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UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DE EDUCAO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DISSERTAO
Os Professores de Origem Africana a Lecionar em Portugal
Estudo Exploratrio
Rita Figueira Simes
Ciclo de Estudos Conducente ao Grau de Mestre em Cincias da Educao
rea de Especializao em Educao Intercultural
2012
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UNIVERSIDADE DE LISBOA
INSTITUTO DE EDUCAO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA
DISSERTAO
Os Professores de Origem Africana a Lecionar em Portugal
Estudo Exploratrio
Rita Simes
Ciclo de Estudos Conducente ao Grau de Mestre em Cincias da Educao
rea de Especializao em Educao Intercultural
Dissertao orientada pela Professora Doutora Helena DOrey Marchand
2012
-
i
Ao Av Simes, o Lendrio
Av Amlia, o meu amor
-
ii
Agradecimentos
Professora Doutora Helena Marchand pela orientao na realizao deste trabalho.
Aos professores que participaram neste estudo, pela disponibilidade para partilhar
comigo as suas experincias e as suas vidas. So uma fonte de inspirao e admirao.
s colegas de Mestrado, nomeadamente Mlanie e Lisete, sem as quais o primeiro ano
teria sido bem mais difcil e bem menos divertido. Mlanie pelo apoio, motivao e
pelas palavras amigas ao longo deste ltimo ano.
Ao Kenny e Jessica, por esta amizade to essencial ao meu equilbrio, pelos espaos e
tempos de descompresso, pelos risos, pelas conversas com/sem sentido.
A todos os elementos do Sabor A Palco, por me permitirem crescer e aprender
convosco, por me aceitarem como eu sou e por me darem um espao para criar e voar.
Diana, pelas conversas de varanda, a qualquer hora, a qualquer dia, que permitem ir
mantendo a minha sanidade mental.
Ao Rui, pela Amizade, pelas palavras de encorajamento, pelo ombro amigo e por nunca
ter deixado de acreditar que eu era capaz, mesmo nos meus momentos de maior
descrena.
Ao Rafael, pela companhia ao longo dos bons e dos maus momentos, por ter suportado
o stress, as ansiedades, os maus humoresconstantes e o roubo do seu Vero, no fundo,
por me amar... mesmo quando eu no o mereo e por isso mais o necessito.
minha irm favorita, o amor incondicional.
Ao meu pai pelo exemplo de profissionalismo e pelo respeito que sempre teve pelas
minhas escolhas. minha me, por me ter inspirado, embora contrariada, a seguir esta
profisso e por me ter ensinado o quo especial tocar no corao e na alma dos
meninos(as) que recebemos todos os anos nas salas de aula. Aos meus pais, pela forma
como me educaram e por me terem proporcionado desde sempre tantas oportunidades
para eu crescer e aprender, no fundo, por me terem dado as asas para eu voar.
Aos meu avs, o Av Simes e a Av Amlia, pelo amor incondicional com que sempre
me envolveram.
-
iii
Eu vim de longe,
de muito longe,
o que eu andei pra aqui chegar (...)
Jos Mrio Branco Eu vim de longe
-
iv
Resumo
A presente dissertao corresponde a um estudo exploratrio relativo a professores de
origem africana a lecionar em Portugal e foi realizado para obteno do grau de Mestre
em Cincias da Educao, na rea da Educao Intercultural.
O seu objetivo central estabelecer alguns padres de caractersticas comuns entre os
entrevistados tentando traar o perfil de professores de origem africana a lecionar em
Portugal. Foram definidas algumas questes de investigao a partir das quais o
trabalho foi orientado. No fundo, pretende-se caracterizar os trajectos, obstculos,
desafios e vivncias dos professores de origem africana que lecionam em escolas em
Portugal, dar-lhes voz.
Foi efetuado em enquadramento terico incidindo nos aspectos principais focados pelas
entrevistas, bem como uma explicitao das opes metodolgicas realizadas.
A metodologia utilizada consistiu na recolha de dados atravs de entrevistas semi-
diretivas, seguida da sua transcries e posterior anlise de contedo qualitativa. Esta
anlise de contedo teve como base a codificao dos dados e posterior segmentao
em unidades de registo e na organizao de um conjunto de indicadores. Estes foram,
seguidamente, agrupados em categorias e em subcategorias, de forma a possibilitar uma
interpretao dos dados fornecidos.
A amostra, foi uma de convenincia, constituda por dez indivduos, sendo que apenas
dois pertencem designada 2 Gerao de imigrantes em Portugal. Uma das principais
limitaes do trabalho prendeu-se com a elevada dificuldade em contactar docentes com
o perfil pretendido e que estivessem na disponibilidade de participar.
As principais concluses obtidas so as seguintes: i) os entrevistados cresceram a
valorizar a escola e a perspetiv-la como um meio para atingir um bom emprego; ii) a
me, ou o pai, ou ambos, independentemente do seu nvel de estudo, sempre os
motivaram e influenciaram no sentido de eles se empenharem no seu trabalho escolar;
iii) a profisso de professor no foi a sua primeira escolha para sete dos entrevistados;
iv) todos gostam da sua profisso, principalmente da relao e do trabalho desenvolvido
com os alunos; v) a maioria demonstrou a sua insatisfao perante a perda de
reconhecimento social e a crescente burocratizao da profisso.
-
v
Para investigaes futuras penso que seria relevante tentar fazer uma distino clara
entre os professores de primeira e segunda gerao de imigrantes, bem como estudar os
alunos destes professores, diferenciando-os de acordo com a origem tnica no sentido
de perceber se existe ou no uma relao entre essas variveis.
Palavras-chave:
Minorias tnicas; professor; aluno; escola; profisso; expetativas
-
vi
Abstract
The following dissertation is based on an exploratory study regarding teachers of
African origin currently teaching in Portugal. It was conducted in order to obtain a
Masters Degree in Educational Sciences, specifically in the Intercultural Area.
Its main goal is to identify common patterns of distinctive characteristics between
interviewees, in an attempt to create a profile of a teacher of African origin teaching in
Portugal. Some investigative questions were previously set and served as guidelines
throughout the work. Essentially, through this work, the intention is to describe paths,
obstacles, challenges and experiences that occurred in the life of those teachers, to give
them a voice.
It was conducted under a set of theoretical basis and mainly focused on the interviews.
It also specifies and justifies the applied methodological options.
The used methodology was based on gathering data through semi directive interviews
followed by a transcription and a subsequent content qualitative analysis. This
qualitative analysis was carried out through data coding, the succeeding fragmentation
into registry units and the organizing them into a set indicators. In turn, these indicators
were grouped into categories and sub-categories in order to enable an interpretation of
the original gathered data.
The sample, out of convenience, was of ten individual. Of those ten, only two
individuals are part of what is currently designated in Portugal a second generation of
immigrants. One of the major obstacles encountered during the entire process was
finding interviewees with the suitable profile and background, willing to participate.
The main conclusions are the following: i) the interviewees have grown up valuing
school as a mean to attain a good job; ii) the mother or father of the interviewee have
always motivated them, kept them committed to their school work and served as a
significant influence in their lives; iii) being a teacher was not a first choice career for
seven of the ten interviewees; iv) every interviewee likes being a teacher due
specifically to the type of work performed with their students as well as the emotional
attachments formed during such process; v) the majority of interviewees expressed their
discontentment regarding the lack of social credibility given to their current profession
and also about the growing bureaucratization in schools.
-
vii
Regarding future investigations I would consider relevant to try and make a clear
distinction between teachers of a first generation of immigrants and those of a second
generation as well as learning more about these teachers students differentiating them
according to their ethnical origins in order to understand if there is a link between those
variables.
