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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO
PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
E DESAFIOS PARA UM CURRÍCULO INTERCULTURAL
Recife
2014
PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
E DESAFIOS PARA UM CURRÍCULO INTERCULTURAL
VITÓRIA TERESA DA HORA ESPAR
Orientadora: Prof.ª. Drª. Aída Maria Monteiro da Silva
Dissertação apresentada ao curso
de Mestrado em Educação, do
Programa de Pós-Graduação em
Educação, da Universidade
Federal de Pernambuco, como
requisito parcial para a obtenção
do grau de Mestre em Educação.
Recife
2014
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
VITÓRIA TERESA DA HORA ESPAR
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
TÍTULO: PROCESSO DE ESTADUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA E DESAFIOS PARA UM CURRÍCULO INTERCULTURAL
COMISSÃO EXAMINADORA
___________________________________
Profª. Drª. Aída Maria Monteiro Silva
1ª examinadora/ Presidente
___________________________________
Prof. Dr. Renato Monteiro Athias
2º examinador
___________________________________
Profª. Drª. Rosângela Tenório de Carvalho
3ª examinadora
MENÇÃO DE APROVAÇÃO: APROVADA
Recife, 20 de agosto de 2014.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Aída Maria Monteiro da Silva, minha gratidão por acreditar neste
trabalho, pela confiança depositada em mim e por toda a paciência e incentivo.
À toda minha família, em especial aos meus pais, meu esposo, meus irmãos e minha filha,
por toda a ajuda, estímulo, conselhos e, principalmente, por acreditar na minha
capacidade.
Aos povos indígenas de Pernambuco pela oportunidade de conhecê-los e a paciência em
ensinar a esta professora uma nova forma de pensar a educação.
À Secretaria de Educação de Pernambuco, em especial aos colegas da UEEI, pela
disposição em colaborar com esta pesquisa.
Às professoras Zélia Porto, Rosângela Tenório e Renato Athias, pelos ensinamentos,
contribuições e palavras de incentivo, no momento da minha qualificação e sempre
quando precisei.
Ao Curso de Pós-Graduação em Educação da UFPE, em especial aos mestres com quem
tive oportunidade de aprender durante o curso, por todo apoio e pela oportunidade de
aprendizado e formação.
À FACEPE pelo financiamento desta pesquisa.
Aos meus colegas do Mestrado e Doutorado em Educação pela acolhida, pelo apoio e
incentivo recebidos.
A todas as pessoas que contribuíram direta ou indiretamente na realização deste trabalho.
“Seria uma atitude muito ingênua esperar que as
classes dominantes desenvolvessem uma forma de
educação que permitisse às classes dominadas
perceberem as injustiças sociais de forma crítica.”
Paulo Freire
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Número de matrículas da Educação Indígena por Etapas e Modalidades de
Ensino no Brasil de 2007 – 2012 _________________________________________ 39
Quadro 2 - Minuta de Matriz Curricular do Ensino Fundamental Anos Iniciais da
Educação Escolar Indígena, 2012. _______________________________________ 105
Quadro 3 - Trabalhos sobre Educação Escolar Indígena apresentados em reuniões anuais
da ANPED _________________________________________________________ 139
Quadro 4 - Teses e dissertações sobre Educação Escolar Indígena encontrados no Banco
de Teses da CAPES (com exceção de Pernambuco) _________________________ 140
Quadro 5 - Teses e dissertações sobre a temática Indígena em Pernambuco encontrados
no Banco de Teses da CAPES __________________________________________ 141
Quadro 6 - Relação das escolas indígenas de Pernambuco, com respectiva etnia e
localização _________________________________________________________ 143
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Números de estabelecimentos de ensino na Educação Escolar Indígena no
Brasil, 1999 a 2012. ___________________________________________________ 40
Gráfico 2 - Projeto de Sociedade, construído a partir da interculturalidade. ________ 66
Gráfico 3 - Fases do processo da Análise de Conteúdo ________________________ 84
Gráfico 4 - Quantitativo de Etnias e escolas indígenas em Pernambuco, atendidas pela
Secretaria Estadual de Educação. _________________________________________ 96
Gráfico 5: Quantitativo de professores nas escolas indígenas em Pernambuco. _____ 96
Gráfico 6 - Quantitativo de matrículas nas escolas indígenas em Pernambuco, atendidas
pela Secretaria Estadual de Educação. _____________________________________ 96
Gráfico 7 - Esquema de organização da Estrutura Curricular da EEI em Pernambuco.
__________________________________________________________________ 101
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa da densidade populacional indígena em 1991, 2000 e 2010. ______ 40
Figura 2 - Mapa de Pernambuco com a localização das etnias indígenas. Pankararu Entre
Serras e Pankaiwka estão próximas a Pankararu. _____________________________ 89
RESUMO
Esta pesquisa foi realizada no período de 2010 a 2014 e teve como objetivo analisar o
processo de construção do currículo intercultural em Pernambuco, a partir da
estadualização da Educação Escolar Indígena em 2002, tendo como subsídios teóricos as
reflexões propostas por Pacheco (1996), Moreira e Silva (1999), Fleuri (1999), Grupioni
(2003a, 2004), Arroyo (2011), Candau e Russo (2010), entre outros pesquisadores, sobre
currículo, interculturalidade e Educação Escolar Indígena. Adotamos como abordagem
metodológica a pesquisa qualitativa e como ferramenta de coleta de dados a pesquisa
documental, a entrevista, o questionário com os sujeitos entrevistados e a observação dos
momentos de construção do currículo. O trabalho de campo constatou que a
ressignificação da concepção e do papel na escola indígena foi um dos marcos
importantes na consolidação do projeto de sociedade indígena e na ruptura do modelo
colonial de escola. Identificamos também que é na resistência epistêmica indígena à
imposição de uma cultura dominante que se constrói o currículo intercultural, no entanto,
após dez anos de estadualização e mais de vinte anos de Constituição Federal de 1988,
ainda há uma enorme lacuna entre o direito à educação, garantido por lei, e a política
estadual que atende às comunidades indígenas. Os grandes desafios para a consolidação
do currículo intercultural indígena no Estado são: a inexistência de ordenamentos
jurídicos e administrativos próprios, que forçam à adaptação do currículo indígena ao
modelo estabelecidos para as escolas não-indígenas; os entraves para a criação da
categoria de professor indígena e a realização de concurso específico, que produz um
clima de insegurança entre os professores, que podem ter o contrato rescindido a qualquer
momento e fez com que o debate sobre currículo fosse deixado de lado; a falta de
autonomia e de uma equipe ampla e especializada nos setores da Secretaria Estadual de
Educação que atuam diretamente com a Educação Escolar Indígena; a desarticulação e/ou
descompromisso de outros setores da Secretaria Estadual de Educação para atender as
demandas da Educação Escolar Indígena de forma específica, que não respeitam a
organização interna e as formas próprias de ensino dos povos indígenas; e a falta de
reconhecimento oficial do Estado de que a Educação Escolar Indígena é um direito das
populações indígenas e deve estar pautada nos princípios e cosmovisões de cada povo.
Palavras chave: Educação Escolar Indígena. Currículo intercultural indígena. Povos
Indígenas de Pernambuco.
RESUMEN
Esta investigación fue realizada en el periodo de 2010 a 2014 con el objetivo de analizar
el proceso de construcción del currículo intercultural indígena en Pernambuco, a partir de
la asunción por el Gobierno de la Educación Escolar Indígena en 2002; nos valemos de
los subsidios teóricos de reflexiones sobre currículo, interculturalidad y Educação Escolar
Indígena propuestas, entre otros investigadores, por Pacheco (1996), Moreira e Silva
(1999), Fleuri (1999), Grupioni (2003a, 2004), Arroyo (2011), Candau e Russo (2010).
Adoptamos como abordaje metodológico la investigación cualitativa y como
herramientas para colectar datos la investigación documental, la entrevista, el
cuestionario con los sujetos entrevistados y la observación de momentos de la
construcción del currículo. El trabajo de campo constató que la re-significación de la
concepción y del papel en la escuela indígena fue uno de los marcos importantes en la
consolidación del proyecto de sociedad indígena y en la ruptura del modelo colonial de
escuela. Identificamos también que es en la resistencia epistémica indígena a la
imposición de una cultura dominante que se construye el currículo intercultural indígena,
sin embargo, aun después de diez años de su asunción por el Gobierno y más de veinte
años de la Constitución Federal de 1988 existe una enorme distancia entre el derecho a la
educación garantizado por ley y la política del Estado que atiende a las comunidades
indígenas. Los grandes retos para la consolidación del currículo intercultural indígena en
el Estado son: la inexistencia de ordenamientos jurídicos y administrativos propios, lo
que fuerza a la adaptación del currículo indígena al currículo adoptado por la red no
indígena; los obstáculos al establecimiento de la categoría de profesor indígena y a la
realización de oposiciones específicas -con lo que se genera un clima de inseguridad entre
los profesores ya que pueden tener su contrato rescindido a cualquier momento-; la falta
de autonomía y de un equipo amplio y especializado en los sectores de la Secretaria
Estadual de Educação que actúan directamente en la Educación Escolar Indígena en el
Estado; la desarticulación y la ausencia de compromiso de otros sectores de la Secretaria
Estadual de Educação para atender a las demandas de la Educación Escolar Indígena de
forma específica, respetando la organización interna y las formas propias de enseñanza;
y la falta de reconocimiento oficial del Estado de que la Educación Escolar Indígena es
un derecho de la poblaciones indígenas y debe estar pautado por los principios y
cosmovisiones de cada pueblo.
Palabras clave: Educación Escolar Indígena. Currículo intercultural indígena. Pueblos
Indígenas de Pernambuco.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ____________________________________________________ 13
2 ELEMENTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
NO BRASIL _________________________________________________________ 19
2.1 Do Brasil colônia aos dias atuais: situando a educação escolar indígena no Brasil 19
2.2 Marco legal da Educação Escolar Indígena intercultural, específica e diferenciada 26
2.3 A Educação Escolar Indígena nos dias atuais: debatendo o direito a educação ___ 37
2.4 A Educação Escolar Indígena: debatendo a educação específica, diferenciada e
intercultural ________ _________________________________________________ 41
2.5 A Escola Indígena enquanto locus da educação específica, diferenciada e intercultural
________ ___________________________________________________________ 46
3 CURRÍCULO INTERCULTURAL, DIFERENCIADO E ESPECÍFICO ________ 52
3.1 O Currículo como processo de construção cultural, política e de controle de poder 52
3.2 As teorias curriculares ______________________________________________ 55
3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo ___________ 60
3.4 Currículo intercultural e escola indígena ________________________________ 68
4 O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO ____________________________ 77
4.1 Pesquisa de abordagem qualitativa _____________________________________ 78
4.2 Procedimentos metodológicos: técnicas e instrumentos de coleta de dados _____ 79
4.3 Os sujeitos da pesquisa ______________________________________________ 81
4.4 Análise e sistematização dos dados: utilização do método da Análise de Conteúdo 83
5 A CONSTRUÇÃO DO CURRICULO ESCOLAR INDÍGENA NA CONJUNTURA
DE PERNAMBUCO __________________________________________________ 86
5.1 Contexto histórico dos indígenas do Nordeste, em especial, de Pernambuco ____ 86
5.2 A Educação Escolar Indígena em Pernambuco ___________________________ 90
5.3 Idas e vindas do processo de construção do currículo escolar indígena em Pernambuco
________ ___________________________________________________________ 99
5.4 Significados atribuídos ao currículo intercultural indígena e à escola indígena _ 110
5.5 Desafios advindos do processo de construção do currículo escolar indígena ___ 114
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS _________________________________________ 123
REFERÊNCIAS _____________________________________________________ 126
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO A ____________________________________ 136
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO B ____________________________________ 137
APÊNDICE C –ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA ________ 138
APÊNDICE D – PESQUISAS REALIZADAS NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA _______________________________________________ 139
ANEXO A –LISTAGEM DAS ESCOLAS INDÍGENAS DE PERNAMBUCO ___ 143
ANEXO B – PROPOSTA DE MATRIZ CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA _______________________________________________ 147
13
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa sobre o currículo intercultural indígena em Pernambuco vem somar-
se a outros estudos no âmbito da educação escolar indígena no estado. Assim, trata-se de
uma tentativa de conhecer e investigar um novo momento da educação escolar indígena
de Pernambuco configurado a partir da estadualização das escolas indígenas, em 2002, e
ainda pouco pesquisado em estudos acadêmicos1.
A estadualização das escolas indígenas de Pernambuco acompanha uma nova
perspectiva de relação do Estado brasileiro com as populações indígenas, de respeito aos
costumes e tradições, à forma de organização e à autonomia política e social dos
diferentes povos.
Segundo dados do Censo 2010, existem no Brasil, aproximadamente, 234 povos
conhecidos, com aproximadamente 900 mil índios, sendo destes, 520 mil formados por
indígenas aldeados (em 683 aldeias), presentes em quase todos os estados brasileiros, com
exceção do Piauí e Rio Grande do Norte, e 380 mil por indígenas desaldeados, vivendo
em diferentes cidades e capitais. Esses dados apontam um crescimento de 204% da
população indígena brasileira em 19 anos (desde o último censo realizado em 1991). A
população indígena, no entanto, já foi maior. Estudos histórico-antropológicos estimam
que a população indígena no território brasileiro à época da chegada dos colonizadores
em 1500 era de cerca de 5 milhões de indígenas.
Essa diferença populacional é resultado de diversos fatores do processo de
colonização e da política integracionista. O contato com doenças trazidas pelos
colonizadores provocou a morte de aproximadamente 80% da população indígena nos
dois primeiros séculos de colonização. Além do mais, a política
colonizadora/integracionista foi marcada pelo extermínio de milhares de índios, (em
alguns casos, foram povos inteiros), pelos mais diversos tipos de violência, pela tomada
de suas terras, levando à dispersão dos grupos. A miscigenação forçada através da
catequização e integração dos índios à sociedade nacional foi outro processo que também
contribuiu para dispersão das comunidades; os índios eram vistos como categoria social
e étnica transitória, que estava, portanto, fadada à extinção:
1 Não conseguimos localizar outras pesquisas sobre o currículo intercultural na temática indígena no âmbito
da Educação de Pernambuco, no período em que se localiza esta pesquisa. Para informações
complementares do levantamento realizado, verificar o Anexo 4.
14
Os povos indígenas, ao longo dos 500 anos de colonização, foram
obrigados, por força da repressão física e cultural, a reprimir e a negar
suas culturas e identidades como forma de sobrevivência diante da
sociedade colonial que lhes negava qualquer direito e possibilidade de
vida própria. (Luciano–Baniwa, 2006, p. 41)
Mesmo assim, contrariando as visões de extermínio, ao longo destes 500 anos de
colonização, os povos indígenas não somente elaboraram diferentes estratégias de
resistência/sobrevivência, como também alcançaram nas últimas décadas um
considerável crescimento populacional.
Os povos indígenas localizados no Nordeste foram os que mais sofreram com a
violenta ocupação colonial que “resultou em profundas perdas territoriais e na submissão”
(LUCIANO–BANIWA, 2006, p. 42). Por estarem mais próximos do litoral, seus
territórios tinham importância estratégica para os colonizadores. Logo, toda a faixa
litorânea da Capitania Pernambucana estava tomada por canaviais.
Apesar da violência sofrida pelos povos indígenas, principalmente do Nordeste,
muitos povos resistiram e passaram a lutar pelo seu reconhecimento como grupo étnico
específico e pelas terras que lhes foram tomadas (SILVA E., 2010). Essa resistência “se
deu/dá por meio da utilização de uma série de táticas e estratégias que passam pelas
simulações, acomodações, acordos, alianças” (SILVA E., 2002, p. 352), e pela “invenção
das tradições”, a partir da reelaboração de símbolos e reinvenção de tradições culturais,
muitas das quais apropriadas no período da colonização e reinventadas pelo horizonte
indígena (OLIVEIRA,1999).
Neste processo de reafirmação identitária, a educação indígena representa uma
das principais ferramentas de luta para fortalecimento da identidade cultural do povo, de
sua língua e de sua história. Cavalcante (2004), estudando a relação entre a escola e o
projeto de sociedade2 do povo Xukuru de Pernambuco, percebeu que a educação
contribuiu para o fortalecimento da identidade e da cultura, como também para a
reinvenção social. Segundo a pesquisadora, a escola Xukuru tem a função social de
formar seus guerreiros que darão continuidade à luta e manterão viva a história do povo,
e atua ativamente no processo de “invenção, reinvenção, reelaboração de significados e
sentidos” (CAVALCANTE, 2004, p. 83).
2 Para Cavalcante (2004, p. 16) o projeto de sociedade ou de futuro pode ser entendido com uma ação
coletiva formulada intencionalmente com objetivos específicos.
15
Porém, a educação oferecida às populações indígenas nem sempre favoreceu o
ensino de seus costumes e tradições ou sua língua materna. Pelo contrário, na história da
educação brasileira, a educação escolar indígena foi marcada pela negação de sua
identidade, costumes e saberes tradicionais.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os povos indígenas
brasileiros conquistaram o direito a uma educação diferenciada, com o acesso aos
conhecimentos da base curricular comum e o uso dos saberes e práticas específicos do
seu respectivo povo, assim como da língua materna. Após a Constituição, novas leis,
pareceres e normas foram criadas a fim de assegurar uma educação escolar indígena
específica, comunitária, intercultural e bilíngue, com organização, estrutura e normas
próprias, respaldando a utilização de suas línguas maternas e seus processos próprios de
organização do ensino e da gestão escolar. Estes documentos legais serão elencados e
discutidos mais adiante.
Neste processo de ressignificação da escola indígena, os povos apropriaram-se do
espaço escolar e transformaram-no numa parte integrante da comunidade. A escola que
antes era sinônimo de alienação, agora torna-se um espaço comprometido com a luta e a
resistência dos povos. O espaço escolar é, então, ocupado pela comunidade escolar
indígena, como parte do processo de fortalecimento da luta e da identidade.
A educação escolar indígena como campo de pesquisa em Educação no Brasil é
ainda um objeto emergente, com volume de estudos e investigações ainda incipiente. Isso,
porque até pouco tempo a educação indígena vinha sendo pensada, problematizada e
investigada, apenas na perspectiva antropológica (SANTANA, 2012). As pesquisas sobre
a temática indígena são importantes para:
Entendermos as relações da nossa sociedade do presente e do passado
com os indígenas, para pensarmos um país que se reconheça, respeite a
riqueza da diversidade e das diferenças expressas pelos povos indígenas.
(SILVA E., 2011, p. 154)
No levantamento bibliográfico3 que realizamos, percebemos que a temática
indígena, especialmente na educação, é uma área com muito potencial para novas
pesquisas. Também pudemos observar uma variedade de referenciais teóricos e
metodológicos que foram utilizados nesses trabalhos.
3 A revisão bibliográfica foi realizada no Banco de Teses da Capes, nos Anais da ANPED e no site Índios
no Nordeste (Disponível em: <http://indiosnonordeste.com.br/>, Acessado em: 30 mai. 2013);
16
Concordamos com Silva E. (2010) ao alertar que as pesquisas sobre a Educação
Indígena apresentem o indígena como sujeitos ativos da história e que resistiram ao
projeto colonial de assimilação cultural.
A partir do levantamento, do ponto de vista de Silva E. (2010) sobre as pesquisas
na temática indígena e da diversidade de questões a serem abordadas em relação a
Educação Escolar Indígena, o que nos trouxe inquietações e o que nos motivou a buscar
um espaço para aprofundamento e compreensão, foi o currículo intercultural indígena.
O interesse em pesquisar o currículo intercultural na Educação Escolar Indígena
surgiu do trabalho à frente da Unidade de Educação Escolar Indígena da Secretaria de
Educação de Pernambuco, no período compreendido entre setembro de 2008 e março de
2012. Ao momento em que assumimos o cargo de Coordenação da Educação Escolar
Indígena do Estado de Pernambuco, tinha havido um longo processo de discussão sobre
a política estadual para a Educação Escolar Indígena, com a realização de quatro
Conferências Estaduais da Educação Escolar Indígena, entre os anos de 2002 e 2007.
Nos anos de 2007 a 2009, dentro da pauta de definição da política estadual, foram
promovidos diversos encontros para a construção do currículo intercultural das escolas
indígenas de Pernambuco.
O currículo resultante desses encontros produzia um sentimento ambíguo entre
lideranças e professores indígenas: por um lado comemorava-se pelo importante avanço
dado para a consolidação de um projeto de Educação Escolar Indígena específica e
diferenciada; por outro, havia uma crítica constantemente presente, vinda dos povos e das
entidades parceiras, de como o processo tinha se estabelecido e o “formato” no qual o
currículo havia sido construído, em que muitas vezes foi necessário “adaptar/encaixar”.
No segundo bimestre de 2009, foi decidido que seria o momento de interromper
os encontros para rediscutir com os representantes dos povos indígenas (coordenadores
pedagógicos e lideranças) o que seria o currículo intercultural indígena e como ele deveria
ser elaborado. Durante o restante do ano de 2009, foram promovidos novos debates, nos
quais foram inseridas as entidades indigenistas, algumas Instituições de Ensino Superior
e o Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco (CEEIN/PE). O documento
oriundo dessa nova discussão foi encaminhado para o CEEIN/PE no final de 2009, que,
até maio de 2014, ainda não deliberou sobre o mesmo. O Conselho vem com um longo
processo de debate e deliberações sobre o concurso público para professores indígenas e,
esta pauta, foi determinada como prioritária.
17
Apesar dos povos indígenas terem uma educação diferenciada, pautada no
princípio da interculturalidade e garantida pela Constituição, entendemos que o processo
de efetivação do direito demanda tempo e reestruturações. Então, partindo do princípio
de que o currículo é um campo de disputa de interesses (PACHECO, 1996; ARROYO,
2011), questiona-se: como ocorreu a implementação do currículo intercultural indígena
nas escolas indígenas? Foi garantida a autonomia dos indígenas nos momentos e
instâncias de decisão?
Devido às especificidades dos povos indígenas, a construção do currículo
intercultural indígena é um desafio para os sistemas de ensino, pois cada etnia possui uma
cosmovisão e, por esta razão, é difícil organizar estratégias para atender as diferentes
concepções de escola, currículo e saber.
Assim, esta pesquisa buscou contribuir para a compreensão de currículo e
interculturalidade e sua relação com a Educação Escolar Indígena em Pernambuco,
procurando analisar o como e o porquê do processo de construção do currículo indígena4
no Estado ter sido conflituoso. Mais concretamente, a pesquisa teve como objetivo geral
verificar como aconteceu o processo de construção/consolidação do currículo
intercultural das escolas indígenas de Pernambuco. Como objetivos específicos,
pretendeu-se: identificar o conceito de currículo intercultural dos professores
indígenas e dos técnicos da Secretaria Estadual de Educação (SEE); verificar como
ocorreu o processo e a organização dos povos e da SEE para a construção do
currículo específico das escolas indígenas; e identificar as questões básicas que os
povos indígenas enfrentam para efetivar o seu currículo oficialmente.
No primeiro capítulo do trabalho, iremos apresentar os momentos históricos que
marcaram a Educação Escolar Indígena, desde o período colonial até os dias atuais,
buscando identificar os elementos formadores do currículo em cada tempo histórico para
entender a sua trajetória ao longo da história da Educação Escolar Indígena. Neste
percurso, destacamos a educação oferecida aos povos indígenas do Nordeste e de
Pernambuco, buscando refletir sobre o currículo, a partir da literatura consultada.
4 Para facilitar a fluidez da leitura e evitar a repetição dos termos, ao tratar de currículo no âmbito da
Educação Escolar Indígena, variamos a nomenclatura em Currículo Intercultural Indígena, Currículo
Indígena e Currículo Intercultural. Contudo, entendemos que os currículos das escolas indígenas devem ser
construídos a partir dos princípios da Interculturalidade e da Especificidade e ser diferenciado de outros
currículos adotados para escola não indígenas e também do campo.
18
Na segunda parte, refletimos sobre as diversas concepções de currículo,
interculturalidade, e currículo intercultural indígena. Para isso, utilizamos trabalhos das
áreas de educação, antropologia, história e os documentos produzidos pelas próprias
etnias, como o Projeto Político Pedagógico (PPP), documentos oficiais e a literatura
pertinente, que ratifiquem as informações coletadas na pesquisa de campo.
No terceiro capítulo, vamos destacar as escolhas teórico-metodológicas que
nortearam a pesquisa.
Por fim, traremos à tona as novas discussões do campo curricular na temática
indígena, tentando apontar novos horizontes de diálogo e conflitos.
19
2 ELEMENTOS HISTÓRICOS E LEGAIS DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA NO BRASIL
2.1 Do Brasil colônia aos dias atuais: situando a educação escolar indígena no Brasil
Ao tratar sobre a Educação Escolar Indígena parece-nos importante abordar,
mesmo que sinteticamente, o contexto histórico desta modalidade de ensino, para
aproximar-se da compreensão de como se deu a relação da escola e da sociedade não-
indígena com as sociedades indígenas, desde a colonização até os dias atuais. Esta revisão
histórica mostra-se necessária para melhor compreender a atual situação da Educação
Escolar Indígena e as relações sociais, culturais estabelecidas no espaço escolar e a
importância de uma escola intercultural, específica e diferenciada. A partir desta
conjuntura, tentaremos também refletir sobre o currículo das escolas nas áreas indígenas
ao longo desse período.
A partir dos estudos de Oliveira (1999), Silva E. (1999, 2001, 2010, 2011),
Almeida (2001), Ferreira (1992, 2001), Félix (2008), entre outros pesquisadores, vamos
sintetizar as principais características dos diferentes momentos que marcaram a história
da educação oferecida aos povos indígenas, destacaremos os fatores históricos que
influenciaram as mudanças e os marcos legais que, aos poucos, foram garantindo, na
legislação, uma educação diferenciada e específica para os povos indígenas do Brasil. Por
outro lado, traremos os questionamentos de Quijano (2005) que nos ajudaram a
problematizar que educação é essa que está sendo oferecida.
