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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
CURSO PSICOPEDAGOGIA
INTERVENÇÃO DOCENTE NO PROCESSO DE ELEVAÇÃO DA
AUTO-ESTIMA
POR:
Lilia da Silva Cordeiro
Monografia apresentada para avaliação do
curso de Psicopedagogia.
Orientadora:
Professora Mary Sue Pereira
Niterói
2005
2
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho aos meus pais, que desde
cedo me fizeram acreditar no meu valor e na
minha importância como ser humano.
3
Agradecimento
Meus profundos agradecimentos:
Ao meu marido Edvanio.
Ao meu irmão Levy
À Secretária Andréa pela presteza na
execução do trabalho digitado.
4
Educar para a auto-estima é função do
professor que não é só um mero transmissor
de saberes e conhecimento, mas, antes de
tudo, um educador, um comunicador de
valores e ponto de referência para alunos e
alunas.
5
Sumário
Introdução ---------------------------------------------------------------------------------6 à 8
Capítulo I
Pressupostos Teóricos
1- A auto-estima: breves considerações sobre suas particularidades ------------10 à 14
2- O que é prática pedagógica? -------------------------------------------------------15 à 19
Capítulo II
Relações entre auto-estima e fracasso escolar --------------------------------------21 à 25
Capítulo III
O processo de Reconstrução da auto-estima: O caso da Escola Estadual Ministro
Luís Sparano -----------------------------------------------------------------------------27 à 34
Capítulo IV
Predominância do professor em elevar ou derrubar a auto-estima do aluno-----36 à 39
Conclusão --------------------------------------------------------------------------------40 à 42
Bibliografia ------------------------------------------------------------------------------43 à 44
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Introdução
A questão central presente neste estudo, a intervenção docente no processo
de elevação de auto-estima do aluno, foi desencadeado ao longo da nossa trajetória
como docente do Ensino Fundamental, 1ª a 4ª séries, especialmente na prática como
explicadora particular. Já naquela época preocupávamos com a questão do fracasso
escolar e por seus desdobramentos no campo social. Ao mesmo tempo observou-se
que na sua grande totalidade, os alunos enquadrados no campo do fracasso escolar
freqüentemente, demonstravam total alheamento das suas reais condições e de suas
discutíveis “incapacidades”.
A nossa primeira experiência como educadora ocorreu no colégio Cenecista
em Itaipu, Niterói, onde começamos a observar que, apesar de grande parte dos
professores acreditarem ser o fracasso escolar culpa do aluno ou de sua família, essa
não era a melhor explicação. No entanto, ainda não tinha fundamentação teórica que
ajudasse a entendermos tudo isso dentro de uma ótica.
Em 1991, passamos a desenvolver a prática do magistério em uma Escola
do Estado, no município de Marica, com alunos de 1ª a 4ª série do Ensino
Fundamental, na qual observar que a amplitude do problema era ainda maior do que
imaginávamos. Vários anos depois, ingressamos na universidade. Aos poucos fomos
tendo mais clareza, enxergando o quanto estávamos equivocados e este foi um
momento bastante difícil, mas ao mesmo tempo de grande importância. Foram
muitas perguntas: Como compreender o fracasso escolar sem culpar o aluno, sua
família, o professor? Como intervir positivamente, evitando ou, pelo menos
reduzindo os índices de fracasso na escola? Por que alguns alunos insistem em
afirmar a sua própria incapacidade? Como restabelecer confiança do aluno que
viveu, ou vive uma história marcada pelo fracasso para que possa construir uma
trajetória de sucesso?
Tantas indagações acabaram construindo o objeto de estudo sobre o qual
estamos nos debruçando, com o objetivo não apenas de escrever uma monografia,
mas buscar respostas para problemas práticos que enfrentamos enquanto educadores.
Após conclusão de uma pesquisa sobre a intervenção docente no processo
de elevação da auto-estima do aluno, munidos de uma série de informações coletadas
7
em livros, revistas, depoimentos e observações diretas em sala de aula, criou-se esta
monografia – exigência formal para graduação em pedagogia – com a finalidade de
divulgar sugestão sobre o objeto de estudo. As mudanças comportamentais devem
partir da tomada de consciência do educador.
A construção da nova cidadania envolve um processo amplo e abrangente,
responsabilizando família e escola. Repensando no processo de construção de
conhecimentos, a atitude do professor é fundamental – ele pode contribuir para a
construção de um individuo com segurança e ativo, como pode destruir todo
potencial criativo que a criança traz, foi motivo pelo qual abordamos está temática,
proporcionando aos profissionais maiores conhecimentos.
O cotidiano da sala de aula será o espaço privilegiado da discussão.
Observando a relação pedagógica, foi se evidenciando a importância das interações
crianças / conhecimento, professor / aluno no conhecimento da construção do
sucesso / fracasso escolar.
A análise dessas relações indica que o autoconceito do aluno é um dado
relevante para compreender seu sucesso de aprendizagem / desenvolvimento. No
caso dos alunos das classes populares, essa relação autoconceito / aprendizagem
adquire especial relevância. Esses alunos trazem do seu cotidiano um autoconceito
negativo o que interfere em sua aprendizagem. Do mesmo modo, a ação escolar tem
importante papel na construção / reconstrução desses autoconceito. A criança que
possui expectativas negativas em relação a si mesmas não acredita em suas diversas
possibilidades. Portanto, o seu resultado escolar pode negar ou confirmar sua
expectativa em relação a si mesma, contribuindo para o esforço ou superação dessa
realidade.
Entendendo a importância da relação professor / aluno / conhecimento, em
nossa pesquisa, aqui parcialmente relatada, demos ênfase à discussão sobre o saber e
o não saber são vividos no cotidiano da sala de aula e suas explicações para o
processo ensino / aprendizagem.
A forma como o saber e o não saber são vividos no cotidiano escolar é
relevante para compreensão dos mecanismos que possibilitam a construção do
sucesso de alguns e do fracasso da maioria. Diante dessa observação tivemos
oportunidade de reafirmar o interesse pelo tema, partindo para a observação e análise
8
da auto-estima dos alunos na escola onde atuamos, com a finalidade de aplicar
projetos para amenizar a problemática que gera o fracasso escolar.
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Capítulo I
Pressupostos Teóricos
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1- Auto-estima: Breves Considerações Sobre Suas
Particularidades
O estudo da auto-estima vem sendo levado em conta por um número
bastante significativo de autores que se dedicam à questão do fracasso escolar, dando
ênfase a dinâmica interna da sala de aula. Para Lúcia Moysés, que considera muito
importante o estudo das relações entre professor, aluno e conhecimento para a
construção do sucesso ou fracasso escolar afirma que “é preciso haver um certo nível
de auto-estima para que o aluno alcance sucesso escolar. E mais: que a auto-estima e
o desempenho andam de mãos dadas, alimentando-se mutuamente”. (MOYSÉS,
2001, p.39). Segundo ela, em se tratando de alunos das classes populares “o mito de
sua desqualificação para aprender, inserido no ambiente escolar, impede que sua
bagagem cultural própria seja aproveitada ou mesmo reconhecida, instituindo-se uma
intensa dissociação entre a vivência e a experiência escolar.” (MOYSÉS, 2001, p.34)
Nesse sentido, a escola assume um papel ativo na construção/reconstrução
da auto-estima do aluno. Mas o que é auto-estima? Como ela se desenvolve? Qual é
o papel da escola na sua construção/reconstrução?
No caminho dessas respostas, o primeiro interlocutor é Franco Voli, entre
outros que definiram a auto-estima.
Segundo Franco Voli, o termo “auto-estima” e suas derivações na
educação têm uma história recente.
Em vários idiomas, como no italiano e no francês, o termo não existe, e o
conceito faz parte das características mais gerais e, ao mesmo tempo, mais limitadas
de auto-imagem ou autoconceito positivo ou negativo.
Quando se fala em auto-estima, entendem-se algo relacionado ao
narcisismo, esnobismo, egocentrismo, hedonismo, falso orgulho, sentimento de
superioridade e outras conotações de caráter individualista. A auto-estima aparece na
mente de muitos como uma representação do “ego” em lugar do “eu” real do
indivíduo. (VOLI, 1998, p.49)
O autor afirma que no passado, a auto-estima era considerada contrária à
“virtude da modéstia”, com a respectiva rejeição por sua conotação negativa, em
todos os ambientes onde a modéstia imperava e que, atualmente, o sentido
hedonístico do termo foi modificado, acrescentando-se a ele conotações de
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responsabilidade do indivíduo por si mesmo e, ainda, sua relação consigo mesmo e
com os demais, nesta direção Voli, observou que: Se somos responsáveis por nossas
relações com os outros, temos de considerar necessariamente o que são os outros
como pessoas, como se sentem a respeito de si mesmos, de nós e da vida (VOLI,
1998, p.50)
A auto-estima corresponde a assumir o encargo por nossa vida, e essa é
uma das manifestações básicas do crescimento como pessoas.
