo do antigo
prefeito, esse começou a atrasar a contabilidade, após o
ocorrido na mineração, sendo impossível continuar com seus
serviços.
O prefeito Bonfim decidiu contratar o Sr. Deslomar
Galvão, contador do Departamento das Municipalidades de
Salvador. No começo excelente profissional, mas depois,
assim como o antigo contador, começou a encontrar jeitos de
complicar as coisas. Como podem perceber tudo ficou
Triste Amanhecer
complicado.
Numa manhã, dois trabalhadores da Mineração,
apareceram na prefeitura.
- Prefeito Bonfim, viemos aqui para transmitir um
recado referente a uma reunião onde participarão o ex-
prefeito, o Sr. Prieto e dois vereadores. O senhor está
convidado a participar dessa reunião também, informo desde
já, que é de seu interesse participar dessa reunião.
- Qual é o assunto da reunião?
- O Sr. Prieto e Dr. José Lins (ex-prefeito) desejam
aconselhar o senhor a renunciar o cargo de Prefeito.
- Diga a eles que não participarei de nenhuma reunião,
se é que podemos chamar uma baderneira dessas, de reunião.
Não renunciarei ao meu cargo, pois nada tenho a temer.
Devido a esse fato somado a alguns outros, tomei
coragem e denuncie a Mineração e todos os corruptos
daquela cidade, denunciei também o juiz de direito. Foram
cinco ou seis folhas de papéis. Confiava plenamente no poder
das Forças Armadas, enviei ao Presidente da República, Mal.
Costa e Silva com cópias ao CSN “Conselho Nacional de
Segurança”, órgão criado na época para assessorar o
Presidente da República, ao SNI “Sistema Nacional de
Informações” e a Policia Federal em Salvador, cujo delegado
era o coronel Luiz Artur.
O excelente delegado de polícia da cidade pediu
demissão. Decidi ir até Salvador, para pedir ao Secretário de
Cristiane G. Sant՚Ana
36
Segurança pública, a nomeação de um novo delegado para
Boquira.
Retornando a Boquira, Dona Áurea tesoureira da
Prefeitura, veio até minha residência, tão logo soube da
minha chegada. Parecia afobada e muito preocupada quando
a olhei.
- Prefeito Bonfim, infelizmente a notícia que tenho a
lhe dar não é nada boa. – disse a tesoureira.
- Que notícia é essa? – perguntei desconfiado.
- O juiz requereu o livro caixa e levou para a
Mineração Boquira – disse sentando-se à cadeira a sua frente.
– Nos devolveu hoje, o livro completamente borrado.
Pensei: “Quem tem Deus ao seu lado, não teme ao
Diabo”. Sabia que nada havia feito de errado, tudo em minha
administração era limpo e transparente. Estava com a
consciência livre de culpa, sendo assim, não tinha porque
temer.
Na noite seguinte, me dirigi a Salvador para saber o
que deveria fazer, me informei no Tribunal de Contas da
União e quando retornei a Boquira, um amigo correu em
minha direção.
- Prefeito, o senhor sabe o que aconteceu na
prefeitura?
- Não. Mas então, me diga o que aconteceu?
- Você não pode voltar lá, pois o Juiz e a Polícia
Federal arrombaram a prefeitura e o cofre. Estão lá te
Triste Amanhecer
esperando para prendê-lo.
Fui preso. Vi até sair no jornal local: “Ex-prefeito de
Boquira é preso, acusado por desvio de verbas da prefeitura
pelo Juiz da cidade”.
Agora perguntou a vocês:
Pediria o apoio do Presidente da República, ao
Conselho Nacional de Segurança, ao Sistema Nacional de
Informações e até mesmo, a Polícia Federal se houvesse
desviado verbas da Prefeitura?
O meu maior crime foi confiar na justiça dos homens.
Acreditei que não deveria temer por ser inocente,
infelizmente acreditei na honra das pessoas a quem enviei
minha denúncia.
Não me vendi aos caprichos da Mineração em
Boquira. Mesmo quando preso, não me senti envergonhado
ou estúpido por ter sido honesto e honrado meus princípios,
pois minha consciência não me acusa de absolutamente nada.
Mas tenho orgulho em ser um homem incorruptível e
honesto, mesmo pagando um preço altíssimo por isso.
Ao sair da prisão, percebi que havia necessidade de
abastecer o carro. Naquele dia estava junto com minha
família, parei num posto e minha surpresa foi grande ao notar
que, atrás do meu carro estava o juiz, a esposa, o filho e a
babá. Aquele mesmo juiz que havia me condenado porque o
denunciei.
Mil ideias passaram por minha cabeça. Fiquei parado
Cristiane G. Sant՚Ana
38
olhando para aquele homem que, de cabeça baixa olhava para
o volante de seu carro. Ele parecia triste, não posso dizer
com certeza se havia notado minha presença.
Naquele instante não senti ódio ou raiva, somente
pena, pois se eu fosse um bandido poderia matá-lo naquele
exato momento.
Soube tempos depois, que o tal juiz respondeu pela
denúncia que fiz aos federais e houve a cassação de uma
promoção a que teria direito. Não posso dizer com certeza se
isso realmente aconteceu, pois são apenas boatos.
"De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto."
Ruy Barbosa
Triste Amanhecer
Nos dias atuais
Alessandro estava completamente atônito com a
notícia que acabara de receber. Nunca imaginou que aquilo
poderia acontecer com ele.
Naquele momento não conseguia pensar e falar
absolutamente nada, apenas permaneceu estático sem esboçar
nenhuma reação frente a seu médico.
- A medicina está muito avançada. Se fizer o
tratamento corretamente, irá viver alguns anos, não dá para
dizer exatamente quanto tempo – disse o médico.
- Dr. Cláudio, se não é possível a retirada do tumor,
então, não terá muito que fazer. Quanto tempo de vida terei?
- Alessandro, como disse anteriormente a medicina
avançou muito nos últimos anos. Se esse quadro clínico fosse
há vinte anos, então seria um paciente com dias contados e
em fase terminal. Não tenho como dizer, quantos anos
poderá viver. Mas tudo irá depender de como seu corpo
reagirá ao tratamento.
