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Universidade de Lisboa
Faculdade de Belas Artes
‘Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal – Programa museológico’
Candidata: Ana Frederica Jordão dos Santos
Mestrado em Museologia e Museografia
2010/2012
1
Universidade de Lisboa
Faculdade de Belas Artes
‘Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal – Programa museológico’
Candidata: Ana Frederica Jordão dos Santos
Mestrado em Museologia e Museografia
Dissertação orientada pelo Prof. Dr. Fernando António Baptista Pereira
2010/2012
2
Resumo
A proposta de estabelecimento de um Museu dedicado ao Cônsul de Portugal em Bordéus
durante a II Guerra Mundial, Aristides de Sousa Mendes, tem encontrado largo eco na
sociedade portuguesa e em comunidades internacionais. O exemplo de Sousa Mendes a
favor dos perseguidos do regime nazi e os contextos políticos, ideológicos e pessoais em
que se desenrola convocam questões determinantes para o entendimento que uma
comunidade tem de si, intimando ao diálogo um número vasto de disciplinas, da
Antropologia, à História, da Psicologia à Sociologia e ao Direito.
A riqueza que se entrevê neste debate motivou a planificação de um programa museológico
que pudesse abarcar a densidade da vida do seu patrono e o seu legado para a Humanidade,
contribuindo para a promoção dos Direitos Humanos e do entendimento entre os Povos.
Pela singularidade do percurso de vida de Sousa Mendes, o futuro Museu conta já com um
espaço em que poderá funcionar, a Casa do Passal, residência do Cônsul, sem que o seu
espólio possa, dentro dos moldes habituais, conformar-se aos critérios da Casa-Museu de
personalidade.
A idealização de uma Casa-Museu que lida com um período marcante do imaginário
colectivo celebrando o altruísmo e a abnegação requererá o recurso a estratégias de
comunicação positivas, baseadas no confronto crítico com a História e na possibilidade de
resposta individual às determinações estruturais da sociedade. Assim, mais do que
memorial evocativo do horror da intolerância, a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes –
Casa do Passal pretende afirmar-se como um Museu de redenção, da possibilidade de
transformação positiva da sociedade e do mundo.
Palavras-chave: Museologia, História, II Guerra Mundial, Diplomacia, Educação.
3
Summary
The plan for establishing a Museum dedicated to the Portuguese Consul in Bordeaux
during the II World War, Aristides de Sousa Mendes, has met with the sympathy of the
Portuguese society and international communities at large. Sousa Mendes’ exemplary action
in favour of those persecuted by the Nazi regime and the political, ideological and personal
contexts in which it develops arise important questions for the self-image of communities,
calling to stand a vast array of disciplines such as Anthropology, History, Psychology,
Sociology and Law.
The richness anticipated by such a debate motivated the conception of a Museum program
that would be able to grasp the density of its patron’s life history and his legacy for
Humanity, contributing for the promotion of Human Rights and the understanding among
Peoples.
Because of the singularity of Sousa Mendes’ life journey, the future Museum can already
rely on a building wherein to develop it’s activities, Casa do Passal, the former residence of
the Consul, whereas the house objects cannot provide for a Museum-House in the
traditional sense.
The conception of a House-Museum that deals with a sensitive period of the collective
memory, celebrating altruism and self sacrifice requires for the use of positive
communication strategies, based on a critical approach of History and the possibility of
individual response to structural determinations of society. More than a memorial to the
horrors of intolerance, Aristides de Sousa Mendes House-Museum – Casa do Passal aims
to subsist as Museum for redemption and the possibility of the positive transformation of
the society and the world.
Key-Words: Museology, History, II World War, Diplomacy, Education.
4
Agradecimentos
O mais sentido agradecimento aos meus Avós, Maria da Conceição e Manuel Jordão, por me terem dado a conhecer a história de vida de Aristides de Sousa Mendes e por terem pautado a sua vida pelo mesmo exemplo de generosidade, empenho e coragem na defesa das suas crenças e ideais. Agradeço à minha Mãe, Maria Jordão, por me ter apoiado, encorajado e acompanhado indefectivelmente no meu percurso académico. A minha profunda gratidão e superior estima à Família Sousa Mendes, nas pessoas de Sebastian Mendes, Gérald Mendes e António de Moncada Sousa Mendes pelo inestimável apoio e imensa disponibilidade com que receberam o meu projecto. À Sousa Mendes Foundation e à Fundação Aristides de Sousa Mendes.
Ao arquitecto Eric Moed, pela sua generosidade, pela inestimável colaboração e estimulante diálogo. Dirijo o meu reconhecido agradecimento ao meu orientador, Prof. Dr. Fernando António Batista Pereira, por ter acreditado no meu trabalho e, na sua generosidade, ter sabido partilhar dos momentos menos bons da sua execução. À Junta de Freguesia de Cabanas de Viriato na pessoa do seu Presidente, Sr. José de Barros Figueiredo, pela calorosa recepção. Igualmente à Câmara Municipal de Carregal de Sal pela pronta disponibilidade. Incluo neste agradecimento a Direcção Regional de Cultura do Centro – Coimbra por todo o apoio prestado. Pelo genuíno interesse e prontidão com que apoiaram este projecto, endereço uma palavra de apreço à Câmara Municipal da Figueira da Foz através das profissionais da Biblioteca Municipal da Figueira da Foz e do Arquivo Fotográfico da Figueira da Foz. O meu agradecimento ao designer David Small e à equipa da Small Design Firm pela preciosa colaboração. Agradeço, reconhecida, ao Dr. António Ponte, à Dr.ª Maria Raquel Limão de Andrade e a Vicky Leibowitz pela amável colaboração e abertura para o debate. Agradeço à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa a oportunidade de trabalhar de perto com tão bons profissionais, entre pessoal docente e não-docente. À designer Sabrina Dâmaso pelo estímulo e pelo apoio. Ao amigo e jornalista Nuno Ramos de Almeida pela preciosa colaboração e encorajamento. Pela presença e apoio, aos amigos Catarina Saraiva, Linda Melo, Samuel Santos, Sofia Botelho e Tiago Veloso. Esta dissertação é para os meus Avós.
5
Introdução 7
I. Uma biografia política de Aristides de Sousa Mendes na Europa do seu tempo 9
1.1 O processo pessoal: origens, percurso e história familiar 9
1.2 O Acto de Consciência 19
1.3 Acusação e Processo Disciplinar 23
1.4 O reconhecimento pelo Governo português 27
1.5 Legado institucional 30
1.6 Os diplomatas portugueses e a II Guerra Mundial 33
II Museus e memória 35
2.1 A memória na historiografia contemporânea 35
2.2 Memórias do Holocausto 37
2.3 Museus para a Memória – estudos de caso 40 Jüdisches Museum Berlin – Museu Judaico de Berlim, Berlim, Alemanha 40 Red Location Museum, Porth Elisabeth, África do Sul 43 Nobels Fredssenter – Centro Nobel da Paz, Oslo, Noruega 45
III Programa museológico para a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal 48
3.1 Missão e vocação 48
3.2 Programa Científico 50 3.2.1 Espólio e acervo 50 3.2.2 Exposições 51 3.2.3 Condições de conservação 54 3.2.4 Projectos 61
3.3 Programa arquitectónico 63 3.3.1 Parâmetros do programa 63 3.3.2. Plano de intervenção arquitectónica 64
3.4 Programa Museográfico 76 3.4.1 Sistemas de inventariação e documentação 76 3.4.2 Encenação dos testemunhos - Exposição permanente 77 3.4.2.1 Conceito gerador 77 3.4.3 Equipamento expositivo 80 3.4.4 Serviços Educativos 83
Conclusão 86
Bibliografia 87
Anexos 90
6
[….] in order to remember, one must be capable of reasoning and comparing and of
feeling in contact with a human society that can guarantee the integrity of our memory.
Maurice Halbwachs, The Social Frameworks of Memory, p. 41
‘Contemporary memory space is charged with the responsibility of honouring divergent
narratives of the past and conveying that sense to an audience that is in turn diverse.’
Vicki Leibowitz, Making Memory Space: Recollection and
Reconciliation in Post Apartheid South African Architecture, p. 9
7
Introdução
A presença do nome de Aristides de Sousa Mendes no imaginário social português
é relativamente recente, se tivermos em conta que os factos que o distinguem enquanto
homem político e cidadão remontam a 1940. Com efeito, a primeira diligência oficial para
apuramento dos factos que levaram o Ministério dos Negócios Estrangeiros português, em
processo disciplinar de 1940, a ditar a aposentação compulsiva de Sousa Mendes da carreira
de Cônsul de primeira classe data apenas de 1975, quando Ernesto Melo Antunes assume a
pasta do Ministério dos Negócios Estrangeiros do VI Governo Provisório (Afonso, 1995:
324).
Aristides de Sousa Mendes, diplomata de carreira, era Cônsul de Portugal em Bordéus à
data da invasão de França pelas tropas nazis, em Maio de 1940. Confrontado com o
crescente número de refugiados que procuravam fugir da guerra e das políticas de
discriminação racial de Adolf Hitler, Sousa Mendes, católico e humanista, encontrava-se
igualmente impedido de agir dentro da legalidade para os auxiliar: entre vários outros
documentos oficiais, a Circular n.º 14 do Ministério dos Negócios Estrangeiros de 11 de
Novembro de 1939 impedia os cônsules de carreira de emitir vistos de trânsito para
Portugal a estrangeiros ‘de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas,
aos portadores de passaportes Nansen e aos russos’, àqueles ‘que apresentam nos seus
passaportes a declaração ou qualquer sinal de não poderem regressar livremente ao país de
onde provêm’ e aos ‘judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou de aqueles de onde
provêm’.
Contudo, a despeito das ordens oficiais, após uma consulta a colegas de profissão e à
família, perante o caos de refugiados que acorriam ao escritório do consulado em Bordéus,
Aristides de Sousa Mendes decidiu ajudar quem o procurava: entre os dias 14 e 20 de
Junho de 1940, emitiu um total de 1288 vistos de passagem por Portugal em passaporte,
essenciais a quem procurava atravessar Espanha com rumo ao continente americano.
Muitos mais vistos salvadores terão, no entanto, sido emitidos em papéis de vária ordem e
valor legal.
As consequências pessoais e familiares da desobediência ao Governo conservador de
Salazar não se fizeram esperar e ditaram a sua proscrição da carreira diplomática, o
impedimento de exercer a profissão de advogado e a perda de direitos na aposentadoria,
eventos que motivaram o rápido declínio da situação económica familiar.
8
Nas vésperas do seu falecimento, Aristides de Sousa Mendes vivia em condições
extremamente precárias, a maioria dos filhos havia emigrado com o intuito de prosseguir a
sua vida sem o peso da proscrição sobre o seu nome e, apesar das suas diligências, Sousa
Mendes nunca conseguiu recuperar direitos fundamentais. A sua memória foi apenas
conservada pela família, por alguns sobreviventes que receberam os seus vistos e encerrada
nos arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Lentamente, num processo que envolveu, sobretudo, a Família mas, igualmente, uma parte
da comunidade académica portuguesa e estrangeira, escritores e jornalistas, cidadãos e
cidadãs anónimos, o Estado de Israel, refugiados europeus nos Estados Unidos da América
e, por fim, o próprio Governo português, foi-se desvendando e tornando pública a sua
acção humanista e as terríveis consequências pessoais que daí advieram.
O interesse pela acção de Sousa Mendes não se atém à necessária rememoração e análise
do ambiente e das condições políticas e sociais dos tempos da II Guerra Mundial: a
desobediência de Sousa Mendes a ordens do seu Governo contém um comentário e um
elemento essencial de reflexão acerca da relação entre Lei e Ética que poderá ser
determinante na prevenção de futuros conflitos, na consolidação do entendimento entre os
Povos e num enriquecimento e dignificação duráveis do Direito.
Por outro lado, oferece-se como um excelente estudo de caso para a análise das questões
da memória, da memória colectiva e das versões oficialmente sancionadas da História.
A ideia de criar uma unidade museológica destinada a honrar a memória da acção
humanista do diplomata português Aristides de Sousa Mendes data de há longos anos e
vem sido acalentada longamente pela Família e pelas diversas comunidades que
reconhecem na figura do Cônsul um exemplo de coragem e uma lição a aprender no
capítulo da defesa indefectível dos Direitos Humanos. O presente trabalho pretende ser um
modesto contributo para este projecto maior, que não poderá deixar de honrar igualmente
outros diplomatas ao serviço do MNE português que, nas mesmas condições, agiram em
defesa dos direitos humanos - Sampaio Garrido, Teixeira Branquinho, Giuseppe Agenore
Magno, entre outros.
9
‘Ao longo dos anos, o tempo fez o seu lento trabalho de destruição. O vento arrancou as persianas das janelas, a pintura desapareceu,
a cerca e o portão enferrujaram e as ervas daninhas invadiram o chão.’
Rui Afonso, Um Homem Bom (1995: 314).
I. Uma biografia política de Aristides de Sousa Mendes na Europa do seu tempo
A contextualização dos ambientes políticos, económicos e culturais que moldam as
biografias permitem, no espaço do Museu, analisar, interpretar, produzir novo
conhecimento e comunicar acerca dos objectos de estudo. No caso específico da vida e
obra de Aristides de Sousa Mendes esta contextualização é de importância fulcral: a sua
acção e a relevância dela dependem inteiramente do contexto em que se processou e o
impacto que teve ressoa ainda nos nossos dias, como onda de choque, na vida de milhares
de pessoas.
Assim, e no sentido de apontar já para a estruturação dos percursos de visita a definir para
a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal, apresentar-se-á aqui uma
resenha biográfica do Cônsul a dois tempos – o percurso pessoal e profissional entre 1885
e 1940 e o ‘Processo Disciplinar’ de 1940, seu desenvolvimento e consequências,
entretecendo os aspectos pessoais e familiares com os aspectos políticos do país e da
Europa.
1.1 O processo pessoal: origens, percurso e história familiar
Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu a 19 de Julho de 1885, em
Cabanas de Viriato, concelho do Carregal do Sal. Desse parto nasceria também o seu irmão
gémeo, César de Sousa Mendes.
A família Sousa Mendes encontrava-se, então, na sua propriedade da Casa do Aido, solar
da família de Maria Angelina Ribeiro de Abranches de Abreu Castelo-Branco, mãe de
Aristides. Para uma maior precisão do que se dirá em seguida, será importante referir que
Maria Angelina Ribeiro de Abranches de Abreu Castelo-Branco era bisneta de Roque
Ribeiro de Abranches Castelo Branco, 1º visconde de Midões, título nobiliárquico
outorgado por D. Maria II em 1837.
10
Do casamento de Maria Angelina Castelo Branco com José de Sousa Mendes, juiz
desembargador da Relação de Coimbra, nasceria ainda um terceiro filho, José Paulo de
Sousa Mendes, em 13 de Novembro de 1895.
Aristides de Sousa Mendes e o irmão César ingressam na Faculdade de Direito da
Universidade de Coimbra, licenciando-se em Direito em 1907 e concluindo a especialização
em Diplomacia no ano de 1910, no advento da República.
No ano anterior, Aristides havia contraído matrimónio com Maria Angelina Ribeiro de
Abranches (doravante denominada por Angelina de Sousa Mendes), sua prima direita.
O início da carreira diplomática e uma família que se quer extensa
Do casamento de Aristides e Angelina Sousa Mendes nasceria em primeiro lugar Aristides
César (Carregal do Sal, 17/10/1909) que seguirá com os pais, a 12 Abril de 1910, para a
Guiana Britânica, onde Aristides iria ocupar o cargo de cônsul de 2ª classe. As graves crises
de paludismo que, então, assolavam a região e infectaram vários membros da família
obrigam ao regresso a Portugal, no ano seguinte. No curto interregno que a família Sousa
Mendes passa em Portugal nasce o segundo filho, Manuel Silvério (Carregal do Sal,
03/07/1911).
A 10 de Novembro de 1911, Aristides de Sousa Mendes é destacado para o posto de
cônsul-geral de Portugal em Zanzibar, à época um protectorado britânico. Os seus filhos
José António (02/07/1912), Clotilde Augusta (28/11/1913) e Isabel Maria (17/10/1915)
nascerão nesta fase, sem que a família perca os laços com Portugal: são regulares, por estes
anos, as visitas da família a Cabanas de Viriato.
Pelos serviços prestados à frente do posto consular, Aristides recebe do sultão de Zanzibar,
Sayyid Sir Khalifa II bin Harub, a medalha de segunda classe da Estrela Brilhante. O sultão
apadrinharia, igualmente, o seu filho Feliciano Artur (29/03/1917), nascido também em
Zanzibar. Mas Zanzibar revela-se um perigo para a saúde dos seus filhos, pelo que em
Fevereiro de 1918, ainda a I Guerra Mundial não havia terminado, Aristides de Sousa
Mendes é colocado à frente do consulado de Curitiba, no Brasil. Aí nascerá a filha Elisa
Joana (09/09/1918).
Entretanto, em Portugal, Sidónio Pais liderara já a Junta Militar revolucionária que, em 8 de
Dezembro de 1917, havia derrubado o governo de Afonso Costa, levando ao exílio o
Presidente da República Bernardino Machado. Contrariando as disposições da Constituição
de 1911, Sidónio Pais instala um regime de clara feição presidencialista, assumindo as
11
funções de Presidente da República, Ministro da Guerra e Ministro dos Negócios
Estrangeiros. Após o seu assassinato, João Canto e Castro assume a Presidência da
República e, perante as sucessivas tentativas de golpe de Estado levadas a cabo pelas forças
vivas da monarquia portuguesa (lideradas por Cunha Leal e Álvaro de Castro em
Dezembro de 1918 e Paiva Couceiro, em Janeiro de 1919), inicia uma vaga de purgas de
simpatizantes monárquicos ao serviço da nação. Como se vira, Aristides de Sousa Mendes
era ele próprio um aristocrata por ascendência materna, monárquico convicto. No Brasil, o
seu posicionamento político colocou-o perante o primeiro de vários processos disciplinares
quando, num caso que envolveu igualmente o irmão César, é acusado de anti-
republicanismo e levado a tribunal como ‘elemento hostil ao regime’1, colocado na situação
de disponibilidade e vê o seu vencimento reduzido. Absolvidos por falta de provas das suas
intenções conspirativas, Aristides de Sousa Mendes e o irmão César dão prova de carácter
ao alterar oficialmente os seus nomes, acrescentando-lhes, em 1920, os apelidos maternos
Amaral e Abranches. Poucos meses depois, a Casa do Passal, residência da família em
Cabanas de Viriato, que Aristides então aumentava com um novo piso e embelezava,
passaria a ostentar o brasão de armas da família.
Este processo judicial, que se arrastou entre Junho de 1919 e Junho de 1921, devolveu
Sousa Mendes temporariamente a Portugal. O oitavo filho do casal, Pedro Nuno
(29/04/1920), nascerá em Coimbra, poucos meses antes de Aristides reassumir plenas
funções como diplomata, desta feita, em São Francisco, Estados Unidos da América. A sua
personalidade de novo neste posto dá mostras de firmeza, contando-se alguns episódios de
confronto com um grupo de notários americanos, uma azeda troca de correspondência em
jornais luso-americanos e a acusação de ser antidemocrático e, sobretudo, anti-americano.
A sua despromoção neste posto não tardou: quando o Departamento de Estado lhe nega a
carta-patente como Cônsul-geral de Oakland, o Ministério dos Negócios Estrangeiros
português (MNE) transfere-o para um cargo inferior, de inspecção do consulado português
em Boston2. É nos E.U.A. que nascerão os filhos Carlos Francisco (Berkeley, 11/02/1922)
e Sebastião Miguel (São Francisco, 07/10/1923).
A missão diplomática seguinte levará Aristides de Sousa Mendes e a família de novo para o
Brasil, onde se ocupará do posto consular do Estado do Maranhão e, posteriormente, do
de Porto Alegre. É nesta cidade brasileira que nasce a filha Teresinha (06/11/1925). Em 29
de Janeiro de 1926, é chamado de novo a Portugal onde ocupará um posto na Direcção-
Geral dos Negócios Comerciais e Consulares. 1 Afonso, 1995: 193. 2 Ibidem.