As pessoas com auto-estima elevada, estão abertas a relacionar-se de
forma empática e compreensiva, aceitam-se a si mesmas como pessoas auto-
realizadoras ou em aprendizagem e crescimento contínuo e não permitem que erros e
fraquezas interfiram em se desenvolvimento pessoal, mas aprendem com elas,
Ainda baseando-se em Voli, em 1994 o estado da Califórnia, nos Estados
Unidos, nomeou uma comissão de especialistas (Task Force) para o estudo da auto-
estima. A finalidade do programa era a institucionalização de ensino nas escolas
primárias e secundai.
A comissão de especialistas – psicólogos, sociólogos e pedagogos – dispôs
de grande quantidade de fundos e recursos, o que garantiu a colaboração, na pesquisa
de profissionais de primeira categoria e grande experiência.
Como primeiro passo, a comissão destacou que “a auto-estima pode ser
aprendida, uma vez que depende da situação psíquica geral do indivíduo e esta pode
ser modificar. Assim, a auto-estima depende de como esse indivíduo sente que
percebem, aceitam e querem as pessoas importantes de sua vida, e segundo a maneira
pela qual se desenvolvem, desde a infância, sua segurança, auto-conceito, sendo de
pertença, motivação e competência, e os integrou em sua personalidade” (VOLI,
1998, p.51).
O indivíduo modificando de forma positiva sua própria atuação e sua
forma de realizar-se é capaz de desenvolver mais ou menos satisfatoriamente sua
própria auto-estima.
Nos Estados Unidos e na Europa foram estudadas as conseqüências da
baixa auto-estima no comportamento do adulto, considerando a influência de sua
“criança interior”. Tais pesquisas colocaram o dedo em mais de uma ferida do
sistema educativo, tanto familiar como escolar.
Comprovou-se:
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“pessoas cuja auto-estima não tenha sido valorizada desde a infância possuem tendências pronunciadas a repetir comportamentos infantis na idade adulta. Aquelas que tiveram sua maturidade retardada por necessidade de sobrevivência ou defesa contra situações do ambiente, permanecem agindo, em contexto, da mesma maneira que aprenderam quando crianças. Respondem a alguns estímulos por meio de seus mecanismos de sobrevivência não desativados e ainda integrados.” (VOLI, 1998, p.51)
A figura do professor é ideal como modelo de auto-estima no
reconhecimento e desenvolvimento pessoal e profissional.
A comissão do Estado da Califórnia definiu a auto-estima da seguinte
forma: Apreciação do próprio valor e importância e compromisso do indivíduo em
assumir a responsabilidade por si mesmo e por suas relações intra e interpessoais.
(VOLI, 1998, p.53)
Durante as pesquisas da comissão na Califórnia, instituiu-se que a auto-
estima manifesta-se e desenvolve-se habitualmente no contexto de sua vida social,
como a família,a escola, o trabalho, etc. (VOLI, 1998, p.53)
A intenção do indivíduo consigo mesmo depende, em geral, de sua
situação e atuação social, reforçando-se e influenciando em seu estado interior, como
pessoa, formando um círculo vicioso.
Os especialistas chegaram à uma conclusão de que “ a aprendizagem da
auto-estima é possível para qualquer indivíduo, seja qual for o momento, ambiente
ou idade.” (VOLI, 1998, p.54)
As mudanças comportamentais devem partir da tomada de consciência do
educador, frente às inúmeras nuances evidenciada na escola e melhor compreender o
universo tanto do profissional da educação, como do educando e de sua família.
Ainda buscando respostas, foi de suma importância o encontro com a
autora Lúcia Moysés. De acordo com ela, auto-estima é:
Percepção que a pessoa tem do seu próprio valor. (MOYSÉS, 2001, p.18)
O sentimento de valor, que acompanha essa percepção que temos de nós
próprios. (MOYSÉS, 2001, p.18)
Disposição que temos para nos vermos como pessoas merecedoras de
respeito e capazes de enfrentar os desafios básicos da vida. (MOYSÉS, 2001, p.19)
A partir da leitura dessa autora, é possível entender a auto-estima como a
maneira de ver e avaliar não apenas no diz respeito à escola, mas a todos os
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momentos da vida. Essa maneira de se ver e se avaliar a auto-estima – não nasce com
ninguém, não é algo inato, mas se constrói ao longo da vida.
Tendo como pontos de ancoragem para seu trabalho, autor como
Vygotsky, Ivone Oliveira (1994) concebe o homem como um sujeito que constrói
através de interações constantes com o contexto sócio-histórico no qual está inserido.
Lucia Moysés trabalha nesta mesma perspectiva. Para ela, a auto-estima
sofre influência internas e externas:
Como todo processo de percepção, está sujeito a uma série de fatores externos à própria pessoa, informações que vamos colhendo aqui e ali, a nosso respeito, frutos de opiniões alheias, formam, possivelmente, os primeiros rudimentos do nosso autoconceito. A essas informações vão se somando aquelas originárias das avaliações que nós próprios fazemos dos nossos desempenhos, das nossas ações, das nossas habilidades e características pessoais. Vão formando, na nossa estrutura cognitiva, uma área de conhecimento acerca de nós próprios. Aquilo que achamos que somos, tanto do ponto de vista físico quanto do ponto social e do psicológico, vai assim ganhando corpo. O sentimento de valor que acompanha essa percepção que temos de nós próprios se constitui na nossa auto-estima. (2001:18) Tanto Oliveira (1994), quanto Moysés (2001), utilizam-se do conceito
formulado por Vygostky de internalização. Segundo Vygostky citado por Moysés
(MOYSÉS, 2001, p.19), as funções do desenvolvimento da criança ocorrem
primeiramente no nível social, interpessoal e sendo internalizadas, tornado-se intra
pessoais.
O processo de internalização salienta Lucia Moysés “é feito com base em
um sistema de signos, no qual se destaca a linguagem” (MOYSÉS, 2001, p.20). No
que diz respeito à auto-estima, inicialmente as relações das crianças com pessoas
mais próximas são estabelecidas por meio de linguagem não – verbal como, por
exemplo, as relações de alegria ou aborrecimento que seus atos provocam nas
pessoas, o jeito de se pegar no colo ou como seus desejos e necessidades são
atendidos. Depois as relações se estabelecem, por meio da linguagem “propriamente
dita”: quando as pessoas se zangam com elas, repreendendo-as ou quando as
aplaudem e incentivam.
É com muita clareza que Lúcia Moysés fala dessa questão:
Assim, ela vai ouvindo que é “boazinha e bonitinha” ou “boba e feia” Após certo, período de tempo, e com a repetição desses padrões de comportamento, aquilo que surgiu como um processo interpessoal começa a ser incorporado à própria estrutura cognitiva da criança, tornando-se pessoal. Agora, é ela mesma quem se aplaude diante do desafio finalmente vencido ou se acabrunha ante o fracasso. (MOYSÉS, 2001, p.:20).
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Contudo, é preciso destacar que a internalização não se dá
automaticamente, mas a partir das “marcas da individualidade” de cada criança com
o social, isto é, com as pessoas e circunstâncias que a cercam. Vale dizer que o
processo de internalização é um processo lento, gradual e contínuo.
Os pais exercem uma grande influência na formação do autoconceito e da
auto-estima da criança, pois é com eles que elas estabelecem as primeiras e mais
significativas relações para a formação de sua identidade.
Referindo-se aos pais, Lúcia Moysés, usa o termo “outros significantes”,
que ela mesma define como “as pessoas que a criança considera importantes”.
(MOYSÉS, 2001, p.26).
Nesse grupo é possível incluir também os professores levando-se em conta
a importância de suas reações e atitude para a formação do autoconceito e da auto-
estima da criança. E por ser justamente este ponto fundamental, do presente trabalho
– examinar a relação entre auto-estima e intervenção do professor – faz-se necessário
um esclarecimento sobre a questão da prática pedagógica. (MOYSÉS, 2001, p.20).
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O que é prática pedagógica?