- Que tipo de tratamento terá que fazer doutor?
- Como já sabe, não poderemos retirar esse tumor,
mas para diminuí-lo e evitar que se espalhe por todo o corpo,
teremos que fazer a quimioterapia.
- E quando iniciaremos o tratamento doutor?
- O mais rápido possível – disse o médico com
firmeza. - O ideal seria começarmos a partir de amanhã. Esse
Cristiane G. Sant՚Ana
40
tratamento não será fácil, pois você precisa cooperar para que
ele realmente funcione. E quanto mais rápido iniciarmos,
maior a chance de dar certo.
- E quais serão os efeitos colaterais?
- Os medicamentos inicialmente serão muito fortes.
Eles irão acabar completamente com seu paladar durante o
tratamento, ou seja, deixará de sentir completamente o sabor
dos alimentos. Os enjoos após as sessões de quimioterapia
serão intensos, mas tentaremos controlar com alguns
medicamentos – fez uma pequena pausa, olhou para
Alessandro e continuou. – Sua parte será não faltar às sessões
e se alimentar bem, só assim seu corpo responderá ao
tratamento.
Saiu daquele hospital sem saber o que deveria fazer,
pois sempre ouviu falar daquela doença, mas nunca pensou
que faria parte de sua vida algum dia.
Alessandro aumentou o volume do rádio, como se
aquele barulho, fosse capaz de desviar a atenção de seus
pensamentos.
O farol fechou e ele ficou pensando no que diria ao
pessoal do escritório, quando seu cabelo começasse a cair, ou
quando estivesse passando mal após as sessões de
quimioterapia.
De repente ouviu o barulho de buzina e notou que o
farol já estava aberto, então partiu.
Após chegar ao estacionamento do edifício, notou que
Triste Amanhecer
o manobrista que guardar seu carro, estava com o sorriso de
sempre no rosto.
- Bom dia, doutor – cumprimentou o manobrista.
- Bom dia – respondeu saindo do carro e dirigindo-se
ao elevador.
Será que ouviu direito ou aquele homem lhe
respondeu? Trabalhava há dez anos naquele lugar e aquele
homem nunca lhe dirigiu a palavra, nem mesmo para dizer
bom dia. Isso é um verdadeiro milagre, pensou o manobrista.
Alessandro entrou em seu escritório, cumprimentou a
secretária e entrou em sua sala.
Estava com a agenda lotada de compromissos, mas
não teria condições para atender ninguém. Por sorte não
havia nenhuma audiência marcada naquele dia.
Resolveu pedir à secretária que remarcasse seus
compromissos para outro dia, conforme a disponibilidade de
sua agenda.
Olhou para sua sala, ficou feliz ao notar que havia
conseguido alcançar sucesso em sua carreira profissional. Seu
escritório de advocacia era um dos melhores do Brasil. Ele se
tornou uma lenda, por defender e ganhar causas praticamente
perdidas.
Hoje era dono de um escritório que ocupava três
andares, num dos mais famosos endereços comerciais do
Brasil, a Avenida Paulista.
Ele pensou em tudo o que foi obrigado a abrir mão,
Cristiane G. Sant՚Ana
42
para conseguir o sucesso profissional que havia alcançado.
Assim que concluiu a faculdade, conseguiu uma vaga
como assistente de um dos melhores advogados de São
Paulo. No ano seguinte, conseguiu passar no exame da
Ordem dos Advogados do Brasil e pediu uma chance para
advogar em um dos diversos processos jurídicos daquele
escritório, desde então nunca mais parou.
Durante cinco anos, economizou todo o dinheiro que
ganhava para junto com um amigo de faculdade, montar seu
próprio escritório de advocacia.
No início era apenas um escritório pequeno, mas bem
localizado. Era somente uma espaçosa sala com um banheiro
na Av. Paulista, pois o pai de seu sócio era o proprietário do
imóvel e gentilmente cedeu aquele espaço, para ajudá-los a
iniciar aquele empreendimento.
Nos cinco anos seguintes, conseguiram juntar dinheiro
suficiente para comprar dois andares inteiros num dos
melhores edifícios da Avenida Paulista, nele havia até campo
de pouso para helicóptero.
O escritório de Advocacia Jordan & Marangoni, hoje
era conhecido em todo o Brasil. Mas para chegar a ter
sucesso, passou muitas noites sem dormir e finais de semana
estudando vários processos. Não saía para se divertir como as
outras pessoas, pois seu foco era a ascensão de sua carreira.
Atualmente era um homem com quarenta e dois anos,
com uma carreira profissional sólida e bem estruturada. Mas
Triste Amanhecer
era completamente sozinho, pois seus pais haviam falecido há
quinze anos, num acidente de carro.
Nos últimos meses pensava em construir sua própria
família, mas ao receber a notícia de sua doença, aquilo já não
seria mais possível. Não teria coragem de se envolver com
uma pessoa e fazê-la sofrer. Era um homem tão solitário que,
nem mesmo teria alguém para deixar seus bens.
Não gostaria que as pessoas se lembrassem dele como
um homem amargo, não permitiria que o sofrimento, o
levasse a se transformar numa pessoa revoltada e rancorosa.
Seu foco seria aproveitar cada instante de vida que
ainda lhe restava. Já não poderia se dar ao luxo do tempo,
precisava aprender a viver cada dia, como se fosse o último.
E agradeceria por cada minuto que Deus permitisse continuar
vivo.
Gostaria de fazer algo, que o fizesse sentir-se bem e
orgulhoso de si mesmo. Algo que diminuísse a culpa por ter
defendido, há anos o lado errado de muitas histórias, pois se
tornou uma lenda, fazendo exatamente isso, o culpado
tornar-se inocente.
Abriu seu notebook para ler os e-mails do dia. Mas
não havia nada de interessante, apenas respondeu os mais
importantes.
Precisava desabafar com alguém a respeito de sua
doença, talvez assim, conseguisse sentir-se aliviado por dividir
aquele problema com alguém.
Cristiane G. Sant՚Ana
44
Pensou em seu sócio, mas logo mudou de ideia,
quando lhe ocorreu que essa notícia o deixaria muito abalado.