Key words:
Ethnical minorities; teacher; student; school; career; expectations
-
viii
ndice
INTRODUO .............................................................................................................. 11
I ENQUADRAMENTO TERICO ............................................................................. 12
1. POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL ............................................... 12
1.1. EVOLUO DA POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL NOS
LTIMOS 50 ANOS .................................................................................................. 12
1.2. UM OLHAR SOBRE A POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL 14
1.3. CONCEITOS RELEVANTES CONCERNENTES PRESENA DE
POPULAO ESTRANGEIRA ................................................................................. 15
2. SER PROFESSOR ................................................................................................... 23
2.1. SER PROFESSOR HOJE ................................................................................ 23
2.2. A ESCOLHA ................................................................................................... 25
2.3. FASES DA CARREIRA DOS PROFESSORES ............................................ 26
2.4. SER PROFESSOR DE UMA MINORIA TNICA ........................................ 30
3. SER ALUNO DE UMA MINORIA TNICA ........................................................ 38
3.1. A FAMLIA ..................................................................................................... 39
3.2. A LNGUA ...................................................................................................... 44
3.3. OS PROFESSORES ........................................................................................ 46
II OPES METODOLGICAS DA INVESTIGAO .......................................... 52
1. ENUNCIAO DO PROBLEMA .......................................................................... 53
2. A AMOSTRA .......................................................................................................... 54
3. A ENTREVISTA ..................................................................................................... 54
4. ANLISE DE CONTEDO ................................................................................... 56
III APRESENTAO E DISCUSSO DOS RESULTADOS ................................... 59
1. CARATERIZAO DOS ENTREVISTADOS ..................................................... 60
1.1. DADOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS ....................................................... 65
1.2. FAMLIA ......................................................................................................... 66
2. PERCURSO ESCOLAR .......................................................................................... 66
2.1 EVOLUO ..................................................................................................... 66
2.1.1. 1 CICLO ............................................................................................ 67
2.1.2. 2 CICLO ............................................................................................ 68
2.1.3. 3 CICLO ............................................................................................ 70
2.1.4. ENSINO SECUNDRIO ................................................................... 71
-
ix
2.1.5. ACESSO AO ENSINO SUPERIOR .................................................. 72
2.1.6. ENSINO SUPERIOR .......................................................................... 75
2.2 RELAO COM OS ELEMENTOS DA COMUNIDADE EDUCATIVA ... 78
2.2.1. COLEGAS ......................................................................................... 78
2.2.2. PROFESSORES ................................................................................ 82
2.2.3. FUNCIONRIOS .............................................................................. 85
2.3 INFLUNCIAS ................................................................................................ 86
2.3.1. FAMLIA ........................................................................................... 86
2.3.2. COLEGAS ......................................................................................... 90
2.3.3. PROFESSORES ................................................................................ 91
2.3.4. SOCIEDADE ...................................................................................... 93
2.3.5. OUTROS ............................................................................................. 94
3. SER PROFESSOR ................................................................................................... 94
3.1 A ESCOLHA ..................................................................................................... 94
3.1.1. MOTIVAES ................................................................................. 94
3.1.2. EXPETATIVAS ................................................................................ 97
3.1.3. FORMAO PROFISSIONAL ........................................................ 99
3.2 A RELAO COM OS ELEMENTOS DA COMUNIDADE EDUCATIVA104
3.2.1. ALUNOS ......................................................................................... 104
3.2.2. ENCARREGADOS DE EDUCAO ............................................. 109
3.2.3. COLEGAS ....................................................................................... 112
3.3 A PROFISSO ................................................................................................ 115
3.3.1. VISO PESSOAL ........................................................................... 115
3.3.2. PERCURSO ...................................................................................... 124
3.3.3. PRTICA LETIVA ......................................................................... 125
3.3.4. INFLUNCIAS ................................................................................ 128
IV CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 131
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 136
-
x
Anexos
Anexo I Guio da Entrevista
Anexo II Entrevistas
Anexo III Anlise de Contedo das Entrevistas
ndice de Figuras
Figura 1 Processo cclico das expetativas de um professor .......................................... 49
ndice de Quadros
Quadro 1 Alunos Matriculados no Ensino Bsico segundo o grupo cultural /
nacionalidade em 2003/2004 ........................................................................................... 38
Quadro2 Sntese dos dados pessoais e profissionais dos professores entrevistados. ... 65
ndice de Grficos
Grfico 1 Distribuio dos docentes (%), segundo a nacionalidade (no portuguesa)
(2010/2011) ..................................................................................................................... 30
-
11
INTRODUO
Ao terminar o primeiro ano do Mestrado em Cincias da Educao na rea de
especializao Educao Intercultural, face s opes que foram apresentadas, escolhi
realizar uma dissertao. Essa escolha prendeu-se com vrias questes que foram
surgindo ao longo desse ano enquanto estudvamos e debatamos diversos assuntos
relacionados com esta temtica. Falmos frequentemente sobre os alunos de minorias
tnicas e sobre o papel dos professores enquanto agentes de uma educao intercultural,
contudo nunca se fez referncia aos professores oriundos de minorias tnicas. Quem
seriam estes indivduos? Porque que se tornaram professores? Como ser a sua relao
com os alunos? Tero dificuldade em se integrar nas escolas?
Ao iniciar a pesquisa deste tema verifiquei uma parca existncia de dados sobre estes
professores em Portugal, sendo porm notria a preocupao de pases como Estados
Unidos da Amrica e Reino Unido no estudo destes profissionais. Optei, ento, por
realizar um estudo exploratrio que abrisse caminho a futuras investigaes, com base
em entrevistas a professores de origem africana a lecionar em Portugal.
Esta dissertao est organizada em quatro captulos. O primeiro captulo apresenta um
enquadramento terico sobre os principais focos temticos das entrevistas, a populao
estrangeira em Portugal, ser professor e ser aluno de uma minoria tnica. Este captulo
foi fundamental para perceber se os resultados encontrados se enquadravam nos
resultados obtidos por outros estudos. O captulo seguinte expe as opes
metodlogicas realizadas. O terceiro captulo tem como finalidade apresentar os
resultados finais. Por fim, o ltimo captulo consiste numa reflexo final onde se
sintetizam os resultados alcanados e se indicam algumas pistas para investigaes
futuras.
-
12
I ENQUADRAMENTO TERICO
1. POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL
1.1. EVOLUO DA POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL NOS
LTIMOS 50 ANOS
A populao estrangeira a residir em Portugal no final do ano de 2011 era de 436 822
cidados, representando um decrscimo relativamente aos anos anteriores. Os principais
pases de origem desta populao so sobretudo os de lngua oficial portuguesa
(P.A.L.O.P.) (47,9%), destacando-se o Brasil (25,5%), Cabo Verde (10,1%), Angola
(4,9%) e Guin-Bissau (4,2%), outros pases igualmente representativos so a Ucrnia
(11%) e a Romnia (9%). de salientar que o efetivo das comunidades originrias dos
P.A.L.O.P. tem vindo a decrescer, de forma consistente, nos ltimos anos. (SEF, 2012).
Porm, Portugal nem sempre apresentou estas caractersticas. O pas, um imprio no
qual o sol nunca se punha, tinha territrios em diversos continentes, sempre cultivou a
imagem de homogeneidade, nas suas diversas componentes: lngua, cultura e religio.
Com o regime ditatorial e subsequente fomento do sentimento nacionalista esta ideia foi
reforada e propagandeada, Portugal deveria ser visto com um todo indivisvel e uno,
que englobava a metrpole as colnias (Miranda, 2002).
At dcada de 60 do sculo XX o pas apresentava uma tendncia marcadamente
emigratria. Nessa dcada e na subsequente, anos 70, foi encorajada a emigrao de
trabalhadores cabo-verdianos e de outras colnias africanas sobretudo devido escassez
de mo-de-obra. Todavia, a Revoluo de 25 de Abril de 1974 e a independncia das
colnias em frica no ano seguinte, veio modificar este panorama, situao acentuada
pelos conflitos militares que existiam nesses pases. No final dos anos 70 e incio da
dcada de 80 do sculo passado, verificou-se um aumento exponencial do nmero de
estrangeiros residentes no pas, predominando os fluxos provenientes dos P.A.L.O.P. e,
apesar de em menor nmero, do Brasil, naquilo que segundo Peixoto (2007:461) se
designa por sistema migratrio lusfono (SEF, 2012; ACIME, 2006; Rocha-Trindade,
1995; Peixoto, 2007).
-
13
Outro marco histrico em Portugal foi a entrada na Comunidade Econmica Europeia
(C.E.E.) no ano de 1986. A partir desta data verificou-se um incremento do nmero de
estrangeiros ligados a atividades econmicas que provinham no s dos pases
lusfonos mas, igualmente, de pases europeus e americanos. Em 1989, com o fim da
Unio Sovitica e consequentes transformaes geopolticas, comeou a surgir um
nmero crescente de imigrantes oriundos desses territrios. (SEF, 2012; ACIME, 2006;
Miranda, 2002; Rocha-Trindade, 1995).
A dcada de 90, ficou marcada pela consolidao e crescimento da populao
estrangeira residente quer proveniente dos pases africanos, quer oriunda do Brasil. A
livre circulao de pessoas e servios no espao europeu, a partir de 1993, tornaram a
imigrao para Portugal mais desejada, sobretudo pela comunidade africana que
perspetivava o pas como uma porta de entrada para a Europa. J nos finais dos anos 90
e incio do sculo XXI assistimos a um crescimento dos imigrantes vindos dos pases de
Leste da Europa. Este movimento justificado pelo grande crescimento econmico de
Portugal associado necessidade de mo de obra para os grandes projetos como a Expo
98, Ponte Vasco da Gama ou os estdios do Euro 2004 (SEF, 2012; ACIME, 2006;
Miranda, 2002).
Em 2007 registou-se pela primeira vez uma maior representatividade da populao
brasileira em detrimento da caboverdiana o que se tem mantido at atualidade. A
imigrao caboverdiana atual de carter residual j que se realiza predominantemente
ao abrigo da reunio familiar ou com fins acadmicos, ao contrrio da brasileira, e
mesmo a de Europa de Leste, cuja finalidade essencialmente laboral. relevante
salientar que nas comunidades imigrantes africanas muitos dos fluxos migratrios
tornaram-se parte da comunidade portuguesa constituindo a designada imigrao de 2 e
de 3 gerao. (SEF, 2012; ACIME, 2006).
No ano de 2010 iniciou-se uma nova tendncia, a de decrscimo de populao
estrangeira residente. Tal ocorreu devido ao aumento do acesso nacionalidade
portuguesa (ao abrigo da atual Lei da Nacionalidade), aos impactos da crise econmica
e financeira em Portugal (reduo do investimento e do emprego) e a alterao dos
processos migratrios em alguns pases de origem (nomeadamente Brasil e Angola)
(SEF, 2012).
-
14
1.2. UM OLHAR SOBRE A POPULAO ESTRANGEIRA EM PORTUGAL
O Fundo das Naes Unidas para a Populao (FNUAP), no relatrio A Situao da
Populao Mundial relaciona o fenmeno de migrao com o contexto social,
econmico e poltico afirmando que (...) a migrao um sinal de grandes
disparidades, relativamente s condies econmicas e sociais, entre o local de origem
e de destino., acrescentando ainda que: Se as condies mnimas de sobrevivncia
diminuem, pode ser impossvel atribuir o movimento de pessoas a uma nica causa. A
migrao provocada pela economia, pelo ambiente degradado, pela poltica, pelo
conflito ou por uma conjugao de alguns ou de todos estes factores. (1993:15, in
Rocha-Trindade, 1995:195). Rocha-Trindade (1995) alerta para o facto da maioria desta
populao integrar camadas sociais desfavorecidas quer no pas de origem quer no de
acolhimento, o que influenciar a situao escolar dos seus descendentes.