Para Philippe Perrenond, a prática pedagógica é:
Prática, reflexiva, profissionalização, trabalho em equipe e por projetos. Autonomia e responsabilidade crescentes, pedagogias diferenciadas, centralização sobre os dispositivos e sobre as situações de aprendizagem, sensibilidade à relação com o saber e com a lei. (PERRENOUD, 2000, p.11)
Pode-se esperar que inúmeros professores aceitem o desafio, por recusarem
a sociedade dual e o fracasso escolar que a prepara, por desejarem ensinar e levar a
aprender a despeito de tudo, ou, então, por temerem morrer de pé, com o giz na mão,
no quadro-negro.
Segundo os paradigmas propostos para educar de forma efetiva para o
mundo melhor, precisa-se de educadores que sejam capazes de se relacionar consigo
próprios aceitando incondicionalmente suas próprias diferenças e tenham uma visão
essencialmente da vida e das relações humanas.
“O professor, como pessoa realizada e com a auto-estima elevada, poderá, assim projetar em seus alunos um modelo de adulto que, os motive e ajude a conseguir uma formação pessoal e similar. Para isso, contudo, é necessário estar consciente do que se deve mudar na educação.” (1998:15).
Os professores devem estar motivados a um trabalho de crescimento
pessoal, que os capacite a utilizar, em seu trabalho educativo, os mesmo conceitos e
dinâmicas de crescimento e aprendizagem contínuos e interdependentes adaptados às
crianças.
A afetividade é condição necessária, mas não suficiente para a realização
de um bom trabalho pedagógico. Os alunos e seus pais sentem isto. Eles querem um
professor atento, afetivo, mas “que ensine” um professor que não é ou não deve
quere ser substituído da família. O que o professor tem que ser é um profissional,
buscando se aprimorar para melhor responder às dificuldades de seus alunos.
Considerando-se a psicanálise de Freud, Celso Antunes, afirma que:
“a tarefa da educação criativa seria de buscar o equilíbrio entre a valorização do prazer e uma ação cooperativa e voluntária. Aprendendo a conviver, sabendo de que maneira ajudar aos demais, organizando-se em ações voluntárias para atender uma causa justa, o aluno estará aprendendo dar voz ativa, ainda que simbólica, a seus sonhos e a seus devaneios. A criatividade é função da capacidade de sublimar e sublimar poderá ser a renúncia desse utópico prazer, substituído pela ação plausível, pelo voluntariado realizável, através integral envolvimento em projetos consistentes de ação solidária. O
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melhor canal para conter a energia da sublimação é ajudar o aluno a construir seu mundo novo e essa construção pode estar em seu envolvimento integral e uma causa meritória bem-concebida, em sua participação social delineada e estruturada pela escola e que com sabedoria é conduzida por seus professores”. (ANTUNES, 2002, p.12)
Nenhum professor pode ensinar o aluno a “ser capaz” ou não ser, mas
pode agir no sentido de ajudá- lo a torna-se “mais capaz”, fazendo-o “apossa-se” de
procedimentos motores, cognitivos e emocionais. A competência pode ser percebida
como a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos – como os
saberes, as habilidades, as informações e a própria inteligência – para apreciar e
solucionar de modo eficiente novas situações. O ser humano tem disponibilidade
para ser “competente”, mas é essencial a intervenção de educar, torná- lo proprietário
de uma leitura compreensiva e do domínio sobre os signos numéricos, para a
compreensão das artimanhas e falácias da linguagem e de seu meio social e para a
mobilização de toda informação disponível, inclusive digital, para sua transformação.
Durante a escolaridade, aprende-se a ler, escrever, contar, explicar, resumir e
assimilam-se conhecimento de língua português, História, Ciências, Geografia em
muitos outros componentes curriculares, porém a escola não demonstra preocupação
em relacionar essas competências às situações da vida. Desenvolver competências
significa fazer dos saberes escolares uma melhor maneira de viver e de relacionar.
Nas salas de aula, vendo professores e alunos em ação, estudando juntos
e construindo seus projetos interdisciplinares, descobre que nesta escola toda criança
é sempre o agente essencial de seu crescimento e seus saberes sobre a vida e o
mundo, o corpo e as emoções são âncoras significativas às quais os novos aprenderes
são praticados.
“Para Antoni Zabala as opiniões dos alunos são a matéria-prima para a construção do discurso do professor e para gerar as conclusões. É lógico que os diferentes momentos de diálogo são utilizados para promover avaliação pessoal, estes ajudarão na formação de imagens positivas. Mas o simples fato de que haja um maior número de relações interpessoais não quer dizer que ajudem na melhoria do autoconceito. O tipo de valorização final das aprendizagens alcançadas e sua publicidade serão peças cruciais na construção positiva da auto-estima.” (ZABALA, 1998, p.71)
Portanto há uma valorização das contribuições e dos conhecimentos dos
alunos e certas expectativas em relação às suas capacidades, tanto para solucionar os
problemas que lhes suscitam como para resolver os conflitos de todo tipo de que
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surgirão. Ao mesmo tempo, levando em conta a quantidade de relações que se
estabelecem, as possibilidades de intervir durante o processo permitem fazer
avaliações que ajudem ou não criar as sensações positivas de auto-estima e
autoconceito.
Sabemos que por outro lado, na escola se estudam muitas coisas
diferentes, com intenções também distintas. Ensinar envolve estabelecer uma série de
relações que devem conduzir à elaboração por parte do aprendiz, de representações
pessoais sobre o conteúdo objeto de aprendizagem. A pessoa, no processo de
aproximação aos objetos da cultura, utiliza sua experiência e os instrumentos que lhe
permitem construir uma interpretação pessoal e subjetiva do que é tratado.
Para o aluno compreender o que faz depende de que seu professor ou
professora seja capaz de ajudá- lo a compreender de como se apresenta, de como
tenta motivá- lo, na medida em que lhe faz sentir que sua contribuição será necessária
para aprender.
De acordo com Antoni Zabala, podemos caracterizar uma serie de
funções dos professores, que tem como ponto de partida o próprio planejamento:
a) Planejar a atuação docente de uma maneira suficientemente, flexível
para permitir a adaptação às necessidades dos alunos em todo o processo de
ensino/aprendizagem.
b) Contar com as contribuições e os conhecimentos dos alunos, tanto no
início das atividades como durante sua realização.
c) Ajudá- lo, a encontrar sentido no que estão fazendo para que conheçam
o que têm que fazer, sintam que podem fazê- lo e que é interessante fazê-lo.
d) Estabelecer metas ao alcance dos alunos para que possam ser
superados com o esforço e a ajuda necessária.
e) Oferecer ajuda adequada, no processo de construção do aluno, para os
progressos que experimenta e para enfrentar obstáculos com as quais se depara.
f) Promover atividade mental de auto-estrutura que permita estabelecer o
máximo de relações com o novo conteúdo, atribuindo-lhe significado no maior grau
possível e fomentando os processos de metacognição que lhe permitam assegurar o
controle pessoal sobre os próprios conhecimentos e processos durante a
aprendizagem.
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g) Estabelecer um ambiente e determinadas relações presididas pelo
respeito mútuo e pelo sentimento de confiança, que promovam a auto-estima e o
autoconceito.
h) Promover canais de comunicação que regulem os processos de
negociação, participação de construção.
i) Potencializar progressivamente a autonomia dos alunos na definição
de objetivos, no planejamento das ações que os conduzirão a eles e em sua realização
e controle, possibilitando que aprendam a aprender.
j) Avaliar os alunos conforme suas capacidades e seus esforços, levando
em conta o ponto pessoal de partida e o processo através do qual adquirem
conhecimento e incentivando a auto-avaliação das competências como meio para
favorecer as estratégias de controle da própria atividade. (ZABALA, 1998, p.92)
Através do trabalho com o conhecimento, o professor ajuda a nova geração
a dar sentido ao mundo em que vive. Pode auxiliar as pessoas a se localizarem e a
entenderem as relações que estabelecem e as que estão submetidas, atribuir sentido e
abrir perspectivas de intervenção. Este é o autêntico conhecimento do verdadeiro
mestre.
O professor ajuda a desenvolver no aluno um sentido de transcendência, de
compromisso com uma causa maior, ser capaz de pensar e de vivenciar algo além de
seus interesses imediatos – além do dinheiro, do poder e do prazer. Gandim. Isso
supõe um embasamento em valores como justiça, verdade, solidariedade, respeito. E,
dessa forma, ser espaço que abre possibilidade para a recuação do mundo que o
cerca.
Deseja-se, pois ajudar a formar um aluno com capacidade de refletir,
compreender o mundo que o cerca, tomar decisões, desenvolver valores, ser
solidário, crítico, comprometido com a transformação, julgar e intervir na realidade.
A nova legislação educacional brasileira, corporificada na Lei 9.394 de
dezembro de 1996, reconheceu a importância fundamental da atuação dos docentes
no processo de ensino-aprendizagem.
