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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E LINGUÍSTICA
FACULDADE DE LETRAS - FALE
MARAÍSA ESPÍNDOLA DE CASTRO
AQUISIÇÃO DO ONSET COMPLEXO NO DESENVOLVIMENTO FONOLÓGICO
TÍPICO EM CRIANÇAS ENTRE 2;6 E 5;11 DE IDADE, ESTUDANTES DE UMA
CRECHE-ESCOLA MUNICIPAL PÚBLICA DE MACEIÓ-AL
MACEIÓ
2015
MARAÍSA ESPÍNDOLA DE CASTRO
AQUISIÇÃO DO ONSET COMPLEXO NO DESENVOLVIMENTO FONOLÓGICO
TÍPICO EM CRIANÇAS ENTRE 2;6 E 5;11 DE IDADE, ESTUDANTES DE UMA
CRECHE-ESCOLA MUNICIPAL PÚBLICA DE MACEIÓ-AL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Alagoas como requisito final para obtenção do grau de Mestre em Linguística.
Orientador: Prof. Dr. Miguel Oliveira Jr.
Co-orientadora: Profa. Dra. Luzia Miscow da
Cruz Payão
MACEIÓ
2015
Catalogação na fonte Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecário Responsável: Valter dos Santos Andrade
C355a Castro, Maraísa Espíndola de.
Aquisição do onset complexo no desenvolvimento fonológico típico em
crianças entre 2;6 e 5;11 de idade, estudantes de uma creche-escola municipal
de Maceió-AL / Maraísa Espíndola de Castro. – 2015.
99 f. : il.
Orientador: Miguel José Alves de Oliveira Junior.
Coorientadora: Luzia Miscow da Cruz Payão.
Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade Federal de Alagoas.
Faculdade de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística.
Maceió, 2015.
Bibliografia: f. 84-89.
Anexos: f. 90-99.
1. Aquisição fonológica. 2. Onset complexo. 3. Sílaba. 4. Segmento.
I. Título.
CDU:81’344
Aos meus pais, meus maiores
incentivadores, pelo amor incondicional e por
sempre confiarem e acreditarem em mim.
AGRADECIMENTOS
A Deus que me guia e me protege, iluminando meus caminhos e minha vida.
Ao Prof. Miguel Oliveira Jr., pelas orientações desde o projeto inicial de pesquisa para
a seleção de mestrado, sempre atento e prestativo; pelos conhecimentos partilhados
em suas aulas e no grupo de estudos FONUFAL; e pelo incentivo, compreensão e
confiança em mim depositada.
À Profa. Luzia Payão, que desde a iniciação científica na UNCISAL me orienta e me
incentiva em meus estudos, pela dedicada orientação nesta pesquisa. Por me ensinar
não só sobre as teorias, mas também a sua importância para a prática
fonoaudiológica, contribuindo para que eu me tornasse uma melhor profissional.
À Profa. Januacele Francisca da Costa, pela leitura atenta e observações desde o
projeto inicial deste estudo, quando me acolheu no Grupo de Estudos em Fonética e
Fonologia. E pelas importantes sugestões na qualificação que contribuíram para o
aprimoramento deste trabalho.
À Profa. Gabriela Silveira Sóstenes, que compôs a banca de defesa final da
dissertação, pelas importantes observações que ajudaram no refinamento do trabalho.
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística (PPGLL) da Faculdade de
Letras da Universidade Federal de Alagoas, pela oportunidade e pelo apoio para
desenvolver este estudo. Aos professores do programa, pela dedicação e
conhecimentos compartilhados. E aos funcionários da secretária do PPGLL, sempre
prestativos.
À equipe escolar da Creche-Escola Mestre Izaldino: ao diretor Pedro, à vice-diretora
Norma, à coordenadora Cínthia, às professoras e auxiliares de sala, pela colaboração,
sendo todos tão atenciosos durante o período de coleta dos dados.
Às crianças, e seus responsáveis, que possibilitaram a realização desta pesquisa.
Ao Grupo de Estudos FONUFAL, pelo precioso aprendizado com todos os textos
apresentados e importantes sugestões em minhas apresentações.
Ao meu marido, Tiago, pelo companheirismo, apoio, paciência e compreensão,
principalmente durante a fase final de escrita da dissertação. Agradeço por todo amor
e cuidado, tornando esse período mais leve.
Às queridas amigas Ana, Aline, Ayane, Fábia, Jeylla e Priscila, sempre atenciosas e
dispostas a ajudar, pelos conhecimentos compartilhados, amizade e apoio.
Ao Musiliyu, por ser tão prestativo ajudando na redação do abstract.
Ao Prof. Lucyo Carvalho, pela importante ajuda nas análises estatísticas desta
pesquisa.
À Irainê Almeida, pela escuta atenta e conselhos preciosos.
A todos os meus colegas do PPGLL, pela parceria e trocas de conhecimentos.
Às minhas amigas de graduação, pelo incentivo e pela torcida.
À minha irmã, Mariana, pela amizade, apoio e por torcer sempre pelo meu sucesso.
À minha família, em especial meus pais Nilce e Gilvan, por toda torcida, ajuda e
incentivo.
RESUMO
Este estudo tem como objetivo a descrição e análise da aquisição do onset complexo por crianças com desenvolvimento fonológico típico entre 2;6 e 5;11 de idade, estudantes de uma creche-escola municipal pública de Maceió-AL. Denomina-se como onset complexo ou ramificado o constituinte silábico que apresenta dois elementos na posição de onset – uma obstruinte na primeira consoante, seguida de consoante líquida. A análise dos dados foi embasada na teoria da Geometria de Traços de Clements e Hume (1995), em Clements (2005) e na Teoria da Sílaba (SELKIRK, 1984). Foram incluídas 40 crianças matriculadas nos anos letivos de 2013 e 2014. Os dados foram coletados por meio da avaliação com o Teste de Linguagem Infantil – ABFW (WERTZNER, 2004) e fala espontânea. Em seguida, foi realizada análise estatística inferencial dos dados, sendo analisada a influência dos ambientes fonológicos na produção do onset complexo e os processos fonológicos. Constatou-se aquisição tardia do onset complexo, na faixa etária de 5;0-5;11, tanto para sílabas
compostas de obstruinte + /l/ como de obstruinte + //. Quanto às variáveis
influenciadoras na produção da sílaba CCV, foi constatada significância apenas na relação entre tonicidade e a produção-alvo do onset complexo com a líquida não-lateral. Em relação à prevalência dos processos fonológicos, constatou-se uma maior ocorrência do processo fonológico de simplificação para C1V. Na comparação entre as faixas etárias, observou-se uma gradual diminuição da ocorrência de processos fonológicos, até a estabilização do sistema fonológico das crianças na faixa etária de 5;0-5;11. As análises dos processos fonológicos e ambientes favoráveis realizadas fornecem informações importantes sobre a aquisição do onset complexo, auxiliando na seleção do léxico para avaliação e tratamento em casos de desenvolvimento atípico, contribuindo para elaboração e implementação de uma terapia mais efetiva.
Palavras-chave: Aquisição fonológica. Onset complexo. Sílaba. Segmento.
ABSTRACT
This study aims at describing and analyzing the phonological acquisition of complex onset in children with typical phonological development with age ranges from 2;6 (2 years 6 months) to 5;11 (5 years 11 months), who are students of a public primary school in Maceió, Alagoas. The complex onset or branching onset is the syllabic constituent which has two elements in the onset position – an obstruent in the first consonant followed by a liquid consonant. The data analysis was based on the Feature Geometry Theory of Clements & Hume (1995), in Clements (2005) and on the Syllable Theory (SELKIRK, 1984). A total of 40 children, enrolled in the 2013 and 2014 academic years, participated in this research. The data were collected through an assessment with the Child Language Test – ABFW (WERTZNER, 2004) and spontaneous speech. Then, a statistical analysis of the data was conducted by analyzing the influence of phonological environments in complex onset production and the phonological processes. It was observed a late acquisition of complex onset, with children aged from 5;0 to 5;11, in both syllable with obstruent + /l/ and obstruent with
//. With respect to influencing variables in the production of CCV syllable, significance
was noticed only in the relation between tonicity and the target production of complex onset with non-lateral liquid. In relation to the phonological processes prevalence, it was observed that the most frequent phonological process was the simplification for C1V. Comparing the age groups, there was a gradual decrease in the occurrence of phonological processes, until stabilization of the phonological system of children aged from 5;0 to 5; 11. The analyses of phonological processes and favorable environments conducted provide important information about the acquisition of complex onset, helping in lexicon selection to evaluation and treatment in cases of atypical development, and to development and implementation of a more effective therapy.
Keywords: Phonological Acquisition. Complex Onset. Syllable. Segment.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Hierarquia de nós e traços segundo Clements e Hume (1995). ............... 22
Figura 2 - Representação geométrica das consoantes. ............................................ 23
Figura 3 - Representação geométrica das vocoides. ................................................ 24
Figura 4 - Representação dos traços de raiz............................................................. 26
Figura 5 - Representação do nó vocálico, segundo Clements e Hume (1995). ........ 27
Figura 6 - Estrutura da sílaba hierarquizada (SELKIRK, 1982). ................................ 31
Figura 7 - Convenção de matrizes de traços dos constituintes para exemplo de uma
sílaba [flawns] do inglês (Selkirk, 1982). ................................................................... 31
Figura 8 - Índice de sonoridade proposto por Selkirk (1984). .................................... 34
Figura 9 - Escala de sonoridade proposta por Clements (1990). ‘O” é obstruinte, ‘N’ é
nasal, ‘L’ é líquida, ‘G’ é glide e ‘V’ vogal. ................................................................. 34
Figura 10 - Escala de sonoridade proposta por Bonet e Mascaró (1996). ................ 35
Figura 11 - Representação da relação entre os elementos prosódicos. ................... 36
Figura 12 - Representação da grade métrica de Halle e Vergnaud (1987). .............. 37
Figura 13 - Tipos de pés métricos segundo Hayes (1995). ....................................... 38
Figura 14 - Valores percentuais de produções-alvo em cada faixa etária nos dois
grupos de onset complexo estudados. ...................................................................... 59
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Escala de sonoridade proposto por Clements e Hume (1995, p. 269). ... 25
Quadro 2 - Escala de Robustez de traços de consoantes, proposta por Clements
(2005). ....................................................................................................................... 29
Quadro 3 - Descrição dos sujeitos avaliados com as informações de sexo e idade. 48
Quadro 4 - Vocabulário obtido por meio da avaliação de nomeação e imitação do teste
realizado. ................................................................................................................... 50
Quadro 5 - Vocabulário obtido por meio da avaliação de fala espontânea (o número
em parênteses corresponde ao N de cada palavra). ................................................. 51
Quadro 6 - Processos fonológicos envolvendo o onset complexo analisados. ......... 53
Quadro 7 - Variáveis e variantes encontradas para o onset complexo com a líquida
lateral /l/ e com a não-lateral //. ............................................................................... 62
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do
onset complexo (OC) nas diferentes faixas etárias. .................................................. 56
Tabela 2 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do
onset complexo (OC) com a líquida lateral nas diferentes faixas etárias. ................. 56
Tabela 3 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do
onset complexo (OC) com a líquida não-lateral nas diferentes faixas etárias. .......... 58
Tabela 4 - Relação entre os diferentes ambientes e as produções-alvo e produções
com processos fonológicos na aquisição dos grupos de onset complexo com a líquida
lateral. ....................................................................................................................... 63
Tabela 5 - Relação entre os diferentes ambientes e as produções-alvo e produções
com processos fonológicos na aquisição dos grupos de onset complexo com a líquida
não-lateral. ................................................................................................................ 65
Tabela 6 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo nas
diferentes faixas etárias analisadas. ......................................................................... 68
Tabela 7 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo
(OC) com a líquida lateral nas diferentes faixas etárias analisadas. ......................... 69
Tabela 8 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo
(OC) com a líquida não-lateral nas diferentes faixas etárias analisadas. .................. 70
Tabela 9 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do
onset complexo nos sexos masculino e feminino. ..................................................... 76
Tabela 10 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do
onset complexo nas diferentes faixas etárias nos dados de fala espontânea. .......... 77
Tabela 11 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do
onset complexo relacionando as faixas etárias de 2;6-2;11 e 3;0-3;11 nos dados de
fala espontânea. ........................................................................................................ 78
Tabela 12 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do
onset complexo relacionando as faixas etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11 nos dados de
fala espontânea. ........................................................................................................ 78
Tabela 13 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do
onset complexo relacionando as faixas etárias de 4;0-4;11 e 5;0-5;11 nos dados de
fala espontânea. ........................................................................................................ 79
Tabela 14 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo na
faixa etária de 2;6 a 2;11. .......................................................................................... 80
LISTA DE ABREVIATURAS
C - consoante
C1 - consoante que ocupa a primeira posição da sílaba CCV
C1V - sílaba CCV reduzida para CV composta de obstruinte + vogal
C2 - consoante que ocupa a segunda posição da sílaba CCV
C2V - sílaba CCV composta por líquida + vogal
CCV - consoante / consoante / vogal
CV - consoante / vogal
CVC - consoante / vogal / consoante
CVCV - consoante / vogal / consoante / vogal
FL - Faculdade da Linguagem
GU - Gramática Universal
MICT - Modelo Implicacional de Complexidade dos Traços
OC - onset complexo
PB - português brasileiro
S - sujeito
VC - vogal / consoante
IPA - International Phonetic Alphabet (Alfabeto Fonético Internacional)
LISTA DE SÍMBOLOS FONÉTICOS
[p] - oclusiva bilabial surda [b] - oclusiva bilabial sonora
[t] - oclusiva alveolar surda [d] - oclusiva alveolar sonora
[k] - oclusiva velar surda [g] - oclusiva vela sonora
[f] - fricativa labiodental surda [v] - fricativa labiodental sonora
[s] - fricativa alveolar surda [z] - fricativa alveolar sonora
[S] - fricativa palatal surda [Z] - fricativa palatal sonora
[h] - fricativa glotal surda [m] - nasal bilabial sonora
[n] - nasal alveolar sonora [ˉ] - nasal palatal sonora
[l] - lateral alveolar sonora [¥] - lateral palatal sonora
[] - vibrante simples alveolar [r] - vibrante múltipla alveolar
[x] - vibrante velar [j] - semivogal palatal
[w] - semivogal bilabial [i] - vogal anterior alta oral
[ĩ] - vogal anterior alta nasal [u] - vogal posterior alta oral
[ũ] - vogal posterior alta nasal [e] - vogal anterior média alta oral
[ẽ] - vogal anterior média alta nasal [o] - vogal posterior média alta oral
[õ] - vogal posterior média alta nasal [ɛ] - vogal anterior média baixa oral
[ç] - vogal posterior média baixa oral [a] - vogal central baixa oral
[ã] - vogal central baixa nasal [ ] - transcrição fonética
/ / - transcrição fonológica ʹ - sílaba acentuada (tônica)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 16
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 20
1.1 Os fonemas ................................................................................................. 20
1.1.1 Traços de consoantes .................................................................................. 25
1.1.1.1 Nó de raiz ..................................................................................................... 25
1.1.1.2 Nó laríngeo ................................................................................................... 26
1.1.1.3 Nó de cavidade oral ...................................................................................... 26
1.1.1.4 Nó de ponto .................................................................................................. 26
1.1.2 Traços de vogais .......................................................................................... 27
1.2 Teoria da sílaba........................................................................................... 30
1.2.1 Princípio de sequência de sonoridade .......................................................... 32
1.3 Teoria métrica ............................................................................................. 36
1.4 Aquisição da linguagem ............................................................................ 39
1.4.1 Aquisição fonológica ..................................................................................... 40
1.4.1.1 Aquisição do Onset Complexo ..................................................................... 41
2 METODOLOGIA........................................................................................... 47
2.1 Sujeitos da pesquisa .................................................................................. 47
2.2 Coleta dos dados ........................................................................................ 49
2.3 Instrumentos e procedimentos de descrição e análise .......................... 52
2.4 Variáveis analisadas ................................................................................... 52
3 ANÁLISE DOS DADOS – AQUISIÇÃO DO ONSET SOB A
INTERPRETAÇÃO DAS TEORIAS FONOLÓGICAS .............................................. 55
3.1 Análise dos dados coletados com o Teste de Linguagem Infantil ABFW
– Parte A: Fonologia – Provas de Imitação e Nomeação (WERTZNER, 2004) ... 55
3.1.1 Ambientes favoráveis à produção-alvo do onset complexo .......................... 60
3.1.2 Análise dos processos fonológicos observados na aquisição do onset
complexo ................................................................................................................... 67
3.2 Análise dos dados coletados por meio de fala espontânea ................... 76
3.3 Subsídios fonológicos para a prática clínica fonoaudiológica .............. 80
CONCLUSÕES ............................................................................................ 82
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 85
ANEXOS ...................................................................................................... 91
Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ....................... 92
Anexo B - Protocolo de anamnese ............................................................ 95
Anexo C - Parte A: Fonologia do Teste de Linguagem Infantil – ABFW –
Protocolo de registro – Imitação ............................................................................ 97
Anexo D - Parte A: Fonologia do Teste de Linguagem Infantil – ABFW –
Protocolo de registro – Nomeação ........................................................................ 98
Anexo E - Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial ..................... 99
16
INTRODUÇÃO
No presente estudo, será analisada a aquisição do onset complexo em crianças
com desenvolvimento fonológico típico. A aquisição fonológica considerada típica é
definida como aquela em que o domínio do sistema fonológico da língua-alvo é
atingido espontaneamente, em uma sequência comum à maior parte das crianças e
dentro de uma determinada faixa etária, que se estende, aproximadamente, dos 4;0
até, maximamente, os 6;0 (LAMPRECHT, 2004, p. 195).
O onset complexo caracteriza-se por ser um constituinte silábico que apresenta
duas consoantes na posição de início de sílaba, formando uma estrutura CCV –
Consoante-Consoante-Vogal. Em português, os grupos de onset complexos são
formados por uma obstruinte na primeira consoante, podendo ser /p, b, t, d, k, g, f, v/,
seguida da consoante líquida, que pode ser /l, /. Porém existem restrições para
essas combinações, pois a fonotática, ou seja, a distribuição dos segmentos nas
estruturas silábicas, na língua portuguesa do Brasil (doravante PB) não permite que
algumas associações de obstruinte + líquida ocorram. Além disso, algumas
combinações são encontradas em número reduzido de palavras. Esse fato que resulta
em uma diminuição ou mesmo falta de input1, dificulta a aquisição desses onsets. No
capítulo 1, a noção onset complexo será tratada mais detalhadamente.
Adotou-se neste trabalho a visão gerativista, segundo a qual o contato com
uma língua natural dispara o dispositivo inato da Faculdade da Linguagem (FL) capaz
de processar a aquisição da língua materna. A FL dá acesso à Gramática Universal
(GU), que corresponde ao estado inicial pré-linguístico da criança. A GU se constitui,
segundo a Teoria de Princípios e Parâmetros, em um conjunto de princípios que
caracteriza as gramáticas possíveis, a partir das quais são fixados parâmetros que
vão determinar as gramáticas particulares (CHOMSKY, 1981, p. 4-7).
Segundo Lamprecht (2004), a construção do sistema fonológico se processa
em etapas de forma similar para todas as crianças. Porém, dentro dessas etapas e
das características gerais do desenvolvimento fonológico pode-se verificar a
existência de variações individuais entre as crianças, tanto no que diz respeito à idade
de aquisição, como em relação aos processos fonológicos utilizados.
1 O input refere-se a toda fala percebida pela criança, seja dirigida a ela própria ou a terceiros (LAMPRECHT, 2004).
17
Matzenauer (2004) afirma que, apesar dessas diferenças individuais, em uma
mesma comunidade linguística, crianças muito diferentes e com experiências diversas
chegam a possuir gramáticas comparáveis e até praticamente idênticas.
A criança, durante o percurso de seu desenvolvimento fonológico, vai,
gradativamente, desenvolvendo suas habilidades cognitivas e fonoarticulatórias e, a
partir do input do falante adulto, realiza diferentes ajustes, organizando o seu sistema
fonológico a fim de atingir as palavras-alvo. Porém, se a palavra-alvo não coincidir
com formas mais simples que a criança já domina, como, por exemplo, a estrutura
silábica CV (consoante + vogal), ela provavelmente tenderá a evitá-la ou simplificá-la,
tentando ajustar as sequências de sons-alvo ao inventário que ela já possui. Essas
tentativas, que podem afetar uma classe ou sequência de sons são chamadas de
processos fonológicos e são observadas de forma sistemática na fala das crianças.