Peixoto (2007) afirma que as caractersticas, expetativas quanto ao futuro, culturas,
interesses e necessidades dos imigrantes variam muito com a nacionalidade, bem como
as diferenas relativamente ao nvel da instruo e da insero profissional. Por
exemplo, as comunidades africanas apresentam, em geral, habilitaes escolares baixas
e qualificaes profissionais ao nvel do setor primrio, contrastando com os imigrantes
do Leste da Europa, cujas habilitaes se situam ao nvel do ensino superior. No que se
refere distribuio geogrfica os africanos tendem a localizar-se sobretudo na rea
Metropolitana de Lisboa enquanto os imigrantes do Leste Europeu se distribuem ao
longo do pas. Todavia, apesar das diferenas enunciadas, a nvel profissional
desempenham funes no qualificadas na construo civil, no caso dos homens, e nos
servios domstico no que concerne o sexo feminino (Peixoto, 2007). As suas situaes
profissionais caracterizam-se pela precariedade e pelas baixas remuneraes (Miranda,
2002; Rocha-Trindade, 1995).
O estatuto econmico e social mais baixo, comparativamente com o dos portugueses,
origina um acesso negativamente diferenciado no que concerne habitao, emprego,
educao, sade, sade, entre outros recursos da sociedade portuguesa (Baganha &
Marques, 2001).
No concernente forma como a sociedade portuguesa perspetivou esta populao,
importante referir que apenas nos anos 60 do sculo XX que os naturais das colnias
deixaram de ser designados por indgenas e os portugueses brancos que tinham
-
15
nascido em frica como portugueses de segunda. At data referida, os naturais das
colnias, que no fossem filhos de portugueses oriundos de Portugal, viam o seu acesso
aos direitos civis limitado por normas restritivas, mesmo que estes indivduos fossem
brancos (Esteves, 1991; Rocha-Trindade, 1995). Mais recentemente, Bastos & Bastos
(1999) referem que a populao portuguesa no reconhece diferenas intertnicas na
populao africana reduzindo todos estes indivduos condio racial de negros.
1.3. CONCEITOS RELEVANTES CONCERNENTES PRESENA DE
POPULAO ESTRANGEIRA
Quando se estuda uma comunidade estrangeira, quer na sua globalidade, quer apenas
um segmento, surgem diversos conceitos associados sua caracterizao e
relacionamento com outros, desta forma, torna-se fundamental clarific-los.
ACULTURAO
Uma das mais marcantes caractersticas das sociedades contemporneas a existncia
de uma enorme heterogeneidade tnica e cultural, ilustrada pela coexistncia de grupos
diversificados num mesmo espao geogrfico. Esta situao gera tenses resultantes de
situaes de imposio por parte de grupos dominantes, da dificuldade de aceitao das
diferenas, de depreciao de culturas minoritrias, de encerramento de cada cultura
sobre si prpria (Barbosa, 1996).
De acordo com Silva (2008), a aculturao o resultado do contato de culturas, no
processo histrico de domnio do mais forte sobre o mais fraco. Segundo Ferreira
(2003), a aculturao consiste num fenmeno do qual resultam alteraes nos padres
culturais originais de um ou de dois (ou mais) grupos em contacto. Ramos (2004:217),
refere-se definio de aculturao elaborada pela primeira vez por Herkovitz (1936)
como sendo () o conjunto de fenmenos que resultam do contacto directo e contnuo
entre grupos de indivduos de culturas diferentes, com mudanas subsequentes nos
tipos e modalidades culturais de um ou dos restantes grupos.. Esta perspetiva
assumia-se como exclusivamente grupal. Porm, Graves (1967, in Neto 1993)
amplificou este conceito abrangendo tambm a dimenso psicolgica do indivduo,
afirmando que a aculturao refere-se a mudanas que um indivduo vivencia por estar
em contato com outras culturas e por participar no processo de aculturao
-
16
experienciado pelo seu grupo cultural ou tnico. Sam & Berry (2006) sintetizam estas
ideias afirmando que a aculturao psicolgica consiste nas mudanas decorrentes do
contacto com outras culturas. Estas podem ocorrer ao nvel do grupo, influenciando a
sua estrutura social, econmica e poltica, bem como a nvel individual afetando
identidade, valores, atitudes e comportamento.
Berry (2001) e Neto (1993) mencionam quatro processos diferentes de aculturao que
um indivduo ou grupo podem atravessar:
- Assimilao Consiste na adoo da identidade cultural da comunidade dominante
em detrimento da prpria, originando uma subjugao do grupo minoritrio pelo grupo
maioritrio com a respetiva perda de identidade. Abou (1981) defende que a assimilao
traduz o prprio fracasso da aculturao, j que comporta que o grupo minoritrio
elimine a sua identidade etnocultural para assumir outra identidade, deixando de ser eles
prprios para serem outros. Acrescenta ainda Perotti (in Clanet, 1990) que a assimilao
implica a passividade de uma cultura face outra, ou seja, a assumida superioridade de
uma comunidade em relao outra.
- Integrao Implica a manuteno parcial da prpria identidade cultural
concomitantemente com uma progressiva participao no seio da nova sociedade.
- Separao / Segregao A separao consiste na no procura de estabelecimento de
relaes com a comunidade dominante devido ao desejo de preservao da sua prpria
identidade cultural pelo prprio indivduo. J a segregao o impedimento de
estabelecimento de relaes com a comunidade dominante e a obrigao do grupo
minoritrio de manter a sua identidade cultural por parte da sociedade maioritria. O
que diferencia a separao da marginalizao o poder e o desejo que o grupo tnico
tem, ou no, de decidir a sua prpria orientao, sendo que o resultado final sempre o
seu afastamento do grupo marioritrio.
- Marginalizao Este processo no consiste numa escolha mas sim de uma imposio
pela comunidade dominante ao grupo minoritrio. Este no ter o direito de participar
no funcionamento das instituies e na vida do grupo maioritrio devido a prticas
discriminatrias. A comunidade minoritria perde a sua identidade cultural
frequentemente por o grupo maioritrio estar a direcionar o processo para a assimilao.
-
17
Quer os indivduos, quer o grupo vivenciam durante este processo sentimentos de
confuso e stress.
o grupo dominante que determina os modos de aculturao, deste modo a escolha do
grupo minoritrio pela assimilao relaciona-se, em grande parte, com a presso da
maioria para a sua adoo. De igual forma, a integrao s possvel se a comunidade
maioritria for tolerante e valorizar a diversidade. Neto (1993) salienta que impossvel
encontrar estes quatro processos numa forma pura, alm de que dentro de um grupo
cada indivduo pode estar num grau de envolvimento diferente do outro. de ressalvar
que nos grupos minoritrios existem pessoas que so mais favorveis a uma situao de
assimilao, outras para a integrao ou mesmo para a separao. As diferentes
perspetivas podem originar conflitos entre os indivduos que se encontram a atravessar
um processo de aculturao (Neto, 1993). Ramos (1993) ilustra estes conflitos
afirmando quea aculturao implica a aprendizagem de uma nova cultura, bem como
escolhas por vezes difceis entre o que o imigrante gostaria de manter e o que tem de
abandonar dos hbitos e cultura de origem. A mesma autora (1993) acentua tambm a
emergncia de dvidas e ansiedade dividindo o indivduo entre o desejo de integrar os
elementos da cultura do pas de acolhimento e o desejo de manter tradies e hbitos de
origem profundamente enraizados. Neto (2002) salienta a desvinculao, o stress de
aculturao, os esteretipos, o vis nas atribuies, a ansiedade intergrupal, o
etnocentrismo e a discriminao percepcionada como as principais dificuldades
catalizadas pelo contato intercultural. De acordo com Ramos (2001), as transformaes
que a aculturao provoca so visveis ao nvel do comportamento, da identidade, dos
valores e das atitudes. Erikson (1968, in Ramos 2004) alerta para o facto destas
transformaes obrigarem o indivduos a atravessar vrias crises de identidade com
reajustamentos sucessivos a nvel psquico. Segundo o mesmo autor, estas crises podem
ser traumatizantes para a formao do sentimento de identidade
Como sntese citamos Ramos (2001:165) quando salienta queo processo de
aculturao acompanha-se de mudanas culturais diversas, espaciais e temporais e
provoca a perda, a aquisio, a transformao, a substituio e a reinterpretao de
traos culturais dos grupos em presena.
-
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DISCRIMINAO
A discriminao define-se, segundo Allport (1954), como um comportamento ou
conjunto de aces contra um grupo alvo ou membros desse grupo. Cardoso (1996)
considera que este termo se aplica ao tratamento diferenciado e desfavorvel de
indivduos ou grupos baseados numa categorizao a partir de elementos como a raa, a
etnicidade, o sexo, a religio ou outros elementos.
ESTERETIPO
Um esteretipo uma estrutura de conhecimento que influencia a forma como tratada
a informao sobre o grupo como um todo e sobre os membros particulares do grupo
(Hamilton, Sherman, & Ruvolo, 1990). De forma a simplificar a percepo dos outros
cada indivduo constri e usa continuamente representaes. Estas vo dar origem a
julgamentos que se baseiam em preconceitos que emergem automaticamente de
categorizaes que pretendem ser descries gerais de grupos e dos seus membros
(Allport, 1954). Hamilton et al. (1990) considera que os esteretipos no passam de
mecanismos que permitem ao indivduos lidar com infinitos detalhes sem perder
demasiada informao numa sociedade progressivamente mais complexa. Assim, a
ampla difuso de esteretipos relativamente s categorias sociais, como ser branco ou
ser negro, influencia a construo da concepo dos membros dos grupos que lhe esto
associados. Cardoso (1996) afirma que os esteretipos consistem em imagens-rtulos,
que apresentam uma conotao negativa que indivduos de um determinado grupo
atribuem s pessoas de um outro grupo, baseados em argumentos no comprovados. O
mesmo autor declara que estes tanto podem ser negativos ou positivos sendo aplicados
ao grupo sem qualquer considerao por eventuais diferenas individuais. Rocha-
Trindade (1995) refere-se a este conceito como sendo uma ideia pr-concebida e
estandardizada partilhada por uma significativa parte de um grupo ou sociedade,
relativamente a um determinado grupo de pessoas, no consideradando as diferenas
individuais de cada elemento que o integra. A mesma autora afirma ainda, que consiste
numa categorizao rgida e inflexvel que resume as caractersticas tidas como tpicas
de uma categoria de indivduos.