A importância dos docentes está configurada nas incumbências que lhes
são atribuídas pela lei expostas no Art. 13:
I - Participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de
ensino;
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II – Elaborar e cumprir o plano de trabalho, segundo a proposta
pedagógica do estabelecimento de ensino;
III – Zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV – Estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor
rendimento;
V – Ministrar os dias letivos e horas-aulas estabelecidas, além de participar
integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao
desenvolvimento;
VI – Colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias
e a comunidade.
O que o professor tem que ser é um profissional, buscando se aprimorar
para melhor responder as dificuldades de seus alunos.
Quando os professores acreditam em seus alunos, estes tendem a acreditar
em suas próprias potencialidades. Alunos com boa auto-estima tendem a ter bom
desempenho.
A finalidade deste estudo consiste em oferecer determinados instrumentos
que nos ajudem a interpretar o que acontece nas aulas, conhecer o que pode se fazer e
o que foge a nossas possibilidades; saber que medidas podemos tomar para recuperar
o que funciona e generaliza- lo, assim como para revisar o que não está tão claro,
oferecendo, assim, um ensino de qualidade capaz de promover a aprendizagem de
nossos alunos.
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CAPÍTULO II
RELAÇÕES ENTRE AUTO-ESTIMA E FRACASSO ESCOLAR.
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Relações Entre Auto-Estima E Fracasso Escolar:
Segundo Lucia Moysés, se a criança, ao entrar na escola, já carrega
consigo uma boa autoconfiança, acreditando-se capaz de se sair bem adiante das
dificuldades, aquele espaço não chegará a lhe causar temor. Será apenas mais um
desafio. Para aquele que não tiver tanta confiança em si mesma, a nova situação
poderá despertar atitudes defensivas. Para a criança que, no entanto, duvidar de sua
capacidade de enfrentar as exigências escolares com sucesso e ostentar níveis baixos
de auto-estima, o novo espaço irá se apresentar como um campo de batalha pra
aumentar suas feridas. A escola passará a ser sinônimo de sofrimento. Ali entrará
acreditando ser impossível a tarefa de proteger seu sentimento de auto-valorização. É
esse tipo de criança que, em geral, apresenta as maiores dificuldades em se sair bem
nos estudos. (MOYSÉS, 2001, p.39)
As crianças cuja auto-estima é pouco desenvolvida obtêm maus resultados
escolares. É freqüente que seu comportamento provoque a rejeição dos outros e isso
agrava mais sua condição. Essas crianças crescem cheias de conflitos e tendem a
abandonar os estudos, prejudicando a si mesmas e aos outros.
Para evitar essa situação, os pais devem assumir a responsabilidade de
indicar o caminho aos filhos. Temos que conduzir nossa própria vida e esforçar-nos
permanentemente para sermos pessoas melhores. Só assim estaremos em condições
de ajudar nossos filhos a caminhar na direção da maturidade. Não é uma tarefa
simples, mas devemos levar em conta a influência que exercemos sobre nossa
própria família.
As pessoas confiantes em si mesmas e donos de sólida auto-estima têm
condições de desenvolver melhor suas funções que podem ser propícias à leitura de
cada livro.
A autora Lúcia Moysés relata que:
“o sucesso faz aumentar a confiança e esta acaba favorecendo a obtenção daquele. Quanto aos alunos marcados pelo fracasso, a situação é outra. Eles tendem a atribuí-lo à sua falta de capacidade. E o que é mais interessante: no momento em que conseguem se sair bem nas atividades escolares, não acreditam que tenham sido por seu próprio mérito. Pensam, ao contrário, que o fato só ocorreu porque houve boa vontade do professor. Ou então porque a tarefa era fácil, ou, ainda, porque tiveram sorte”. (MOYSÉS, 2001, p.42)
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A forma como saber e não saber é vivido no cotidiano escolar é relevante
para a compreensão dos mecanismos que possibilitam a contribuição do sucesso de
alguns e o fracasso da maioria. Algumas vão se convencendo de sua superioridade,
de sua inteligência, de seus dons naturais para as diversas posições dominantes na
hierarquia social. A sua vida escolar contribui para esse sentimento. Suas respostas
sempre certas e estimuladas, a confirmação de seus hábitos e atitudes, a coerência
dos conhecimentos que já possuem como o que é esperado pela escola. Possuindo o
conhecimento, tornam-se detentores do poder. O saber que possuem é confirmado na
escola e os resultados escolares antecipam seu sucesso na vida social.
Por outro lado, as crianças das classes populares encontram enormes
barreiras no cotidiano escolar. Seu comportamento é associado à falta de educação,
seus valores são contraditórios aos que são propostos pela escola, seus
conhecimentos não são considerados ou são tratados como desconhecimento, sua
realidade deve ser deixada de lado para que em seu lugar, sob o modelo das classes
dominantes, seja construída. Na escola, cotidianamente, a criança vai se
reconhecendo como o não saber, portanto, aprendendo e vendo justificada a
subalternidade a que é submetida.
Os autores Luis Curto, Maribel Morillo e Manuel Teixido, juntos citaram
que:
“a consciência do fracasso pode ser adquirida muito precocemente se a resposta que a criança obtém é de rejeição. Em pouco tempo, uma criança pode aprender que o que faz não agrada nunca, nem é valorizado. A motivação está estreitamente relacionada com a auto-estima e autoconceito acadêmico, e estes são ensinados pelo professor e pelos adultos e crianças que se relacionam com o aprendiz.” (2000:83) A criança é levada a crer desde a mais tenra idade que é um fracasso,
dificilmente conseguirá um dia na vida livrar-se deste rótulo.
Cabe, então, à escola, proporcionar oportunidades para que as crianças se
sintam capazes, passando a valorizar a si mesmas.
Elas devem-se sentir capazes de abordar com sucesso a tarefa que lhe
propomos.
A medida do êxito é dada, especialmente, pela proposta dos adultos frente
ao resultado do esforço da criança.
Se, ao avaliar o trabalho da criança, comparamos o resultado obtido com a
imagem mental do que pretendíamos conseguir idealmente, estamos classificando-o
23
sempre conforme um critério externo, comparativo, estatístico. Um aluno “bom”
sempre é “bom”, e o “mau” sempre o será, embora se esforce.
Mas, se consideramos o esforço realizado e o progresso obtido em relação
ao estado inicial, uma criança sempre pode ser avaliada positivamente.
A motivação para que a criança cresça, requer avaliações positivas. No
entanto, uma avaliação positiva não é conformista. Não é positivo que qualquer coisa
seja avaliada do mesmo modo. Para o aluno com dificuldade não adianta nada dizer-
lhe que está tudo bem, pois isso é compaixão, não estímulo. De mesmo modo não
podemos exigir de um aluno o que não pode conseguir, nem devemos tampouco
aceitar um trabalho inferior as suas possibilidades.
A autora Lúcia Moysés, fala do quanto é importante para o aluno
experimentar o sucesso para que continue acreditando em si mesmo. “Alunos
familiarizados com o sucesso assumem seus próprios desempenhos e aceitam a
responsabilidade pelos próprios fracassos.” (MOYSÉS, 2001, p.41)
Quando o professor está atento aos diversos ritmos e às várias formas de
expressão do processo de aprendizagem vivido por cada criança, ele é levado a rever
conceitos de fracasso. Redefinindo fracasso, apresenta-se a possibilidade de
encaminhar ações que ampliem as condições de construção do sucesso de seus
alunos.
O desempenho escolar das crianças se articula ao processo de seleção e
exclusão social, que tem um de seus eixos na oferta/negação de oportunidade de
trabalho. Cria-se a ideologia de que os bons alunos alcançarão as melhores posições
sociais, em função de seus méritos pessoais. Pela mesma lógica se responsabiliza os
que fracassam pelo seu próprio fracasso. Fracassaram por falta de méritos
individuais.
Em geral, a escola dá ao “erro”, representação do não saber, a conotação
de fracasso. Face à meta do acerto, evita-o, negando todo o seu valor pedagógico. O
“erro” marca o aluno como “aquele que não consegue aprender”, aquele que é
estigmatizado e, expresse seu real processo de aprendizagem/desenvolvimento. Não
se permite (ou não se valoriza) que a criança vá expondo os conhecimentos que já
detêm as aproximações que já pode fazer no sentido de se apropriar do novo, as
totalidades e a representação que faz da escrita, as normas já internalizadas, a forma
24
como articula o conhecimento que já possui às novas informações que recebe (dentro
e fora da escola).