12
A verdadeira ascensão da carreira do diplomata começa, contudo, a partir do Golpe de
Estado de 28 de Maio de 1926, liderado por Gomes da Costa. Se o processo revolucionário
levado a cabo pelas forças conservadoras do país ditou um novo momento de instabilidade
na já complexa situação da I República, certo é que, consolidada a vitória conservadora
sobre o governo de António Maria da Silva, o próprio povo português se encarregou de
caucionar as medidas antidemocráticas em nome da estabilidade nacional: a aclamação de
Gomes da Costa em Lisboa, em Junho desse ano, subscrevia o novo regime ditatorial, de
feição militar e antiparlamentarista. No ano seguinte, em Março, Sousa Mendes é integrado
no corpo diplomático do consulado de Vigo, Espanha. Na cidade de Pontevedra nascerá o
décimo segundo filho de Aristides e Angelina, Luís Filipe (26/05/1929).
Uma possível explicação para esta importante nomeação após um período tão atribulado na
sua carreira é fornecida pelo próprio em carta ao Ministro dos Negócios Estrangeiros,
Manuel Quintão Meireles, de 15 de Março: Sousa Mendes reconhecia ser ‘funcionário
próprio para vigiar e inutilizar os manejos conspiratórios contra a Ditadura’3. O apoio de
Sousa Mendes e do seu irmão César à nova ditadura foi completo e incondicional, muitas
vezes justificado em correspondência privada, oficial e na imprensa internacional4 e daí
advieram importantes frutos a curto prazo: em Dezembro de 1926, César de Sousa Mendes
era promovido a ministro plenipotenciário de 2º classe e nomeado chefe da 1ª repartição da
Direcção-Geral dos Negócios Políticos e Diplomáticos.
A carreira de Aristides de Sousa Mendes estruturava-se igualmente, granjeando-lhe
colocações de cada vez maior prestígio e responsabilidade: em Setembro desse ano de 1929
assume funções de cônsul-geral de Portugal em Antuérpia. Na cidade flamenga de Louvain,
onde se estabeleceu com a família, nascerão os filhos João Paulo (06/01/1931) e Raquel
Hermínia (25/06/1933, falecida cerca de um ano e meio depois).
Quando, em 1932, o bem-sucedido Ministro das Finanças António de Oliveira Salazar,
assume a presidência do Conselho de Ministros, prefiguram-se novos êxitos nas carreiras
dos irmãos Sousa Mendes: em Julho, o antigo colega de faculdade de Aristides e César
entrega a pasta dos Negócios Estrangeiros a César de Sousa Mendes. Contudo, apesar da
sua solicitude na tentativa de resolução de problemas do Ministério pela proposta de
inúmeras remodelações internas, César é afastado do Ministério ao fim de nove meses e
substituído por José Caeiro da Mata. Se bem que o processo de afastamento de César de
Sousa Mendes nunca fosse suficientemente claro, contemporâneos dos irmãos Mendes
alvitram explicações díspares acerca da curta permanência do irmão de Aristides à frente 3 Afonso, 1990: 27. 4 cf Afonso, 1990: 28.
13
dos destinos do MNE: por um lado, sugere-se a incompetência de César para o cargo; por
outro, insinuam-se disputas e inimizades entre membros do MNE que poderiam ter
prejudicado a sua carreira e, mais tarde, alimentado o Processo Disciplinar movido, em
1940, a Aristides5.
Correspondência trocada entre os irmãos permite compreender o desenvolver de uma
crescente amargura para com o rumo da carreira diplomática no MNE e, muito
significativamente, para com Salazar. Se as consequências de tal desconforto não seriam
imediatamente perceptíveis, os meses seguintes haveriam de assistir ao avolumar da tensão
entre o MNE e os Sousa Mendes, num período em que a Europa entrava igualmente num
período de crise.
Do ponto de vista pessoal, a família de Aristides assistia também às suas tragédias: após a
morte prematura de Raquel Hermínia, com pouco mais de um ano de idade, o filho Manuel
Silvério, recentemente licenciado pela Universidade de Louvain, falece em 1934.
Ao fim de nove anos à frente do posto consular de Louvain, em Fevereiro de 1938,
Aristides de Sousa Mendes solicita oficialmente ao Presidente do Conselho a sua
transferência, alegando a sua antiguidade no quadro. Em resposta, Salazar destaca-o, contra
as suas pretensões de se ocupar da legação chinesa ou japonesa, para um posto consular de
pouca relevância em França. Chega, assim, em 1 de Agosto de 1938, a Bordéus.
A Europa encontrava-se, por esta época, em profundas convulsões: a 13 de Março de 1938,
contrariando as disposições do tratado de Saint-Germain-en-Laye de 1919 e do Tratado de
Versalhes, a Alemanha liderada por Adolf Hitler e o Partido Nacional Socialista anexa a
Áustria, perante o imobilismo de França e Inglaterra e inicia uma vaga de ofensivas sobre a
região dos Sudetas e da Checoslováquia.
A neutralidade portuguesa na II Guerra Mundial e a questão dos refugiados
No conflito que, então, rapidamente se prefigurava no cenário político europeu, Portugal
manteve a sua neutralidade quase inabalável6, por razões que alguns historiadores apontam
como estratégicas, porquanto circunstanciais: se, por um lado, interessava manter a amizade
5 cf. Afonso, 1990: 32 et seq.. 6 ‘Mas a paz não poderá ser para ninguém desinteresse ou descuidada indiferença. Não está no poder de homem algum subtrair-se e à Nação às dolorosas consequências de guerra duradoura e extensa. Tendo a consciência de que aumentaram muito os seus trabalhos e responsabilidades, o Governo espera que a Nação com ele colabore na resolução das maiores dificuldades e aceite da melhor forma os sacrifícios que se tornarem necessários e se procurará distribuir com equidade possível.’ Comunicado do Governo de 2 de Setembro de 1939. Fonte: Jornal de Notícias.
14
com a Inglaterra usando dos acordos de cooperação com a vizinha Espanha para afastá-la
de uma eventual união ao Eixo, era de suma importância manter a paz na Península e
evitar, sobretudo a partir da campanha alemã no Norte de África, em Setembro de 1940, a
presença de forças Aliadas em território nacional7.
Esta neutralidade é contada como episódio curioso por refugiados da perseguição alemã:
‘Portugal seguia uma rígida neutralidade bem visível nos quiosques, onde ao lado de dez
jornais pró‐eixo pendiam dez jornais pró aliados.’8
Também relativamente à questão dos refugiados, a posição da diplomacia portuguesa era
de uma inflexível neutralidade: a 12 de Abril de 1939, chega ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros português o memorando ‘Situação dos Judeus na Roménia, Pro Memoria’,
elaborado pela Legação Real da Roménia. Neste documento, após uma análise da ‘evolução
da questão judia na Roménia’9, aponta-se para o excessivo número de cidadãos e não-
cidadãos de origem judaica no país, problema partilhado pela Polónia, e que, como tal,
exige uma resolução internacional. Esta ‘solução humanitária e duradoira’10 deveria, de
acordo com o Governo Real da Roménia, envolver os países onde o povo Judeu se
encontra localizado mas, igualmente, as organizações judaicas, no sentido do
estabelecimento de um Estado Judaico.
Deixando para outro contexto as questões históricas que fundamentam o anti-semitismo
europeu e que Andrade (2007) explicita habilmente, cabe-nos analisar as motivações dos
governos romeno e polaco no preciso momento histórico em que o dito memorando é
emanado: na Europa nazificada, o projecto de erradicação de povos não-arianos, iniciado
em Abril de 1933 com a emissão de decretos definindo a condição não-ariana e o boicote
ao comércio judeu, exacerbava-se, no início de 1939, a ritmo acelerado, com a subtracção
dos direitos de inquilinato aos judeus e o seu realojamento forçado em ‘casas judaicas’;
seguir-se-ia o recolher obrigatório, a perda do direito à posse de aparelhos de rádio, entre
outras privações. Num semelhante contexto, e a despeito da realidade do sentimento anti-
semita em países como a Roménia ou a Polónia e a habilidade do expediente internacional
que salvaguardaria qualquer dos países de tomar medidas de cariz nacional, a ideia do
estabelecimento de um Estado judaico poderia até ser entendida como medida do mais alto
valor humanitário. Laconicamente, o Estado português responderá, contudo, a este apelo
internacional com uma circular em que informa ‘que Portugal não tem problemas de anti-
7 Telo, 1999: 140. 8 Tillinger apud Alves et al., 2010: 52 9 Situação dos Judeus na Roménia, Pro Memoria, Lisboa, 12/04/1939, AHDMNE in Andrade, 2007: 57. 10 Andrade, op. cit.: 62
15
semitismo’; já em relação ao aspecto político, diz-nos Andrade, julga o MNE ser ‘mais
prudente não se envolver na discussão’11. Lembremos que como pano de fundo à decisão
do MNE liderado por António de Oliveira Salazar presidia, sobretudo, a pressão de várias
potências Aliadas já na Conferência de Evian sobre os Refugiados de 1938 (na qual
Portugal não participou): nesta Conferência, alvitrou-se que Portugal pudesse ceder parte
do seu território ultramarino com vista ao estabelecimento desse futuro Estado judaico,
nomeadamente, em Angola ou em Moçambique.
Seja como for, o assunto da participação portuguesa no plano internacional para a
resolução do problema dos refugiados ficaria, por ora, encerrado, salvaguardando-se, de
uma assentada, a neutralidade portuguesa relativa aos países do Eixo e às potências aliadas,
como a Inglaterra.
Esta neutralidade, no entanto, deverá ser entendida no plano estritamente externo e da
cooperação internacional. Internamente, a política do MNE seguiu outro rumo: resultado
da evolução da situação política da Europa no séc. XX, com a recomposição dos Impérios
decadentes em modernos Estado-Nação, o número de refugiados de diversas categorias
aumentou exponencialmente, forçando diversos países a elaborar legislação específica para
lidar com a entrada de estrangeiros nos seus territórios. Durante as primeiras décadas do
século, a atitude de Portugal, sempre cautelosa, vai no sentido da ratificação das
convenções internacionais que permitem a concessão de bilhetes de identidade a refugiados
russos e arménios portadores de passaporte Nansen, documento que lhes permitia circular
entre os países subscritores da convenção. Com a subida de Hitler ao poder, em 1933, e a
consequente perseguição encetada contra não-Arianos, diversos delegados diplomáticos
portugueses em países da área de influência germânica – entre eles, também de César de
Sousa Mendes, ao tempo embaixador de Portugal em Varsóvia – alertaram o Governo
português para os perigos da entrada desregrada de ‘israelitas’ no país, por entenderem que
poderiam constituir-se como ‘veículos de ideais que não têm ambiente natural entre as
camadas populares portuguesas, mas ainda assim, poderiam contribuir para um mal-estar
geral’12.
Às razões invocadas vão juntar-se motivos de ordem económica, nomeadamente, o
contexto de crise gerado pela fragilização das economias e consequente queda dos
mercados bolsistas no ano de 1920: a atitude proteccionista do emprego, do controlo da
fixação de capitais e mão-de-obra estrangeiros foi comum a diversos países e é também
11 Andrade, op. cit.: 67 12 Carta do embaixador português em Amesterdão, Júlio Augusto Borges dos Santos, para o ministro do MNE de 12/05/1933, apud Chalante, 2011: 45 e 46.
16
neste contexto que deverá ser lida, de acordo com Susana Chalante (2011), a produção de
legislação reguladora da preferência de trabalhadores nacionais sobre estrangeiros em
empresas industriais ou comerciais (1930-1933), da proibição de contratação ou
contratação limitada ao aval do MNE de trabalhadores estrangeiros no sector do
espectáculo (1932), músicos e artistas teatrais (1937), professores (1933) e médicos (1939).
Ainda no plano interno, convirá chamar a atenção para o crescimento do papel
interventivo da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), criada em 1933, nas
questões dos refugiados. Pelo Decreto-Lei n.º 33 917 de 5 de Setembro de 1944, a PVDE
passa a poder emitir passaportes a estrangeiros. A esta medida não será alheia uma
necessidade de reforço do aparelho de Estado perante a possibilidade de conflito entre o
bloco do Eixo e Aliados e os riscos daí imanentes para a soberania portuguesa e
ultramarina. A inflexão do discurso de base económica sobre os refugiados para um de
cariz mais ideológico (e, eventualmente, mesmo xenófobo) ter-se-á ficado a dever, em
grande medida, à sua crescente influência junto do Ministério do Interior e do MNE que,
em alguns casos bem documentados, chegou a prevalecer sobre a assinatura de cônsules
portugueses em legações europeias13.
Embora não seguisse uma política estruturada relativamente à imigração, o Governo de
Salazar foi eficaz na construção de uma política activa de selecção entre ‘turistas’ e
‘indesejáveis’ com base num profundo receio de contaminação ideológica, cultural e
religiosa: em 1933, em face do início dos movimentos massivos de refugiados, o ministro
dos Estrangeiros José Caeiro da Mata indica claramente por circular-telegrama aos
funcionários diplomáticos das mais importantes legações europeias do MNE que
limitassem a concessão de vistos a ‘judeus expulsos da Alemanha’, ‘evitando que pessoas de
idade, agitadores, extremistas, comunistas e indigentes’, pessoas sem contrato de trabalho
ou sem justificação aparente pudessem entrar no país14.
Um dos decretos reguladores da entrada de estrangeiros e refugiados em Portugal que mais
nos interessa para o presente estudo de caso foi emitido a 11 de Novembro de 1939,
escassos meses após a troca de correspondência supracitada com os Negócios Estrangeiros
Romenos, a Circular nº 14 do MNE15.
Esta Circular, assinada por Luís Teixeira de Sampaio, secretário-geral do MNE em nome
do Ministro, Oliveira Salazar, dá conta da necessidade, face às ‘actuais circunstâncias
anormais’ em adoptar ‘certas previdências e definir algumas normas, embora a título 13 Cf. Yad Vashem Studies, Vol. XXVII: 129: a título de exemplo, veja-se o caso de Abram J. Lachman. 14 Chalante, op cit: 46. 15 Cf. Anexo I - Circular n.º 14 Ministério dos Negócios Estrangeiros – MNE (de 11 de Novembro de 1939), Arquivo Histórico do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
17
provisório, que previnam quanto possível, em matéria de concessão de passaportes
consulares portugueses e de vistos consulares, abusos e práticas de facilidades que a Polícia
de Vigilância e Defesa do Estado entende inconvenientes ou perigosas’16. A partir desta
data, a concessão de passaportes e vistos em passaportes fica interdita a cônsules de 4º
classe. Os cônsules de carreira deverão consultar o MNE no caso de vistos em passaportes
destinados a:
- ‘estrangeiros de nacionalidade indefinida, contestada ou em litígio, aos apátridas, aos portadores de passaportes Nansen e aos russos’, - ‘estrangeiros que não aleguem de maneira que o Cônsul julgue satisfatória, os motivos da vinda para Portugal e ainda àqueles que apresentam nos seus passaportes a declaração ou qualquer sinal de não poderem regressar livremente ao país de onde provêm’, - ‘judeus expulsos dos países da sua nacionalidade ou de aqueles de onde provêm’
e, bem assim, a todo e qualquer cidadão ou cidadã que não possua visto do país de destino,
comprovativo de passagem aérea ou garantia de embarque17. O ponto 3º faz estender estas
restrições aos vistos destinados a ‘emigrados políticos portugueses’.
Os Aliados declarariam guerra à Alemanha em Setembro de 1939, quando esta avança para
a anexação da Polónia, marcando o início da Segunda Guerra Mundial.
A 17 de Junho de 1940, a Alemanha nazi entra em Paris depois de habilmente ludibriar os
Aliados estacionados na Linha Maginot e o governo de Henri Philippe Petain encontra-se
pronto a negociar o armistício com Hitler. A 19 de Junho, o Governo francês indaga sobre
as condições do armistício, recebendo como resposta o bombardeamento da cidade
costeira de Bordéus. Aqui se encontrava Sousa Mendes.
Em Portugal, o caos provocado pela debandada de refugiados de guerra era agora evidente:
a despeito das limitações impostas pela Circular nº 14 relativamente à concessão de vistos, a
Primavera e o Verão de 1940 assistiram a um fluxo intenso e anormal de ‘turistas’ para
Portugal. Se estes fluxos haviam diminuído durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939),
com a generalização do conflito europeu e, principalmente, devido ao estabelecimento das
políticas nazis de deportação, internamento e extermínio de populações judias18, assiste-se à
entrada maciça de pessoas em trânsito para o continente americano.
16 Idem. 17 Idem, ponto 2º. 18 Alves et al., 2010: 44.
18
Sob o enorme manto da neutralidade, estes milhares de refugiados foram encaminhados
para ‘zonas de residência fixa’ nas zonas balneares mais importantes do país, a saber, Caldas
da Rainha, Curia, Ericeira, Estoril ou Figueira da Foz. Munidos de vistos turísticos válidos
por 30 dias (prorrogáveis por 60 dias por indicação da PVDE19), estes ‘turistas acidentais’ –
que, na realidade, aguardavam por novidades relativas aos seus vistos de permanência, por
bilhetes de barco que os conduzissem ao continente americano e por notícias dos
desenvolvimentos da guerra nos seus países de origem – trouxeram profundas mudanças
ao panorama de ocupação urbanística das cidades, demorando-se pelos cafés em grupos
sofisticados de homens e mulheres como nunca antes se havia observado20. Na Figueira da
Foz, por exemplo, dada a enorme afluência a estes espaços de convívio, tornou-se comum
a afixação de cartazes anunciando ‘Despesa obrigatória’21. Ainda nesta cidade, foi criada
uma comissão turística especial para receber os refugiados, composta por membros das
comunidades estrangeiras aí fixadas e igualmente pelo vice-cônsul da Bélgica, o figueirense
José dos Santos Alves, que aconselhava os locais a tratar estes forasteiros como refugiados
e não como turistas, não os explorando e usando de toda a cordialidade para que levassem
na partida a melhor imagem do nosso país22. Os organizadores de eventos culturais da
cidade também se aplicavam em agradar a estes forasteiros especiais, como no caso da
exibição do rancho ‘Flores da Beira Mar’ em que se nota: ‘Tout les étrangers résidants
accidentellement, a ce moment, a Figueira da Foz, sont invités a assister, gratuitement, a
cette fête populaire.’23
Perante este cenário, em que o Governo português disponibilizou ‘zonas de residência fixa’
com o objectivo de acelerar os processos de migração, porque se irá destacar a acção de
Sousa Mendes? Com efeito, a esmagadora maioria dos recipientes de vistos do Cônsul
português seria constituída não por ‘refugiados que conseguiram fugir mas por aqueles que,
por variadas razões, não o conseguiram fazer’24.
19 Chalante, op cit : 55. 20 Cf. Anexo II, Imagem 1. 21 Cf. Anexo II, Imagem 2. 22 Afonso, 1995: 234. 23 Programa de exibição do Rancho ‘Flores da Beira Mar’, Buarcos / Figueira da Foz, 7/7/1940, Biblioteca Municipal Pedro Fernandes Tomás / Arquivo Histórico Municipal, Pasta Turismo / 1940. 24 Joly apud Sousa, 1999: 30.
19
1.2 O Acto de Consciência
A 21 de Novembro de 1939, o Cônsul de Bordéus concedera já o primeiro visto à revelia
da Circular nº 14. Tratou-se de um pedido de Arnold Wiznitzer, professor austríaco de
origem judaica que, face à ordem de se apresentar imediatamente num campo de
internamento, recorre ao consulado português para obter a autorização de passagem por
Portugal. Concedido o visto a Wiznitzer, o necessário pedido de autorização apenas deu
entrada no MNE seis dias depois da sua concessão irregular, sem que lhe fosse dada
resposta. A 6 de Dezembro, Sousa Mendes volta a insistir na autorização, ao que o
ministério responde não entender a razão do pedido, uma vez que o visto já havia sido
emitido. Ainda nesse mês, Sousa Mendes escreve directamente a Salazar alegando
‘sentimentos de humanidade’ e ‘simpatia por um antigo Professor universitário’ para a
irregularidade cometida.
A 3 de Fevereiro de 1940, o Consulado de Bordéus é contactado por Eduardo Neira
Laporte, médico e professor universitário, dirigente da comunidade basca na zona de Dax,
em França, e antigo combatente da Guerra Civil Espanhola. Munido de um visto de saída
francês emitido pelas autoridades de Vichy, possuía igualmente visto de entrada na Bolívia
e o apoio do governo boliviano, que o receberia como refugiado e custearia as despesas da
viagem transatlântica através do consulado em Lisboa. Em falta, apenas o visto de trânsito
por Portugal. Contactado pelo Consulado, o MNE não dá resposta ou provisão ao pedido,
iniciando a PVDE uma investigação acerca de Laporte. No início do mês de Março,
Laporte visita de novo Sousa Mendes informando que, num prazo de 3 dias, um vapor
parte de la Rochelle com rumo a Lisboa e solicitando de novo o visto, que o Cônsul
imediatamente concede. Poucos dias depois, a 11 de Março, o MNE informa de que o
visto destinado a Laporte havia sido recusado; ainda de acordo com o MNE, no dia
seguinte, Laporte e a família não teriam sido autorizados a desembarcar no porto de Lisboa
– a companhia marítima dá informação diferente, afirmando que a família desembarcou, ao
contrário de um outro casal, detentor de vistos emitidos em Haia, a quem foi interdito o
desembarque ‘pela razão de serem judeus’.