Para Ferreira (2001), a história da educação escolar oferecida aos povos indígenas
no Brasil pode ser dividida em quatro fases, cada uma marcada pelas diferentes relações
que foram estabelecidas pela escola com os indígenas e o objetivo fim desta educação. Já
Almeida (2001, p. 32), subdivide a quarta fase em duas ao entender que a Educação
Escolar Indígena estaria já numa quinta fase, caracterizada “pela incorporação das
reivindicações dos povos indígenas nas diretrizes e princípios da legislação que orienta a
política educacional”. Salienta-se que, para ambos os autores, uma fase não termina com
o início de outra; a delimitação das fases apenas marca uma predominância de um
determinado tipo de modelo escolar ou política educacional num determinado período.
Percebemos ainda que as fases, mais que determinar períodos ou tipos de escolas
20
indígenas, comportam momentos diferentes na relação das práticas pedagógicas em
relação à alteridade.
Segundo Ferreira (2001), Almeida (2001) e Oliveira (2006), na primeira fase, a
educação nos territórios indígenas, promovida pelos missionários católicos
(especialmente os jesuítas) com foco na catequização e na evangelização dos indígenas,
tinha como objetivo a conversão dos “selvagens” em “homens” através da catequese, e
foi a mais extensa das fases, perdurando de 1500 até a metade do século XVIII.
Os religiosos que vieram junto com os colonizadores descreviam os povos que
viviam no território brasileiro como “seres humanos que estavam degradados, [...] mas
possuíam todo o potencial para se tornarem cristãos” (OLIVEIRA, 2006, p. 28). Essa
visão que os mesmos tinham dos indígenas justificava a necessidade de submetê-los aos
valores cristãos.
A chegada à América e as relações estabelecidas com seus habitantes originários
pelos colonizadores europeus vieram a constituir a primeira ideia de raça e marcou o
início da classificação racial mundial como padrão de poder5. Assim, justificava-se que
raças consideradas inferiores fossem colonizadas pela raça superior ou europeia. A ideia
da raça serviu para legitimar à dominação imposta pela colonização e as consequências
desse processo. Para Quijano (2005, p. 2):
Na medida em que as relações sociais que se estavam configurando
eram relações de dominação, tais identidades foram associadas às
hierarquias, lugares e papéis sociais correspondentes, com constitutivas
delas, e, consequentemente, ao padrão de dominação que se impunha.
Em outras palavras, raça e identidade racial foram estabelecidas como
instrumentos de classificação social básica da população.
Assim, os indígenas que ficaram foram organizados em aldeamentos e submetidos
à doutrina cristã, onde aprendiam diferentes ofícios. Aqueles que iam contra a submissão
imposta eram expulsos dos aldeamentos e tinham que fugir território a dentro para se
esconder.
Para Santos (2005) a Companhia de Jesus, a primeira entidade católica a iniciar o
processo de catequização nas Américas, era uma ordem plural que havia no seu interior
5 O termo raça começou a ser utilizado para classificar a diversidade humana em grupos fenotípicos
distintos na França, a partir da metade do séc. XVI, para distinguir os grupos Francos de outros que viviam
no país à época. Os Francos, que era grupo étnico dominante, consideravam-se como raça “pura”. No séc
XVIII, a partir das ideias iluministas, o termo incorpora a ideia moderna das diferenças fenotípicas para
explicar as diferenças culturais e sociais entre diferentes grupos humanos (MUNANGA, sd).
21
pessoas defensoras de posições distintas, e, a partir de diferentes argumentos, procura
mostrar que a atividade jesuítica permitiu a sobrevivência/resistência de grupos indígenas
no Brasil.
Essa dualidade de interesses nas missões católicas e mudanças políticas na colônia
levaram, na metade do século XVIII, a Coroa portuguesa a iniciar uma reforma estatal
que implicou na expulsão das ordens religiosas (jesuítas), visando o controle rigoroso das
populações indígenas. Foi criado o Diretório de Índios que reorganizou as aldeias após o
afastamento das missões religiosas jesuítas, manteve o controle econômico e
administrativo dos aldeamentos e orientou diferentes esferas da vida dos indígenas,
determinando o uso exclusivo da língua portuguesa, passando a escola a focar a
qualificação do índio para o trabalho doméstico e para a agricultura familiar.
Com a expulsão dos jesuítas em 1759, outras ordens missionárias instalaram-se
com mais força no Brasil, principalmente nas regiões de fronteiras onde havia disputa
territorial. Assim, os capuchinos passaram a representar a política indigenista imperial e
espalharam dezenas de aldeamentos por todas as regiões do país. Algumas mudanças
foram implantadas para que o projeto de educação fosse bem sucedido:
O projeto civilizatório desenvolvido pelos capuchinos associava a
educação religiosa dos índios ao ensino formal de ofícios mecânicos,
práticas agrícolas e atividades militares. A legislação imperial permitia
o ensino na língua indígena, ministrado por professores índios.
(OLIVEIRA, 2006, p. 82)
Apesar da mudança promovida pelo Império, a lógica curricular de redução e
assimilação continuava presente, até mesmo em experiências que não levantavam a
bandeira religiosa, “onde se acrescenta ao discurso técnico uma argumentação política: a
alfabetização em língua indígena é reforço, proteção étnica, valorização cultural”
(FRANCHETTO, 1994, p. 413).
O currículo da escola indígena seguia o mesmo modelo tradicional, proposto a
partir dos princípios da evangelização e da formação de mão-de-obra. De acordo com
Silva E. (2001, p. 96):
Quando a escola foi implantada em área indígena, as línguas, a tradição
oral, o saber e a arte dos povos indígenas foram discriminados e
excluídos da sala de aula. A função da escola era fazer com que os
índios desaprendessem as suas culturas e deixassem de ser índios.
Mesmo a escola que podemos considerar intercultural, por ensinar a liturgia na
língua indígena, seguia a mesma lógica das escolas tradicionais, onde os índios eram
receptores de um conhecimento válido, euro centrado, que colocava o ideal de mundo
22
cristão e civilizado como meta a se chegar. Qualquer traço da cultura ou língua indígena
que não fosse voltado para a assimilação, era reprimido.
A segunda fase é marcada pela criação do Serviço de Proteção do Índio (SPI), em
1910, e, posteriormente, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); a escola nessa época
introduziu no currículo oficial a formação de mão-de-obra para o campo.
A escassez de investimentos e a resistência dos povos indígenas, impedia o
sucesso do projeto de incorporar os índios à sociedade nacional (FÉLIX, 2008). Assim,
foi criado o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) na perspectiva de promover a política
indigenista de transformar o índio num trabalhador nacional e tinha como finalidade:
a) estabelecer a convivência pacífica com os índios; b) agir para garantir
a sobrevivência física dos povos indígenas; c) fazer os indígenas
adotarem gradualmente hábitos “civilizados”; d) influir de forma
“amistosa” sobre a vida indígena; e) fixar o índio à terra”, f) contribuir
para o povoamento do interior do Brasil; g) poder acessar ou produzir
bens econômicos nas terras dos índios; h) usar a força de trabalho
indígena para aumentar a produtividade agrícola; i) fortalecer o
sentimento indígena de pertencer a uma nação. (OLIVEIRA, 2006,
págs. 112 e 113)
Em geral, os índios eram treinados para assumir diversos ofícios (trabalhos
manuais, agrícolas e de pecuária), além de serem instruídos sobre cultos cívicos, uso de
vestimentas e práticas de higiene. O SPI atuou nas aldeias indígenas até 1967 quando foi
substituído pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), criada nesse ano.
Contudo, a FUNAI seguia as mesmas finalidades do SPI, já que os dois tinham
como princípio a integração do índio à sociedade nacional e no mercado de trabalho
(CUNHA, 1990; FÉLIX, 2008). O currículo das escolas indígenas seguia a mesma lógica
de outras escolas rurais e urbanas e não respeitava as formas de organização política e
cultural do povo onde a escola estava inserida. Dessa forma, as reformas realizadas na
escola inseridas na comunidade indígena buscavam silenciar as culturas indígenas.
Conforme Félix (2008, p. 103):
A onda nacionalista, industrializante e tecnicista espalhava-se pelo país
afetando a vida dos povos indígenas. A implantação de disciplinas de
cunho profissionalizante nas escolas em áreas indígenas indicava a
incessante tentativa de desintegração das culturas autóctones.
Neste mesmo período, a partir dos anos 40, os protestantes (através do Summer
Institute of Linguistics – SIL) iniciam missões para as regiões de fronteiras, atuando nos
aldeamentos através da educação. Esses grupos traduziam a Bíblia para a língua indígena
e realizaram ações assistencialistas e levantavam a bandeira de “defesa dos direitos
humanos dos povos indígenas”, possivelmente, na intenção de mascarar sua verdadeira
23
missão no país. Félix (2008) chama a atenção que a chegada do SIL coincide com a
política do governo de abertura de investimentos por parte de capital estrangeiro para
financiar a industrialização; também coincide com o período em que as revoluções
comunistas se espalham pelo mundo. Cunha (1990) e Franchetto (1994) apontam a
experiência do SIL nas áreas indígenas como o primeiro ensino bilíngue, concretizado
nas apostilas utilizadas como material didático.
Em 1973, é sancionado o Estatuto do Índio (BRASIL, 1973) que estabelece os
direitos indígenas em diversas áreas, incluindo a educação, que vem referendar os
princípios e ações da FUNAI. Para Cunha (1990), o projeto educacional proposto pelo
Estatuto do índio avança pouco no sentido de problematizar as relações históricas
estabelecidas pelo contato das populações indígenas com outra cultura e os conflitos
decorrentes desse contato:
a escola, ao assumir uma postura supostamente neutra, desconhece os
conflitos da sociedade, alimentando uma pedagogia alienadora,
sustentada administrativamente pelo controle exercido pelos Postos
Indígenas, por outro, a preocupação “metodológica” da Funai vai
excluir a discussão política, impedindo a consideração do(s) projeto(s)
político(s) de escola, distanciando-se assim de uma educação que, ao
invés de assegurar – apenas provisoriamente – a participação dos índios
como etnias diferenciadas, garanta a sua participação efetiva como
cidadãos étnica e culturalmente diferentes, em pleno exercício de suas
capacidades existenciais e políticas. (CUNHA, 1990, p. 104)
O terceiro momento, entre os anos 60 e 70, destaca-se pelo surgimento de diversas
organizações indigenistas e a educação escolar nos povos indígenas passa a ser de
responsabilidade definitiva do Estado brasileiro, através dos governos municipais.
Concomitantemente com a atuação da FUNAI, novas missões católicas mais
progressistas passaram a defender veementemente os direitos indígenas, o respeito à
cultura indígena e apoio às organizações indígenas, criando o Conselho Indigenista
Missionário (CIMI). O CIMI atuava apoiando os indígenas em diferentes áreas, com
assessoria jurídica, educacional, parlamentar, etc. Neste processo, o CIMI promoveu a
organização de movimentos e associações indígenas que passaram a reivindicar seus
direitos e que questionavam a política indígena de assimilação, inclusive na área da
educação. Uma das metas do CIMI era o incentivo à autonomia dos povos indígenas, a
fim de “devolver aos povos indígenas o direito de serem sujeitos, autores e destinatários
de seu crescimento” (Relatório da Assembleia Geral do CIMI 1975 Apud FELIX, 2008,
p. 106). Neste contexto, defendiam que os indígenas assumissem a educação nas suas
comunidades e, assim, a educação escolar interferiria o mínimo possível nos seus valores
24
culturais (FERREIRA, 1992). Na educação, o CIMI investia na formação de professores
e na produção de material didático específico, instruindo os índios sobre os seus direitos,
na defesa das terras indígenas, da cultura e da autodeterminação dos povos (ALMEIDA,
2001).
Foi neste período que os indígenas intensificaram as mobilizações e começaram a
organizar-se em seus próprios movimentos que serviam de articulação entre os povos e
proporcionavam interações interétnicas. As primeiras organizações surgiram no Norte e
Centro-Oeste do país e impulsionaram os indígenas de outras regiões a se organizar. No
Nordeste, podemos destacar a APOINME (Associação dos povos indígenas do Leste,
Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo)6 como principal rede de articulação entre os
povos. Segundo Félix (2008), a causa indígena começou a ganhar visibilidade nacional
porque servia de pano de fundo da mídia nacional para criticar a censura durante a
ditadura militar. Esse fato impulsionou a luta dos indígenas e contribuiu para a garantia
dos seus direitos.
A quarta fase, dos anos 80 até os anos 90, é marcada pela mobilização e
fortalecimento de grandes movimentos indígenas pró-constituinte, que lutavam para
exigir mudanças na política indigenista oficial, como a emancipação, a autodeterminação,
a demarcação das terras e melhoria no atendimento de saúde e educação. Esta fase se
caracteriza pela conquista da Educação Escolar Indígena, bilíngue, intercultural,
específica e diferenciada na legislação. O resultado dessa mobilização foi a transformação
da proposição de uma escola indígena autônoma em política pública (ALMEIDA, 2001).
Para Barbalho (2012, p. 185):
Essas lutas políticas são cruciais no âmbito da afirmação de identidades
e estão presentes nos projetos de resistência entre segmentos defensores
da educação escolar popular diferenciada.
A quinta fase, a partir dos anos 90, está baseada no reconhecimento do avanço na
legislação e em algumas práticas governamentais para garantir aos povos indígenas uma
educação baseada nos princípios propostos pela Constituição Federal (ALMEIDA, 2001).
Esta fase pode ser delimitada como pós-constituinte, quando outras leis, pareceres e
normas foram criados a fim de assegurar uma educação escolar indígena específica,
6 ONG que atua nos estados de Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais e
Espírito Santo, abrangendo 71 povos indígenas, está ligada nacionalmente à Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (APIB) e tem como objetivo a fortalecer a ligação entre os povos indígenas dessa região
e unificar a pauta de reivindicações e as lutas dos povos (APOIMNE, 2012).
25
comunitária, intercultural e bilíngue, com organização, estrutura e normas próprias,
respaldando a utilização de suas línguas maternas e seus processos próprios de
organização do ensino e da gestão escolar. Citamos entre elas: Decreto n° 26/1991;
Portaria Interministerial n° 559/917; Portarias 60/92 e 490/93; Lei 9.394/1996; Parecer
nº14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a)8; Resolução nº3 (BRASIL/MEC/CNE/CEB,
1999b)9; Referenciais para a Formação de Professores Indígena/ 2005; PNE;
PNEDH/2003; Decreto nº 6.861/2009 (organiza em territórios etnoeducacionais).
Os modelos de escola indígena implementados pelos jesuítas e, posteriormente,
pelo SIL podem ser consideradas como experiências iniciais interculturais e
diferenciadas. A interculturalidade se caracterizava pelo uso da língua materna e do latim
para trabalhar os conteúdos do currículo e para a evangelização, com o objetivo de
converter os indígenas à fé cristã e para o trabalho no campo, assim servindo aos
interesses dos colonizadores. Por isso, o currículo era diferenciado das escolas da área
urbana que era voltado a formação intelectual das famílias dominantes.
Percebemos, contudo, que essas experiências de escolas indígenas interculturais
visavam a integração do indígena à sociedade nacional, por considerá-los povos
primitivos. Observamos que o currículo não privilegiava suas formas próprias de ensino,
nem respeitava sua organização social, religiosa e cultural. O currículo tão pouco
problematizava as relações do Estado e da sociedade em geral com a sociedade indígena,
ele servia aos propósitos da colonização/dominação.
Os indígenas garantiram legalmente o direito a uma nova escola, pensada a partir
de suas próprias formas de ensinar, a partir de sua concepção de mundo. Contudo,
veremos mais adiante, que as práticas do passado não se consolidaram com a Constituição
Federal e ainda há um longo caminho de lutas, ressignificações e construções.
7 A Portaria nº 559/91 estabeleceu a criação dos Núcleos de Educação Escolar Indígena (Neis) nas
Secretarias Estaduais de Educação, de caráter interinstitucional com representações de entidades indígenas
e com atuação na Educação Escolar Indígena. 8Parecer Nº 14, de 14 de setembro de 1999, delibera sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Escolar Indígena, tinha como objetivo “contribuir para que os povos indígenas tenham assegurado o direito
a uma educação de qualidade, que respeite e valorize seus conhecimentos e saberes tradicionais e permita
que tenham acesso a conhecimentos universais, de forma a participarem ativamente como cidadãos plenos
do país” (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999, p. 1). 9 A Resolução nº 03 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999b), de 10 de novembro de 1999, fixa Diretrizes
Nacionais para o funcionamento das Escolas indígenas e, segundo texto da própria Resolução, está baseada
“nos artigos 210, § 2ª, 231, caput, da Constituição Federal, nos arts. 78 e 79 da Lei 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, na Lei 9.131, de 25 de novembro de 1995, e ainda no Parecer 14/99 (BRASIL/MEC/CNE/CEB,
1999a), homologado pelo Ministro de Estado da educação, em 18 de outubro de 1999”.
26
2.2 Marco legal da Educação Escolar Indígena intercultural, específica e
diferenciada
Como dito anteriormente, a Constituição Federal de 88 foi grande marco legal que
garantiu aos povos indígenas o direito à uma educação específica e diferenciada, pensada
e organizada a partir de sua forma própria de ensinar e aprender. No seu Artigo 210
garante:
Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de
maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores
culturais e artísticos, nacionais e regionais.
¨2. O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa,
assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas
línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. (BRASIL,
1988)
A garantia legal do respeito aos valores culturais, do uso das línguas maternas e
dos processos próprios de aprendizagem possibilitaram aos povos indígenas ferramentas
oficiais para a luta por uma educação específica. As determinações da constituição
impulsionaram a construção de outros documentos normativos no âmbito nacional e
aumentou a pressão para que estados e municípios criassem seus próprios instrumentos
legais.
Esses documentos atendem a algumas das reivindicações dos povos para dispor
de uma escola indígena diferenciada das outras escolas do sistema de ensino regular, que
respeitasse a organização interna e a cosmovisão de cada povo (por isso, específica). Por
outro lado, servem de subsídio para os sistemas de ensino criarem novas
metodologias/procedimentos/programas para atender às especificidades dessas escolas.
Neste trabalho, apresentaremos a legislação que orientou à construção do currículo
específico para a escola indígena10.
Para Secchi (2002, p. 138):
Os anos 1990 caracterizaram-se como um período de implementação
do ideário gestado na década anterior. As novas palavras de ordem –
“educação bilíngue e intercultural”, “currículos específicos e
diferenciados”, “processos próprios de aprendizagem” – precisavam ser
materializadas no cotidiano das escolas.
10 Para uma análise mais profunda sobre os avanços, possibilidade e desafios das leis e normas que
regulamentam e orientam a Educação Escolar Indígena, pode-se consultar as pesquisas de Almeida (2001),
Grupioni (2002), Secchi (2002), Félix (2008) e Barbalho (2012).
27
Em 1991, através do Decreto n° 26, o MEC recebia a incumbência de coordenar
as ações referentes à educação escolar indígena, retirando da FUNAI a exclusividade
concedida anteriormente a este órgão, até então, na área. Posteriormente ao decreto, a
Portaria Interministerial n° 559/91 e as Portarias 60/92 e 490/93 instituíram o Comitê de
Educação Escolar Indígena que foi o responsável pela elaboração das Diretrizes para a
Política Nacional de Educação Escolar Indígena (BARBALHO, 2012).
A partir deste decreto, as escolas indígenas passam a integrar o Sistema Nacional
de Ensino, seguindo as mesmas normas e estrutura básica das outras escolas. Os
municípios e os estados, por sua vez, ficaram responsáveis pela execução das ações da
Política Nacional para a Educação Escolar Indígena. Inicialmente, ficaram as escolas
ligadas aos sistemas municipais de ensino e, posteriormente, partindo do princípio da
autonomia, cada povo (individualmente ou nos seus coletivos) pode decidir a qual sistema
ficaria vinculado.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9.394/1996 – além
de reproduzir os direitos garantidos na Constituição Federal, também estabeleceu como
dever do Estado a oferta de uma educação escolar indígena intercultural e bilíngue,
fortalecendo as práticas específicas, a reafirmação de sua identidade étnica e a valorização
de suas línguas e ciências. A LDB orientou que os sistemas de ensino construíssem, com
a participação das comunidades indígenas envolvidas, os projetos político-pedagógicos e
desenvolvessem os currículos específicos, contendo os conhecimentos técnico-científicos
da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não indígenas e os saberes
tradicionais de sua etnia (BRASIL, 1996). A LDB é o primeiro documento que trata de
um currículo diferenciado e estabelece o diálogo entre os saberes tradicionais e os saberes
universais, colocando a interculturalidade como eixo central do currículo.
Em setembro de 1999, o Conselho Nacional de Educação/MEC, por meio do
Parecer nº 14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a), estabeleceu as Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação Escolar Indígena, definindo a Educação Escolar Indígena,
diferenciando-a da educação indígena11, a categoria de escola indígena, a definição das
competências para a oferta da educação escolar indígena, a formação inicial e continuada
11 De forma geral, a Educação Escolar Indígena é tida como a educação formal que atende às normas
nacionais de educação, contudo diferentes autores fazem a distinção com a Educação Indígena, esta
entendida como processo comunitários de formação do ser indígena daquele povo e que transpassa os muros
da escola (BRASIL, 1999; ALMEIDA, 2002; LUCIANO-BANIWA, 2006; PARRA SANCHEZ, 2011). A
diferença entre os dois tipos de educação será discutido no Item 2.4.
28
do professor indígena e a formulação do currículo intercultural para as escolas indígenas.
O parecer ainda sugere que a organização, a estrutura e o desenvolvimento da escola
indígena deverão ser sistematicamente formalizados e que o currículo intercultural
indígena, construído por toda a comunidade indígena:
Os princípios do bilinguismo e da interculturalidade, na prática
pedagógica diária, pressupõem uma organização curricular que articule
conhecimentos, habilidades e valores culturais distintos, sem a perda de
processos reflexivos e criativos, incluídos os hábitos, costumes e
princípios religiosos, constituindo-se como conteúdos dos
conhecimentos escolares e direito de acesso à cultura universal e jamais
somente de obrigatoriedade legal (BRASIL/MEC/CNE/CEB,
1999a).
O parecer, contudo, se contradiz, ao limitar a estrutura da construção do currículo
indígena ao propor que “o conjunto de saberes e procedimentos culturais produzido pelas
sociedades indígenas poderá constituir a parte diversificada do conteúdo de aprendizagem
e de formação que compõe o currículo” (p. 16) e que esses saberes são compostos pela
“língua materna, crenças, memória histórica, saberes ligados à identidade étnica, às suas
organizações sociais do trabalho, às relações humanas e às manifestações artísticas”
(Ibidem).
Portanto, no currículo escolar indígena a parte diversificada segundo Monte
(1994a, p. 134) “não é compreendida como um anexo ou complemento do núcleo comum,
mas será o eixo condutor e a base a partir da qual este se edifica”. O corpo de
conhecimentos e capacidades gerais identificadas como de direito comum a todos, e,
portanto, essenciais a vivência da cidadania, estará condicionado à dimensão da
diversidade e pluralidade próprias à constituição social e histórica dos sujeitos inseridos
nos processos educativos.
O currículo intercultural das escolas indígenas deve ser resultado de uma prática
pedagógica autêntica, articulada com o projeto político pedagógico da escola indígena e
com o projeto de sociedade da etnia que pertence. Assim, os saberes das sociedades
indígenas devem perpassar por todo ele e, a partir dele, que seja construído o diálogo com
outros conhecimentos.
Nesta mesma lógica, Parra Sanchez (2011, p. 93) defende a “interculturalidade
como estabelecimento de relações horizontais de diálogo entre diferentes” e que para a
consolidação do projeto de uma educação própria é necessária “uma série de
transformações de saberes que provêm de outras culturas e a construção de novos
conhecimentos” (PARRA SANCHEZ, 2011, p. 96).
29
Assim, pensar sobre a importância e o lugar que os saberes dos povos devem
ocupar nos espaços/tempos de cada povo indígena, no sentido de reconhecer e analisar os
limites de uma possível “escola indígena” e, sobretudo, perceber que a “escola indígena”
não pode se apossar da comunidade. Para D’Angelis (1999), existem conteúdos,
“saberes”, modalidades de experiências que emergem da tradição, que não dizem respeito
à escola e, nesse sentido, não podem ser tratados no espaço/tempo do contexto escolar,
numa tentativa de “escolarizar”12 tais saberes/experiências. Essa limitação depende de
cada comunidade.
Neste aspecto, o pensamento decolonial defende o desprendimento do euro
centrismo como esfera do conhecimento e rejeita sempre uma única maneira de ler a
realidade, coloca o conhecimento dos grupos subalternizados em evidência para que
tenham igualdade de condições, mudando o foco das narrativas históricas ao reconhecer
que o outro também produz conhecimento. Para Mignolo (2008, p. 246), “o pensamento
surge da exterioridade, na fronteira, na qual os dois lados não estão em igualdade de
condições, a partir da qual reclamam seus direitos epistêmicos”.
A escola não é o único espaço de aprendizagem indígena que atua como espaço
de reivindicação e resistência (PARRA SANCHEZ, 2011). Por isso, os índios se
apossaram da escola não somente da estrutura, mas, das regras, para estabelecer os limites
entre as formas de educação tradicional e dos processos de educação escolar por eles
vivenciados (SANTANA, 2012).
Em diferentes momentos de observação e diálogo, percebemos uma resistência
das escolas indígenas em aceitar os programas e projetos que são criados a partir da lógica
da educação não indígena e são “oferecidos” às escolas indígenas sem o devido diálogo
com as lideranças e organizações internas. A crítica a esses programas e projetos voltasse
para o fato de não respeitar a organização e a proposta de educação de cada povo.
Ao analisar a legislação sobre a educação escolar indígena da década de 90,
perpassando pela legislação nacional e estadual, Almeida (2001) identifica que as ideias,
as concepções e as práticas das organizações indígenas e indigenistas foram traduzidas
nessa legislação, apesar de encontrar-se contradições quando se confrontam com as
concepções da política educacional e aspectos da organização administrativa, financeira
e institucional mais geral.