Alguns processos fonológicos fornecem evidências que apontam para a
representação subjacente do onset complexo existente na mente da criança, apesar
dessa sequência silábica ainda não ser evidenciada em sua fala. Esse fato pode ser
observado em um exemplo dos dados do presente estudo, no qual uma criança, ainda
não tendo adquirido o onset complexo, ao tentar produzir a palavra cruz, ao invés de
realizar uma simplificação da sílaba complexa para C1V, realiza o processo de
epêntese [kuʹuis]. Para alguns pesquisadores (RAMOS-PEREIRA, HENRICH e
RIBAS, 2010; MEZZOMO et al., 2012), esse processo já seria um indício de que a
criança possui esse constituinte silábico em sua representação mental.
Quanto à complexidade silábica, Lamprecht (2004) afirma que a estrutura CV
caracteriza-se por ser predominante no português, sendo considerada não-marcada
por estar presente em todas as línguas do mundo e por ser de emergência mais
precoce no processo de aquisição de diferentes sistemas linguísticos, a partir do input
fornecido. Por isso, observa-se a tendência da criança em simplificar o onset
complexo para uma estrutura mais simples no processo de aquisição da estrutura
silábica.
Segundo Ribas (2002), a razão desse constituinte silábico ser adquirida mais
tardiamente que os demais, pode residir na dificuldade articulatória que a sequência
de consoantes sem vogal interveniente oferece. No entanto, independente de existir
essa dificuldade, o onset complexo é adquirido por crianças com desenvolvimento
fonológico típico. Aquelas que não conseguem adquirir espontaneamente essa
18
estrutura silábica apresentam uma lacuna no seu sistema fonológico, caracterizando
um desenvolvimento atípico. Assim, além do caráter articulatório, deve existir uma
explicação baseada na fonologia que justifique essa aquisição tardia do onset
complexo. Assim, ressalta-se a importância de se realizar estudos em aquisição
fonológica, considerando-se as teorias fonológicas para a compreensão da natureza
dos desenvolvimentos fonológicos típicos.
Esta pesquisa tem como objetivo a descrição e análise da aquisição do onset
complexo por crianças com desenvolvimento fonológico típico entre 2;6 e 5;11 de
idade, estudantes de uma creche-escola municipal pública de Maceió-AL. Foi
realizada análise estatística inferencial dos dados, observando-se a influência dos
ambientes linguísticos na produção deste constituinte da estrutura silábica. Também
foram analisados os processos fonológicos presentes na fala das crianças, buscando-
se explicar as motivações fonológicas.
O interesse em estudar o onset complexo partiu da observação da aquisição
da estrutura silábica CCV por crianças com desenvolvimento fonológico típico, em
estudos na área de aquisição fonológica do PB (RIBAS, 2002; QUEIROGA et al.,
2011; BAESSO et al., 2012; MEZZOMO et al., 2012), além das evidências de
dificuldades de produção por crianças que apresentam aquisição atípica na prática
clínica fonoaudiológica.
A relevância desta pesquisa reside, portanto, na possibilidade de ampliar os
conhecimentos linguísticos sobre os aspectos relacionados com a aquisição do onset
complexo no desenvolvimento fonológico típico em crianças falantes do PB em
Maceió, fornecendo, além disso, subsídios para o diagnóstico e a atuação clínica
fonoaudiológica, como refere Ribas (2006).
Além disso, estudos em aquisição fonológica das estruturas silábicas, em
especial de sílabas com onset complexo, têm sido realizados a partir de dados do
português falado na região sul/sudeste do país. Na região nordeste pesquisas que
abordam o onset complexo ainda são restritas. Os dados de fala de crianças
residentes em Maceió da atual pesquisa irão contribuir para a diversificação das
discussões sobre a aquisição do onset complexo em diferentes dialetos do PB.
No Capítulo 1 são apresentados os modelos teóricos que norteiam esse
trabalho: a Geometria de Traços, a Teoria da Sílaba e a Teoria Métrica, além de ser
apresentado um levantamento bibliográfico de estudos relacionados com a aquisição
fonológica com enfoque no onset complexo e suas peculiaridades. O Capítulo 2
19
apresenta a metodologia usada no presente estudo, descrevendo os sujeitos
investigados, as variáveis, o método de coleta e a análise estatística. No Capítulo 3
são apresentados os resultados e uma discussão sobre esses achados, confrontando
esses dados com outros estudos em aquisição fonológica com crianças com
desenvolvimento típico no Brasil. Por fim, são apontadas as considerações finais.
20
1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para identificar e caracterizar um desenvolvimento fonológico típico em uma
criança é preciso tanto verificar o inventário fonético que produz numa determinada
idade, como analisar o tipo de simplificação que ela faz quando comparado ao sistema
fonológico do adulto. Essa descrição comparativa dos padrões usados pela criança
pode ser feita seguindo-se vários modelos linguísticos, tanto os modelos lineares
(estruturais e gerativos clássicos) como não lineares (Fonologia Autossegmental,
Fonologia Lexical, Fonologia Métrica).
Neste capítulo serão apresentados os modelos teóricos que norteiam o
presente estudo, descrevendo-se a natureza dos fonemas e os traços distintivos que
os constituem e a organização dos fonemas para a formação e complexidade das
sílabas, especificamente, na constituição do onset complexo na aquisição fonológica
do PB, objeto de análise nesta pesquisa.
1.1 Os fonemas
Clements e Hume (1995) afirmam que tem sido amplamente aceito que as
unidades básicas da representação fonológica não são os segmentos e sim os traços,
os membros de um conjunto pequeno de categorias elementares que se combinam
de diversas formas para formar os sons da linguagem humana. Embora traços sejam
normalmente interpretados como entidades psicológicas, eles são definidos em
termos de padrões específicos de realizações acústica e articulatória que fornecem a
ligação crucial entre a representação cognitiva da fala e sua manifestação física
(CLEMENTS e HUME, 1995, p. 245)
O estudo dos traços oferece explicações para muitas generalizações no
domínio da aquisição de linguagem, distúrbios da linguagem e mudança histórica,
entre outras. A teoria de traços tem emergido como um dos maiores resultados da
ciência linguística deste século e tem fornecido forte confirmação da visão de que as
línguas não variam sem limite, mas refletem um padrão geral único, o qual é enraizado
nas capacidades físicas e cognitivas da espécie humana (CLEMENTS e HUME, 1995,
p. 245).
21
Matzenauer (2009, p. 51) também ressalta a relevância da análise de traços
distintivos, considerando esta basilar para desvendar-se a constituição de inventários
de consoantes no processo de aquisição.
As teorias lineares, que consideram os segmentos simplesmente como uma
coluna de traços, trouxeram diversos argumentos ao seu favor. Clements e Hume
(1995) citam o fato de serem conceitualmente simples, matematicamente tratáveis, e
imporem poderosos contrastes de modo que os traços possam ser organizados em
representações. Porém, apesar de suas vantagens, os modelos lineares têm duas
importantes inadequações. Primeiro, nesses modelos, todos os traços que definem
um fonema encontram-se em uma relação bijectiva, na qual cada valor de traço
caracteriza apenas um fonema e cada fonema é caracterizado por apenas um valor
de cada categoria. A segunda inadequação se deve à afirmação de que grupos de
traços não têm uma estrutura interna. Ou seja, os traços não são agrupados em
conjuntos maiores.
Tais problemas levaram ao desenvolvimento de teorias alternativas, os
modelos não-lineares. Dentre esses modelos, o de maior influência foi a teoria da
fonologia autossegmental, desenvolvida na década de 70 e início dos anos 80. Ao
contrário das teorias lineares, a Teoria Autossegmental pressupõe que os traços
podem se estender aquém ou além de um segmento.
A Teoria Autossegmental – com base na proposta inicial de Goldsmith (1976)
referentemente ao tom – caracteriza-se por tratar os traços fonológicos como
autossegmentos, ou seja, como unidades cujo domínio pode ser maior ou menor que
um segmento. Além disso, a representação desses segmentos é feita em diferentes
camadas ou tiers, dispostos em diferentes planos (CLEMENTS e HUME, 1995).
Dentre os modelos teóricos recentes que podem ser aplicados na aquisição
fonológica, destaca-se a contribuição da Geometria de Traços de Clements e Hume
(1995). Essa teoria, que se baseia nos pressupostos da fonologia autossegmental,
representou um acréscimo particular aos modelos fonológicos anteriores, ao defender
a existência de uma hierarquia entre os traços que integram a estrutura interna dos
segmentos. Ela tem como propriedades gerais: (a) valores de traços são arranjados
em camadas separadas, onde podem obter relações não-bijectivas (não-lineares) uns
com os outros; (b) traços são ao mesmo tempo organizados em arranjos hierárquicos,
nos quais cada constituinte pode funcionar como uma unidade única em regras
fonológicas.
22
Na Geometria de Traços, os segmentos são representados em uma
configuração de nós hierarquicamente organizados, na qual os nós terminais são
valores de traços e os nós intermediários representam os constituintes. Os nós
terminais são situados em diferentes camadas, permitindo expressar a sobreposição
de traços, como um padrão da fonologia autossegmental, numa estrutura arbórea,
como pode ser observado abaixo:
Fonte: Clements e Hume (1995, p. 249)
Nessa configuração hierárquica, todos os ramos da estrutura arbórea emanam
do nó superior (A), que corresponde ao próprio segmento. O nível logo abaixo
corresponde aos nós de classe (B, C, D, E), que incluem o nó laríngeo, nó de ponto,
entre outros, os quais dominam agrupamento de traços (a, b, c, d, e, f, g) e que podem
exercer funções isoladamente ou em classes naturais nas regras fonológicas.
A abordagem da Geometria de Traços tem como um de seus princípios
básicos: “as regras fonológicas desempenham apenas operações únicas”
(CLEMENTS e HUME, 1995). Esse princípio prevê, por exemplo, observando-se o
diagrama acima, que uma regra pode atingir os traços (d), (e), (f), (g), realizando uma
única operação no constituinte (C). Entretanto, nenhum processo pode atingir os nós
(c), (d), (e) em uma única operação, já que esses nós não formam um constituinte.
Isso significa, então, que apenas os conjuntos de traços que formam constituintes, ou
seja, que estejam ligados ao mesmo nó, poderão operar juntos em regras fonológicas.
Figura 1 - Hierarquia de nós e traços segundo Clements e Hume (1995).
23
Um segundo princípio prediz que: “a organização de traços é universalmente
determinada”, ou seja, é invariável em todas as línguas.
Clements e Hume (1995, p. 266-293) propuseram uma forma de distribuição de
traços em nós de classe para expressar a organização de consoantes e vogais
(Figuras 2 e 3), com as seguintes características: segmentação independente de
partes dos sons, interdependência e sobreposição dinâmica das constrições no trato
vocal, representadas pela organização interna dos traços distintivos.
Fonte: Clementes e Hume (1995, p. 292)
Figura 2 - Representação geométrica das consoantes.
24
Fonte: Clementes e Hume (1995, p. 292)
A partir da configuração da Geometria de Traços, pode ser explicada a
naturalidade dos processos fonológicos, ou seja: ao mostrar que uma determinada
regra fonológica pode ser usada em um dado conjunto de traços para a exclusão de
outros, podemos assumir que os conjuntos de traços sob um mesmo nó de classe
formam um constituinte na hierarquia de traços. Abaixo serão apresentados os nós
constituintes dessa hierarquia e os traços pertencentes a esses nós.
Figura 3 - Representação geométrica das vocoides.
25
1.1.1 Traços de consoantes
Os traços de consoantes representam, por meio de uma estrutura hierárquica,
os segmentos consonantais. Os nós constituintes dessa hierarquia são: o nó de raiz,
nó laríngeo, nó de cavidade oral e nó de ponto. Esses nós e seus respectivos traços
serão descritos detalhadamente abaixo.
1.1.1.1 Nó de raiz
O nó de raiz, dominando todos os traços, expressa a coerência do segmento
“melódico” como uma unidade fonológica (Clements e Hume, 1995, p. 268). É
atribuído um status especial ao nó de raiz, pois ele domina todos os outros traços e é
constituído pelos traços maiores [soante], [aproximante] e [vocoide]. A unidade desses
traços deriva de seu papel de dividir os segmentos em classes, de acordo com o valor
de sonoridade de cada classe: obstruintes, nasais, líquidas e vogais. A partir desses
traços uma escala de sonoridade dessas classes de segmentos é proposta em função
dos valores positivos de traços. No Quadro 1 a seguir estão classificados os graus de
sonoridade das classes segmentais conforme os traços distintivos constituintes:
Quadro 1 - Escala de sonoridade proposto por Clements e Hume (1995, p. 269).
[soante] [aproximante] [vocóide] Escala de
sonoridade
Obstruinte - - - 0
Nasal + - - 1
Líquida + + - 2
Vocoide + + + 3
Fonte: Clements e Hume (1995)
Essa classificação de sonoridade só é determinada pela ação conjunta dos três
traços do nó de raiz, os quais nunca podem espraiar ou desligar-se isoladamente.
Portanto, temos na Figura 4 a representação do nó de raiz:
26
Fonte: Clements e Hume (1995)
1.1.1.2 Nó laríngeo
O nó laríngeo tem como característica o fato dos traços laringais funcionarem
como uma unidade, não podendo espraiar-se ou desligar-se sozinhos. Os traços que
estão sob o domínio do nó laríngeo são: [glote constrita], [glote não-constrita],
[vozeamento] – traços equivalentes a [±aspirado], [±glotalizado] e [±vozeado].
1.1.1.3 Nó de cavidade oral
O nó de cavidade oral encontra-se em uma posição intermediária entre o nó de
ponto e o nó de raiz. Esse nó corresponde à noção articulatória de “constrição da
cavidade oral”, caracterizando-se como uma unidade funcional na fonologia, ao
determinar esse grau de constrição.
Liga-se ao nó de cavidade oral, o nó ponto de C e o traço [±contínuo], o qual
representa os segmentos que possuem ou não uma oclusão central no trato vocal.
Esse traço é responsável pela distinção entre as obstruintes, caracterizando as
plosivas com o traço [-contínuo] e as fricativas com o traço [+contínuo].
1.1.1.4 Nó de ponto
Os traços do nó de ponto determinam o ponto no trato vocal onde ocorre a
articulação dos segmentos. Esse nó funciona como uma unidade única, podendo, por
exemplo, espraiar-se independente dos traços dos demais nós. O nó de ponto é
formado pelos traços [labial], [coronal] e [dorsal]. O traço [coronal] engloba ainda os
traços dependentes [±anterior] e [±distribuído]. Os traços pertencentes ao nó de ponto
Figura 4 - Representação dos traços de raiz.
27
independem de traços que determinam o grau de abertura do trato vocal, como
[contínuo], [vocoide] e [soante].
1.1.2 Traços de vogais
Clements e Hume (1995) propõe uma representação unificada para as
consoantes e vocoides, sendo classificadas pelo mesmo conjunto de traços. Os
autores consideram dois parâmetros como característicos da constrição de qualquer
segmento produzido no trato oral: o grau da constrição e o lugar da constrição. As
vogais podem ser geometricamente representadas como podemos observar na Figura
5 abaixo:
Fonte: Clementes e Hume (1995, p. 277)
Com base nos articuladores utilizados para a realização dos segmentos
vocálicos, os traços de ponto das vogais estabelecem uma correspondência com os
traços de ponto de consoantes: [labial], que envolve os lábios como articulador ativo,
sendo representado pelas consoantes labiais e vogais arredondadas ou labializadas;
[coronal], o qual envolve a frente da língua como articulador ativo, incluído as
consoantes coronais e vogais frontais; e [dorsal], que envolve o corpo da língua como
articulador ativo, representado pelas consoantes dorsais e vogais posteriores. Esses
traços vocálicos funcionam como uma unidade, formando classes naturais.
Figura 5 - Representação do nó vocálico, segundo Clements e Hume (1995).
28
Já o nó de abertura, que pode ser observado na Figura 5, considera o grau
aproximado de constrição, dominando os traços referentes à altura da vogal.
Diferentemente de outros modelos, como o de Chomsky e Halle (1968) que definiram
esse traço das vogais binariamente ([±alto], [±baixo]), a Geometria de Traços usa
apenas o traço [aberto]. Este, por sua vez, é caracterizado por um sistema de alturas,
também hierarquicamente organizado em camadas.
Na perspectiva da geometria de traços, Mota (1996) elaborou um modelo
visando representar as relações existentes entre os traços marcados na aquisição de
complexidade segmental das consoantes do PB, denominado Modelo Implicacional
de Complexidade dos Traços (MICT). Essa proposta explica a variabilidade existente
entre os sistemas fonológicos em desenvolvimento (MOTA, 2001; BARBERENA,
KESKE-SOARES e MOTA, 2008).
Payão (2004) observa que no MICT é possível observar a variabilidade e a
complexidade gradual dos sistemas fonológicos em desenvolvimento das diversas
crianças, atendendo às peculiaridades individuais nas etapas da aquisição fonológica.
Embora essa variabilidade seja possível, ela se restringe aos limites impostos pelas
relações implicacionais, de dependência e hierarquia, entre os traços distintivos.
Clements (2005) apresentou uma gama de evidências de que os traços
distintivos desempenham um papel central na estruturação de inventários fonológicos
contrastivos. O autor defende cinco princípios que atendem a essas evidências:
a) Limite de Traços
b) Economia de Traços
c) Evitação de Traços Marcados
d) Robustez
e) Reforço Fonológico
Esses princípios interagem para predizer amplas propriedades dos sistemas de
sons, tais como simetria e a tendência dos sons de se dispersarem no espaço auditivo.
Os autores sugerem que essas propriedades gerais dos sistemas de sons devem
encontrar uma explicação na natureza da aquisição da linguagem.
Matzenauer (2009) analisou inventários fonológicos de crianças com desvio
fonológico com base na proposta teórica apresentada por Clements (2005). A autora
toma como basilar em sua análise o Princípio da Robustez, defendendo que esse
princípio pode ser determinante no processo de aquisição da fonologia considerado
29
atípico, pois prevê que alguns contrastes são altamente favorecidos em inventários
fonológicos, outros são menos favorecidos e outros são desfavorecidos.
Pelo Princípio da Robustez, Clements (2005) propõe uma hierarquia na qual as
oposições estabelecidas pelos traços que ocupam posição mais alta na geometria de
traços são mais favorecidas nos inventários fonológicos do que aquelas estabelecidas
pelos traços em posição mais baixa na hierarquia, como dispostas no Quadro 2, sendo
que os contrastes mais baixos na lista tendem a estar presentes em um inventário
somente se os contrastes mais altos também estiverem.
Quadro 2 - Escala de Robustez de traços de consoantes, proposta por Clements (2005).
Fonte: Clements e Hume (2005, p. 31)
Juntamente com o Princípio da Robustez, opera o Princípio da Evitação da
Marcação, já que os níveis mais altos da Escala apresentam também a propriedade
de implicarem coocorrências de traços não-marcados, ou seja, com menor
complexidade.
Serão adotados, na análise dos dados do presente estudo, os modelos teóricos
de Clements e Hume (1995) e Clements (2005), para explicar os aspectos segmentais
dos constituintes do onset complexo.
a) [±soante]
[labial]
[coronal]
[dorsal]
b) [±contínuo]
[±anterior]
c) [±voz]
[±nasal]
d) [glotal]
e) Outros
30
1.2 Teoria da sílaba
A fonologia é a organização de um número limitado de sons em sequências
fonotáticas possíveis, ou seja, é um conjunto de segmentos consonantais e vocálicos
que podem se combinar em um número finito de possibilidades, originando as sílabas,
que, por sua vez, reunidas, formarão palavras (RIBAS, 2009).
Para Cristófaro Silva (2011), a sílaba é uma unidade que agrega segmentos
consonantais e vocálicos, considerada unidade de análise importante na Fonologia
Autossegmental, na Fonologia Métrica e na Fonologia Prosódica. Bisol (2014) afirma
que a sílaba é a menor categoria prosódica, constituída por uma cabeça, que em
português é sempre uma vogal – o elemento de maior sonoridade – e os seus
dominados que a cercam, os segmentos consonantais e os glides.