Vieira (2008) relaciona o esteretipo ao mecanismo psicolgico de mudana no qual os
sentimentos de hostilidade se projetam em bodes expiatrios, estes so muitas vezes
associados a grupos tnicos e desfavorecidos aos quais so atribudas as causas das suas
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prprias frustraes e incertezas vivenciadas. Allport (1954) acrescenta que como os
indivduos so incapazes de assumir a responsabilidade pelos seus desaires projetam-na
nos outros, que acabam por ser um alvo de agresso deslocada e contida. Assim, como
as pessoas no so capazes de agredir diretamente a fonte da sua frustrao, com origem
frequente em situaes de insegurao econmica, os grupos desfavorecidos ou
estigmatizados tornam-se um alvo sendo considerados como a origem dos problemas
que afetam essas pessoas, dando assim origem agresso deslocada perante a frustrao
(Vieira, 2008).
ETNIA
A Enciplopdia Larousse (1994) citada por Ferreira (2003) defende que este termo
designa um grupo humano que se reconhece num nome que lhe prprio, num mito de
ancestralidade comum, em memrias histricas partilhadas e em elementos culturais
coletivos (...).. Ferreira (2003) acrescenta ainda que os membros desse grupo
apresentam, na generalidade, traos anatmicos ou fisionmicos particulares como a cor
da pele ou a textura do cabelo.
ETNOCENTRISMO
Rocha-Trindade (1995) define este conceito como sendo o uso da prpria cultura como
referencial para o julgamento de modos de vida diferentes, ou seja, a tendncia para
avaliar uma cultura diferente comparando com os prprios padres culturais e prticas
sociais considerados superiores. A autora afirma ainda que aqueles que no pertencem
mesma cultura so encarados como estranhos, forasteiros, hostis e mesmo moral e
mentalmente inferiores.
GRUPO TNICO
Cardoso (1996) refere-se a este termo como sendo um conjunto de indivduos que, no
contexto de sistemas culturais alargados, se reconhecem e so perspetivados como
culturalmente diferentes, atendendo a elementos distintivos no visveis (lngua,
histria, religio) ou visveis (vesturio, caractersticas fsicas). Rocha-Trindade (1995)
sintetiza esta ideia afirmando que um grupo tnico aqueles cujos membros partilham a
conscincia de uma identidade cultural comum, separando-se de outros gurpos que
existam no mesmo contexto social. Rocha-Trindade (1995) menciona, tambm, que as
diferenas que este grupo apresenta face a uma maioria originam conotaes negativas
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baseadas em preconceito e esteretipos, construdos por essa mesma maioria,
conduzindo a tratamentos desiguais e discriminatrios.
MINORIA TNICA
Gillborn (1990) citado por Cardoso (1996) constata que este conceito alude a um grupo
tnico que se encontra numericamente numa posio minoritria sendo-lhe atribudo um
status menor/inferior em termos de poder e direitos no contexto da sociedade da
sociedade alargada. Estes grupos so alvo de uma discriminao por parte do grupo
maioritrio quanto ao acesso aos valores e bens estimveis duma sociedade.
PRECONCEITO
Segundo Cardoso (1996), preconceitos so opinies pr-concebidas pouco flexveis, na
sua generalidade, desfavorveis em relao a indivduos ou grupos. Estas opinies so
concebidas sem ateno aos factos, experincia ou informao adequados
formulao de juzos racionais que conduzem, frequentemente, ao tratamento desigual
desses indivduos ou grupos. Klineberg (1968, in Vieira 2008) afirma que o preconceito
implica sempre um valor positivo ou negativo, uma atitude favorvel ou contrria, uma
componente afectiva ou um sentimento que se resulta na transposio dos juzos ou
sentimentos para uma determinada ao que ir consequentemente reflectir a aceitao
ou rejeio dos outros.
Giddens (1993, in Vieira 2008) acrescenta que as ideias pr-concebidas relativamente a
um indivduo ou grupo so mais frequentemente baseadas em boatos do que em
evidncias diretas. De acordo com o mesmo autor, estas ideias so bastante resistentes
mudana mesmo quando confrontadas com novas informaes.
Desta forma, possvel estabelecer uma forte relao entre o conceito de preconceito e
de esteretipo j que a formulao deste tem origem na existncia do primeiro e vice-
versa, no entanto importante ressalvar que nem sempre os traos estereotipados
associados a um determinado grupo correspondem a atitudes negativas em relao ao
mesmo.
RAA
O conceito de raa um dos termos mais discutidos nas ltimas dcadas. Inicialmente
foi promovida pela antropologia fsica clssica que as diferenciava com base na cor da
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pele, na forma craniana e na textura do cabelo. Generalizou-se, ento, a ideia da
existncia de trs raas principais: brancos (caucaside), amarelos (mongolide), e
negros (negride). Foi, no entanto, a psicologia que formulou a hiptese da ligao
entre estas caractersticas fsicas e as diferentes aptides e capacidades dos indivduos.
Atravs de instrumentos como os testes relativos ao Quociente de Inteligncia
demonstrou-se uma alegada superioridade intelectual dos brancos. Estas ideias
comearam a ser incorporadas no senso comum consolidando-se a ideia da existncia de
fundamentao cientfica para a existncia de preconceitos, racismo e disciminao
contra grupos considerados inferiores.As mudanas sociais e polticas que decorreram
nas dcadas de 40 e de 50 no sculo XX, como resultado da II Guerra Mundial e
Declarao Universal dos Direitos Humanadas, levaram a uma forte censura
relativamente diferenciao racial dos grupos humanos. Desta forma, as bases
cientficas para a superioridade da raa branca comearam progressivamente a ser
questionados e debatidos .(Vieira, 1995)
J na dcada seguinte, anos 60, a UNESCO, rejeitou as classificaes raciais e sugeriu a
utilizao da expresso grupos tnicos argumentando que esta consistia numa
expresso no racista e no discriminatria. Porm, esta mudana na numenclatura
utilizada no teve o efeito previsto na reduo do racismo, j que quer o preconceito,
quer o racismo, mantm-se como problemas graves nas sociedades contemporneas
(UNESCO, 1960/1973). Neste sentido, os estudos desenvolvidos por Vala, Brito &
Lopes, (1999) defendem que a designao grupos tnicos perpetua os processos de
inferiorizao das minorias j que houve a substituio do termo raa, que se
encontrava associado s diferenas genotpicas dos grupos humanos, pelo termo grupo
tnico, associado s diferenas culturais e comportamentais. O uso do termo grupo
tnico em detrimento de raa continua a fundamentar as ideias racistas pois a
diferenciao dos grupos sociais com base em diferenas culturais no viola a norma
social vigente anti-racista. Desta forma, os autores deste estudo, afirmam que a noo de
etnia, enquanto expresso politicamente correcta, veio substituir progressivamente o
conceito de raa mas, que, semelhana da anterior, continua a hierarquizar os grupos
sociais atribuindo um nvel superior a umas culturas e inferior a outras.
Rocha-Trindade (1995:376) embora afirme que atualmente se prefere a designao de
etnia, sintetisa o conceito de raa da seguinte forma: Classificao dos seres humanos
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com base nas suas caratersticas biolgicas, geneticamente herdadas e atribuda a uma
dada origem geogrfica ancestral.
RACISMO
Vala, Brito e Lopes (1999) consideram que o racismo corresponde a uma configurao
multidimensional, e tendencialmente articulada, de crenas e emoes negativas quanto
a um membro ou a todo um grupo, categorizado e objectivado como um grupo racial
a partir da cor. O racismo assim perspetivado como um processo de hierarquizao,
excluso e discriminao contra um indivduo ou toda uma categoria social que
identificada como diferente. Esta diferena identificada a partir de uma marca fsica
externa como, por exemplo, a cor de pele que associada a uma cultura especfica e a
comportamentos prprios. Desta forma, o racismo consiste numa associao das
diferenas culturais s diferenas biolgicas (Jahoda, 1999). Em sntese, de acordo com
Foster (1990) citado por Cardoso (1996), o racismo uma modalidade de discriminao
baseado em critrios raciais e/ou tnicos. Esta atitude expressa-se atravs de prticas
sociais que limitam as oportunidades dos indivduos, pertencentes a um grupo racial ou
tnico, de acederem a bens sociais e que so baseadas em, ou legitimadas, por crenas
de que esse grupo racial ou tnico, por inerncia, moral, cultural ou inteletualmente
inferior.
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2. SER PROFESSOR
O professor um profissional, que exerce uma funo remunerada no
sistema de ensino pblico ou privado. O professor um cidado, o que lhe
confere uma dimenso cvica e poltica incontornvel. O professor uma
pessoa com sentimentos, valores, preocupaes e emoes, pelo que a sua
dimenso humana, moral e afectiva no pode ser negligenciada. O professor
ainda um membro da organizao escolar e da comunidade educativa,
pelo que tem igualmente uma dimenso organizacional e associativa,
integrando uma cultura profissional especfica.
(Ponte, J., Janurio, C., Ferreira, I., & Cruz, I., 2000:5)
2.1. SER PROFESSOR HOJE
A escola atualmente o produto de modificaes polticas, sociais e econmicas
decorrentes da democratizao de Portugal com a Revoluo dos Cravos, a 25 de Abril
de 1974. A mais importante alterao verificada prende-se com a massificao e
democratizao do ensino desde essa data. O sistema de ensino portugus foi concebido
para um determinado grupo sociocultural que antes da Revoluo representava quase a
totalidade da popoluo portuguesa discente. A partir de 1974 a escola de elites abriu
portas a uma populao escolar com caractersticas hetergeneas num espao repleto de
descontinuidades e contradies (Arroteia, 1991; Corteso, 2000). Este o principal
desafio que a escola tem que enfrentar e para o qual tem de encontrar solues.