Em consequência, a 24 de Abril de 1940, Sousa Mendes é admoestado pela segunda vez
por emissão de visto não autorizado, em carta assinada pelo secretário-geral, Luís Teixeira
de Sampaio. Informa-se ainda o cônsul de que o caso Wiznitzer não havia sido esquecido;
adverte-se que qualquer novo episódio lesivo da disciplina diplomática ‘será havida por
desobediência e dará lugar a procedimento disciplinar em que não deixarão de ter-se em
20
conta que são repetidos os actos de V. Sa. que motivam advertências e repreensões.’. Em
resposta ao ministro, Oliveira Salazar, em carta de 6 de Maio, Sousa Mendes alega a letra da
circular nº 14 que não visava impedir ninguém de circular rumo às Américas e, de novo,
razões humanitárias.
O mês de Maio trouxe a ofensiva nazi para França, levando a situação dos refugiados ao
seu ápice, com a população francesa em trânsito a juntar-se aos milhares de famílias
oriundas dos países europeus ocupados ou em guerra na tentativa de sair do continente.
Estima-se que no início do mês de Maio, a população de Bordéus tenha aumentado de
300.000 habitantes para mais de 700.000 pessoas25. Por precaução, Aristides evacua
pessoalmente os seus filhos para Portugal, onde ficariam ao cuidado de familiares.
A capitulação do Governo de Petain, a 17 de Junho de 1940, coincidiu com um grave
episódio de prostração do Cônsul português em Bordéus: conforme é relatado pela família
e pelos seus biógrafos, durante três dias, entre 14 e 16 de Junho, Sousa Mendes ter-se-á
debatido com febres altas e uma profunda comoção que o prenderam ao leito, aos
cuidados da esposa Angelina26. Esta crise nervosa ficou, provavelmente, a dever-se à
enorme tensão vivida nos dias e meses anteriores, com o número de refugiados à porta do
consulado a crescer desmesuradamente sem que o MNE desse provisão aos seus pedidos
de visto.
Lembremos que Aristides de Sousa Mendes era um homem profundamente devoto e
empático com o sofrimento alheio. Nesta condição, durante os dias que marcaram a
invasão de França, abriu as portas da sua residência oficial no Consulado no n.º 14 do Quai
Louis XVIII para acolher os refugiados mais fragilizados pela sua jornada, nomeadamente,
crianças, idosos, doentes e feridos, que foram colocados ao cuidado da sua esposa e das
empregadas da família.
No curso deste esgotamento nervoso, foi visitado pelo ministro português em Bruxelas,
Francisco de Calheiros e Menezes, também ele em fuga pela rota dos refugiados, rumo a
Portugal. Através do ministro terá tido oportunidade de conhecer os factos inerentes à
capitulação francesa, bem como a realidade das condições dos refugiados.
Não existindo relatos exactos sobre os factos que marcaram esses dias de transe e a tomada
de decisão em conceder os vistos27 é possível, com efeito, observar no Livro de Registos do
25 Jean Vidalenc (1957) apud Afonso, 1995: 67. 26 cf. Andrade, 2007: 95, 96.; Afonso, 1995: 73. 27 O romance ‘Flight through Hell’, da autoria de Michael d’Avranches (1961), fornece uma descrição aproximativa da atmosfera que se terá vivido: após uma reunião com Angelina, Aristides dirige-se aos filhos e aos funcionários do Consulado informando que, em face do desespero dos milhares de refugiados que
21
Consulado português em Bordéus um aumento muito significativo do número de vistos
emitidos a partir, sensivelmente, do dia 14 de Junho e até ao dia 20: entre os dias 17 e 31 de
Maio são emitidos 161 vistos; entre 1 e 13 de Junho o Consulado emite 178 vistos; entre os
dias 14 e 20 de Junho são emitidos 1288 vistos de passagem por Portugal28.
A apoiar o Cônsul na emissão dos vistos estiveram, além da esposa, Angelina de Sousa
Mendes, o secretário do Consulado, José Seabra, o filho José António e o genro Jules
D’Aout, encarregues de receber e preparar os documentos que Sousa Mendes teria apenas
que assinar. Este esforço permitiu amainar grandemente o fluxo de refugiados à porta do
consulado português. Lembremos ainda que, a partir de 17 de Junho, a cidade de Bordéus
deixara de ser segura, após os violentos bombardeamentos da Luftwaffe destinados a
apressar a capitulação francesa.
Noutros postos consulares a situação era idêntica: em Toulouse, o vice-cônsul honorário
Émile Gissot aconselhava os refugiados a procurar ajuda em Bordéus ou Bayonne; quando
o trânsito entre as duas cidades é interrompido, solicita ordens ao seu superior sobre que
provisão dar aos pedidos de visto, ao que Sousa Mendes responde que deverá emitir todos
os vistos solicitados, dispensando provisoriamente as autorizações do Ministério. É neste
ponto, a 20 de Junho de 1940, que, diminuído o fluxo de refugiados em Bordéus, Sousa
Mendes vai até Bayonne, em auxílio do cônsul Faria Machado, a braços com os mesmos
dilemas. Em Bayonne encontrava-se já igualmente o ministro de Portugal na Bélgica
Calheiros e Menezes, com quem foi discutida a linha de acção perante os refugiados; a
proposta de Sousa Mendes terá sido a de se concederem os necessários vistos, moção que
encontra resistência entre os restantes diplomatas.
Tal como fizera em Bordéus, durante os dias 21 e 22 de Junho, Aristides de Sousa Mendes
volta a conceder vistos a todos os refugiados que procuravam o consulado português. Para
que o acto passasse despercebido, Sousa Mendes terá, de acordo com os testemunhos
reunidos no Processo Disciplinar, convencido os dois colegas diplomatas – um seu
superior, o outro seu inferior hierárquico – de que agia de acordo com instruções explícitas
do Ministério. A documentação da época comprova que, a 22 de Junho, o cônsul Faria
ocupavam a cidade e pediam o seu auxílio, a partir desse momento concederia a quem lhe solicitasse o necessário visto de passagem por Portugal, sem discriminação de credo, nacionalidade ou proveniência. Terá, então, solicitado ao agente policial que controlava a entrada no Consulado que se limitasse a assegurar a ordem, não impedindo ninguém de o contactar. 28 Fonte: Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes: http://mvasm.sapo.pt/bc/ListaVistos.aspx?Type=CDATA , consultado em 12/07/2012. Em diversa bibliografia é referido um número de vistos emitidos por Sousa Mendes na ordem dos 30.000, dos quais 10.000 destinados a pessoas de origem judaica. Avraham Milgram esclarece que este número se refere ao total de refugiados que atravessaram Portugal neste período, entre os quais se encontram os visados por Aristides de Sousa Mendes entre 1 de Janeiro e 22 de Junho de 1940, na ordem dos 2862 (Milgram, 2009: 21).
22
Machado contacta o MNE informando de que o consulado de Bayonne, em conformidade
com as informações e ordens do mesmo ministério, transmitidas pelo Cônsul de Bordéus,
haviam sido emitidos vistos livres de encargos a quem os solicitasse e requerendo
instruções urgentes. Como tardasse a resposta do Ministério, Faria Machado expõe a
situação ao embaixador português em Espanha, Teotónio Pereira, que lhe pede que
comunique a Sousa Mendes a ordem de abandonar de imediato o consulado. Sousa
Mendes terá, então, abandonado o consulado rumo a parte incerta, ao mesmo tempo que
em Bayonne, por ordem do embaixador Teotónio Pereira, se iniciava o apuramento de
responsabilidades pelo êxodo massivo de refugiados através de Espanha, do qual as
autoridades do pais vizinho já se haviam queixado ao representante do governo português.
De acordo com várias testemunhas, durante cerca de dois dias, Sousa Mendes terá emitido
fora do consulado vários milhares de vistos de valor legal questionável: se alguns vistos em
passaporte exibem o selo do consulado, outros consistem apenas de uma declaração de
autorização de entrada em Portugal firmada pelo Cônsul mas em papel comum ou em
bilhetes de identidade.
Quando é, finalmente, localizado em Hendaye, Sousa Mendes é remetido para Bordéus,
onde deverá permanecer, aguardando o desfecho da desobediência que o MNE seguia
agora de perto. No hiato que mediou a ordem do ministério e a sua efectiva chegada a
Bordéus, a 26 ou 27 de Junho, Sousa Mendes terá protagonizado um dos gestos mais
grandíloquos pelo qual é recordado em inúmeros testemunhos: estando os principais
postos fronteiriços entre França e Espanha de sobreaviso acerca dos vistos consulares
portugueses, Sousa Mendes terá conduzido pessoalmente um largo número de refugiados
no atravessamento de postos de menor importância ou onde sabia que as comunicações e o
controlo eram mais débeis.
Entretanto, ao corrente das infracções cometidas pelo cônsul de Bordéus, Oliveira Salazar
ordenara a interdição da emissão de vistos consulares por Aristides de Sousa Mendes; no
consulado de Bordéus, sucede a Sousa Mendes o colega Vieira Braga que tem oportunidade
de constatar que na residência consular vinham sendo acolhidos refugiados de vária
proveniência e credo.
A 1 de Julho de 1940, após vários dias em que se supõe ter continuado a emitir vistos de
entrada em Portugal no percurso que o trouxe de Bordéus à fronteira de Elvas, Aristides de
Sousa Mendes chega a Lisboa. Escreve a Salazar, anunciando a sua chegada e solicitando
uma audiência.
23
1.3 Acusação e Processo Disciplinar
A 4 de Julho é ordenado por despacho ministerial que lhe seja levantado um processo
disciplinar por emissão abusiva de vistos em passaportes de estrangeiros. A instrução do
processo começa imediatamente, sob o cuidado de Francisco de Paula Brito Júnior, que, a
1 de Agosto elabora a nota de culpa. Eram dados a Sousa Mendes dez dias para elaborar a
sua defesa. Durante esse período, Sousa Mendes solicitou que fosse anexa ao processo uma
carta de agradecimento de um receptor de visto emitido por si e, igualmente, um artigo de
jornal (provavelmente publicado nos Estados Unidos) em que lhe era dirigido um
agradecimento pela sua acção.
A 1 de Outubro de 1940, o ministro da tutela nomeia o assessor do secretário-geral do
MNE, Pedro Tovar de Lemos, para relator do processo. A acusação de Tovar é minuciosa
e tem em conta todo o percurso de Sousa Mendes na carreira diplomática: para além da
acusação principal de emissão de dois vistos em desobediência ao disposto na circular nº
14, Tovar relembra outras ocorrências que deverão ser tidas em conta.
- Repreensão de 1917 por ‘ter abandonado o posto consular de Zanzibar
sem o conhecimento da Secretaria nem da legação em Londres’. Sousa
Mendes havia-se deslocado a Durban para socorrer um dos filhos
acometido de malária.
- Junho de 1935: Processo disciplinar levantado contra Sousa Mendes
por declarações menos próprias por ocasião da inauguração do pavilhão
português na Exposição de Bruxelas. Toda a documentação relativa ao
processo desapareceu.
- Julho de 1935: Processo disciplinar contra Sousa Mendes ordenado por
despacho ministerial. Em causa, acusações de atraso na transferência de
fundos do consulado em Antuérpia, dívida ao Estado de uma pequena
quantia em juros e não possuir residência na cidade em que trabalhava
mas sim em Lovain.
- Janeiro de 1938: Processo disciplinar movido contra Sousa Mendes por
se haver ausentado do posto em Antuérpia sem licença ou conhecimento
24
do MNE. Aristides ter-se-ia deslocado a Portugal de urgência por
ocasião do falecimento do sogro, em Novembro de 1937. Não foi dado
seguimento ao Processo e toda a documentação relativa a ele
desapareceu.
As provas são submetidas ao Conselho Disciplinar do MNE para julgamento,
acompanhadas do relatório de Paula Brito de 29 de Agosto e recomendação da pena. A 30
de Outubro, Salazar condena Aristides de Sousa Mendes a um ano de inactividade, com
direito a metade do vencimento, seguido de aposentação compulsiva.
Em Novembro desse mesmo ano, Sousa Mendes constitui o advogado Adelino de Palma
Carlos como seu representante no recurso que apresenta, em 14 de Abril de 1941, ao
Supremo Tribunal Administrativo. Palma Carlos, que, por razões de antagonismo político
com Salazar havia sido afastado do seu cargo no Instituto de Criminologia, destacava-se,
então, na defesa de muitos opositores ao regime.
A defesa de Sousa Mendes assentará na alegação das condições excepcionais em que os
vistos foram emitidos, no imperativo humanista de prestar auxílio a cidadãos de países com
os quais Portugal sempre mantivera boas relações diplomáticas e, muito habilmente, na
constatação da falácia cometida na sentença e que alegava a ‘reincidência’ do Cônsul na
prática de emissão de visto sem autorização quando, na realidade, Sousa Mendes nunca
fora condenado por tal infracção. O colectivo de juízes analisou demoradamente o pedido
de recurso, acabando por decidir contra Aristides, num veredicto que considera irrelevante
a alegação da excepcionalidade das circunstâncias e em que se sublinha que não cabe a um
funcionário público decidir que ordens deverá acatar.
Por sugestão de Palma Calos, Sousa Mendes atem-se de formalizar o pedido de recurso
final, abandonando a demanda por justiça terrena com eloquência:
‘É claro que o sinédrio tinha que me condenar, aliás reconhecer que eu tinha razão teria por efeito comprometer o prestígio do Sumo Sacerdote e destituí-lo, a ele sinédrio, por incapacidade, aquela mesma incapacidade que, a meu respeito, foi decretada em sentença.’ 29
Com o final da Segunda Guerra Mundial, o Governo de Salazar (que, poucos dias antes, a 3
de Maio, havia decretado três dias de luto nacional pela morte de Adolf Hitler) saúda a
vitória dos Aliados, afirmando a sua inelutável confiança na aliança histórica com a
Inglaterra. No discurso apresentado à Assembleia Nacional em 18 de Maio de 1945, toma 29 Aristides de Sousa Mendes em carta de 17 de Julho de 1940 a Palma Carlos, in Afonso, 1995: 265.
25
para si os louros do apoio prestado por Portugal aos refugiados do conflito, afirmando que
‘[q]uaisquer outros na nossa situação acolheriam refugiados, salvariam e agasalhariam
náufragos, ajudariam a suavizar a sorte dos prisioneiros por dever de solidariedade
humana.’ Rematando, lamenta: ‘Pena foi não termos podido fazer mais.’30
Neste contexto, Aristides de Sousa Mendes dirige, nesse ano, à Assembleia Nacional um
pedido de declaração de nulidade da pena de 1940 e o reconhecimento do direito a
reparações materiais e morais pelos prejuízos advindos de tal condenação, invocando a
inconstitucionalidade da Circular nº 14 do MNE de 11 de Novembro de 1939 e de toda a
legislação prévia de limitação da concessão de vistos. A sua argumentação baseou-se na
letra da Constituição de 1933 que concedia a todos os cidadãos a ‘Liberdade de crenças e
práticas religiosas’ (Constituição de 1933, Art. 8º, n.º 3) e revela um excelente domínio da
mesma:
‘não se pretenda que a inviolabilidade de crenças não é, segundo a Constituição, um direito para os estrangeiros visados, por não se acharem residindo em Portugal, único caso em que poderiam ter os mesmos direitos que os nacionais (do art.º 7.º) pois não se trata no caso presente de um direito dos estrangeiros mas de um dever dos funcionários portugueses, que nem em Portugal nem nos seus Consulados, também território português, poderão sem quebra da Constituição interrogar seja quem for sobre a religião professada, para negar qualquer acto da sua competência, o que a admitir-se significaria odiosa perseguição religiosa, mormente quando se impunha o direito de asilo que todo o país civilizado sempre tem reconhecido e praticado em ocasiões de guerra ou calamidade pública.’31
Ainda na mesma reclamação, Aristides de Sousa Mendes faz notar:
‘Não pode […] suportar a evidente injustiça com que foi tratado e conduziu ao absurdo, a que pede seja posto rápido termo, de o reclamante ter sido severamente punido por factos pelos quais a Administração tem sido elogiada, em Portugal e no estrangeiro, manifestamente por engano, pois os encómios cabem ao país e à sua população cujos sentimentos altruístas e humanitários tiveram larga aplicação e retumbância universal, justamente devido à desobediência do reclamante.’32
30 Oliveira Salazar, 1951: 105. 31 Cf. ‘Reclamação apresentada à Assembleia Nacional em 1945’, http://iscte.pt/~apad/ACED/textos/Sousa-Mendes-AN-1945.pdf (Itálicos nossos). 32 Idem (Itálicos nossos).
26
A despeito da sua pertinência, o Governo português não deu resposta ao pedido de Sousa
Mendes.
Angelina de Sousa Mendes falece em Lisboa a 16 de Agosto de 1948, após prolongado
estado catatónico motivado por um grave derrame cerebral. Também nesse ano, Aristides
sofre o primeiro de vários acidentes vasculares cerebrais que o haveriam de deixar
hemiplégico e dependente de uma bengala para se deslocar.
No ano seguinte, Aristides contrai matrimónio em segundas núpcias com Andrée Rey
Cibial. O relacionamento de ambos vinha-se prolongando já desde cerca de 1938 e, fruto
dessa relação, tinham em comum uma filha, Maria Rosa Sousa Mendes, nascida a 19 de
Outubro de 1940. O carácter extra-conjugal do relacionamento motivou que a PVDE
mantivesse Andrée Cibial sob controlo apertado pelo que terá sido ilegalmente que se
dirigiu a Portugal para ter a criança, na Maternidade Alfredo da Costa33. O casamento
realizou-se por procuração em Salamanca, a 16 de Outubro de 1949, tendo Andrée
chegado a Portugal no início do mês seguinte.
O casal muda-se para a Casa do Passal, onde estabelece a sua residência, debatendo-se com
as imensas dificuldades da sua situação económica. Cinco dos filhos de Aristides haviam já
emigrado, seguindo-se João Paulo (rumo à Califórnia), Pedro Nuno (para o Congo Belga) e
Geraldo (rumo a Angola), em 1950. A relação com a filha mais nova, Maria Rosa, começou
a cimentar-se neste período: devolvido o direito a Aristides de se deslocar livremente pela
Europa, o Cônsul e a esposa, várias vezes por ano, visitam a criança em Ribérac,
departamento da Dordonha, onde vivia ao cuidado dos tios maternos.
Em 1953, são intentadas duas grandes acções legais contra Sousa Mendes por falta de
pagamento de dívidas, sendo os credores os bancos que detêm as diversas hipotecas sobre
a Casa do Passal. As dificuldades financeiras de Aristides e Andrée avolumam-se, levando o
casal, em 1953, a proceder à venda da totalidade do recheio da Casa.
Em Fevereiro de 1954, Aristides empreende a sua última viagem a Ribérac. Visivelmente
debilitado, é assistido por um médico em casa dos cunhados e aconselhado a permanecer
em França para se restabelecer. No final do mês de Março, o casal regressa a Lisboa onde
Aristides desenvolve sintomas de pneumonia, pelo que dá entrada no Hospital da Ordem
Terceira, onde haveria de falecer a 3 de Abril de 1954.
O corpo de Aristides de Sousa Mendes repousa na no jazigo de família de Cabanas de
Viriato.
33 Afonso, 1995: 245.
27
1.4 O reconhecimento pelo Governo português
Os primeiros apelos pela reabilitação da memória de Aristides de Sousa Mendes levados
pela família ao Governo português datam de Agosto de 1968. Por esta época, Aristides de
Sousa Mendes havia falecido há 14 anos; todos os seus filhos e filhas habitavam longe de
Portugal e sobre a sua acção (e, sem dúvida, sobre o seu nome) pairava ainda nos meios de
Estado a sombra da desobediência, da exoneração e do embaraço.