César era seu grande e único amigo, sempre tiveram os
mesmos ideias e objetivos desde a época da faculdade. Após
tornarem-se sócios e conviverem dia a dia, tornaram-se como
verdadeiros irmãos.
Estava desligando o computador, quando ouviu seu
telefone tocar, atendeu e ouviu a voz de Maebi do outro lado
da linha.
- Dr. Alessandro, temos um grande problema,
precisamos tentar resolvê-lo.
- Qual é o grande problema que temos a resolver,
Maebi? – perguntou sorrindo ao lembrar-se da notícia que
havia recebido naquela manhã. Nada poderia ser pior do
aquilo, pensou.
- Rosana pediu demissão pela manhã, pois seu esposo
foi transferido para Inglaterra e ela irá com ele.
- Então precisaremos encontrar uma segunda
assistente. Procure alguns currículos enviados através do site
da empresa, selecione apenas oito currículos, para uma
entrevista amanhã.
Desligou o telefone e percebeu que já estava na hora
do almoço.
No elevador, apertou o botão do subsolo. Aguardou
até que o manobrista trouxesse o carro. Nesse instante,
percebeu que o sorriso habitual daquele homem havia
Triste Amanhecer
sumido de seu rosto, parecia preocupado e inquieto.
Suprimiu o desejo de lhe perguntar se havia acontecido
alguma. Não conseguia entender o que estava acontecendo,
não havia lógica estar preocupado com um simples
manobrista. A partir da descoberta de sua doença, notou que
tudo estava diferente em sua vida, começava a se importar
com as pessoas, até mesmo com homem.
Somente nesse momento, Alessandro percebeu que
infelizmente, para se proteger do mundo e das pessoas havia
criado uma barreira. Isso o ajudou a se proteger de coisas
ruins, mas só agora se deu conta de que também afastava de
si as coisas boas.
Lembrou-se do tempo em que sua mãe trabalhava
como cozinheira em boas escolas particulares. Ela fazia isso,
para que ele ganhasse bolsa integral de estudos, pois seus pais
jamais teriam condições de pagar uma escola. Trabalhando
como cozinheira, poderia dar ao seu único filho uma
educação de qualidade.
Infelizmente quando seus amigos descobriam que sua
mãe era a cozinheira da escola, começavam a ridicularizá-lo
na frente de todos.
Para se proteger das pessoas, ele escondeu que sua
mãe era a cozinheira da escola e não fez mais amizade com
ninguém, tornara-se uma pessoa solitária e aprendeu a não se
importar com ninguém a sua volta, desse modo evitava
sofrimento e decepção.
Cristiane G. Sant՚Ana
46
Nunca sentiu vergonha de sua mãe, pelo contrário,
sabia que ela era uma guerreira e poderia ter um emprego
melhor. Mas sacrificava-se numa cozinha, para que ele tivesse
condições de ter uma boa educação e consequentemente
maiores oportunidades na vida.
Ela costumava dizer que nada levávamos desse
mundo, a não ser o “saber”, pois o saber morria com seu
dono.
Ele sempre soube aproveitar o que sua mãe lhe
ofereceu. Sempre foi um aluno brilhante. Estudava muito
para conseguir alcançar as melhores notas e talvez
futuramente, conseguisse passar numa universidade federal.
E aconteceu exatamente como havia planejado. Passou
na melhor universidade federal de São Paulo.
Ainda conseguiu recompensar os pais que já estavam
aposentados. Deu-lhes uma belíssima chácara em Jundiaí. Sua
mãe realizou o sonho de construir uma horta orgânica, onde
durante algum tempo, conseguiu comer alimentos sem
agrotóxicos.
Mas Deus levou os dois num acidente estúpido, onde
um caminhoneiro dormiu ao volante batendo no carro deles,
que não conseguiu desviar a tempo da colisão.
Todos morreram naquele acidente. Meses depois,
processou a empresa culpada pelo acidente, que acabou com
a vida de três pessoas. Essa empresa obrigava os funcionários
a entregarem cargas num curto espaço de tempo, não dando
Triste Amanhecer
as horas adequadas, para que seus caminhoneiros dormissem
o suficiente, a fim de evitar acidentes como aquele.
Ganhou uma boa indenização. Parte desse dinheiro
conseguiu comprar trinta por cento da parte de seu sócio,
tornando-se assim, sócio majoritário do escritório. Comprou
também mais um andar naquele mesmo edifício.
Agora seu escritório de advocacia possuía três andares
e muitos advogados para conseguir cumprir os vários
processos que entravam todos os dias naquela empresa.
Seus pensamentos foram interrompidos pelo
manobrista.
- Doutor, seu carro está aqui – disse o manobrista.
- Você parece preocupado, aconteceu alguma coisa? –
indagou preocupado.
- São as preocupações do dia a dia. Preciso aprender a
esconder minhas preocupações. Afinal, ninguém tem culpa
dos meus problemas.
- Posso ajudá-lo?
- Estou precisando entregar um trabalho na escola
sobre Chernobyl. Não consegui encontrar tempo para ir a
Lan House. Como estamos no final do mês, estou sem
dinheiro para mandar imprimir o bendito trabalho. Mas vou
dar um jeito nisso, sempre consigo. Deus sempre ajuda quem
se esforça para vencer na vida – disse sorrindo com
convicção.
- Qual é o horário de seu almoço?
Cristiane G. Sant՚Ana
48
- Às treze horas, doutor.
- É o tempo em que estarei de volta. Quando chegar,
subiremos até meu escritório para ver o que podemos fazer.
Dr. Alessandro notou que aquele homem parecia
aliviado, por saber que alguém o ajudaria.
- Obrigado, doutor. Nem sei como agradecê-lo. Às
vezes a ajuda vem de quem menos se espera.
Saiu daquela garagem feliz por estar ajudando aquele
pobre homem. Percebeu naquele instante, que se cada pessoa
se importasse com seu próximo, todos viveriam num mundo
mais acolhedor e justo. São pequenos atos do nosso cotidiano
que fazem uma diferença incrível no final. São com pequenos
gestos que podemos fazer uma grande diferença na vida das
pessoas.
Ao retornar do almoço, o manobrista guardou seu
carro e depois os dois subiram até o escritório.