Blevins (1995) define a sílaba como a unidade fonológica que organiza melodia
segmental em termos de sequências de sonoridade; os segmentos silábicos são
equivalentes a picos de sonoridade dentro dessas unidades organizacionais.
É possível separar duas correntes teóricas a respeito da sílaba, em função do
entendimento que têm sobre a organização da sua estrutura e aplicação de regras.
Há modelos que pressupõem uma estrutura plana como organização interna da
sílaba, em que a relação dos elementos se dá de modo linear; e outros em que essa
estrutura é, a partir de um modelo métrico, organizada hierarquicamente e a relação
entre os elementos é distinta em função de unidades menores que a sílaba.
(COLLISCHONN, 2014; RIBAS, 2009).
A sílaba, nesta última visão, consiste em um onset (O) e uma rima (R), sendo
que esta divide-se em núcleo (Nu) e coda (Co) (SELKIRK, 1982), como pode ser
observado na Figura 6 a seguir. Esse será o modelo adotado neste estudo.
31
Fonte: Selkirk (1982)
Selkirk (1982) afirma que os constituintes internos da sílaba são caracterizados
como um complexo de traços distintivos. Dessa forma, determinados traços distintivos
podem ocupar um dado nó da estrutura silábica e assim há possibilidade de que
algumas regras fonológicas não operem em uma matriz de traços particular, mas em
traços de constituintes de nós (RIBAS, 2002). Essa relação pode ser observada na
Figura 7.
Fonte: Ribas (2006)
Observa-se uma visão hierárquica da sílaba, de acordo com a qual a autora
estabelece a ligação entre vogais e consoantes na organização esqueletal silábica.
Há a inter-relação entre a estrutura autossegmental, disposta em camadas
hierárquicas e a estrutura silábica interna, que também se encontra numa disposição
hierárquica. A partir da inter-relação entre segmentos e estrutura silábica, que inclui
Figura 6 - Estrutura da sílaba hierarquizada (SELKIRK, 1982).
Figura 7 - Convenção de matrizes de traços dos constituintes para exemplo de
uma sílaba [flawns] do inglês (Selkirk, 1982).
32
aspectos fonotáticos e a aplicação de regras fonológicas, estabelecem-se as
condições de boa formação no nível das representações de palavras (PAYÃO, 2010).
Bisol (1999) explica que estrutura silábica e silabificação configuram duas
instruções diferentes, sendo que a primeira respeita os Princípios de Composição da
Sílaba Básica (PCSB), enquanto a silabificação atua a partir de princípios gerais,
universais. Assim, a representação subjacente da estrutura silábica contém, além dos
fonemas, um registro sobre o molde silábico e as condições específicas da língua,
referentes ao onset e à coda. A partir daí atuarão os princípios universais ao nível da
silabificação. Collischonn (2014) elenca os princípios que norteiam a formação da
sílaba:
(i) toda sílaba tem um núcleo;
(ii) a sequência CV é silabada como tautossilábica;
(iii) todo segmento realizado deve pertencer a uma sílaba;
(iv) a sequência de segmentos no onset e na coda deve obedecer ao Princípio de
Sequência de Sonoridade.
Existem duas formas de distinguir as sílabas em uma palavra: a abordagem de
regras e a abordagem de condições. A primeira considera que a silabação de uma
sequência de segmentos é feita por meio de regras de criação de estrutura silábica:
regras de formação do núcleo, regras de formação do ataque (ou onset), regras de
formação da coda. Essas regras são ordenadas entre si na seguinte ordem: núcleo –
ataque – coda. Já a segunda considera a silabação um processo automático que
obedece a determinadas condições, não ordenadas. As condições podem ser
paramétricas, ou seja, determinadas possibilidades nas quais cada língua faz sua
escolha, como, por exemplo, o molde silábico de cada língua; e universais, as quais
são as mesmas para todas as línguas. Uma das condições universais é a Sequência
de Sonoridade (COLLISCHONN, 2014).
1.2.1 Princípio de sequência de sonoridade
Praticamente todas as teorias que trabalham com a sílaba concordam que elas
seguem algum princípio de sonoridade regendo a organização interna dos seus
constituintes.
33
A sonoridade é uma característica da produção dos segmentos, ou seja, a base
do conceito vem da observação de como os sons são produzidos, em termos de
abertura/constrição, o que se reflete no nível fonológico de organização dos
segmentos. Elementos produzidos com grande sonoridade são aqueles em que a
emissão sonora se dá com livre fluxo do ar, sem encontrar constrição no trato vocal.
Por isso, as vogais são os elementos com maior grau de sonoridade e as obstruintes
aqueles com menor grau (RIBAS, 2002).
A escala de sonoridade tem um papel importante na estrutura silábica porque
se pode correlacionar a sonoridade relativa de um segmento com a posição que ele
ocupa no interior da sílaba. O elemento mais sonoro sempre ocupará o núcleo da
sílaba, ao passo que os elementos menos sonoros ocuparão as margens (onset e
coda). E quando há sequências de elementos dentro do ataque ou da coda, estas
apresentam sonoridade crescente em direção ao núcleo. (COLLISCHONN, 2014).
O Princípio de Sonoridade é regido em função do traço [±soante] e possui a
seguinte condição: em qualquer sílaba, o elemento com o maior grau de sonoridade
constitui o núcleo da sílaba, e este deve ser precedido/seguido por elementos de grau
de sonoridade crescente/decrescente, ou seja, os elementos menos sonoros devem
estar nas margens da sílaba.
Portanto, os segmentos na fonologia seguem uma hierarquia de sonoridade
onde uns são mais sonoros do que outros. Existem diferentes propostas na literatura
a fim de representar essa hierarquia de valores mais e menos sonoros da escala de
sonoridade. Além disso, essa não é uma ideia nova, sendo encontrados estudos
desde o final do século XIX.
Selkirk (1984) propõe uma sequência de sonoridade para as línguas,
organizando os segmentos em uma escala hierárquica de sonoridade, a qual será
adotada neste estudo, pois apresenta os diferentes graus de sonoridade das vogais.
Em sua proposta, Selkirk apresenta um índice de sonoridade onde cada segmento
possui um valor e aqueles com o mesmo valor formam uma classe natural. Essa
sequência pode ser vista na figura abaixo:
34
Fonte: Ribas (2002)
A autora defende que as vogais altas são menos sonoras do que as outras
vogais, e que os glides assemelham-se às vogais mais altas, mas não os considera
na hierarquia. O segmento /s/ é colocado mais alto do que as outras obstruentes, ou
seja, é mais sonoro do que essas, pois é acusticamente mais saliente (e também
perceptualmente), além de ocupar posições na sílaba que outras obstruintes não
ocupam (RIBAS, 2002).
Em um estudo sobre sonoridade e silabificação, Clements (1990) levanta vários
aspectos da sonoridade inerentes aos segmentos e propõe uma análise de
estruturação das sílabas em função dessas características, sugerindo uma escala
hierárquica de sonoridade que leva em conta os traços de raiz (Figura 9)
Fonte: Clements (1990)
Figura 8 - Índice de sonoridade proposto por Selkirk (1984).
Figura 9 - Escala de sonoridade proposta por Clements (1990). ‘O” é obstruinte,
‘N’ é nasal, ‘L’ é líquida, ‘G’ é glide e ‘V’ vogal.
35
Segundo Clements (1990), a silabificação é regida pelo Princípio do Ciclo de
Soância, o qual, por sua vez, é implementado por dois outros princípios: Silabificação
Geral e dispersão de Sonoridade.
Em um de seus trabalhos, Clements (1990) postula que as sílabas não são
divididas em ataque, núcleo e coda, mas sim em duas partes parcialmente
superpostas, as demissílabas, sendo que o pico silábico pertence a ambas
(COLLISCHONN, 2014).
Outra proposta para a sequência de sonoridade é a de Bonet e Mascaró (1996,
apud RIBAS, 2002). Os autores tentam explorar a relação das possíveis realizações
das líquidas não laterais e de outros segmentos nas línguas ibéricas, concentrando
suas atenções no contraste entre as róticas flap e trill em posição intervocálica. Em
onset, as posições nas quais essas róticas ocorrem são diferentes, porque o trill
aparece em onset simples, enquanto o flap aparece na segunda posição do onset
complexo. Portanto, o flap e o trill são colocados em diferentes posições na escala de
sonoridade, como pode ser observado abaixo:
Fonte: Ribas (2002)
A mesma escala é adotada em diversos estudos brasileiros em aquisição
fonológica, como Miranda (1996), Hernandorena e Lamprecht (1997) e Ribas (2002).
Observamos a partir do Princípio de Sequência de Sonoridade que existem
regras de boas condições de formação das sílabas, e que as sequências que mais se
adequam às condições desse Princípio são caracterizadas por serem menos
marcadas e são aquelas que as crianças vão preferir durante o processo de aquisição
da linguagem. Portanto, se justifica a aplicação desse princípio na análise dos dados
do presente estudo.
(0) Plosivas < (1) fricativas/trill < (2) nasais < (3) laterais < (4) flap/ glide < (5) vogais
Figura 10 - Escala de sonoridade proposta por Bonet e Mascaró (1996).
36
1.3 Teoria métrica
A Fonologia Métrica é o modelo teórico que, utilizando a concepção hierárquica
das estruturas linguísticas, permitiu uma nova representação da sílaba e uma análise
adequada do acento. (MATZENAUER, 2014)
Segundo Matzenauer (2014), as línguas podem apresentar três tipos básicos
de acento:
a) acento primário: o mais forte de uma palavra (cása);
b) acento secundário: o acento relativamente menos forte que o acento
primário de uma palavra (dócemente);
c) acento principal: o acento mais forte de uma sequência de palavras (vamos
cantár).
No modelo gerativo de Chomsky e Halle (1968), o traço [±acento] refere-se a
uma propriedade aplicada à vogal e não relacionada à sílaba. Nesse modelo teórico,
o acento é um traço distintivo como os demais, sendo atribuído por uma regra, pois,
na estrutura profunda, as vogais não são acentuadas (MATZENAUER, 2014; RIBAS,
2009).
Diferentemente, a Fonologia Métrica de Liberman e Prince (1977) considera o
acento uma propriedade da sílaba e não de um segmento. Neste novo modelo teórico,
somente uma sílaba pode ser portadora do acento primário. O acento é uma
proeminência que nasce da relação hierárquica entre os elementos prosódicos: sílaba
(σ), pé (Σ) e palavra fonológica (w). Essa representação se faz como pode ser
observado na Figura 11.
.
Fonte: Ribas (2002)
Figura 11 - Representação da relação entre os elementos prosódicos.
37
Portanto, a partir das novas concepções de Liberman e Price (1977), o acento
passa a ser entendido como o resultado da estruturação hierárquica dos constituintes
prosódicos, que tem como unidades básicas a sílaba, o pé e a palavra, sendo reflexo
de uma descrição não-linear do acento (RIBAS, 2002).
A sílaba se organiza em pés métricos e a posição do elemento dominante
(sílaba forte) estabelece o algoritmo acentual de uma língua (RIBAS, 2002).
Existem dois modelos a fim de representar o acento com base na relação entre
os constituintes prosódicos: um diagrama de “árvore” e também uma “grade métrica”.
A “árvore” é estabelecida a partir de sílabas que formam pés, sempre binários,
rotulados em termos de forte (‘s’ – strong) e fraco (“w” – weak). Já na “grade métrica”,
a hierarquia prosódica é calculada por uma Regra de Projeção de Proeminência
Relativa, segundo a qual em qualquer constituinte cuja relação forte/fraco esteja
definida, o elemento designado terminal do subconstituinte forte é metricamente mais
forte do que o elemento terminal do subconstituinte fraco (MATZENAUER, 2014).
A grade métrica de Liberman e Price (1977) organiza hierarquicamente, em
colunas, as relações entre os elementos e, assim, expressa também a força relativa
desses elementos: quanto mais extensa for a coluna, maior será sua força, assim
permitindo a visualização do ritmo.
Halle e Vergnaud (1987, p. 40) apresentaram uma proposta diferente de grade
métrica, a qual é formada por asteriscos e enriquecida pela formação de constituintes,
cujos limites são indicados por parênteses (Figura 12).
Fonte: Halle e Vergnaud (1987, p. 41)
A grade métrica de Halle e Vergnaud (1987, p.40-41) pressupõe um espaço
para cada sílaba. Na linha 0, são marcados os elementos acentuados, que são
possíveis portadores de proeminência acentual, as vogais, sendo cada espaço
marcado por meio de um asterisco, formando-se os constituintes. Na linha 1, apenas
( • • • • *) linha 2
(* • * • *) linha 1
(*)(* *)(* *) linha 0
Figura 12 - Representação da grade métrica de Halle e Vergnaud (1987).
38
os elementos mais fortes recebem um asterisco, ou seja, uma cabeça de cada
constituinte. Na linha 2, apenas a cabeça de toda a sequência recebe um asterisco.
Hayes (1991) propôs um modelo de grade em que o peso silábico é incorporado
aos próprios constituintes, os quais são chamados de pés. O autor afirma haver
apenas três tipos de sistemas de acento:
a) Sistemas de pé troqueu silábico: sistemas insensíveis ao peso silábico, com
constituintes binários de cabeça à esquerda.
b) Sistemas de pé troqueu mórico: sistemas sensíveis ao peso, com
constituintes binários de cabeça à esquerda.
c) Sistemas de pé iambo: sistemas com constituintes binários de cabeça à
direita.
Hayes (1995) toma desse conjunto de pés dois tipos basicamente: troqueu e
iambo (Figura 13). Esses pés são responsáveis não somente por explicar as
alternâncias dos elementos fortes e fracos, mas também por determinar a localização
do acento primário.
Fonte: Hayes (1995)
Partindo do pressuposto de que a maioria das palavras do português
apresenta-se como troqueus, ou seja, estrutura as sílabas em pés métricos binários
de núcleo à esquerda, Bisol (1992) argumenta que o acento é atribuído pela regra
abaixo:
Regra do Acento Primário
Domínio: a palavra
i. Atribua um asterisco (*) à sílaba pesada final, isto é, sílaba de rima
ramificada.
(* •) (• *)
σ σ σ σ
Pé troqueu Pé iambo
Figura 13 - Tipos de pés métricos segundo Hayes (1995).
39
ii. Nos demais casos, forme um constituinte binário (não-iterativamente)
com proeminência à esquerda, do tipo (* .), junto à borda direita da
palavra.
Para elaborar a regra do acento, Bisol (1992) utilizou as noções de peso silábico
e de pé métrico. Quanto ao peso silábico, a regra é sensível à sílaba pesada final,
sendo o acento atribuído às oxítonas terminadas em consoante ou ditongo. Quanto
ao pé, a regra determina que o acento irá cair sobre a segunda sílaba a contar da
borda direita da palavra, desde que a primeira não seja pesada, sendo o acento
atribuído às paroxítonas (COLLISCHONN, 2014).
As exceções à regra são resolvidas pelo recurso de extrametricidade, o qual
permite que um elemento (sílaba, mora ou segmento) não seja visto pela regra de
acento, resultando, assim, um recuo do acento uma sílaba à direita da sua posição
esperada.
1.4 Aquisição da linguagem
A criança nos primeiros anos de vida, ao fazer uso de uma palavra-alvo adulta,
possui meios limitados a sua disposição. Se a palavra-alvo coincide totalmente com
uma das formas mais simples2, ela provavelmente será produzida de modo adequado,
mas somente algumas palavras adultas se enquadrarão nessa categoria. Se a
palavra-alvo não fizer parte do conjunto de formas que a criança já domina, ela pode
ser simplificada ou evitada. Caso faça uma tentativa de produzi-la, a criança pode
buscar do seu repertório e tentar nova sequência de sons, ou, além disso, adaptar
esta palavra, modificando ou rearranjando alguns de seus sons, de maneira a ajustá-
la a uma forma canônica disponível (MENN; STOEL-GAMMON, 1997, p. 284).
O estágio inicial da aquisição da linguagem corresponde ao que é dado na
Gramática Universal. A Gramática Universal (GU), segundo a Teoria dos Princípios e
Parâmetros (CHOMSKY, 1981) “é a essência comum existente em todos os sistemas,
a partir da qual cada língua estrutura a sua gramática particular, ou seja, cada língua
estabelece parâmetros a partir de princípios universais” (MATZENAUER, 2004, p. 35).
A partir daí, a criança progride em direção a um aumento de complexidade em seu
2 Formas de estrutura silábica mais simples como, por exemplo, CV = consoante-vogal.
40
sistema fonológico por meio da admissão das estruturas/traços marcados, guiada
pelas evidências recebidas do input. (MOTA, 2001).
1.4.1 Aquisição Fonológica
Durante a aquisição fonológica, verifica-se a existência de variações
individuais entre as crianças, constatando-se, inclusive, que a possibilidade e a
abrangência dessas variações são bastante amplas. Essa variação dá-se tanto em
termos de idade de aquisição como também quanto aos caminhos percorridos – as
estratégias de reparo utilizadas – para atingir a produção adequada (MENN e STOEL-
GAMMON, 1997; LAMPRECHT, 2004; BARBERENA; KESKE-SOARES e MOTA,
2008).
Os processos fonológicos, também chamados de estratégias de reparo,
consistem em mudanças sistemáticas que afetam uma classe ou sequência de sons
e se constituem em descrições de padrões que ocorrem regularmente na fala da
criança com o objetivo de simplificar os alvos do adulto. (LOWE, 1996).
A noção de processo fonológico foi introduzida nos estudos de fonologia da
criança por Ingram (1976) e continua a ser bastante usada por tratar-se de um modelo
útil para descrever as simplificações sistemáticas do sistema fonológico do adulto
feitas pelas crianças (STOEL-GAMMON; DUNN, 1985). Esses processos podem ser
divididos em três categorias (GONÇALVES, 2002; SCHEUER; BEFI-LOPES e
WERTZNER, 2003):
Processos de estrutura silábica que alteram a estrutura silábica da palavra;
Processos de substituição, em que há a mudança de um som por outro de
outra classe, às vezes atingindo toda uma classe de sons;
Processos de assimilação, em que os sons mudam, tornando-se similares
a um som que vem antes ou depois.
Lamprecht (1986) adotou em seu estudo a classificação dos processos
fonológicos em duas categorias: processos de estrutura silábica e os de substituição.
Os processos de estrutura silábica incluem todos aqueles que causam apagamento
de segmento ou de sílaba, bem como a vocalização de líquidas, porque esse
processo, ao colocar uma vogal no lugar de uma consoante, altera a estrutura da
sílaba. Já os processos de substituição incluem os que causam substituição de fones,
inclusive por assimilação.
41
Alguns autores afirmam que por volta dos cinco anos de idade o sistema
fonológico está praticamente completo (LOWE, 1996; SCHEUER; BEFI-LOPES e
WERTZNER, 2003). No início da aquisição, o inventário de sons da fala é pequeno e
as possibilidades de distribuição desses sons nas estruturas silábicas são restritas.
Mas por volta dos 2 anos de idade as crianças já conseguem identificar diferenças
isoladas de segmentos entre palavras e as primeiras análises fonológicas ocorrem.
Existem algumas evidências que indicam que crianças muito pequenas muitas
vezes têm consciência da inadequação de suas produções das palavras alvos do
adulto, como, por exemplo, a evitação de palavras que não fazem parte de seu
repertório e as tentativas repetidas de autocorreção (MENN; STOEL-GAMMON, 1997;
PAYÃO, 2010).
Quanto à ordem de surgimento dos fonemas, os fonemas plosivos são os
primeiros fonemas a serem adquiridos, estando estabelecidos antes dos dois anos de
idade. Há uma preferência pelo estabelecimento de plosivas labiais e coronais em
detrimento das dorsais (FREITAS, 2004). Já a classe das líquidas é marcada por ser
de domínio mais tardio, sendo as líquidas não-laterais, também chamadas de
vibrantes, os últimos sons a serem adquiridos, por serem os mais complexos na
aquisição do sistema fonológico (PAYÃO, 2004; MEZZOMO e RIBAS, 2004).
As líquidas laterais e não-laterais podem aparecer em posição de onset
simples, onset complexo ou coda. Quando existem duas consoantes na posição de
onset, este é classificado como onset complexo, caracterizando a estrutura silábica
de aquisição mais tardia tanto no desenvolvimento típico como nos desvios
fonológicos (MEZZOMO e RIBAS, 2004; ATTONI et al., 2010).