Na comunicação ao Ministério dos Negócios estrangeiros, Joana de Sousa Mendes, filha do
antigo cônsul, enumera os testemunhos reconhecidos de diversas eminentes figuras
políticas europeias, como a Grã-Duquesa Charlotte do Luxemburgo ou o Conde de
Degenfeld, secretário de Otto de Habsburgo, que tinham, no ano de 1940, recebido um
visto salvador emitido por Aristides de Sousa Mendes. No Ministério, Franco Nogueira
não dá resposta ao pedido – Salazar ainda era o Presidente do Conselho de Ministros que
emitira, em 1939, as ordens explícitas para que nenhum visto semelhante fosse emitido34.
Quando, no mês seguinte, Marcello Caetano é chamado a suceder a Salazar na Presidência
do Conselho, é directamente ao presidente da República Américo Tomás que Joana
Mendes envia um segundo esforço em nome da reabilitação de Sousa Mendes mas
igualmente sem sucesso.
O trabalho de divulgação do gesto humanista de Aristides de Sousa Mendes havia
começado, de facto, dentro da família, com os filhos Sebastião e Carlos, no fim da guerra,
já exilados na Califórnia, tentando dar a conhecer a obra do pai junto da imprensa que,
repetidamente, recusa os seus artigos por os considerar datados. Em 1951, nova tentativa
de Sebastião com a publicação nos Estados Unidos, sob o pseudónimo de Michael
d’Avranches, de ‘Flight Through Hell’, uma biografia romanceada da vida do cônsul de
Portugal em Bordéus durante a II Grande Guerra. De acordo com Afonso (1995: 315), a
obra terá sido de pouco sucesso junto dos americanos, frustrando, mais uma vez, as
expectativas da família. Foram surgindo, ainda assim, alguns artigos discretos na imprensa
americana sobre o injustiçado cônsul.
O mesmo autor refere que, para Joana de Sousa Mendes, o mote para retomar a
reclamação de justiça póstuma ao seu pai terá sido o lançamento público, em 1955 e 1958,
respectivamente, no Cort Theatre da Broadway da peça ‘The Diary of Anne Frank’ – uma
adaptação de Frances Goodrich e Albert Hackett do famoso diário – e do filme de George
34 Afonso, 1995: 321.
28
Stevens baseado no mesmo argumento35. Assim, movida por um dos primeiros registos
públicos de memória da II Grande Guerra e do Holocausto, Joana Mendes escreve, em
1961, directamente ao primeiro-ministro do Estado de Israel, Ben Gurion, narrando a
acção do pai durante aquele período. A resposta à sua missiva chegaria dois anos depois: na
sequência da sua exposição, o Estado de Israel havia comissionado ao Yad Vashem –
Autoridade Nacional para a Memória dos Mártires e Heróis do Holocausto uma
investigação aturada sobre os factos que narrava e, em memória do cônsul, haviam sido
plantadas vinte árvores nos jardins do Museu da instituição, em Israel – uma por cada
milhar de pessoas que se supunha terem sido salvas pelos vistos emitidos por Aristides.
Este acto de reconhecimento terá sido o impulso maior necessário ao processo de
reabilitação da arruinada memória do Cônsul e aquele que permitiu que novos depoimentos
de refugiados apoiados por Sousa Mendes durante o Verão de 1940 começassem a surgir.
Este interesse em torno do diplomata e o acumular de informações, homenagens e
depoimentos levou o Yad Vashem a iniciar o processo de atribuição a Sousa Mendes do
título honorífico ‘Justo entre as Nações’ por ‘correndo perigo de vida, ter salvado judeus
perseguidos durante o Holocausto na Europa’36. No dia 18 de Outubro de 1966,
representantes do Yad Vashem outorgavam postumamente a Aristides de Sousa Mendes,
através dos seus filhos, o título honorífico de ‘Justo entre as Nações’.
Toda a informação respeitante a este título honorífico constava já daquele primeiro
memorando de pedido de reconhecimento da memória de Aristides de Sousa Mendes
enviado ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português em Agosto de 1968.
Com a Revolução de 25 de Abril de 1974 e o dealbar da democracia portuguesa, Joana de
Sousa Mendes retoma o seu trabalho em nome do pai, dirigindo nova memória aos
Ministros dos Negócios Estrangeiros de então, Mário Soares e, no mandato seguinte,
Ernesto Melo Antunes. Foi o major Melo Antunes quem mais esforço dedicou ao pedido
da Família Sousa Mendes: de acordo com Afonso37, o Ministro encarregou Nuno Alvares
Adrião de Bessa Lopes, o chefe interino dos serviços jurídicos do Ministério, do necessário
levantamento da documentação relativa ao processo pessoal do antigo cônsul. Foi a
investigação de Bessa Lopes que permitiu, pela primeira vez, o alinhavar desta história de
vida.
35 Afonso, 1995: 318. 36 Texto do certificado de ‘Justo entre as Nações’. Fonte: Yad Vashem. 37 Afonso, 1995: 322.
29
Em Maio 1987, o Presidente da República Mário Soares confere, a título póstumo, a
Ordem da Liberdade a Aristides de Sousa Mendes e, em 1989, a Assembleia da República
portuguesa decide, a título simbólico, pela reintegração de Sousa Mendes no serviço
diplomático, por unanimidade e aclamação.
No ano de 1995, após uma série de homenagens oficiais que incluíram o descerramento do
busto de Sousa Mendes e da placa comemorativa no n.º 14 do Quai Louis XVIII, o
Governo português concede-lhe a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Por seu lado, a
Associação Sindical dos Diplomatas Portugueses (ASDP) funda um prémio anual à carreira
diplomática com o seu nome, destinado a incentivar a produção académica no domínio da
Política Internacional, nomeadamente, sobre temas relevantes para as relações externas
nacionais.
Em 2001, por iniciativa do ministro Jaime Gama, o Ministério dos Negócios Estrangeiros
confere à família reparações materiais e morais devidas pelo processo disciplinar,
indemnização que se materializou no apoio à aquisição da Casa do Passal a favor da
Fundação Aristides de Sousa Mendes, com o objectivo de aí se instituir um memorial ao
diplomata.
30
1.5 Legado institucional
Em memória de Aristides de Sousa Mendes, várias instituições foram sendo fundadas nas
últimas décadas, de onde se destacam as duas fundações dinamizadas primariamente por
familiares, a Fundação Aristides de Sousa Mendes, com sede simbólica na Casa do Passal, e
a Aristides de Sousa Mendes Foundation, sedeada em Seattle, Estados Unidos da América.
Estas duas instituições, que congregam familiares de Sousa Mendes, descendentes de
receptores de vistos do Cônsul e outras pessoas inspiradas pelo Acto de Consciência, têm
sido os principais dínamos da promoção da memória dos eventos de 1940, através da
realização e do apoio a actividades que tenham por centro a comemoração do humanismo.
Trabalhando em rede com as outras instituições e estabelecendo pontes com entidades que
desenvolvem a sua actividade no mesmo círculo de investigação, tem sido possível
proceder a uma acção de educação de largo alcance, baseada no ensinamento de Aristides
de Sousa Mendes.
Fundação Aristides de Sousa Mendes
A Fundação Aristides de Sousa Mendes foi criada no ano de 2000, por iniciativa de
membros da família, com o objectivo de divulgar e dignificar o nome e a acção do Cônsul.
Uma das aspirações da Fundação consistia na reaquisição da Casa do Passal, antiga
residência da família Sousa Mendes em Cabanas de Viriato, para aí instalar um memorial
que rendesse ‘uma homenagem viva e permanente’ a Aristides e ao seu Acto de
Consciência. Com o apoio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em 2001 foi possível
adquirir a Casa do Passal e iniciar um conjunto de processos tendentes à conservação do
imóvel no sentido de aí implementar um museu e um ‘centro de memória’ destinados a
homenagear o diplomata no contexto da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto. A
classificação da Casa do Passal como Monumento Nacional, promulgada em 2005, terá
sido até à data a mais evidente conquista neste sentido.
31
Sousa Mendes Foundation
Em Setembro de 2010, foi instituída nos Estados Unidos da América a Sousa Mendes
Foundation, com uma dupla missão – angariar fundos para a reconstrução da Casa do
Passal e sua transformação num museu e memorial, em suporte da missão e objectivos da
sua congénere portuguesa Fundação Aristides de Sousa Mendes, e apoiar projectos de
perpetuação do legado do Cônsul baseados nos Estados Unidos.
No sentido de assegurar a componente reflexiva e académica do futuro projecto de
musealização, é do interesse da Sousa Mendes Foundation, também devido ao grande
número de recipientes de vistos de Aristides nos Estados Unidos, abrir a Casa do Passal a
artistas, escritores e académicos daquele país.
Uma das mais importantes realizações da Sousa Mendes Foundation tem sido o projecto de
identificação e localização de receptores de vistos de Sousa Mendes e seus familiares e
consequente recolha de testemunhos.
Foram membros fundadores Sebastian Michael Mendes, Sheila Abranches, Lissy Jarvik,
Olivia Mattis, Harry Osterreicher, Miguel Valle Ávila e João Crisóstomo.
Outras instituições de homenagem
Comite National Français en Hommage a Aristides de Sousa Mendes
O Comité Nacional Francês de Homenagem a Aristides de Sousa Mendes é uma instituição
sedeada em Bordéus que, a partir de 1992, tomou como objecto da sua missão a
reabilitação da memória do Cônsul português. Através do intercâmbio com outras
instituições congéneres, o Comité tem como objectivos sensibilizar a opinião pública para a
importância do Acto de Consciência de Sousa Mendes e promover a reflexão acerca do seu
contributo humanitário.
Através das suas actividades, o Comité tem potenciado a dinamização da cidade de
Bordéus como um pólo essencial para a compreensão da acção de Sousa Mendes no
contexto da II Guerra Mundial, acolhendo e apoiando projectos internacionais de
homenagem ao Cônsul.
32
Museu Virtual Aristides de Sousa Mendes
Apresentado oficialmente em Fevereiro de 2008, o Museu Virtual (MVASM) consiste
numa base de conhecimento multidisciplinar sobre Aristides de Sousa Mendes e o contexto
político e social que enquadra a sua acção humanista. O projecto resulta de uma parceria
entre Margarida Dantas, Margarida de Magalhães Ramalho e Luísa Pacheco Marques, com
o apoio da Direcção Geral das Artes e do Plano Operacional Sociedade do Conhecimento.
Tendo como objectivo central homenagear a figura de Aristides de Sousa Mendes, o
MVASM tem desenvolvido um trabalho essencial na recolha e divulgação de
documentação relativa ao Acto de Consciência, apoiando e contribuindo igualmente para o
desenvolvimento de nova documentação resultante de projectos de investigação.
O MVASM está acessível em: http://mvasm.sapo.pt/
Amigos de Aristides e Angelina de Sousa Mendes
A comunidade virtual de Amigos de Aristides e Angelina Sousa Mendes tem igualmente
como objectivo render homenagem ao Justo Cônsul sem, no entanto, deixar de fora do
tributo a sua esposa Angelina. Acompanhando o marido ao longo de toda a carreira
profissional, Angelina cumpriu um papel determinante no apoio aos refugiados ao prestar
directamente auxílio aos mais débeis e, finalmente, ao secundar o marido na decisão de
emitir todos os vistos ao seu alcance, sabendo que riscos adviriam para si e para os seus
filhos.
Através do seu blogue, e em rede com outras instituições de cariz local, nacional e
internacional, a comunidade serve de plataforma à divulgação de eventos que tenham por
epicentro o casal Sousa Mendes, a sua acção humanista e o seu legado para a humanidade.
A plataforma da comunidade pode ser consultada no endereço:
amigosdesousamendes.blogspot.com/
33
1.6 Os diplomatas justos durante a II Guerra Mundial
Além de Sousa Mendes, outros diplomatas portugueses se destacaram pela sua acção em
prol das vítimas do conflito europeu, agindo de acordo com os seus meios e convicções
contra o que consideravam ser normas injustas e contrárias aos princípios do Humanismo.
No seu contributo vieram, sem dúvida, humanizar a prática do Direito e enriquecer a
actividade diplomática com os valores do respeito pela diferença, pelo valor da vida
humana e pela liberdade. Nessa condição, merecerão um lugar de destaque na história da
diplomacia portuguesa e, sem dúvida, na Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes.
Sampaio Garrido
Carlos de Almeida Fonseca Sampaio Garrido foi o embaixador de Portugal em Budapeste
entre 1939 e 1944, ano em que Hitler invade violentamente o país que, até aí, havido
protegido os seus habitantes de origem judaica. Entre Maio e Julho de 1944, cerca de
450.000 judeus foram deportados para campos de concentração.
Perante a violência da perseguição nazi, Sampaio Garrido disponibilizou-se a albergar, a
título pessoal, doze pessoas que a ele haviam recorrido. Provavelmente devido a uma
denúncia, a casa que arrendara para esse fim foi alvo de um ataque da Gestapo a que se
sucedeu a sua prisão e de todos os ocupantes. Exigindo a libertação dos prisioneiros e um
pedido de desculpas ao Governo húngaro, Sampaio Garrido provocou o azedume do
governo fantoche húngaro para com Portugal, pelo que Salazar de imediato procede ao seu
afastamento da Embaixada de Budapeste e à sua substituição pelo Encarregado de
negócios Carlos de Liz-Teixeira Branquinho.
Ao invés de se dirigir para Portugal, Sampaio Garrido permanece ainda por largos meses
em Berna, de onde irá instruir o seu sucessor para a concessão de passaportes portugueses
a todos quantos apresentassem para com Portugal algum tipo de relação profissional,
pessoal ou familiar. Deste modo, foi possível que cerca de 1000 pessoas, na sua maioria
judeus, obtivessem os documentos que lhes permitiam sair da Hungria38.
Em 2010, o Yad Vashem decidiu pela atribuição a Carlos de Almeida Fonseca Sampaio do
título de ‘Justo entre as Nações’, condecoração com que é distinguido postumamente em
Agosto de 2012.
38 Cf. Mucznik, Sampaio Garrido, o outro “Justo” português.
34
Teixeira Branquinho
O Encarregado de negócios Carlos de Liz-Teixeira Branquinho foi, como se viu, o sucessor
de Sampaio Garrido à frente da Embaixada portuguesa em Budapeste e o seu maior aliado
na luta pela salvação dos perseguidos do terror nazi. Chegado a Budapeste imediatamente a
seguir ao afastamento de Sampaio Garrido, Teixeira Branquinho assumiu sem demora uma
postura de empatia para com os judeus perseguidos, aceitando e dando provisão aos
pedidos de passaporte das extensas listas de Garrido chegadas de Berna.
Giuseppe Agenore Magno
O diplomata italiano Giuseppe Agenore Magno entra ao serviço dos Negócios
Estrangeiros portugueses após uma passagem pelos Serviços de Imigração italianos em
Buenos Aires por convite e proposta do, então, embaixador de Portugal em Roma,
Augusto de Castro. Profundo conhecedor da cultura portuguesa, é nomeado cônsul
honorário de Portugal em Milão em 1934. No momento em que se adensava a polémica
em torno do vistos emitidos sem consulta prévia e/ou à revelia da Circular 14 e todos os
diplomatas portugueses se encontravam sob vigilância apertada da PVDE, Agenore Magno
emite um visto de turismo ao estudante romeno Saul Steinberg; à chegada a Lisboa, Saul
Steinberg é impedido de desembarcar por não possuir visto válido. Consultado o MNE
relativamente aos vistos destinados a romenos e perante a política daquele país
relativamente ao controlo das suas populações judaicas, Agenore Magno é alvo de um
processo disciplinar e afastado do consulado por emissão de vistos irregulares em 1941,
poucos meses após o processo de Sousa Mendes.
Em sua defesa, o Cônsul geral de Portugal em Génova, Alfredo Casanova, intervém junto
de Salazar argumentando que valores de ordem moral e humanista teriam presidido à
decisão irregular de Magno nas condições precárias em que se vivia, de cega perseguição a
seres humanos indefesos e desesperados. Salazar manteve-se inflexível mas, no final desse
ano, por razões não inteiramente claras, faz deslocar Casanova do seu posto de cônsul de 1ª
classe em Milão para o posto consular de Marselha, de 2ª classe39.
39 Idem, 154.
35
II Museus e memória
2.1 A memória na historiografia contemporânea
Uma reflexão sobre a Museologia e os Museus enquanto instrumentos da memória
colectiva impõe uma outra acerca da natureza do conceito primeiro de ‘memória’.
Como advoga Klein (2000: 128), o uso recorrente do conceito de ‘memória’ na produção
académica tende a servir para denotar uma clivagem que se foi aprofundando entre este
termo e aquele de ‘história’. Neste ensaio, o historiador elenca os diversos contributos para
o estabelecimento de uma definição funcional de ‘memória’ a partir do início do séc. XIX,
tendo como pano de fundo as determinações do pensamento Moderno e os seus
desenvolvimentos posteriores, nomeadamente com a crítica pós-moderna:
‘[…] história e memória afastam-se numa cadeia instável de antinomias: a História é o modernismo, o estado, a ciência, o androcentrismo, uma ferramenta de opressão; a memória é o pós-modernismo, o ‘simbolicamente excluído’, ‘o corpo’, ‘um mecanismo de cura e uma ferramenta para a redenção’.’ Klein, 2000: 138.
Os processos de descolonização do séc. XX foram essenciais para a problematização da
História enquanto versão oficial, discriminatória e parcelar dos eventos e processos sociais,
políticos e económicos que durante os cinco séculos anteriores haviam moldado a face do
planeta e as relações entre Estados e povos. Esta crítica, desenvolvida, sobretudo, nos
meios académicos, foi determinante para a definição do carácter dos produtos culturais
gerados a partir dos anos 80 desse século: onde antes imperava a versão oficial da História,
com a sua produção literária e pedagógica, os seus Monumentos e Museus, passou a
considerar-se o ‘fragmento’, a história de família e o relato na primeira pessoa para a
reconstrução das narrativas historiográficas.
Mas este processo de mudança paradigmática não foi pacífico e pode, muitas vezes, ter
ameaçado uma ruptura entre as diversas ciências sociais, da História à Antropologia,
convocando um debate que envolveu a Psicologia, as contemporâneas Neurociências e
afectando um sem número de saberes em seu torno, nomeadamente, a Museologia. A
questão que passa a ocupar o cerne das preocupações académicas é explicitada por
Connerton (1989):
36
‘Porque é certo que o controlo da memória de uma sociedade condiciona largamente a hierarquia do poder; de forma que, por exemplo, a capacidade de armazenamento das tecnologias de informação actuais e, consequentemente, a organização da memória colectiva pelo uso de equipamento de processamento de informação não se resume a uma questão técnica mas a uma questão de legitimação, sendo o controlo e o direito de propriedade [sobre a informação] um assunto político de importância crucial.’ (Connerton, 1989: 1).
Abordar estas questões no seio das Academias implicou aturadas reflexões acerca da matéria
da memória, forçando, por exemplo, a um regresso à Psicanálise de Sigmund Freud para o
qual nem as Ciências Sociais nem as Ciências Naturais ou da Vida estavam totalmente
preparadas, por motivos que se prendiam com a legitimação, de parte a parte, da teoria do
psicólogo: partindo do princípio de que, efectivamente, como refere Halbwachs, ‘é na
sociedade que as pessoas normalmente adquirem as suas memórias […], que relembram,
reconhecem e localizam as suas memórias’40, torna-se material e filosoficamente difícil falar
da ‘memória colectiva enquanto um conjunto de lembranças atribuíveis a uma mente
colectiva abrangente que poderia recordar eventos passados da mesma forma […] que os
indivíduos recordam’41 ou que esteja totalmente separada (‘acima’) dos indivíduos que
compõem o colectivo.
Bergson (1896)42 parece esclarecer a diferença fundamental entre dois tipos de memória
que caracterizam a actividade individual e colectiva da rememoração e, deste modo,
também (pelo menos, parcialmente) a natureza das operações envolvidas no acto de aceder a
memórias: na distinção entre a ‘memória-hábito’, enquanto mecanismo ‘maquinal’ de acesso
a informação aprendida (um poema aprendido de cor, andar de bicicleta ou, diríamos nós,
os relatos de uma guerra descritos num livro de História) e a ‘memória-lembrança’,
enquanto acto individual de rememoração de um momento singular em que quem
rememora retoma a sua agencialidade nesse momento que é recordado – esta sim, a
‘memória por excelência’43.