Maebi parecia curiosa ao ver o manobrista entrar junto
com o Dr. Alessandro em sua sala.
- Você poderá usar aquele computador – disse
apontando para um computador que estava encostado no
canto da sala.
- Obrigado, doutor.
- Entre em algum site de buscas e escreva a palavra
Chernobyl, terá várias opções a escolher.
Depois de alguns minutos, aquele homem parecia
espantado com algo escrito na internet.
Triste Amanhecer
- Meu Deus! Há uma reportagem na internet com o
seguinte titulo: “A Chernobyl Brasileira: Santo Amaro da
Purificação - BA”. Já ouviu falar disso doutor?
- Está me dizendo que existe um lugar no Brasil, com
uma contaminação semelhante à de Chernobyl?
- Está escrito na internet – disse confirmando. – O
doutor já ouviu falar, que no Brasil tivemos uma
contaminação igual à de Chernobyl?
- Jamais ouvi falar a respeito dessa contaminação –
disse preocupado.
- Pois é doutor, também nunca ouvi falar a respeito
desse assunto, mas pelo que vejo isso aconteceu.
- Que tipo de contaminação houve nesse lugar?
- Pelo que estou lendo na reportagem, os funcionários
foram contaminados por chumbo e essa empresa foi
responsável pela morte de milhares de pessoas. Nela havia a
fabricação de lingotes de chumbo e foi fechada no ano de
1993, deixando a céu aberto toneladas de materiais tóxicos.
Esses materiais provocou a contaminação do Rio Subaé. Para
piorar a situação, esse rio abastece todo o município de Santo
Amaro da Purificação, Bahia. Aquelas águas foram
contaminadas por chumbo e cádmio, metais extremamente
nocivos à saúde humana.
- Nunca ouvi falar dessa história. Sempre ouvimos
falar de fatos ocorridos em outros países, mas não me
recordo dessa notícia. Provavelmente os noticiários não
Cristiane G. Sant՚Ana
50
deram muita ênfase no caso.
- Verdade. Estudamos sobre Chernobyl, mas nunca
ouvimos falar ou estudamos a contaminação que houve em
nosso próprio país. Às vezes pensamos que miséria como
essa, acontece somente em outros países.
Aquele homem terminou de imprimir seu trabalho
escolar, agradeceu por sua ajuda e saiu.
Sentia-se confuso, havia uma parte dentro de si muito
triste, por causa da notícia que recebera a respeito de sua
saúde. Mas a outra parte sentia-se satisfeita, porque ajudou
aquele pobre homem vencer mais um pequeno obstáculo de
sua vida.
Decidiu buscar na internet, mais dados sobre o caso da
contaminação por chumbo. Encontrou no portal G1 da
globo.com, uma notícia com a data de vinte e nove de abril
de dois mil e oito. Nessa reportagem, havia a informação do
número de vítimas feita pelo chumbo daquele caso que,
chegaram a duzentas e noventa e seis pessoas. A última morte
fora registrada no sábado, dia vinte e seis de abril de dois mil
e oito. Agora com certeza, deveria ter um número bem maior
de vítimas.
Triste Amanhecer
Que país é esse?
Encontrou vários vídeos na internet que falavam
sobre a contaminação, mas um deles tocou seu coração de
maneira especial.
A história do Sr. José Silvério Figueroa. Essa é uma
história muito parecida com a de muitos ex-funcionários
daquela mineradora.
“Durante vinte e cinco anos trabalhei duro naquele
lugar. Minha única recompensa foi adquirir uma doença
causada pela contaminação por chumbo no sangue,
conhecida como saturnismo.
Essa doença trouxe a perda do equilíbrio de meu
corpo, perdi também a visão do olho esquerdo, sou
hipertenso, tenho transtorno bipolar e por fim, a paralisia
toma conta de meu corpo lentamente.
Estou cansado de ver meus amigos morrerem,
deixando esposa e filhos desamparados. A morte para
muitos aqui, significava o término de anos de sofrimento.
Essa doença acaba com a saúde das pessoas, pouco
a pouco, dia a dia, lentamente.
Muitos acabam seus dias, com a mentalidade de
uma criança, usando fraldas, não sabem discernir o certo
Cristiane G. Sant՚Ana
52
do errado, não tem noção de quem são e já não
reconhecem as pessoas, enfim, vivem em seu próprio
mundo, pois não são capazes de compreender o que
acontece ao seu redor.
Nessa cidade, estamos entregues a justiça divina,
pois a justiça dos homens, há anos nos abandonou a nossa
própria sorte.
Promessas políticas, nunca se concretizam nesse
lugar.
Minha gente, um país bom para se viver é feito por
um governo justo, que luta em favor de seu povo e pelo
crescimento de seu país, nunca o contrário. O que temos é
um bando de covardes que usavam de discursos
inflamados de boas intenções, quando na verdade, em
seus corações só há o desejo de enganar seu povo com
falsas promessas.
E são esses covardes que nunca fiscalizaram as
atividades poluentes daquela empresa francesa, que
durante décadas lucrou milhões com o nosso minério e
como pagamento, deixou seus trabalhadores doentes e
montanhas de lixo tóxico, como chumbo e cádmio
expostos a seu aberto, ocasionando a contaminação do
solo e das águas do Rio Subaé, rio esse, que abastece as
casas de Santo Amaro da Purificação.
Triste Amanhecer
Aqui há sobreviventes de uma carnificina, causada
pela ambição de uma empresa francesa, que nunca
considerou seus funcionários, ou até mesmo o povo local,
como seres humanos. O pior de tudo foi o descaso do
governo brasileiro com seu povo, que nada fez para
impedir essa tragédia.
Eu sei que minha saúde acabou, mas preciso gritar,
para que o Brasil inteiro saiba: Existe um lugar onde
pessoas estão morrendo contaminadas, como em
Chernobyl. Essa contaminação é por chumbo e cádmio
metais extremamente perigosa à saúde humana.
Deixo a todos que estão assistindo essa
reportagem, uma pergunta, para que pensem e reflitam:
Que país é esse que, vendo seu povo morrer,
permanece de braços cruzados?
Aquele vídeo mudara completamente sua vida. A
reflexão deixada por aquele homem humilde mostrava que
todos nós temos uma pequena parcela de culpa, quando
ignoramos o que acontece ao nosso redor.