12 Grifos nossos.
30
Em 2005, o MEC lança os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas,
com orientações para as Secretarias de Educação e outros parceiros com o objetivo de
nortear a construção de propostas de formação de professores indígenas em programas
específicos, com a perspectiva de fortalecer os princípios contidos nas legislações sobre
a Educação Escolar Indígena (BRASIL, 2005). O documento também aponta a formação
específica dos professores indígenas como um dever do Estado e um dos desafios para a
implementação de uma escola indígena intercultural, específica e diferenciada de
qualidade.
A Resolução nº3 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999b) estabelece as diretrizes de
funcionamento e organização da escola indígena, reconhecendo-a como escolas com
normas e ordenamento jurídico próprios. Também enfatiza que a formulação do projeto
pedagógico tem por base as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica e os
conteúdos curriculares especificamente indígenas e os modos próprios de constituição do
saber e da cultura indígena.
O Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001 a 2010 (BRASIL, 2001) atribui a
responsabilidade pela oferta da educação escolar indígena aos sistemas estaduais e
estabelece metas para os estados, como a formação inicial e continuada dos professores
indígenas e o desenvolvimento e reconhecimento do magistério indígena. O PNE ainda
prevê a criação de programas específicos para a melhoria da estrutura física das escolas
indígenas e a necessidade de regularizar juridicamente essas escolas, orientando as
comunidades indígenas na elaboração dos seus projetos político-pedagógicos,
regimentos, currículos, materiais didático-pedagógicos e conteúdos programáticos
adaptados às particularidades étnicas culturais e linguísticas próprias de cada povo
indígena. Silva R. (2001) ao analisar o PNE, lamenta que o documento apenas reproduz
o que já está estabelecido em outras normas e leis. Por outro lado, analisa que alguns
pontos tratados no documento podem servir como obstáculo no processo de consolidação
da educação escolar indígena intercultural e específica. Podemos citar como exemplo a
meta que define como responsabilidade do Governo Estadual a oferta da Educação
Escolar Indígena e coloca que a construção do currículo indígena deve ser norteada pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais, quando outros documentos orientadores (como o
Parecer nº14 e a Resolução nº3, ambos do CNE/CBE) orientam para a flexibilização do
currículo.
No último PNE (BRASIL, 2011), na intenção de fazer um documento mais
genérico e “enxuto”, que abordasse apenas propostas globais, reduzindo metas e
31
objetivos, não possibilitou a abordagem dos grupos historicamente excluídos; apenas há
referência genérica às “diversidades étnicas, religiosas, econômicas e culturais”
(BRASIL, 2011, p. 1), sendo alvo de críticas no movimento indígena e indigenista.
O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) (BRASIL 2007)
apresenta entre as recomendações o apoio para o desenvolvimento de políticas públicas
destinadas a promover e garantir a educação em direitos humanos às comunidades
quilombolas e aos povos indígenas, assegurando condições de ensino-aprendizagem
adequadas e específicas aos educadores e educandos; fomentar ações educativas que
estimulem e incentivem o envolvimento de profissionais dos sistemas com questões de
diversidade e exclusão social; capacitar os profissionais do sistema de segurança e justiça
em relação à questão social das comunidades rurais e urbanas (BRASIL, 2007).
O Decreto 6861/2009 cria os Territórios Etnoeducacionais e rompe com a divisão
política-administrativa do território brasileiro, colocando em ênfase as territorialidades
de cada povo indígena, respeitando suas necessidades específicas. O Decreto também
propõe que se faça uma articulação entre os entes Federativos a partir de uma pactuação
que deve ser efetivada em um Plano de Ação, a ser elaborado pelos governos
estadual/municipal juntamente com os indígenas, universidades e entidades indigenistas.
O Estado de Pernambuco, contudo, ainda não oficializou o Território
Etnoeducacional definido pelos povos indígenas do Estado e nem articulou os entes
federativos e os demais representantes indígenas e indigenistas para a construção do Plano
de Ação.
O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) (BRASIL, 2010) elenca,
entre suas ações estratégicas, doze tópicos para a Educação Escolar Indígena. Dentre eles,
destacamos: aplicar os saberes dos povos indígenas e das comunidades tradicionais na
elaboração de políticas públicas, respeitando a Convenção 169 da OIT; proteger e
promover os conhecimentos tradicionais e medicinais dos povos indígenas; implementar
políticas de proteção do patrimônio dos povos indígenas, por meio dos registros material
e imaterial, mapeando os sítios históricos e arqueológicos, a cultura, as línguas e a arte;
promover projetos e pesquisas para resgatar a história dos povos indígenas; promover
ações culturais para o fortalecimento da educação escolar dos povos indígenas,
estimulando a valorização de suas formas próprias de produção do conhecimento; garantir
o acesso à educação formal pelos povos indígenas, bilíngue e com adequação curricular
formulada com a participação de representantes das etnias, indigenistas e especialistas em
educação; adotar medidas de proteção dos direitos das crianças indígenas nas redes de
32
ensino, saúde e assistência social, em consonância com a promoção de seus modos de
vida (PNDH-3, p. 89-90). E propõe enquanto ação governamental mais ampla: assegurar
aos povos indígenas uma educação escolar diferenciada, respeitando o seu universo
sociocultural, e viabilizar apoio aos estudantes indígenas do ensino fundamental, de
segundo grau e de nível universitário; apoiar o processo de revisão dos livros didáticos
de modo a resgatar a história e a contribuição dos povos indígenas para a construção da
identidade nacional; desenvolver políticas de proteção do patrimônio cultural e biológico
e dos conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, em especial as ações que tenham
como objetivo a catalogação, o registro de patentes e a divulgação desse patrimônio
(BRASIL, 2010).
Nos dois documentos nacionais de Direitos Humanos, percebemos que a
participação do movimento indígena foi garantida e que suas principais reivindicações
estão presentes.
Em 2012, o Conselho Nacional de Educação reelaborou as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Indígena13, mas desta vez de caráter mandatório e
com diretrizes atualizadas a partir do debate atual sobre a Educação Escolar Indígena e o
acúmulo de experiências que os povos já vivenciaram desde as diretrizes anteriores (em
1999). Este novo parecer teve como relatora uma representante indígena que buscou
contemplar a legislação vigente, como as metas estabelecidas na Conferência Nacional
da Educação Escolar Indígena em 2009. As novas diretrizes têm como objetivo:
a) orientar as escolas indígenas de educação básica e os sistemas de
ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na
elaboração, desenvolvimento e avaliação de seus projetos educativos;
b) orientar os processos de construção de instrumentos normativos dos
sistemas de ensino visando tornar a Educação Escolar Indígena projeto
orgânico, articulado e sequenciado de Educação Básica entre suas
diferentes etapas e modalidades, sendo garantidas as especificidades
dos processos educativos indígenas; c) assegurar que os princípios da
especificidade, do bilingüismo e multilinguismo, da organização
comunitária e da interculturalidade fundamentem os projetos
educativos das comunidades indígenas, valorizando suas línguas e
conhecimentos tradicionais; d) assegurar que o modelo de organização
e gestão das escolas indígenas leve em consideração as práticas
socioculturais e econômicas das respectivas comunidades, bem como
suas formas de produção de conhecimento, processos próprios de
ensino e de aprendizagem e projetos societários; e) fortalecer o regime
de colaboração entre os sistemas de ensino da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, fornecendo diretrizes para a
13 Parecer CNE/CEB Nº13/2012 de 10 de maio de 2012.
33
organização da Educação Escolar Indígena na Educação Básica, no
âmbito dos territórios etnoeducacionais; f) normatizar dispositivos
constantes na Convenção 169, da Organização Internacional do
Trabalho, ratificada no Brasil, por meio do Decreto Legislativo nº
143/2003, no que se refere à educação e meios de comunicação, bem
como os mecanismos de consulta livre, prévia e informada; g) orientar
os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios a incluir, tanto nos processos de formação de professores
indígenas, quanto no funcionamento regular da Educação Escolar
Indígena, a colaboração e atuação de especialistas em saberes
tradicionais, como os tocadores de instrumentos musicais, contadores
de narrativas míticas, pajés e xamãs, rezadores, raizeiros, parteiras,
organizadores de rituais, conselheiros e outras funções próprias e
necessárias ao bem viver dos povos indígenas; h) zelar para que o
direito à educação escolar diferenciada seja garantido às comunidades
indígenas com qualidade social e pertinência pedagógica, cultural,
linguística, ambiental e territorial, respeitando as lógicas, saberes e
perspectivas dos próprios povos indígenas. (BRASIL/MEC/CNE/CEB,
2012, p.3)
Com estas novas diretrizes, os povos indígenas e o Conselho Nacional de
Educação procuraram superar as limitações e preencher as lacunas da legislação anterior.
Em relação ao currículo indígena, o documento orienta que seja construído a partir de
uma perspectiva intercultural e do projeto de sociedade e escola de cada povo,
considerando as condições de aprendizagem do estudante e de trabalho do professor, o
tempo e espaços da escola e outros espaços comunitários/educativos; e define alguns
critérios que devem ser observados na organização curricular das escolas:
a) de reconhecimento das especificidades das escolas indígenas quanto
aos seus aspectos comunitários, bilíngües e multilíngues,
interculturalidade e diferenciação; b) de flexibilidade na organização
dos tempos e espaços curriculares, tanto no que se refere à base nacional
comum, quanto à parte diversificada, de modo a garantir a inclusão dos
saberes e procedimentos culturais produzidos pelas comunidades
indígenas, tais como línguas indígenas, crenças, memórias, saberes
ligados à identidade étnica, às suas organizações sociais, às relações
humanas, às manifestações artísticas, às práticas desportivas; c) de
duração mínima anual de duzentos dias letivos, perfazendo, no mínimo,
oitocentas horas, respeitando-se a flexibilidade do calendário das
escolas indígenas que poderá ser organizado independente do ano civil,
de acordo com as atividades produtivas e socioculturais das
comunidades indígenas; d) de adequação da estrutura física dos prédios
escolares às condições socioculturais e ambientais das comunidades
indígenas, bem como às necessidades dos estudantes nas diferentes
etapas e modalidades da Educação Básica; e) de interdisciplinaridade e
contextualização na articulação entre os diferentes campos do
conhecimento, por meio do diálogo transversal entre disciplinas
diversas e do estudo e pesquisa de temas da realidade dos estudantes e
de suas comunidades; f) de adequação das metodologias didáticas e
pedagógicas às características dos diferentes sujeitos das
aprendizagens, em atenção aos modos próprios de transmissão do saber
34
indígena; g) da necessidade de elaboração e uso de materiais didáticos
próprios, nas línguas indígenas e em português, apresentando conteúdos
culturais próprios às comunidades indígenas; h) de cuidado e educação
das crianças nos casos em que a oferta da Educação Infantil for
solicitada pela comunidade; i) de atendimento educacional
especializado, complementar ou suplementar à formação dos estudantes
indígenas que apresentem tal necessidade. (BRASIL/MEC/CNE/CEB,
2012, p.24-25)
Esses critérios procuram forçar os sistemas de ensino a criarem condições
adequadas de atendimento à Educação Escolar Indígena. Assim como, formação dos
professores e o fomento à pesquisa e à produção de materiais didáticos específicos.
Para Barbalho (2012, p. 184) toda a legislação pós-constitucional não aparece por
acaso; é resultado de uma “abertura política do aparelho estatal, forçado pela conjuntura
das pressões internacionais, ou por atos isolados de setores progressistas vinculados a
determinadas esferas de governo”.
As contradições do que está preceito na legislação educacional para as escolas
indígenas e o que acontece na prática estão muito presentes nas nossas entrevistas. Mesmo
sem o reconhecimento oficial, as etnias já realizam experiências interculturais e criam
elementos específicos no currículo.
A partir de uma lógica decolonial, Secchi (2002) acredita que a legislação atual
não superou a lógica do modelo integracionista que exerce o controle sobre a educação
escolar indígena e cerca o direito dos índios ao protagonismo de sua própria política
educacional:
a legislação admitiu a alteridade e tolerou a diferença, mas manteve
resguardado o direito discricionário de conceder direitos. Nela, o
reconhecimento à diversidade cultural, aos direitos específicos, à
liturgia diferenciada para as suas escolas etc. seriam como marcos ou
garantias de um porvir de cidadania, de respeito e de valorização das
sociedades indígenas. (SECCHI, 2002, p. 137)
O questionamento de Secchi faz sentido pois mostra que o sistema concede um
espaço, mas ele não se transforma nas suas bases estruturais, financeira e do agir
institucional. O espaço conquistado para uma educação intercultural e específica está
dentro da mesma lógica colonizadora que vem sendo praticada desde a colonização.
Assim, mantendo o controle sobre o que é ensinado e continua privilegiando
determinados conteúdos.
Para Silva (2000) essa condição de controle e privilégio está intimamente ligada
ao fato do Brasil ter sido um país colonizado e escravocrata. Essa condição:
35
gerou uma cultura de submissão, de autoritarismo, com
comportamentos de servidão, de mando e de privilégios, em que o
indivíduo é desrespeitado em sua condição fundamental de pessoa
humana, tratado como “objeto” de manipulação dos seus
“proprietários”, enfim, não é considerado cidadão. (SILVA, 2000, p.
20)
Apesar do reconhecimento da conquista de direitos por parte dos povos indígenas,
alguns pesquisadores criticam a ausência de autonomia e protagonismo dos povos nos
espaços de decisão e formulação da legislação, que em alguns momentos apenas são
consultados, mas não têm o poder decisório sobre as políticas e ações que afetam suas
comunidades (ALMEIDA, 2001; ESCOBAR, 2003; FAUSTINO,2006; BARBALHO,
2012).
Para Faustino (2006), os documentos mais importantes da política de educação
escolar indígena dos anos 90 foram oficializados mais por pressão internacional do que
para atender aos anseios das populações indígenas. Assim como afirma nesta passagem:
“uma padronização internacional, tendo sido mais um instrumento organizado pelo MEC
para responder a “agenda reformista” imposta pelos organismos internacionais” (ibidem,
p. 158), para atender as transformações sociais, institucionais, jurídicas, políticas e
econômicas exigidas na consolidação do neoliberalismo.
Como exemplo, temos em Pernambuco o Programa de Qualidade na Educação
(Eduq), em parceria com o Banco Mundial, que atuou na Educação Escolar Indígena no
período de 2006 a 2010 e impulsionou a construção de 15 escolas e realização de três
formações com professores dos anos iniciais voltados para o letramento e alfabetização
matemática. O programa fazia parte de uma agenda reformista econômica financiada pelo
Banco que considerava a educação como pilar fundamental para o crescimento
econômico e o desenvolvimento social14.
O currículo intercultural indígena específico, então, torna-se um aliado na
concretização do projeto de sociedade de cada povo indígena, pois conterá os princípios
e saberes que cada etnia escolha como importantes, na perspectiva de dialogar com os
saberes de outras sociedades. Mas a construção desse currículo ainda esbarra em questões
administrativas e conceituais. Segundo Almeida (2001), ainda há um longo percurso para
14 Para uma análise mais aprofundada sobre a presença do Banco Mundial e os projetos educacionais
financiados pelo mesmo, ler Figueiredo (2009).
36
efetivar os direitos garantidos pela legislação, enquanto política educacional e prática
pedagógica.
Escobar (2003, p. 13), ao analisar os documentos legais que definem e orientam a
Educação Escolar Indígena, chega à conclusão de que o neoliberalismo e a globalização
“comprometem ou dificultam a desejada autonomia dos povos indígenas”. Visto que a
globalização é o resultado do processo de expansão do capitalismo moderno, chamado
por Quijano (1998) de capitalismo colonial/moderno, como uma nova forma de controle
do poder a nível mundial e o liberalismo é materialidade do primeiro.
A ideia de garantir conteúdos básicos comuns15 que não isolem os indígenas nos
seus próprios saberes, pode proporcionar o sentido da integração dos índios à sociedade
nacional e, muitas vezes, impedem que os indígenas pratiquem suas formas próprias de
aprendizagem.
Quando voltamos nosso olhar para as reivindicações do povo Fulni-ô que pedem
a flexibilização dos 200 dias letivos e do cronograma da Secretaria Estadual de Educação
para distribuição da merenda e do material escolar, já que o calendário escolar do povo é
diferente de todas as outras escolas da rede por conta do ritual religioso, sendo organizado
de dezembro a agosto do ano subsequente. A autonomia do povo esbarra na ausência de
uma política de estado específica para atender a essa especificidade e, a cada mudança de
gestão, as lideranças recomeçam a luta para fazer-se entender e respeitar.
Como veremos mais adiante, outras pautas, consideradas mais urgentes, foram
colocadas como prioridade e a construção do currículo e de outros documentos
normativos foram colocadas em segundo plano.
O entendimento de que a educação é um direito e a luta por uma educação
específica e diferenciada continua na pauta de reivindicação dos povos indígenas, que
buscam em diferentes espaços de negociação e disputa de poder, consolidar os direitos
que foram garantidos pela Constituição Federal. Como percebemos no lema da Comissão
de Professores Indígenas de Pernambuco (COPIPE): “A educação é um direito, mas tem
que ser do nosso jeito”.
15 Conforme o Artigo 210 da Constituição Federal (1988): “Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino
fundamental (...)”; e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação quando no artigo 26 afirma: “Os currículos
da educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio devem ter base nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e dos educandos”.
37
A organização de professores indígenas de Pernambuco reconhece a importância
da educação escolar como um direito inalienável e, ao mesmo tempo, reivindica que essa
educação esteja alicerçada, construída a partir do seu “jeito de ser” e que respeite sua
organização social e sua autonomia.
2.3 A Educação Escolar Indígena nos dias atuais: debatendo o direito a educação
A Constituição Federal (CF) de 1988 é considerada a legislação “mais liberal e
democrática da história do país [...], no qual os direitos foram ampliados em todas as
dimensões: civil, política, social e cultural” (SILVA, 2000, p. 15). A partir de então, o
país reconheceu oficialmente a nossa diversidade cultural e também a obrigatoriedade de
criação de políticas e outras ações para promover o combate à discriminação etnorracial
e preservação das diferentes culturas (BRASIL, 1988).
Neste sentido, a CF de 1988 foi um divisor de águas da forma como o Estado
passa a entender os povos indígenas, reconhecendo-os como grupo social que possuem
formas de organização, valores e costumes próprios:
Artigo 231 - São reconhecidos aos índios sua organização social,
costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as
terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,
proteger e fazer respeitar todos os seus bens. (BRASIL, 1988)
No que concerne à Educação, no Artigo 205 da CF, a educação é um direito de
todos, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa para exercer sua cidadania e o preparo
para o trabalho. Da mesma forma, trouxe uma nova perspectiva para a escola presente nas
comunidades indígenas desde a época da colonização, que negava a identidade indígena
e oprimia os costumes e tradições dos povos, e uma escola indígena que valoriza as
práticas específicas e favorece a recuperação/afirmação de sua identidade, ao garantir aos
povos indígenas uma educação específica e diferenciada. A Constituição de 88 garantiu,
também, que o ensino seja realizado na sua língua materna, respeitando suas próprias
formas de aprendizagem.
Entendemos que num Estado Democrático essa nova concepção de educação para
os povos indígenas está pautada no princípio da interculturalidade, com o acesso aos
conhecimentos da base curricular comum e o uso dos saberes e práticas específicos.
Precisamos, porém, refletir acerca do sentido de cidadania para cada sociedade
indígena que é diferente entre si e em relação ao sentido nacional. Para Luciano-Baniwa
38
(2006) a cidadania, entendida como direitos e deveres comuns a indivíduos que partilham
os mesmos símbolos e valores nacionais, reflete uma visão limitada e etnocêntrica e que
a discussão sobre uma cidadania indígena brasileira não é pensada nesse processo. A
cidadania nacional deve, então, ser desnaturalizada e questionada. Países latino-
americanos como Bolívia e Equador já constituíram um estado plurinacional, quando
reconhecem aos povos originários o direito a sua própria cidadania16.
Nesta visão, cada povo indígena constitui-se como uma sociedade única, na
medida em que se organiza a partir de uma cosmologia particular própria que baseia e
fundamenta toda a vida social, cultural, econômica e religiosa do grupo (LUCIANO–
BANIWA, 2006).
A criação do Estado-Nação nacionalizou sociedades com profundas diferenças
sociais, culturais e religiosas, implicando na formulação da ideia da cidadania e na
democracia nacional. Para Quijano (2005), toda força que articula formas diferentes de
vivência numa totalidade única é uma estrutura de poder, que parcial ou totalmente, é
uma forma de imposição de alguns, mas frequentemente, de certo grupo sobre os outros.
Assim a ideia que constituiu a sociedade brasileira como única é criada como forma
manutenção dos interesses e do poder advindos da colonialidade.
No âmbito da educação, a universalização da educação básica é um direito com
um longo percurso a ser cumprido. Segundo dados da Pnad (IBGE, 2008 apud PNE,
2011), o crescimento da taxa de atendimento das crianças e jovens entre 0 e 17 anos é de
1,2 pontos percentuais ao ano; com isso, essa meta só seria alcançada em 2030. Quando
se analisa dados referentes às Regiões Norte e Nordeste, às áreas rurais e aos povos
tradicionais (indígenas e quilombolas), vemos a materialidade dessa diferença. Para os
jovens indígenas, com idade entre 18 e 24 anos, a média de escolaridade é de 8,7 anos,
sendo que a média nacional é de 9,3 anos. Apesar de estar abaixo da média nacional,
podemos perceber que essa diferença vem diminuindo, quando comparamos com dados
de 2005, em que a média de escolaridade entre jovens indígenas estava em torno de 7,9
anos e a média nacional de 8,7 anos.
Os dados do censo escolar 2010 revelam que a Educação Escolar Indígena
representa 0,5% do total de matrículas na Educação Básica, com 246.793 alunos (MEC,
16 WALSH (2008) aprofunda a discussão sobre Estado, plurinacionalidade e cidadania e as experiências na
América Latina.
39
2010). A tabela abaixo, extraída do resumo técnico do Censo Escolar 2010 (p. 23), mostra
a evolução das matrículas na Educação Escolar Indígena de 2007 a 2010, com destaque
especial, para a ampliação dessa matrícula nos Anos Finais do Ensino Fundamental e no
Ensino Médio:
Quadro 1 - Número de matrículas da Educação Indígena por Etapas e Modalidades de Ensino no Brasil
de 2007 – 2012.
Observando a tabela podemos constatar que o número de matrículas aumenta
significativamente até 2010, a partir de 2011 há uma leve redução. Mesmo assim, até
2012, o aumento das matrículas foi de 12,80%, em relação à 2007. No Ensino Médio, por
exemplo, de 2007 a 2010, podemos notar um aumento de 54% no número de alunos,
tendo uma redução nos anos seguintes17.
Apesar da redução de alunos na Educação Escolar Indígena a partir de 2010, o
número de escolas vem aumentando gradativamente desde 1999, conforme observamos
no gráfico abaixo:
17 Percebemos que seria necessária uma investigação mais aprofundada para descobrir as causas do declínio
no número de matriculados a partir de 2010.
40
Gráfico 1 - Números de estabelecimentos de ensino na Educação Escolar Indígena no Brasil,
1999 a 2012.
Fonte: MEC/Inep/DEED.
Esse aumento no quantitativo de escolas, provavelmente, acompanha o
reconhecimento de novas comunidades indígenas e, consequentemente, a necessidade de
ampliação da rede para atende-las. De 1999 para 2012, mais que dobrou o número de
escolas indígenas no Brasil. A partir da figura abaixo, podemos observar o aumento de
comunidades e a da densidade de populações indígenas ao comparar os Censos
Demográficos de 1991, 2000 e 2010, respectivamente:
Figura 1 - Mapa da densidade populacional indígena em 1991, 2000 e 2010.
Fonte: IBGE, 2010. Adaptado pela autora.
Como vimos as conquistas no âmbito da Educação Escolar Indígena foram fruto
de pressões internacionais, mas, principalmente, da mobilização e organização dos
movimentos indígenas, indigenistas e também dos direitos humanos. Justamente, a
importância dos movimentos sociais em direitos humanos dar-se-á da necessidade de que
demandas sociais sejam asseguradas como garantia de direitos. Segundo SILVA E. (1999,
pág. 45), “os movimentos sociais são instrumentos de pressão política”.
Percebemos que o Estado é muitas vezes, o promotor dos direitos humanos, e ao
mesmo tempo, é violador desses direitos. Alguns governos, por sua vez, usam alguns
1.392
2.323
2.765 2.817
0
500
1.000
1.500
2.000
2.500
3.000
1999 2005 2010 2012
Número de estabelecimentos na Educação Escolar Indígena
41
princípios dos DH para esconder o teor violador de suas ações. Os tratados internacionais,
assim como, os movimentos em prol dos direitos humanos, estimulam o debate e a
construção de ações assecuratórias de direito. Percebemos, também pelos dados e pelos
autores pesquisados, que a educação escolar vem sendo gradativamente ampliada para as
populações indígenas. Ainda há um caminho longo para que a educação escolar
intercultural seja de fato garantida a todos.
2.4 A Educação Escolar Indígena: debatendo a educação específica, diferenciada e
intercultural
Já vimos que a educação é um direito básico, que deve ser garantido a toda a
população. Nos casos dos povos indígenas, a partir das mobilizações realizadas pelo
movimento indígena e indigenista pró-constituinte, a legislação garante uma educação
específica, diferenciada e intercultural, mas a consolidação desse direito ainda é um tema
de muitas divergências e que está longe de ser concretizado para todos os povos.
Em relação ao direito conquistado legalmente a uma educação específica, Testa
(2007, p. 10) afirma que:
[...] existe uma lacuna entre o reconhecimento legal de
direitos educacionais específicos e sua implementação,
que depende não apenas de condições para a execução de
políticas, mas também exige revisão e a reelaboração de
propostas concebidas num plano mais amplo para os
contextos locais onde as escolas estão inseridas.
A efetivação do direito à educação indígena intercultural e específica ainda é algo
que o Estado não consegue garantir na sua plenitude, apesar de reconhecermos que o
número de alunos, escolas e professores vêm aumentando gradativamente ao longo dos
anos. Para entender as razões desse não atendimento, buscamos compreender os conceitos
de interculturalidade, específico e diferenciado e qual sua relação com a educação
indígena, embora sabendo que outras variáveis, no conjunto da política educacional,
interferem na efetivação dos direitos, entre elas a dotação orçamentária para o
desenvolvimento da educação escolar indígena.