Esta distinção entre ‘memória-hábito’ e ‘memória-lembrança’ poderá ser de extrema
importância quando retomamos a aporia inicialmente referia entre ‘memória’ e ‘história’ e o
papel dos Museus enquanto agentes da preservação, comunicação e construção da
memória colectiva. Os instrumentos de que se servem na sua vertente comunicacional para
a construção da memória colectiva foram apurados neste mesmo debate: a noção de
40 Halbwachs, 1992 [1925]: 38. 41 Klein, 2000: 135. 42 Henry Bergson, Matière et mémoire, 1896, apud Connerton, 1989: 23. 43 Idem.
37
‘memória estrutural’, enquanto conjunto de práticas ou artefactos materiais passíveis de ser
estudados sistematicamente44 ou ainda, seguindo Connerton (1989), uma noção
performativa da memória colectiva, baseada em cerimónias e práticas corporais.
A ‘memória estrutural’ ou ‘memória cultural’ deverá ser entendida como um ‘corpo
reutilizável de textos, imagens e rituais específicos a cada sociedades em cada época, cujo
‘cultivo’ serve para estabilizar e transmitir a auto-imagem dessa sociedade’45. A sua
materialidade enquanto ‘memória coleccionada’ pelas diversas ‘comunidades mnemónicas’
em que os indivíduos se inserem46 – a família, a classe profissional, a geração, o grupo de
afiliação étnica ou religiosa, a nação, etc. – é explorada e tornada eficaz através de
‘comunicações’ internas à comunidade acerca do significado do passado, feitas numa
linguagem que é, pois, comum, e se adapta à experiência individual tanto quanto o
necessário para ser aceite.
2.2 Memórias do Holocausto
O interesse pela temática da memória acentuou-se a partir dos anos 80 e 90 do século
passado, em grande medida, também devido à sistematização pela psiquiatria e pelas
neurociências de conhecimentos relativos ao trauma e ao estabelecimento da nosologia
psiquiátrica conhecida por Stress Pós-Traumático (PTSD). O mapeamento dos contornos
da síndrome que afectava vítimas de guerra permitiu o seu reconhecimento público e a
produção de estratégias de abordagem positiva do ponto de vista político e social,
nomeadamente pelo acompanhamento psicológico e inserção social a expensas dos
Estados. De um modo geral, a percepção de que a memória traumática se constitui como
locus de um tipo de experiência específica e válida veio estimular a atenção geral para os
testemunhos de participantes, sobreviventes e vítimas de conflitos armados, permitindo
densificar as leituras acerca de acontecimentos que eram, até aí, eminentemente políticos.
‘Quem fala em memória, fala na Shoah’, diz-nos o historiador francês Pierre Nora47:
particularmente do ponto de vista historiográfico, este renovado interesse acerca das
questões da memória permitiu uma nova abordagem aos eventos mais marcantes do último
grande conflito mundial, conflito suficientemente próximo para que se pudessem ainda
auscultar as vítimas e os seus testemunhos.
44 Klein, 2000: 135 45 Jan Assmann [1995] in Kansteiner, 2002: 182. 46 Kansteiner, 2002: 189. 47 Nora apud Winter (2001): 57.
38
Seguindo La Capra (1998), podemos afirmar que as consequências da II Guerra Mundial e
da ‘Solução Final’ do regime nazi para as populações não-arianas foram amplas e múltiplas:
para as vítimas, o Holocausto48 representou uma quebra com o estado anterior de aceitação
na comunidade, o questionamento e posterior aniquilação da identidade; para
perpetradores, aquilo que Hannah Arendt designou, em 1967, por ‘banalidade do mal’, a
possibilidade de agir acrítica e impunemente dentro (e porque dentro) de um sistema
político assepticamente hierarquizado; para o resto da Europa – colaboracionista ou não –
a destruição da sua auto-imagem enquanto bastião último da civilização, dentro do qual
nenhum projecto semelhante poderia ter sido urdido49.
Mais, o Holocausto apresenta-se como situação limite à representação: a ‘morte da
narrativa’, de que Walter Benjamin dera já conta no rescaldo da I Guerra Mundial à
chegada dos combatentes silenciosos e sem ‘histórias’ para contar50, releva da dificuldade
em conferir inteligibilidade e comunicabilidade ao horror, que só se pode dizer
fragmentariamente, invocando mais do que nomeando.
Com efeito, os relatos na primeira pessoa produzidos neste período por sobreviventes à
perseguição nazi e/ou aos campos de concentração e trabalhos forçados parecem desafiar
os limites da compreensão entre as testemunhas e os seus leitores, limites estabelecidos com
base na existência de um quadro comum e partilhado de experiências e sentidos. Ora, a
experiência dos campos de concentração encontra-se para lá de qualquer experiência
partilhável, sendo a possibilidade de nomeação, muitas vezes, apenas possível através das
metáforas – ‘Shoah’ ou ‘a grande calamidade’ inserida num contínuo de auto-entendimento
e posicionamento do povo judeu; ‘fábricas de morte’ para representar a lógica moderna da
produção (ou destruição) em massa.
Como refere Paul Ricouer51, para que seja correctamente recebido, um testemunho
historiográfico deve estar já ‘expurgado da absoluta estranheza gerada pelo horror’ ou, de
48 ‘Holocausto’ é a expressão que comummente designa o plano do Estado alemão sob o comando do Partido Nacional Socialista de Adolf Hitler de proceder ao controlo, perseguição e massacre sistemático e em escala de pessoas, com base na sua pertença a um grupo nacional, étnico, racial ou religioso diferente. Não deverá confundir-se o ‘Holocausto’ com a totalidade das mortes relacionadas com a II Guerra Mundial, em que se contam baixas de guerra ou assassínios por motivações políticas e ideológicas. Pelo seu carácter sistemático e em escala, o Holocausto constituiu-se como um episódio de genocídio. No escopo do Holocausto nazi pode contar-se a ‘Shoah’, designação bíblica judaica da perseguição e extermínio sobre os judeus e a ‘Porajmos’, o ‘holocausto romani’, tal como é entendido pelos povos romani /cigano. A expressão ‘Solução Final’ (‘Endlösung der Judenfrage’) designa o plano nazi para erradicar especificamente as populações judias nas zonas ocupadas, estabelecido, sensivelmente, a partir de 1942, na Conferência de Wannsee. 49 La Capra, 1998: 9. 50 Cf. Benjamin, Walter, Harry Zohn, 1963, The Story-Teller: Reflections on the Works of Nicolai Leskov, Chicago Review, Vol. 16, No. 1 (Winter - Spring, 1963), pp. 80-101. 51 Ricouer, 2006 (2004): 175.
39
outra forma, encontrar-se conformado ao quadro partilhado de sentidos entre quem
produz o testemunho e quem o recebe. O maior obstáculo a esta conformação é o facto de
as testemunhas não possuírem distanciamento relativo aos acontecimentos que relatam, na
medida em que se constituem como as suas vítimas.
Tal dificuldade de comunicação da experiência traumática não tem impedido, contudo, a
sua representação, na ficção ou no documentário; pelo contrário, como refere Adriana
Bebiano, ‘se a reconfiguração de uma experiência limite, sob a forma narrativa ou de
poema, é sempre já reconfiguração, a consciência deste limite não conduz ao silêncio’52.
Com efeito, por um lado, temos que as possibilidades de transformação da experiência do
sofrimento em experiência estética oferecidas pela literatura – como pelas linguagens do
cinema ou da fotografia – estão dotadas de um potencial de sublimação da experiência
dolorosa que a torna moral ou politicamente edificante, celebração do heroísmo, etc; por
outro, documentar, examinar, debater e ensinar o Holocausto terá para os sobreviventes e
as populações que mais de perto viveram os seus horrores um potencial catártico que não
poderá ser iludido, ao mesmo tempo que o silêncio não se oferece como alternativa digna à
representação, por mais imperfeita e incompleta, como nos diz Adriana Bebiano, senão
como uma ‘cumplicidade com a violência perpetrada’53.
Conquistado o espaço social para a discussão da temática do trauma, a literatura e arte
vieram apoiar a passagem do testemunho crítico da História do Holocausto – o
sobrevivente Primo Levi deu ao mundo o seu ‘Se isto é um homem’; a artista plástica
Rachel Witheread desenhou o memorial do Holocausto em Viena; do ponto de vista
historiográfico, constituíram-se inúmeros centros de documentação, de onde se destaca o
maior arquivo de imagens em movimento dedicado ao tema, organizado por Steven
Spielberg, e que deu origem ao Shoah Foundation Institute for Visual History and
Education da University of Southern Califórnia; demasiados para citar serão os filmes, os
romances, os poemas, a pintura.
Em 1985, foi criada nos Estados Unidos da América a Association of Holocaust
Organizations (AHO), com o propósito de reunir numa mesma rede de recursos e
programas todas as organizações que se dediquem ao estudo do Holocausto; a associação
conta hoje com mais de 150 associados em 25 países, dos quais 23 são Museus.
Os Museus são, com efeito, parceiros maiores da educação das comunidades para a
História.
52 Bebiano, 1995: 256. 53 Ibidem.
40
2.3 Museus para a Memória – estudos de caso
Ao analisar diversas unidades museológicas dedicadas à história da II Guerra Mundial e,
especificamente, ao Holocausto, encontramos duas posturas distintas procurando
responder às mesmas perguntas ‘Como comunicar? Como não comunicar?’: por um lado,
há instituições que se recusam a detalhar a tortura, que são comedidas no uso de imagens
de natureza violenta no sentido de proteger os seus intervenientes e que defendem que a
história do seu povo não se reduz aos acontecimentos relativos à Shoah; por outro,
contam-se sobreviventes, investigadores e instituições que defendem que apenas
mostrando em profundidade e detalhadamente os horrores dos campos de concentração
será possível compreender a máquina política e científica responsável por eles e, muito
significativamente, oferecer oposição aos partidários do negacionismo do Holocausto.
Como exemplos de boas práticas em museologia e, especialmente, no que concerne aos
museus e unidades museológicas que operam, por via da sua missão, um esforço no sentido
da reconciliação entre Povos através de uma atitude crítica relativamente à História,
tomaremos o Museu Judaico de Berlim, o Red Location Museum e o Centro Nobel da Paz.
Pela sua génese, pelas estratégias de comunicação com os públicos e opções museográficas
revelaram-se, como se mostra adiante, bons modelos a seguir na elaboração do presente
programa museológico para a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal.
Jüdisches Museum Berlin – Museu Judaico de Berlim, Berlim, Alemanha
História e Arquitectura
O projecto de constituição de um Museu Judaico em Berlim começou a tomar forma no
ano de 1971, data em que a comunidade judaica berlinense comemorou os 300 anos do seu
estabelecimento na cidade. De forma a assinalar a efeméride, a cidade acolheu a exposição
‘Leistung und Schicksal’ (‘Realização e Destino’) que teve a capacidade de mobilizar
grandemente a comunidade judaica berlinense (mas não só) para a importância e a
necessidade de criação de um Museu para aquela comunidade (lembremos que o Museu
Judaico primitivo, instalado em 1933, foi extinto em 1938 por
Hitler.)
41
Em 1975, é constituída a ‘Gesellschaft für ein Jüdisches Museum in Berlin e.V.’, associação
para a constituição de um Museu Judaico em Berlim, que durante os anos seguintes haveria
de mobilizar-se, tanto na aquisição de património a integrar o espólio do futuro Museu,
como na divulgação desse espólio através de iniciativas de vária ordem, tendo por ‘quartel-
general’ as instalações do primitivo Museu, na Oranienburgerstrasse. Em 1989, a
Associação lança um concurso internacional para a construção de uma extensão do espaço
do Museu. O projecto do arquitecto Daniel Libeskind foi o seleccionado e a primeira pedra
do Museu lançada em 1992.
Em 2001, o Museu Judaico de Berlim foi oficialmente aberto ao público. Do programa do
Museu contam-se, além de exposições sobre a história da comunidade na cidade de Berlim,
mostras de arte e cultura judaica e, muito significativamente, a atribuição do Prémio para a
Compreensão e a Tolerância, atribuído pela Fundação do Museu Judaico de Berlim desde
2002 a personalidades que se distingam pelo seu contributo para a promoção da tolerância
e do entendimento entre os Povos.
Um dos pontos altos do Museu Judaico de Berlim – senão o mais paradigmático – será a
sua arquitectura. O projecto de Daniel Libeskind, ele próprio de origem judaica e com
ligações fortes ao Holocausto, em que perdeu grande parte da sua família, recebeu o nome
de ‘Between the lines’ ou ‘Entre as linhas’ e, nas palavras do autor, reflecte precisamente –
no conceito e na forma – uma recorrência entre a linha do pensamento e a linha das
relações humanas.
A forma como foi concebido pretende remeter a uma experiência sensorial forte e à sua
concepção não será alheio o facto de Libeskind, antes de se formar em arquitectura, ter
sido músico profissional. A organização do espaço – onde impera o silêncio, a ausência de
luz, o intercalar das sensações de claustrofobia e desamparo – cria três percursos distintos,
com três programas específicos: o primeiro leva ao núcleo da história de Berlim e à sua
relação com o estabelecimento milenar de Judeus; o segundo conduz ao ‘Jardim do Êxodo’,
uma extensão ajardinada plena de simbolismo, fora das ‘linhas’, criada com o objectivo
confesso de criar desorientação nos visitantes e ser um espaço de meditação e reflexão; o
terceiro leva os visitantes ao interior do Museu propriamente dito.
O edifício, que se estende por mais de 10.000 metros quadrados no centro de Berlim,
recebeu, ainda antes de estar qualquer exposição instalada, cerca de 400.000 visitantes.
42
Tratamento de conteúdos
O Museu Judaico de Berlim distingue-se da maioria dos Museus dedicados à lembrança do
Holocausto por um programa de fortes preocupações éticas e críticas, em que
explicitamente se afirma que assuntos não serão tratados pelo Museu, a saber54: fotografias
que, pelo seu conteúdo gráfico potencialmente chocante, possam ser consideradas sensíveis
ou retratem as vítimas em situações de violência ou exposição; colecções de objectos anti-
semitas, na medida em que o Museu entende o anti-semitismo como um assunto das
comunidades em que se inserem os judeus, reservando-se ao estudo da história e cultura
judaicas; documentos que contenham informações pessoais e/ou sensíveis acerca dos seus
autores ou anteriores proprietários e que ficam reservados para fins de investigação; as
reservas do Museu, entendidas como espaços estritamente técnicos e, finalmente, práticas
cerimoniais, uma vez que o Museu não pretende ser ou substituir-se aos espaços rituais do
povo Judeu.
Defendendo uma postura teórica e prática que advoga a irrepresentabilidade e a
inacessibilidade conceptual do Holocausto para a Humanidade, o Museu recusa apropriar-
se de ou defender representações acerca deste acontecimento. Este assunto estará retratado
profundamente através da arquitectura de Libeskind e nas duas únicas obras que tentam
pensar a Shoah, ‘Unsaid’, instalação vídeo de Arnold Dreyblatt, e ‘Gallery of the Missing’,
instalação sonora de Via Lewandowsky para um conjunto de esculturas na exposição
permanente.
Do Museu Judaico de Berlim importa-nos reter a importância dada à experiência física no
espaço do Museu: a estruturação dos percursos no contexto de uma arquitectura que se
impõe fortemente, gerando dificuldades à circulação básica, parece forçar o visitante a uma
jornada que se vai fazendo cada vez mais no sentido do interior, da avaliação das próprias
forças e de uma corporalização da experiência que vai sendo retratada ao longo dos
percursos.
Igualmente se entende que a documentação do Holocausto baseadas nas suas
representações gráficas mais violentas ou chocantes não têm cabimento na unidade a
instituir na Casa do Passal, uma vez que a Casa-Museu se destina a homenagear um acto de
vida - o Acto de Consciência, não de morte ou destruição55.
54 Página do Museu Judaico de Berlim, separador “What we won’t show you”: http://www.jmberlin.de/osk/wwnz/wwnz_EN.php 55 Cf. ‘Conceitos geradores’, p. 72 e 73.
43
Red Location Museum, Porth Elisabeth, África do Sul
História e Arquitectura
O Red Location Museum foi concluído em 2005 e poderá dizer-se que incorpora uma nova
perspectiva acerca da integração da História e das narrativas pessoais no contexto de uma
sociedade que pretende lidar com os seus traumas.
Localizado numa área periférica da cidade industrial de Porth Elisabeth, New Brighton, o
museu está instalado no centro de um aglomerado habitacional que se tornou conhecido
como ‘Red Location’ (ou ‘lugar vermelho’) por causa da cor característica dos barracões
que o compõem, em metal oxidado. Estes precisos barracões foram primeiro usados como
casernas num campo de concentração durante a Guerra Boer (1880-1902); foram em
seguida movidos para New Brighton e usados para diversos fins até serem ocupados pelas
primeiras famílias negras que se instalaram nos arrabaldes da cidade para trabalhar nas
fábricas locais.
Neste aglomerado habitacional haveriam de ocorrer importantes episódios da luta contra o
apartheid e a segregação na África do Sul, o que fez de Red Location um símbolo pela
integração entre os povos; em 1952, por exemplo, um trabalhador negro local usou a porta
de acesso da estação de comboios reservada a cidadãos brancos, marcando o início dos
processos de resistência activa. Red Location é também o berço da primeira célula do braço
armado do ANC – African National Congress e de muitos dos seus activistas.
A iniciativa de construir uma unidade museológica dedicada à luta contra o apartheid nesta
localização específica partiu de um grupo de activistas do ANC pelos direitos civis que,
com o advento da democracia, em 1994, pôde colocar em prática um projecto mais vasto
de reabilitação social, económica e cultural da zona, que incluía a criação de centros
habitacionais condignos, centro de arte e congressos e biblioteca, entre outras valências. O
concurso para construção do renovado centro de Red Location foi estabelecido em 1988 e
a construção atribuída à dupla de arquitectos sul-africanos Joe Noero e Heinrich Wolff da
Noero Wolff Architects.
Todo o processo de concepção do Museu obedeceu, desde a sua génese, a um mesmo
princípio de relação activa com a comunidade e a memória dela acerca dos eventos
políticos a que a região e a comunidade estão indelevelmente ligadas: o projecto da Noero
Wolff Architects teve como primeira premissa a criação de um espaço cívico acessível e
relevante para uma comunidade que desde há muito era afastada deste tipo de espaço e
44
convivialidade56. Este grande objectivo terá sido conseguido num trabalho que envolveu as
seguintes fases:
- reconceptualização da ideia de ‘espaço cívico’ ou ‘público’ e de ‘fórmulas’ de
arquitectura relevantes para o contexto57;
- trabalho colaborativo no sentido de promover a apropriação daquele projecto pela
comunidade e, assim, procurar gerar um lugar de significado local;
- reconceptualização das abordagens ocidentais da museologia às questões da
memória, aproximando-as dos modos de produção, preservação e articulação locais.
O resultado foi o estabelecimento de um Museu em que o espaço arquitectural e o
programa são, a vários níveis, profundamente enraizados numa visão local: o Museu
reflecte a estética da fábrica, lugar de memória, espaço social da comunidade a que o Museu
se destina, origem dos seus heróis; o Museu está no centro do bairro, junto das populações
outrora excluídas e integrado no seu quotidiano; os materiais de construção e lógicas
construtivas remetem aos usos tradicionais dos materiais, nomeadamente na reutilização de
materiais industriais.
‘Caixas de lembrar’
No interior, como no exterior do Museu, o percurso pretende quebrar com a narratividade
linear que caracteriza os Museus ocidentais, dando especial relevo à construção individual e
fluida da memória. As estruturas mais paradigmáticas do Museu serão, assim, as “memory
boxes”, caixas da memória idealizadas à semelhança das caixas com recordações do lar que
os trabalhadores levavam consigo em estadias longas de trabalho fora de casa. Nestes
espaços de recolhimento, a informação e o espólio são comunicados num formato privado
e o percurso entre caixas – livre e não formatado – acentua a possibilidade de cada visitante
construir e re-construir o fluxo da memória.
Estas ‘memory boxes’ apresentam-se como um elemento forte de inspiração para o nosso
trabalho acerca da Casa do Passal: sabendo que a maioria dos visitantes da Casa-Museu não
56 Leibowitz, 2008: 99. 57 ‘[…] uma fábrica representa melhor um espaço público na experiência da maioria das pessoas do que um museu’ - Heinrich Wolff apud Leibowtiz, 2008: 99.
45
terá vivido na primeira pessoa os eventos que a Casa celebra (i.e., não possuem deles uma
memória-lembrança) será determinante garantir ao público formas de apropriação crítica da
informação que é veiculada – reflexão, crítica e produção de nova informação – e
estruturas que o propiciem. Assim, propõe-se que ao longo do percurso sejam
providenciados espaços para reflexão crítica que poderão ser de recolhimento e
contemplação ou, recorrendo a tecnologia digital, de selecção de conteúdos e seu
alinhamento de modo quase personalizado, permitindo a construção de uma visão própria
acerca da informação que é comunicada.