Por ser de aquisição tardia, o onset complexo tem despertado interesse de
estudo, seja em crianças com desvios fonológicos ou no desenvolvimento fonológico
típico, analisando-se as peculiaridades de aquisição (STAUDT e FRONZA, 2010).
Além disso, tem sido cada vez mais destacada em estudos de aquisição fonológica a
importância das teorias fonológicas como fundamentais para o entendimento da
natureza dos desenvolvimentos fonológicos típicos e atípicos.
1.4.1.1 Aquisição do Onset Complexo
Denomina-se onset complexo ou ramificado o constituinte silábico que
apresenta dois elementos na posição de onset, formando um encontro consonantal
42
na mesma sílaba (LAMPRECHT, 2004, p. 217). Cristófaro Silva (2011, p. 164) define
esse constituinte silábico como uma “sequência de consoantes que ocorrem na
mesma sílaba e que ocupam duas posições esqueletais contíguas”.
Os onsets complexos (ou encontros consonantais) no português brasileiro são
constituídos por uma obstruinte na primeira posição (C1) /p, b, t, d, k, g, f, v/ e uma
líquida /l, / ocupando a segunda (C2). Porém, nem todas as combinações entre esses
dois elementos são possíveis. Os onsets iniciais com // na posição C2 podem ser:
/p, b, t, d, k, g, f/. Os onsets iniciais com /l/ na segunda posição podem ser:
/pl, bl, kl, gl, fl/. Quando o onset complexo estiver na posição medial, os grupos
possíveis com // são: /p, b, t, d, k, g, f, v/, ou seja, todas as obstruintes
possíveis combinadas com a líquida não-lateral. Já os grupos com /l/ na posição
medial podem ser: /pl, bl, tl, kl, gl, fl/ (RIBAS, 2006).
A aquisição do onset complexo no PB é caracterizada por ser a última
estrutura a alcançar estabilidade dentro do sistema fonológico da criança, fato que
tem sido comprovado em diversos estudos, além de ser observada a ocorrência de
regressões do seu uso durante o percurso de aquisição (WERTZNER, 2002; PAYÃO,
2004; ATTONI et al., 2010; RAMOS-PEREIRA, HENRICH e RIBAS, 2010;
GIACCHINI, MOTA e MEZZOMO, 2011; GALEA, 2008).
Essa aquisição tardia pode decorrer do fato desse constituinte silábico
demandar uma maior habilidade de produção dos fonemas, uma vez que ele faz parte
de uma sílaba complexa, constituída por duas consoantes e uma vogal (RAMOS-
PEREIRA, HENRICH e RIBAS, 2010).
Ribas (2002) demonstrou que não há uma ordem para a aquisição do onset
complexo, sugerindo, a partir dos achados de sua pesquisa com crianças da região
sul do país, que ambos, // e /l/, são adquiridos na segunda posição (C2) por volta de
5 anos de idade em crianças falantes do PB.
A consoante C2, da classe das líquidas, constitui a sílaba CCV, classificada
como a mais complexa. Trata-se de um segmento que compreende um traço mais
marcado, o [+aproximante], considerado traço mais complexo na hierarquia de
aquisição dos fonemas do PB e de aquisição mais tardia (MOTA, 1996).
Esse traço representa os segmentos produzidos com uma constrição no trato
vocal que permite o ar escapar com uma leve fricção (GUSSENHOVEN e JACOBS,
43
1998, p. 69). Para alguns autores, esse fato pode explicar, em parte, o apagamento
da segunda consoante de CCV, o seu deslocamento para outra sílaba ou sua
substituição (MEZZOMO; RIBAS, 2004; RIBAS, 2009; STAUDT e FRONZA, 2010).
Os processos mais observados por Ribas (2004) durante a aquisição do onset
complexo envolvem principalmente recursos cujo alvo é C2, ou seja, a líquida,
modificando a estrutura silábica ou apagando-a. Dentre esses processos, a
simplificação da estrutura para C1V ou apagamento da líquida é a estratégia mais
empregada por crianças com aquisição normal em diversos estudos (LAMPRECHT,
2004; FERRANTE, BORSEL e PEREIRA, 2009; MEZZOMO et al., 2012; BAESSO et
al., 2012).
São outros exemplos de processos fonológicos envolvendo o constituinte
silábico onset complexo: substituição de líquida, em que uma líquida é substituída por
outra (briga → ['bli.ga]); apagamento da líquida + substituição de obstruinte, processo
no qual a criança substitui a consoante C1 (braço → ['pa.su]); epêntese, que consiste
na inserção de um segmento vocálico ou consonantal, modificando a estrutura silábica
(trem → [te'.ẽj]); semivocalização, caracterizada pela substituição por um segmento
vocálico (prego → ['pjɛ.gu]); coalescência, que consiste na substituição de dois
segmentos contíguos por um único segmento que partilha traços dos dois segmentos
originais (trem → ['sẽj]); apagamento da líquida + assimilação, em que o traço da
obstruinte seguinte é assimilado (estraga → [is.'ka.ga]); apagamento da líquida +
metátese das plosivas, em que ocorre uma transposição intersilábica de fonemas
plosivos (dragão → [ga'.dãw]); produção de C2V, ou seja, omissão da obstruinte
(bicicleta → [bi'.lɛ.ta]); produção de V, na qual o onset é omitido (procurar → [o.ku'.ja])
(LAMPRECHT, 1986; RIBAS, 2004; RAMOS-PEREIRA; HENRICH e RIBAS, 2010).
Teixeira (1980, 1985) investigou a aquisição fonológica de crianças falantes
do PB, sob a abordagem da Fonologia Natural. A autora afirma que existem estágios
de aquisição do onset complexo: a) redução da sílaba CCV para C1V; b)
semivocalização da líquida; c) momento de confusão das líquidas, no qual a criança
substitui as líquidas em onset complexo; e d) realização correta.
Contrariando esses resultados, Ribas (2002) levantou os ambientes
facilitadores e as estrategias de reparo mais comuns para atingir a estrutura CCV -
informacoes relevantes quanto a diversidade de aspectos envolvidos na aquisicao
fonologica dessa estrutura silabica - e concluiu nao haver varios estagios de aquisicao
44
do onset complexo com aplicacao de diferentes estrategias em cada fase, mas sim
apenas dois momentos: o da producao C1V e o da producao correta. Ela observou
que a aquisicao da estrutura silabica e gradual nos dois grupos de onset complexo –
formados com as liquidas /l/ e //, mostrando curvas de aquisicao semelhantes. Logo,
as silabas CCV com /l/ e com o // como segunda consoante do onset sao adquiridas
simultaneamente, embora demonstrem algumas instabilidades no curso do
desenvolvimento. Esse resultado foi constatado em outros estudos, tais como Staudt
(2008) e Correia (2012). Isso demonstra que a criança está lidando com uma estrutura
silabica mais complexa, “e nao somente com o dominio dos segmentos que compoem
a silaba, ja que ambos os grupos sao adquiridos simultaneamente” (RIBAS, 2004, p.
159).
Queiroga et al. (2011) constataram que os onsets complexos constituídos por
obstruinte + // foram adquiridos antes dos constituídos por obstruinte + /l/. Porém,
algumas pesquisas relatam a aquisição do onset complexo com a líquida lateral
anteriormente à líquida não-lateral (DÓREA, 1998; ÁVILA, 2000). Estas últimas
atribuem à aquisição precoce do encontro consonantal com a líquida lateral ao fato da
aquisição deste segmento ocorrer antes em onset simples.
Baesso et al. (2012) analisaram o uso de estratégias de reparo no constituinte
onset complexo em crianças com desenvolvimento fonológico típico e atípico, e
encontraram as seguintes estratégias, utilizadas por crianças em desenvolvimento
fonológico normal na faixa etária entre 3;0 e 11;0: (i) a simplificação para C1V, (ii) a
alteração do traço da obstruinte, (iii) a alteração do traço da líquida, (iv) a epêntese e
(v) a metátese. Dessas estratégias, a mais frequente na fala das crianças foi a
simplificação para C1V.
Observou-se, nos estudos em aquisição fonológica do onset complexo, que a
causa da aquisição tardia desse constituinte da estrutura silábica não está na
realização da líquida apenas, ou seja, o nível de dificuldade não é o segmento, mas a
combinação de segmentos que essa estrutura ramificada apresenta. A complexidade
na produção do onset complexo não está somente na produção articulatória dos
segmentos, mas também nas características fonológicas da estrutura silábica.
As crianças que realizam determinadas estratégias, como a epêntese,
parecem estar mais sensíveis à estrutura da sílaba do onset complexo do que aquelas
que realizam a simplificação do encontro consonantal para uma estrutura silábica mais
45
simples (C1V), pois essas crianças estão realizando uma estratégia de reparo mais
complexa, e não uma simples redução. Estudos referem que a ocorrência desse
processo já seria uma tentativa de organização do sistema fonológico (RAMOS-
PEREIRA, HENRICH e RIBAS, 2010; MEZZOMO et al., 2012).
Algumas crianças, apesar de ainda não dominarem um determinado
segmento ou estrutura silábica, podem já possuir uma representação mental desses
elementos em sua subjacência. Isto é notado pelo uso de determinadas estratégias
mais complexas e que demandam um maior conhecimento do funcionamento da
língua, como, por exemplo, a realização de uma metátese ou epêntese.
Miranda (1996) pesquisou a aquisição do // e quanto à posição de C2 do
onset complexo concluiu que este está adquirido aos 3:9. As vogais /u/ e /i/, a
obstruinte dorsal e a sílaba tônica apareceram como facilitadoras para a produção
correta do onset complexo, enquanto a obstruinte coronal mostrou ser o ambiente que
menos favorece a realização.
Mezzomo et al. (2012) verificou se determinadas variáveis, tanto linguísticas
quanto extra-linguísticas influenciam significantemente na produção do onset
complexo no desenvolvimento fonológico típico. Os resultados mostraram que apenas
as variáveis extralinguísticas - sexo, idade - influenciam a produção dos onsets
complexos, já que eles ocorreram mais entre os sujeitos do sexo masculino e com
idade de 5;0 a 5;5.29. Em relação à estratégia de apagamento de C2 (ex.: bloco –
[‘bku]), as variáveis extra-linguísticas e linguísticas influenciadoras foram: sexo
masculino, idade de 2;6 a 2;11.29 e posição medial na palavra, como na palavra
cabrito. Por fim, em relação ao uso da estratégia de metátese (ex.: prato – [‘patu), as
variáveis favoráveis foram: sexo masculino, faixa etária de 4;0 a 4;5.29 e contexto
silábico seguinte constituído por sílaba travada com coda simples e onset simples,
como em compra. Quanto aos processos fonológicos, o de maior ocorrência foi o
apagamento de C2.
Outro estudo (QUEIROGA et al., 2011), realizado na região metropolitana de
Recife, verificou que os fatores influenciadores na produção correta do onset
complexo foram: posição na palavra, a tonicidade, o tipo de estrutura silábica e os
contextos linguísticos precedente e consequente. Em relação à posição do onset
complexo na palavra e à tonicidade, a posição em onset medial e na sílaba pré-tônica
favoreceu na produção dessa estrutura silábica.
46
Em relação à influência do contexto linguístico precedente à líquida e do
consequente, observou-se o início precoce da aquisição do onset complexo nas
palavras nas quais a obstruinte consistia de uma plosiva bilabial e de contexto
consequente /i/.
Em seu estudo, Ribas (2002) encontrou como variáveis favoráveis à produção
correta do onset complexo com //: o contexto antecedente e a localização no pé
métrico. A sílaba /bi/ na sílaba fraca do pé métrico e antecedida pela vogal /o/ foi a
que apresentou ambiente mais favorável à produção do onset complexo. Já em
relação ao grupo com /l/, as variáveis facilitadoras foram: a vogal /a/ como contexto
seguinte e idade de 5;0, considerada a idade de estabilidade do onset complexo para
ambos os grupos.
Magalhães (2000) pesquisou a produção dos encontros consonantais de
oclusiva mais líquida não-lateral em 10 crianças entre 2 e 4;6, residentes na região do
Triângulo Mineiro, sob a perspectiva de análise com a Geometria de Traços. Um dos
aspectos verificados pelo autor foi a produção das crianças em palavras como ‘trilho’
e ‘quadrinho’. Se a realização era C1V, observou-se a aplicação ou não da regra de
palatalização, que é característica na região em que as crianças estão inseridas. O
fato de as crianças não aplicarem a regra, mostrou, indiretamente, a existência da
segunda consoante na representação subjacente, o que impede o contexto para a
palatalização. O mesmo aspecto foi constatado por Ramos (1996).
Estudos a respeito da aquisição do onset complexo levantam hipóteses acerca
de suas peculiaridades na aquisição e são de grande relevância, pois possibilitam
ampliar os conhecimentos linguísticos, importantes para compreender os aspectos
relacionados com a aquisição desta sequência silábica.
47
2 METODOLOGIA
A presente pesquisa caracteriza-se por ser uma análise de dados de fala, de
caráter descritivo e transversal. Ou seja, trata de um estudo onde os dados são
coletados uma única vez e no mesmo intervalo de tempo, sem uma intervenção ativa
do pesquisador. Foram analisados dados de fala de crianças com desenvolvimento
fonológico típico, na faixa etária entre 2;6 e 5;11 anos, estudantes de uma creche-
escola da rede pública de Educação Infantil no município de Maceió3.
2.1 Sujeitos da pesquisa
Foram incluídas neste estudo 40 crianças matriculadas nos anos letivos de
2013 e 2014, com faixa etária entre 2;6 e 5;11 anos, devidamente autorizadas pelos
responsáveis para participarem deste estudo, mediante assinatura de Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo A). Crianças que apresentaram
comprometimentos auditivos, motores eou cognitivos, que pudessem influenciar na
aprendizagem e no desenvolvimento de linguagem, não foram incluídas no estudo.
A creche-escola, na qual estão matriculadas as crianças participantes do
presente estudo, situa-se no bairro Pontal da Barra, que pertence ao II DSS4 de
Maceió, que conta com nove equipes de saúde da família. O II Distrito é composto
pelos bairros do Centro, Levada, Prado, Ponta Grossa, Vergel do Lago, Trapiche da
Barra e Pontal da Barra, que totalizam 25.920 habitantes.
As amostras foram divididas em quatro faixas etárias: 2;6-2;11; 3;0-3;11; 4;0-
4;1 e 5;0-5;11, como pode ser observado no Quadro 3.
3 As amostras de fala que foram coletadas e analisadas nessa pesquisa fazem parte do banco de dados do projeto "Avaliação fonético-fonológica em crianças com desenvolvimento típico, estudantes da Educação Infantil de escolas municipais públicas de Maceió – AL", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas, sob o número 13091813.8.0000.5013. 4 II DSS = Segundo Distrito Sanitário de Saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) utiliza uma variedade de nomenclatura e divisões territoriais para operacionalizar suas ações. Dentre essas divisões, se enquadram os distritos sanitários, os quais são áreas de atuação de caráter administrativo, gerencial, econômico ou político, que se estruturam no espaço e criam territórios próprios, dotados de poder.
48
Quadro 3 - Descrição dos sujeitos avaliados com as informações de sexo e idade.
Fonte: Autora (2015)
Sujeito Sexo Idade
2:6
- 2
:11
S1 F 2;6
S2 F 2;6
S3 M 2;6
S4 M 2;6
S5 F 2;7
S6 F 2;8
S7 F 2;9
S8 F 2;10
3:0
- 3
:11
S9 M 3;2
S10 M 3;4
S11 M 3;6
S12 M 3;6
S13 M 3;6
S14 F 3;7
S15 M 3;7
S16 F 3;8
S17 F 3;9
S18 F 3;10
4:0
- 4
:11
S19 F 4;1
S20 F 4;2
S21 M 4;3
S22 M 4;3
S23 F 4;4
S24 F 4;5
S25 M 4;5
S26 M 4;7
S27 M 4;8
S28 F 4;9
S29 F 4;9
S30 M 4;11
5:0
- 5
:11
S31 M 5;0
S32 F 5;0
S33 F 5;1
S34 F 5;3
S35 M 5;4
S36 M 5;8
S37 M 5;8
S38 F 5;9
S39 F 5;9
S40 M 5;11
49
2.2 Coleta dos dados
A avaliação da fala das crianças seguiu as etapas abaixo apresentadas, para
fins de caracterização do corpus e descrição dos comportamentos referentes ao
desenvolvimento de habilidades cognitivo-linguísticas, de audição e das funções
orofaciais da amostra:
I. Anamnese Global
Realização de anamnese (Anexo B) junto aos cuidadores, a fim de obter o perfil
de desenvolvimento de cada criança, considerando as informações colhidas dos
responsáveis quanto a fatores de risco na gestação, no parto, o desenvolvimento
motor (o andar e a fala), o desenvolvimento auditivo, características emocionais, o
desempenho escolar e se há a presença de alterações de fala.
II. Avaliação Fonética-fonológica com teste de fonologia com vocabulário
fechado
Para crianças de 3;0 a 5;11 foi adotada a Parte A: Fonologia do Teste de
Linguagem Infantil – ABFW (Anexos C e D), proposta por Wertzner (2004), para
verificar o inventário fonético das crianças, assim como as regras fonológicas que
foram utilizadas. O teste inclui duas provas: a imitação e a nomeação. Essa avaliação
não foi realizada na faixa etária de 2;6-2;11 devido à não colaboração das crianças.
Na prova de imitação, que compreende 39 vocábulos, o examinador solicitou à
criança que repetisse cada palavra que lhe era dita. Caso não o fizesse, ou a emissão
fosse ininteligível, o examinador solicitava ao sujeito que repetisse o vocábulo no final
da lista. A resposta da criança foi registrada em transcrição fonética.
Na prova de nomeação, que compreende 34 vocábulos relacionados a figuras,
o examinador pediu à criança que dissesse o nome da figura mostrada. Era importante
verificar se as figuras estavam colocadas frente ao sujeito, possibilitando-lhe uma
visão clara. Caso a criança não soubesse o nome da figura, seria preciso nomeá-la,
mostrando-lhe a seguir 5 figuras subsequentes para só então retornar àquela não
nomeada, solicitando-lhe, outra vez, que a nomeie. As respostas foram registradas
em transcrição fonética no formulário apropriado. Caso o sujeito não nomeasse a
figura ou o fizesse de forma inadequada depois da segunda tentativa, o examinador
50
registraria o ocorrido. Em nenhum caso foi solicitado ao sujeito que repetisse uma
palavra da nomeação.
Para a análise da fala das crianças neste estudo, foram consideradas as
palavras da Parte A: Fonologia do Teste de Linguagem Infantil – ABFW, proposta por
Wertzner (2004), que possuíam como alvo o onset complexo, constituindo um total de
20 palavras ou types5, sendo 7 com a líquida lateral /l/ e 13 com a líquida não-lateral
// (Quadro 4).
Quadro 4 - Vocabulário obtido por meio da avaliação de nomeação e imitação do teste realizado.
Palavras com OC produzidas no teste ABFW
Livro
Blusa
Trator
Prato
Braço
Zebra
Planta
Cruz
Prego
Branco
Travessa
Droga
Cravo
Grosso
Fraco
Plástico
Bloco
Clube
Globo
Flauta Fonte: Autora (2015)
III. Avaliação de fala espontânea
Foi realizada avaliação da fala espontânea com todas as crianças desse
estudo, incluindo a faixa etária de 2;6-2;11. Foram realizados registros de áudio de
dinâmica de fala espontânea entre a avaliadora e as crianças, as quais foram
5 Segundo Lamprecht (2004), type corresponde a uma categoria de palavra em uma amostra de fala. Por exemplo: a palavra planta é um type que pode ter diferentes produções pelas crianças.
51
motivadas a interagir, a partir da história contada pela avaliadora. O livro infantil
utilizado foi “A Cinderela das bonecas” (Rocha, 2011). Foram consideradas todas as
palavras contendo onset complexo observadas nas produções de fala espontânea das
crianças, totalizando 55 palavras, 9 com a líquida lateral /l/ e 46 com a líquida não-
lateral // (Quadro 5).
Quadro 5 - Vocabulário obtido por meio da avaliação de fala espontânea (o número em parênteses corresponde ao N de cada palavra).