Decidiu ajudar aquele homem. Pegou o telefone e
ligou para a secretária.
- Maebi, preciso que me ajude a encontrar o telefone
de uma pessoa.
- Sim. Qual é o nome dessa pessoa, doutor?
Cristiane G. Sant՚Ana
54
- O nome dessa pessoa é José Silvério Figueroa, mora
na Bahia, numa cidade chamada Santo Amaro da Purificação.
- Não se preocupe, não será difícil encontrá-lo.
Ele desligou o telefone e pediu em oração, que Deus o
enviasse uma assistente competente que o ajudasse com
aquele caso, embora há muitos anos, não acreditasse mais em
Deus.
Triste Amanhecer
A resposta
Naquele mesmo dia, Alexia estava feliz por
conseguir pegar seu diploma do curso de direito, que
concluiu com muito sacrifício e determinação.
Lembrou-se o quanto foi difícil ter que trabalhar e
estudar. Durante o dia trabalhava com telemarketing. A noite
atravessa a cidade pegando ônibus e trem lotado, para
conseguir chegar à faculdade.
Além de tudo isso, tinha que fazer milagre com o
salário que recebia, pois com ele só conseguia pagar a
faculdade e o transporte.
Seu pai costumava ajudar com o dinheiro para
comprar as apostilas e os livros que não conseguia encontrar
na biblioteca da faculdade ou de seu bairro.
Durante cinco anos, não havia dinheiro para comprar
uma única peça de roupa ou sapato. Para dizer a verdade, não
havia dinheiro sobrando, nem mesmo para comprar uma
bala.
Estava muito emocionada ao conseguir pegar seu
diploma na secretaria da faculdade. Ficou um pouco chateada
por não ter dinheiro para participar do baile de formatura.
Mas já era uma grande vitória conseguir concluir aquele
curso, sem deixar nenhuma pendencia. Agora a meta era
passar no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, pois
só com ele, poderia advogar perante um juiz. Se não
Cristiane G. Sant՚Ana
56
conseguisse, teria que continuar trabalhando como assistente
até alcançar essa meta.
Ouvi o celular tocar e procurou por ele em sua bolsa.
Foi difícil encontrá-lo, pois sua bolsa sempre andava muito
de cheia e encontrar alguma coisa ali, era um verdadeiro
sacrifício. Até que finalmente encontrou.
- Filha, conseguiu pegar seu diploma? – ouviu a voz de
sua mãe do outro lado da linha.
- Sim. Ele está em minhas mãos nesse exato momento
– concluiu sorrindo, sem acreditar que finalmente, tinha
aquele diploma em suas mãos.
- Parabéns, Alexia! Mas não estou telefonando por esse
motivo. Nesse exato momento, tenho uma excelente notícia
para lhe dar.
- Diga logo mãe, pois estou curiosa. Qual é a notícia?
- É sobre aquele escritório grande que você enviou um
currículo. Uma mulher ligou e disse que terá uma entrevista
amanhã às oito horas. Informaram que a vaga é para segunda
assistente do Dr. Alessandro Jordan.
- Mãe, você consegue recordar qual é o nome do
escritório?
- Sim. O nome é Jordan & Marangoni.
- Tem certeza? – perguntou sem acreditar no que
acabara de ouvir.
- Claro. Eu até anotei o nome, pois não conseguiria
lembrar-me de um nome tão difícil como esse.
Triste Amanhecer
- Mãe, minha vida irá mudar muito a partir de agora –
disse animada.
- Parece um emprego muito bom.
- Sim. É o maior escritório de advocacia de São Paulo.
Minutos depois desligou o celular e caminhou até
chegar ao ponto de ônibus.
As coisas estavam começando a dar certo. Alexia havia
passado por muitas dificuldades e seus esforços estavam
sendo finalmente recompensados. Ela recordou de um dito
popular que sua mãe sempre dizia: “Ninguém vence na vida
comendo doce e para alcançar nossos objetivos, temos que
correr atrás deles”.
Ao chegar em casa, percebeu que sua mãe não estava
na cozinha, como era de costume.
- Mãe, onde você está? – perguntou em voz alta.
- Na lavanderia, estou estendendo algumas roupas no
varal – gritou a mãe.
- Nem acredito que finalmente consegui pegar o
diploma. E o melhor de tudo isso, é que amanhã tenho uma
entrevista num grande escritório de advocacia.
- As coisas estão começando a dar certo, Alexia. –
disse a mãe sorrindo. - Onde está seu diploma? Vá buscar
minha filha, pois quero vê-lo.
Nesse momento, foi até a sala e pegou o diploma.
Logo em seguida, entregou a mãe que já estava na cozinha
preparando o jantar.
Cristiane G. Sant՚Ana
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- Tenho muito orgulho de você, sei que não foi fácil
conseguir concluir esse curso – disse abraçando Alexia. – Mas
nunca deixei de acreditar que você conseguiria.
- Obrigada, mãe. Sei que não teria conseguido sem a
ajuda de vocês – falou emocionada. - Preciso tomar uma
ducha para conseguir relaxar um pouco.
Foi ao banheiro e ficou meia hora debaixo do
chuveiro, deixando que aquela água quente escorresse por seu
corpo cansado. Sentiu que toda a tensão do dia estava indo
embora.
Agora era só saborear o apetitoso jantar que sua mãe
havia preparado. Ela já havia colocado a mesa do jantar
quando chegou à cozinha. Percebeu que sua mãe olhava para
o relógio, pareceria preocupada.
- Seu pai está demorando, foi ao mercado e ainda não
voltou.
- Hoje é o dia em que as pessoas costumam receber o
salário do mês, o supermercado provavelmente deve estar
lotado – informou Alexia encostada na geladeira.
Alexia ajudou sua mãe a preparar uma salada para o
jantar, quando seu pai finalmente chegou.
Ele parecia cansado com aquelas sacolas nas mãos.
Noel é era um homem com um coração maior do que a terra,
pois sempre procurava ajudar as pessoas que o procuravam.