Nobels Fredssenter – Centro Nobel da Paz, Oslo, Noruega
História e Arquitectura
O Centro Nobel da Paz é uma das fundações que integram a rede institucional da
Fundação Nobel. A principal missão do Centro é a divulgação da biografia e obra de Alfred
Nobel e das personalidades laureadas com o prestigioso prémio que distingue indivíduos
ou instituições destacadas pelo seu esforço humanitário ou a favor da paz, na defesa dos
Direitos Humanos, na mediação de conflitos internacionais ou no controlo de
armamento58, promovendo o debate e reflexão em torno destes temas.
O edifício ocupado pelo Centro Nobel da Paz data de 1872 e albergou até 1989 a estação
de comboios de Oslo Oeste. O Centro foi inaugurado a 11 de Junho de 2005, mantendo
todas as características arquitectónicas do exterior mas exibindo o interior inteiramente
renovado pela mão da equipa do arquitecto britânico David Adjaye, responsável pelo
design criativo do Centro. O design das exposições interactivas foi idealizado pela equipa
da Small Design Firm, Inc., empresa de Cambridge, Massachusetts.
O design contemporâneo e a sofisticação do aparato comunicacional do Centro marcam
um forte contraste com a sobriedade clássica do edifício que o alberga, sendo essa uma das
linhas de força da unidade: a continuidade na contemporaneidade. Com efeito, desde a sua
concepção que a direcção do Centro defendeu como objectivo a criação de um novo tipo
de Museu, em que ‘a mensagem e as palavras dos laureados Nobel fossem,
58 ‘The Nobel Peace Prize’. Nobelprize.org., 12 de Junho de 2012 http://www.nobelprize.org/nobel_prizes/peace/
46
simultaneamente, conteúdo e artefacto’, que apelasse ‘à emoção e à razão’, numa unidade que
não fosse um memorial mas uma entidade dinâmica59.
Para a prossecução da sua missão, o Centro Nobel da Paz dinamiza actividades de diversa
índole, como conferências e seminários, apostando na excelência da sua exposição
permanente e exposições temporárias.
A exposição permanente do Centro organiza-se em torno de quatro instalações – ‘Nobel
Field’ (‘Campo Nobel’), ‘Nobel Chamber’ (‘Câmara Nobel’), ‘Wallpappers’ (‘Papéis de
parede’) e ‘Register’ (‘Registo’), desenhadas pela equipa Small Design Firm em colaboração
com a equipa criativa Adjaye Associates e o artista multimédia Timon Botez.
Museografia
Em linha com os objectivos do Centro, o ‘Campo Nobel’ foi idealizado como uma
exposição dinâmica, suportada em tecnologia de interacção com os visitantes: ao longo do
percurso são visíveis, despontando de um campo de milhares de lâmpadas LED, pequenos
displays digitais destinados a dar a conhecer brevemente a história de cada laureado com o
Prémio Nobel da Paz.
Na base destes displays está contido um sensor que detecta a presença dos visitantes e inicia
as animações no ecrã e um conjunto de interacções no entorno – o campo de LED’s
ilumina-se numa ‘onda de cor’ e o sistema de detecção de movimento por tecnologia sonar
‘responde’ aos movimentos do visitante numa combinação de sons única e irrepetível. O
‘Campo’ torna-se, pois, ‘um instrumento vivo, tocado pelos visitantes do Centro’60.
Fundamental para a concepção deste espaço é a ideia de que os dispositivos electrónicos de
comunicação de informação, como os displays, possam assumir a qualidade de elementos
arquitectónicos e operar as mesmas funções de definir espaços e gerar percursos. Num
lance mais arrojado, o ‘Campo Nobel’ permite que essa definição de espaços e percursos
fique a cargos dos visitantes que, no livre curso da sua visita, activam narrativas únicas da
história do Prémio Nobel da Paz (Imagem 1).
59 ‘The Nobel Field’, http://www.davidsmall.com/articles/2006/06/01/nobel-field/ (itálicos nossos). 60 Idem.
47
Imagem 1: ‘Nobel Field’. Fotografia de Small Design Firm, Inc.
Do ponto de vista museográfico, interessa-nos a possibilidade de providenciar aos
visitantes diferentes níveis de aprofundamento da informação disponibilizada através de
tecnologia digital de interacção simples. Por outro lado, sabendo que a Casa-Museu
Aristides de Sousa Mendes terá que contar, pelo menos num primeiro momento, com um
acervo reduzido para exposição, o recurso a tecnologia digital poderá oferecer interessantes
possibilidades de comunicação sem ofuscar o valor arquitectónico do edifício e do lugar61.
61 Cf. Programa museográfico, 3.4.2 Encenação dos testemunhos - Exposição permanente, p. 71.
48
III Programa museológico para a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal
O programa museológico pretende ser um documento guia para a instalação e
gestão da unidade museológica que se aspira que venha a funcionar na Casa do Passal,
antiga residência de Aristides de Sousa Mendes, na localidade de Cabanas de Viriato,
distrito de Viseu.
Este documento articula os objectivos enunciados, entre outros, pela Fundação Aristides
de Sousa Mendes e pela Sousa Mendes Foundation, fornecendo as bases técnicas e
científicas para o estabelecimento de uma unidade que siga as boas práticas de gestão em
Museus e permita realizar plenamente e com qualidade todas as funções museológicas:
recolher e documentar, conservar e restaurar, investigar e interpretar, expor e divulgar,
administrar e gerir.
O programa apresenta um enquadramento geral da unidade a implementar e encontra-se
estruturado em três partes – programa científico, programa arquitectónico e programa
museográfico, articulados entre si de acordo com parâmetros objectivos que decorrem das
necessidades e propósitos da unidade e com parâmetros subjectivos, que procedem de uma
interpretação pessoal do objecto de estudo.
3.1 Missão e vocação
Missão
Deverá ser missão da Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes – Casa do Passal
homenagear e comunicar a memória e acção do Cônsul Aristides de Sousa Mendes. Deverá
promover e invocar a memória e acção de outros diplomatas ao serviço do Ministério dos
Negócios Estrangeiros português igualmente destacados na defesa dos povos perseguidos
durante a II Guerra Mundial como Carlos Sampaio Garrido, Alberto Carlos de Liz-Teixeira
Branquinho, Giuseppe Agenore Magno, José Luis Archer e Bento Lencastre e Menezes.
A Casa-Museu deverá, simultaneamente, constituir-se como um lugar de debate e cultura
da Compreensão entre os Povos.
Vocação
49
Tipologia: Casa-Museu Campo temático: História / Direitos Humanos Composição disciplinar: Transdisciplinar Abrangência territorial: Internacional Dependência administrativa / tutela: Instituto dos Museus e da Conservação – IMC, I.P. e
Fundação Aristides de Sousa Mendes (nos termos do artigo 4.º da Lei 107/2001)
Relação com outras instituições museológicas: A Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes –
Casa do Passal deverá estabelecer cooperação privilegiada com os Museus da mesma área
geográfica, nomeadamente, o Museu Municipal Manuel Soares de Albergaria (Carregal do
Sal) e o Museu Grão Vasco (Viseu).
Esta colaboração deverá ser estendida a Museus nacionais e estrangeiros que privilegiem a
mesma área temática, a saber: o Museu Anne Frank (Amesterdão, NL), o Museu Fábrica de
Esmalte de Oskar Schindler (Cracóvia, PL), o Museu Judaico de Berlim (Berlim, DE), o
Museu do Património Judaico (Nova Iorque, USA) ou o Museu Histórico do Holocausto
(Jerusalém, IL).
Documentação fundamental à contextualização política em Portugal poderá ser obtida em
cooperação com a Cinemateca, o Museu da República e Resistência e o Museu de Arte
Popular (Lisboa).
50
3.2 Programa Científico
Apresenta-se em seguida um esboço do Programa Científico para a Casa-Museu Aristides
de Sousa Mendes – Casa do Passal, programa que deverá ser desenvolvido ao longo do
tempo, em continuidade do trabalho de investigação da unidade.
3.2.1 Espólio e acervo
O espólio pessoal de Aristides de Sousa Mendes estima-se que seja muito reduzido, em
função das vicissitudes da sua vida. Será necessário proceder a este levantamento o mais
exaustivamente possível, no sentido de elaborar a política de incorporações da Casa-Museu
e, bem assim, estabelecer as condições de conservação adequadas.
Consiste, maioritariamente, de bens deixados em herança aos seus filhos e netos e
encontra-se na posse destes; outra parte do espólio inclui bens encontrados entre os
escombros da Casa do Passal e entregues à Fundação Aristides de Sousa Mendes. Uma
parte dos bens móveis outrora pertença do Cônsul encontra-se superficialmente
identificada, na posse de descendentes de credores e amigos da Família Sousa Mendes.
Uma relação preliminar de bens fornecida pela Fundação permite identificar património
móvel nas seguintes categorias:
Ourivesaria: Relógios, jóias de uso pessoal, pratas de uso doméstico.
Património bibliográfico: Livros, correspondência pessoal, correspondência relativa ao
processo de reabilitação da memória.
Fotografia
Escultura: Estatuetas.
Cerâmica: Loiças de uso doméstico.
Têxtil: Vestuário.
O Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros (AH-MNE)
detém toda a informação relativa ao percurso profissional de Aristides de Sousa Mendes no
MNE, nomeadamente, os documentos relativos ao Processo Disciplinar de 1940.
51
Outros fundos:
. Arquivo Nacional da Torre do Tombo
. Arquivo Contemporâneo do Ministério das Finanças
. Ordem dos Advogados
3.2.2 Exposições
3.2.2.1 Exposição permanente e selecção de testemunhos
A exposição permanente tem como objectivo primordial divulgar e expor a informação
essencial acerca da vida e obra de Aristides de Sousa Mendes pelo que deverá ficar
albergada no edifício central da unidade, a Casa do Passal, centro da vida familiar.
Os conteúdos expositivos deverão estar organizados em três grandes eixos,
correspondentes a dois percursos, como adiante se explicitará:
- Biografia de Aristides de Sousa Mendes / Eixo Biográfico
- O Acto de Consciência / Eixo Político
- Consequências do Acto de Consciência / Cruzamento dos eixos Biográfico e
Político
Eixo Biográfico
Sala 1a, piso 0 (Átrio principal) – Origens familiares (1885-1909)
Aqui deverão ser apresentadas as origens familiares de Aristides de Sousa Mendes, com
ênfase no período entre o seu nascimento e o casamento com Maria Angelina Ribeiro de
Abranches.
Sala 2a, piso 0 – Início da carreira profissional (1910-1920)
Documenta-se o início do percurso profissional, a saber: posto de cônsul de 2ª classe na
Guiana Britânica (1910-1911), posto de cônsul-geral em Zanzibar (1911-1918), posto de
cônsul-geral em Curitiba (1918-1919). Apresenta-se a primeira das suas suspensões de
52
funções diplomáticas, em sequência do golpe sidonista de 1917, processo que se arrastaria
até 1921.
Sala 3a, piso 0 – Um Homem de ideais firmes: a origem aristocrata, a mudança de
nome; a estadia nos Estados Unidos e no Brasil (1921-1926)
Apresenta-se um perfil de Aristides de Sousa Mendes no auge da sua vitalidade, dotado de
fortes convicções e da audácia para as defender, arriscando despromoções na carreira por
fidelidade às suas crenças.
Sala 4a e 5a, piso 1 – Cônsul – Geral de Portugal em Louvain (1929-1938)
Aqui se apresenta a vivência de Sousa Mendes à frente do consulado português na Bélgica,
caracterizada por uma vida cultural e social agitada, pelo convívio com nomes importantes
da política e das artes do dinâmico centro europeu.
Do ponto de vista familiar, dá-se a conhecer a morte precoce do filho Manuel, o
adoecimento do filho José e o início da relação amorosa com Andrée Rey Cibial.
Eixo Político – ‘Acto de Consciência’
O contexto político será apresentado paralelamente ao percurso biográfico, introduzindo
ao ambiente da época, em Portugal e na Europa.
Sala 1b – Piso 0 – Portugal na transição da Monarquia para a República (1885-1910)
A decadência da monarquia portuguesa, a conspiração republicana e a Implantação da
República.
Sala 2b – Piso 0 – Do Golpe de Estado Sidonista à emergência do Estado Novo
(1910-1926)
Apresentam-se as personalidades determinantes no sucesso e ascensão na carreira
diplomática de Aristides e César de Sousa Mendes, nomeadamente, Oliveira Salazar, a sua
política e ideais.
53
Salão Nobre – Piso 1 (1926-1929) – A ascensão de Aristides de Sousa Mendes no
contexto do Estado Novo
No Salão Nobre da Casa demonstrar-se-á de que modo o Eixo Biográfico começa a cruzar-
se com o eixo político, dando a conhecer os contínuos sucessos na carreira de Aristides e
César de Sousa Mendes, mercê do seu apoio aos ideais conservadores do Governo de
António de Oliveira Salazar. Introduz-se a ideologia do governo português.
Sala 3b – Piso 1 – A ascensão do poder nacional-socialista na Alemanha; o conflito
europeu e a II Guerra Mundial (1929-1938)
Apresenta-se uma breve descrição dos acontecimentos políticos que marcaram o século
europeu e redundariam na II Guerra Mundial.
Cruzamento do Eixo biográfico e do Eixo político
Sala 4b – Piso 2 – A guerra na Europa, os refugiados a caminho de Portugal (1940)
Apresentam-se testemunhos do êxodo de refugiados das zonas de guerra através das
fronteiras francesa e espanhola, rumo aos portos portugueses. A Circular n.º 14 e a
neutralidade portuguesa no conflito europeu.
Sala 5b – Piso 2 (Capela) – O Acto de Consciência (1940)
A desobediência à Circular n.º 14 e a emissão dos vistos por Aristides de Sousa Mendes em
Bordéus e Bayonne.
Sala 6b e 7b – O Processo Disciplinar, a perda de direitos, a separação da família
(1940 – 1945)
Dá-se a conhecer o Processo Disciplinar movido em 1940, seus intervenientes e
consequências. Dá-se nota das sucessivas reclamações de Sousa Mendes pelos seus direitos
na aposentadoria forçada e o seu insucesso.
Sala 8b – ‘Com Deus contra os Homens’, Do fim da guerra ao fim de vida (1945 –
1954)
Com o final da Guerra, Salazar lamenta a morte de Hitler e congratula os Aliados. O
Governo nunca dá provisão aos pedidos de Sousa Mendes, que é obrigado a desfazer-se
54
dos seus bens, contraindo dívidas e vivendo numa situação cada vez mais precária. Falece
em 1954.
O Anexo III (Imagens 1, 2 e 3) apresenta uma relação gráfica dos diversos percursos
expositivos e sua relação espacial.
3.2.2.2. Exposição temporária
A exposição temporária tratará um tema que a equipa de investigação considere oportuno e
pertinente no decurso do seu trabalho. Deverá ficar instalada fora da unidade principal da
Casa do Passal, em edifício a construir62.
3.2.3 Condições de conservação
Para o estabelecimento do Plano de Conservação Preventiva da Casa-Museu é primordial:
- Proceder ao inventário exaustivo do acervo,
- Avaliar o estado de conservação do acervo.
Em todo o caso, será possível tecer algumas considerações acerca do plano de conservação
preventiva e das necessidades das reservas a instalar na unidade museológica.
Para a elaboração destas considerações, toma-se como documento charneira as ‘Bases
orientadoras, normas e procedimentos’ para a implementação do Plano de Conservação
Preventiva do IMC (2007) e a proposta de decreto regulamentar regional para Conservação
Preventiva em Museus, Bibliotecas e Arquivos elaborada pela Direcção Regional da Cultura
da Região Autónoma dos Açores63. Ambos os documentos têm a particularidade de
fornecer um quadro normativo compreensivo no que concerne à gestão dos acervos, dos
edifícios e áreas envolventes, ao controlo das condições ambientais e à segurança.
Seguiram-se, igualmente, as recomendações e exigências explanadas na Lei Quadro dos
Museus Portugueses.
62 Cf. Programa Arquitectónico. 63 Instituto Português de Conservação e Restauro, Cadernos de Conservação e Restauro, Ano 1, N.º 1, 11-25.
55
Conservação Preventiva
As acções de conservação preventiva têm por objectivo intervir conscientemente e de
forma controlada sobre os objectos e sobre o ambiente em que se inserem, no sentido de
prolongar a sua vida útil e permitir que cumpram em segurança a sua função de ‘dar a ver’
no contexto do Museu, Arquivo ou Biblioteca.
Não só a predisposição natural dos objectos para a degradação – sensibilidade e resistência
de materiais, qualidade de materiais, tempo de vida da peça – mas igualmente factores
externos de stress, ditados pelas condições de acondicionamento e as vicissitudes do
manuseio em ambiente museológico, afectam de forma cumulativa a materialidade os
objectos.
Do ponto de vista material, a estabilidade de uma peça dependerá do efeito de vários
factores/agentes externos sobre os seus diversos constituintes. Estes factores serão:
- Forças físicas – Choque, vibração ou abrasão,
- Roubo ou vandalismo,
- Acção do fogo,
- Acção da água,
- Acção de pestes, insectos, vermes ou mofos,
- Acção de contaminantes, como a poluição atmosférica ou o pó,
- Acção da luz – espectros ultra-violeta e luz visível,
- Efeitos de temperatura incorrecta,
- Efeitos de humidade incorrecta.
Para uma correcta gestão de meios e de intervenções, nomeadamente as que impliquem
restauros, a avaliação das colecções em acervo e o seu conhecimento aprofundado são
elementos essenciais das funções quotidianas de todos os profissionais do Museu.
3.3.1 Gestão do edifício
O edifício é a peça central de todo o processo de conservação preventiva pelo que o plano
de conservação preventiva da Casa-Museu deverá dedicar um capítulo exclusivo à
regulamentação das acções a levar a cabo no edifício e que deverão tem conta:
56
- Qualidade e resistência dos acabamentos,
- Controlo da humidade ascensional,
- Resistência do edifício e da cobertura a catástrofes naturais ou outros acidentes –
fogos, inundações, etc.,
- Manutenção e limpeza das áreas envolventes e das áreas de acesso menos
frequente.
Áreas de acesso controlado e salas de exposição
Sabendo que os níveis de degradação dos objectos dependem de princípios intrínsecos aos
seus materiais, características de construção, comportamento higrométrico e historial de
manuseamento, nestas áreas haverá que ter em conta quatro factores determinantes da
estabilidade material do acervo: a iluminação, a temperatura, a humidade relativa e a
poluição.
Iluminação
- Limitar ao máximo o recurso a iluminação natural,
- Aplicar películas filtrantes com rendimento de redução de radiações ultra-violeta
na ordem dos 95% e boa capacidade reflectora em vãos de iluminação natural,
- Aplicar meios complementares de redução da radiação – cortinas, persianas,
estores, portadas, etc.,
- Verificar regularmente o estado das películas filtrantes e meios complementares de
redução da radiação,
- Aferir e manter actualizadas as recomendações e os parâmetros de iluminação por
cada peça do acervo,
- Elaborar o projecto de iluminação das exposições tendo em conta critérios de
nível de iluminação, tempo de exposição admissível por espécime, teor de radiação ultra-
violeta, capacidade de controlo e regulação da luminosidade e, bem assim, de substituição
de lâmpadas,
- Definir, em função da longevidade prevista e desejada para uma peça, o nível
máximo de iluminação para os espaços,
- Definir os critérios para exposição e manuseamento de documentos sensíveis em
áreas de leitura.
57
Temperatura e Humidade Relativa (HR)
- Obter com periodicidade regular informações sobre o estado do tempo e,
especificamente, sobre valores de temperatura e humidade relativa através de serviços
meteorológicos,
- Proceder diariamente ao controlo da temperatura e da humidade relativa nas
várias áreas da unidade, nomeadamente, salas de exposição e reservas técnicas, através de
tecnologia adequada.