Na revisão da literatura, encontramos vários trabalhos que estudam o conceito de
educação específica e diferenciada para um determinado povo ou grupos regionais de
povos, como Franchetto (1994), Nascimento (2000, 2005), Testa (2007), Silva B. (2010),
42
Valentini (2010) e Barbalho (2012). É comum entre eles destacar o esforço dos povos em
implementar uma educação diferenciada e específica, mas que é encontrada resistência,
justamente nos órgãos de administrativos e de controle que insistem em não reconhecer
as práticas específicas e legítimas de cada povo.
Quando pensamos nessa questão do não reconhecimento das práticas específicas,
podemos citar o exemplo da caderneta escolar que para alguns coordenadores indígenas
não atende a especificidade da educação escolar do seu povo, por não contemplar a
oralidade, as práticas próprias e os conteúdos específicos.
Um outro ponto importante para entender a razão por que os indígenas e diversos
setores da sociedade civil organizada reivindicaram essa escola específica, diferenciada e
intercultural é o fato de que, à época do primeiro contato com o “homem branco”,
existiam no território brasileiro mais de 1.400 povos indígenas, com diferentes costumes,
línguas, culturas, organização social e, principalmente, com diferentes cosmovisões.
Contudo, toda essa diversidade social, linguística, cultural, política foi agrupada na
categoria índio ou indígena. O modelo de escola era único para todos as nações do
território colonizado:
A construção da educação escolar indígena diferenciada poderá ser uma
realidade, na medida em que o Estado brasileiro garantir aos povos
indígenas o direito de ser diferente, com todas as prerrogativas inerentes
a qualquer cidadão comum, a começar pelo respeito aos costumes e
tradições que lhes são próprios. (VALENTINI, 2010, p. 97)
No processo de reivindicar políticas públicas específicas para os povos nativos, os
indígenas adotaram o termo genérico “indígena” como um símbolo de uma luta comum,
do reconhecimento da identidade, da terra e do direito de serem diferentes. Ao mesmo
tempo, os povos entendem que existem especificidades de cosmovisão entre um povo
indígena e outro, e que, nesta perspectiva, o termo indígena não evidencia essa
diversidade e a diferença entre eles. Por isso, a especificidade torna-se bandeira de luta a
partir da conquista de direitos comuns a todos os indígenas.
Dentro do campo da educação, com o termo diferenciado “pretende-se inferir
tratamento diferenciado à escola indígena, distinguindo-a das outras unidades de ensino”
(BARBALHO, 2012, p. 180). Nascimento (2000) explica a diferença, como eixo para a
definição do currículo da escola indígena e categoria básica de produção de
conhecimento; significa, dentro da história da educação escolar indígena, uma ruptura
epistemológica, política e ideológica com as pedagogias dominantes.
43
Silva B. (2010), ao investigar o conceito de educação diferenciada do povo
Xukuru Kariri de Minas Gerais e o lugar e papel ocupado pela escola e pela educação
escolar no contexto da comunidade, através da análise de narrativas e imagens, verificou
que o conceito de educação diferenciada está ligado ao entendimento da escola indígena
como ativo de resgate/fortalecimento da língua, da cultura e das tradições, da afirmação
da identidade indígena, como também de espaço de fronteira e de diálogo entre as
diferenças:
Tudo isso me leva a pensar e a defender que não existe uma escola
indígena diferenciada sem uma pedagogia da diferença capaz de guiar
o planejamento de um currículo; e em seu centro estaria a discussão da
identidade e da diferença como produção, as formas como são
produzidas e fixadas. (SILVA B., 2010, p. 120)
[...] a escola diferenciada está diretamente relacionada ao “resgate” da
língua, das tradições, e da cultura. (SILVA B., 2010, p. 121)
Uma escola indígena diferenciada pode ser aquela em que o “resgate”
de costumes e tradições não se resuma ao exótico, ao folclórico, à
fixação de um índio genérico, abstrato, preso numa cultura estática,
reivindicando uma identidade cultural congelada num passado morto,
ciladas da diferença. (SILVA B., 2010, p. 122)
Assim, a ideia de uma escola indígena diferenciada está ligada às práticas
pedagógicas próprias dos povos indígenas, onde a cultura e as tradições dialogam o tempo
todo com o currículo, com a escola e com a comunidade escolar. Nela a identidade
daquele povo é constantemente (re)afirmada e (re)inventada. O termo diferenciado aqui
é entendido não apenas como uma diferença de população, cor ou etnia, mas, acima de
tudo, cultural e de visão do mundo sobre o passado, o presente e o futuro (LUCIANO–
BANIWA, 2006).
Silva An. (2012), ao estudar a educação dos índios Tikuna, observou que o ensino-
aprendizagem nas referidas escolas está sendo desenvolvido na direção de uma educação
específica e diferenciada que possibilite a afirmação étnica e cultural daquele povo. A sua
pesquisa ressaltou que o ensino da língua materna e de arte e cultura Tikuna possibilitou
o fortalecimento da sua identidade étnica, “mantendo viva a sua língua e muitos
elementos de sua cultura” (SILVA AN., 2012, p. 3). A pesquisadora concluiu que, mesmo
com esses avanços do currículo específico, é preciso superar as deficiências na área de
formação dos professores Tikuna e a resistência do poder público em reconhecer a
especificidade do povo para que se possa efetivar uma educação diferenciada e específica.
44
Já o termo “específico”, dá a conotação de que cada povo indígena tem uma
cosmovisão diferente (ou específica), a partir dela se dá a relação desse povo com a
natureza, com a terra, com o outro (índio e não-índio).
Assim como nos colocam Vieira-Rodrigues e Nascimento-Maciel (2012, p. 166)
quando tratam que “a educação diferenciada, pautada numa proposta de
interculturalidade é, sobretudo, perceber o ‘Outro’ numa perspectiva de reconhecimento
e respeito da diversidade cultural existente em nosso país”.
Para Monte (1994b, p. 424) da condição de escola diferenciada “derivam práticas
curriculares distintas na seleção dos conteúdos, na sua forma de transmissão, na fluência”.
Para Franchetto (1994), para cada povo, cada situação, é preciso estudar, pesquisar e idear
um projeto especifico. Ao trabalhar com língua indígena, por exemplo, deveríamos
definitivamente eliminar a alfabetização através de cartilhas: a escrita se introduz através
de qualquer língua (português ou indígena) pela produção de unidades significativas,
estimulantes, contextualizadas, de frases a textos.
As autoras observam que tratar de escola indígena é pensar uma nova pedagogia,
vista a partir dos elementos nascidos na própria comunidade escolar, contextualizando
com a realidade da comunidade, de forma a contemplar seus saberes e práticas (MONTE,
1994a, 1994b; FRANCHETTO, 1994) e buscar alcançar os objetivos educacionais dentro
do projeto de sociedade do seu povo.
A materialização do currículo intercultural indígena, contudo, depende também
da participação e do empenho dos professores e da compreensão dos que fazem a escola
sobre essa temática. A formação dos professores indígenas é um desafio neste sentido e
é vista sob duas óticas: a primeira trata da falta de índios com formação em nível exigido
para atuação nas modalidades ou áreas do conhecimento, principalmente nos anos finais
do Ensino Fundamental e no Ensino Médio; a realidade que foi mudando com os anos,
pois os indígenas procuraram cursos em faculdade e outras instituições próximas. Hoje,
há poucos professores não-indígenas atuando em escolas indígenas. Aqueles que
permanecem, estão com a anuência das lideranças; a segunda ótica trata da formação
específica nos cursos chamados de Licenciatura Intercultural18, já que a maioria cursou
18 Em Pernambuco, a Licenciatura Intercultural no nível de graduação é oferecida pela Universidade Federal
de Pernambuco – Campus do Agreste, tendo a primeira turma iniciado em 2009 e concluído em 2013, com
150 estudantes.
45
pedagogia ou outros cursos de licenciatura que não eram voltados para a formação de
professores indígenas.
Essa materialização sofre influência também da relação com que os conteúdos e
saberes dos programas curriculares e dos livros didáticos oficiais dialogam com os
saberes e conteúdos específicos da sociedade indígena. Para Quijano (2005), a
colonialidade do saber criou uma dualidade do conhecimento produzido no mundo, no
processo denominado de “racionalização”. A racionalização determina as formas de se
produzir conhecimento a partir das bases coloniais de poder. Assim, o conhecimento
produzido pelas minorias não é válido. Neste contexto, a interculturalidade tem sido um
termo adotado pelos povos indígenas para destituir os conteúdos de saber oficial como
modo revelado de posições de poder e dominação teórico-cognitiva, permitindo uma
desconstrução teórica e epistêmica destes discursos e construindo experiências
diferenciadas (ALMEIDA, 2001).
A colonialidade do saber contribui com argumentações para a compreensão das
razões para que o currículo intercultural sofra tantas barreiras para sua efetivação.
O Projeto Político Pedagógico Pankará (PANKARÁ, 2007) apresenta a relação
de interculturalidade proposta por esse povo, no sentido de que a educação formal possa
fortalecer os aspectos que caracterizam a identidade do índio Pankará, sem perder de vista
o que os aproxima e diferencia um do outro:
É através do que vivemos no dia-a-dia que procuramos nos relacionar
com os outros, valorizando a pesquisa para conhecermos como os
nossos antepassados viviam, como vivemos e como os outros vivem.
Comparando e buscando o que nos diferencia e o que nos identifica
enquanto povo específico e culturalmente diferenciados. (PANKARÁ,
2007, p. 28)
A partir desta perspectiva, Santos (1997) defende uma educação em direitos
humanos a serviço de uma política progressista e emancipatória. O próprio conceito de
interculturalidade é objeto de disputa e de manipulação, uma vez que certas percepções
colocam a interculturalidade como estratégia de fácil assimilação ao modo de uma
integração romantizada entre culturas (sem considerar as relações de força que sobre elas
incidem) (FEHLAUER, 2012).
A teoria decolonial propõe que a construção de uma nova epistemologia tenha
como ponto de partida a diferença colonial, pensada a partir dos grupos minoritário e
historicamente silenciados, seguindo lógicas diferentes para a construção desse
conhecimento.
46
Entendemos assim que a escola indígena é o locus legítimo para a construção
dessa nova prática pedagógica específica, diferenciada e intercultural.
2.5 A Escola Indígena enquanto locus da educação específica, diferenciada e
intercultural
Um outro aspecto que diferencia a Educação Escolar Indígena do sistema
educacional nacional é o papel que esta escola exerce no projeto de sociedade indígena e
as múltiplas implicações que ocasiona dentro e fora da sua comunidade
(CAVALCANTE, 2004).
Para Silva (2000, p. 19) a escola de uma forma geral:
aparece como um “locus” privilegiado, na medida em que trabalha com
conteúdos, valores, crenças, atitudes e possibilita o acesso ao
conhecimento sistematizado, historicamente produzido, de forma que o
aluno se aproprie dos significados dos conteúdos.
Dessa forma, a escola indígena intercultural funciona como um território19 de
desobediência epistemológica na medida em que constrói novos conhecimentos que não
foram validados pela lógica colonialista. No pensamento decolonial, a desobediência
epistêmica leva a novos caminhos metodológicos e ao pensamento de fronteira (diálogo
entre várias epistemologias).
Como foi destacado na primeira parte deste capítulo, boa parte da história da
escola nas aldeias foi marcada pela negação da identidade, a proibição do uso da língua
materna e da expressão dos costumes. Essa imposição do processo escolar entre os povos
indígenas destruiu conhecimentos milenares, guardados na memória coletiva de cada
povo e importantes para a humanidade. Nesse processo, muitos povos indígenas foram
extintos, enquanto outros sobreviveram, mas perderam parte de elementos culturais como
a língua e o território, ao terem sido obrigados a negar sua identidade, expulsos de suas
terras e misturados a outras etnias e/ou integrados à sociedade nacional. Não somente sua
19 Entendemos o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais, uma marcação geográfica,
adotamos o sentido de território de Santos (2002, p. 08): “O território usado é o chão mais a identidade. A
identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o
lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida”
47
cultura, costumes e tradições foram negados aos próprios, como a sua contribuição para
a construção da sociedade brasileira foi apagada.
Para Almeida (2001) a luta pela educação específica tem como um dos principais
espaços de luta o espaço escolar. Isso é corroborado no PPP do Povo Pankará quando
afirmam que a escola Pankará serve para:
formar guerreiros e guerreiras lutadores/as por nossos direitos,
participativo e atuante no nosso povo e preparados para a convivência
numa sociedade intercultural. A nossa escola tem o papel de fortalecer
a identidade étnica do aluno no respeito ao patrimônio histórico e
cultural deixado por nossos antepassados, compreendendo o processo
de resistência, luta e conquista do povo. (PANKARÁ, 2007, p. 28)
No caso da educação escolar indígena, a escola deve ser pensada, organizada e
planejada a partir do projeto de sociedade do povo ao qual pertence.
Assim, como forma de demarcar um espaço de luta, os indígenas costumam
distinguir a educação do povo em duas: a Educação Indígena e a Educação Escolar
Indígena, como já introduzimos essa questão no marco legal da Educação Escolar
Indígena. A primeira “refere-se aos processos próprios de transmissão e produção dos
conhecimentos dos povos indígenas” (Luciano–Baniwa, 2006, p. 129) e ocorre no
convívio da família, nos espaços e eventos comunitários. Já a Educação Escolar Indígena
refere-se ao espaço/sistema:
apropriada pelos povos indígenas para reforçar seus projetos
socioculturais e abrir caminhos para o acesso a outros conhecimentos
universais, necessários e desejáveis, a fim de contribuírem com a
capacidade de responder às novas demandas geradas a partir do contato
com a sociedade global. (Luciano–Baniwa, 2006, p. 129)
A Educação Indígena, portanto, traspassa os muros da escola ao representar todos
os processos de construção e transmissão do conhecimento da etnia. A Educação Escolar
Indígena indica o processo de ensino-aprendizagem ligado a um Sistema de Educação,
mas que também faz parte da Educação Indígena.
Valentini (2010) analisou a relação entre a proposta de educação específica para
a Educação Escolar Indígena – garantida pela Constituição Federal – e sua efetivação, na
Escola Estadual Indígena Djekupé Amba Arandu, em São Paulo. Valentini (2010)
percebeu que, apesar da escola ser uma instituição exógena à cultura indígena:
passou a ser entendida como espaço de acesso a conhecimentos
acumulados pela humanidade, como, também, de valorização de
práticas tradicionais” (p. 95) e que a “participação efetiva da
comunidade, a prática das línguas maternas e de metodologias de
ensino-aprendizagem , calendários diferenciados e materiais
48
específicos, representam os elementos essenciais para construção de
uma nova realidade escolar. (VALENTINI, 2010, p. 95 e 96)
Testa (2007), ao estudar a educação do povo Guarani, verificou que a educação
não se restringe ao espaço escolar; para ela, a escola não ocupa um lugar central nos
processos de produção e transmissão de conhecimento.
Essa distinção foi importante para a manutenção de línguas, costumes e tradições
indígenas expressas na comunidade até hoje, visto que a instituição escolar visava à
integração dos índios à sociedade nacional. A educação indígena (não formal) permitiu
que alguns povos resistissem praticando secretamente seus rituais sagrados e religiosos e
ainda mantivessem sua língua materna (como por exemplo o povo Fulni-ô de
Pernambuco).
Assim como Luciano–Baniwa (2006) e Testa (2007), Almeida (2001), Cavalcante
(2004) já tinham observado que a educação do povo não se limita aos muros da escola,
existindo outros espaços educativos, como nos momentos de “luta pela terra, nos rituais,
nas reuniões do povo, no dia a dia, no plantio e na mata” (CAVALCANTE, 2004, p. 114).
No Projeto Político Pedagógico do Povo Xukuru há uma passagem que reflete a
ideia de que a educação do povo está em todos os momentos coletivos da comunidade:
A educação do povo Xukuru acontece na luta pela terra. No território
Xukuru se educa para cuidar da terra, para nela viver e por ela lutar. [...]
Os Toiope nos ensinam a respeitar o outro, os espaços sagrados, nossos
cantos, o nosso ritual, as nossas festas e os Encantos de Luz. Ensinam,
também, a entender os mistérios da Natureza. Eles possuem a ciência e
a sabedoria dos antepassados. O conhecimento que a gente precisa para
continuar sendo Xukuru [...] (XUKURU, 2005, p. 11)
Para os indígenas, o simbolismo e o sentimento representado nas expressões de fé
da educação do povo não se encaixa na estrutura da educação escolar, não pode ser
descrita na caderneta e, menos ainda, pode ser sistematizada em um livro. Pelo menos
não no formato que a educação escolar conserva ainda nos dias atuais.
Entendemos que na visão de escola com a proposta de atender aos anseios das
sociedades indígenas, a mesma precisa ter uma organização diferenciada das outras
escolas da rede estadual de ensino. Além disso, o processo educativo, o fazer pedagógico
também são diferenciados, como entende Cavalcante (2004, p. 68) ao afirmar que “[...]
isso implica que, além de trabalhar com conteúdos específicos e interculturais, a escola
terá que usar métodos próprios, uma pedagogia indígena.”
Essa pedagogia específica está ligada aos costumes, à religião, ao modo de ser de
cada comunidade. Ela é específica e surge na relação social, política e cultural que a
49
comunidade cria com a escola, como nos mostra essa passagem do PPP Pankará
(PANKARÁ, 2007, p. 30): “Nossa escola está sempre em contato, sintonia, com a
comunidade e os usos do cotidiano, a fim de tornar mais específica à prática pedagógica
escolar.”
Almeida (2001) avaliou a relação que se estabelece entre a escola, o professor e a
comunidade indígena. Apesar dos dois primeiros serem elementos introduzidos nas
sociedades indígenas, os povos ressignificaram o papel que eles exercem, passando a
atuar em favor da afirmação e fortalecimento da identidade étnica, dentro dos padrões
culturais e políticos de cada povo.
O professor indígena deve atuar como agente mediador da interculturalidade do
currículo. Dentro da sala de aula, ele é que estabelece a relação entre os conhecimentos
do seu povo e os conhecimentos acumulados por outras sociedades. Os materiais
didáticos de uma escola indígena também são produzidos a partir de sua prática na sala
de aula, da vivência na comunidade e dos conhecimentos dos mais velhos. Na educação
indígena, o professor deve ir além da atividade de docência e desenvolve o papel de
pesquisador, organizador, sistematizador dos seus conhecimentos (ALMEIDA, 2001).
Conforme os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas (BRASIL, 2005, p.
20):
Os professores indígenas são os mediadores, por excelência das
relações sociais que se estabelecem dentro e fora da aldeia, por meio
também da escola. Assim, eles ou elas têm uma função social distinta
dos professores não-índios, pois assumem, muitas vezes, o papel de
intérpretes entre culturas e sociedades distintas.
No caso da Educação Escolar Indígena do povo Xukuru, para ser um professor,
entre outros pontos, é necessário: ser um guerreiro; morar na aldeia e merecer a confiança
das lideranças e da comunidade; estar comprometido com o movimento indígena e
participar ativamente da luta; participar das festas e do toré; conhecer e valorizar as
práticas linguísticas e culturais do povo (XUKURU, 2005, p. 14).
Apple (1999, p. 45) destaca a importância dos professores no processo de
resistência a um modelo de currículo que sirva para validar as estruturas sociais existentes
e, ao seu modo, tentam problematizar as relações de poder presentes no currículo oficial:
[...] é vital perceber que, embora nossas instituições educacionais de
fato operem para distribuir valores ideológicos e conhecimento, sua
influência não se resume a isso. Como sistema institucional, elas
também ajudam [...] a produzir o tipo de conhecimento [...] necessário
à manutenção das composições econômicas, políticas e culturais
vigentes.
50
O professor indígena seria, então, um dos agentes mais envolvidos na construção
do currículo indígena de sua etnia, para que os saberes desenvolvidos na escola possam
favorecer os objetivos da Educação Escolar Indígena. Também nos Referenciais para a
Formação de Professores Indígenas (BRASIL, 2005, p. 37), os saberes tradicionais são
definidos como conhecimentos que “constituem o patrimônio e a memória histórica
particular de cada povo”.
Ferri (2001) discute o processo de elaboração de um currículo multicultural, na
experiência da educação escolar indígena de Santa Catarina, através de aspectos como a
reorganização da escola, o relacionamento dos conhecimentos étnicos ou não, a
metodologia de ensino e a aprendizagem, a avaliação do processo pedagógico e a
elaboração de material didático específico. Neste trabalho, a autora faz um recorte na
discussão da influência da formação do professor indígena na vivência de um currículo
multicultural, destacando o perfil de profissional que a escola indígena exige e os
conflitos causados pela presença de professores não-índios nas escolas estudadas, fazendo
com que a escola seja um espaço de conflito cultural, social e identitário.
Nesta linha de raciocínio, os aspectos citados mostram a importância de que o
professor de uma escola indígena específica seja um indígena da própria etnia. Ele é o
agente social que dá sentido à escola diferenciada, específica e intercultural, que
condiciona a escola ao projeto de sociedade do povo. Segundo Barbalho (2012, p. 36):
a escola como cenário vivo de práticas sociais é também dizer que os
atores que dela participam dispõem legitimamente da capacidade de
resistir a formas produtoras/reprodutoras de sujeição e dominação.
Neste sentido, a escola pode se transformar num espaço político de
autonomia coletiva, mesmo que coercitivamente amarrada por regras
da sociedade dominante.
Mesmo com o fim da colonização, percebemos que esse processo deixou marcas
profundas, através da colonialidade do poder, do ser e do saber. O poder exercido através
dos órgãos de promoção e controle do direito à educação, demonstram o abismo que
existe na garantia do direito à uma educação escolar indígena específica, diferenciada e
intercultural. Os indígenas continuam a lutar para que os direitos conquistados não fiquem
no papel. Neste processo a escola e o professor assumem um importante papel na
formação dos guerreiros e guerreiras indígenas, no fortalecimento da identidade e do
projeto de sociedade.
51
Para que a escola exerça seu papel, é necessário construir um currículo que
favoreça as formas próprias de ensino-aprendizagem, que contemple os conteúdos e
metodologias específicas.
No próximo capítulo, analisaremos as teorias curriculares, tentando situar a
educação escolar indígena no seu processo histórico e abordando as novas perspectivas
curriculares que surgem no âmbito da educação escolar indígena.
52
3 CURRÍCULO INTERCULTURAL, DIFERENCIADO E ESPECÍFICO
Antes de discutir o que dizem os teóricos atuais sobre o currículo intercultural,
diferenciado e específico, parece-nos imprescindível compreender que é o currículo e
entender que ele é algo que é construído, a partir de concepções ou ideologias. Por isso,
o currículo deve questionar e problematizar questões que aparentemente são tidas como
naturais ou fruto de fatos históricos e que ocultem ou silenciem questões sociais, políticas
e culturais de grupos minoritários. Moreira e Silva (1999, p. 31) defendem que:
“Desnaturalizar e historicizar o currículo existente é um passo importante na tarefa
política de estabelecer objetivos alternativos e arranjos curriculares que sejam
transgressivos da ordem curricular existente”.
Entender o que é o currículo e como ele vem sendo discutido e construído,
principalmente em relação aos seus objetivos, métodos e fins, passa a ser uma etapa
importante para a compreensão das questões que estão conectadas ao debate sobre o
currículo intercultural na educação indígena e para além dela.
Neste capítulo, iremos nos apoiar em autores que trazem na sua bagagem
importantes contribuições para a (des)construção das concepções de currículo e para uma
análise crítica. São eles: Monte (1994a, 1994b), Pacheco (1996), Moreira e Silva (1999),
Silva T. (1999), Fleuri (1999), Apple (1999) Carvalho (2004), Santos (2000), Canen e
Oliveira (2002), Walsh (2008), Candau e Russo (2010) e Arroyo (2011).
3.1 O Currículo como processo de construção cultural, política e de controle de
poder
A cultura está no centro das discussões sobre o mundo, pois perpassa tudo o que
acontece em nossas vidas e todas as representações que fazemos desses acontecimentos.
Esse fenômeno vem ressignificando também o papel da pedagogia e da escola. Nesse
sentido que a escola assume, o currículo é um elemento importante, pois ele dará
materialidade à proposta do cidadão que se quer formar.
O currículo é parte integrante da vida de qualquer indivíduo e pode ser
considerado como a trajetória deste indivíduo. Pacheco (1996, p. 20) define o currículo
como:
53
[...] um projeto, cujo processo de construção e desenvolvimento é
interativo, que implica unidade, continuidade e interdependência entre
o que se decide ao nível do plano normativo, ou oficial, e ao nível do
plano real, ou do processo de ensino-aprendizagem.
.
Nesse sentido, o currículo vai além de procedimentos, técnicas ou métodos, está
envolto por ideologia, por conflitos de classe, raça, sexo e religião. Assim como o
currículo, podemos considerar que a educação (como vimos no capítulo anterior) está
ligada a questões culturais, sociológicas, políticas e epistemológicas por privilegiar um
tipo de conhecimento e destaca uma identidade como ideal e tenta garantir o consenso e
a hegemonia.
Considerando que o currículo é constituído pelo resultado de uma seleção de
saberes e conhecimentos (SILVA T., 1999), passa a ser tão importante quanto o
conhecimento selecionado o fato de saber de onde surgiu esse conhecimento, quem o
selecionou e a que grupo pertence. O que nos remete a uma relação de poder, de lugar,
do que é importante ou não de ser ensinado: da mesma forma que a modernidade classifica
culturas e raças, também classifica o conhecimento que emerge das sociedades ou de
culturas não hegemônicas.
O currículo nesta perspectiva seria uma “construção cultural” (PACHECO, 1996)
e deve ser estudada “na relação com as condições históricas e sociais em que se produzem
as duas diversas realizações concretas e na ordenação particular do seu discurso”
(KEMMIS, 1988, p. 44 apud PACHECO, 1996).