Era capaz de dar a roupa que vestia se alguém precisasse. Sua
mãe às vezes precisa chamá-lo a razão, pois às vezes, as
Triste Amanhecer
pessoas acabavam se aproveitando dele.
Apesar de serem pobres em sua casa nunca faltou
absolutamente nada. Seu pai sempre foi um homem muito
trabalhador. Alexia não se recordava de vê-lo faltar um único
dia em seu trabalho.
- Boa noite, minhas meninas – cumprimentou
colocando as sacolas no chão da cozinha. - O supermercado
estava lotado. As filas estavam imensas, pensei que nunca
conseguiria sair daquele lugar – resmungou seu pai.
- Boa noite, Noel. Alexia tem novidades para lhe
contar.
- Diga minha filha, conseguiu pegar o bendito
diploma? – perguntou curioso.
- Sim, peguei meu diploma e amanhã terei uma
entrevista num escritório de advocacia.
- As coisas estão começando a dar resultado. Vemos
que valeu a pena tanto sacrifício! – concluiu.
Naquela noite, a comida estava deliciosa como sempre.
Alexia falou sobre suas metas durante todo o jantar,
conversaram animadamente sobre o Corinthians que jogaria
naquela noite. Seu pai e ela eram Corintianos, enquanto sua
mãe era Santista. Hoje haveria uma guerra dentro daquela
casa, pois o Santos jogaria contra o Corinthians, naquela
noite.
Após o jogo, decidiram parar de aborrecer sua mãe
pela vitória do Corinthians, pois estava começando a ficar
Cristiane G. Sant՚Ana
60
irritada com as piadinhas que seu pai dizia.
Alexia resolveu escovar os dentes e em seguida foi
para o seu quarto. Precisava escolher uma roupa adequada
para a entrevista de amanhã. Ao abrir o guarda-roupa,
observou que não havia muitas opções.
Pensou em recorrer à ajuda de sua mãe, pois usavam o
mesmo número de roupa e calçado. Eram muito parecidas:
cabelo preto, olhos azuis, corpo esbelto e a altura de ambas,
não eram muito comum em mulheres, mais de um metro e
oitenta.
- Mãe, você tem alguma roupa bonita para me
emprestar? Em meu guarda-roupa, não vejo nada que sirva
para colocar numa entrevista.
- Alexia, dê uma olhadinha em meu guarda-roupa e
escolha o que quiser.
- Mãe o que poderia vestir para esta entrevista? –
insistiu - Ajude-me, por favor! – disse em tom de súplica.
- Veja se encontra uma saia preta justa e a blusa de
seda branca. Acredito que irão ficar bem em você.
Gostou da sugestão de sua mãe, pois aquela roupa
ficou perfeita em seu corpo. Resolveu colocar um sapato
preto de salto que havia ganhado de uma amiga. Pronto, a
combinação ficou perfeita, pensou.
Agora que estava tudo separado para vestir amanhã,
dormiria mais tranquila, pois entraria em pânico se deixasse
tudo para última hora. Tudo em sua vida tinha que ser pré-
Triste Amanhecer
determinado, assim tudo ficava mais fácil e prático.
Na manhã seguinte, acordou assustada quando notou
o sol bater em sua janela. Estava atrasada para a entrevista,
não daria tempo de tomar uma única xícara de café.
Por sorte o ônibus não demorou a passar, apesar de
extremamente lotado a ponto de não conseguir tirar o pé do
lugar, caso o fizesse, teria que permanecer com somente um
pé no chão até chegar ao seu destino.
Subiu no elevador do suntuoso edifício da Av.
Paulista. Sentiu um pouco de tontura, pois aquela era uma
manhã quente e abafada, fazia dias que não chovia e a
sensação térmica na rua era infinitamente maior do que o
registrado nos termômetros espelhados por toda a cidade.
Na recepção, disse seu nome e uma mulher a levou até
uma espaçosa sala, ricamente mobiliada, com sete pessoas
que também aguardavam serem chamadas.
Quando Alexia entrou na sala, percebeu que chamou a
atenção dos demais candidatos. Possuía uma estatura
invejável, um metro e oitenta e cinco de altura, isso chamava
atenção por onde passava. Era dona de um corpo esguio, não
por ser adepta a malhação, mas por não ter facilidade em
engordar. Detestava fazer exercícios físicos, mas costumava
caminhar muito para economizar dinheiro, talvez isso a
ajudasse a manter seu belo corpo.
De repente uma porta se abriu e apareceu um homem
alto e muito atraente. Parecia ter aproximadamente um metro
Cristiane G. Sant՚Ana
62
e noventa e oito de altura e seu cabelo era preto, já começava
mostrar alguns fios brancos, olhos acinzentados e um
belíssimo corpo atlético.
Era uma figura que exala poder, pois a secretária
parecia pouco a vontade com sua presença.
- Maebi, providencie o telefone do deputado Valdemar
Kavinsky do estado da Ceará – disse de forma autoritária. –
Preciso disso para ontem, pois quero falar com esse homem
urgente a respeito de um dos processos que estou
trabalhando – disse fechando novamente a porta.
A secretária parecia perdida com o pedido feito por
aquele homem.
- Meu Deus, esse homem pensa que tenho bola de
cristal. – disse em voz alta. - Ele nunca falou com esse
bendito deputado na vida e eu tenho que dar conta desse
telefone – disse indignada.
Parecia nervosa e sem saber por onde começar.
– Ele pensa que é fácil conseguir o telefone particular
de um deputado – resmungou com indignação.
Naquele momento, Alexia saiu daquela sala e ligou
para um amigo que trabalhava na recepção da Câmara dos
Deputados. Pediu a ele que conseguisse o telefone do tal
deputado.
Minutos depois, seu amigo retornou a ligação com o
número do celular daquele homem.
Parece que Deus está do meu lado, pois talvez esse
Triste Amanhecer
fato me ajude a conseguir o emprego, pensou.
Minutos depois, a secretária chamou por seu nome,
passando-a na frente dos demais candidatos.
Entrou na belíssima sala do entrevistador e percebeu
que ele examinava seu currículo atentamente, até que
finalmente voltou sua atenção para ela.
- Soube que você conseguiu o telefone do deputado –
fez uma pausa e continuou. - Sempre é tão eficiente? –
perguntou com olhar examinador.