A construção de conhecimento não é considerada aprendizagem. Na
escola, apenas a repetição é permitida. A ousadia, a tentativa, o risco, são negados e
estigmatizados. A criança aprende que para “aprender” não deve errar.
Para o professor, é um enorme desafio superar todas as barreiras que
encontra no trabalho com as crianças das classes populares. No entanto, se a sua ação
contribui para o fracasso da criança, ela também pode contribuir pra o êxito escolar.
Entendendo que a ação pedagógica é um espaço de possibilidades para a superação
do fracasso escolar, apesar de todas as dificuldades socialmente construídas para que
essa transformação possa ocorrer.
Segundo Franco Voli:
“A relação aluno/professor deve e pode ser uma relação de fé, colaboração e apoio mútuo para o desenvolvimento de cada um. Precisa basear-se no respeito, dignidade, integridade, capacidade, abertura, amor e compaixão mútua. Trata-se de uma relação colateral, ainda que em contexto distinto, da relação ideal pais/filhos.” (VOLI, 1998, p.145)
Cada aluno tem sentimentos e emoções próprias, correspondentes ao grau
de desenvolvimento pessoal, ao meio em que foi criado e ao ambiente em que vive.
Parte do trabalho para a consecução de relações afetivas em classe consiste em
aceitar essa realidade sem juízos limitantes, frustrações, irritação, medos,
ressentimentos, etc.
Sem essa aceitação, será muito difícil alcançar a auto-superação e
progredir na consecução dos potenciais, oportunidades e possibilidades existentes ao
alcance de cada um, educadores e educandos.
Baseando-se, ainda, em Franco Voli:
“Um professor com elevada auto-estima e, portanto, com uma personalidade eficaz quanto aos cinco componentes de segurança, autoconceito, integração, motivação e competência, não têm, em geral, problemas de disciplina. A projeção de si mesmo que envia à classe é recebida por seus alunos, que por sua vez vão se sentindo seguros, reforçados sem seu autoconceito, partes integrantes do grupo, motivados a aprender e consciente de sua capacidade de fazê-lo. Sua projeção motiva seus alunos a entrar por si mesmos em uma situação de auto-estima, e portanto, de autodisciplina, auto-responsabilidade e auto-realização.” (VOLI, 1998, p.147)
Cada criança é diferente das demais e do próprio professor. A tarefa de
fazer que a aula seja divertida, interessante e motivadora para todos deve levar em
25
conta essas diferenças, conseguindo que todos aceitem e valorizem como algo
substancial e interdependente.
O professor que consegue motivar sua classe a fim de cada um contribua
para elevar a auto-estima do outro tem a disciplina praticamente garantida.
26
CAPÍTULO III
O PROCESSO DE RECONSTRUÇÃO DA AUTO-ESTIMA:
O CASO DA ESCOLA ESTADUAL MINISTRO LUÍS SPARANO
27
O Processo De Reconstrução Da Auto-Estima: O Caso Da Escola Estadual
Ministro Luís Sparano
Com o objetivo de refletir sobre os efeitos da intervenção docente no
processo de elevação da auto-estima do aluno, estivemos, durante três dias, numa
Escola da Rede Estadual de Educação, situada em Marica, observando uma classe de
2ª série do Ensino Fundamental.
A classe era composta por 21 alunos de 7 a 14 anos de idade, todos eles
alunos da escola que, por não terem obtido êxito nas séries anteriores, foram
“depositados” numa mesma turma para serem alfabetizados. E, como acontece na
maioria das escolas, nenhum dos professores quis assumir a turma, tarefa que ficou
para a professora.
Em entrevista, esta disse:
“– Eu fui a última a escolher a turma, e a única que tinha sobrado era essa.
Aliás, não era nem bem uma turma. Era uma turma e foram agregando outros alunos
das outras salas e que não se entrosavam, pois eram muito levados.”
Falando sobre a turma, a professora disse-nos que, de início, teve uma
dificuldade enorme para lidar com os alunos, pois eles eram muito agitados, se
agrediam o tempo todo e nem conseguiam sequer ficar na sala de aula.
“A maioria das crianças era repetente e estavam em defasagem de idade
em relação à série.”
“... no início eu fiquei muito assustada, eu nunca tinha pego uma turma
daquele jeito. Os alunos não ficavam quietos um minuto, um segundo, nada prendia a
atenção deles. Eles não se gostavam, não gostavam um do outro e não gostavam
também de si.”
“... eles se agrediam constantemente.”
Com isso, podemos concordar com Franco Voli (1998), quando diz que:
“O indivíduo com baixa auto-estima, por sua vez, não se aprecia nem se aceita suficientemente e tende a renunciar a grande quantidade de oportunidades de relacionamento que a vida lhe oferece. Tem medo que os outros o aceitem e apreciem pelo que oferece. Tem medo que os outros o aceitem e apreciem pelo que é e fecha-se diante da possibilidade de colaborar com eles para estabelecer uma boa relação. Seu mecanismo ide defesa pede-lhe que não se rebaixe a pedir ajuda e que esteja sempre controlando sua própria atuação e as emoções correspondentes, por medo de ser objeto de críticas e julgamentos.” (VOLI, 1998, p.15)
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Diante da turma, a professora disse ter sentido assustada e, na tentativa de
“conquistar” as crianças, todos os métodos que conhecia e já havia utilizado em
outras turmas se mostravam ineficazes. Começou a procurar embasamento teórico e,
apoiando-se principalmente em Freinet, passou a voltar seu trabalho para a
valorização do que as crianças gostavam e sabiam fazer. Todavia ela ressaltou que,
após tantos anos de fracasso sucessivos, as crianças:
“... não tinham, assim, uma esperança, uma expectativa com relação à
escola porque a escola só confirmava uma coisa que tinha acontecido na família
deles, que era o fracasso o tempo todo.”
Sua fala ratifica o que afirma a autora Oliveira (1994), quando diz que o
processo de reconstrução do autoconceito é muito difícil porque, uma vez sendo
levado a crer, desde muito cedo, que é um fracasso, dificilmente alguém consegue
livrar-se desse rótulo.
No decorrer das aulas, enquanto alguns alunos pareciam excessivamente
calados (como que na tentativa de passarem despercebidos), outros eram agitados em
demasia, não paravam quietos, brigavam, pulavam, chutavam as coisas e as paredes
(o que os colocava sempre em evidência). Quando a professora passava as atividades
era comum que alguns alunos tentassem realizá- las, não insistissem muito em sua
realização alegando que não sabiam ou tapavam o caderno com as mãos, fingindo
estarem escrevendo quando alguém se aproximava, esperando que a professora
fizesse a correção no quadro ou o colega terminasse a lição para copiarem a resposta.
A autora Ivone Oliveira, é quem pode nos ajudar a ver tais
comportamentos como indicadores de que, de alguma forma, as crianças já se
consideravam incapazes, incompetentes.
“De um modo geral, os alunos considerados pela escola como os “mais difíceis” ou “indisciplinados” e com menor nível de rendimento costumam fazer um julgamento pouco satisfatório de si mesmo como alunos: frequentemente se dizem incapaz de realizar determinadas tarefas; em alguns casos tentam realizá-las, mas, ao primeiro sinal de dificuldade, desistem, em outros casos nem tentam realizar, se recusam, envolvem-se em qualquer outra atividade (ou “brincadeira”) que não aquela proposta pelo professor. Esse tipo de relação costuma resultar em uma distância maior ainda entre as expectativas que a escola tem em relação a esses alunos e o que eles efetivamente alcançam em termos de desempenho escolar.” (OLIVEIRA, 1994, p.11 e 12)
Outra questão que nos levou a crer que as crianças já internalizaram o
“rótulo” de incapazes é que elas demonstram uma preocupação muito grande com
29
idade. Perguntam a idade de todo mundo e apontam as mais velhas da turma, como
que zombando deles. Essa preocupação se justifica, a nosso ver, pelo fato de a
maioria das crianças estar em defasagem de idade em relação à série.
Um caso particular, envolvendo os alunos Jorge e Dayana nos chamou
bastante atenção. Quando uma estagiária foi à escola pela primeira vez, ao chegar na
sala de aula, os alunos estavam sentados em rodinha e a professora ia contar uma
história. Foi apresentada ao grupo e convidada a juntar-se a eles na rodinha.
Enquanto decidiam sobre qual história ouvir, Jorge olhou para a estagiária e
perguntou a sua idade. Respondeu: “– Tenho vinte e um ano”. E então ele apontou
para uma colega de classe e disse: “– Ela tem quatorze anos.”