Num passado relativamente recente a identidade do professor definia-se pelo domnio
do saber compreendido nas disciplinas escolares, apresentando a imagem de portador
absoluto do saber e do poder desses conhecimentos que dominava.
Consequentemente, ao professor era devido respeito, considerao e obedincia, em
funo dos saberes e poderes que detinha, por parte dos seus discentes, todavia a
modificao do seu estatuto alterou esta situao diversificando os papes a
desempenhar e aumentando a exigncia no cumprimento da sua funo. Ensinar
apenas mais uma entre a multiplicidade de tarefas que um docente hoje em dia tem que
desempenhar. Assim, atualmente o trabalho dos professores multifacetado e exigente
tendo originado uma crise de identidade no seio da profisso. (Arroteia, 1991;
Roldo, 1998; Corteso, 2000).
As modificaes ocorreram a todos os nveis do sistema educativo e tiveram
repercusses relevantes ao nvel das funes dos diferentes elementos da comunidade
educativa, mormente a do professor. Como Estrela (2001) afirma as transformaes ao
nvel do sistema educativo e da escola exigem a construo de uma nova
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profissionalidade docente que no esteja apenas circunscrita sala de aula mas que
abranja a escola, todos os parceiros educativos, a comunidade envolvente, e que
implique o confronto entre teoria e prtica e o desejo de formao contnua.
Na sociedade ocidental moderna, que Estrela (2010) designa por sociedades de risco,
a presso exercida sobre estes profissionais para satisfazer expetativas sociais,
desempenhar funes diversificadas e progressivamente mais difceis, na opinio
desta autora irrealista, considerando esta uma profisso de risco e crescentemente
complexa e paradoxal. Perrenoud (2000) vai de encontro a esta ideia declarando que o
ofcio de professor caracteriza-se pela incerteza da deciso e pela urgncia na aco, o
que torna esta profisso muitas vezes quase impossvel pela imprevisibilidade da
natureza da sua abrangncia e pelas competncias que atualmente emergem na prtica
quotidiana.
Holly (2007) afirma que as tarefas que um professor desempenha hoje em dia exigem
uma srie de competncias como flexibilidade, maturidade psicolgica, criatividade e
complexidade cognitiva, pois este tem que considerar na sua atuao as caractersticas e
qualidades de desenvolvimento culturais das crianas, bem como as suas histrias de
vida e contextos sociais. Vieira (1999) enriquece esta ideia referindo que a atividade do
professor cognitiva, inteletual mas igualmente humana, comparando-a a um tcnico de
relaes humanas j que tem que existir empatia para comunicar e levar a aprender o
que se quer ensinar. Tambm Perrenoud (2001) refora esta ideia declarando que os
professores no possuem apenas saberes cientficos mas essencialmente competncias
profissionais. Estas no se restringem apenas aos contedos lecionados mas igualmente
quilo que o autor designa de fabricao da alma de pblicos heterogneos e
extremamente diversos.
Os professores tm tentado responder aos novos desafios que as transformaes nas
sociedades acarretam para o sistema educativo ficando muitas vezes divididos entre o
ser professor e o sentido da escola ou dos objectivos da educao escolar,
originando um profissional que se v, assim, obrigado a multiplicar-se em diferentes
papis, funes e identidades tentanto assim consubstanciar o novo paradigma de escola
e de espao educativo (Teodoro, 2006; Corteso, 2000; Jesus, 2000; Roldo 1998).
J em 1999 o famoso Relatrio Delors alertava para a exigncia excessiva para com o
professor. Para alm das suas funes na rea da educao e formao dos jovens -lhe
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solicitado que oriente os seus alunos no sentido da aprendizagem com gosto, empenho,
esforo, rigor e ateno. No mesmo Relatrio sublinhada a importncia do papel do
professor como agente de transformao, encarregue de um leque de funes cada vez
mais amplo e diversificado, essenciais para o sculo XXI.
2.2. A ESCOLHA
Cada indivduo tem razes ntrinsecas e extrnsecas para a escolha da sua profisso
futura, que variam de importncia consoante a especificidade de cada percurso de vida.
Como fatores de atraco para a carreira docente so referidos em diferentes estudos
(Lortie, 1975; OCDE, 1987; Observatoire Des Enseignalfts, 1987 cit. por Curado,
1992):
- Fatores econmicos condies salariais, progresso na carreira.
- Fatores sociais condies de trabalho, possibilidade de gesto do tempo livre, frias,
proporcionar uma continuidade cultural, estatuto social do ensino, importncia atribuida
Educaao
- Fatores psicolgicos aspeto vocacional da profisso, desejo de contactar com jovens,
prestar servios a outrm, sensao de poder e de autoridade, autonomia, segurana do
emprego
Como fatores dissuasivos para o exerccio da profisso so indicados a rotina, a faceta
repetitiva, a necessidade de manter a disciplina e o desgaste nervoso a ela inerente.
J no estudo de Huberman (1989) verificou-se que para uma parte dos professores o
interesse pela profisso apenas foi descoberto no exerccio da sua profisso, no sendo
uma escolha realizada no incio dos seus estudos superiores. De acordo com Prick
(1986, in Curado, 1992) existe uma diferena relevante consoante os gneros j que
mais pronunciado no gnero masculino a escolha devido ao grau acadmico obtido e
no por uma questo de vocao. As motivaes para os homems consistem sobretudo
em questes materiais vendo a profisso como meio de subsistncia e apresentando
condies de trabalho favorveis, no caso das mulheres estes fatores no so to
preponderantes. igualmente referido por Prick (1986, in Curado, 1992) que os
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professores das reas de cincias revelaram uma maior hesitao em escolher a
profisso de professor do que os docentes dos ramos literrios.
Estas informaes esto em consonncia com os resultados obtidos por Curado (1992),
Postic (1991, in Curado, 1992) e do Observatoire Des Enseignalfts (1987, in Curado,
1992) em que se conclu que mais de metade dos professores principiantes queriam ter
escolhido outra carreira, nomeadamente os das reas cientficas.
Azevedo (1991) apresentou um estudo relativo s expetativas profissionais dos jovens
no 9 ano de escolaridade, no qual se concluu que as profisses mais escolhidas foram
aquelas que possuiam um maior reconhecimento social tais como mdico, advogado,
engenheiro, economista e arquiteto. Nessa poca houve uma queda na preferncia por
profisses docentes ao que o investigador atribuu um decrscimo do reconhecimento
social dessa profisso.
2.3. FASES DA CARREIRA DOS PROFESSORES
Apesar de cada professor ser um indivduo tm sido feitas vrias tentativas para
delimitar as fases da carreira de um professor. O estudo mais citado na literatura o de
Huberman. Segundo este autor (in Novoa, 2007), o desenvolvimento de uma carreira
consiste num processo no sendo um acumular de acontecimentos. Esse processo
poder ser linear para alguns indivduos e descontnuos para outros sendo que cada
professor adopta posturas individualizadas na forma como perspetiva o seu
desenvolvimento profissional e o seu percurso na instituio escola. Huberman
pretendeu explicar a atuao do professor ao longo da sua vida de ensino. As fases
propostas so as seguintes:
- Entrada da carreira Esta fase ocorre, normalmente, durante os dois/trs primeiros
anos de servio. Subdivide-se em duas componentes diferentes que podem ser vividas
de forma combinada, com predomnio de uma delas ou ento alternadamente. A
designada por sobrevivncia relaciona-se com o choque com a realidade, ou seja, h
um confronto entre os seus ideais com a realidade quotidiana da sala de aula e da escola,
uma consciencializao da complexidade da profisso. Para tudo isso contribui a
fragmentao do seu trabalho e a dificuldade em conciliar simultaneamente a relao
pedaggica, demasiadadamente ntima ou distante, com a transmisso de
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conhecimentos. A outra denomina-se de descoberta, associando-se ao entusiasmo
inicial, explorao de novas situaes, exaltao por desempenhar um papel de
responsabilidade, tendo a sua sala de aula, os seus alunos e o seu programa, ou mesmo
por finalmente pertencer e se sentir colega de um determinado grupo profissional.
Segundo Garca (2005) ao referir-se obra de Huberman, esta experincia pode ser
vivenciada pelos professores de forma fcil ou difcil. Esta dicotomia caracterizada
por diferentes fatores. Os docentes que classificaram essa etapa como sendo fcil so
aqueles que mantinham relaes positivas com os discentes, que possuam um
considervel sentido de domnio do ensino e que tinham o entusiasmo inicial. Em
contraste, aqueles que caracterizaram esta fase como sendo difcil indicam como fatores
catalisadores uma carga docente excessiva, a ansiedade, as dificuldades com os alunos,
sentimentos de isolamento, entre outros.
- Estabilidade nesta fase que o professor alcana o sentimento de pertena a um
corpo profissional e a independncia. O docente assume a funo com confiana,
consciencializando-se da sua capacidade de gerir o processo de ensino-aprendizagem,
alcanando um sentimento de competncia pedaggica e de satisfao pelo trabalho
desenvolvido, concomitantemente com um gosto pelo ensino. De acordo com Garca
(2005) ao aludir obra de Huberman, a atuao do professor mais independente e este
sente-se bem integrado no seio profissional, mormente com os seus colegas, e comea a
pensar numa eventual promoo.
- Diversificao Durante este perodo verifica-se uma divergncia nos percursos
individuais da carreira dos docentes, o que conduz a uma poca de experimentao e de
diversificao. A primeira caracteriza-se por uma multiplicidade de experincias
pessoais nas quais se diversifica o material didtico, os modos de avaliao, a tipologia
de agrupamento dos alunos, a gesto do currculo, entre outros aspectos. Esta postura
experimentalista encontra agora o seu momento ideal pois antes da fase da estabilidade
o professor encontrava-se repleto de incertezas e inseguranas que restringiam as
oportunidades de diversificar a gesto das aulas e criavam uma tendncia de aplicar uma
certa rigidez pedaggica.