Poluição
- Garantir a renovação controlada do ar em todos os espaços expositivos, de
reserva técnica e restauro,
- Controlar regularmente a poluição interna para verificação da presença de dióxido
de carbono, formaldeído, ácido acético e ácido sulfídrico,
- Verificar periodicamente a concentração de poluentes, nomeadamente: óxidos de
enxofre e azoto, ozono e iões de cloreto por relação com o exterior,
- Em espaços em que se preveja uma grande afluência de visitantes, garantir que a
relação entre o volume do local e o número de visitantes seja superior a 20 m2/ visitante;
caso contrário, deverão introduzir-se alterações ao controlo de renovação de ar,
- Evitar a utilização de aglomerados de madeira, colas de secagem rápida ou
espumas de poliuretano ou, quando o seu uso for imperioso, garantir a renovação
controlada do ar.
2.3.2 Plano de segurança
O Plano de Segurança do Museu tem como objectivo acautelar a segurança dos bens nele
incorporados e, igualmente, de funcionários, visitantes e das instalações, pelo que deve
abranger meios de prevenção, protecção, vigilância, detecção de perigo, alarme e
neutralização.
De acordo com a legislação em vigor, o Plano de segurança deverá ser mantido em estrita
confidencialidade, representando a violação da confidencialidade uma infracção grave,
independentemente da responsabilidade civil ou criminal pelas consequências que daí
58
advierem. A confidencialidade é extensiva a todos os profissionais contratados junto de
empresas privadas de prestação de serviços de segurança e vigilância. Deverá ser elaborado
em colaboração com as forças de segurança locais, que deverão igualmente aprovar os
mecanismos de prevenção e neutralização de perigos.64
Segurança de visitantes e funcionários
- Tornar público e visível o plano de evacuação de emergência e, bem assim,
sinalizar devidamente as saídas de emergência em cada espaço da unidade museológica,
- Limitar a guarda de objectos de valor elevado ou cuja natureza não permita a sua
guarda em segurança nas instalações a esse fim destinadas,
- Informar os visitantes de forma visível e inequívoca sobre o uso de meios
complementares de vigilância, nomeadamente, a captura de som e imagem,
- Garantir a confidencialidade das imagens e som recolhidos e o seu uso exclusivo
junto de entidades legalmente competentes.
Segurança do acervo
- Manter o inventário permanentemente actualizado, nomeadamente, pela inclusão
de documentação fotográfica de cada peça que permita a correcta identificação dos
espécimes em caso de roubo, vandalismo, catástrofe ou desvio decorrente de empréstimo
ou cedência,
- Definir rigorosamente a política de gestão de acervos no que concerne,
especificamente, à cedência de bens – definição das condições de transporte, embalagem e
exposição por espécime, aferição da conformidade das condições de controlo ambiental e
segurança da instituição solicitante, etc.,
- Limitar a entrada no Museu de produtos ou objectos que, pela sua natureza,
possam colocar em risco a segurança dos bens, das instalações e de pessoas,
- Garantir a vigilância presencial nas áreas de livre acesso da unidade, podendo esta
ser reforçada com meios de vigilância complementar, nomeadamente, a recolha electrónica
de som e imagem,
64 Lei n.º 47/2004 de 19 de Agosto, Lei Quadro dos Museus Portugueses, art. 38º.
59
- Garantir, em situações ou espaços que assim o justifiquem, o uso de aparelhos de
detecção radiográficos ou de detecção de metais para controlo de visitantes,
- Manter em bom estado de funcionamento equipamentos de segurança, como
detectores de fumos, extintores, alarmes, kits de prevenção “Just in Case”, etc.,
- Observar as recomendações das forças de segurança sobre a defesa da integridade
dos bens culturais, de instalações, equipamentos e pessoas e regras de conduta do pessoal,
- Colaborar com as forças de segurança no combate aos crimes de tráfico ilícito de
bens culturais.
2.3.3 Recomendações preliminares para o acervo da Casa-Museu
De acordo com a relação preliminar de bens anteriormente pertencentes a Aristides de
Sousa Mendes, na posse da Fundação Aristides de Sousa Mendes ou potencialmente
incorporáveis no seu acervo em qualquer uma das modalidades de incorporação previstas, é
possível traçar o seguinte quadro de recomendações para a conservação preventiva dos
espécimes (Figura 1).
60
Espécime Material
Luminosidade
(Lux (lm/m2); U.V.
(µW/lm)
Temperatura /
HR Outras
Livros Papel <50 a <150 ; <30 18 a 25ºC / 40
a 65%
Variação admissível RH: ± 5%
Cartas Papel <50 a <150; <30 18 a 25ºC / 40
a 65%
Variação admissível RH: ± 5%
Fotografia Papel <50; <30 (cores)
<200; <75 (p&b)
18 a 25ºC / 40
a 65%
Variação admissível RH: ± 5%
Estatuetas Porcelana
Pedra
<300; <75 18ºC / <30%
Talheres Metal <300; <75 18ºC / <30%
Loiças de uso
doméstico
Porcelana <300; <75
Relógios
Metal
Vidro
Couros
18ºC / < 30% Conservação preventiva deve ter em
conta a natureza compósita dos
objectos.
Jóias Metal 18ºC / <30%
Vestuário Têxtil <50; <30 18ºC / < 50-
55%
Figura 1: Quadro de recomendações para a conservação preventiva do espólio actualmente identificado.
61
3.2.4 Projectos
Os projectos a realizar visam a concretização e o aprofundamento das competências e
funções museológicas da unidade, nomeadamente, as que dizem respeito à recolha e
documentação e à investigação e interpretação.
Estes projectos deverão ser mantidos em permanência.
Programa de recolha
A equipa da Casa-Museu deverá empreender um programa aprofundado de pesquisa e
documentação de património móvel significativo para o contexto da Missão da unidade.
Esse património poderá, de seguida, ser recolhido e incorporado no Museu, de acordo com
a política de incorporações a delinear pela instituição.
Este programa poderá ser decomposto em vários projectos, onde se destaca:
a) Recolha de património móvel pertencente a Aristides de Sousa Mendes: A
localização, identificação e documentação de bens imóveis anteriormente pertencentes ao
Cônsul é de suma importância para a estruturação dos programas científico e educativo da
unidade, na medida em que serão estes objectos os despoletadores das narrativas a
desenvolver.
b) Rede de Identificação de Vistos: Dada a dimensão internacional de que se
revestiu o ‘Acto de Consciência’, a Casa-Museu deverá ser um centro do desenvolvimento
da rede de identificação de receptores de vistos de Aristides de Sousa Mendes já
desenvolvida, nomeadamente, pela Fundação Aristides de Sousa Mendes e pela Sousa
Mendes Foundation.
c) Recolha de bens que documentem o contexto: No sentido de enquadrar a
acção de Aristides de Sousa Mendes no seu tempo cultural, político, ideológico e
económico, haverá necessidade de proceder à recolha de bens que materializem esses
contextos. A cooperação com as instituições museológicas acima referidas poderá, neste
62
projecto, ser de importância vital, representando um grande potencial em termos de
investigação, intercâmbio, economia e valorização de meios materiais e humanos.
Centro de Documentação
O Centro de Documentação deverá dedicar-se à conservação, divulgação e tratamento de
documentação relativa a Aristides de Sousa Mendes, ao contexto da sua vida e acção
humanista, proveniente dos programas de recolha. Os recursos do Centro deverão ser
disponibilizados para consulta e referência sob vários formatos média em regime de acesso
controlado, pelo que o projecto arquitectónico deverá espelhar as necessidades funcionais
do Centro.
Centro de Estudos sobre Direito, Ética e Diplomacia: Centro de investigação
interdisciplinar dedicado a formar, informar, debater e promover o debate em torno das
questões do Direito, da Ética e da Diplomacia. Este Centro de referência deverá funcionar,
a nível nacional e internacional, como um complemento ao ensino universitário de Direito
e Diplomacia.
63
3.3 Programa arquitectónico
O programa arquitectónico espelha preocupações estéticas e funcionais mas, sobretudo, a
premência do ensino e da cultura do Entendimento entre os Povos para a prevenção de
novos conflitos. Para a sua elaboração foi precioso o diálogo e a colaboração com o
arquitecto Eric Moed, cuja dissertação de licenciatura junto do Pratt Institute de Nova
Iorque, apresentada em 2012, versou igualmente a idealização de um projecto museológico
na Casa do Passal.
3.3.1 Parâmetros do programa
Tipologia: Arquitectura civil – Casa, Propriedade rural
Localização: Quinta de São Cristóvão, freguesia de Cabanas de Viriato, concelho de
Carregal do Sal, distrito de Viseu.
Coordenadas geográficas: 40° 28′ 31.42″ N 7° 58′ 23.15″ W
Envolvente: Rural
Antecedentes: Mandada construir pelo pai de Aristides de Sousa Mendes, Dr. José de
Sousa Mendes, na propriedade da família da Quinta de São Cristóvão, em meados do séc.
XIX, sendo composta por piso térreo e um andar elevado. Trata-se de um palacete de
arquitectura eclética, de inspiração francesa ao gosto das beaux-arts do segundo império.
No início do séc. XX, a Casa foi intervencionada por Aristides de Sousa Mendes que lhe
acrescentou um segundo piso em mansarda.
Em 1933, é instalada na parte fronteira da Casa uma figura de Cristo em pedra, mandada
esculpir pelo proprietário em Louvain, Bélgica.
Desde a sua venda em hasta pública, em 1958, a Casa do Passal não voltou a ser usada
como casa de habitação nem foi intervencionada com vista à sua conservação. Foi por
diversas vezes usada como curral e armazém, sendo que serviu também de local de treino
para a corporação de Bombeiros local.
64
Por proposta de familiares de Aristides de Sousa Mendes, a Direcção Regional de Cultura
do Centro iniciou, em 2000, as diligências para a classificação da Casa do Passal como
Monumento Nacional. Em 25 de Maio de 2011 é emitido o decreto do Ministério da
Cultura de classificação do edifício como Monumento Nacional com vista à sua integral
salvaguarda, tendo por base a sua relevância em termos arquitectónicos mas igualmente
histórico-sociais.
Igualmente, pelo Anúncio n.º 12777/2012 do Instituto de Gestão do Património
Arquitectónico e Arqueológico, I. P. (IGESPAR), procede-se à fixação da zona especial de
protecção (ZEP) da Casa do Passal.
No sentido de oferecer um contributo para a reabilitação da Casa do Passal, o GECoRPA
– Grémio do Património promoveu, em 2009, a realização e aprovação de dois projectos
de intervenção urgentes, destinados á salvaguarda estrutural do edifício até que seja pronta
a implementar a intervenção definitiva. Constam de um projecto para construção de
cobertura provisória e um projecto de consolidação provisória e encontram-se aprovados,
de acordo com Artigo 51.º da Lei 107/2001, pelo IGESPAR, I.P., pela Direcção Regional
da Cultura do Centro e pela Câmara Municipal do Carregal do Sal, embora ainda nenhuma
providência tenha sido dada para que tais projectos de consolidação urgente tenham início.
3.3.2. Plano de intervenção arquitectónica
3.3.2.1 Consolidação
Classificada como Património Nacional, a Casa do Passal encontra-se sob protecção da Lei
n.º 107/2001, de onde:
Artigo 51.º Intervenções Não poderá realizar-se qualquer intervenção ou obra, no interior ou no exterior de monumentos, conjuntos ou sítios classificados, nem mudança de uso susceptível de o afectar, no todo ou em parte, sem autorização expressa e o acompanhamento do órgão competente da administração central, regional autónoma ou municipal, conforme os casos. Artigo 52.º Contexto 1 — O enquadramento paisagístico dos monumentos será objecto de tutela reforçada.
65
2 — Nenhumas intervenções relevantes, em especial alterações com incidência no volume, natureza, morfologia ou cromatismo, que tenham de realizar-se nas proximidades de um bem imóvel classificado, ou em vias de classificação, podem alterar a especificidade arquitectónica da zona ou perturbar significativamente a perspectiva ou contemplação do bem. 3 — Exceptuam-se do disposto no número anterior as intervenções que tenham manifestamente em vista qualificar elementos do contexto ou dele retirar elementos espúrios, sem prejuízo do controlo posterior. […]
Por razões que se prendem com o reconhecimento do alto valor arquitectónico do edifício
e por respeito da integridade da memória do seu histórico proprietário, não se propõe a
realização de obras que alterem de fundo o corpo principal do edifício, salvo aquelas
alterações necessárias à instalação da unidade museológica e que explicitam no ponto 2.2.3
– Projecto de adaptação. Tal compromisso é extensivo ao anexo outrora usado como
garagem, de valor arquitectónico e construtivo menor, mas igualmente dotado de uma
memória própria que poderá enriquecer o conhecimento acerca da Casa – com efeito, as
dimensões do edifício justificam-se pela grande dimensão do automóvel da família, um
camião Chevrolet adaptado que recebeu o nome de ‘Expresso dos Montes Hermínios’.
Assim, e de acordo com as recomendações divulgadas do relatório de inspecção levado a
cabo pela Oz - Diagnóstico, Levantamento e Controlo de Qualidade em Estruturas e
Fundações, Lda. 65, as intervenções previstas para o edifício são de duas ordens:
Medidas de urgência:
- Instalação de cobertura provisória,
- Intervenção de consolidação da cobertura,
- Instalação de sistema de contraventamento / sistema de cintagem do conjunto do
edifício ao nível do tecto do piso 1.
65 Notícia ‘Oz faz inspecção preliminar à ‘Casa do Passal’’, Pedra & Cal, nº31, Julho/Agosto/Setembro, 2006, pp. 38 in http://www.oz-diagnostico.pt/files/noticia_casa%20do%20passal.pdf (consultado em 21-05-2012).
66
Medidas de longo prazo:
- Elaboração do plano de conservação do edifício em função da utilização que se
pretende vir a dar-lhe,
- Renovação do sistema de drenagem de águas pluviais,
- Renovação da caixilharia dos vãos exteriores.
2.2.2 Projecto de ampliação da unidade
Para o eficaz e correcto cumprimento de todas as funções museológicas que se pretende
implementar na Casa-Museu verifica-se, contudo, que o espaço disponível no edifício
principal é manifestamente insuficiente, pelo que se aventa a construção de três novos
edifícios anexos à Casa do Passal. O projecto de arquitectura para ampliação da unidade
que aqui se apresenta é da responsabilidade do arquitecto Eric Moed, sendo a programação
espacial elaborada por nós, em estreita colaboração e diálogo com o arquitecto.
Figura 2: Vista geral da fachada posterior da Casa do Passal com as três novas edificações visíveis à direita e
um memorial no jardim, em primeiro plano. (Imagem de Eric Moed)
67
O projecto de Eric Moed revela-se extremamente sensível ao enquadramento paisagístico e
simbólico do edifício, que apropria totalmente na sua idealização das peças a construir: os
três edifícios apresentam um corte diagonal ao nível da cobertura que permite que cada um
deles ‘foque’ um elemento distinto da paisagem, a saber, o edifício principal da Casa do
Passal, a estátua do Cristo Rei oferecido por Sousa Mendes à aldeia de Cabanas de Viriato e
a Igreja de São Cristóvão, matriz da localidade de Cabanas de Viriato (Figura 3).
O projecto prevê ainda a construção de um memorial e espaço de reflexão (Figura 2) e de
um caminho que ligará simbolicamente a Casa do Passal à igreja de São Cristóvão (Figura
4).
Figura 3: Caminho de ligação entre a Casa do Passal e a Igreja de São Cristóvão.
(Imagem de Eric Moed)
Em respeito pela legislação anteriormente citada, nomeadamente pelo disposto no nº 2 do
artigo 52.º, de acordo com o qual ‘[nenhumas] intervenções relevantes […] que tenham de
realizar-se nas proximidades de um bem imóvel classificado […] podem alterar a
especificidade arquitectónica da zona ou perturbar significativamente a perspectiva ou
68
contemplação do bem’, o projecto de ampliação da unidade procura respeitar, em termos
de volumetria e enquadramento, os edifícios existentes66.
66 Cf. Anexo IV - Imagem 1 (Alçado de enquadramento paisagístico), Imagem 2 (planta de nível 1) e Imagem 3 (planta de nível 3).
69
2.2.3 Organização funcional
O plano de organização funcional pretende fornecer um mapa articulado das necessidades
funcionais da unidade em face da sua missão, vocação e programas. O anexo V (Imagens 1
a 4) ilustram a organização funcional para o edifício principal da Casa do Passal conforme o
plano que se apresenta em seguida.
1. Casa do Passal (edifício principal): Exposição permanente
Função atribuída: Expor / informar
O edifício principal, núcleo da vida familiar, deverá apresentar aos visitantes uma análise
abrangente da vida e da acção de Aristides de Sousa Mendes, ao mesmo tempo que fornece
a necessária contextualização histórica e política.
Objectos pessoais e documentação pertencentes ao acervo do Museu deverão ser usados
como testemunho históricos mas, sobretudo, como despoletadores das narrativas a invocar
na Casa-Museu.
1.1 Áreas públicas
1.1.1 Exposição permanente
1.1.2 Instalações sanitárias (H / M / Deficientes)
1.1.3 Recepção
1.1.4 Loja do Museu
1.2. Áreas de acesso controlado
1.2.1 Cacifos para visitantes
1.3 Áreas reservadas
1.3.1 Reservas técnicas
1.3.2 Centro de restauro e conservação
1.3.3 Armazém de materiais (Conservação e restauro)
1.3.4 Vestiários funcionários + WC
70
2. Casa do Passal, Garagem: Serviço Educativo
Função atribuída: Expor / informar, interpretar
O Serviço Educativo coloca ao dispor dos visitantes programas de aprendizagem
desenhados para públicos específicos que podem incluir crianças, idosos, famílias, visitantes
locais ou estrangeiros, pessoas portadoras de deficiência ou grupos em situação de exclusão
social.
Pelo carácter interactivo e dinâmico das actividades a desenvolver no Serviço Educativo,
privilegia-se a proximidade com a exposição permanente e com as exposições temporárias.
Uma vez que as actividades poderão resultar na produção de nova informação, o
planeamento arquitectónico deverá prever a criação de reservas específicas para o Serviço
Educativo.
2.1 Áreas públicas
2.1.1 Instalações sanitárias (H / M / Deficientes)
2.2. Áreas de acesso controlado
2.2.1 Oficinas do Serviço Educativo
2.3 Áreas reservadas
2.3.1 Gabinetes de trabalho do Serviço Educativo
2.3.2 Armazém de materiais (Serviço Educativo)
3. Edifício 1 (a edificar): Galeria de exposições temporárias, Galeria de Arte
Função atribuída: Expor / informar, Investigar / interpretar
As exposições temporárias resultam de projectos de investigação específicos levados a cabo
pela equipa da Casa-Museu. Deverão elucidar sobre aspectos da vida e obra de Aristides de
71
Sousa Mendes e do seu contexto, nomeadamente através de uma interpretação particular
de objectos pertencentes ao acervo da unidade.
A galeria de arte deverá dedicar-se a expor trabalhos, intervenções e projectos de artistas
cujo trabalho verse o tema dos Direitos Humanos. Estes projectos deverão,
preferencialmente, ser desenvolvidos em colaboração com a Casa-Museu Aristides de
Sousa Mendes, através de programas de residência artística especialmente desenvolvidos
para o efeito.
3.1 Áreas públicas
3.1.1 Exposição temporária
3.1.2 Galeria de arte
3.1.3 Instalações sanitárias (H / M / deficientes)
3.2 Áreas de acesso controlado
--
3.3 Áreas reservadas
3.3.1 Sala de trabalho para equipa de Museografia
3.3.2 Oficinas de museografia
3.3.3 Armazém de materiais (materiais corrosivos)
4. Edifício 2 (a edificar): Auditório / Sala multiusos, Restaurante
Funções atribuídas: Investigar / interpretar, Outros serviços
O auditório deverá ser capaz de receber seminários e eventos similares, mas igualmente,
peças de teatro, sessões de cinema, concertos e outras performances. Deverá funcionar
com programação própria mas igualmente poder ser arrendado / cedido para a realização
de eventos que não sejam incompatíveis com a Missão e Valores da unidade, podendo
constituir-se como uma fonte de receitas.
72
O restaurante deverá poder funcionar complementar e autonomamente da Casa-Museu,
servindo os visitantes da unidade em horário de funcionamento e o público em geral fora
dele, podendo constituir-se a sua exploração como uma importante fonte de receitas.
4.1 Áreas públicas
4.1.1 Restaurante
4.1.2 Instalações sanitárias (H / M / Deficientes)
4.2 Áreas de acesso controlado
4.2.1 Auditório / Sala multifuncional
4.3 Áreas reservadas
4.3.1 Armazéns de materiais (Auditório/ Sala multifuncional)
4.3.2 Áreas de apoio ao restaurante
5. Edifício 3 (a edificar): Centro de Documentação, Biblioteca / Mediateca,
Arquivo fotográfico, Administração
Funções atribuídas: Investigar / interpretar, Recolher / documentar, Administrar / gerir
O Centro de Documentação, a biblioteca / Mediateca e o Arquivo fotográfico são áreas de
acesso controlado em que recursos em vários formatos média são disponibilizados para
consulta e referência.