Não disse a sua idade nem a de qualquer outro colega, somente a da
Dayana, aluna mais velha da turma. Tal acontecimento pode parecer-nos como mais
um indicador do autoconceito que as crianças parecem já terem internalizado: o
rótulo de incapaz. Afinal, não aprenderam o que a escola lhes “ensinou” durante
tantos anos. Mas, acima de tudo, esse acontecimento nos revela também a atitude de
resistência por parte desse aluno que pareceu dizer: “– Me colocaram aqui porque me
acharam incapaz? Pois ela é mais velha do que eu e sabe menos ainda. Eu não sou
tão fracassado!”
Com uma fala que, de início, pode soar como atitude de desvalorização da
colega, o aluno pareceu estar valorizando a si mesmo. E tal como a escola faz com
ele, para se valorizar, precisou desvalorizar alguém. É a mesma lógica da escola. Ou
seja, assim como a escola atribui a alguns a qualidade de mais capazes através da
comparação com aqueles incapazes, quando o aluno diz a idade de sua colega – e
essa colega é mais velha que ele, tendo supostamente, a obrigação – de estar numa
séria mais adiantada e sabe menos que ele – este sai em vantagem, se auto-afirmando
sobre o fracasso da outra.
A professora da turma também chamou a atenção para essa questão
quando disse em entrevista:
“... um ficava o tempo todo se auto-afirmando em cima do fracasso do
outro”.
Da mesma maneira que alguns fatos serviram como indicadores do
autoconceito das crianças e do quanto internalizaram o rótulo de incapazes, outros
fizeram que, ficasse evidente a expectativa negativa da escola em relação aos alunos.
30
Nos corredores da escola, não havia exposição de cartazes e trabalhos
desses alunos, o que pode nos levar a pensar nesse descaso como expressão da
maneira das crianças serem vistas pela escola. Foi como dissessem: “Eles são tão
incapazes. Para que expor seus trabalhos?”
Podemos então, nos reportar ao texto “Os desafios da escola” no qual
Lúcia Moysés diz que as crianças das classes populares, ao entrarem na escola,
encontram várias barreiras, sendo uma delas a sua bagagem cultural própria.
“Em meio a desconhecimentos e preconceitos, a escola vai agindo às cegas. Visível é a sua dificuldade em lidar com a clientela pobre, da qual tem uma representação negativa. O mito de sua desqualificação para aprender, inserido no ambiente escolar impede que sua bagagem cultural própria seja aproveitada ou menos reconhecida, instituindo-se uma intensa dissociação entre a vivencia e a experiência.” (MOYSÉS, 2001, p.34)
Refletindo sobre essa questão, é possível acreditar que tudo o que os
alunos sabem de experiência própria e bem vivida não é levada em conta na escola e
que eles são incapazes de aprender e não adianta perder tempo porque, de qualquer
jeito, vão ser reprovados.
Aos poucos, vão perdendo a motivação para continuar se esforçando, vão
se sentindo realmente incapazes de aprender e vão se acomodando ao fracasso que
vai marcar o resto de suas vidas.
Para Lúcia Moysés “quando se dá oportunidade a esse tipo de aluno de se
expressar, ele é capaz de falar de forma bastante crítica e reflexiva sobre si mesmo,
seu mundo e suas experiências.” (MOYSÉS, 2001, p.34),
Parece ter sido este caminho trilhado pela professora Kátia, que, mais
tarde, falou-nos de suas angústias e também dos avanços que observou na turma:
“De início, eu ficava mais perdida que eles. E era, assim, uma atividade
diferente para cada um porque o que prendia a atenção de um não prendia a atenção
do outro.”
“... alguma coisa deve ter mudado para eles.”
“A fala das outras pessoas me dizia: “Poxa, eles melhoraram, eles agora
ficam dentro da sala.”
“Eu mostrei os trabalhos para a diretora e ela me disse: “– Eu sabia que
eles estavam assim.” Eu acho que eles tiveram um progresso que em anos anteriores
não tinha acontecido.”
31
O contato – ainda que por pouco tempo – com essas crianças deu um novo
sentido à pesquisa porque, ver-nos tão próxima dos efeitos da expectativa do
professor, ao mesmo tempo em que me deixou muito angustiada, me fez tomar
ciência do quanto é urgente – mais até do que pudera imaginar – a busca de meios
para reverter essa situação.
Podemos acreditar que um caminho para alcançar tais meios seja
mergulhar no espaço da sala de aula, observar e refletir sobre as relações travadas
dentro desse espaço para tentar compreender como se dá o processo através do qual
as expectativas do professor em relação a determinados alunos fazem com que
desenvolvam um conceito negativo de si mesmo.
Com esse pensamento é que buscamos uma outra classe para realizar a
segunda etapa de nossa pesquisa e, durante os primeiros dias letivos do ano de 2003,
acompanhamos uma turma de alfabetização.
Uma criança chamada Matheus, chamou-me especialmente a atenção por
suas mudanças no decorrer dos dias letivos, e pelo que revelavam essas mudanças.
Observamos interagindo com outras crianças e com a professora em sala de aula.
Matheus era um menino contador de “casos”, sempre fantásticos, contados com
muitos detalhes e acompanhado de gestos e movimentações. Era considerado pela
professora como uma criança que “atrapalhava as aulas”, pois falava demais.
No início das aulas, Matheus encontrou uma professora que lhe dava
alguma autonomia, permitindo que ele progredisse de acordo com o seu ritmo. O
menino desenhava muito e constantemente vinha me mostrar seu trabalho. Muitas
vezes eu lhe sugeria que escrevesse o que havia desenhado. Ás vezes ele tentava
revelar novos conhecimentos sobre a escrita – suas normas e funções. Curiosamente
não usava o “código convencional para escrever seus “textos”, mas criava seu
próprio código, de acordo com os conhecimentos que ia adquirindo sobre a escrita.
Um dia, ele se aproximou com vários desenhos e contou-nos a “história do
desenho.” Quando terminou, sugerimos que escrevesse o que relatara. Logo ele
respondeu:
“– Ah, tia. Eu conto e você escreve. Isso tudo eu ainda não sei.”
Ficamos um período sem ir à turma. Quando voltamos, havia uma nova
professora que trabalhava com os alunos, baseando-se na apresentação de palavras e
32
sílaba juntando o que já era conhecido para formar palavras “novas” – e na proposta
de cópias e ditado, de acordo com o “método de alfabetização.”
Constatamos que Matheus, cujos avanços em seu processo de apropriação
da linguagem escrita que nós acompanhamos, era agora avaliado como tendo
“dificuldade de aprendizagem.”
Matheus nos trouxe um exercício de separação de sílabas. Tentamos
conversar com ele sobre o trabalho que realizava. Não pareceu muito entusiasmado
com a conversa e propôs fazer um desenho. Ao acabar o desenho, entregou-nos e
repetimos a proposta que já havia feito tantas outras vezes:
“– Escreva a história de seu desenho.”
Matheus respondeu com insegurança:
“– Ah, tia. Eu não sei escrever.”
Repensando a prática pedagógica na atualidade, faz-se importante citar
Celso Antunes (2002:10), quando diz: “Podemos pensar que capacidade é o poder
humano de receber, aceitar, apossar. Dessa maneira nenhum professor pode ensinar
um aluno a “ser capaz ou não ser”, mas pode agir no sentido de ajuda-lo a tornar-se
“mais capaz”, fazendo-o “apossar-se” de procedimentos motores, cognitivos e
emocionais. A competência pode ser percebida, com a faculdade de mobilizar um
conjunto de recursos cognitivos e solucionar de modo eficiente novas situações. O
ser humano tem disponibilidade para ser “competente”, mas é essencial a intervenção
do educador para torna- lo proprietário de uma leitura compreensiva e do domínio
sobre os signos numéricos, para a compreensão das artimanhas e falácias da
linguagem e de seu meio social e para a mobilização de toda informação disponível,
inclusive, digital, para a sua transformação. Durante a escolaridade, aprende-se a ler,
escrever, contar, explicar, resumir e assimilam-se conhecimentos de Língua
Portuguesa, História, Ciências, Geografia e muitos outros componentes curriculares,
porém a escola não demonstra preocupação em relacionar essas competências às
situações da vida. Desenvolver competência significa fazer dos saberes uma melhor
maneira de viver e de se relacionar.”
O processo vivido por Matheus nos fez refletir sobre o ainda não saber
como espaço potencial de construção de conhecimentos, mediador entre o não saber
e o saber. Portanto, relacionando à produção do sucesso ou fracasso dos alunos.