Garca (2005) relativamente ao estudo de Huberman, distingue nesta fase trs grupos de
professores. O primeiro no qual os docentes investem as suas energias para melhorar o
seu desempenho profissional, quer seja atravs da diversificao de mtodos de ensino,
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quer pela busca de estmulo profissional fora da classe. O segundo grupo diferencia-se
pelo seu esforo na procura de formao profissional atravs do desempenho de funes
administrativas. Por fim, o ltimo grupo caracteriza-se pela progressiva reduo dos
seus compromissos profissionais sendo que alguns chegam mesmo a abandonar a
docncia ou a assumir responsabilidades paralelas. Estes professores efectuam assim um
reenquadramento da sua carreira alternando entre um tnue sentimento de rotina e uma
crise existencial concernente ao prosseguimento na carreira.
Silkes referido por Huberman (1985, in Novoa, 2007) defende que o desejo de cada
docente em potenciar a sua prestao em sala de aula conduz a uma consciencializao
mais acentuada dos fatores institucionais que contrariam essa vontade. Assim, cresce
nos professores a vontade de tentar implementar reformas efectivas no sistema.
Considera- se por isso, que os docentes que se encontram nesta fase das suas carreiras
so aqueles que so mais motivados, mais dinmicos e mais empenhados quer nas
equipas pedaggicas quer nas comisses de reforma de cada instituio.
- Pr-se em questo Huberman (in Novoa, 2007) afirma que a fase anterior conduz
emergncia, num grande nmero de casos,ao questionamento pessoal sem, todavia,
existir uma efectiva conscincia do tipo de diversificao nem do que est a ser
questionado. Esta postura poder originar uma sensao de rotina, bem como uma crise
existencial relativamente prossecuo da carreira. O mesmo autor acrescenta ainda
que existe um grupo de pessoas que culminam nesta postura sem ter atravessado uma
fase de atividade inovadora significativa.
Porm, Huberman (in Novoa, 2007) alerta para o facto de esta ser uma fase com
inmeras facetas sendo portanto complicado fazer-lhe corresponder uma definio
redutora. A crise desencadeia-se por motivos diferentes consoante a pessoa. Enquanto
para alguns indivduos a monotonia da vida quotidiana, sem situao de sala de aula
que conduz ao questionamento, para outros o que despoleta esse sentimento o
desencanto, devido aos fracassos das experincias e das reformams estruturais nas quais
os professores se envolveram activamente.
Esta fase surge no contexto do meio da carreira, poca que decorre, geralmente, entre
os 35/50 anos ou entre o 15 e o 25 ano de ensino. Huberman (in Novoa, 2007) refere
vrios estudos empricos, como o de Prick (1986), o de Adams (1982), o de Sikes
(1985) e o Harmer (1979), em que os entrevistados afirmam que ponderam, ao fazer o
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29
balano da sua vida, seguir outras carreiras, embora alguns revelem um sentimento de
pnico nessa situao.
Assim, esta fase consiste numa reflexo sobre o percurso de vida, confrontando-o com
os objetivos e ideiais dos primeiros tempo. Esta reflexo conduz a uma encruzilhada na
qual os indivduos vem-se face a uma escolha, ou continuar o mesmo percurso ou optar
pela incerteza e insegurana de outro caminho.
- Serenidade e distanciamento afetivo Huberman (in Novoa, 2007) caracteriza esta
fase por uma diminuio na ambio profissional e subsequentemente no nvel de
investimento na carreira, concomitantemente com um aumento da confiana e
serenidade na sua ao. Esta postura o resultado dos indivduos sentirem que nada
mais h a provar quer a si prprio quer aos outros. Assim, reduz-se a distncia que
separa os objetivos do incio da carreira com aquilo que possvel conseguir at esse
momento, ou seja, as metas futuras so estabelecidas de forma menos ambiciosa.
- Conservantismo e Lamentaes Segundo Huberman (in Novoa, 2007), este perodo
marcado pelas lamentaes constantes relativamente ao sistema: so os alunos que so
mais indisciplinados, menos motivados e que apresentam uma atitude negativa para
com o processo de ensino-aprendizagem; a poltica educacional que fraca e no tem
um rumo definido; ou so os colegas mais novos que so menos srios ou empenhados.
- Desinvestimento De acordo com Huberman (in Novoa, 2007), esta fase representa
um desprendimento do final da carreira, durante o qual passam o testemunho aos mais
jovens e preparam a sua retirada da vida profissional. a altura em que as pessoas
passam a investir mais em si como indivduos e menos na componente profissional.
Garca (2005) no que concerne o estudo de Huberman, agrupa os docentes em grupos
distintos relativamente aos padres de reao face a esta etapa:
. Padro positivista Implica um interesse em especializar-se mais profundamente, uma
maior preocupao com a aprendizagem dos alunos e a realizao do seu trabalho com
os seus pares com quem estabeleceu uma melhor relao.
. Padro defensivo Bastante semelhante ao padro anterior, porm, os docentes
demonstram menos otimismo e uma atitude menos generosa face s experincias
pessoais.
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. Padro de desencantamento Estes indivduos esto cansados e desanimados
constituindo frequentemente uma barreira para a ao dos professores mais jovens.
Burke (1990, in Garca, 2005) refere que a evoluo do ciclo vital dos docentes no se
constitui como um processo unvoco. Este deve ser perspetivado atendendo a duas
dimenses distintas, a pessoal e a organizacional. A primeira relaciona-se com os
fatores do foro pessoal que influenciam os professores como as relaes familiares, as
crises pessoais, entre outros. A dimenso organizacional, por sua vez, influencia a
carreira docente atravs regulaes da profisso, os estilos de gesto, as expetativas
sociais, etc.
2.4. SER PROFESSOR DE UMA MINORIA TNICA
Em Portugal no existem estudos focados nos professores de minorias tnicas que
lecionam neste territrio. A informao mais concreta que possvel obter atravs da
D.G.E.E.C. (Direo-Geral de Estatsticas da Educao e Cincia, 2012) que na
publicao do Perfil do Docente apresenta dados referentes aos docentes segundo a sua
nacionalidade.
Conforme se pode observar no Grfico 1, a maioria dos professores estrangeiros a
lecionar em Portugal provm dos Pases Africanos de Lngua Oficial Portuguesa
(P.A.L.O.P.), nomeadamente Angola e Moambique, embora a diferena relativamente
Grfico 1 Distribuio dos docentes (%), segundo a nacionalidade (no portuguesa)
(2010/2011)
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31
s outras nacionalidades no seja significativa. Como a comunidade originria dos
P.A.L.O.P. foi durante um perodo prolongado de anos a maior comunidade de
imigrantes a residir em Portugal (Favilli et al 2004), seria expetvel que houvesse uma
diferena mais marcante. O facto de tal no acontecer poder estar relacionado com o
acesso naturalidade portuguesa no s aos imigrantes c residentes como igualmente
aos seus descendentes, o que poder significar que a existncia de professores de origem
africana, designadamente dos P.A.L.O.P. poder ser maior do que a que est aqui
registada.
tambm de salientar que existe uma elevada percentagem de franceses, ingleses e
alemes a lecionarem em Portugal. Existe uma categoria denominada de outros que
agregam outras nacionalidades no existindo porm uma discriminao relativamente
rea geogrfica desses docentes.
Se no nosso pas no se atribui grande importncia a este segmento do corpo docente, j
outros pases, como os anglfonos, tm realizado inmeros estudos no sentido de
perceber o percurso destes professores e a sua influncia, ou no, no sucesso escolar dos
alunos, frequentemente tambm originrios de uma minoria tnica.
Atravs do estudo The Teacher Status Project, cujos resultados foram publicados em
2007, conduzido por Mark Cunningham and Linda Hargreaves, foi concludo que, de
uma forma geral, a principal razo para a entrada na profisso de indivduos
provenientes de minorias tnicas a sua preocupao e a sua vontade de servir a sua
comunidade, consituindo-se esta como uma profisso respeitvel e desejvel. Foi ainda
salientado o desejo de ser tornar um exemplo para todos os alunos, particularmente os
de minorias tnicas, que poderiam estar em risco de insucesso escolar.
Hargreaves (2011) acrescenta ainda que os grupos que estudou tambm declararam ter
escolhido a profisso de docente no pelo seu estatuto social mas devido a razes
intrnsecas tais como; a melhoria do desempenho estudantil, o progresso no alcance da
igualdade de oportunidades para todas as crianas, tornar-se um modelo para todas as
crianas e para outros professores e influenciar aquilo que estes docentes entendem ser
um sistema mono-cultural que falha no reconhecimento e na assuno das histrias e
das identidades das crianas provenientes de minorias tnicas. Muitos destes professores
sentiram que a existncia de professores de minorias tnicas teria um grande impacto
nas expetativas e nas ambies dos jovens.
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32
Hargreaves (2011) mencionou igualmente que na sua obra The Teacher Status Project
verificou-se que, quer os docentes quer a opinio pblica, considerava que ser professor
j no era considerada uma profisso com um elevado estatuto social, apesar da
remunerao j no ser vista como o problema principal. Contudo, esta desvalorizao
social da profisso no desmotivou os indivduos a tornarem-se professores. A sua
motivao para ensinar era, frequentemente, uma ambio j antiga e que tinha sido,
algumas vezes, inspirada por um professor de uma minoria tnica. Nesse estudo foi
salientada a importncia de se ser um modelo a seguir, um exemplo, como professor,
para inspirar no apenas crianas mas tambm os professores brancos. Porm, Ross
(2002) alerta para o facto do desejo dos jovens provenientes de minorias tnicas de no
se tornarem professores residir nas suas prprias experincias no sistema educativo.