Os critérios que definem a seleção dos conteúdos são os principais aspectos que
diferenciam uma teoria de currículo da outra. Cada teoria defende uma seleção de saberes,
a partir de critérios específicos para atender aos objetivos propostos para a educação
formal num determinado contexto histórico, visando a estabelecer uma determinada
identidade. Esta seleção não é inocente, pois é feita a partir de uma concepção do que se
considera melhor, do que deve ser ensinado e reflete as perspectivas, interesses e visão
de mundo de determinado(s) grupo(s), que normalmente está(ão) numa posição de poder
privilegiada.
A visão de um currículo numa dimensão política da educação, como elemento
integrador das políticas e objetivos educacionais, vem conquistando espaços nas políticas
públicas, na programação escolar e, consequentemente, influencia a realidade do processo
educacional, como podemos auferir a partir do pensamento de Moreira e Silva (1999, p.
8):
54
O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão
desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em
relações de poder, o currículo transmite visões particulares e
interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais
particulares [...], ele tem história, vinculada a formas específicas e
contingentes de organização da sociedade e da educação.
Arroyo (2011) ainda acrescenta a essa discussão a relação entre as experiências
sociais, a produção de conhecimento e o currículo escolar. Para o autor a polarização entre
o saber emergido da experiência social e os saberes escolares (científicos) é causada pela
hierarquização do conhecimento, onde “os coletivos superiores produzem experiências e
conhecimentos nobres, enquanto os coletivos tidos como inferiores, atolados nas
vivências comuns do trabalho e da sobrevivência, produzem saberes comuns”
(ARROYO, 2011, p. 116). Para Arroyo, esta concepção de currículo é segregadora e
extrapola o ambiente escolar para refletir o mundo social no qual está inserido e serve
para validar estruturas sociais, culturais e políticas hierarquizadas e segregadas: “os
currículos, seu ordenamento, a hierarquização dos conhecimentos fazem parte de
relações, experiências, interesses e tensões sociais” (ARROYO, 2011, p. 122).
Esta hierarquização do conhecimento faz com que o currículo escolar esteja em
descompasso com as transformações sociais e distante da realidade dos alunos. Moreira
e Silva (1999) trazem o exemplo de que o currículo escolar pouco ou quase nada considera
a influência da ‘cultura popular’ (como a televisão, música, dança, videogames, revistas
e internet) e os conhecimentos que provêm dessas experiências; e consideram que a
apropriação dessa cultura é importante para utilizá-la em favor de um projeto de sociedade
mais igualitária e democrática:
Não incorporar uma compreensão dessas transformações à nossa
teorização curricular crítica significará entregar a direção de sua
incorporação à educação e ao currículo nas mãos de forças que as
utilizarão fundamentalmente para seus objetivos mercadológicos.
(MOREIRA E SILVA, 1999, p. 33)
Apple (1999) identifica o distanciamento da educação com a realidade quando a
escola não questiona e não problematiza essas relações de poder; reafirma que as teorias,
as diretrizes e as práticas escolares são de caráter político e ético. Nós consideramos
também que essas relações são políticas e que é, na tensão gerada por essas relações, que
se insere a discussão do currículo indígena, onde se busca incorporar os saberes
construídos historicamente nas experiências sociais, culturais e, principalmente,
religiosas do povo indígena, num diálogo constante com saberes científicos. Para Arroyo
(2010, p. 117) “reconhecer que todo conhecimento é uma produção social, produzido em
55
experiências sociais e que toda experiência social produz conhecimento pode nos levar a
estratégias de reconhecimento”. Esse reconhecimento está ligado ao reconhecimento da
diversidade cultural e ao direito de conhecer a própria história de cada povo.
O currículo, portanto, é de uma realidade potencialmente complexa e deve ser
construído levando em consideração as relações de poder, as diferentes culturas, a
identidade dos sujeitos por ele e nele envolvidos. O currículo deve ser discutido baseado
na análise crítica e sociológica dos conhecimentos por ele incorporados, fundamentado
na ideologia, na cultura e na interdisciplinaridade ou, ainda, para ‘além da
interdisciplinaridade’ (Moreira e Silva, 1999).
Para isso, é importante compreender as questões sociais, políticas e culturais que
dominaram as principais teorias curriculares que influenciaram e continuam
influenciando a escola e, consequentemente, o tipo de sociedade que é construída.
Adiante, abordaremos a relação dessas teorias com a educação oferecida aos
povos indígenas e qual a repercussão das ideias nascidas da luta do povo indígena por
uma escola diferenciada, específica e intercultural no campo curricular.
3.2 As teorias curriculares
Apesar de fazer parte da educação, os primeiros estudos de currículo enquanto
campo de pesquisa surgiram nos Estados Unidos no pós Guerra Civil, quando o processo
de industrialização exigia que as grandes indústrias contratassem mão de obra qualificada
e o governo almejava a homogeneidade cultural dos filhos de imigrantes e da comunidade
rural para promover um projeto nacional comum (MOREIRA e SILVA, 1999); a
preocupação dos especialistas em currículo era “planejar ‘cientificamente’ as atividades
pedagógicas e controlá-las de modo a evitar que o comportamento e o pensamento do
aluno se desviassem de metas e padrões pré-estabelecidos” (MOREIRA e SILVA, 1999,
p. 9).
Segundo Pacheco (1996), as chamadas teorias tradicionais do currículo
preocupavam-se com a forma e os objetivos da educação para formar uma massa de
trabalhadores especializados ou uma educação acadêmica, oferecida para a população
menos favorecida. Esse modelo de organização da educação foi predominante nos
Estados Unidos e em diversos países, inclusive o Brasil, até os anos 80. O currículo
tradicional era centrado na questão técnica onde “o sistema educacional fosse capaz de
56
especificar precisamente que resultados pretendia obter, que pudesse estabelecer métodos
para obtê-los de forma precisa” (SILVA T., 1999, p. 19).
As teorias tradicionais pouco consideravam o meio em que o aluno estava inserido
e as experiências vividas fora da sala de aula; por isso, ignoravam importantes questões
culturais, políticas e sociais. A formação escolar centrava-se em expor o conteúdo pré-
selecionado para atender a um fim específico, independente do contexto histórico,
político e social. Esse processo de construção do currículo é denominado por Veiga-Neto
(2002, p. 44) de “tranquilidade epistemológica”, pois o currículo não era problematizado
e havia um certo consenso no que deveria ser ensinado.
Apesar dos estudos sobre currículo terem iniciado no século XIX, a ideia de um
currículo assimilador e reducionista, já era utilizada pelo Império no Brasil colônia na
educação escolar oferecida aos povos indígenas com o objetivo de homogeneizá-los
dentro da sociedade nacional e transformá-los em mão de obra para o campo e os
trabalhos artesanais.
Por sua vez, as teorias curriculares críticas defendiam que o currículo fosse
pensado considerando sua constituição social e histórica, a qual não podia continuar se
preocupando apenas com a organização do conhecimento escolar (MOREIRA e SILVA,
1999). As teorias críticas, então, passaram a problematizar o que e para quem estava
sendo ensinado, no centro da questão dessas teorias estavam a preocupação em conhecer
as diferenças sociais e os mecanismos de controle do poder para superá-los.
Um dos exemplos foi o movimento de reconceitualização do currículo, que
questionava os parâmetros tecnocráticos estabelecidos pelas teorias tradicionais e,
inspirado em estratégias interpretativas de investigação dos significados subjetivos que
as pessoas dão às suas experiências pedagógicas, buscava desnaturalizar as categorias que
vivemos cotidianamente (SILVA T., 1999). O currículo é visto como experiência e como
local de interrogação e questionamento da experiência; o currículo não se limita à vida
escolar, mas à vida inteira (PACHECO, 1996).
Outro movimento tomava como elemento central a crítica marxista da sociedade
capitalista, que gira em torno da dominação de classe. Para esse movimento, o currículo
pode ser pensado como “[...] um campo em que se tentará impor tanto a definição
particular de cultura de classe ou grupo dominante quanto o conteúdo dessa cultura”
(MOREIRA e SILVA, 1999, p. 27). Nessa visão crítica, não se pode pensar em cultura
sem discutir questões de grupos e classes sociais, a dominação daqueles que detêm a
propriedade dos recursos materiais sobre aqueles que possuem sua força de trabalho. No
57
centro da perspectiva crítica do currículo deveria estar uma concepção de identidade que
o concebesse como histórica, contingente e relacional:
As teorias críticas são teorias de desconfiança, questionamento e
transformação radical. Para as teorias críticas o importante não é
desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver
conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz. (SILVA
T., 1999, p. 27)
Segundo Veiga-Neto (2002), a questão do poder era uma discussão central das
teorias críticas e, por isso, o currículo deve proporcionar aos educandos uma compreensão
sobre as questões sociais, econômicas e políticas local e mundial. O poder se manifesta
nas relações sociais (ou de poder) em que certos indivíduos ou grupos submetem outros
à sua vontade. Assim a escola e o currículo funcionariam como um forte instrumento para
manutenção dessa realidade por expressar os “interesses dos grupos e classes colocados
em vantagem em relações de poder” (MOREIRA e SILVA, 1999, p. 29).
Os movimentos pós-modernistas e pós-estruturalistas radicalizam a crítica do
currículo, questionando as formas do conhecimento da pedagogia crítica e fazendo sua
conexão com as relações de poder, assinalando o início da pedagogia pós-crítica. As
teorias pós-críticas relacionaram o processo educacional como uma questão de saber,
poder e identidade social e cultural, e ajudaram a aumentar a compreensão dos processos
de dominação e marginalização nas relações de gênero, etnia, raça e sexualidade. O termo
multiculturalismo começou a ser utilizado por “um movimento legítimo de reivindicação
dos grupos culturais dominados no interior daqueles países para terem as suas formas
culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional” (SILVA T., 1999, p. 88),
chamando a atenção para a diversidade cultural no mundo contemporâneo e combatendo
a homogeneização cultural.
Contudo, Walsh (2009) pondera que a lógica multicultural é incorporada pelo
capitalismo multinacional como uma abertura para a diversidade, mas, ao mesmo tempo,
cria ferramentas de controle e domínio do poder hegemônico nacional, regional e global.
Na verdade, o multiculturalismo é utilizado para minimizar os conflitos étnicos, sob o
pano de fundo da igualdade racial.
Para as teorias pós-críticas, discutir somente a luta de classe, gênero e identidade,
não dá conta de problematizar a relação de poder para uma parcela da população
historicamente silenciada. Para Veiga-Neto (2002, p. 49), somente a distinção “binária
entre opressores-oprimidos são insuficientes para dar conta de uma realidade que é
58
multifacetada e muito complexa” que é uma sociedade globalizada. Por isso, o currículo
deve agregar as discussões sobre questões de etnia e gênero.
É nessas experiências das teorias pós-críticas que se situa a luta dos povos
indígenas por um currículo que valorize seus conhecimentos, seus saberes e que seja
agente de fortalecimento identitário. A luta dos povos indígenas não está centrada na luta
de classes, nem de gênero ou identidade, mas na luta pela terra, na luta pelo respeito como
sociedade que possui uma cosmovisão específica.
O pós-colonialismo reúne teorias que analisam as heranças e as relações políticas,
econômicas, sociais e culturais geradas pela colonização, a partir do que foi escrito tanto
do ponto de vista dominante quanto do dominado, propondo uma análise das relações de
poder entre os colonizadores e os povos colonizados. Assim como outras teorias pós-
críticas, a teoria pós-colonialista também está centrada na questão de nacionalidade,
identidade e raça. Conforme Silva T. (1999, p. 133):
A análise pós-colonial junta-se, assim, às análises pós-moderna e pós-
estruturalista, para questionar as relações de poder e as formas de
conhecimento que colocaram o sujeito imperial europeu na sua posição
atual de privilégio.
É nesse território de insubordinação e resistência epistêmica à imposição de uma
cultura dominante que se constrói o currículo indígena.
A partir da literatura feita pelo dominante, a análise utiliza-se do princípio de que
“as narrativas imperiais são vistas como parte do projeto de submissão dos povos
colonizados”. Já no caso da literatura dos dominados, o discurso é analisado “como
narrativa de resistência ao olhar e ao poder imperiais” (SILVA T., 1999, p. 129). A crítica
pós-colonialista questiona a centralidade do currículo na produção literária e cultural
europeia e propõe uma decolonialidade desse currículo:
Uma perspectiva pós-colonial exige um currículo multicultural que não
separe questões de conhecimento, cultura e estética de questões de
poder, política e interpretação. Reivindica, fundamentalmente, um
currículo descolonizado. (SILVA T., 1999, p. 134)
Na perspectiva pós-colonialista, a cultura nacional confunde-se com a cultura
dominante, já que o que unifica não é o resultado de um processo de reunião das diversas
culturas que constituem uma nação. Então, todo o conhecimento advindo de grupos
étnicos historicamente oprimidos, como o do negro e o do índio, torna-se elemento
“folclórico” ou “não científico”. Por isso, deve-se questionar o como e por quem ele foi
escrito, o lugar de onde se fala e o que está por trás dessa fala.
59
Para o pós-colonialismo, um currículo multicultural crítico deve dar conta de
problematizar as desigualdades educacionais centradas nas relações de gênero, raça e
etnia, questionando as bases históricas, políticas e sociais da construção da ideia de raça
e etnia:
[...] incorporar as estratégias de desconstrução das narrativas e das
identidades nacionais, étnicas e raciais que têm sido desenvolvidos nos
campos teóricos do pós-estruturalismo, dos estudos culturais e dos
estudos pós-coloniais. (SILVA T., 1999, p. 105)
Por sua vez, o pensamento decolonial defende que, apesar da emancipação política
dos países latino-americanos, as heranças coloniais se mantêm por padrões de dominação
do poder, do ser e do saber. A colonialidade, então, reprime/nega/silencia os modos de
produção de conhecimento, os saberes, o mundo simbólico, as imagens do colonizado e
impõe novos.
Para Silva et alii (2013), o pensamento decolonial permite refletir criticamente a
política curricular brasileira. Para Oliveira e Candau (2010), as contribuições do
pensamento decolonial apresentam grande potencial de reflexão sobre a
interculturalidade, as relações étnico-raciais e a educação, por dar ênfase a uma nova
epistemologia, que emerge dos povos historicamente silenciados.
A Teoria de “Pensamento desde a Borda” emergiu desde e como uma resposta às
fronteiras epistemológicas imperiais/territoriais e da retórica da modernidade da salvação
(o conhecimento científico levaria a uma sociedade moderna e superior). O pensamento
desde a borda é a epistemologia da alteridade a partir de um projeto decolonial que está
enraizado nas experiências das colônias e dos impérios subalternos. Assim surgem das
epistemologias que foram negadas/silenciadas pela expansão imperial, negando o
privilégio epistêmico das humanidades eurocentradas.
Entendemos assim que o pensamento desde a borda, a partir de uma lógica
intercultural, evidencia questões sociais, políticas e culturais de conflitos e tensão da
lógica colonial que envolve as relações educacionais na educação escolar indígena.
Como observamos, as teorias pós-críticas do currículo centram seus discursos nas
relações de poder geradas pelas interações sociais, econômicas, políticas e culturais.
Dentro do campo das teorias pós-críticas, acreditamos que os estudos culturais e a teoria
decolonial poderão conter e propiciar categorias importantes de análise sobre o currículo
intercultural indígena. Para isso, buscamos refletir com mais profundidade nas
contribuições de diferentes pesquisadores, como Fleuri (1999), Canen e Oliveira (2002),
Carvalho (2004), Walsh (2008), Candau e Russo (2010), Santos (2000).
60
3.3 Multiculturalismo, pluriculturalismo, interculturalidade e currículo
Neste tópico, abordaremos os principais conceitos e questionamentos sobre
multiculturalismo e interculturalidade e sua relação com a educação escolar indígena,
tentando nos posicionar nas questões que mais representam o nosso entendimento sobre
o tema. Contudo, compreendemos que não há um consenso sobre o conceito de
interculturalidade, nem na Antropologia, nem na Sociologia. Carvalho (2004), por
exemplo, analisou os discursos no âmbito da educação intercultural, percebendo que a
ideia de interculturalidade está ligada a diferentes proposições de conceitos e práticas,
sendo assim, um campo teórico em construção. Por isso, buscamos aproximações teóricas
do que vem sendo discutido no âmbito da Educação Escolar Indígena.
Antes, porém, temos que refletir sobre a interculturalidade e seus processos de
diálogo e conflito, tentando situá-la no campo dos Estudos Culturais e perpassar para
outros campos teóricos. Na nossa pesquisa, buscaremos compreender a interculturalidade
a partir da noção de cultura e, posteriormente, explicar as relações de poder que envolvem
o nosso objeto de estudo (o currículo indígena).
Segundo Williams (2000), a cultura pode ser percebida como o modo de vida
global de uma sociedade; então, seria como a experiência de vida de qualquer
agrupamento humano, independentemente de sua posição social. Neste sentido, não
existiria hierarquia de uma cultura em relação a outra.
Outra linha teórica da cultura (ORTIZ, 1994) defende que, nessa relação, a
subordinação e opressão podem ocorrer de tal forma que pode chegar a aniquilar a cultura
subordinada por completo. Nessa perspectiva, não há possibilidade de sobrevivência de
povos com cultura diferenciada quando estão submetidos às relações de poder com um
padrão cultural dominante.
A cultura, nesta pesquisa, é trabalhada, basicamente, como expressão das relações
sócio históricas de diferentes atores interagindo, local e globalmente, a partir de relações
de poder e das heranças do processo de colonização, como aborda Costa (2002, p. 138):
“é na cultura que se dá a luta pela significação, na qual os grupos subordinados tentam
resistir à imposição de significados que sustentam os interesses dos grupos dominantes”.
Compreendemos que a cultura é algo vivo, que está em constante interação e
mudanças, portanto não há cultura estática ou parada no tempo. Como também não
percebemos as mudanças culturais como sinônimo de perda, mas como sinal de
61
transformações. A cultura também é vista em um campo de disputas que envolve esferas
sociais, políticas e econômicas.
Para Apple (1999), as posturas conservadoras, que visam a homogeneização
cultural, sempre estão se reinventando e ressurgindo. Isso indica a importância de discutir
tanto as relações de poder e de classe no currículo como as questões gênero e raça.
No Brasil, os movimentos sociais dos anos 80 e 90 romperam com o mito da
“igualdade racial” e propagaram possibilidades e conquistas, favorecendo uma nova
consciência acerca das diferenças culturais presentes em nosso país (CANDAU E
ANHORN, 2000). Esse processo exigiu o reconhecimento da diversidade cultural e étnica
e, mais além, impôs mudanças profundas nas bases estruturantes da sociedade. Apesar de
ainda existir uma cultura hegemônica, com forte tendência para uma homogeneização
cultural, é possível perceber algum avanço em diferentes áreas (como saúde, educação,
jurídica, entre outras) para o reconhecimento das diferentes etnias que existem no Brasil.
Sendo assim, a cultura tem cada vez mais assumido um lugar destaque na organização e
estrutura da sociedade e tudo que está associado a ela, também ganha espaço nas
discussões atuais (MOREIRA, 2002). Na mesma medida, crescem os discursos de cunho
político e econômico que colocam em ênfase tanto a cultura, quanto a constatação de uma
diversidade cultural local ou global.
Existem diferentes termos que são utilizados quando a cultura aparece como cerne
da questão e que estão presentes nos discursos de cunho político e nas políticas públicas
que vem sendo implementadas em diversas áreas (WALSH, 2008). De forma sucinta,
Fleuri (1999) expressa-se da seguinte forma:
Os termos multi ou pluricultural são os mais utilizados atualmente e
indicam uma situação em que grupos culturais diferentes coexistem um
ao lado do outro sem necessariamente interagir entre si. O termo
transcultural faz referência a elementos culturais comuns, aos
chamados "traços universais", aos "valores permanentes" nas diferentes
culturas, ou seja, identifica estruturas semelhantes de relação social ou
de interpretação em culturas diferentes, sem que estas culturas
interajam entre si. O termo intercultural indica uma situação em que
pessoas de culturas diferentes interagem, numa atividade que requer tal
interação. A interculturalidade é mais utilizada ao tratar de grupo
minoritários ou historicamente silenciados, como indígenas e negros. A
diferença entre o multiculturalismo e o interculturalismo encontra-se no
modo de se conceber a relação entre estas diferentes culturas,
particularmente na prática educativa. (FLEURI,1999, p. 279)
O termo pluriculturalismo tem sido muito utilizado na América do Sul para refletir
a particularidade e realidade da região onde povos indígenas e negros têm convivido,
durante séculos, com brancos-mestiços e onde a mestiçagem e a mescla racial possuem
62
um papel significante. Tem sido utilizado para indicar uma convivência de culturas no
mesmo espaço territorial, mesmo que não haja uma profunda inter-relação equitativa.
Walsh (2008) cita os exemplos de Equador e Bolívia como experiências recentes de
sociedade plurinacionais que reconhecem a existência de diferentes grupos sociais nos
seus países e buscam, com base no interculturalismo, construir políticas e programas
públicos.
O multiculturalismo é uma característica própria das sociedades humanas e se
expressa em processos de interação, dominação, subordinação e resistência de diferentes
grupos e, consequentemente, diferentes culturas (MCLAREN, 1997). Assim, o termo
“multiculturalismo” tem sido empregado, principalmente nos discursos políticos, para
indicar o caráter plural das sociedades ocidentais contemporâneas. Para McLaren (1997),
no currículo multicultural, não há consenso no campo cultural e aceitação pacífica de
acréscimos de pontos de vista dos grupos minoritários à uma base cultural hegemônica.
O termo multiculturalismo tem suas raízes nos países ocidentais nas reformas
neoliberais que buscavam criar um relativismo cultural para esconder as profundas
diferenças sociais. As políticas e programas multiculturais abriram espaço para a
realização de atividades de cunho cultural, esportivo, religioso e educacional com a
participação de diferentes grupos (minoritários ou hegemônicos). Contudo, esse espaço
não promove uma interação entre os grupos, nem os trata com a mesma ênfase. Sendo
assim, aponta apenas para uma coleção de culturas singulares sem relação entre elas e
marcadas por uma cultura fortemente dominante.
Para Moreira (2002), o avanço está limitado a reconhecer, identificar as diferenças
e estimular a tolerância, o respeito e a convivência entre elas, o chamado
multiculturalismo benigno ou interculturalidade funcional (WALSH, 2009). Mas não se
questiona as relações de poder que se estabelecem desse contato, que tratam o que é
diferente (da cultural hegemônica) como “o outro” ou “o inferior”, o multiculturalismo
crítico ou interculturalidade crítica.
Para Canen e Oliveira (2002), o multiculturalismo crítico traz a ideia pós-moderna
da cultura dinâmica, diversa, descentralizada e descontinuada, rompendo com a
percepção moderna que defendia a evolução natural da sociedade para a construção
universal do progresso e a homogeneização cultural.
63
Na visão do multiculturalismo crítico, a igualdade só poderá ser obtida a partir de
uma modificação substancial do currículo existente, tratando a questão da diferença como
uma questão histórica e política. Do ponto de vista do multiculturalismo crítico, não existe
nenhuma posição transcendental, privilegiada, a partir da qual se possa definir certos
valores ou instituições como universais (SILVA T., 1999).
Contudo, se, por um lado, o multiculturalismo permite pensar alternativas para as
minorias ao enfatizar a historicidade e o relativismo inerentes à construção das
identidades culturais, por outro lado, pode justificar a fragmentação ou criação de guetos
culturais que reproduzem desigualdades e discriminações sociais (FLEURI, 1999).
Para Santos (2000), essa fragmentação social poderia ser evitada com o
multiculturalismo emancipatório, que tem como princípio o reconhecimento do outro na
condição de sujeito de direito e de conhecimento, a partir de uma lógica pós-colonialista,
e onde a política de igualdade20 e a política da diferença21 estejam em constante tensão:
Há a ideia de que, sendo todos iguais, é fundamental que se dê uma
redistribuição social, nomeadamente ao nível econômico, e é através da
redistribuição que assumimos a igualdade como princípio e como
prática. (SANTOS, 2000, p. 21)
O multiculturalismo emancipatório, da forma como é defendido por Santos
(2000), se aproxima à ideia de interculturalidade. Contudo, a interculturalidade, além do
reconhecimento e da coexistência de diferentes identidades culturais, exige uma inter-
relação entre culturas diferentes a tal ponto que “implique um desafio à reelaboração de
cada um” (MOREIRA, 2002, pág. 22). Segundo Collet (2003, p. 181) a interculturalidade
dá “ênfase ao contato, ao diálogo entre as culturas, à interação e à interlocução, à
reciprocidade e ao confronto entre identidade e diferença”.
Percebemos que há diversas abordagens e pensamentos sobre o termo
multicultural e o multiculturalismo crítico. Canen e Oliveira (2002) denomina o
multiculturalismo crítico de “perspectiva intercultural crítica” [grifo nosso], mostrando
uma aproximação enquanto campo teórico e prático, percebemos essa convergência
quando ela aborda o significado do multiculturalismo crítico:
questionar a própria construção das diferenças e, por conseguinte, dos
estereótipos e preconceitos contra aqueles percebidos como
“diferentes” no seio de sociedades desiguais e excludentes. No caso da
20 A política da igualdade tem seu alicerce na luta de classe e acaba por não abordar outras formas de
discriminação, como as relacionadas com gênero, sexualidade, diferença etária, religiosidade, entre outras. 21 A política da diferença nasce na luta pelo reconhecimento do outro/do diferente.
64
educação e da formação de professores em sociedades multiculturais e
desiguais como o Brasil, adotar o multiculturalismo crítico como
horizonte norteador significa incorporar, nos discursos curriculares e
nas práticas discursivas, desafios a noções que tendem à essencialização
das identidades, entendendo-as, ao contrário, como construções,
sempre provisórias, contingentes e inacabadas. (CANEN e OLIVEIRA,
2002, p. 61-62)
A imprecisão do conceito de interculturalidade e de usos do termo intercultural
podem indicar caminhos abertos para o diálogo e anunciar mudanças culturais, políticas
e sociais, visando a emancipação dos subalternizados, por outro lado, podem esconder
estratégias de manipulação, racismo e cooptação (WALSH, 2009). Nesta conjuntura, é
importante distinguir a interculturalidade crítica da interculturalidade funcional22.