- Tenho um amigo que trabalha na Câmara dos
Deputados, resolvi pedir a ele o telefone. Parece que foi uma
excelente ideia, pois agora estou aqui na sua frente.
Aquele homem baixou os olhos para o papel que
estava a sua frente e parecia examiná-lo atenciosamente.
- Seu nome é Alexia – disse lendo o currículo. -
Acabou de concluir o curso universitário, trabalhou com
telemarketing e não possui experiência alguma nessa área –
olhou novamente ela. – Porque acha que a contraria para
trabalhar comigo, já que não possui experiência nenhuma
nessa área?
Engoliu em seco sem saber o que dizer naquele
instante, pois aquele homem a deixava sem ação, em sua
cabeça havia somente uma enorme tela branca, não conseguia
pensar em nada a dizer.
Veio-lhe a mente o conselho de seus amigos de
faculdade, ao desencorajá-la a enviar seu currículo para os
Cristiane G. Sant՚Ana
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grandes escritórios de advocacia. Eles diziam que o melhor a
fazer, era começar com os pequenos escritórios para
conseguir um pouco de experiência.
- Então, me responda – insistiu aquele homem. -
Porque deveria contratá-la? – disse impaciente. – Você é uma
mulher extremamente bonita, talvez seu lugar não fosse num
escritório de advocacia e sim nas passarelas – concluiu com
descaso.
- Desculpe senhor, não estudei tanto tempo para andar
em passarelas. Tenho certeza absoluta, que ao me contratar
terá a melhor assistente que já passou por esse escritório. –
disse fingindo ter uma convicção longe de realmente existir.
Aqueles olhos pareciam querer intimidá-la, mas algo
fez com que se acalmasse e tentasse manter o equilíbrio.
- Posso não ter experiência, mas tenho alguns fatores a
meu favor. Aprendo com extrema facilidade, busco a
excelência em tudo o que faço – tirou a mecha de cabelo do
rosto e prosseguiu. - Sou uma pessoa com iniciativa,
detalhista e não costumo desistir das coisas facilmente.
Acredito que fatores como esses são importantes para o
cargo que tem vago.
- Porque devo contratar você e não o outro candidato?
- Além de tudo o que falei, darei o melhor de mim e
não cometerei erros, já que existem outros candidatos que
poderão me substituir, caso prove não ser merecedora de
pertencer a essa empresa.
Triste Amanhecer
Ele a olhou por um longo momento até que
finalmente decidiu falar.
- Parece ser uma mulher muito determinada, gosto
disso – baixou os olhos e parecia pensar enquanto olhava os
papéis sobre sua mesa.
Finalmente voltou a olhar para ela e sorriu de maneira
envolvente.
- Devo estar louco, mas lhe darei uma chance – disse
sorrindo mostrando dentes incrivelmente brancos. – Ao sair,
diga a secretária para dispensar os demais candidatos.
Aproveite e peça a lista de documentos que deverá trazer
para sua contratação.
Alexia suspirou aliviada, não conseguia acreditar que
havia conseguido aquela vaga.
- Muito obrigada, senhor... – ficou constrangida por
não saber o nome dele, afinal não haviam lhe informado o
nome do entrevistador.
- Eu sou o Dr. Alessandro Jordan. Irá ser minha nova
assistente a partir de amanhã – informou. – Agora vá e
amanhã compareça às oito horas em ponto, não suporto
atrasos – baixou os olhos novamente para os papéis em cima
de sua mesa.
Ao sair da sala, falou à secretária que o doutor havia
pedido que dispensasse os demais candidatos e solicitou a
lista de documentos que deveria trazer para a sua contratação.
- Ele a contratou? – perguntou. – Doutor Alessandro é
Cristiane G. Sant՚Ana
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realmente uma caixinha de surpresas.
- Sim, ele me contratou. Porque está tão espantada
com a minha contratação?
- Simplesmente porque havia pessoas com mais
experiência que você. Seja bem-vinda, com certeza deve ser
muito eficiente, pois o Dr. Alessandro é muito criterioso na
escolha de seus assistentes.
A secretária a levou até o Departamento Pessoal, onde
preencheu a ficha de contratação e pegou a lista de
documentos que deveria trazer no dia seguinte.
Um rapaz simpático levou Alexia a outros andares, que
também pertenciam à advocacia. Ele a apresentou a todos
que ali trabalhavam.
Quando já havia resolvido tudo, o rapaz pediu que o
office-boy entregasse à ficha de admissão à secretária, para
que fosse assinada por doutor Alessandro.
Despediram-se e pediu que chegasse amanhã às oito
horas e antes do almoço desse uma passadinha ao
Departamento Pessoal, para entregar os documentos.
Alexia caminhou em direção ao elevador e avistou o
Dr. Alessandro que apertava o botão para chamá-lo com
impaciência.
Aquele homem se vestia com elegância e bom gosto,
sem dúvida era o homem mais cheiroso que já conheceu em
sua vida. Sua colônia cítrica possuía um aroma másculo que
combinava perfeitamente com o poder que representava
Triste Amanhecer
naquele escritório. Aquela colônia cítrica masculina era
simplesmente marcante.
O elevador chegou. Ele abriu a porta para que ela
entrasse, apertou o botão do subsolo e perguntou em que
andar ela desceria. Notou que não havia aliança alguma em
seu dedo, pelo jeito deveria ser um solteirão convicto, mas
não dava para ter certeza, pois grande parte dos homens de
hoje, não costumavam usar aliança.
No elevador havia um silêncio constrangedor até que
chegaram ao andar térreo, onde Alexia desceu e o doutor
prosseguiu até o subsolo.
Seu celular tocou. Ela procurou por ele
desesperadamente até que finalmente conseguiu encontrá-lo,
dentro daquela bolsa cheia. Era sua mãe querendo saber se
havia conseguido o emprego.
Saiu daquele edifício, conversando com ela pelo
celular. Quando de repente, ouviu um carro frear
bruscamente parando quase em cima dela. Nesse momento
sentiu sua visão escurecer e não enxergou mais nada.
Após alguns segundos, abriu os olhos que estavam
ligeiramente embaçados e notou que um homem muito alto
estava chamando uma ambulância, pelo jeito, deveria ter
desmaiado.