Osler (in Ross, 2002) relata que alguns jovens sentem que as experincias racistas que
eles tiveram na escola podem ser um impedimento para assumir uma funo na qual
eles prprios se tornaro parte do sistema. ainda acrescentado que estes jovens
pensam que se se tornarem professores iro ser racialmente assedidados pelos alunos.
Esta ideia reforada por Cunninghan & Hargreaves (2007) quando indicam que o
medo de uma potencial discriminao racista por parte de outros professores, pais e
comunidades locais resulta na no participao em oportunidades de recrutamento em
reas com pouca ou nenhuma proporo de habitantes de minorias tnicas. Foster (1990,
in Vieira, 2008) menciona mesmo que alguns professores Afro-Americanos
vivenciaram conflitos com os colegas, diretores e pais brancos, sendo a sua competncia
profissional questionada apenas atendendo sua raa.
Ross (2002) indica diversos argumentos no que concerne importncia da existncia de
professores de minorias tnicas. A maioria resulta de algumas caractersticas especficas
da natureza da ao educativa e da forma como o processo de ensino-aprendizagem est
institudo no sistema educativo:
- Considera-se que o processo de ensino-aprendizagem uma atividade formativa
conduzida atravs de uma variedade de processos, alguns dos quais so explcitos e
visveis e outros que so subtis, praticamente invisveis e fracamente compreendidos,
mesmo at pelos responsveis da ao educativa. Os vrios processos de ensino-
aprendizagem, possuem uma enorme variedade de significados para os jovens, que se
encontram num perodo das suas vidas fortemente formativo e marcante, desta forma, a
pessoa que conduz este processo uma parte fundamental do mesmo.
-
33
- A aprendizagem um processo social que decorre atravs das interaes entre o
professor e o aluno, e o aluno com o aluno. As pessoas que se tornam professoras tm
um papel crucial na determinao das relaes sociais no mbito das quais ocorre o
processo de ensino-aprendizagem, assumindo uma forte posio de autoridade,
confiana e poder. Quem ensina, bem como quem aprende, por isso fundamental para
todo este processo. No de forma leviana que uma sociedade determina quem que se
torna professor, j que essa escolha transmite uma mensagem importante para toda a
comunidade educativa, sobretudo para os alunos.
- O sistema de educao destinado a todas as crianas e jovens de forma contnua e
prolongada. Outros dos servios sociais dos quais usufruimos fazemo-lo de forma
ocasional e intermitente, j que, por exemplo, no pensamos vir a vivenciar o servio de
sade como o fazemos com o sistema educativo.
- O processo de ensino-aprendizagem decorre durante um longo perodo de tempo. No
obstante os conceitos referentes aprendizagem ao longo da vida, este um processo
que exige que os jovens se submetam a um perodo de pelo menos onze anos de ensino.
Assegurar que o corpo docente representativo, certificando-se que h suficientes
indivduos de minorias tnicas, pode ser visto como algo apenas simblico, porm os
quatro pontos indicados anteriormente tornam essencial a questo a quem se confia a
educao das crianas e jovens. Ter uma proporo representativa de minorias tnicas
no corpo docente crucial devido s suas caractersticas, sua ubiquidade, sua
perserverana, sua durao e importncia como atividade social. A maioria dos
professores de minorias tnicas sente a necessidade da existncia de uma maior
representao desses grupos na profisso de docente, quer para apoiar a aprendizagem
dos alunos mas igualmente para encorajar uma crescente participao no sistema
educativo pelas suas comunidades (Cunnignham, M., Hargreaves, L., 2007). Existem,
de acordo com Ross (2002), trs razes especficas para a necessidade de recrutar mais
professores de minorias tnicas.
Em primeiro lugar, a profisso de professor tem que ser capaz de refletir o espectro
global das tradies sociais e culturais e sistemas na sua prtica profissional coletiva.
Cada um dos professores carrega consigo para o seu local de trabalho um conjunto de
normas culturais e expetativas. Os bons professores so reflexivos e conscientemente
auto-crticos no que respeita a esta questo, todavia nenhum de ns conseque
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reconhecer todos os costumes culturais e socias que carregamos connosco.
fundamental que esta profisso de uma forma global consiga corresponder ao leque
variado de culturas e diferenas sociais que a nossa sociedade contm. As sociedades
atuais tm uma populao diversificada e consequentemente uma grande multiplicidade
de costumes, culturas, lnguas, religies e crenas. O sistema educacional necessita de
uma equipa de profissionais que consigam abranger toda esta diversidade quer na sua
prtica pedaggica explcita quer nos seus comportamento e atitudes subconscientes.
Quer o currculo formal quer o oculto devem ser trabalhados num sentido que reflita a
variedade das prticas sociais na nossa sociedades, o que determina que esta profisso
seja plena e concretamente enquadrada nessa multiplicidade de culturas e etnicidades
existentes na sociedade. Com essa diversidade de professores ser possivel aspirarmos a
proporcionar um sistema educativo que de uma forma subtil faa com que cada
indivduo sinta que a sua cultura reconhecida e valorizada, capacitando-o como
estudante (Ross, 2002). Os professores de minorias tnicas consideram que os requisitos
do currculo nacional limitam a sua capacidade de apoiar a aprendizagem dos alunos de
minorias tnicas comprometendo as suas competncias profissionais. Foi igualmente
referido que a relutncia de alguns professores em considerarem as necessidades de uma
populao crescentemente diversificada comprometeu o significado cultural e social das
suas comunidades. A maioria dos professores de minorias tnicas considerou que a sua
disponibilidade para pesquisar e compreender as diferenas sociais e culturais dos
alunos de minorias tnicas e a capacidade de adaptao do processo de ensino-
aprendizagem de acordo com essas diferenas um ponto central no seu
profissionalismo. Isto permite-lhes desenvolver um currculo que responda s
necessidades e motivaes destes alunos, na condio de que este currculo fosse
flexvel suficiente para permitir tais adaptaes. Contudo, alguns sentiram que os
responsveis das escolas subjugaram o seu profissionalismo s disposies inflexveis e
intransigentes do currculo nacional, ao ponto de alguns professores recorrerem a
mtodos subterfugiosos para transmitirem conhecimentos culturalmente relevantes para
os seus alunos. Estes professores ressentiram-se da responsabilidade de ensinar o que
eles consideravam ser um currculo nacional monocultural que julgava as outras
culturas de forma depreciativa para toda a diversidade de alunos (Cunnignham, M.,
Hargreaves, L., 2007).
-
35
Em segundo lugar, o racismo e a xenofobia, individual ou institucional, continua a ser
uma das maiores questes da sociedade contempornea. O racismo na escola tem que
ser explcita e fortemente confrontado, sobretudo porque este um momento fulcral na
vida das crianas e dos jovens, durante o qual se verifica o desenvolvimento e o
estabelecimento do sistema individual de valores. nesta fase do seu desenvolvimento
que possvel interromper e desafiar o crescimento desse tipo de crenas e atitudes.
Outro aspeto a considerar consiste nos seus efeitos quer nas comunidades minoritrias
quer nas maioritrias, j que nas primeiras enquanto estudantes sero marginalizados e
sentir-se-o incapazes de prosseguir o seu percurso, resultando num imenso desperdcio
econmico e social. Os grupos maioritrios desenvolvero atitudes de intolerncia e
incapacidade de valorizar a diversidade. Combater comportamentos discriminatrios
importante em salas de aula e escolas, mas o racismo no sempre explcito, bvio ou
at mesmo intencional. Apesar do racismo ser, muito justificadamente, uma
preocupao relevante para todos os docente algumas das sutilezas do comportamento e
prtica e racista sero mais bvios e mais facilmente identificveis por professores que
tm alguma experincia de ter sido alvo desse gnero de atitudes. Os professores da
comunidade maioritria, embora possam estar bem intencionados, ter sido devidamente
treinados e ser experientes em trabalho anti-racista, ainda lhes ser difcil reconhecer e
tomar conscincia de muitas das formas de xenofobia, chauvinismo e racismo existentes
na sociedade.
Por fim, Ross (2002) acrescenta que so nessrios exemplos, modelos, inspiradores para
os alunos, particularmente para os provenientes de minorias tnicas. Estas esto
geralmente fracamente representadas nos lugares de autoridade e prestgio na nossa
sociedade. Existe claramente uma necessidade de existirem mais assistentes sociais,
polcias, polticos, contabilistas, empresrios, entre outros de minorias tnicas. Contudo,
os professores esto inseridos numa categoria especfica, eles so a nica face da
sociedade civil que todas as crianas iro conhecer, todos os dias durante todo processo
de educao formal. Deste modo, fulcral que esta face representativa do poder
sovial seja vista como representando explicitamente toda a nossa sociedade, neste
ponto que a incluso essencial. A presena de professores oriundos de todos os grupos
tnicos da nossa sociedade, bem como de todas as classes sociais, orientaes sexuais,
entre outros aspetos, significar que todos os alunos, qualquer que seja o grupo de onde
seja proveniente, reconhecero que os membros das minorias tm tanto poder e
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prestgio como qualquer cidado. Acrescente-se, ainda, que os alunos provenientes dos
grupos minoritrios consciencializaro-se de que eles tambm podero ter expetativas
de almejar excelncia, estima e autoridade.
Ross (2002) alude tambm ao papel que os professores de minorias tnicas
desempenham nas escolas devido sua origem. Estes so frequentemente chamados
para lidar com os pais ou com as crianas de minorias tnicas, sendo que afirmam sentir
que o seu papel legitimar as decises da instiuio ou a ao de colegas pertencentes
comunidade maioritria, a qual se suspeita possa ter origem discriminatria. -lhes
tambm pedido que sirvam de tradutores nas reunies de pais de uma forma exploradora
e simblica.
curioso que no estudo de Rasekoala (1997, in Vieira, 2008) foi revelado que quando
inquiridos alunos brancos, negros e asiticos sobre professores seus (igualmente
brancos, negros e asiticos), os trs grupos escolheram unanimemente os professores
negros em primeiro lugar. Ao terem que justificar a sua opo surgiram trs aspetos em
comum:
- Os professores negros so os mais rigorosos mas o trabalho feito.