Segundo Walsh (2009, p. 13-14), a primeira está ligada à uma “pedagogia e práxis
orientadas ao questionamentos, transformação, intervenção, ação e criação de condições
radicalmente distintas de sociedade, humanidade, conhecimento e vida”; e a segunda
refere-se a apropriação do termo intercultural por “dispositivos de poder que permitem a
permanência e o fortalecimento das estruturas sociais estabelecidas e sua matriz colonial”.
O termo intercultural, então, exige mais do que o respeito e o reconhecimento de
uma diversidade; ele procura identificar, desnaturalizar e questionar os problemas e
conflitos causados nas relações e condições históricas e atuais, da dominação, da exclusão
e desigualdade; ele busca a transformação da sociedade numa perspectiva decolonial.
Segundo Vieira-Rodrigues e Nascimento-Maciel (2012), o termo
interculturalidade na educação indígena brasileira aparece pela primeira vez na LDB,
quando trata da oferta pelos Entes Federados da Educação escolar bilíngue e intercultural
aos povos indígenas. Collet (2003) aponta que a interculturalidade surge no âmbito da
Educação Escolar Indígena como contraponto às ideologias anteriores de assimilação e
integração da diferença.
Na visão de um indígena:
A interculturalidade é uma prática de vida que pressupõe a
possibilidade de convivência e coexistência entre culturas e
identidades. Sua base é o diálogo entre diferentes, que se faz presente
por meio de diversas linguagens e expressões culturais, visando à
superação da intolerância e da violência entre indivíduos e grupos
sociais culturalmente distintos (Luciano–Baniwa, 2006, p. 50-51).
22 Grifos nossos.
65
No contexto indígena, a interculturalidade, então, é concebida, dentro desse
processo de afirmação identitária, como projeto político que “orienta pensamentos, ações
e novos enfoques epistêmicos” (CANDAU e RUSSO, 2010, p. 24), que reconhece que
povos indígenas e afrodescendentes produzem conhecimento e que inclui “os
conhecimentos subalternizados e os ocidentais, numa relação tensa, crítica e mais
igualitária” (CANDAU e RUSSO, 2010, p. 27). Por isso, um currículo intercultural
indígena não se resume apenas a inclusão de conteúdos de origem indígena ou
afrodescendente, mas de uma mudança estrutural profunda que problematize a estrutura
ideológica da sociedade e do Estado e rompa com a lógica hegemônica eurocêntrica. Para
Fleuri (1999, p. 280):
As culturas são saberes de grupos e de pessoas históricas, das quais
jamais podem ser completamente separáveis. As pessoas são formadas
em contextos culturais determinados. Mas são as pessoas que fazem
cultura. Neste sentido, a estratégia intercultural consiste antes de tudo
em promover a relação entre as pessoas, enquanto membros de
sociedades históricas, caracterizadas culturalmente de modo muito
variado, nas quais são sujeitos ativos.
Os autores acima nos fazem refletir que a prática pedagógica intercultural deve
criar espaços de identificação, diálogo e problematização das diferenças com uma
perspectiva desafiadora, comprometida com um projeto de sociedade mais igualitária, e
buscando superar o discurso das diferenças culturais do ponto de vista folclórico.
Nesse sentido, construir uma educação multicultural crítica ou intercultural
implica repensar a escola e a prática pedagógica, onde se reconhece que os estudantes são
diferentes, com saberes e necessidades diferentes, o que exige uma abordagem
diferenciada do currículo e da relação pedagógica que estabelece em sala de aula.
Segundo Collet (2003, p. 181) a interculturalidade dá “ênfase ao contato, ao
diálogo entre as culturas, à interação e à interlocução, à reciprocidade e ao confronto entre
identidade e diferença”. Para Canclini (2004), a interculturalidade implica que os
diferentes estão interagindo em relações de negociação, conflitos e empréstimos
recíprocos, reforçando a ideia de interação entre diferentes grupos, o que abre a
possibilidade de um espaço para a igualdade social. Para Sartorello (2009, p. 78) a
interculturalidade se sustenta por “sentidos que representam uma variedade de posições
dinâmicas, individuais e coletivas, oficiais e alternativas, em conflito entre elas”.
Percebemos que os discursos sobre interculturalidade procuram enfatizar a ideia
de negociação, do diálogo, do reconhecimento, do conflito e da disputa de poder. Aqui
percebemos que a interculturalidade faz parte do processo de descolonização, pois nega
66
totalmente a ideia de que existe apenas uma forma de pensar e construir conhecimento, a
partir do pensamento de fronteira torna visível a existência de outras cosmovisões, outras
lógicas, outros saberes, diferentes da lógica eurocêntrica moderna. Uma sociedade
construída a partir da interculturalidade deve buscar a emancipação dos grupos
minoritário na perspectiva de uma sociedade mais igualitária e justa.
Carvalho (2004) reforça essa ideia de interculturalidade como processo de inter-
relação entre diferentes culturas e entende que, no seu contexto adstrito da teoria pós-
colonialista, remete à resistência dos movimentos sociais em fortalecer sua identidade
cultural.
Essas ideias nos levam a entender a interculturalidade como um novo projeto de
sociedade, construído a partir do pensamento de borda, aberta para o diálogo e com
condições econômicas, sociais, de saberes, de relação com a natureza e com a
espiritualidade que busquem a igualdade de oportunidades, de convívio e de importância.
Walsh (2008) utiliza o termo “interculturalizar” para descrever o processo de construção
a partir desses princípios da interculturalidade na transformação social e estatal, orientada
pelo projeto decolonial. No gráfico abaixo, tentamos sintetizar essa ideia:
Gráfico 2 - Projeto de Sociedade, construído a partir da interculturalidade.
Fonte: Walsh, 2008. Adaptado pela autora.
A construção de um novo projeto alternativo de sociedade, que promova a
ascensão social, política, econômica e epistêmica dos grupos historicamente silenciados,
tem como eixo central os princípios da interculturalidade crítica e exige a reconstrução
das estruturas que compõe essa sociedade. Para Walsh (2009, p. 22), essa (re)construção
deve ser desde a partir dos grupos que sofreram uma histórica submissão e
subalternização, pois assim faria ressaltar o “sentido anti-hegemônico, sua orientação
com relação ao problema estrutural-colonial-capitalista e sua ação de transformação e
criação”.
Interculturalidade
Eixo central de um projeto histórico
alternativo
Transformação radical das estruturas
67
O entrelaçamento teórico entre o currículo e os estudos culturais permitiu um
estreitamento na barreira que separava o conhecimento acadêmico e escolar de outros
conhecimentos considerados não científicos, visto que do ponto de vista dos Estudos
Culturais, “todo conhecimento, na medida em que se constitui num sistema de
significação, é cultural” e está “vinculado com as relações de poder” (SILVA T., 1999,
p. 144). A verdade científica, ratificada pela racionalidade, determinação e casualidade,
está sendo questionada a partir de novas "verdades" que estão assinaladas na história das
ciências.
O pensamento decolonial defende que, apesar da emancipação política dos países
latino-americanos, as heranças coloniais se mantêm por padrões de dominação do poder,
do ser e do saber. A colonialidade, então, reprime/nega/silencia os modos de produção de
conhecimento, os saberes, o mundo simbólico, as imagens do colonizado e impõe novos
saberes. Podemos constatar isso numa passagem do texto de Grosfoguel (2007, p. 35)
quando afirma que “a epistemologia eurocêntrica ocidental dominante não admite
nenhuma outra epistemologia como espaço de produção de pensamento crítico nem
científico”.
Na visão decolonial, para superar o modelo colonialista de sociedade, como
também de educação, é necessário emancipar o conhecimento-outro, que vem dos grupos
subalternizados que estão do outro lado da fronteira:
a questão central num projeto de emancipação epistêmica é a
coexistência de diferentes epistêmes ou formas de produção de
conhecimento entre intelectuais, tanto na academia, quanto nos
movimentos sociais, colocando em evidência a questão da geopolítica
do conhecimento. (OLIVEIRA E CANDAU, 2010, p. 23)
A emancipação de conhecimento-outro trará outra perspectiva para os saberes dos
povos indígenas, já que sua maior força está na memória viva da comunidade, dos anciões
e de suas lideranças, quer dizer, na oralidade. Para Franchetto (1994, p. 415) a escola
indígena é um “locus privilegiado para a oralidade, destronando a escrita, quando se trata
do uso das línguas nativas”. Na nossa pesquisa, percebemos que a oralidade vai além do
ensino de línguas maternas, mas está presente em todas as áreas do conhecimento.
Conforme ATHIAS (2010, p.3), a oralidade é a forma mais utilizada pelos povos
indígenas para transmitirem seus conhecimentos, através dos relatos mitológicos e dos
saberes do cotidiano e é construída na ancestralidade com base em princípios filosóficos
e cognitivos.
68
3.4 Currículo intercultural e escola indígena
Como observamos no capítulo anterior, a perspectiva de um currículo intercultural
para a educação escolar indígena surgiu para se contrapor ao modelo de escola que visava
a integração dos indígenas à sociedade nacional, através da negação de sua identidade e,
consequentemente, a assimilação à cultura hegemônica.
Apesar de reconhecermos a existência de experiências “interculturais” ao longo
da história da educação escolar oferecida aos indígenas, no sentido mais restrito de troca
de experiências entre diferentes culturas, elas não problematizavam as relações de poder
e submissão existentes no currículo e na prática pedagógica, nem tampouco serviam como
instrumento de fortalecimento identitário e cultural ou para a validação de epistemologias
advindas da comunidade ao qual estava inserida.
A partir da pressão dos povos indígenas e dos movimentos indigenistas, a
Constituição Federal de 1988 trouxe uma nova concepção de educação escolar, voltada
para os povos indígenas a partir de uma perspectiva não integracionista e do
reconhecimento de que as etnias possuem culturas diferentes da sociedade nacional, e
possibilitou a organização escolar segundo seus próprios processos de aprendizagem.
Nessa perspectiva, repensar o currículo desta escola diferenciada é fundamental para
consolidar os preceitos da Constituição Federal e servir como base para uma pedagogia
transformadora. De fato, Freire (1996, p. 46-47 apud SOUZA, 2001) entende que são
essenciais para a prática educativa as questões ligadas à identidade cultural e sua
problematização:
a questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão
individual e a de classe dos educandos cujo respeito é absolutamente
fundamental na prática educativa progressista, é um problema que não
pode ser desprezado. Tem que ver diretamente com a assunção de nós
por nós mesmos.
Percebemos, assim, que para Freire a educação (formal e não formal) e a cultura
são indissociáveis; sendo assim, a educação é um problema criado pela cultura e, ao
mesmo tempo, a solução, pois é capaz de contribuir para a democratização do um novo
projeto de sociedade e para o enriquecimento cultural dos diferentes sujeitos.
O currículo intercultural indígena, em nível das práticas educacionais, sugere “o
desenvolvimento de estratégias que promovam a construção de identidades particulares e
o reconhecimento das diferenças, que sustentem sua inter-relação crítica e solidária entre
diferentes grupos” (Scherer-Warren, 1998 apud FLEURI,1999, p. 278). Nessa
69
perspectiva, Fleuri (1999) percebe que a escola não reduz a outra cultura a um objeto de
estudo a mais, senão que a considera como um modo próprio de um grupo social ver e
interagir com a realidade.
Na expectativa de extrapolar o pensamento de Fleuri (1999), podemos considerar
que as possibilidades de uma educação intercultural não ficam limitadas ao âmbito da
Educação Escolar Indígena, mas podem ser uma perspectiva educacional para todas as
escolas, a partir de um sistema educacional que promova essa construção de identidades
particulares, mas que também promova o diálogo crítico entre elas e questione as relações
de poder e as estruturas que acentuam as desigualdades sociais.
A educação intercultural, dessa forma, construída a partir de um sistema que
considera a diversidade e a diferença como elementos enriquecedores, poderá contribuir
para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Para Grupioni (2003b), é necessária uma firme determinação para que a
diversidade cultural brasileira passe a integrar o ideário educacional não como um
problema, mas como um rico acervo de valores, posturas e práticas que devem conduzir
ao melhor acolhimento e maior valorização dessa diversidade no ambiente escolar.
Nesse sentido, o currículo pode ser percebido como um terreno ou território, como
discutem Arroyo (2011), Moreira e Silva (1999) e Barbalho (2012), onde a cultura é
ativamente produzida, criada e transformada, onde o conhecimento é criticamente
construído e problematizado, e que questiona a função social da escola, dos seus
educadores, as relações de poder e a desigualdade étnico-racial.
Então, apesar da escola ter sido, historicamente, um lugar para a dominação
cultural dos indígenas, atualmente, esse espaço escolar vem buscando ser mais um espaço
comunitário de fortalecimento identitário e cultural. Para Almeida (2001, p. 53): “atribuir
à escola o poder de demolir as tradições culturais, contrapõe-se aos estudos etnográficos,
que tem demonstrado como as culturas ressignificam e reelaboram elementos de outras
culturas”. A educação escolar indígena intercultural exige repensar desde sua concepção
enquanto escola às práticas pedagógicas em sala de aula23. Atualmente, muitos povos
23 Para Souza (2013), as pedagogias indígenas já existiam antes da inserção da instituição escolar nos
territórios indígenas, quando os saberes eram transmitidos no convívio com a família e com a comunidade.
O processo escolar desvalorizou esses processos próprios de ensino que foram se desfazendo ao longo do
tempo em algumas etnias indígenas.
70
passam a (re)viver as pedagogias indígenas na escola, valorizando suas formas próprias
de ensino, aprendizagem e avaliação.
Ainda, segundo Almeida (2001), uma escola intercultural proporciona ao aluno a
possibilidade de compreender o mundo em que vive, relacionando os conteúdos,
problematizando-os e apropriando-se dos mesmos a partir do seu modo de ver o mundo.
A proposta da interculturalidade, neste contexto, é incorporada pelos povos indígenas
quando os mesmos apropriam-se do conhecimento produzido pelos não-índios, dando-
lhe um sentido crítico e não de simples assimilação. Segundo Antonio Nanni (1998 apud
FLEURI,1999, p. 280):
A transformação de um modelo monocultural de escola para uma
perspectiva de educação intercultural, está ligada há mudanças
profundas na estrutura da educação e principalmente nos três pilares: a
igualdade de oportunidades, vendo a necessidade de repensar os
objetivos, os conteúdos e os métodos escolares; a reelaboração
profunda da prática educativa e do material didático; a formação e
requalificação dos educadores.
É a partir dos elementos apresentados acima que podemos afirmar que o processo
de apropriação do espaço, dos conteúdos, da metodologia, da estrutura e da gestão escolar
pelos indígenas, caracteriza essa experiência como uma educação intercultural.
Mesmo com todas as conquistas garantidas pela legislação, a escola e a prática
escolar nas comunidades indígenas atuam num campo de disputas políticas, ideológicas,
de poder e de projetos de sociedades (ALMEIDA, 2001, p. 52); o fato de se proclamar a
diversidade cultural e o respeito à diferença não garante necessariamente uma postura
política transformadora por parte do sistema que atenda esses anseios do povo indígena.
Na prática, os sistemas de ensino apresentam uma distância na efetivação do
direito dos povos indígenas a uma escola intercultural, específica e diferenciada, seja pelo
despreparo ou pelo rígido olhar burocrático das equipes de educação, seja também pela
falta de autonomia na tomada de decisões das equipes indígenas (BRASIL, 1998).
Essas dificuldades refletem-se na implantação de projetos educacionais para
discussão, elaboração e desenvolvimento do currículo intercultural indígena. Muitas
vezes, há um intenso cooptação para a adaptação dos conteúdos e elementos tradicionais
do currículo indígena ao modelo adotado para as escolas não indígenas.
Essa mesma situação é colocada por Silva Ar. (2001, p. 12) como um obtáculo
para consolidação do projeto de escola indígena específica e diferenciada:
Há um grande descompasso entre, de um lado, a educação diferenciada
como projeto e como discussão e, de outro, a realidade das escolas
indígenas no país e a dificuldade de acolhimento de sua especificidade
71
por órgãos encarregados da regularização e da oficialização de
currículos, regimentos e calendários diferenciados elaborados por
comunidades indígenas para suas respectivas escolas.
Silva (2000) questionava que o avanço legal dos direitos não foi acompanhado
por políticas públicas que causassem mudanças significativas na garantia dos direitos
básicos, como a educação. De fato, na Educação Escolar Indígena, a falta de uma política
pública que vise a atender a especificidade dos povos indígenas é um dos principais
desafios apontados pelos entrevistados da nossa pesquisa.
O conhecimento superficial, o desconhecimento completo ou, até mesmo, a falta
de comprometimento do poder público, em relação as leis e as concepções dos indígenas
sobre a sua educação formal, fazem com que a utilização de termos como diversidade
cultural, diferença, especificidade, identidade, cultura e resgate cultural24 em muitos dos
discursos educacionais e, da mesma forma, em muitos projetos de educação escolar
indígena no contexto contemporâneo, ainda estejam impregnados de uma visão
“etnocêntrica e distante da produção de um real diálogo cultural com as posições
indígenas” (SAMPAIO, 2006, p. 167). Collet (2003) alerta que essa educação que parece
voltada para a tolerância e o respeito visaria, na verdade, encobrir os profundos conflitos
e as estruturas de poder. Nos documentos oficiais, a diferença estaria sendo tratada como
algo natural, “um dado objetivo do mundo e não como uma construção histórica”
(COLLET, 2003, p. 183).
A formulação do currículo específico para as escolas indígenas, como processo de
fortalecimento da identidade étnica, dos costumes e saberes indígenas, foi orientada pelo
Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI) (BRASIL, 1998).
Segundo o RCNEI, o currículo indígena organiza e direciona as experiências educativas
de professores e alunos num determinado período de tempo, podendo sofrer mudanças de
acordo com as necessidades diversas que vão surgindo na própria comunidade, garantindo
também a diversidade individual dentro da mesma escola.
O RCNEI apresenta-se como um documento de caráter informativo com subsídios
para a reflexão e construção de propostas curriculares e de formação de professores e
técnico para atuar nas diferentes esferas da Educação Escolar Indígena. O documento
24 O termo resgate cultural tem sido muito criticado por remeter a um conjunto cristalino de características
de que todos os membros de um grupo partilham. Assim a identidade e a cultura “fazem apelo a uma suposta
qualidade essencial, que permaneceria imutável ao longo do tempo” (SANTANA, 2012, p. 24). Como
vimos anteriormente, a cultura é viva, dinâmica e incompleta.
72
reconhece as tensões e conflitos gerados entre as normas, conhecimentos, entre outros
aspectos, que surgem de uma legislação maior (como a LDB) e que vão de encontro à
organização interna dos povos indígenas. Contudo, ao mesmo tempo que reconhece essas
questões aponta caminhos para a flexibilização e o diálogo crítico:
O cotidiano da maior parte dos povos indígenas no Brasil desenrola-se
num contexto de tensão entre conhecimentos indígenas e ocidentais,
entre políticas públicas e política de aldeias, entre tendências políticas
internacionais e a definição de estratégias e de opções específicas de
vida e de futuro para populações indígenas. Supõe-se que estas tensões,
de cunho eminentemente político, passem pela escola indígena, fazendo
dela palco para o diálogo ou o conflito entre essas forças em interação.
(BRASIL, 1998, p. 36)
Para superar esses problemas, o RCNEI (BRASIL, 1998, p. 39-41) propõe que os
sistemas de ensino criem instrumentos que possibilitem um atendimento específico e
especializado nessa área. Como sejam: setores específicos com dotação orçamentária
suficiente; criação da categoria de escola indígena com instrumentos normativos e
regulamentares adequados que atendam a especificidade de todos os povos;
reconhecimento das práticas pedagógicas específicas; contratação apenas de professores
indígenas para atuar nas escolas; formação específica para professores indígenas;
construção de currículos e calendários escolares específicos com a participação ampla da
comunidade indígena; e produção de material pedagógico a partir das metodologias,
conteúdos e sistemas de avaliação específicos.
Em relação ao currículo indígena, Monte (1994a, p. 9-15) considera-o composto
por três dimensões:
1. Dimensão Pedagógica – percebida nos elementos específicos e interculturais no
processo de ensino-aprendizagem, refletida nas práticas interculturais planejadas e
realizadas pelos professores e coordenadores;
2. Dimensão Teórica – observada a partir dos registros documentais das práticas
pedagógicas, como diário de classe, planejamento e a avaliação, e também na
bibliografia publicada nacionalmente;
3. Dimensão Institucional – relacionada à natureza institucional das escolas indígenas,
já que compõem modalidade integrante do sistema de ensino, embora garantido o
direito à especificidade;
Contudo, pensamos que, em virtude do caráter comunitário da escola indígena na
formação de guerreiros e guerreiras, também deve-se considerar a dimensão sociopolítica,
estabelecida pela relação da comunidade com a escola e o papel desta na comunidade,
73
que se reflete na participação das lideranças no cotidiano escolar, na presença de
elementos tradicionais nas atividades escolares e na apropriação do espaço escolar como
mais um elemento de fortalecimento identitário.
Ao pesquisar sobre a prática de ensino de professores Hupd'äh, de São Gabriel da
Cachoeira/AM, Athias (2010) observou que nesse povo os conhecimentos são
construídos em um determinado momento e contexto específicos e que não há uma figura
única com a função de transmitir e repassar esses conhecimentos, diferentes elementos
são repassados e ensinados por pessoas especializadas em determinados saberes dos
povos. A pesquisa de Athias (2010) demonstra que o sucesso da educação escolar
indígena, na perspectiva de fortalecimento identitário e cultural, está na participação de
diferentes atores da comunidade indígena e que acontece em momentos e locais
extracurriculares.
O currículo indígena deve estar atento a esses elementos específicos de
transmissão dos conhecimentos de cada povo, as pessoas que assumem a função de
“mestres” de determinados saberes, os locais e momentos onde esse conhecimento é ou
pode ser ensinado. Por isso, o currículo deve ser construído no coletivo da comunidade,
colocando as atividades específicas da etnia como conteúdos presentes em todos os
momentos pedagógicos (BRASIL, 2005). A concepção predominante dos teóricos da
Educação Escolar Indígena é que seja um currículo flexível e dinâmico, construído de
forma a potencializar a participação e a negociação entre as comunidades indígenas e não
indígenas (MONTE, 2001).
A elaboração do currículo indígena é uma iniciativa pedagógica e institucional
complexa, uma vez que deve ser construída de forma participativa, crítica e complementar
aos desenhos curriculares formulados para as escolas indígenas, o qual exige
sensibilidade para identificar e atender demandas sociopolíticas e expectativas na relação
entre o Estado e os povos indígenas (BRASIL, 2005). A legislação escolar indígena
estabelece que os sistemas de ensino criem espaços que possibilitem a construção do
currículo intercultural dos povos indígenas.
Nos debates promovidos pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco,
percebe-se que nos documentos oficiais, na prática, houve uma tentativa de adaptação da
estrutura de organização da educação indígena e dos conteúdos ao modelo adotado pela
Secretaria no período entre os anos de 2006 e 2010. A partir da tensão surgida nesse
processo, alguns povos passaram a se organizar internamente para construir sua proposta
curricular específica que contemplasse as especificidades pertinentes à Educação Escolar
74
Indígena e os conhecimentos próprios das etnias indígenas. O que visavam era o
fortalecimento do processo ensino-aprendizagem e à melhoria da qualidade da educação
escolar indígena na etnia que fossem construídos por toda a comunidade indígena e
resultado de uma prática pedagógica autêntica, articulada com o projeto de escola do seu
povo.
Almeida (2001) destaca as contradições na legislação pertinente à educação
escolar indígena que em determinados momentos estabelece que deve-se promover o
diálogo entre diferentes experiências socioculturais, linguísticas e históricas, “não
considerando uma cultura superior a outra” (RCNEI, 1998 apud ALMEIDA, 2001) e em
outros momentos coloca os saberes construídos historicamente pelos povos indígenas na
parte diversificada do currículo escolar (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a). Por isso,
observa que:
[...] na medida em que se colocam os saberes culturais dos povos
indígenas na parte diversificada do conteúdo escolar, o Estado
Brasileiro estabelece uma hierarquização de saberes, um padrão de
verdade, aos quais os saberes dos povos indígenas estão submetidos,
portanto, é de novo tratar os povos indígenas numa perspectiva
assimilacionista. (ALMEIDA, 2001, p. 120)
Na concepção decolonial, a racionalização do conhecimento ou colonialidade do
saber é um dos pilares da Sociedade Moderna Colonial Capitalista para manter a
dominação dos grupos subalternizados. A racionalização do conhecimento cria uma
hierarquização do conhecimento, determinando quais conhecimentos são válidos, a partir
de uma lógica moderna/capitalista.
Moreira e Silva (1999) afirmam que uma das estratégias de superação do currículo
existente é atacar a disciplinaridade, já que vá aquém da interdisciplinaridade; algo que
possa enraizar mais profundamente a estrutura curricular atual, considerada um dos
elementos “naturais” e “inatacável”.
A proposta de Moreira e Silva (1999) sobre a superação do modelo de currículo
com os saberes divididos em disciplinas, acreditamos que busca superar um modelo de
educação que segue a lógica moderna, onde os conhecimentos são classificados em
“caixinhas”. Na perspectiva de construção de um currículo indígena e intercultural, os
conhecimentos não podem ser “encaixados” em uma disciplina, pois sua origem é
ideológica, política e cultural. Não seria possível, a partir dessa lógica, questionar as
estruturas de poder que estão por trás desse conhecimento. Há também que considerar
75
que a epistemologia indígena é construída dentro de uma outra lógica a partir da
cosmovisão de um povo e, dificilmente, se enquadra na lógica eurocentrada.