Palavras com onset complexo produzidas na avaliação de fala espontânea
Abra (8) Cristal (1) Plantinha (3)
Abraçou (1) Entrar (1) Plumas (1)
Abriu (1) Esfregando (1) Praia (1)
Andreza (1) Estrela (31) Prego (2)
Assoprando (1) Estrelinha (9) Presente (15)
Assoprar (3) Flor (34) Preto (1)
Bicicleta (1) Flores (10) Princesa (32)
Branca (26) Floresta (1) Quatro (4)
Brigadeiro (35) Gabriela (1) Quebrado (1)
Brilho (1) Grandão (1) Sandro (1)
Brincando (35) Grande (2) Soprar (4)
Brincar (1) Grandes (1) Trança (15)
Brinco (32) Microfone (1) Trancar (1)
Brinquedo (2) Obrigado (1) Trancinha (1)
Bruxa (2) Pedra (15) Três (32)
Clara (1) Pedras (1) Triste (2)
Cobra (1) Pedrinha (1) Vidro (1)
Criança (23) Planta (34)
Crianças (2) Plantando (1) Fonte: Autora (2015)
III. Avaliação das estruturas fonoarticulatórias
Foi realizada avaliação da postura habitual e da forma anatômica da arcada
dentária, língua, lábios e bochechas; além da conformação facial e da dinâmica
dessas estruturas no desempenho da articulação da fala e nas funções orais, como
mastigação, deglutição e respiração (Anexo E), que influenciam a produção de fala
das crianças. Essa avaliação foi realizada na própria escola, no turno frequentado
pelas crianças.
52
2.3 Instrumentos e procedimentos de descrição e análise
Os dados de fala da avaliação com teste de fonologia e fala espontânea foram
gravadas em gravador digital de alta fidelidade, formato Wav, Marantz Professional,
modelo PMD661 – Portable Solid State Recorder; utilizando-se de microfone
Beyerdynamic, modelo MJ-53. A coleta foi realizada em uma sala de aula reservada,
mais afastada do pátio onde era realizada a recreação, a fim de se minimizar os ruídos
externos que viessem a prejudicar a qualidade da gravação.
Foram realizadas transcrições fonéticas e análises dos processos fonológicos
das amostras coletadas, a partir da escuta das gravações. As transcrições foram feitas
com os símbolos do alfabeto fonético internacional (IPA – International Phonetic
Alphabet, 1993) e foram, posteriormente, computadas e classificadas em tabelas.
No Teste de Linguagem Infantil ABFW – Área de Fonologia (WERTZNER,
2004) dentre os vocábulos determinados nas provas de imitação e nomeação foram
totalizados 640 tokens6 ou produções, computados 224 com a líquida lateral e 416
contendo a líquida não-lateral.
Na avaliação de fala espontânea foram registrados 441 tokens, 86 com a
líquida lateral e 355 com a líquida não-lateral.
Foi realizada análise estatística inferencial dos dados por meio do teste qui-
quadrado, sendo considerado alfa significante <0,05. Foi utilizado o software BIOEST
5.0.
2.4 Variáveis analisadas
Para que os dados fossem computados, tabulados e transformados em tabelas,
foram consideradas as variáveis a seguir.
As variáveis linguísticas analisadas foram: a produções-alvo, produções com
processos fonológicos e os diferentes ambientes fonológicos
Em relação aos processos fonológicos, foram considerados na análise todos
aqueles que puderam ser observados na fala das crianças desse estudo. Esses
processos estão expostos no Quadro 6.
6 Segundo Lamprecht (2004), token corresponde a uma realização de uma palavra. Por exemplo: as produções [ʹglobu], [ʹgobu] e [ʹgoblu] são diferentes tokens de uma mesma palavra.
53
Quadro 6 - Processos fonológicos envolvendo o onset complexo analisados.
Processos fonológicos Exemplos
Simplificação para a sílaba C1V livro → ['li.vu]
Substituição de líquida prego → ['plɛ.gu]
Metátese trator → [ta.'to]
Epêntese cruz → [ku.'ujs]
Substituição de obstruinte grosso → ['bo.su]
Simplificação para C2V plástico → ['la.ʃi.ku]
Fonte: Autora (2015)
Quanto aos ambientes fonológicos analisados, foram analisados todos os
ambientes relacionados com o onset complexo que puderam ser observados nos
dados de fala coletados:
I. Contexto precedente - /e/ (ex.: [ʹzeba]); /i/ (ex.: [ʹlivu]) e contexto nulo (ex.:
[ʹplãta]).
II. Contexto seguinte - /a/ (ex.: [ʹbasu]); /ɛ/ (ex.: [ʹpɛgu]); /o/ (ex.: [ʹgosu]); //
(ex.: [ʹdga]) e /u/ (ex.: [ʹklubi]).
III. Posição na palavra – início (ex.: [ʹbluza]) e meio de palavra (ex.: [ʹlivu]).
IV. Tonicidade - sílaba forte do pé métrico do acento (ex.: [ʹpatu]); sílaba fraca
do pé métrico (ex.: [ʹzeba]) e sílaba fora do pé métrico (ex.: [taʹvɛsa]).
V. Ponto da obstruinte - labial (ex.: [ʹbãku]); coronal (ex.: [taʹvɛsa]) e dorsal
(ex.: [ʹglobo]).
VI. Modo da obstruinte - plosiva (ex.: [ʹgosu]) e fricativa (ex.: [ʹflawta]).
VII. Vozeamento da obstruinte – desvozeada (ex.: [ʹfaku]) e vozeada (ex.:
[ʹblku]).
As variáveis extra-linguísticas analisadas foram: o sexo e a idade.
A literatura tem comparado o desempenho de meninos e meninas em relação
a aquisição fonológica. Alguns estudos encontraram um melhor desempenho em
meninas (QUEIROGA et al., 2011, MEZZOMO et al., 2012). Ribas (2002) encontrou
também um melhor desempenho de produções adequadas do onset complexo com a
líquida não-lateral em meninas, porém com a líquida lateral, os meninos apresentam
54
um melhor desempenho. Assim, foi incluída a variável sexo, a fim de confrontar os
achados do presente estudo com a literatura.
Para a análise da variável idade, foram consideradas 4 faixas etárias neste
estudo: 2;6-2;11; 3;0-3;11; 4;0-4;11 e 5;0-5;11, que abrange todo o espectro de dados
coletados e corresponde ao período em que se pode observar do início à estabilização
da aquisição do onset complexo em crianças com desenvolvimento fonológico típico,
como se observou em outros estudos (QUEIROGA et al., 2011, MEZZOMO et al.,
2012). Alguns estudos investigaram a aquisição em crianças de idade menor que 2;0
anos (RIBAS, 2002; BAESSO et al., 2012). Porém, Payão (2010), ao investigar a
influência do acento e o preenchimento segmental de unidades prosódicas em dados
de fala de duas crianças entre 1;0.4 e 2;1.10 de idade, constatou a primeira produção
do onset completo em uma das crianças aos 2;1.10 anos.
Na literatura tem sido observada a divisão de faixas etárias por semestres
(QUEIROGA et al., 2011, MEZZOMO et al., 2012). Porém não são encontradas
diferenças relevantes ao utilizar essa divisão. Ribas (2002) afirmou ter observado
características semelhantes ao realizar uma divisão bimestral das faixas etárias de
seu estudo, realizando uma divisão para discussão de seus dados em quatro fases
(1;0-1;11, 2;0-3;0, 3;2-4;0 e 4;2-5;3), caracterizando-as como o curso de aquisição do
onset complexo. Essa divisão foi adotada no presente estudo, pois outra divisão não
apresentaria grupos homogêneos de crianças, devido às diferentes idades avaliadas.
Além disso, foram considerados os critérios pedagógicos de divisão de faixas etárias
por turmas da creche-escola onde os dados foram coletados.
55
3 ANÁLISE DOS DADOS – AQUISIÇÃO DO ONSET SOB A INTERPRETAÇÃO DAS
TEORIAS FONOLÓGICAS
Neste capítulo serão apresentados os resultados quanto aos percentuais de
produções-alvo nas faixas etárias de 2;6-2;11, 3;0-3;11, 4;0-4;11 e 5;0-5;11,
elencados os processos fonológicos encontrados na fala das crianças e os ambientes
favoráveis à produção do onset complexo, e respectivas análises estatísticas. A
exposição dos resultados e as posteriores discussões serão divididas em duas partes:
a primeira apresenta a análise dos dados coletados a partir da aplicação de Teste de
Linguagem Infantil ABFW – Parte A: Fonologia (WERTZNER, 2004) nas provas de
imitação e nomeação de vocábulos e a segunda apresenta a análise dos dados de
fala espontânea.
A justificativa para realizar a análise dos dados de fala espontânea foi incluir as
crianças a partir da faixa etária de 2;6 até 2;11 na análise, já que não poderiam ser
comparadas na primeira análise, pois não colaborariam com a avaliação por meio do
Teste de Linguagem Infantil ABFW.
3.1 Análise dos dados coletados com o Teste de Linguagem Infantil ABFW –
Parte A: Fonologia – Provas de Imitação e Nomeação (WERTZNER, 2004)
A partir da aplicação das provas de imitação e nomeação, do Teste de
Linguagem Infantil ABFW, foram obtidas 200 produções na faixa etária de 3;0 a 3;11
de idade, 240 na faixa de 4;0 a 4;11 e 200 na faixa etária de 5:0 a 5:11. A Tabela 1
apresenta a quantidade e o percentual de produções-alvo do onset complexo e
produções com processos fonológicos em cada uma das faixas etárias. A partir da
análise estatística foi obtido p-valor inferior a 0.0001, indicando relação significativa
entre as faixas etárias e as produções-alvo e com processos fonológicos do onset
complexo.
56
Tabela 1 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo (OC) nas diferentes faixas etárias.
Faixa Etária
3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11
Produção do OC N (%) N (%) N (%) P-valor
Produções-alvo 66 33,00 118 49,17 139 69,50 < 0.0001
Produções com processos fonológicos
134 67,00 122 50,83 61 30,50
Fonte: Autora (2015)
Conforme observa-se acima, na primeira faixa etária o percentual de produções
com processos fonológicos é maior que o de produções-alvo. Já na faixa etária dos
quatro anos de idade os percentuais encontram-se bastante próximos, enquanto na
faixa etária dos cinco anos de idade o percentual de produções-alvo eleva-se,
invertendo a relação encontrada na faixa etária dos três anos de idade.
Esses achados corroboram com outros estudos (RIBAS, 2002; MEZZOMO,
2012). Ribas (2002, p. 127) afirma que “à medida que a criança vai ficando mais velha,
vai apresentando condições de produzir a estrutura silábica CCV”. Assim, o valor de
p< 0.0001 encontrado se justifica, refletindo-se na aprendizagem desse componente
silábico complexo em idades mais avançadas do desenvolvimento linguístico das
crianças.
As Tabelas 2 e 3 apresentam, respectivamente, as quantidades e valores
percentuais das produções-alvo e produções com processos fonológicos dos onsets
complexos contendo as líquidas lateral e não-lateral separadamente, a fim de se
observar se as características encontradas em relação às faixas etárias se
diferenciam quando são comparados os dois grupos de onsets complexos.
Tabela 2 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo (OC) com a líquida lateral nas diferentes faixas etárias.
Faixa Etária
3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11
Produção do OC com /l/
N (%) N (%) N (%) P-valor
Produções-alvo 25 35,71 36 42,86 34 48,57 0.3042
Produções com processos fonológicos
45 64,29 48 57,14 36 51,43
Fonte: Autora (2015)
57
De acordo com a Tabela 2 não foi obtido p-valor significativo para os valores
de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo com a
líquida lateral /l/ quando comparadas as três faixas etárias, denotando que não há
diferenciação significativa entre as faixas etárias. Observando-se os valores
percentuais, constata-se, na faixa etária de 3;0 a 3;11, um percentual de produções
com processos fonológicos mais elevado. Nas faixas etárias de quatro e de cinco
anos, os percentuais de produções com processos fonológicos também são mais
elevados, porém com valores mais próximos dos percentuais de produções-alvo em
ambas, principalmente na faixa etária de 5;0-5;11.
O pior desempenho nessas faixas etárias, principalmente nas crianças de 5
anos, pode ser atribuído ao fato de realizarem com frequência o processo de
substituição da líquida lateral pela não-lateral, como, por exemplo, ao produzirem
[ʹbuza] e [ʹpãta]. Essa pode ser uma característica do dialeto da população
estudada, e não uma estratégia de reparo na ausência do onset complexo com a
líquida /l/.
Queiroga et al. (2012), que estudou a aquisição dos encontros consonantais na
região metropolitana de Recife, também observou influência de variação linguística
nos resultados de sua pesquisa.
Correia (2012) pesquisou a aquisição do onset complexo em crianças com
desenvolvimento fonológico típico, com idades entre 2:0 e 5:6 anos, de duas escolas-
creches de Fortaleza, Ceará, oriundas da classe sócio-escolar A, ou seja,
considerando um dos pais ou ambos possuindo nível superior de ensino, a fim de
diminuir a influência de fatores sociais na fala dos sujeitos.
Além disso, é restrito o número de vocábulos com o onset complexo contendo
a líquida lateral nesse estudo. Ribas (2002) também encontrou um número reduzido
de vocábulos com o onset complexo composto de obstruinte + /l/, afirmando que
qualquer afirmação feita em relação a este grupo deve ser mais cuidadosa.
A Tabela 3 apresenta as quantidades e percentuais de produções-alvo e
produções com processos fonológicos do onset complexo com a líquida não-lateral
//. Foi encontrado p-valor significante para esses valores (<0.0001). Observando-se
um percentual de produções-alvo do onset complexo com a líquida não-lateral menor
na faixa etária de 3;0-3;11, intermediário na faixa etária de 4;0-4;11 e mais elevado na
faixa etária de 5;0-5;11.
58
Tabela 3 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo (OC) com a líquida não-lateral nas diferentes faixas etárias.
Faixa Etária
3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11
Produção do OC com // N (%) N (%) N (%) P-valor
Produções-alvo 41 31,54 82 52,56 105 80,77 < 0.0001
Produções com processos fonológicos
89 68,46 74 47,44 25 19,23
Fonte: Autora (2015)
Observa-se que a Tabela 3 comporta-se de maneira semelhante à Tabela 1,
com dados gerais. Portanto, constata-se uma diferenciação entre as faixas etárias em
relação aos percentuais de produções-alvo e produções com processos fonológicos
do onset complexo com a líquida não-lateral. O mesmo não ocorre com onset
complexo composto pela líquida lateral, cujas faixas etárias se comportam de forma
equivalente.
Apresenta-se, a seguir, a Figura 14 que expressa os percentuais de produções-
alvo entre os dois grupos de onset complexo nas faixas etárias estudadas. Observa-
se inicialmente um comportamento semelhante nas duas primeiras faixas etárias,
demonstrando uma crescente aquisição do onset complexo. Já na faixa etária de 5;0-
5;11, os valores dos dois grupos se distanciam, com /l/ permanecendo com percentual
próximo entre as faixas etárias e no onset complexo com // sendo observado um
avanço no percentual de produções-alvo. Essa diferenciação entre os dois grupos de
onset complexo na faixa etária de cinco anos pode ser atribuída, como foi mencionado
anteriormente, a características dialetais da população.
59
Fonte: Autora (2015)
Ribas (2002), em seu estudo com os dados de crianças da região Sul do país,
encontrou percurso de aquisição entre os dois grupos de onset complexo também
bastante semelhante, ou seja, não foi observada uma ordem de aquisição entre os
dois grupos. Outras pesquisas encontraram resultados semelhantes (STAUDT, 2008;
CORREIA, 2012).
É provável que a criança durante esse percurso de aquisição tenha que lidar
com a complexidade da estrutura silábica em si, e não com uma facilidade em produzir
determinados sons em detrimento de outros. A dificuldade está na representação
mental do onset complexo de crianças em desenvolvimento fonológico (RIBAS, 2002).
Apesar disso, alguns estudos apresentaram achados contrários (DÓREA,
1998; ÁVILA, 2000; FERRANTE, VAN BORSEL e PEREIRA, 2008), nos quais a
aquisição do onset complexo com a líquida lateral ocorreu anteriormente à líquida não-
lateral. Essas autoras atribuem a aquisição precoce do encontro consonantal com a
líquida lateral ao fato da aquisição deste segmento ocorrer antes em onset simples,
seguindo a sequência de aquisição segmental entre as líquidas. Já Queiroga et al.
(2011) constataram em seu estudo que os onsets complexos constituídos por
obstruinte + // foram adquiridos antes dos constituídos por obstruinte + /l/.
A aquisição completa dessa estrutura tem como característica o fato de toda a
aquisição segmental já estar concluída, faltando somente a estabilização da
ramificação do onset. Portanto se uma criança não adquiriu ainda uma ou as duas
líquidas em onset simples é provável que não as apresente em onset complexo. Isso
0,00
10,00
20,00
30,00
40,00
50,00
60,00
70,00
80,00
90,00
3;0-3;11 4;0-4;11 5;0-5;11
Produções-alvo(líquida lateral)
Produções-alvo(líquida não-lateral)
Figura 14 - Valores percentuais de produções-alvo em cada faixa etária nos dois
grupos de onset complexo estudados.
60
pode explicar o fato de que em algumas pesquisas um dos grupos de onset complexo
seja adquirido primeiro, refletindo-se em resultados distintos quanto à aquisição desse
constituinte silábico.
Em relação à aquisição tardia do onset complexo, tanto para sílabas compostas
de obstruinte + /l/ como de obstruinte + //, observou-se neste estudo, e na literatura,
que esse constituinte silábico é adquirido por volta dos cinco anos de idade (RIBAS,
2002; WERTZNER, 2002; PAYÃO, 2004; GALEA, 2008; ATTONI et al., 2010;
RAMOS-PEREIRA, HENRICH e RIBAS, 2010; GIACCHINI, MOTA e MEZZOMO,
2011). A criança já está com o seu sistema segmental completo ao adquirir o onset
ramificado.
De acordo com o Princípio de Sonoridade, o elemento mais sonoro vai ocupar
o núcleo da sílaba e os menos sonoros vão ocupar as margens. Assim, observa-se
uma escala crescente de sonoridade das margens, onde o onset se situa, para o
núcleo.
Na sílaba CCV há uma sequência de duas consoantes seguidas antes de ser
produzida a vogal, ao contrário de outras estruturas silábicas como CV, VC e CVC.
Nessas há somente um planejamento motor para a execução da consoante, havendo
um aumento ou diminuição de sonoridade. No caso dos onsets complexos, os dois
componentes desse constituinte silábico vão possuir graus de sonoridades diferentes,
sendo necessários dois planejamentos motores. Isso pode explicar o porquê do onset
complexo ser adquirido mais tardiamente.
Outra explicação para essa aquisição tardia da estrutura silábica CCV em
relação às demais se basearia na teoria da sílaba ramificada proposta por Selkirk
(1982). De acordo com Ribas (2002), a ordem de domínio de estruturas mais simples
para estruturas mais complexas tem como princípio o surgimento de ramificações
perto do núcleo, como a coda (ex.: porta) e, por último, as ramificações mais distantes
do núcleo, no onset (ex.: prato), para o PB. Assim, o onset ramificado seria adquirido
mais tardiamente quando comparado às outras estruturas silábicas no PB.
3.1.1 Ambientes favoráveis à produção-alvo do onset complexo
Para esta análise, foi realizado, inicialmente, um levantamento dos ambientes
relacionados ao onset complexo que foram encontrados no vocabulário específico do
61
instrumento de avaliação utilizado. Foi realizada a análise a partir dos dados coletados
com as provas de imitação de vocábulos e nomeação de figuras do Teste de
Linguagem Infantil – ABFW (WERTZNER, 2004), pois este possui a mesma
quantidade de palavras para todas as crianças. Assim, não foi possível realizar análise
estatística dos ambientes favoráveis à produção correta do onset complexo para as
crianças na faixa etária de 2;6-2;11, pois não foi utilizado com estas crianças o mesmo
instrumento de avaliação, devido à não colaboração, sendo realizada, então,
avaliação por meio de fala espontânea.
Além disso, foram produzidas poucas palavras com o onset complexo
composto por obstruinte + /l/ nessa faixa etária. Alguns desses vocábulos foram
produzidos por apenas uma criança, totalizando um número reduzido de types e de
ambientes.