33
Embora a alfabetização seja entendia como parte das relações sociais
globais, esta visualiza-se em algumas ações cotidianas da escola que teriam
importante papel no sentido de sua própria transformação. A ação do professor na
sala de aula, um dos eixos transformadores, tem vínculos com sua ação como
cidadão nos diversos espaços nos quais interage. A concepção que o professor tem de
mundo e de homem tem relação com sua concepção sobre o processo de
alfabetização, assim como a leitura tem relação com a qualidade de sua intervenção.
Final do bimestre, os professores da E.E. Ministro Luis Sparano estavam
reunidos para o Conselho de Classe. Então pedimos licença e entrevistamos o grupo,
procurando entender a problemática da auto-estima no âmbito educacional.
“O fracasso escolar está aliado a uma vontade política dos governantes de
investir ou não em educação, o que abrange desde a questão salarial do professor até
a sua capacitação e qualificação profissional. Por outro lado, a falta de compromisso
do professor também contribui para o fracasso escolar das crianças das escolas
públicas.
A escola não é significativa para a criança, pois não acompanha seus
interesses. O grande fracasso não é da criança, e sim da escola. Os pais valorizam a
escola, querem boa escola para seus filhos, mas esta não corresponde às expectativas.
O tempo vai passando e a criança vai tendo sua auto-estima abalada pelo fantasma do
fracasso, da incompetência.
O trabalho diversificado é fundamental, mas de um modo geral, os
professores resistem porque tem uma visão equivocada: eles acreditam que a
atividade diversificada é mais trabalhosa, o que não é verdade; apenas exige que o
professor conheça as reais necessidades de seus alunos e se coloquem em sintonia
com elas; requer do professo a reformulação de uma concepção tradicional de
planejamento e, basicamente, exige que o professor estude, reflita, e não apenas
reproduza.
É possível construir, na prática, um trabalho, coletivo baseado na troca, na
colaboração e na solidariedade. Evidentemente, esta não é uma tarefa fácil. A direção
pode colaborar bastante. Se a direção é engajada e comprometida com o coletivo, é
possível realizar um bom trabalho e superar as dificuldades.
O professor precisa voltar a ler. Se ele não é um leitor, como vai formar
um leitor? Este processo passa primeiro por uma construção individual do professor.
34
Ele tem como instrumento de trabalho o conhecimento e este tem que ser
permanentemente atualizado. O professor necessita resgatar sua condição de cidadão,
de sujeito de sua ação. A escola precisa de professores comprometidos com seu
projeto pedagógico.”
Segundo Moysés (2001, p.62), nada impede que o professor procure
meios individuais pra trabalhar sua auto-estima. Entretanto penso que,
possivelmente, a saída para esses sentimentos se desvalia – que tanto incomodam a
classe dos profissionais do ensino – está na ação coletiva. Nesse campo creio, que há
muito que aprender com os inúmeros projetos (a maioria desenvolvidos por
organizações não governamentais) que vem levantando a bandeira da construção da
cidadania e do resgate da auto-estima em diferentes segmentos da população.”
Alguns desses projetos citados por Moysés (2001) incluem: o Axé, o
Olodum, os Meninos do Morumbi, ou o Mangueira do Amanhã e o Gol de Letra.
Grandes ou pequenos consolidados ou não, a preocupação com o resgate
da auto-estima é o traço que os une.
Tendo por objetivo desenvolver a formação de crianças, jovens e adultos,
fornece- lhes conhecimentos adicionais àqueles adquiridos nas escolas públicas,
ampliando-lhes a sua formação cultural. Seus cursos e seminários concorrem,
também, para aumentar- lhes a auto-estima, na medida em que visam dar- lhes
condições para exercer o papel do cidadão consciente e apto na sociedade.
35
CAPÍTULO IV
PREDOMINÂNCIA DO PROFESSOR EM ELEVAR OU
DERRUBAR A AUTO-ESTIMA DO ALUNO
Predominância do Professor em Elevar ou Derrubar a Auto-Estima do
Aluno
36
Antigamente, acreditava-se que as crianças chegavam à escola sem nenhum
conhecimento sobre leitura ou escrita. Acreditava-se que as crianças necessitavam de
uma autorização, de um momento determinado pelo adulto, para aprender a ler e
escrever.
Atualmente, sabemos que não há um momento certo para iniciar a
alfabetização da criança, pois quando chega à escola, ela já traz uma série de
conhecimentos relativos à linguagem oral e escrita. Este “currículo oculto”, que a
criança traz, varia de acordo com a sua classe social, seu ambiente familiar, sua etnia,
sua cultura.
Algumas dessas crianças chegam “letradas” e percebem o valor social da
leitura e da escrita e ensaiam o seu uso, através de tentativas de leituras e elaboração
de textos em diferentes níveis. Outras ainda não percebem para que serve ler e
escrever por terem vindo de um ambiente ágrafo, no qual nunca observaram seus
familiares em atos de leitura ou escrita.
Entendemos por ambiente alfabetizador, o local onde as crianças participem
de situações de aprendizagem onde as relações sociais facilitam a compreensão da
leitura e da escrita. Essas relações devem ser concretas, reais, sem preocupação com
a reprodução mecânica da escrita convencional.
Para transformar a sala de aula em um ambiente favorável à aprendizagem
da leitura e da escrita, são muitas as possibilidades, ajudando, assim, a elevar a auto-
estima do aluno:
- Oferecer à criança diversos materiais escritos, tais como: jornais, revistas,
livros de literatura, poesias, receitas, convites, embalagens de produtos, etc.
- Permitir que as crianças explorem o material escrito na sala de aula,
conversem sobre ele, pensem sobre ele, troquem experiências com os amigos e
recebam informações necessárias.
- Promover ações sociais voltadas para a leitura e a escrita.
- Fazer registros da fala, em atividades rotineiras, despertando a criança
para a produção de textos.
- Respeitar as dificuldades das crianças, promovendo avanços na construção
do seu conhecimento, sem preocupação com a ortografia.
Nesse sentido, Paulo Freire relata:
37
...pensar certo coloca ao professor mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela – saberes socialmente, construído na prática comunitária – mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. (FREIRE, 1996, p.33), O professor deve aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em
áreas de cidade descuidada pelo poder público para discutir, como por exemplo, a
poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações,
os lixões e os riscos que oferecem à saúde das pessoas.
Deve-se discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar
às disciplinas, a realidade em que a violência é constante e a convivência das pessoas
é muito maior com a morte do que com a vida. Também, estabelecer uma necessária
“intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência
social que eles têm como indivíduos.
Se a criança é pequena, deve-se usar como pontos de referência elementos
da natureza, como frutas, verduras, paisagens, etc, que a interessem, motivem ou, até
mesmo, choquem, pois isso servirá para manter sua atenção e interesse.
O professor, em seu trabalho e relações em classe pode exercer influencia
na formação de um autoconceito positivo em si mesmo e seus alunos.
Para Lúcia Moysés:
“A representação social, segundo alguns de seus teóricos, é uma forma de conhecimento socialmente elaborada e compartilhada, tendo um objetivo prático. Ela concorre para a construção de uma realidade comum a um determinado grupo social e nela estão presentes tanto o aspecto individual como o social. O individuo, por tratar-se de uma construção mental, e o social, pelo fato de ser essa construção compartilhada por diferentes pessoas de um determinado grupo. Assim diante de uma realidade, as pessoas vão construindo mentalmente, e a seu modo, o que dela conseguem captar.” (MOYSÉS, 2001, p.59).
O não compreendido, a incongruências, os aspectos mais profundos e
complexos da realidade, vai sendo deixado de lado e o que resta é algo socialmente
construído na mente de cada um. Não é a realidade, mas a sua representação social.
Em se tratando das representações sociais de professores de escolas
públicas de educação básica, na cidade do Rio de Janeiro, existe a idéia de que são
profissionais desvalorizados. O seu trabalho é marcado pelo desânimo e pela
desesperança. Há professores que, a despeito de qualquer representação social
negativa da classe, mantém a seu respeito uma elevada auto-estima.
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A idéia de serem profissionais desvalorizados, parte dos baixos salários, de
péssima condição de trabalho e da falta de prestígio social.
Embora esses fatos, mostrem-se resistentes e/ ou inacessíveis a uma ação
pessoal visando à mudança, há na sala de aula certas situações que podem ser
mudadas pela ação da vontade. Por exemplo, o nível de auto-estima da turma. O
professor interessado poderá desenvolver, com seus alunos, uma ação voltada para o
aumento desse nível. Se for bem-sucedido, praticando essa ação, o sucesso do
profissional também poderá acontecer.