- Senhor, não haverá necessidade de chamar uma
ambulância, pois eu me sinto bem agora – disse levantando-
se do chão envergonhada ao notar o pequeno grupo de
Cristiane G. Sant՚Ana
68
pessoas a sua volta.
Seus olhos aos poucos voltaram ao normal. Notou que
o homem alto, era o doutor Alessandro, parecia visivelmente
aliviado ao vê-la levantar-se.
- Meu Deus, você está bem? – perguntou intrigado.
- Me desculpe doutor. O dia está muito abafado e
quente, talvez minha pressão tenha baixado – informou
constrangida.
- Você comeu alguma coisa hoje? – perguntou
preocupado.
Lembrou que não havia tomado o café naquela manhã,
pois havia acordado tarde.
- Não comi nada pela manhã, pois hoje acordei
atrasada.
- Vamos almoçar agora e depois a levarei ao hospital,
para ver se está tudo bem com você – pegou-a pelo braço e
abriu a porta de seu carro para que entrasse.
- Estou bem, não vejo necessidade de levar-me a
nenhum hospital.
Ele entrou no carro e deu a partida dispersando aquele
pequeno aglomeramento de pessoas.
- Quantos anos você tem? – perguntou visivelmente
irritado.
- Tenho vinte e seis anos – disse embaraçada.
- Com sua idade as pessoas já deveriam saber que não
pode andar por aí, sem olhar com atenção ao passar em
Triste Amanhecer
frente a uma garagem.
- Desculpe, eu estava falando com minha mãe no
celular e acabei me distraindo – ela não sabia o que dizer, pois
tudo o que dissesse, não justificaria sua atitude irresponsável
e infantil.
Olhou para as mãos que seguravam aquele volante,
eram grandes, bonitas e bronzeadas e suas pernas pareciam
musculosas sob o tecido da calça. Notou que seu nariz era
levemente arrebitado e ainda havia aqueles irresistíveis olhos
acinzentados. Dr. Alessandro era sem dúvida, um homem
muito bonito.
De repente ele virou o rosto em sua direção. Ela notou
que aqueles olhos acinzentados a olhavam com uma
expressão divertida, talvez tenham percebido que o estava
observando atentamente. Tentou disfarçar, pois ele conseguia
deixá-la totalmente embaraçada e insegura.
- Chegamos – informou o doutor.
Estava abrindo a porta do carro, quando ele a deteve
abruptamente.
- Espere – saiu do carro e em seguida abriu a porta
para que ela saísse.
Uma mulher simpática veio atendê-los na porta do
restaurante.
Ela os levou até uma mesa e informou que o garçom
os atenderia em alguns instantes. O garçom realmente não
demorou a aparecer trazendo o cardápio.
Cristiane G. Sant՚Ana
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Os olhos de Alexia saltaram ao observar os preços
daquele lugar. O que faria? É muita miséria para um só dia.
Primeiro, havia perdido a hora e precisou sair correndo
porque estava atrasada. Depois, pegou aquele ônibus lotado,
em seguida quase foi atropelada e desmaiou caindo dura no
chão. Agora não tinha dinheiro para comprar absolutamente
nada daquele lugar, constatou Alexia.
Ele fechou o cardápio e olhou em sua direção,
aguardando que escolhesse algo.
- Vou ter que ir embora doutor, pois o dinheiro que
tenho em minha carteira, não daria para pedir a sopa deste
lugar – falou em voz baixa para que a pessoa ao lado, não
ouvisse.
Ele soltou uma gargalha espontânea e depois se
conteve, ao notar que as pessoas olhavam curiosas em sua
direção.
- Não se preocupe com os preços e escolha o que
desejar, pois hoje você é minha convidada – disse com um
sorriso perturbador.
A aparência da comida era maravilhosa, mas estava
nervosa demais para conseguir sentir o sabor de qualquer
coisa.
Conversaram durante todo o almoço. Desde o início a
conversa fluiu espontaneamente, parecia que se conheciam há
muito tempo. Dr. Alessandro confessou que não nasceu rico
como seu sócio, mas tudo o que conseguiu foi com muito
Triste Amanhecer
esforço, dedicação e muito trabalho.
Disse que havia perdido os pais num acidente há
quinze anos, mas ainda sentia muita falta deles. Confessou
que sua mãe havia trabalhado como cozinheira em escolas
particulares, para que tivesse direito a bolsa de estudos. Assim
estudou nos melhores colégios de São Paulo.
Ela ficou encantada e impressionada com a história
daquele homem. Comentou que as coisas para ela, também
nunca foram fáceis, principalmente concluir a faculdade.
Confessou que muitas vezes pensou em desistir. Sorriu ao
comentar que muitas vezes passou fome, por não ter dinheiro
para comprar um único lanche, só conseguia se alimentar
quando chegava meia-noite em sua casa.
- Minha mãe tem uma frase que sempre me ajuda na
hora de tomar uma decisão e manter-me firme nas horas
difíceis.
- Qual é a frase? – perguntou Dr. Alessandro.
- Na vida tudo tem um preço, nada é de graça.
Precisamos decidir se vale a pena pagar o preço ou não.
- Concordo com sua mãe, pois para conseguirmos
alguma coisa nessa vida, precisamos de empenho e
determinação. Precisamos estabelecer metas e nos
esforçarmos para atingi-las. Nenhum sucesso é alcançado se
não corrermos atrás daquilo que desejamos, pois as coisas
não caem do céu.
Quando saíram do restaurante, Alexia agradeceu o
Cristiane G. Sant՚Ana
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almoço e perguntou se havia alguma estação de metrô por
perto.
- Entre em meu carro. Eu a deixarei em frente a uma
estação metrô.
Após deixá-la na estação, Alexia resolveu passar na
casa de uma amiga de faculdade.
Gení era uma de suas melhores amigas, costumavam
fazer todos os trabalhos de faculdade no mesmo grupo. Ela
sempre a incentivava a não desistir de seus objetivos.
- Alexia, sempre soube que você conseguiria um
emprego como esses, pois você é persistente em tudo o que
faz. Esse escritório com certeza fez uma excelente contração.
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