Outro fator que justifica a não utilização dos dados coletados a partir de fala
espontânea para avaliar os ambientes facilitadores na faixa dos dois anos de idade foi
a baixa frequência de produções corretas (2/107). Apenas duas crianças
apresentaram produções corretas (uma produção cada), nas palavras bicicleta e
planta.
Deve-se ressaltar que nem todas as variáveis influenciadoras que poderiam
ocorrer foram encontradas. O quadro abaixo apresenta as variáveis que puderam ser
observadas e analisadas como ambientes favoráveis ou não à produção do onset
complexo.
62
Quadro 7 - Variáveis e variantes encontradas para o onset complexo com a líquida lateral /l/
e com a não-lateral //.
Variáveis Variantes encontradas no grupo com a líquida
lateral
Variantes encontradas no grupo com a líquida não-lateral
Contexto precedente contexto nulo /e/, /i/ e contexto nulo
Contexto seguinte /a/, /o/, // e /u/ /a/, /ɛ/, /o/, // e /u/
Posição na palavra início de palavra. início e meio de palavra.
Tonicidade sílaba forte do pé métrico
sílaba forte do pé métrico, sílaba fraca do pé métrico e sílaba fora do pé métrico
Ponto da obstruinte Labial e dorsal Labial, coronal e dorsal
Modo da obstruinte Plosiva e fricativa Plosiva e fricativa
Vozeamento da obstruinte
Desvozeada e vozeada Desvozeada e vozeada
Fonte: Autora (2015)
Foram descartadas da análise do onset complexo com a líquida lateral as
variáveis contexto precedente, posição na palavra e tonicidade, por possuírem apenas
uma variante cada, não sendo possível aplicar testes estatísticos comparativos.
Para fins de descrição e análise de relevância linguística, também serão
descritos os ambientes que não tiveram significância estatística, pois esses dados
podem trazer auxílio a fim de identificar e compreender os mecanismos facilitadores
à produção do onset complexo.
Nas Tabelas 4 e 5 são apresentados, separadamente, os ambientes
favorecedores ou não dos grupos de onset complexo com a líquida lateral e a não-
lateral, visando observar as diferenças entre os dois tipos de construção silábica,
utilizando as teorias fonológicas para discutir suas características. Além disso,
observa-se na literatura uma diferenciação entre os contextos favoráveis encontrados
para a produção-alvo do onset complexo com a líquida lateral e com a não-lateral
(RIBAS, 2002; QUEIROGA et al, 2012).
A Tabela 4 mostra a relação das diferentes variáveis analisadas com as
produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo com a
líquida lateral. Constatou-se, a partir da análise estatística, que não houve relação
63
significativa em nenhuma das variáveis estudadas. Quanto aos contextos seguintes,
os valores percentuais foram bastante próximos, sendo observado maior percentual
nos contextos //, como bloco, e /u/ em clube e blusa. Em relação ao ponto da
obstruinte, observa-se um maior percentual para labial como bloco e planta. Em
relação ao modo, foi obtido um percentual de produções-alvo maior para fricativa,
porém não podemos tirar conclusões a respeito dessa variável devido ao contexto
com obstruinte fricativa aparecer em apenas uma palavra. Em relação ao vozeamento,
foi observado um valor percentual maior para obstruintes vozeadas.
Tabela 4 - Relação entre os diferentes ambientes e as produções-alvo e produções com processos fonológicos na aquisição dos grupos de onset complexo com a líquida lateral.
Onset complexo com /l/
Ambiente Produções-alvo Produções com Processos
Fonológicos
Contexto seguinte N (%) N (%) P-valor
/a/ 38 39,58 58 42,00
/o/ 13 40,62 19 59,38 0.8404
// 15 46,87 17 53,13
/u/ 29 45,31 35 54,69
Ponto da obstruinte N (%) N (%) P-valor
Labial 73 45,62 87 54,38 0.1238
Dorsal 22 34,37 42 65,63
Modo da obstruinte N (%) N (%) P-valor
Plosiva 78 40,62 114 59,38 0.1853
Fricativa 17 53,12 15 46,88
Vozeamento da obstruinte N (%) N (%) P-valor
Desvozeada 49 38,28 79 61,72 0.1487
Vozeada 46 47,92 50 52,08
Fonte: Autora (2015)
Apesar de nenhuma das relações entre os ambientes e as produções-alvo do
onset complexo com a líquida lateral serem consideradas estatisticamente
significantes, observa-se uma inclinação maior do percentual para os contextos
seguintes com a presença das vogais // (ex.: bloco) e /u/ (ex.: clube), para o ponto
da obstruinte labial (ex.: placa), e em relação ao vozeamento da obstruinte para a
64
vozeada (ex.: globo). Há uma divergência na literatura em relação às variáveis que
seriam facilitadoras à produção do onset complexo composto de obstruinte + /l/.
Diferente deste estudo, Ribas (2002) constatou a variável contexto seguinte
como influenciadora da produção do onset complexo, tendo a variante /a/ como
favorável. Apesar de não terem sido selecionados estatisticamente no estudo dessa
autora, o modo, o ponto e o vozeamento da obstruinte mais favorável foram,
respectivamente, plosiva, labial e vozeada.
Queiroga et al (2012) também verificou a plosiva bilabial como contexto
facilitador. Em relação ao contexto seguinte, a vogal /i/ mostrou-se como facilitadora.
A Tabela 5 expõe a relação das diferentes variáveis analisadas com as
produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo com a
líquida não-lateral. Apenas a relação entre a variável tonicidade e produção do onset
complexo com o // foi estatisticamente significante (p-valor = 0.0087*). O ambiente
mais favorável à produção dessa estrutura silábica foi a sílaba forte do pé métrico,
como em [ʹdga], [ʹpɛgu] e [ʹbãku]. Já a sílaba fora do pé métrico foi considerada
o pior ambiente, como por exemplo na palavra travessa, que foi produzida por algumas
crianças como [taʹvɛsa].
Em relação às demais variáveis, o contexto precedente com maior percentual
foi /e/ e o pior o /i/. Os percentuais dos contextos seguintes foram próximos, com maior
valor para a vogal /o/ e o menor para /u/. Posição de palavra obteve percentuais
equivalentes. Já quanto ao ponto da obstruinte, observa-se um maior percentual para
ponto labial e um menor para o coronal. O modo da obstruinte no qual se constata
maior percentual é a plosiva, porém bastante próximo do valor da fricativa. Por fim, no
que diz respeito ao vozeamento, obteve-se também valores percentuais de
produções-alvo bastante próximos, sendo encontrado maior valor para obstruinte
desvozeada.
65
Tabela 5 - Relação entre os diferentes ambientes e as produções-alvo e produções com processos fonológicos na aquisição dos grupos de onset complexo com a líquida não-lateral.
Onset complexo com //
Ambiente Produções-alvo Produções com Processos
Fonológicos
Contexto precedente N (%) N (%) P-valor
/e/ 21 65,62 11 34,38
/i/ 14 43,75 18 56,25 0.2131
contexto nulo 193 54,83 159 45,17
Contexto seguinte N (%) N (%)
/a/ 140 54,69 116 45,31
/ɛ/ 19 59,37 13 40,63
/o/ 20 62,50 12 37,50 0.7963
// 17 53,12 15 46,88
/u/ 32 50,00 32 50,00
Posição na palavra N (%) N (%) P-valor
início de palavra 193 54,83 159 45,17 0.9832
meio de palavra 35 54,68 29 45,32
Tonicidade N (%) N (%) P-valor
sílaba forte do pé métrico 169 58,68 119 45,17
sílaba fraca do pé métrico 35 54,69 29 45,31 0.0087*
sílaba fora do pé métrico 24 37,50 40 62,50
Ponto da obstruinte N (%) N (%) P-valor
Labial 132 58,93 92 41,07
Coronal 43 44,79 53 55,21 0.0662
Dorsal 53 55,21 43 44,79
Modo da obstruinte N (%) N (%) P-valor
Plosiva 195 55,39 157 44,61 0.5707
Fricativa 33 51,56 31 48,44
Vozeamento da obstruinte N (%) N (%) P-valor
Desvozeada 114 59,37 78 40,37 0.0831
Vozeada 114 50,89 110 49,11
Fonte: Autora (2015)
Ribas (2002) observou em seu estudo, em relação à tonicidade, como ambiente
facilitador a sílaba fraca do pé métrico, diferentemente do presente estudo. Porém,
ambos os tipos de sílaba estão situadas dentro do pé métrico.
No estudo de Queiroga et al. (2012), foi constatado que a sílaba pré-tônica
favoreceu a produção do onset complexo quando esta se encontrava em posição
medial. Já na posição inicial de palavra, a sílaba tônica foi a favorável à sua aplicação
correta.
66
Esses achados mostram que as crianças têm uma maior facilidade de produção
quando o onset complexo encontra-se numa sílaba acentuada. Esse fato pode ocorrer
devido à saliência perceptual desta sílaba para a criança em processo de aquisição
da estrutura silábica mais complexa.
Apesar de não ter sido observada uma relação estatisticamente significativa
entre a maioria dos ambientes fonológicos e produção do onset complexo com a
líquida não-lateral, constatou-se no presente estudo, uma tendência de produções-
alvo para o contexto precedente /e/, como em zebra e contexto seguinte /o/, como na
palavra grosso, porém estes contextos foram observados em apenas uma palavra
cada um; ponto da obstruinte labial, como em braço, modo da obstruinte plosiva e
em relação ao vozeamento constatou-se obstruinte desvozeada, como na palavra
prato.
Diferentemente, Ribas (2002) encontrou como contexto precedente
favorecedor a vogal /o/ e como contexto seguinte a vogal /i/. Queiroga et al. (2012)
também encontrou a vogal /i/ como contexto seguinte facilitador. Neste estudo, não
foi possível analisar esses ambientes, pois não estavam presentes no vocabulário do
Teste de Linguagem Infatil – ABFW utilizado na avaliação das crianças.
Ribas (2002) sugeriu que a vogal seguinte ao // não teria influência para a
produção do onset complexo. Os fatores favorecedores, segundo ela, seriam o ponto
e o vozeamento da consoante e se o onset está contida no pé métrico. A autora dá
como exemplo a palavra prego, em que, apesar de apresentar um contexto seguinte
considerado desfavorecedor, o onset complexo é produzido devido à presença dos
demais ambientes.
Porém, apesar de não ter sido possível analisar o contexto seguinte /i/ como
ambiente fonológico no presente estudo, tem-se observado na prática clínica que essa
vogal como núcleo da sílaba do onset complexo sendo utilizado em palavras-
estímulos no tratamento de desvios fonológicos, facilita a produção da estrutura-alvo.
Uma hipótese a ser investigada seria o fato da altura desta vogal se aproximar ao
ponto da produção da líquida não-lateral.
No estudo de Ribas (2002), em concordância com o presente estudo, o ponto
da obstruinte preferível foi o labial, e o pior desempenho de aplicações adequadas da
estrutura silábica foi com a obstruinte coronal. Já Miranda (1996) encontrou o ponto
67
da obstruinte dorsal como mais favorável, e confirma que o pior ponto para a produção
do onset complexo é o coronal.
Segundo o Princípio de Contorno Obrigatório (OCP), elementos adjacentes são
proibidos (CLEMENTS e HUME, 1995, p. 262). Esse princípio é aplicado a dois traços
idênticos ou nós que são próximos em uma determinada camada. Isso pode explicar
o pior desempenho do onset complexo com a obstruinte coronal, devido ao traço
coronal em comum com a líquida não-lateral.
Magalhães (2000) e Queiroga et al. (2012) também encontraram como
ambiente mais facilitador a obstruinte labial, porém, diferentemente dos outros
estudos, encontraram o ponto dorsal como pior variável.
Em relação ao modo da obstruinte, estudos de Ribas (2002) e Queiroga et al.
(2012) revelam um melhor desempenho na produção do onset complexo nos dois
grupos de líquidas com a plosiva.
Deve-se ressaltar que, além dos dados não serem estatisticamente
significantes, o baixo número de crianças no presente estudo pode influenciar os
resultados, pois poderiam revelar variações individuais entre as crianças dessa
população e não uma tendência geral.
3.1.2 Análise dos processos fonológicos observados na aquisição do onset complexo
Como foi constatado na primeira tabela deste capítulo, os valores de produções
com processos fonológicos nas faixas etárias de 3;0-3;11, 4;0-4;11 e 5;0-5;11 foram,
respectivamente, 134, 122 e 61. Observa-se, portanto, que há uma redução da
ocorrência de processos fonológicos com o avanço das faixas etárias, até a total
estabilização do sistema fonológico da criança.
A partir da análise dessas produções com processos fonológicos, observou-se
a ocorrência de seis processos distintos: simplificação do onset complexo para a
sílaba C1V, substituição de líquida, metátese, epêntese, substituição de obstruinte e
simplificação para C2V.
Na Tabela 6 pode-se observar o percentual de ocorrência de cada processo
fonológico nas diferentes faixas etárias. Na análise estatística foi constatada
significância para a relação entre processos e as diferentes faixas etárias (p-valor =
0.001).
68
Tabela 6 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo nas diferentes faixas etárias analisadas.
Faixa Etária
3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11
Processos Fonológicos N (%) N (%) N (%) P-valor
Simplificação para C1V 87 64,93 89 72,95 26 42,62
Substituição de líquida 24 17,91 26 21,31 24 39,34
Metátese 16 11,94 4 3,28 8 13,12 0.0010
Epêntese 4 2.98 0 0 1 1,64
Substituição de obstruinte
3 2,24 1 0,82 1 1,64
Simplificação para C2V 0 0 2 1,64 1 1,64
Fonte: Autora (2015)
Pode-se constatar na Tabela 6, em relação à faixa etária de 3;0 a 3;11 anos,
uma prevalência do processo de simplificação para C1V (64,93%), seguido dos
processos de substituição do traço da líquida (17,91%) e de metátese (11,94%). Os
processos de epêntese e substituição do traço da obstruinte foram observados em
frequência muito baixa, e a simplificação para C2V não foi observada nesta faixa
etária.
Em relação à faixa etária de 4;0 a 4;11, prevaleceu os processos de
simplificação para C1V (72,95%) e substituição do traço da líquida (21,31%). Já os
processos de metátese, substituição do traço da obstruinte e de simplificação para
C2V foram observados em baixa frequência. Não foi constatado o processo de
epêntese na fala das crianças dessa faixa etária.
Em se tratando da faixa etária de 5;0 a 5;11, foi observada uma maior
ocorrência dos processos de simplificação para C1V (42,62%) e de substituição do
traço da líquida (39,34%). Já o processo de metátese foi observado em um percentual
menor (13,12%), seguido dos processos de epêntese, substituição de obstruinte e
simplificação para C2, com apenas uma ocorrência cada.
As Tabelas 7 e 8 apresentam separadamente valores percentuais das
ocorrências dos processos fonológicos na aquisição dos onsets complexos contendo
as líquidas lateral e não-lateral. A partir da análise estatística, foram encontradas
significância para ambas.
69
Nessas Tabelas 7 e 8 foram observadas configurações semelhantes à Tabela
9 com dados gerais nas faixas etárias de três e quatro anos de idade. Já na fala das
crianças de 5;0 a 5;11 foi constatado comportamento diferente. Segue abaixo a Tabela
7 discriminando os percentuais de ocorrências dos processos fonológicos envolvendo
o onset complexo com a líquida lateral /l/:
Tabela 7 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo (OC) com a líquida lateral nas diferentes faixas etárias analisadas.
Faixa Etária
3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11
Processos Fonológicos na aquisição do OC com /l/
N (%) N (%) N (%) P-valor
Simplificação para C1V 25 55,56 39 70,90 8 22,22
Substituição de líquida 11 24,44 10 18,18 24 66,67
Metátese 8 17,78 4 7,28 3 8,33 < 0.0001
Epêntese 1 2,22 0 0 0 0
Simplificação para C2V 0 0 2 3,64 1 2,78
Fonte: Autora (2015)
Como se pode observar na Tabela 7, foi obtido p-valor significante para a
análise dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo com a líquida
lateral nas diferentes faixas etárias analisadas. Não foi observado o processo de
substituição da obstruinte neste grupo. Os processos observados na faixa etária de
3;0 a 3;11 anos foram: simplificação para C1V (55,56%), seguido dos processos de
substituição do traço da líquida (24,44%) e de metátese (17,78%). Foi observada
apenas um caso de epêntese.
Em relação à faixa etária de 4;0 a 4;11, prevaleceram os processos de
simplificação para C1V (70,90%) e substituição do traço da líquida (18,18%). Foi
observado baixo percentual dos processos de metátese e de simplificação para C2V.
Não foi constatado o processo de epêntese na fala das crianças dessa faixa etária.
Em se tratando da faixa etária de 5;0 a 5;11, foi observada uma maior
ocorrência do processo de substituição do traço da líquida (66,67%), seguido da
simplificação para C1V (22,22%), ao contrário do que ocorre nas outras faixas etárias.
Já o processo de metátese foi observado em um percentual menor (13,12%), seguido
de um caso de simplificação para C2. Essa quantidade de processos fonológicos
nessa faixa etária, o que não é condizente com o que ocorre na literatura, é atribuída
70
ao fato que algumas crianças dessas faixas etárias têm realizado com certa frequência
o processo de substituição da líquida /l/ por //, que, como foi mencionado
anteriormente, pode ser uma variação linguística comum da população estudada.
Abaixo, na Tabela 8, são apresentados os percentuais de ocorrências dos
processos fonológicos com o onset complexo composto pela líquida não-lateral //:
Tabela 8 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo (OC) com a líquida não-lateral nas diferentes faixas etárias analisadas.
Faixa Etária
3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11
Processos Fonológicos na
aquisição do OC com // N (%) N (%) N (%) P-valor
Simplificação para C1V 62 69,67 58 78,38 18 72,00
Substituição de líquida 13 14,60 15 20,27 0 0
Metátese 8 8,99 0 0 5 20,00 0.0073
Epêntese 3 3,37 0 0 1 4,00
Substituição de obstruinte 3 3,37 1 1,35 1 4,00
Fonte: Autora (2015)
Na Tabela 8, constata-se que para a análise dos processos fonológicos na
aquisição do onset complexo com a líquida não-lateral nas diferentes faixas etárias
analisadas foi obtido também p-valor significante. Não foi observado o processo de
simplificação para C2V para este grupo. Os processos observados na faixa etária de
3;0 a 3;11 anos foram: simplificação para C1V (69,67%), seguido dos processos de
substituição do traço da líquida (14,6%) e de metátese (8,99%). Foi obtido baixo
percentual para os processos de epêntese e substituição de obstruinte, com apenas
três ocorrências cada.
Em se tratando da faixa etária de 4;0 a 4;11, foi observada uma maior
ocorrência dos processos de simplificação para C1V (78,38%) e substituição do traço
da líquida (20,27%). Houve apenas uma ocorrência da substituição de obstruinte.
Em relação à faixa etária de 5;0 a 5;11, prevaleceram os processos de
simplificação para C1V (72%) e metátese (20%). Foi observado baixo percentual dos
processos de epêntese e de substituição de obstruinte. Não foi constatado o processo
de epêntese na fala das crianças dessa faixa etária. É importante ressaltar que o alto
percentual do processo de simplificação para C1V, deve-se a uma criança dessa faixa
71
etária que ainda estava em processo de aquisição do onset complexo, o que pode ter
distorcido os resultados em relação à elevada ocorrência desse processo.
Notou-se que, tanto para o grupo de onset com a líquida lateral como com a
não-lateral, a simplificação para C1V foi o recurso mais utilizado na aquisição do onset
complexo nas faixas etárias estudadas, com exceção da faixa de cinco anos para a
líquida lateral, devido a questões de uma possível variação linguística, como foi
anteriormente explicado.
Segundo o Princípio de Sequência de Sonoridade, a sílaba mais simples é
considerada uma sílaba menos marcada, sendo, por isso, preferível pelas crianças
em aquisição fonológica, já que possui uma crescente única de sonoridade, indo de
uma obstruinte, a qual possui menor grau de sonoridade, para uma vogal, segmento
que possui o maior grau de sonoridade.
Portanto, isso pode explicar o fato de haver uma prevalência do uso desse
recurso durante o percurso de aquisição das estruturas silábicas pelas crianças deste
estudo.