É com muita clareza que Moysés fala dessa questão:
Que o seu dia-a-dia na escola fosse marcado pelo compromisso com a educação; que seus alunos fossem tratados holisticamente, isto é, como seres que sentem, agem e pensam. Talvez assim esse professor estivesse mais apto a perceber os efeitos de certas situações de cunho cognitivo sobre os sentimentos e as emoções dos seus alunos, como costuma acontecer com o fracasso e a auto-estima. Mais, que ele se visse por esse mesmo prisma. Afinal, tanto o sucesso quanto o seu fracasso tem repercussões sobre os sentimentos que nutre em relação a si mesmo. (MOYSÉS, 2002, p.61) A saída para esses sentimentos de desvalia, que tanto incomodam a classe
dos profissionais do ensino está na ação coletiva. Há muito que aprender com os
inúmeros projetos, que vem levantando a bandeira da construção da cidadania e do
resgate da auto-estima em diferentes segmentos da população.
Aqui está uma atividade, que foi utilizada na pesquisa descrita no capítulo
anterior, relativa ao tratamento de valorização pessoal.
É sempre bom ter em mente que ela funcionou muito bem para os grupos
de crianças de 7 a 14 anos, da E.E.Ministro Luis Sparano.
A caixa Mágica
Objetivo: Valorizar a imagem positiva de si, ampliando sua autoconfiança,
identificando cada vez mais suas limitações e possibilidades, e agindo de acordo
com elas;
Descrição:
A caixa mágica consiste em uma caixa de papelão de aproximadamente 30
centímetros quadrados de fundo, relativamente alta, um espelho cobrindo o fundo da
caixa, papel de presente e fita colorida. É só cobrir a caixa com papel colorido, tendo
o cuidado para que ela se abra em duas bandas, na parte superior. Em cada uma
delas será preso um pedaço de fita, de forma a dar um laço.
39
Estratégia:
Começar apresentando a caixa ao grupo, dizendo tratar-se de uma “caixa
mágica”, porque ela sabe dizer quais são as pessoas mais “legais” daquele grupo.
Chamar um a um para que veja o que tem no interior da caixa. Antes,
porém, ele terá que segurar nas pontas da fita, fechar os olhos e pensar sobre a
pergunta que está sendo feita: “Quem será a pessoa legal que irá aparecer? Quem
será essa pessoa...?”
A frase será completada com as palavras do dirigente que estará traçando-
lhe o perfil enfatizando suas qualidades e habilidades. Terminar perguntando:
“Quem será essa pessoa?” Só depois disso ela deverá abrir a caixa para ver-se no
espelho.
Diante da surpresa da criança, em geral ela fica até encabulada – repetir
suas qualidades e insistir que ela é mesmo uma pessoa muito especial.
Pedir a todos que mantenham segredo sobre o que viram. Os que já viram
devem ficar separados dos que ainda irão ver.
Quando todos terminarem, perguntar ao grupo: “Afinal, qual foi a pessoa
legal que apareceu? Diante da resposta “Fui eu” o, dirigente deverá explorar a
situação sobre o valor que todos nós temos e sobre a nossa singularidade.
Obs: Somente devem ser ditos coisas verdadeiras sobre a criança. Pode-se
até dizer que ela tem outro defeito (desde que seja comum em todas as crianças),
mas que, em compensação, tem tais e tais qualidades. E mais: o segredo é
fundamental.
Conclusão
40
Chegamos ao final deste trabalho e, antes de tecer algumas considerações a
respeito das questões sobre as quais nos debruçamos ao decorrer dele, faz-se
necessário uma breve retomada tanto de seu objetivo quanto dos caminhos
percorridos para alcançá- lo.
Conforme colocado no capítulo introdutório, a proposta referia-se à
intervenção do professor no processo de elevação e auto-estima do aluno, sendo a
questão colocada da seguinte maneira: como intervenção do professor influencia no
processo de construção da auto-estima do aluno, fazendo-o perceber-se como capaz
ou incapaz?
A própria pergunta sinaliza de que se trata de um processo, algo que está se
construindo. E atendendo a isso é que foram selecionados os meios para o
desenvolvimento do tema referente às observações e às entrevistas.
Inicialmente, fez-se necessário ter clareza a respeito dos conceitos com os
quais estaríamos trabalhando e, por isso foi feito um levantamento bibliográfico,
centrando a leitura e dedicando o primeiro capítulo do trabalho à conceituação da
auto-estima e da pratica pedagógica.
Alguns autores foram fundamentais nessa etapa. Na reflexão sobre auto-
estima destacaram-se Lúcia Moysés (2001), Franco Voli (1998) e Ivone Oliveira
(1994). Com a ajuda deles foi possível entender auto-estima como a percepção que
tem de si mesmo; algo que não é inato, mas que se constrói lenta e gradualmente, ao
longo da vida, nas interações e no convívio. Esta tem várias facetas, sendo a auto-
estima do aluno – a qual se deu ênfase nesse trabalho – o que se refere ao
desenvolvimento escolar.
Sobre a prática pedagógica, a reflexão aconteceu, com a ajuda de Perrenaud
Meirieu (1989), Celso Antunes (2002), Franco Voli (1998) e no que diz respeito ao
tema, atenção especial foi dada as características citadas por Antonio Zabala (1998)
que tem como ponto de partida o próprio planejamento, observando principalmente,
que para o aluno compreender o que faz depende de que seu professor seja capaz de
ajuda-lo a entender de como se apresenta, de como tenta motiva- lo, na medida em
que lhe faz sentir que sua contribuição será necessário para elevação da auto-estima
do aluno.
Munida destas informações, foi realizada pesquisa de campo na Escola
Estadual Ministro Luis Sparano em Marica, RJ. Estivemos por apenas três dias na 2ª
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série do Ensino Fundamental. Foi um contato rápido, porém proveitoso, pois através
dele pode-se ver de perto os efeitos do processo sobre o qual foi proposta a
investigação, reafirmando o interesse pelo tema.
As crianças desta turma, conforme relatado no capítulo III, apresentavam
sérios indícios de que já estava internalizado o rótulo de incapazes – apesar de a
professora estar realizando um trabalho voltado para a reconstrução da auto-estima,
fazendo acreditarem mais em si mesmos e verem-se como capazes de alcançar
sucesso.
Realizamos uma entrevista com esta professora que relatou sentir-se
satisfeita com o trabalho que desenvolveu e disse ser visível não apenas a ela, mas
também às outras pessoas, uma mudança significativa no comportamento dos alunos.
Entendendo a importância da relação professor/aluno/conhecimento ao
observar alunos da classe de alfabetização da Escola citada, demos ênfase a
discussão sobre a forma como o saber e o não saber vividos no cotidiano da sala de
aula são relevantes para a compreensão dos mecanismos que possibilitam a
construção do sucesso de alguns e do fracasso da maioria.
Compreender e incorporar o movimento revelado por Matheus, aluno da
Escola Estadual Ministro Luis Sparano, citado no capítulo III – não saber, ainda não
saber, já saber – é um dos aspectos significativos para a reconstrução desejada. O
caso de Matheus nos mostra que todas as crianças entram na escola com
possibilidades de sucesso e de fracasso. No entanto, sua origem de classe interfere
nas condições que levam a um ou outro resultado.
No caso da escola pública comprometida com o sucesso dos alunos das
classes populares, a construção do sucesso das crianças é um desafio. Essas crianças
encontram diminuídas suas possibilidades de êxito, embora potencialmente, elas
existam. Assim a ação do professor é indispensável para que a criança atualize suas
possibilidades de sucesso. Matheus nos mostra que a qualidade de intervenção
docente tem relação com a cristalização dessa possibilidade.
Observamos no capítulo IV, que a intervenção docente no processo de
elevação da auto-estima do aluno se dá no dia-a-dia em sala de aula, através de
gestos e ações cotidianas.
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Esse processo é visto em tudo que é falado ao aluno e sobre o mesmo, a
maneira do relacionamento do professor com o aluno, da atenção que o dispensa e do
valor que é atribuído a sua pessoa e as suas realizações.
Tendo em vista os pontos abordados a análise dessas relações indica que o
autoconceito do aluno é um dado relevante para compreender seu processo de
aprendizagem. O desenvolvimento de atitudes e de respeito as particularidades de
cada um, a convivência com os outros numa atitude básica de aceitação e auto-
aceitação que permitirão o acesso simultâneo dos conhecimentos mais amplos da
realidade social e cultural.
Sendo assim, ampliando sua autoconfiança, identificando cada vez mais
suas limitações e possibilidades, tendo em vista a aquisição de conhecimentos,
habilidades, formação de atitudes e valores desenvolvendo assim a sua capacidade de
aprendizagem.
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