Por sua vez, a avaliação presente no currículo deve levar em conta o
desenvolvimento individual dos alunos e ser de caráter formativo:
[...] os professores indígenas, a exemplo do que ocorre em muitas outras
escolas do país, vêm insistentemente afirmando a necessidade de
contarem com currículos mais próximos de suas realidades e mais
condizentes com as novas demandas de seus povos. Esses professores
reivindicam a construção de novas propostas curriculares para suas
escolas, em substituição àqueles modelos de educação que, ao longo da
história, lhes vêm sendo impostos, já que tais modelos nunca
corresponderam aos seus interesses políticos e às pedagogias de suas
culturas. (BRASIL, 1998)
Essa pedagogia indígena está intimamente relacionada com o currículo e a forma
de socialização dos conhecimentos que são ensinados também na escola da sociedade
envolvente, acrescentando os assuntos sobre um determinado povo indígena
(CAVALCANTE, 2004). O currículo indígena vai além de conteúdos a serem ensinados,
ele reflete diferentes concepções de mundo, agrega a história, o modo de viver da
comunidade, a relação com os mais velhos, com a natureza, com outras comunidades.
A experiência indígena no currículo busca incorporar os saberes que são ensinados
na sala de aula ao que é vivenciado pelo aluno no seu dia-a-dia na aldeia. Para os Pankará,
por exemplo, o currículo “são os saberes construídos coletivamente dentro e fora da
escola” (PANKARÁ, 2007, p. 31) e como nos mostra essa análise sobre o entendimento
de currículo para os Xukuru:
Para ‘formar’ um/uma Xukuru é necessária uma escola que tenha
conteúdos Xukuru, que fale de sua história, de sua geografia, de seus
guerreiros, segunda a visão de mundo, sua religião e, sobretudo utilize
suas formas de ensinar e aprender. (CAVALCANTE, 2004, p. 126)
Nesse contexto de valorização dos saberes do povo, é importante destacar a
utilização de material didático específico, produzido pelos professores e lideranças
indígenas da própria etnia, para o fortalecimento da educação específica.
Ao estudar os povos Guarani/Kaiowá, Nascimento (2005) observa que esses
povos indígenas, ao garantir o direito a uma educação específica e diferenciada, passam
a pensar um currículo que estabeleça um diálogo entre “os seus saberes e os saberes
legitimados historicamente pela cultura escolar”, mudando a lógica dominante na
educação:
[...] a revisão histórica de uma ideologia voltada para a apropriação do
conhecimento socialmente relevante e, convoca para a reinvenção de
76
uma escola que possa articular o reconhecimento do direito de busca da
igualdade na construção da qualidade e da garantia da pluralidade, da
negociação de conceitos, da presença do Outro, ou dos Outros, no
detalhamento, na discussão do processo pedagógico. (NASCIMENTO,
2005, p. 3)
Percebemos que a dificuldade de consolidação do currículo específico não está
somente na falta de normas que validem as pedagogias próprias dos indígenas, radica
também na escassez de material didático específico. A promoção de oportunidades para
os professores indígenas realizarem pesquisas sobre a sua etnia e, posteriormente, a
sistematização e publicação desse material, é uma ação importante na consolidação de
uma escola indígena intercultural de qualidade.
77
4 O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO
Este capítulo trata do caminho percorrido nesta dissertação que entendemos ser o
mais adequado para compreender nosso objeto e responder aos nossos questionamentos.
Trataremos, então, dos embasamentos teóricos utilizados em cada etapa da pesquisa, dos
procedimentos e da obtenção dos dados, coleta e análise das informações.
O itinerário metodológico desta pesquisa envolveu, inicialmente, uma revisão
bibliográfica na literatura nacional, a fim de contemplar o quadro teórico de referências.
Para isso, buscamos nos principais bancos de textos científicos da área da educação, como
no acervo da Associação Nacional de Pós-Graduação em Pesquisa em Educação
(ANPEd), pela relevância e reconhecimento de trabalhos no âmbito da Educação em
território nacional; no Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), por agregar produções dos programas de pós-graduação do
território nacional; e nos acervos da Biblioteca Central da Universidade Federal de
Pernambuco.
As ferramentas de busca via web facilitaram a coleta dessas informações iniciais
sobre a temática estudada. Especificamente no nosso caso, o site “Índios no Nordeste”25
conta com um grande acervo de informações, artigos, dissertações e teses sobre a
Educação Escolar Indígena da região e foi um grande aliado para a leitura das pesquisas
na íntegra.
No acervo da ANPED foram encontrados 25 trabalhos sobre Educação Escolar
Indígena26. As pesquisas sobre essa temática aparecem a partir de 1999 e, nesse período,
discutiam o processo de conquista na Educação através da mobilização promovida pelo
movimento indígena no Brasil. Nos anos 2000 e 2001, há uma tendência dos artigos em
discutir o papel da escola e da educação escolar indígena e as políticas educacionais para
os povos indígenas. Com a conquista dos direitos e a gradativa implementação de
políticas educacionais (a partir do ano 2002), os estudos se voltam para a formação de
professores indígenas. Somente em 2005, começam a surgir os primeiros trabalhos que
25Site criado pelos professores Raimundo Monte e Edson Silva que agrega informações e documentos sobre
os povos indígenas do Nordeste. MONTE, Edmundo; SILVA, Edson. Índios no Nordeste: informações
sobre os povos indígenas. <http://www.indiosnonordeste.com.br>. [Acesso em: 15/06/2014]. 26Ver Quadro 2, página 99.
78
discutem o currículo específico, diferenciado e intercultural. Para nossa pesquisa
utilizamos dois artigos apresentados no GT12 (Currículo): FERRI (2001) e
NASCIMENTO (2005).
No Banco de Tese da CAPES, no primeiro levantamento com o descritor,
“Educação Escolar Indígena”, foram localizadas 393 teses e dissertações27. Destes,
somente 09 têm proximidade com o objeto deste trabalho, o currículo intercultural,
diferenciado e específico e de saberes próprios das comunidades indígenas no campo da
Educação. Desses, a tese de Cortes (2001) não está disponível na web para leitura. Foram
encontrados apenas três estudos sobre os povos indígenas de Pernambuco no campo da
Educação.
Na busca realizada no acervo da Biblioteca Central da UFPE identificamos 44
trabalhos sobre Educação Escolar Indígena28; percebemos, no entanto, que a maioria já
tinha sido localizada no banco de teses da CAPES.
Para melhor organização do percurso metodológico da pesquisa, dividimos este
capítulo em três partes: na primeira, traremos algumas reflexões sobre a pesquisa
qualitativa; na segunda, abordaremos os procedimentos da pesquisa, elucidando sua
utilização para dar conta dos objetivos deste trabalho; por fim, apresentamos um
panorama geral do objeto pesquisado e dos sujeitos que contribuíram para nossa pesquisa.
4.1 Pesquisa de abordagem qualitativa
Para Minayo (1993), o conhecimento científico é sempre uma busca de articulação
entre uma teoria e a realidade empírica, sendo o método o fio condutor para se formular
esta articulação. Ainda, segundo a autora, a pesquisa qualitativa tem por objetivo
responder a questões muito particulares, que não podem ou não deveriam ser
quantificadas, pois atuam no campo dos significados, das crenças, dos valores e das
virtudes.
Conforme Chizzotti (1995, p. 79):
A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva
27 Ver Quadro 3, Anexo 4. 28 Ver Quadro 4, Anexo 4.
79
entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo
objetivo e a subjetividade do sujeito.
Considerando, então, os objetivos desta pesquisa – compreender o significado de
currículo intercultural e analisar o processo de construção do currículo indígena no Estado
– é que se justifica adotar uma abordagem qualitativa para esta pesquisa. Esse modelo
teórico-metodológico procura enfocar o social como “um mundo de significados passível
de investigação e a linguagem comum ou a “fala” como a matéria-prima desta abordagem,
a ser contrastada com a prática dos sujeitos sociais” (MINAYO, 1993, p. 240) e permite
analisar os aspectos implícitos ao desenvolvimento das práticas organizacionais
(TRIVIÑOS, 1987).
A abordagem qualitativa se afirma no campo da subjetividade e do simbolismo,
os dados são obtidos em forma de palavras e imagens, e não somente de números
(BOGDAN e BINKLEN, 1994); considera que há uma relação dinâmica entre o mundo
real e o sujeito; assim, permite a fonte direta de dados com o ambiente natural, no nosso
caso com professores e técnicos que participaram diretamente na discussão e elaboração
do currículo intercultural indígena, justificando a escolha deste tipo de abordagem
metodológica para a pesquisa que desenvolvemos.
4.2 Procedimentos metodológicos: técnicas e instrumentos de coleta de dados
Uma pesquisa qualitativa exige a utilização de instrumentos e ferramentas que
permitam contemplar a riqueza e detalhes de dados implícitos e não implícitos. Isso exige
uma escolha metodológica que proporcione uma estrutura para o processo de pesquisa.
Nossas considerações apoiaram-se nas reflexões de Lüdke e André (1986), Triviños
(1987), Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002) e Minayo (1993; 2008).
No primeiro momento, o trabalho foi desenvolvido a partir de uma
análise/levantamento documental, definida por Silva Ed. (2001) como a pesquisa
realizada em material que não recebeu tratamento analítico. Para isso, fizemos o
levantamento e análise dos documentos construídos sobre o currículo intercultural
indígena nos espaços de discussão com a Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco
(como relatórios, atas, decretos ou outros atos normativos) e nos espaços internos de
discussão das etnias (como Projeto Político Pedagógico e outros materiais pedagógicos),
80
a fim de verificar o processo, as concepções e as propostas de construção do currículo
intercultural indígena e os pontos de conflitos dos diferentes documentos.
Nesse levantamento, localizamos o Projeto Político Pedagógico dos Povos
Pankará e Xukuru, alguns livros produzidos pelos indígenas em parceria com o Centro de
Cultura Luiz Freire, relatórios das formações realizadas durante os anos de 2007 a 2009,
o Relatório da Gestão de 2007 a 2010 e materiais produzidos ou distribuídos nas
formações que fazem parte do nosso acervo pessoal.
A segunda etapa do trabalho constituiu-se no levantamento empírico. Para Silva
Ed. (2001) a pesquisa empírica é realizada através do levantamento das informações
diretamente dos sujeitos cujo comportamento se deseja conhecer. Ela está baseada no
“registro sistemático das informações e ações dos sujeitos pesquisados que implica,
imediatamente após, a interpretação do modo pelo qual eles agem” (GHEDIN e
FRANCO, 2008, p. 179). Utilizamos, também, para a coleta de dados a entrevista.
Como última etapa, a coleta de dados culminou em entrevistas com coordenadores
indígenas e técnicos da Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco (SEE).
As entrevistas realizadas foram baseadas em perguntas contidas em um
questionário semiestruturado, disponível no Anexo 3. Optamos pela realização de
entrevistas para que se pudesse ter flexibilidade nas perguntas realizadas durante o
levantamento das informações, conforme as respostas que foram apresentadas pelos
participantes da pesquisa. Assim, buscamos acessar traços ou marcas do entendimento
político dos entrevistados sobre algumas questões-chave relativas ao currículo indígena e
o processo de construção no Estado de Pernambuco, não procurando restringir a pesquisa
à apresentação de conceitos pré-estabelecidos a partir de referenciais da mesma. A
importância dessa ferramenta está em obter a orientação do estudo e aquisição de dados
- para análise e validação -, pertinentes à problemática investigada no presente estudo.
Na perspectiva de atender melhor o objeto desta pesquisa, foram entrevistados
professores e coordenadores indígenas de diferentes etnias e técnicos que atuam direta e
indiretamente na Educação Escolar Indígena.
As entrevistas foram gravadas durante sua realização, e posteriormente foram
transcritos os trechos relativos aos conceitos em análise, em uma tentativa de agrupar e
sintetizar as falas dos entrevistados. Os diálogos foram registrados por meio de um
gravador, a partir da anuência dos entrevistados, e transcritos diretamente no computador.
Foram ao todo 93 min de entrevistas.
81
Durante o processo de construção desta dissertação, sentimos a necessidade de
utilização de algumas observações livres, para exemplificar e elucidar algumas situações
e conversas que ocorreram durante o período de construção e debate mais intenso sobre
o currículo.
Essas observações ocorreram antes da intenção de iniciar29 esta pesquisa, época
em que acompanhamos de perto as formações, realizamos visitas técnicas às escolas, às
reuniões do Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena de Pernambuco (CEEIN-
PE), aos encontros políticos e pedagógicos nas aldeias e estivemos em outros momentos
lúdicos (comemorações festivas e abertura e fechamento do ano letivo) ou em rituais
religiosos aos quais fomos convidados como representantes governamentais e/ou
admiradores das expressões culturais.
A observação foi um importante aliado no trabalho de campo por fornecer dados
que auxiliaram na mediação da entrevista e ajudaram no enriquecimento da análise dos
dados. A observação permitiu identificar comportamentos não-intencionais ou
inconscientes, além de explorar tópicos que os informantes não se sentiram à vontade
para discutir (ALVES-MAZZOTTI e GEWANDSZNAJDER, 2002).
4.3 Os sujeitos da pesquisa
Para Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2002, p. 162), “[...] a escolha do campo
onde serão colhidos os dados, bem como dos participantes, é proposital, isto é, o
pesquisador os escolhe em função das questões de interesse do estudo [...]”. Por isso,
procuramos entrevistar pessoas que participaram em algum momento da construção do
currículo indígena ou que estão envolvidos com a “oficialização” dessa construção.
Como indicamos antes, nesta pesquisa realizamos oito entrevistas, sendo quatro
técnicos que trabalham na SEE e quatro professores/coordenadores indígenas, no período
de novembro 2013 a maio de 2014.
29 Entre os anos de 2009 a 2011, período em que foram realizadas a maioria das formações sobre currículo
e quando foi despertado o interesse em aprofundar os estudos sobre a temática.
82
A escolha dos sujeitos se deu pelos seguintes critérios: atuar na Educação Escolar
Indígena; ter participado de mais de um momento de construção/discussão do currículo
intercultural; e estar disposto a contribuir com esta pesquisa.
Para conhecer melhor da situação social, política e de formação dos entrevistados,
aplicamos questionários com os mesmos. O resultado foi o seguinte:
a. Em relação ao gênero: apesar da escolha a partir dos critérios estabelecidos ter
sido aleatória, tivemos uma participação paritária entre os gêneros, mesmo quando
consideramos as categorias indígenas e não indígenas. Assim, nossos
participantes foram quatro mulheres, duas indígenas e duas não indígenas, e
quatro homens, dois indígenas e dois não indígenas;
b. Em relação à representação: na nossa pesquisa, procuramos equiparar o
quantitativo de entrevistados em relação à representação. Como já dito antes,
realizamos a entrevista com quatro profissionais do quadro técnico da Secretaria
de Educação do Estado de Pernambuco (SEE), sendo três com função técnica e
um com função de chefia; e quatro indígenas, sendo três coordenadores e um
professor, cada um de uma etnia diferente. Todos os indígenas entrevistados
moram na aldeia;
c. Em relação ao tempo de atuação/ensino e tipo de contrato: entre os técnicos da
SEE, o tempo de atuação na educação varia entre 08 a mais de 25 anos, sendo que
o tempo específico de atuação na Educação Escolar Indígena ficou entre 07 e
menos de 01 ano. O tempo de atuação na educação indígenas entre os indígenas
variou entre 10 e 22 anos;
d. Em relação à formação: todos os entrevistados tinham curso superior na área de
formação de professores (licenciatura ou pedagogia), sendo que um cursou a
Licenciatura Intercultural e seis deles já possuíam curso de pós-graduação. Cinco
dos participantes afirmam ter cursado alguma formação específica para a
Educação Escolar Indígena, sendo dois do quadro técnico da SEE e três indígenas.
Todos participaram de formação continuada para a Educação Escolar Indígena
nos últimos anos;
e. Em relação à participação nos espaços de construção do PPP, no planejamento
escolar e curricular: apenas um dos entrevistados, representante da SEE, não
esteve presente em nenhum desses momentos (por estar há pouco tempo na
Unidade de Educação Escolar Indígena). Todos os outros indígenas e não
indígenas participaram desses espaços de planejamento;
83
4.4 Análise e sistematização dos dados: utilização do método da Análise de
Conteúdo
Segundo Gatti (2005), não existe um modelo único de análise dos dados, o método
de análise deve responder ao objeto e aos objetivos do projeto, considerando o enfoque
teórico privilegiado pelo pesquisador. Nesta pesquisa, utilizamos a análise de conteúdo
proposta por Bardin (1977), como técnica para tratamento, estudo e interpretação dos
dados, visto como um dos métodos mais utilizados na pesquisa qualitativa na área das
Ciências Sociais (MINAYO, 2008).
Segundo Bardin (1977) a análise de conteúdo pode ser uma análise temática dos
significados, embora possa ser também uma análise lexical de significados. Nesse
sentido, a análise de conteúdo representa mais que um procedimento técnico; ela
configura-se em técnicas de pesquisa que possibilitam “tornar replicáveis e válidas
inferências sobre dados de um determinado contexto, por meio de procedimentos
especializados e científicos” (MINAYO, 2008, p. 303).
Bardin (1977) define análise de conteúdo como um conjunto de técnicas de análise
das comunicações, e indica que os dados obtidos na coleta de dados devem ser analisados
seguindo três etapas: (1) pré-análise; (2) exploração do material ou codificação; (3)
tratamento dos resultados, inferência e interpretação dos dados sistematizados através da
análise temática.
A pré-análise é a fase que compreende as operações preparatórias para a análise
propriamente dita. Foi o momento para organizar e sistematizar as ideias iniciais, onde
escolhemos os documentos que seriam analisados e elaboramos as categorias (BARDIN,
1977). Foi o momento de leitura livre do material coletado, chamada de leitura flutuante,
a fim de deixar-se “invadir por impressões e orientações”. Essa percepção, aos poucos
foi se tornando mais precisa em função da adaptação das hipóteses e da projeção de teorias
sobre o material coletado (BARDIN, 1977, p. 96).
A segunda etapa, chamada por Bardin (1977) de exploração do material ou
codificação, consistiu no processo no qual os dados brutos foram transformados
sistematicamente e agregados em unidades. Assim, construímos um quadro30onde fomos
30 Ver Quadro 5, Anexo 4.
84
sistematizando o material coletado nas categorias e subcategorias que emergiram durante
a leitura flutuante.
Após a sistematização das entrevistas nas categorias, realizamos o que Bardin
(1977) chama de tratamento dos resultados, inferência e interpretação dos dados, que
consistiu em colocar significados à luz das teorias.
Gráfico 3 - Fases do processo da Análise de Conteúdo
Fonte: Bardin, 1977, p. 95-141. Adaptado pela autora.
A análise do conteúdo nos possibilitará, primeiramente, descrever e categorizar os
dados coletados na pesquisa de campo, para chegarmos à interpretação, ou seja, à
inferência. Assim, ela permitirá a decomposição do texto tendo como referência o
problema e os objetivos, à luz da referência teórica que orientará a pesquisa. Ou seja, a
análise do conteúdo nos exigirá uma descrição dialogada com os fundamentos teóricos,
de forma significativa e contextual. Com a análise de conteúdo, compreender e interpretar
os dados fornecidos pelos entrevistados, ressignificando-os a partir dos objetivos aqui
propostos e de uma literatura especializada.
Dentre as diversas formas de análise de conteúdo apresentadas por Bardin (1977),
escolhemos a análise temática como modalidade de análise para essa pesquisa, por ser a
que mais se relaciona com os resultados que se esperam alcançar nesse estudo.
Na análise temática, as transcrições foram divididas em trechos a partir da
temática da pergunta e/ou da resposta concedida pelos participantes da pesquisa.
Posteriormente os trechos foram divididos em respostas relacionadas às categorias de
análise delimitadas.
Análise
Interpretação dos dados Inferências a partir das teorias
Codificação
Transformação dos dados em unidades Categorização das unidades
Pré-análise
Escolha e leitura exaustiva dos documentosFormulação de hipóteses e elaboração de
indicadores
85
Seguindo a proposta de Bardin (1977), fizemos a triangulação do trecho transcrito
e categorizado, com as teorias de análise, destacando os participantes de cada
representação institucional e, para finalizar, fizemos observações a partir das teorias.
86
5 A CONSTRUÇÃO DO CURRICULO ESCOLAR INDÍGENA NA
CONJUNTURA DE PERNAMBUCO
Neste capítulo, buscamos analisar a experiência de Pernambuco na construção do
currículo escolar indígena. Para isso, procuramos retratar os diferentes momentos da
educação formal nos povos indígenas, o modelo de escola e currículo adotados em
diferentes momentos.
Inicialmente, procuramos entender o processo de constituição da Educação
Escolar Indígena no Estado, a partir do percurso histórico da estadualização, com base
nos estudos de Oliveira (1999), Silva E. (1999, 2009, 2011), Almeida (2001) e Santos
(2004). Depois, procuramos analisar, a partir da estadualização das escolas indígenas em
2002, as idas e vindas de momentos de construção do currículo intercultural para as
escolas indígenas. Por fim, relacionamos os avanços e desafios do processo de construção
desse currículo específico, a partir do relato de professores indígenas e técnicos da
Secretaria de Educação de Pernambuco, além de documentos oficiais e dados de
observação.
5.1 Contexto histórico dos indígenas do Nordeste, em especial, de Pernambuco
Segundo Silva E. (1999), a região que hoje é conhecida como Nordeste foi a que
primeiro teve contato com os colonizadores, por isso os povos indígenas que aqui
habitavam foram os que sofreram mais com as consequências da política colonizadora:
a Colonização foi iniciada no litoral com a exploração do pau-brasil e,
em seguida, com a implantação da lavoura da cana-de-açúcar, em
territórios de povos Tupi que foram exterminados, dispersos ou
forçados a fugirem para o interior. Todavia, outros povos não só
reagiram – através das guerras – às invasões de suas terras, como
permaneceram nelas, como é o caso dos Potiguara que habitam o litoral
do atual Estado da Paraíba. (SILVA E., 1999, p. 111)
Ainda segundo Silva E. (1999), posteriormente à ocupação da área litorânea, a
política expansionista voltou-se para a ocupação do interior do território, e a instalação
de fazendas agrícolas e pastoris. Nessa região, que agrega o agreste e o sertão, os
colonizadores também encontraram forte resistência dos povos que aqui habitavam. O
conflito se acirrava, principalmente, contra os povos que estavam em áreas próximas às
fontes de água, já que eram terras visadas para a produção agrícola. Por esta razão, as
87
terras indígenas eram e ainda são motivo de disputa entre os colonizadores – atualmente
os posseiros – e os povos originários, verdadeiros donos das terras.
Como em outras partes do Brasil colônia, no território pernambucano, os
aldeamentos passaram a se formar no final do século XVII. Segundo Pires (1990), as
terras que eram destinadas aos aldeamentos eram áreas não requisitadas por outros
cidadãos, já que estes tinham prioridade na escolha da propriedade.
Aos poucos os aldeamentos foram sendo extintos e, no final do século XIX, os
povos indígenas em Pernambuco eram tidos pelos órgãos oficiais como extintos ou
incorporados à sociedade nacional. Segundo Silva E. (2009), nos documentos oficiais era
comum encontrar afirmações sobre o desaparecimento dos índios para justificar a
extinção dos aldeamentos e o loteamento das terras.
Durante todo o século XX, posseiros e políticos locais continuavam a invadir as
terras indígenas e expulsar seus habitantes, aqueles que resistiam eram dizimados
(SANTOS, 2004). Os poucos índios que resistiam nos antigos aldeamentos se escondiam
sob a identidade de caboclos31 para fugir das perseguições. A forma e intensidade com
que se deu esse contato podem ser observadas atualmente, pois causaram grandes
transformações na organização social e nos costumes dos povos indígenas do Nordeste
(OLIVEIRA, 2006). O projeto de assimilação dos indígenas do Nordeste, como também
de Pernambuco, foi muito intenso e violento, a estratégia de sobrevivência era negar sua
própria origem identitária. Essa política foi tão opressiva que, atualmente, apenas o povo
Fulni-Ô de Pernambuco ainda conserva sua língua materna. Neste sentido Silva E. (2011,
p. 141) afirma que:
Essas populações historicamente foram discriminadas, perseguidas e
expulsas de suas terras. Seus direitos e identidades étnicas foram
negados por aqueles que advogaram o extermínio e o desaparecimento
indígena, a extinção dos aldeamentos baseada na ideia de assimilação
dos índios.
Almeida (2001) cita que há correntes teóricas que acreditam que a subordinação
cultural ocorrida com os povos indígenas no Nordeste foi tão opressiva, que consideram
os indígenas como ‘índios aculturados’ ou, também, ‘índios misturados’. Oliveira (1999,
p. 3) defende a desconstrução desse discurso quando afirma que “é impossível sustentar
31 O termo caboclo surge no século XIX, após séculos de colonização e misturas culturais e fenotípicas,
para classificar os indivíduos que “não gozavam do status de serem portugueses” e, tampouco, poderiam
“ser rebaixados a categoria de escravos”, pela condição social que os diferenciavam do primeiro grupo e
fenotípica que os distanciavam do segundo grupo (VICENTE, 2009, p. 5).
88
um estereótipo cultural e fenotípico do índio “puro” quando nos deparamos com o
processo histórico de trocas culturais e de ocupação regional característico da realidade
do Nordeste indígena colonial.” Como vimos no primeiro capítulo, a cultura dinâmica e
está em constante transformação e ressignificação.
Durante todo o século XX e aos poucos, os povos de Pernambuco ressurgem
reivindicando seus direitos junto ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que passa a
reconhecer algumas etnias indígenas no Nordeste (MENDONÇA, 2007). O povo Fulni-
ô de Águas Belas foi o primeiro a ter reconhecimento oficial, em 1924. Posteriormente,
Pankararu, Atikum e Xukuru mobilizaram-se e receberam postos do SPI nas áreas que
ocupavam. Para Silva E. (2010), o processo de “(re)surgimento” dos povos indígenas no
Nordeste coloca em cheque os documentos oficiais e estudos que afirmavam o fim dos
índios na região.
Em conversas com indígenas mais velhos, não é difícil ouvir relatos sobre as
lembranças da infância e de quando ouviam os pais ou os avós falando em uma ‘língua
estranha’ [grifo nosso], em momentos de mais intimidade entre parentes e pessoas mais
próximas ou em rituais secretos. Alguns contam que os pais tinham medo de se identificar
como índio por temor de serem expulsos de suas terras e de outras formas de perseguição.