Os resultados desta pesquisa, com dados de aquisição do português falado em
Maceió, concordam com resultados de outros estudos realizados em diferentes
regiões (RIBAS, 2009; STAUDT e FRONZA, 2010; MEZZOMO et al., 2012; BAESSO
et al., 2012), os quais também verificaram uma maior ocorrência do processo de
simplificação para C1V em crianças com desenvolvimento fonológico típico,
mostrando que, na incapacidade de realizar corretamente o onset complexo, as
crianças, preferencialmente, produzem a primeira consoante do onset.
Em seu estudo, Ribas (2002) encontrou um baixo percentual das demais
estratégias de reparo, as quais não chegaram a 5% do total de estratégias. A autora
afirma, a partir deste achado, que não há vários estágios de aquisição do onset
complexo. Esse baixo percentual das outras estratégias não pode ser generalizado a
todas as crianças, nem constituir um estágio na aquisição do onset complexo.
Existem, para essa autora, apenas dois estágios na aquisição: a produção C1V e a
produção correta.
Já no presente estudo, foi constatado um percentual relevante das demais
estratégias de reparo, apesar da maior ocorrência da simplificação para C1V. Notou-
se um percentual intermediário dos processos de substituição da líquida e metátese
para a maioria das faixas etárias. Já os processos de epêntese, substituição de
72
obstruinte e simplificação para C2V, foram pouco observados, podendo ser
considerados recursos individuais.
A substituição de líquida foi o segundo processo mais frequente na fala das
crianças, também nas três faixas etárias, quando consideradas as duas variantes do
onset complexo, exceto para a faixa de cinco anos, na qual houve a inversão com o
processo de simplificação para C1V. Esses dados são consonantes com o estudo de
Ribas (2006), com crianças da Região Sul, que constatou, embora em frequência
menor, a substituição do traço da líquida como segunda estratégia mais utilizada por
crianças de faixa etária entre 2;0 e 5;3 de idade. É importante, todavia, notar que
outras pesquisas não encontraram resultado semelhante em dados de fala de
crianças com desenvolvimento fonológico típico (MEZZOMO et al., 2012; BAESSO et
al., 2012).
Em relação ao onset complexo composto por obstruinte + /l/, observou-se que
a substituição da líquida lateral pela não-lateral pode ser atribuída, reforçando o que
já foi mencionado, a uma variação linguística da fala de algumas crianças, por possível
influência dos familiares que possuem baixa escolaridade. Esse processo foi
observado, principalmente, na palavra planta, sendo produzida como ʹpã.ta.
Quanto ao onset complexo composto por obstruinte + //, a substituição da
líquida não-lateral pela líquida lateral, como, por exemplo, em prato → ['pla.tu], foi o
segundo mais observado nas duas primeiras faixas etárias. Já na faixa de 5;0 a 5;11,
não houve ocorrência desse processo.
Observamos, portanto, que durante a aquisição do onset complexo, entre os
3;0 e 4;11, algumas crianças tendem a substituir o segundo segmento do onset
complexo por outro menos marcado e adquirido mais cedo em outras estruturas
silábicas (onset simples e coda). Esse dado concorda com o estudo de Ferrante, Van
Borsel e Pereira (2008), o qual afirma que a criança adquire o onset complexo formado
por obstruinte + líquida lateral antes do onset formado por obstruinte + líquida não-
lateral.
Ribas (2006) e Queiroga et al. (2012), por outro lado, advogam não existir essa
ordem de aquisição, e que a criança está lidando com a complexidade da estrutura
silábica e não com uma sequência de segmentos mais fáceis ou mais difíceis.
A ocorrência do processo de metátese, tanto com o grupo obstruinte + /l/ como
obstruinte + //, embora em menor frequência nos dados analisados, também tem sido
73
observada em outras pesquisas (STAUDT e FRONZA, 2010; MEZZOMO et al., 2012;
BAESSO et al., 2012). Na utilização dessa estratégia, pode ocorrer uma transposição
do segmento C2 de sua sílaba CCV para uma sílaba CV em outra posição na palavra,
como, por exemplo, em prato → ['pa.tu], podendo também ocorrer uma transposição
para uma posição de coda (CVC), por exemplo prato → ['pah.tu], porém este último
tipo não foi observado neste estudo. Essas evidências mostram que a criança já
domina uma estrutura silábica mais complexa, porém possui ainda uma dificuldade na
organização de seu sistema fonológico, possivelmente relacionada com a posição ou
composição da sílaba.
Uma explicação para a ocorrência do processo de metátese pelas crianças
poderia ser a ocorrência de uma transposição da líquida na posição C2 para a sílaba
tônica da palavra, já que alguns estudos referem que a tonicidade favorece a aquisição
do onset complexo (RIBAS, 2002; STAUDT e FRONZA, 2010; QUEIROGA et al.,
2001). Essa variável influenciou significativamente a produção correta do onset
complexo neste estudo, como foi observado no tópico anterior.
Do total de 28 ocorrências de metátese, em 10 ocorreu a transposição do onset
complexo para a sílaba forte do pé métrico. As palavras nas quais foi observada a
influência da tonicidade na realização da metátese foram trator e travessa, as quais
as crianças produziam como [taʹto] e [taʹvɛsa], porém nesta última observa-se
também que o onset complexo foi transferido de uma sílaba com obstruinte coronal
para labial.
A transposição do onset complexo para uma sílaba composta por obstruinte
facilitadora à sua produção seria uma outra possível motivação para a realização
desse processo. A criança realizaria, por exemplo, a transferência do onset com uma
obstruinte dorsal ou coronal para o onset composto por obstruinte de ponto labial. Já
que o ponto labial tem sido observado em outros estudos como um ambiente
facilitador à produção correta da sílaba CCV (MAGALHÃES, 2000; RIBAS, 2002;
QUEIROGA et al., 2012).
Em relação a essas estratégias, foram observadas 17 transposições para
sílaba com obstruinte labial, nas palavras clube, globo e cravo, as quais eram
produzidas: [ʹkubli], [ʹgoblu] e [ʹkavu]. Em apenas uma ocorrência, a criança transferiu
a sílaba complexa de um ambiente com obstruinte coronal para um com dorsal,
produzindo [ʹdga] no lugar da palavra droga.
74
A obstruinte labial é considerada um segmento de traço menos marcado e mais
robusto, segundo a Escala de Robustez proposta por Clements (2005). A robutez
desse traço vai influenciar não só na aquisição segmental, como também no início da
organização do onset complexo, elegendo na constituição silábica a obstruinte mais
facilitadora. Esse fato poderia explicar a preferência por essa obstruinte na produção
dessa estrutura silábica mais complexa, devido a uma maior facilidade de produção
pelas crianças.
Observou-se, portanto, que nos dados do presente estudo, tanto a tonicidade
como o ponto da obstruinte influenciou a ocorrência do processo de metátese,
corroborando com o que foi verificado em outras pesquisas.
Foi constatada uma baixa ocorrência do processo de epêntese, que pode ser
atribuída ao fato de essa estratégia ter sido observada na fala de apenas duas
crianças, sendo consideradas como variações individuais na manipulação da
complexidade silábica. Uma criança realizou o processo na palavra cruz, produzindo
[kuʹuis]. E a outra produziu também [kuʹuis], além de [ʹlivuu] para livro, [buʹuza]
para blusa e [baʹasu] para braço.
Nos casos de epêntese observados neste estudo, foi observado que as
crianças transformaram em CVCV os onsets complexos com plosivas labiais e
dorsais. Na literatura não há um consenso sobre que ambiente influenciaria a
ocorrência da epêntese na fala das crianças em aquisição do onset complexo.
O uso desse processo fonológico mostra que as crianças que o empregam
podem estar mais sensíveis à estrutura da sílaba do onset complexo, pois essas
crianças estão realizando uma estratégia de reparo mais complexa, já que há um
acréscimo de fonema e não uma redução para C1V, ou seja, estão transformando
CCV em CVCV. Estudos que reportaram a ocorrência da epêntese em seus
resultados referem que o uso desse recurso reflete o conhecimento que a criança tem
sobre a língua e que seria uma tentativa de organização do sistema fonológico.
(RAMOS-PEREIRA; HENRICH e RIBAS, 2010; MEZZOMO et al., 2012).
Outro processo de baixo percentual foi o de simplificação para C2V, observado
apenas em palavra com o onset complexo composto pela líquida lateral. A utilização
desse processo também demonstra, assim como a utilização da epêntese, que a
criança já estaria tentando organizar o seu sistema fonológico. Observa-se que a
criança não consegue ainda produzir a estrutura silábica onset complexo, realizando
75
um processo de simplificação que implica um maior grau de dificuldade em relação a
outros processos, consistindo na simplificação da sílaba CCV para C2V, em vez de
realizar a simplificação para C1V, a qual ocorre mais comumente. Nesse caso, no lugar
da obstruinte, é a líquida, segmento que possui um traço mais marcado, que ocupa a
posição de onset. Esse processo foi observado na palavra plástico, sendo substituída
por [ʹlaiku]
O processo de substituição do traço da obstruinte, observado apenas em
palavra com o onset complexo composto pela líquida não-lateral, como, por exemplo
na produção de [ʹbosu] para grosso, apresentou também um baixo percentual nas
três faixas etárias. Estudo de BAESSO et al. (2012) constatou, igualmente, uma baixa
ocorrência (5%) desse processo por crianças com desenvolvimento fonológico típico
de faixa etária entre 1;0 e 4;0 anos.
Ao se comparar a prevalência dos processos fonológicos em relação a cada
faixa etária, observou-se que nas faixas etárias mais avançadas há uma maior
habilidade em relação à produção dos sons-alvo.
Nas crianças das faixas etária de 3;0-3;11 e 4;0-4;11 foi observada uma maior
ocorrência do processo de simplificação para C1V, considerado de menor
complexidade. Porém, são constatados alguns casos de substituição da líquida, ou
seja, já há uma tentativa de produção da estrutura silábica complexa, por meio de
substituições. Os demais processos são observados em um percentual muito baixo e,
quando analisados individualmente, podem ser consideradas variações no processo
de aquisição fonológica entre as crianças.
Em estudos recentes, não foi observada essa semelhança entre as faixas
etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11 ao relacionar o desenvolvimento do sistema fonológico
em diferentes crianças com desenvolvimento fonológico típico (STAUDT e FRONZA,
2010; MEZZOMO et al., 2012; BAESSO et al., 2012).
Já na faixa etária de 5;0 a 5;11, foi observada uma baixa ocorrência de
processos fonológicos, sendo observada em 90% das crianças desse grupo a
estabilização do onset complexo em seus sistemas fonológicos. A ocorrência de
número significante do processo de simplificação para C1V no grupo com a líquida
não-lateral e de substituição de líquida no grupo com líquida lateral, foi atribuída a
casos individuais que geraram distorções nos resultados como já foi mencionado.
76
3.2 Análise dos dados coletados por meio de fala espontânea
Além da análise com os dados coletados por meio das provas de imitação e
nomeação do Teste de Linguagem Infantil – ABFW (WERTZNER, 2004), foi realizada
análise de dados coletados com a avaliação de fala espontânea. A análise a seguir
justifica-se pelo fato de poder incluir a faixa etária de 2;6 a 2;11 para comparação com
as demais faixas etárias, já que a avaliação dessas crianças não pôde ser realizada
por meio do teste ABFW. Também foram analisados os processos fonológicos
prevalentes nessa faixa etária.
A Tabela 9 relaciona o percentual de produções-alvo e produções com
processos fonológicos com o sexo das crianças. Como se pode observar, não houve
diferença entre os valores percentuais entre o sexo masculino e o feminino.
Estudos constataram, quanto à relação entre sexo e produção correta do onset
complexo, que as meninas apresentam melhor desempenho (QUEIROGA et al., 2011;
MEZZOMO et al., 2012). Já Ribas (2002) encontrou resultados distintos para os dois
grupos de onset complexo. A autora constatou um melhor desempenho de produções
adequadas do grupo com a líquida não-lateral em meninas, porém, com a líquida
lateral os meninos apresentam um melhor desempenho.
Tabela 9 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo nos sexos masculino e feminino.
Sexo
Masculino Feminino
Produção do onset complexo N (%) N (%)
Produções-alvo 68 34,69 85 34,69 Produções com processos fonológicos 128 65,31 160 65,31
Fonte: Autora (2015)
A Tabela 10 apresenta a quantidade e o percentual de produções-alvo e
produções com processos fonológicos do onset complexo em cada uma das faixas
etárias. A partir da análise estatística foi obtido p-valor inferior a 0.0001, indicando
elevada significância na relação entre as faixas etárias e as produções-alvo e com
processos fonológicos do onset complexo.
77
Tabela 10 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo nas diferentes faixas etárias nos dados de fala espontânea.
Faixa Etária
2;6 - 2;11 3;0 - 3;11 4;0 - 4;11 5;0 - 5;11
Produção do onset complexo N (%) N (%) N (%) N (%)
P-valor
Produções-alvo 2 1,87 35 35,35 42 32,21 74 62,18 <
0.0001 Produções com processos fonológicos 105 98,13 64 64,65 74 67,79 45 37,82
Fonte: Autora (2015)
Ao contrário do que foi constatado com os dados coletados a partir de avaliação
com um grupo de vocábulos do Teste de Linguagem Infantil - ABFW, os resultados
com dados de fala espontânea revelaram um desempenho semelhante entre as
crianças na faixa etária de 3 anos e 4 anos. Esta diferença entre as duas análises
pode estar relacionada com as peculiaridades do vocabulário específico característico
dessas faixas etárias, incitado pela leitura conjunta de um livro infantil. Uma das
características desse vocabulário, como se pode observar no Quadro 5, é a maior
produção de palavras com o onset complexo composto por plosivas labial na posição
de C1, ambiente caracterizado por ser favorável à produção da estrutura silábica CCV.
Nas Tabelas 11, 12 e 13, serão apresentados os percentuais de produções-
alvo e produções com processos fonológicos separados por transição de faixas
etárias, a fim de se observar a significância desses valores e as características
específicas dessas transições.
A Tabela 11 apresenta a relação entre as produções-alvo e produções com
processos fonológicos na transição da faixa etária de 2;6 a 2;11 para 3;0-3;11. Ao ser
realizada análise estatística, houve significância nessa relação (p-valor < 00001).
Constata-se que há um avanço entre essas faixas etárias. Esse avanço fonológico é
necessário para que haja um avanço do léxico.
Ribas (2002) observou igualmente, nessas faixas etárias, um avanço
significativo do percentual de produções-alvo, variando de quase 0% no início da
aquisição a mais de 50% no final da faixa etária de 3 anos.
78
Tabela 11 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo relacionando as faixas etárias de 2;6-2;11 e 3;0-3;11 nos dados de fala espontânea.
Faixa Etária
2;6 - 2;11 3;0 - 3;11
Produção do onset complexo N (%) N (%) P-valor
Produções-alvo 2 1,87 35 35,35 < 0.0001 Produções com processos fonológicos 105 98,13 64 64,65
Fonte: Autora (2015)
A Tabela 12 apresenta a relação entre as produções-alvo e produções com
processos fonológicos nas faixas etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11. Ao ser realizada
análise estatística, não foi observada significância nessa relação, confirmando que
não há diferença entre essas duas faixas etárias.
Tabela 12 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo relacionando as faixas etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11 nos dados de fala espontânea.
Faixa Etária
3;0 - 3;11 4;0 - 4;11
Produção do onset complexo N (%) N (%) P-valor
Produções-alvo 35 35,35 42 32,21 0,9899 Produções com processos fonológicos 64 64,65 74 67,79
Fonte: Autora (2015)
Constata-se, portanto que há um período de estabilidade, onde os avanços
fonológicos vão ocorrer gradativamente e mais lentamente.
A aquisição fonológica ocorre simultaneamente à aquisição dos demais
aspectos da língua, como a sintaxe, semântica e morfologia. A causa dessa
estabilidade na aquisição do onset complexo na transição para a faixa de 4 anos, pode
estar relacionada a um período de maior desenvolvimento nesses outros
componentes da linguagem da criança (MENN e STOEL-GAMMON, 1997;
LAMPRECHT, 2004).
Além disso, dentro do nível fonológico, na aquisição do onset complexo, a
criança precisa lidar com uma estrutura silábica mais complexa, com diferentes
combinações. Os altos percentuais de produções com processos fonológicos nessas
idades estão relacionados às diferentes tentativas que as crianças fazem a fim de
79
produzir a sílaba CCV, até a sua completa aquisição, que vai acontecer mais adiante,
por volta dos 5 anos de idade.
Na Tabela 13 observa-se a relação entre as produções-alvo e produções com
processos fonológicos na transição entre as faixas etárias de 4;0-4;11 e 5;0-5;11. Na
análise estatística, foi observada alta significância nessa relação. Observa-se uma
inversão entre os percentuais de produções-alvo e produções com processos
fonológicos entres essas faixas etárias, com um aumento significativo de produções-
alvo. Nessa fase vai ocorrer o domínio do onset complexo, estabilizando-se o sistema
fonológico das crianças.
Tabela 13 - Percentual de produções-alvo e produções com processos fonológicos do onset complexo relacionando as faixas etárias de 4;0-4;11 e 5;0-5;11 nos dados de fala espontânea.
Faixa Etária
4;0 - 4;11 5;0 - 5;11
Produção do onset complexo N (%) N (%) P-valor
Produções-alvo 42 32,21 74 62,18 < 0.0001 Produções com processos fonológicos 74 67,79 45 37,82
Fonte: Autora (2015)
Pesquisadores, têm constatado, em sua maioria, que a aquisição do onset
complexo ocorre por volta dos 4;5, com algumas crianças se estendendo até a faixa
dos 5 anos. Esses estudos têm analisado dados de fala de crianças oriundas de
diferentes regiões, como SUL/SUDESTE (RIBAS, 2002; WERTZNER, 2002; GALEA,
2008; ATTONI et al., 2010; RAMOS-PEREIRA, HENRICH e RIBAS, 2010;
GIACCHINI, MOTA e MEZZOMO, 2011) e Região Nordeste (QUEIROGA et al, 2012;
PAYÃO, 2004).
A Tabela 14 apresenta o percentual de ocorrência de cada processo fonológico
na faixa etária de 2;6-2;11. Pode-se constatar, em relação a essa faixa etária, uma
prevalência do processo de simplificação para C1V (97,14%), seguido dos processos
de substituição do traço da líquida, observado em apenas duas crianças, com apenas
2,86%. Os processos de metátese, epêntese, substituição do traço da obstruinte e
simplificação para C2V não foram observados nesta faixa etária.
80
Tabela 14 - Ocorrência dos processos fonológicos na aquisição do onset complexo na faixa etária de 2;6 a 2;11.
Faixa Etária
2;6 - 2;11
Processos Fonológicos N (%)
Simplificação para C1V 102 97,14
Substituição de líquida 3 2,86
Metátese 0 0
Epêntese 0 0
Substituição de obstruinte 0 0
Simplificação para C2V 0 0
Fonte: Autora (2015)
Ribas (2002) constatou em seu estudo uma maior variedade de processos
fonológicos nessa faixa etária, porém, com exceção da simplificação para C1V, as
estratégias possuíam um percentual muito baixo, revelando muitas vezes estratégias
individuais de algumas crianças. A autora observou haver um melhor desempenho do
onset complexo composto por obstruinte + /l/.
No presente estudo, as três ocorrências de substituição da líquida foram
verificadas nas palavras brinco, quebrada e brincando, produzidas como [ʹblĩku],
[keʹblada] e [blĩʹkãdu]. Além disso, as produções corretas foram identificadas nas
palavras bicicleta e planta. Esses dados corroboram com o estudo de Ribas (2002),
que encontrou melhor desempenho no grupo com a líquida lateral.
Observou-se, nessa faixa etária, um total de 105 produções com processos
fonológicos e apenas 2 produções-alvo, demonstrando que as crianças nessa faixa
etária, no dialeto estudado, apresentam poucas evidências de produção do onset
complexo.
3.3 Subsídios fonológicos para a prática clínica fonoaudiológica
Baseando-se nos achados a respeito dos ambientes facilitadores e dos
processos fonológicos utilizados podem ser levantadas sugestões quantos às
palavras-estímulos utilizadas no tratamento de crianças com desvios fonológicos.
A utilização de algumas estratégias pelas crianças pode demonstrar que já
existe uma percepção do onset complexo em sua representação mental. Além disso,
81
observou-se que alguns ambientes fonológicos são mais favoráveis à produção do
onset complexo.