O edifício deverá dispor de uma área comum de leitura e de estudo, áreas de estudo em
grupo e áreas destinadas à utilização dos equipamentos de pesquisa e consulta electrónica.
O Arquivo fotográfico deverá estar equipado com reservas apropriadas e laboratórios.
No mesmo edifício serão instalados os escritórios e dependências dos serviços
administrativos da Casa-Museu e, bem assim, o centro de controlo e gestão de segurança e
as áreas principais de apoio aos funcionários.
73
5.1 Áreas públicas
5.1.1 Instalações sanitárias (H / M / Deficientes)
5.2 Áreas de acesso controlado
5.2.1 Centro de documentação / Biblioteca / Mediateca
5.2.2 Arquivo fotográfico
5.3 Áreas de acesso reservado
5.3.1 Administração
5.3.2 Centro de controlo de segurança
5.3.3 Área de apoio para funcionários
5.3.3.1 Cozinha
5.3.3.2 Vestiário para funcionários e segurança + Cacifos + Instalações
sanitárias (H / M / Deficientes)
74
2.2.4 Projecto de adaptação às funções museológicas
A adaptação funcional do edifício principal da Casa do Passal a centro da exposição
permanente deverá respeitar ao máximo a integridade do edifício, reservando todas as
intervenções ao mínimo indispensável para prover pela segurança do acervo e de pessoas e
seu conforto.
Notou-se que tal exigência poderá reflectir-se negativamente nas acessibilidades do edifício
a pessoas portadoras de deficiência motora, uma vez que não contempla – numa primeira
abordagem – a construção de elevadores de acesso aos pisos superiores. Esta omissão
deverá ser colmatada através de projectos e actividades dos Serviços Educativos a partir de
peças do acervo, exposições temporárias e outras valências da unidade.
Assim, propõem-se as seguintes intervenções de adaptação do edifício principal da Casa do
Passal:
Cave: Reservas técnicas e centro de conservação e restauro
Ampla e com a mesma área dos pisos superiores, a cave de edifício presta-se a albergar as
reservas técnicas da Casa-Museu e o centro de conservação e restauro. A escolha desta área
prendeu-se com factores como a localização no edifício e a possibilidade de articulação
com a exposição permanente, a dimensão do espaço (nomeadamente o pé-direito) e a
garantia de condições ambientais estáveis que permitam uma poupança importante ao nível
de sistemas de controlo ambiental (sistemas de ar condicionado, aquecimento,
desumidificadores, etc.).
A instalação das reservas técnicas e do centro de conservação e restauro implicará
intervenções ao nível do isolamento de paredes, soalho e cobertura de modo a garantir a
segurança contra infiltrações e fogo (incluindo a instalação de portas corta-fogo entre as
diversas secções a definir.)
Piso 0 e piso 1, Cozinha
Propõe-se que os serviços de acolhimento e, bem assim, a loja da Casa-Museu venham a
ocupar a secção do edifício anteriormente ocupada pela cozinha e suas áreas dependentes.
75
Construída como dependência do edifício principal, a cozinha, dotada de um imponente
forno a lenha, desenvolve-se pelo piso térreo e pelo piso 1, ligados entre si por uma escada
de serviço e com acessos directos, simultaneamente, ao interior e ao exterior da Casa.
Como elemento caracterizador desta área, o forno a lenha deverá ser conservado e
mantido, servindo de factor organizador do espaço a planear. Pretende-se com esta escolha
usar simbolicamente a ‘lareira’, o calor emanado pelo forno, pelo núcleo familiar para servir
de lugar de boas-vindas.
Garagem
Do mesmo modo, sugere-se a adaptação do edifício correspondente à garagem pela divisão
do espaço interno em salas de trabalho destinadas ao serviço educativo no piso 0 e de
gabinetes de trabalho para os técnicos e oficinas no piso 1.
76
3.4 Programa Museográfico
3.4.1 Sistemas de inventariação e documentação
A natureza dos Museus enquanto ‘entidades vivas’ implica uma constante auscultação das
comunidades em que se inserem no sentido de responder, através do seu acervo e
programa(s), às necessidades e questões colocadas por aquelas. O equilíbrio sensível entre a
necessidade de preservação do acervo do Museu e a correspondência às expectativas das
comunidades só pode concretizar-se através de um conhecimento profundo dos acervos
que permita aceder aos valores e informações transmitidos pelos objectos. Assim, da
articulação entre a política de gestão de acervos do Museu e um sistema de inventariação e
documentação eficaz resultará o sucesso da instituição na realização da sua Missão, Valores
e Objectivos.
O sistema de inventariação e documentação a implementar na Casa-Museu Aristides de
Sousa Mendes – Casa do Passal deverá reger-se pelos documentos fundamentais
estruturadores da museologia em Portugal, a Lei 107/2001, que estabelece as bases da
política de valorização do Património Cultural e a Lei 47/2004, Lei-Quadro dos Museus
Portugueses.
De acordo com o artigo 61.º da Lei 107/2001 de 8 de Setembro, serve o inventário para
conceder aos bens culturais a devida protecção que permita ‘evitar o seu perecimento ou
degradação, […] apoiar a sua conservação e divulgar a respectiva existência’.
Para a prossecução deste desígnio dever-se-á ter em conta o explanado na Lei 47/2004,
nomeadamente, nos artigos 12.º e 13.º, respeitantes à política de incorporações e suas
modalidades, nos artigos 15.º a 22.º relativos à gestão de inventários e nos artigos 25.º e
26.º que concernem à documentação e ao carácter patrimonial dos inventários dos museus.
77
3.4.2 Encenação dos testemunhos - Exposição permanente
3.4.2.1 Conceito gerador
Musealizar a ausência
A exposição permanente deverá lidar, do ponto de vista semiótico, com a ausência de um
espólio significativo a musealizar como o índice mais aproximado e significativo da acção
humanista do seu proprietário. Com efeito, a despeito da dispersão dos bens pessoais de
Aristides de Sousa Mendes e do espólio familiar por diversos destinos – credores, amigos
próximos e distantes, usurários – e da deterioração a que foi votada a residência da família,
a memória da acção do Cônsul continuou a ser celebrada pelos seus naturais, por
conterrâneos e por um grande número de receptores dos seus vistos de trânsito, indicando
a transcendência da sua acção.
Mais, cremos que a ausência e o despojamento são parte integrante da história factual da
vida de Aristides de Sousa Mendes em consequência do Acto de Consciência e um
elemento de suma importância para a compreensão do regime sob o qual viveu e que
enquadra de forma dramática o seu percurso de vida profissional e pessoal.
Em favor do rigor histórico não deverá, pois, procurar recriar-se o ambiente original da
habitação familiar, com recurso a peças de época ou réplicas. Tal exigência poderá ser
contraditória com os propósitos de uma ‘Casa-Museu’ se observarmos, como António
Ponte, que a expectativa dos visitantes será a de encontrar um ‘verdadeiro teatro de vida’,
levado à cena pelos ‘sistemas de vida doméstica’ e pelos objectos ‘na sua forma original ou
próxima dela’67. Cremos que, no contexto da vida e acção de Aristides de Sousa Mendes, se
torna mais significativa a sua dádiva quando confrontada com o despojamento que se lhe
seguiu, consequência directa da sua entrega enquanto humanista.
Museu de redenção
Como se referiu anteriormente, crê-se que a Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes deverá
optar por uma postura positiva relativamente aos factos que documenta, nomeadamente, a
fuga de milhares de pessoas à perseguição nazi, à guerra e, eventualmente, à morte. A acção
de Sousa Mendes e dos diplomatas que optaram por agir à revelia das ordens do Governo 67 Ponte, 2007, s.n. (Cap. I, definições).
78
de então destaca-se pela sua aura positiva, pelas suas consequências benignas para os seus
beneficiários directos e pelo legado de humanismo que deixam como exemplo de
motivação contra a injustiça para toda a Humanidade. Neste sentido, ao mesmo tempo que
é imprescindível que se forneçam informações sobre os contextos nacional e internacional
que enquadram o ‘Acto de Consciência’, não se forçará a sua documentação com recurso a
material gráfico de conteúdo violento e/ou sensível, remetendo essa contextualização para
as unidades parceiras da Casa-Museu e outras que lidem com a II Guerra Mundial e o
Holocausto em particular.
Assim, se, por exemplo, o United States Holocaust Memorial Museum distribui à entrada
do Museu um bilhete de identidade pertencente a uma pessoa que poderá ter sido vítima
do Holocausto para que cada visitante possa acompanhar o seu percurso através da
exposição68, como exemplo de estratégia positiva de comunicação, a Casa-Museu Aristides
de Sousa Mendes poderá dar a conhecer a genealogia de todos quantos se salvaram por
causa dos seus vistos.
3.4.2.2 Percursos expositivos: Paralelismos e cruzamentos, confinamento e
ascensão
A singularidade da história de vida de Aristides de Sousa Mendes reside também no facto
de o Cônsul ser proveniente de uma família abastada, social e moralmente irrepreensível e,
apesar de monárquica, simpatética com a ideologia conservadora propalada pelo discurso
do Estado Novo.
Neste sentido, propõe-se que este (aparente) paralelismo entre a pessoa de Sousa Mendes e
seus familiares mais próximos (especificamente o irmão César, também diplomata) seja
mantido até certo ponto da narrativa que se explorará na unidade.
Para tanto, a Casa-Museu deverá apresentar dois percursos distintos que se desenvolvem
paralelamente, à direita e à esquerda do átrio principal da Casa. Os percursos não são,
contudo, estanques, podendo os visitantes, a qualquer momento, atravessar a galeria de
distribuição dos pisos 0 e 1 e ingressar no percurso paralelo.
A ênfase na analogia entre o Estado Novo e a ideologia de Aristides encontrará o seu auge
no Salão Nobre da Casa, já no piso 1, com a celebração do mais alto ponto da carreira 68 Cf. Winter, 2001: 60 Para mais informações sobre a estratégia de comunicação referida, consultar a página do United States Holocaust Memorial Museum, separador ‘Education’, secção ‘Personal Stories and ID Cards’: www.ushmm.org/education/foreducators/resource/pdf/idcards.pdf
79
diplomática de Sousa Mendes, quando acolhe os favores do Governo e lhe vê serem
granjeadas mais importantes colocações.
Após o núcleo expositivo do Salão Nobre, os dois percursos voltam de novo a separar-se
para, duas salas adiante, conduzir os visitantes de ambos os percursos, juntos, ao piso 2
através de uma escada de serviço estreita e deslocada do coração da Casa relativamente à
escadaria principal.
Este será o ponto exacto em que o Eixo Biográfico e o Eixo Político se cruzam – ou antes,
se encontram em choque e conflito: na Capela da Casa, no piso 2, retratar-se-á o Acto de
Consciência, momento essencial da colisão entre a legalidade e a ética no exercício da
diplomacia. A sensação de confinamento provocada pelo estreitamento das escadas de
serviço como única via de acesso ao piso superior deverá fazer sentir aos visitantes o
desconforto do choque entre pessoas provenientes de direcções opostas e, bem assim, de
pontos de vista.
A saída do piso 2 da exposição permanente deverá ser feita pelo mesmo percurso até à
escada de serviço, permitindo, a quem assim o desejar, um momento de reflexão na capela
da Casa.
No piso 1, os visitantes poderão regressar ao átrio usando a galeria de distribuição e a
escadaria principal.
A opção por um percurso ascendente, que culmina com a sala ‘Com Deus contra os
Homens’, pretende assinalar a caminhada espiritual de Aristides de Sousa Mendes e a
suprema imaterialidade do seu gesto.
80
3.4.3 Equipamento expositivo
No sentido de acentuar a ideia de fidelidade ao contexto explicitada no ponto ‘Conceitos
geradores’, o equipamento expositivo deverá marcar um forte contraste com a arquitectura
do edifício; mais, o equipamento expositivo não deverá, em momento algum, sobrepor-se a
ela e à sua adequada leitura.
Dispositivos multimédia
Propõe-se na linha do design de exposição criado pela Small Design Firm, Inc. para o
Centro Nobel da Paz, que o equipamento expositivo se baseie em dispositivos electrónicos
interactivos em que a informação é disponibilizada aos visitantes em duas modalidades: a)
de descoberta e fruição e b) de aprofundamento de conhecimentos e reflexão.
Vitrinas
No sentido de acentuar o valor arquitectónico do edifício, propõe-se para as vitrinas um
desenho de linhas depuradas que, igualmente, não se imponha em relação às peças a expor.
Apresentam-se em seguida a duas soluções, uma em altura, para peças maiores e outra
desenvolvida na horizontal, para albergar peças mais pequenas.
As vitrinas verticais poderão fornecer iluminação interior, através de fibra óptica,
recorrendo focos direccionáveis, possibilitando assim uma iluminação pontual. As vitrinas
horizontais poderão ser iluminadas por tecnologia LED, cujas vantagens ao nível da alta
luminância com baixa produção de calor.
Os objectos e documentos expostos deverão, como se referiu, ser despoletadores das
narrativas particulares de cada núcleo expositivo pelo que não se deverá, mesmo em caso
de disponibilidade, optar por soluções de exposição massiva de bens ou documentação.
Figura 4: Estruturas expositivas: Vitrinas verticais e horizontais.
Imagem de Sabrina Dâmaso.
Mantendo uma especial atenção às questões das acessibilidades, seguiu-se para a concepção
da proposta de materiais expositivos os critérios do Smithsonian Guidelines for Accessible
Exhibition Design (Smithsonian Accessibility Program).
De acordo com as recomendações deste manual, temos que:
- Painéis e vitrinas verticais: devem permitir o acesso a pessoas em cadeira de rodas,
localizando-se o nível médio da linha de visão entre 1090 mm e 1295 mm. A colocação de
objectos não deverá ser feita a mais de 1015 mm acima do nível do chão (Figura 5).
- Vitrinas horizontais: devem permitir o acesso a pessoas em cadeiras de rodas pelo
que deverão ter uma altura até 915 mm; preferencialmente, usar-se-ão caixas abertas –
através de cuja base uma cadeira de rodas possa aproximar-se – em vez de pedestais (Figura
6).
82
Figura 5: Linhas de visão médias. (adaptado de: Smithsonian Guidelines for Accessible Exhibition Design)
Figura 6: Altura das vitrinas. (adaptado de: Smithsonian Guidelines for Accessible Exhibition Design)
83
3.4.4 Serviços Educativos
Os Serviços Educativos no espaço do Museu apresentam-se como elementos essenciais
não só da transmissão de conteúdos relativos aos acervos e seus contextos mas, muito
significativamente, da participação dos públicos na construção crítica do conhecimento e
na vida da comunidade. Privilegiando e encorajando a aprendizagem participativa, baseada
em exercícios de reflexão, partilha e construção, os Serviços Educativos dos Museus
possuem o potencial para se afirmarem como agentes primordiais da formação cultural das
populações e parceiros fundamentais das políticas de educação ao nível nacional e
internacional.
As actividades dos Serviços Educativos deverão, pois, assentar numa política educativa
estruturada, política que está para os Serviços Educativos como a declaração da Missão e
Objectivos está para o museu, servindo de referência para toda a sua acção. De acordo com
as recomendações do CECA – ICOM69 para a definição do programa cultural e de acção
educativa nos Museus, destacamos as seguintes linhas de força para a política educativa:
- A Missão e Objectivos do Museu: Enfoque no contexto que dá origem à unidade
museológica em questão e que se apresenta com a ‘raison d’etre’ da existência do Museu;
- Acepção da relevância da política educativa do Museu
- em termos sociais: implica o conhecimento aprofundado do contexto social,
económico e cultural em que o Museu está instalado, bem como aqueles referentes aos
públicos que o Museu pretende atrair e que constam da sua Missão
- em termos institucionais: requer uma articulação forte entre os objectivos
delineados pelas diversas equipas dentro do Museu e inclui obrigatoriamente os objectivos
explanados na política de gestão de acervos
- em termos científicos: solicita uma forte envolvência das equipas de investigação
do Museu para a selecção de conteúdos resultantes dos seus programas científicos de
acordo com os diversos públicos alvo e seus interesses
69 Cf. ICOM-CECA / O’Neill et al., 2011, ‘Best practice’ Education and cultural action programmes – Analyzing a program.
84
- Definição dos públicos-alvo para cada programa a estabelecer, tendo em conta diversos
formatos: interpretação da exposição permanente ou de exposição temporária, actividades
orientadas para não-públicos, para famílias, para faixas etárias específicas ou grupos de
interesse, para pessoas portadoras de deficiência, etc.;
- Definição de conteúdos para cada programa educativo estabelecido, tendo em conta:
- O contexto do Museu
- Os públicos-alvo
- Os recursos oferecidos pelo acervo e sua informação
- Definição das estratégias interpretativas em função dos conteúdos e dos recursos
materiais e humanos disponíveis (p.e., visitas guiadas com animação, workshops,
performances, colóquios, etc.);
- Definição das formas e fórmulas de comunicação e do nível de interacção dos públicos-
alvo para cada programa, em função do tipo de experiência participatória que se pretende
fornecer em cada programa.
Uma política educativa bem elaborada, abrangente e consciente do potencial e das
fragilidades da organização (em termos humanos e materiais) poderá ser o elo de ligação
entre todas as equipas do Museu, funcionando, em grande medida, como o ‘motor’ da sua
mudança. Convocando todos os intervenientes na vida do Museu para discutir, contribuir e
colaborar com os visitantes para o aprofundamento do conhecimento relativo aos acervos
e aos seus contextos, o Serviço Educativo está a garantir que o Museu produz nova
informação e que essa nova informação é produzida em contexto de uso – para os públicos
e sua formação.
Educar para a História mundial
A educação para a História mundial deverá ocupar na Casa-Museu Aristides de Sousa
Mendes um lugar central, especialmente no que diz respeito aos visitantes mais jovens.
Actuando também em complementaridade com os programas delineados para os vários
ciclos de ensino pelo Ministério da Educação, os programas educativos da Casa-Museu
85
deverão dar resposta à necessidade de uma visão informada e crítica acerca da construção
da cidadania mundial no contexto histórico a que se dedica.
Os visitantes deverão perceber a rede de conexões políticas, económicas e sociais que, a
todo o momento, unem as nações e de que forma os indivíduos isoladamente são agentes e
sujeitos da mudança nesse macro cenário.
Educar para os Direitos Humanos e para a Liberdade
Dando continuidade aos pressupostos da Resolução da Assembleia da República nº
24/2008 que prevê a Divulgação às futuras gerações dos combates pela liberdade na
resistência à ditadura e pela democracia e apoiando-se na Carta dos Direitos Humanos, os
programas educativos da Casa-Museu deverão ser um veículo da promoção do
entendimento entre os Povos pelo livre exercício da cidadania.
86
Conclusão
Numa época de profunda crise de valores, em que o medo e o instinto de auto-preservação
forçaram a alienação das comunidades, Aristides de Sousa Mendes deixou à Humanidade
um legado de respeito, fraternidade e abnegação que importa preservar e ensinar. Tal é o
desejo das Fundações que em seu nome foram criadas e de muitos cidadãos e cidadãs que,
em várias áreas da vida pública, se vêm dedicando à promoção dos Direitos Humanos e
dos Direitos, Liberdades e Garantias constitucionalmente definidos, nomadamente, da
Liberdade de expressão e de comunicação, de consciência, religião e culto, do Direito à
integridade pessoal, à segurança e à Liberdade.
Porque se entende que os Museus são fiéis depositários do Património Material e Imaterial
que atesta a história comum e as suas idiossincrasias e que, por isso, mais se afirmam como
agentes da produção de conhecimento crítico, optou-se por dar forma a uma unidade
fortemente comprometida com a Experiência sem sacrificar o respeito pela dignidade
humana; um Museu comprometido com o Passado que confronta os visitantes com opções
determinantes de Futuro através de estratégias educativas que os questionam.
Para tanto, o Programa museológico que aqui se traçou procurou assentar em pressupostos
de respeito pela integridade da memória, nomeadamente, aquela que perdura no vazio (e na
ruína) da Casa do Passal. Com ele se fazem votos de que a recuperação da Casa e da
memória de Aristides, Angelina Sousa Mendes e sua Família encontre concretização a
breve trecho.
87
Bibliografia
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