- Os professores negros so vistoscomo os mais justos e sem serem influenciados pela
raa, gnero e, sobretudo, pelas capacidades acadmicas. Com um professor negro
qualquer aluno tem oportunidade, mesmo sendo pouco inteligente.
- Os professores negros so vistos como os mais preocupados. Se tu ests a ser
agredido no corredor, alguns professores brancos passam e no fazem nada, mas um
professor negro envolver-se- sempre e por fim situao (ob.cit; 26).
Sprinthall & Sprinthall (1993) acrescem ainda que legtimo que quando o professor
pertence a uma minoria se verifique o estabelecimento imediato de uma relao positiva
com um aluno que tenha a mesma origem. Estes autores afirmam que a estes
professores ser mais fcil compreender as necessidades emocionais e motivacionais
dos estudantes provenientes de minorias, o que no significa que a aceitao seja
automtica, sobretudo por parte daqueles que apesar de pertencerem a minorias tm um
antecedente diferente do do docente. Ocasionalmente, sobretudo com adolescentes,
possvel perceber certas insinuaes de que o sucesso educacional do professor foi uma
esmola e que este sucumbiu ao domnio da comunidade maioritria. Esta postura tende
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a desaparecer rapidamente quando as qualidades humanas e a preocupao do professor
para com os discentes se tornam evidentes. Assim, um professor de minoria tnica tem
uma vantagem relativamente relao pedaggica com os alunos tambm oriundos de
uma minoria, comparativamente a um professor pertencente maioria. Porm, enfrenta
desafios bem mais difceis ao ter de lidar com os preconceitos dos seus pares, dos
encarregados de educao e da sociedade de uma forma geral.
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3. SER ALUNO DE UMA MINORIA TNICA
Em Portugal nas mais recentes publicaes do Ministrio de Educao, nomeadamente
as do Gabinete de Estatstica e Planeamento da Educao, no existem dados concretos
referentes nacionalidade ou grupo cultural dos alunos inscritos no sistema educativo.
necessrio recuar ao ano letivo de 2003 / 2004 para poder analisar dados referentes a
essa informao. importante esclarecer que por grupo cultural / nacionalidade deve
entender-se o conjunto dos alunos de nacionalidade estrangeira ou de nacionalidade
portuguesa cujos ascendentes pertenam a um determinado grupo
cultural/nacionalidade (GIASE, 2006). No ano letivo referido, existiam cerca de
60 756 alunos pertencentes a essa categoria. A nacionalidade mais representada era a
angolana, seguida da cabo-verdiana e em terceiro lugar a etnia cigana. Como era
expetvel existe uma abundante representao dos alunos provenientes dos P.A.L.O.P..
Quadro 1 Alunos Matriculados no Ensino Bsico segundo o grupo cultural / nacionalidade em 2003/2004
Fonte: G.I.A.S.E., 2005
Quadro 1 (cont.) Alunos Matriculados no Ensino Bsico segundo o grupo cultural / nacionalidade em 2003/2004
Fonte: G.I.A.S.E., 2005
Como Cardoso (1996) afiana, as estatsticas relativas ao insucesso escolar,
nomeadamente a concernente repetncia e abandonos escolares, confirmam que as
minorias tnicas esto numa situao desvantajosa no sistema educativo. Tambm Bruto
Total Etnia Cigana Angola Cabo-Verde Guin-Bissau Moambique So Tom e Prncipe Brasil Timor
1 Ciclo 35154 7216 5471 5558 1974 672 1211 3579 89
2 Ciclo 11818 857 2159 1855 864 227 473 1375 22
3 Ciclo 13784 217 2564 1887 932 334 516 1804 37
Total 60756 8290 10194 9300 3770 1233 2200 6758 148
Moldvia Romnia Rssia Ucrnia India / Paquisto China Unio Europeia Outras nacionalidades
1 Ciclo 514 510 270 1267 509 450 3217 2647
2 Ciclo 176 163 114 364 142 211 1611 1205
3 Ciclo 185 166 145 463 152 223 2290 1869
Total 875 839 529 2094 803 884 7118 5721
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da Costa e Pimenta (1991), referem que apesar de j terem nascido em Portugal os
filhos de imigrantes apresentavam taxas de insucesso escolar mais elevadas e em
contrapartida menos oportunidades futuras de integrao quer na sociedade quer no
mercado de trabalho. Batalha (in Gis, 2008) exemplifica o caso dos jovens
descendentes de famlias caboverdianas, os quais vivem, maioritariamente em bairros
sociais e tm elevadas taxas de desistncia e reprovao no ensino bsico. Muitos
abandonam o sistema educativo antes de terem concludo o 9 ano e por terem
ultrapassado a idade limite para o fazer no regime normal. So escassos aqueles que
voltam escola na tentativa de o completar no ensino noturno.
Um meio scioeconmico desfavorecido influencia negativamente os processos de
ensino-aprendizagem das crianas. Em sociedade etnicamente heterogneas, problemas
como salrios baixos, desemprego, clandestinidade, falta de assistncia mdia-social,
habitaes precrias afectam particularmente famlias pertencentes minorias tnicas
(Cardoso, 1996). Cardoso (1996) afirma ainda que os docentes ao sobrevalorizarem as
condies sociais desses alunos poder influenci-los a adoptarem atitudes de
desistncia ou de demisso do seu dever de proporcionar a todos os discentes igualdade
de oportunidades para o sucesso educativo.
O percurso escolar dos alunos oriundos de minorias tnica logo partida mais difcil e
desvantajoso do que dos alunos pertencentes cultura dominante. Estes usufruem de um
trajeto de vida cujos modelos e sistemas esto feitos sua medida quanto aos objetivos,
contedos, metodologias de ensino, processos de avaliao e estilos de ensino e de
aprendizagem. Quer na escola, quer no mercado de trabalho, tudo veiculado atravs da
sua lngua e no contexto da sua cultura, privilegiando os conhecimentos, as
competncias, os valores e as atitudes da sua comunidade. Em oposio, aos alunos de
minorias tnicas -lhes exigido que seja bilingues e biculturais para poderem usufruir
das mesmas oportunidades escolares que os restantes e possam obter sucesso educativo
(Cardoso, 1996).
3.1. A FAMLIA
Durante milhares de anos a socializao das crianas era uma responsabilidade e funo
das famlias. Porm, devido s mudanas na sociedade essa realidade tem vindo a
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modificar-se, so disso reflexo as novas estruturas familiares e as crescentes exigncias
do mercado de trabalho que retira aos pais o tempo necessrio para acompanharem os
seus filhos.
A famlia tem um papel de relevo na evoluo de uma criana. no seio familiar que
esta comea a vivenciar as primeiras experincias, apropriando-se de um conjunto
variado de normas e formando um sistema estruturado de relaes durveis. A
socializao primria da criana realizada no contexto social e cultural do meio
familiar (Cosme & Trindade, 2002). Bernstein (in Cosme & Trindade, 2002) defendeu
que ao entrar na escola criana ir passar por um processo de descontextualizao e
recontextualizao, to mais acentuado quanto maiores forem as assimetrias entre a casa
e a escola, quanto mais a cultura da famlia se distanciar da cultura dominante, quanto
mais restritos os cdigos lingusticos familiares e mais complexos os cdigos
lingusticos da escola. Bronfenbrenner (1987, in Cosme & Trindade, 2002) acrescenta
que devido importncia destes dois contextos, o familiar e o escolar, para o
desenvolvimento de um indivduo que to fulcral que entre eles no existam barreiras
intransponveis, sendo essencial que comuniquem entre si e que desenvolvam uma
relao de conhecimento, compreenso, respeito, proximidade e valorizao mtua. Se
esta relao se concretizar as crianas podero usufruir de uma transio tranquila de
um contexto para o outro, desempenhando, logicamente, diferentes papis que no se
contradizem mas que se articulam entre si (Cosme & Trindade, 2002).
Vrios estudos tm demonstrado que as vantagens do envolvimento dos pais no
desenvolvimento da criana e no seu sucesso escolar e social. Ao envolverem-se os pais
esto a contribuir para a integrao escolar dos seus filhos, impulsionando o seu
rendimento escolar concomitantemente com uma progressiva valorizao da escola.
Assim, as crianas sentem-se mais icentivadas e apoiadas o que ir influenciar
positivamente as suas perspectivas de escolarizao, bem como as expetativas dos
professores relativamente a estes alunos (Cosme & Trindade, 2002). tambm
essencial para a escola conhecer o ambiente familiar, designadamente tudo o que possa
afectar o desenvolvimento normal da criana, tal como as separaes dos pais, as
doenas e os dramas, para que os professores possam realizar os ajustes necessrios.
Ser impossvel perceber os sucessos ou insucessos escolares dos alunos sem termos
concincia do seu ambiente familiar, no qual continua a ser desenvolvida a sua
personalidade e o seu sistema de valores (Almeida, 2005).
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A par com estes benefcios tm sido tambm indicados os efeitos negativos das
descontinuidades entre a famlia e a escola, sobretudo nas famlias oriundas do meios
sociais mais desfavorecidos e que utilizam cdigos lingusticos mais distantes da cultura
dominante, valorizado e reproduzida pela escola (Cosme & Trindade, 2002). Stephen
Stoer (1993, in Silva, 2003:65) afirma que () a escola concebida de forma a servir
o aluno que corporiza as caractersticas da criana-tipo que frequenta o sistema
educativo. E o aluno assim concebido ser uma criana portuguesa, branca, de classe
mdia, oriunda de meios urbanos e que professa a religio catlica, assim a escola
acaba por reproduzir as desigualdades escolares e sociais existentes na sociedade. Henry
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