Foi constatado, no presente estudo, que apenas a tonicidade, para a produção
do onset complexo com a líquida não-lateral, foi considerada uma variável
influenciadora. A variante mais favorável foi a sílaba forte do pé métrico.
Apesar das outras variáveis não serem consideradas estatisticamente
significantes como influenciadoras da produção correta do onset complexo, observou-
se uma inclinação do percentual de produções corretas para alguns ambientes em
detrimento de outros. E dados semelhantes têm sido também observados em outros
estudos.
As plosivas labiais são consideradas ambientes facilitadores da produção do
onset complexo. Esse fato foi observado neste estudo, tanto na análise de ambiente
favoráveis como no uso de processos fonológicos, como, por exemplo, a metátese,
em que as crianças, que já dominam a estrutura silábica transferem o onset complexo
para a sílaba mais favorável, a sílaba com a obstruinte labial.
Apesar de não ter sido possível observar a influência do contexto seguinte /i/,
tem-se observado na prática clínica que essa vogal facilita a produção do onset
complexo composto de obstruinte + //, quando utilizada em palavras-estímulos no
tratamento de desvios fonológicos. Essa maior facilidade de produção do onset
complexo com o /i/ na posição de núcleo da sílaba, também foi observada em alguns
estudos (RIBAS, 2002; QUEIROGA et al, 2012).
Esses indícios podem contribuir de forma favorável na seleção de itens lexicais
que serão utilizados como palavras-alvo no tratamento de desvios fonológicos,
contribuindo para um melhor prognóstico.
Além dos ambientes favoráveis, a observação dos processos fonológicos
presentes na fala das crianças, podem fornecer, também, indícios de ambientes
facilitadores. A criança, ao realizar um processo como o de metátese, tende a procurar
um ambiente que seja mais favorável à produção do onset complexo.
82
CONCLUSÕES
Observou-se, a partir das análises, um comportamento semelhante da
aquisição do onset complexo com a líquida lateral e com a não-lateral nas faixas
etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11, demonstrando uma crescente aquisição do onset
complexo. Já na faixa etária de 5;0-5;11, os valores dos dois grupos se distanciam,
sendo observado um avanço significativo no percentual de produções-alvo apenas do
onset complexo com a líquida não-lateral. Como foi mencionado, este fato pode ter
ocorrido devido a uma característica do dialeto da população estudada, e não
necessariamente uma estratégia de reparo na ausência do onset complexo com a
líquida /l/.
Quanto à idade de aquisição, foi constatada uma aquisição tardia do onset
complexo no grupo de crianças analisado, tanto para sílabas compostas de obstruinte
+ /l/ como de obstruinte + //, por volta dos cinco anos de idade.
Quanto às variáveis influenciadoras na produção da sílaba CCV, foi constatada
significância apenas na relação entre tonicidade e produções-alvo do onset complexo
com a líquida não-lateral.
Apesar das outras relações não serem estatisticamente significantes, contatou-
se para o onset complexo com a líquida lateral uma maior inclinação do percentual
nos contextos seguintes ‘// e /u/’, ponto da obstruinte ‘labial’, e em relação ao
vozeamento da obstruinte ‘vozeada’. Já para o onset complexo com o //, o ambiente
mais favorável demonstrou ser a sílaba forte do pé métrico do acento, e observou-se
inclinação do percentual de produções-alvo para o contexto precedente ‘/e/’ e contexto
seguinte ‘/o/’, apesar destes contextos serem observados em apenas uma palavra
cada um. Em relação ao ponto da obstruinte, o mais favorável foi o ‘labial’, já o modo
da obstruinte foi ‘plosiva’ e quanto ao vozeamento, prevaleceu a consoante
‘desvozeada’.
Nesta pesquisa não pode ser analisado o ambiente com a vogal seguinte /i/,
por este não ter sido observado no vocabulário utilizado. Portanto, observa-se que a
ausência de alguns ambientes e a baixa ocorrência de outros tem influência negativa
na análise. Estudos futuros poderiam utilizar para avaliação um instrumento com
vocabulário mais abrangente e balanceado que englobasse um número maior de
palavras e uma maior variedade de ambientes possíveis.
83
Em relação à prevalência dos processos fonológicos, constatou-se uma maior
ocorrência do processo fonológico de simplificação para C1V. Esse dado confirma
estudos recentes sobre a aquisição do PB em relação à complexidade da estrutura
CCV. Há concordância entre os autores de que, na impossibilidade de realização do
onset complexo, as crianças utilizam a redução para uma estrutura mais simples
(C1V).
Na faixa etária de 2;6-2;11, observou-se uma prevalência do processo de
simplificação para C1V. O processo de substituição do traço da líquida foi observado
em apenas duas crianças.
Nas crianças das faixas etárias de 3;0 a 3;11 e 4;0 a 4;11 observou-se uma
maior ocorrência do processo de simplificação para C1V, sendo já constatados outros
processos. Conclui-se que já há uma tentativa de produção da estrutura silábica CCV,
por meio de substituições. Os demais processos são observados em um percentual
muito baixo, o que pode revelar preferências individuais de algumas crianças e não
devem ser generalizados.
Na faixa etária de 5;0 a 5;11, foi observada uma baixa ocorrência de processos
fonológicos, sendo observado em 90% das crianças desse grupo a estabilização do
onset complexo em seus sistemas fonológicos. Foi observada uma ocorrência
significante do processo de simplificação para C1V no grupo com a líquida não-lateral
e da substituição de líquida no grupo com líquida lateral. Porém esses percentuais
podem ser atribuídos a casos individuais e de variação linguística. Um número maior
de sujeitos e os fatores extra-linguísticos sociais e dialetais devem ser considerados
em estudos futuros a fim de eliminar ou minimizar esses problemas.
A análise por meio dos dados de fala espontânea nos mostrou que na transição
da faixa etária de 2;6 a 2;11 para 3;0-3;11, há um avanço do sistema fonológico, o que
vai contribuir para que haja um avanço do léxico, já que é observado, nessa faixa
etária, um aumento significativo do vocabulário das crianças.
Entre as faixas etárias de 3;0-3;11 e 4;0-4;11 não houve diferença
estatisticamente significante, constatando-se um período de estabilidade, onde os
avanços fonológicos vão ocorrer mais lentamente.
Observou-se uma inversão entre os percentuais de produções-alvo e
produções com processos fonológicos na transição da faixa etária de 4;0-4;11 para a
de 5;0-5;11. Houve um aumento significativo de produções-alvo, e a consequente
estabilização do sistema fonológico das crianças.
84
Este estudo possibilitou a confirmação de modelos teóricos fonológicos, os
quais se mostraram relevantes, contribuindo com um melhor entendimento da
natureza do desenvolvimento fonológico típico, explicando os fenômenos
relacionados com a aquisição do onset complexo.
Além disso, a realização de pesquisa com dados de fala de crianças falantes
do PB residentes de Maceió-AL, região onde os estudos em aquisição fonológica
ainda são escassos, ao contrário do que ocorre nas regiões Sudeste e Sul do país,
contribuirá com informações sobre algumas variações dialetais oriundas da região
nordeste do Brasil.
O conhecimento dessas variações poderá ser explorado em pesquisas
linguísticas futuras e aplicado na prática fonoaudiológica nos procedimentos de
avaliação de linguagem falada, identificando-se as dificuldades reais na aquisição
fonológica e as manifestações de fala características do dialeto utilizado no ambiente
sócio-cultural da criança.
As análises dos processos fonológicos e ambientes favoráveis realizadas neste
estudo fornecem informações relevantes a respeito da representação mental do onset
complexo em crianças com desenvolvimento típico. Essas informações sobre a
aquisição do onset complexo auxiliam na seleção do léxico para avaliação e
tratamento em casos de desenvolvimento atípico, contribuindo para elaboração e
implementação de uma terapia mais efetiva.
85
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92
Anexo A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (T.C.L.E.) (Em 2 vias, firmado por cada participante-voluntári(o,a) da pesquisa e pelo responsável)
“O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.” (Resolução. nº 196/96-IV, do Conselho Nacional de Saúde)
Eu, .........................................................................................................................................................., responsável pelo menor .........................................................................................................................., convidad(o,a) a participar como voluntári(o,a) do estudo Avaliação fonético-fonológica em crianças com desenvolvimento típico, estudantes da educação infantil de escolas municipais públicas de Maceió – AL, recebi do Prof. Dr. Miguel Oliveira Jr. e da Profa. Dra. Luzia Miscow da Cruz Payão, do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística – Faculdade de Letras – UFAL, responsável por sua execução, as seguintes informações que me fizeram entender sem dificuldades e sem dúvidas os seguintes aspectos: Que o estudo se destina a estudar como os sons da fala são adquiridos pelas crianças, desde os sons mais fáceis até os mais difíceis, de modo que possamos entender como se dá essa aquisição em crianças de diferentes idades. Que a importância deste estudo é a de que, a partir do momento em que se compreende o desenvolvimento da linguagem de crianças sem alterações, pode-se desenvolver métodos e formas apropriadas para avaliar e tratar as crianças que possuem dificuldades em relação à aprendizagem dos sons da fala, tomando medidas mais adequadas para o desenvolvimento de um tratamento fonoaudiológico mais eficaz. Que os resultados que se desejam alcançar são os seguintes: esse conhecimento das características do desenvolvimento dos sons da fala das crianças permitirá a identificação dos riscos para o desenvolvimento de alterações de linguagem, possibilitando ações de prevenção e intervenção precoce em saúde da comunicação humana. Que esse estudo começará em janeiro de 2013 e terminará em fevereiro de 2015. Que o estudo será feito da seguinte maneira: Serão realizadas as seguintes etapas: I- Entrevista com os responsáveis pela criança. II- Avaliação de linguagem: Para avaliação da linguagem em crianças entre 1 e 3 anos de idade será filmada, por cerca de 30 minutos, a criança em situação de brincadeira com as pesquisadoras. Para as crianças de 3 a 5 anos será utilizado um teste de linguagem infantil, o ABFW, para avaliar os sons da fala da crianças. O teste inclui duas provas: a imitação e a nomeação. A prova de imitação compreende 39 palavras; nesta o examinador deve pedir à criança que repita a palavra enunciada. A prova de nomeação compreende 34 palavras; nesta o examinador deve pedir à criança que diga o nome da figura mostrada. Ao final das apresentações, as respostas (as falas das crianças) serão transcritas. Todos os dados serão registrados em Gravador digital, para posterior análise, sendo assegurado pela pesquisadora a manutenção do sigilo quanto à identidade dos participantes. III- Avaliação da audição: a criança será encaminhada para avaliação básica da audição no Laboratório de Audiologia Prof. Marco Antonio Mota, localizado na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas – UNCISAL. O agendamento prévio deste exame será responsabilidade das pesquisadoras. IV- Avaliação das estruturas fonoarticulatórias: serão avaliados, pela pesquisadora, os órgãos e músculos da criança responsáveis pela produção da fala (por exemplo: boca, língua, bochechas, lábios). Essa avaliação será realizada na própria escola, no turno frequentado pelas crianças. Que eu participarei das seguintes etapas: Entrevista com os responsáveis pela criança (Etapa I acima), na qual deverei fornecer informações a respeito do desenvolvimento geral da criança. Que a criança por quem eu sou responsável participará das Etapas II, III e IV, tal como descritas acima.
93
Que os incômodos ou os possíveis riscos à minha saúde física e mental são: mínimos, como possíveis incômodos comumente associados a situações de entrevista para os responsáveis, constrangimento para a criança na fase da filmagem, leve incômodo no teste de audição, porém os participantes serão informados acerca da possibilidade de poderem interromper o experimento a qualquer tempo, sem precisar dar justificativas para fazê-lo. Que deverei contar com a seguinte assistência: se for observada, durante Etapas II, III e IV descritas acima, alguma alteração de linguagem/fala na criança pela qual eu sou responsável, ela poderá ser, caso assim o deseje, encaminhada para tratamento fonoaudiológico na Unidade de Tratamento em Fonoaudiologia Prof. Jurandir Bóia Rocha, da Faculdade de Fonoaudiologia de Alagoas – UNCISAL. Que os benefícios que deverei esperar com a minha participação e a participação do menor pelo qual sou responsável, mesmo que não diretamente são: ampliar o conhecimento acerca do desenvolvimento dos sons da fala de crianças sem alteração. Proporcionar um tratamento mais eficaz de crianças com alteração dos sons da fala, favorecendo um melhor aproveitamento do tempo de terapia. Que, sempre que desejar, serão fornecidos esclarecimentos sobre cada uma das etapas do estudo. Que, a qualquer momento, eu poderei recusar a continuar participando e a permitir que a criança por quem eu sou responsável continue participando do estudo e, também, que eu poderei retirar este meu consentimento, sem que isso me traga qualquer penalidade ou prejuízo. Que as informações conseguidas através da minha participação não permitirão a identificação da minha pessoa ou do menor participante deste estudo, por quem sou responsável, exceto aos responsáveis pelo estudo, e que a divulgação das mencionadas informações só será feita entre os profissionais estudiosos do assunto. Que as despesas que eu venha a ter com a minha participação nesse estudo, referente ao meu deslocamento e da criança pela qual sou responsável para a avaliação da audição da criança na Faculdade de Fonoaudiologia de Alagoas – UNCISAL, serão reembolsadas; sendo que, para essas despesas, foi-me garantida a existência de recursos. Que eu deverei ser indenizado por qualquer despesa que venha a ter com a minha participação nesse estudo e, também, por todos os danos que venha a sofrer pela mesma razão. Finalmente, tendo eu compreendido perfeitamente tudo o que me foi informado sobre a minha participação no mencionado estudo e estando consciente dos meus direitos, das minhas responsabilidades, dos riscos e dos benefícios que a minha participação implicam, concordo em dele participar e para isso eu DOU O MEU CONSENTIMENTO SEM QUE PARA ISSO EU TENHA SIDO FORÇADO OU OBRIGADO.
Endereço d(o,a) participante-voluntári(o,a) Domicílio: (rua, praça, conjunto): Bloco: /Nº: /Complemento: Bairro: /CEP/Cidade: /Telefone: Ponto de referência:
Contato de urgência: Sr(a). Domicílio: (rua, praça, conjunto): Bloco: /Nº: /Complemento: Bairro: /CEP/Cidade: /Telefone: Ponto de referência:
94
Endereço d(os,as) responsáve(l,is) pela pesquisa (OBRIGATÓRIO): Instituição: Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística - FALE Endereço: Av. Lourival Melo Mota, S/N, Campus A.C. Simões Bloco: /Nº: /Complemento: Bairro: /CEP/Cidade: Tabuleiro do Martins – CEP 57072-970 – Maceió - AL Telefones p/contato: (82) 3214-1463, 3214-1640
ATENÇÃO: Para informar ocorrências irregulares ou danosas durante a sua participação no estudo, dirija-se ao: Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas: Prédio da Reitoria, sala do C.O.C. , Campus A. C. Simões, Cidade Universitária Telefone: 3214-1041
Maceió,
(Assinatura ou impressão datiloscópica d(o,a) voluntári(o,a) ou resposável legal
- Rubricar as demais folhas)
Prof. Dr. Miguel de Oliveira Jr. Profa. Dra. Luzia Miscow da Cruz Payão Maraísa Espíndola de Castro
Nome e Assinatura do(s) responsável(eis) pelo estudo (Rubricar as demais páginas)
95
Anexo B - Protocolo de anamnese
Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas – UNCISAL – Curso de
Fonoaudiologia
CENTRO ESPECIALIZADO EM REABILITAÇÃO – CER III
ANAMNESE
I. Dados pessoais:
Nome: ______________________________________________________
Idade: ______________________D.N.: ____________________________
Gênero: ______________________________
Filiação: (mãe) ________________________________________________
(pai) _________________________________________________
Profissão dos pais: _____________________________________________
Escolaridade dos pais: __________________________________________
Endereço: ____________________________________________________
_____________________________________________________________
Telefones: ____________________________________________________
Encaminhado por: ______________________________________________
Data da anamnese: ______________________
II. Motivo da consulta:
III. Antecedentes pré-natais:
Ordem de nascimento:
Gestação:
IV. Antecedentes natais:
Local do parto:
Condições do parto: ( ) a termo ( ) prematuro _____ meses
Tipo de parto: ( ) normal ( ) cesariana ( ) fórceps
( ) induzido
96
Condições da criança ao nascer:
V. Antecedentes de maturação:
Alimentação:
Desenvolvimento psicomotor:
Linguagem:
Balbuciou?
Primeiras palavras:
Modo de comunicação:
Audição:
VI. Antecedentes patológicos:
Doenças:
Intervenções cirúrgicas:
VII. Tratamentos anteriores:
VIII. Hábitos:
Sucção de dedo:
Chupeta:
Onicofagia:
IX. Antecedentes hereditários e familiares:
X. Impressão deixada pelo paciente e/ou informante:
XI. Condutas e encaminhamentos:
Maceió, / / .
97
Anexo C - Parte A: Fonologia do Teste de Linguagem Infantil – ABFW –
Protocolo de registro – Imitação
98
Anexo D - Parte A: Fonologia do Teste de Linguagem Infantil – ABFW – Protocolo
de registro – Nomeação
99
Anexo E - Protocolo de Avaliação Miofuncional Orofacial
Nome: ..........................................................................................................................
Sexo: .......................................................
Idade (D.N.): ..................................................... Data: / / .
Respiração
1. Característica miofacial normal ( ) alterada( ) ..........................................
2. Competência labial sim ( ) não ( ) ..........................................
3. Competência lingual sim ( ) não ( ) ..........................................
4. Competência mandibular sim ( ) não ( ) ..........................................
5. Reflexo alar sim ( ) não ( ) ..........................................
6. Forma do palato normal ( ) alterada ( ) ..........................................
7. Tonsilas normal ( ) alterada ( ) ..........................................
ausente( )
8. Adenóide normal ( ) alterada ( ) ..........................................
ausente ( )
9. Patologias associadas não ( ) sinusites ( )
Rinite ( ) bronquite ( )
Asma ( ) outras ( ) ..........................................
10. Avaliação da respiração nasal ( ) oral ( ) ..........................................
Obs.: .........................................................................
Deglutição
1. Vedamento labial sim ( ) não ( )
2. Lábios com pressionamento normal ( ) alterado ( ) ..........................................
3. Mímicas peribucais não ( ) sim ( ) ..........................................
4. Língua ( anatomia ) normal ( ) alterada ( ) ..........................................
( função ) normal ( ) alterada ( ) .........................................
( postura habitual ) normal ( ) alterada ( ) ..........................................
5. Função do masseter normal ( ) alterada ( ) ..........................................
6. Freio lingual normal ( ) alterada ( ) ..........................................
7. Emissão de fonemas:
a.) Bilabiais ( p / b / m ) normal ( ) alterada ( ) ..........................................
b) Linguoalveolares ( t / d/ n / l ) normal ( ) alterada ( ) ..........................................
c) Fricativos ( s / z / ch / g ) normal ( ) alterada ( ) ..........................................
8. Avaliação da deglutição normal ( ) adaptada ( ) ..........................................
Obs.: ..................................................................................................
Sucção
1. Hábitos de sucção ausente ( )
100
Chupeta ( ) dedo ( ) mamadeira ( ) lábio ( )
outros ( )
Mastigação
1. Hábito alimentar adequado ( ) inadequado ( )
2. Preferência mastigatória bilateral ( ) unilateral ( )
3. Musculatura do masseter simétrica ( ) assimétrica ( )
4. Hábitos de mastigação ausentes ( ) onicofagia ( )
bruxismo ( )
outros ( )
Obs.: ........................................................................................
Oclusão
1. Normal ( )
2. Prejudicada ( )
3. Mordida aberta ( ) anterior ( ) posterior ( )
unilateral ( ) bilateral ( )
4. Mordida profunda ( )
5. Mordida cruzada ( ) anterior ( ) posterior ( ) 6. Diastema
( ) apinhamento ( ) mutilação ( )
7. Tipo de dentição decídua ( ) mista ( ) permanente ( )
Obs.:
....................................................................................................................................................
............................................................................................................................
Avaliação Complementar
Fonoaudiologia ( )
.............................................................................................................................
Otorrinolaringologia ( )
.............................................................................................................................
Outros ( )
.............................................................................................................................
Obs. Finais: ............................................................................................................................................................................................................................................................................................
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