Mas, eram nesses momentos que se fortaleciam os laços com a história e os elementos
religiosos e culturais. Em uma passagem de um texto sobre o povo Pankararu, construído
pelo coletivo de professores e lideranças com apoio da SEE, eles abordam como eram
perseguidos e silenciados de diferentes formas e grupos sociais:
Eu lembro que minha tia Bia contava que na época de lampião, os
pankararu eram muito reprimidos pelo seu bando, pois eles não
gostavam da gente, principalmente no ritual, quando todos se reuniam.
Através de sua sabedoria e a ciência sagrada, a mãe de Bia, Maria Calu
percebia que lampião e seu bando se aproximavam então todos os índios
se escondiam para se proteger. (Vilma e Fernando Pankararu,
professores)
As crianças Pankararu cresciam tendo que esconder o seu jeito de ser,
sua forma de vida, pois viver certo era viver e falar como os brancos.
Isso nos fez “perder” grande parte da nossa cultura, principalmente a
língua materna. A nossa cultura não estava sendo vivenciada na
escola.”32
32 Acervo pessoal.
89
A força da resistência dos povos indígenas de Pernambuco ao processo
assimilatório foi tão importante que, atualmente, o estado possui a maior população
indígena do Nordeste e também é o único da região onde há povo indígena com língua
materna (Povo Fulni-Ô). Silva E. (2009) lamenta que, em contraponto a esse dado, pouco
conhecemos da história e, muitas vezes, da própria existência de indígenas no nosso
estado.
Após quase um século da demarcação das terras Fulni-ô, outros povos indígenas
continuam a lutar pelo reconhecimento e pela devolução do seu território. Essa lentidão
no processo de demarcação e homologação das terras indígenas, obriga os indígenas a
utilizar outras táticas como forma de resistência e pressão, como as retomadas de suas
terras. O Povo Truká (Cabrobó/PE) retomou parte do seu antigo território na Ilha de
Assunção, em 1981, e o povo Xukuru do Ororubá (Pesqueira/PE), em 1988, retomaram
uma área chamada Pedra D’Água, considerada local sagrado para esse povo (SANTOS,
2004). Essas retomadas não aconteceram de forma pacífica e custaram a vida de diversas
lideranças indígenas. Além da homologação do território, outro processo moroso é a
retirada dos posseiros do Território Indígena, conforme determina a legislação, que
também é uma fonte de conflito entre índios e não índios.
Atualmente no Estado de Pernambuco, encontram-se doze povos indígenas, com
uma população de quase 50 mil índios, presentes em 17 municípios. São eles: Fulni-ô,
Pankará, Pankararu, Entre Serras Pankararu, Pipipã, Atikum, Truká, Xukuru de Ororubá,
Kapinawá, Kambiwá, Tuxá e Pankaiuká (ISA, 2010).
Figura 2 - Mapa de Pernambuco com a localização das etnias indígenas. Pankararu Entre Serras e
Pankaiwka estão próximas a Pankararu.
Fonte: Secretaria de Educação de Pernambuco, 2010.
90
Pelo mapa33, percebemos que os povos indígenas de Pernambuco estão
localizados no sertão, sendo que a maioria encontra-se na região do São Francisco.
Nesse processo de resistência e luta por seus direitos, a escola também é retomada
e ressignificada, transformando-se num espaço de afirmação cultural e identitária, que os
povos indígenas de Pernambuco chamam de “escola formadora de guerreiros”.
Da mesma forma que outros movimentos indígenas pelo país, os povos indígenas
de Pernambuco procuraram ressituar a educação escolar disponível, aprimorando
soluções, superando desafios e avançando nas possibilidades.
5.2 A Educação Escolar Indígena em Pernambuco
As escolas presentes nos aldeamentos em Pernambuco, de um modo geral,
seguiam os mesmos modelos das escolas em outros aldeamentos do território brasileiro.
E até o século XX, as escolas nas áreas indígenas do Estado pouco se diferenciavam das
escolas em áreas rurais do Nordeste (SANTOS, 2004). O currículo escolar tinha como
objetivo a formação de mão-de-obra para o campo e para o trabalho artesanal.
Com a criação da FUNAI, em 1970, pouco se avançou nas políticas educacionais
para os povos indígenas, apenas algumas experiências com o ensino da língua materna e
a contratação de alguns professores da própria etnia. Destacamos neste processo a
experiência do povo Fulni-ô que passou a ter aulas de Yathê (sua língua materna)
(SILVEIRA, 2012). Contudo, o currículo adotado era o mesmo das escolas rurais e a
grande maioria dos professores continuava sendo de não indígenas, estavam pouco
comprometidos com a qualidade da educação e eram completamente alheios a cultura do
povo ao qual a escola estava ligada, como lembram os professores pankararu:
[...] com a criação da FUNAI vieram mais professores brancos. Foi dada
também oportunidade para professores índios que começaram a
desenvolver seu trabalho junto ao seu povo. Contudo, a metodologia
escolar ainda seguia as ordens do governo, não existia uma proposta de
uma escola diferenciada.34
Segundo Almeida (2001), a educação escolar indígena específica e diferenciada
em Pernambuco tem seu marco teórico em 1989, durante a quinta fase, com a criação do
33 O símbolo que representa cada etnia foi escolhido pela comunidade escolar e pelas lideranças; 34 Acervo pessoal.
91
Grupo de Educação Indígena (GREI). O GREI surge a partir da pressão dos povos
indígenas e instituições parceiras35.
O GREI era coordenado pela SEE e tinha como objetivo:
estudar, analisar, discutir, orientar, articular, e encaminhar as questões
relativas à educação escolar indígena, de acordo com a especificidade
do tema a ser tratado nos vários setores apropriados e, por outro lado,
assessorar a Diretoria que estará vinculada em relação aos assuntos
pertinentes à sua função (PERNAMBUCO/SEE, 1989, p. 13).
O GREI elaborou um diagnóstico da situação escolar, que demonstrava o quadro
de precariedade das escolas, a baixa qualidade do ensino, que a maioria dos professores
estava alheia à cultura e organização do povo no qual a escola estava inserida. A partir
desse diagnóstico, foram produzidos, em âmbitos nacional e estadual, uma série de
documentos, como a proposta para nortear a política de educação escolar indígena, os
Planos Estaduais e Decenais de Educação e materiais didáticos específicos. Ainda
segundo Almeida (2001, p. 133):
A criação do GREI e a elaboração do documento intitulado ‘Política de
Educação Escolar Indígena para o Estado’ – PEEIE (1989) são os
marcos que desencadeiam a discussão da necessidade de uma política
educacional específica para os povos indígenas em Pernambuco.
Nesses documentos, o grupo apontava as ações que deveriam ser desenvolvidas
pelo governo, dentre as quais estavam: a) criação de uma política de formação dos
professores indígenas; b) formação para os técnicos da SEE para a especificidade da
questão; c) elaboração de currículos e calendários específicos. (PERNAMBUCO/SEE,
1989).
Apesar de ser anterior à legislação da Educação Escolar Indígena, o PEEIE –
supracitado – apresenta muitas contribuições para a discussão, indicando a necessidade
de elaborar uma política educacional diferenciada para as populações indígenas de
Pernambuco. O trabalho realizado pelo grupo não foi, contudo, apropriado e posto em
ação pela SEE, em função das descontinuidades dos dirigentes à frente do Governo
Estadual. Almeida (2001), por exemplo, lamenta que o documento não serviu de base
para a SEE formular novos projetos para a educação escolar indígena.
35 Esse processo coincide com o momento de abertura política que o Brasil vivia com a nova Constituição
Federal e a luta pela democracia, pressionado por grupos sociais de Direitos Humanos que buscavam
assegurar os direitos historicamente violados. As instituições parceiras foram as universidades,
organizações não governamentais e organizações internacionais que atuavam junto aos indígenas.
92
A experiência da primeira PEEI demonstra a enorme distância que existe entre as
ações promovidas pelo setor que atua diretamente na Educação Escolar Indígena e os
outros setores da Secretaria de Educação. As deliberações e metas definidas no
documento não foram efetivadas em forma de políticas e de ações concretas.
Em 09 de março de 1994, o GREI é substituído pelo Núcleo de Educação Escolar
Indígena (NEEI), seguindo orientação nacional, que tinha como objetivo articular
diversos parceiros institucionais que atuam na área indígena para formular, desenvolver,
acompanhar, avaliar a política de educação escolar indígena. O GREI era composto por
organizações não-governamentais, movimento indígena, UFPE, SEE e União dos
Dirigentes Municipais (UNDIME) e tinha como papeis principais: (1) acompanhar,
avaliar e assessorar todas as ações desenvolvidas nas escolas indígenas; (2) promover
cursos de capacitação de professores; (3) elaborar material didático específico; (4)
elaborar e implementar a política de educação escolar indígena de Pernambuco; (5)
supervisionar e acompanhar a utilização dos recursos para a educação escolar indígenas
a nível estadual e municipal; (6) divulgar informações sobre a realidade indígena
brasileira, em especial sobre os índios do Nordeste e de Pernambuco (Portaria SECE nº
940/91).
Almeida (2001, p. 148) chama atenção no sentido que, em função dessa gama de
funções (consultivo, legislativo, fiscalizador e executor), o NEEI acabou se tornando “um
espaço de troca de experiências, de discussão e de acompanhamento da política estadual
de educação escolar indígena”.
A indefinição das funções de cada membro do NEEI e a falta do poder de decisão
fizeram com que seus membros discutissem a necessidade de criar outra instância com
maior poder político de interlocução e que não substituísse o papel de executor da política
da instituição governamental. Foi então que iniciou a discussão para a criação do
Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena. E, ao mesmo tempo em que se discutia
a criação de um espaço de acompanhamento e avaliação da política educacional para os
povos indígenas, a legislação (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a) estabelecia a criação de
um setor específico para coordenar e executar a política, formado por uma equipe
qualificada para atender a essa demanda.
Em 1999, a Diretoria Básica de Ensino é designada para executar e acompanhar a
Educação Escolar Indígena em Pernambuco. Em janeiro de 2003, a SEE passa por nova
estruturação e a Diretoria de Básica de Ensino passa a ser chamada de Gerência de
Educação Básica, que continua respondendo pela educação escolar indígena.
93
Paralelamente a esse processo, o Centro de Cultura Luís Freire, organização não
governamental, iniciou o Projeto Escola de Índios (PEI), que buscava desenvolver
concepções e práticas de educação para fortalecer a identidade étnica e a organização dos
povos; assessorar a elaboração de uma política de formação de professores indígenas a
partir do princípio da interculturalidade e das formas próprias de transmissão do saber. O
PEI subsidiou a construção de vários documentos para subsidiar a concepção e a prática
docente nas escolas indígenas, um dos exemplos foram os Projetos Político Pedagógicos
das escolas indígenas.
Em 12 de abril de 2002, é criada uma comissão para discutir os assuntos referentes
à estadualização das escolas indígenas, através da Portaria SE nº3096/2002, que inclui
representantes governamentais e indígenas. Seguindo as orientações da Resolução nº03
(BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999b) e a reivindicação da Comissão de Professores
Indígenas de Pernambuco (COPIPE), em agosto de 2002, as escolas indígenas foram
estadualizadas36. Com a estadualização, os indígenas esperavam que a relação com o
governo estadual fosse com menos influência política e que o Estado pudesse atender à
demanda de uma política educacional que envolvesse todos os povos indígenas de
Pernambuco, uma vez que os governos municipais, boa parte dos prefeitos e dos políticos
locais tinha interesses nas áreas indígenas.
A partir da estadualização das escolas indígenas, a SEE promoveu diversos
encontros37 para discutir e construir documentos orientadores da política estadual que
definissem a escola indígena no Estado. Nesse processo, ocorreram momentos de
proposição de um currículo específico e intercultural, com a participação de professores
e lideranças indígenas, entidades indígenas e indigenistas e Instituições de Ensino
Superior, onde foram estabelecidos as diretrizes e os objetivos do currículo intercultural
para os povos indígenas do Estado, e foram formuladas propostas para a organização
curricular.
O processo de estadualização pressionou a criação de um setor para atender à nova
demanda educacional da SEE. E em junho de 2003, foi criada a Unidade de Educação
36 Em 2002, através do Decreto nº24.680, a Secretaria Estadual de Educação estadualizou as escolas
indígenas, passando a responsabilizar-se pela oferta da educação básica para os povos indígenas. 37 Foram realizadas duas Conferências Estaduais para a Educação Escolar Indígena para discutir a Política
Estadual da Educação Escolar Indígena, ver Barbalho (2012).
94
Escolar Indígena (UEEI)38, que tinha como atribuição promover e acompanhar as ações
no âmbito da Educação Escolar Indígena. A UEEI é composta até hoje por uma chefe de
unidade e uma média de quatro técnicos (o número variou um pouco ao longo do tempo,
entre 3 e 5 técnicos). Diferente do que consta nas metas da PEEI, os técnicos que foram
compor a UEEI não passaram por formação específica e o setor continuava a não ter a
autonomia política ou administrativa necessária para atender à demanda e às
especificidades da Educação Escolar Indígena, da mesma forma que as estruturas
administrativas criadas anteriormente.
O Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco (CEEIN)39 é criado em
julho de 2006, mas só começa suas atividades em 2007, como um órgão consultivo e,
posteriormente, deliberativo e de assessoramento técnico em todos os níveis e
modalidades de ensino. A criação do CEEIN acompanha a agenda reformista das políticas
públicas com a criação de diversos conselhos que permitem a participação da sociedade
civil nas tomadas de decisão e no controle dos gastos públicos.
Da mesma forma que outros conselhos, o CEEIN-PE funciona de forma paritária,
com a participação de representantes indígenas de todas as etnias de Pernambuco,
técnicos da SEE e da Secretaria de Administração, representantes das principais
universidades (UFPE, UFRPE e UPE) e entidades indigenistas.
Acompanhando a estrutura da Secretaria de Educação, regionalmente, a Educação
Escolar Indígena é desenvolvida pelas Gerências Regionais de Educação (GRE’s) que
possuem equipe multidisciplinar, variando entre dois e três técnicos. Da mesma forma
que a UEEI, as GRE’s não possuem equipe especializada e específica, já que os mesmos
técnicos que atendem às escolas indígenas também acompanham outras ações ou
programas.
É importante destacar que o recrutamento para especialistas nessa área encontra
dificuldade na formação dos profissionais da educação. A deficiência em relação à
formação especializada da equipe técnica se dá pelo fato de que os cursos de formação de
professor, em sua maioria, não trazem em sua grade curricular conteúdos que discutam e
38A UEEI foi criada em 2004, através do Decreto nº25.550, de 10 de junho de 2003, que aprova o Manual
de serviço da SEDUC apresenta a Unidade com o objetivo de coordenar e executar as ações da educação
escolar indígena no estado. 39 O Conselho foi criado em julho de 2006, mas só foi regulamentado em 2008, através do Decreto
Nº31.644, de 18/04/2008 e a nomeação dos Conselheiros e Conselheiras ocorreu através do Ato Nº1426,
de 09/05/2008.
95
problematizem a educação escolar indígena e também pelo fato de não serem promovidas
formações continuadas para suprir essa carência para todo o quadro funcional da SEE.
Apesar dessas dificuldades, podemos notar que, aos poucos, pequenas mudanças
vão acontecendo na política estadual para a Educação Escolar Indígena. Para Santos
(2004) o atendimento às demandas dos povos indígenas acontece por pressão do
movimento de professores indígenas, a COPIPE, que através da sua luta, reafirma as
intenções de construir uma educação indígena específica que respeite a autonomia dos
povos e que esteja em consonância com seu projeto de futuro, mas também observamos
a luta individual de profissionais da área técnica que conseguem pontuar e encaminhar
algumas dessas demandas. Para Almeida (2001), as ações desenvolvidas pela SEE
acontecem de forma fragmentada, intermitente e descontinuada, devido à mudança no
nível de gestão a cada eleição. Por isso a mesma autora defende que:
A política de educação escolar indígena específica, diferenciada,
intercultural, não pode estar submetida aos mesmos procedimentos
administrativos das políticas governamentais, mas situada num projeto
do Estado Brasileiro, coordenado pelos próprios índios, para que não
sofra processos de descontinuidades e rupturas, e que os instrumentos
para execução da política educacional possam realmente estar
referenciados nas instituições culturais desses povos. A criação de um
sistema de ensino autônomo, em que eles possam definir, propor,
acompanhar, conduzir a educação escolar, que não esteja subordinado
às colorações das políticas eleitorais, poderá efetivamente contribuir
nessa perspectiva. (ALMEIDA, 2001, p. 186)
Ao analisar os dados da Educação Escolar Indígena desde a estadualização, em
2002, notamos que, mesmo com as dificuldades que surgem pela falta de uma política de
estado para a Educação Escolar Indígena, houve um crescimento significativo no número
de etnias atendidas e, consequentemente, do número de escolas, alunos e professores ao
longo dos dez anos de estadualização da Educação Escolar Indígena, como tentamos
demonstrar nos quadros abaixo:
96
Gráfico 4 - Quantitativo de Etnias e escolas indígenas em Pernambuco, atendidas pela Secretaria
Estadual de Educação.
Fonte: SEE/Censo Escolar.
Gráfico 5: Quantitativo de professores nas escolas indígenas em Pernambuco.
Fonte: SEE/Censo Escolar.
Gráfico 6 - Quantitativo de matrículas nas escolas indígenas em Pernambuco, atendidas pela
Secretaria Estadual de Educação.
Fonte: SEE/Censo Escolar.
9 10 12 12
112123 127 132
0
30
60
90
120
150
2003 2007 2010 2012
Quantitativo de Etnias e escolas indígenas em Pernambuco, atendidas pela SEE
Etnias Escolas
650750
950
780
0100200300400500600700800900
1000
2003 2007 2010 2012
Quantitativo de professores nas escolas indígenas estaduais
Professores
7500 800010.088 11000
02000400060008000
100001200014000
2003 2007 2010 2012
Quantitativo de matrículas nas escolas indígenas estaduais
Alunos
97
Pelos dados, podemos inferir que o direito à educação vem sendo ampliado para
todas as etnias, mas que esse direito é cumprido de forma fragmentada em relação ao
direito à educação intercultural, diferenciada e específica. Mesmo nesse contexto, é
importante destacar que a contratação de professores e funcionários para a escola e o
calendário escolar, por exemplo, na maioria das vezes, atende o princípio da autonomia,
sendo efetivado a partir do que é determinado pelo coletivo dos professores e lideranças.
Atualmente, são 132 escolas indígenas, distribuídas em 17 municípios com 780
professores indígenas e mais de onze mil alunos (CENSO ESCOLAR, 2012)40.
Em Pernambuco, a concepção de educação escolar indígena está apoiada em
quatro princípios: reafirmar o papel que a escola exerce na sociedade; estar em função da
sociedade; ter o Projeto Político Pedagógico constituído pelo povo e não apenas pela
escola; e, por fim, estar organizada em seis eixos norteadores: Terra, Identidade, História,
Organização, Interculturalidade e Bilinguismo (XUKURU, 2005). Almeida (2001) ao
trabalhar a relação entre educação e cultura, percebe que os princípios da educação devem
ser baseados nos referenciais culturais do povo. Sendo assim, afirma que:
a educação indígena é o processo pelo qual se forma o tipo de homem
e de mulher que, segundo os ideais de cada etnia, [...] envolvendo todos
os passos e conhecimentos necessários à formação de indivíduos plenos
nestas sociedades. (ALMEIDA, 2001, p. 50)
A partir desses princípios, os povos indígenas de Pernambuco procuraram dar uma
nova perspectiva para as escolas em suas aldeias, voltada para a formação dos seus
cidadãos ou, melhor, seus guerreiros. Essa nova perspectiva para a escola exige a
construção de novos documentos e diretrizes normativas e pedagógicas dentro do sistema
de ensino que validem essas novas práticas educacionais.
Identificamos, contudo, que na prática o sistema de ensino estadual ainda não
conseguiu garantir o direito dos povos indígenas a uma escola específica e diferenciada,
por diferentes fatores, como podem ser constatados pelos dados e pelos depoimentos dos
entrevistados desta pesquisa:
alguém cumprir: dizer – Ó, precisa cumprir! Não vejo outro caminho a
não ser alguém pode dizer – Eles conhecem, nós já mandamos! Como
é que você conhece e não cumpre? Então alguma coisa precisa ser
repensada, reestruturada [...] (Entrevistado 1B)
40 Ver quadro 6, Anexo 5, com a relação de escolas indígenas, com respectiva etnia e localização.
98
Entendemos que a educação escolar indígena exige a reconstrução das estruturas
do sistema de ensino, levando em conta as diferentes realidades e culturas. Assim, os
procedimentos e normas específicas poderiam estar definidos organicamente nas ações
da Secretaria de Educação.
Como dito anteriormente, a contratação dos profissionais que atuam na escola
indígena, normalmente, é realizada a partir da anuência e indicação das lideranças. Mas,
no período em que estivemos na Unidade de Educação Escolar Indígena, tivemos casos
onde alguns professores, merendeiras ou auxiliar de serviços gerais eram contratados e
enviados para as escolas indígenas por acordos políticos entre o governo estadual e os
municipais, sem o conhecimento das lideranças e da equipe técnica e causavam sérios
problemas para a equipe técnica.
Essas contradições e indefinições no atendimento educacional às populações
indígenas, criam sentimentos negativos nos técnicos que trabalham diretamente com essa
modalidade. Nas entrevistas, percebemos, em determinados momentos, sentimento de
incertezas, e, em outros momentos, de revolta, pelas diferentes razões apresentadas pelos
entrevistados nesta pesquisa, como podemos observar nesta fala:
as normas existem, a meu ver, precisaria ter dois segmentos. [...] Ainda
só tem uma forma lá na Gerência de Normatização. Ali deveria cada
pessoa daquela que trabalha com esse documento ou, pelo menos, uma
pessoa só pra trabalhar com uma realidade escolar diferenciada [...]
(Entrevistado 1B)
Percebemos que essas lacunas na estrutura e legislação que compõem o sistema
estimulam a cooptação das escolas indígenas para que se adequem ao que já está posto;
isso é amplamente praticado no sistema, como relatam nossos entrevistados:
ou a gente faz assim ou então a escola nunca vai ser reconhecida aqui
[na Secretaria] [...] sempre precisa estar dentro daquele perfil, daquele
tipo de escola [...] (Entrevistado 1B)
eles [instituição de educação] já têm o currículo e a gente vai adaptando
ao nosso currículo e ao nosso conhecimento [...] (Entrevistado 1E)
Alguns autores, como Almeida (2001), Barbalho (2012), que também realizaram
suas pesquisas com a Educação Escolar Indígena de Pernambuco, colocam que esta
situação poderia ter como solução a criação de um sistema ou subsistema de ensino
específico. Pois, assim, as bases legais para a criação desse sistema ou subsistema
forçariam o diálogo com um olhar diferenciado. Como acontece no Sistema Único de
Saúde onde foi criado um subsistema para atender a população indígena.
99
5.3 Idas e vindas do processo de construção do currículo escolar indígena em
Pernambuco
Durante os dez anos de estadualização da Educação Escolar Indígena, foram
realizados diversos encontros e formações continuadas visando à construção do currículo
intercultural para as escolas indígenas. Desde 1989, na construção da proposta de Política
para a Educação Escolar Indígena (PEEI), os índios colocavam a necessidade de
discussão de um currículo específico para as escolas indígenas. Os registros encontrados
indicam que os encontros oficiais para a construção do currículo iniciaram em 2007, com
a formalização da UEEI e o financiamento de formações continuadas pelo Governo
Federal, com recursos do Plano de Ações Articuladas41 (PAR) e do convênio com o Banco
Mundial.
Contudo outros encontros foram realizados por organizações não-
governamentais, como o Centro de Cultural Luiz Freire, no Projeto Escola de Índio (PEI).
Nesses encontros foram lançados alguns documentos norteadores da Educação Escolar
Indígena em Pernambuco, que serviram de alicerce para a construção de documentos
oficiais.
O primeiro seminário realizado em janeiro de 2007 teve como objetivo apresentar
para a nova gestão da SEE o panorama geral da Educação Escolar Indígena de
Pernambuco. Assim, cada etnia apresentou sua forma de organização interna, a situação
das escolas, as lideranças representativas, o quantitativo de professores, entre outros
aspectos relevantes. No seminário, foram discutidos também os desafios e metas para a
Educação Escolar Indígena, dos quais destacamos: a oferta de formação em nível
superior, a realização de Concurso Público para professor indígena, a regularização da
equipe gestora, do transporte escolar e a construção do currículo específico.
Como deliberação do primeiro encontro, foi realizada uma formação específica
para construção do currículo de língua portuguesa e matemática, no período de 05 a 09
de maio de 2008, para 120 professores indígenas, com o objetivo de discutir a concepção
41 O PAR é um Plano de Ações Integradas que cada Ente Federativo deve elaborar, a partir de sua adesão
ao Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, e compõe um pré-requisito para acesso ao recurso
de financiamento do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), instituído pelo Decreto nº 6.094, de
24 de abril de 2007. Para mais informações sobre o PDE ou PAR, pode-se acessar o portal do Ministério
da Educação, através do endereço eletrônico:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=159&Itemid=235. Acessado em: 16/06/2014.
100
de currículo, a organização da estrutura curricular e apresentar as experiências de práticas
interculturais dos professores indígenas em Língua Portuguesa e Matemática, como
podemos ilustrar abaixo.
Segundo o relatório oficial da formação, o currículo intercultural indígena foi
construído tomando como referência o RCNEI, a Base Curricular de Educação Básica de
Pernambuco e as Orientações Metodológicas de Língua Portuguesa e Matemática. A
proposta da formação era que os professores pudessem elencar os conteúdos a serem
ensinados nas escolas, o tempo e os diferentes espaços de aprendizagem, levando em
consideração a “diversidade cultural e os conhecimentos oriundos dos diferentes grupos
sociais da sociedade indígena e não indígena” (PERNAMBUCO/SEE, 2009, p. 1).
Nesse documento, a construção do currículo estava pautada nos princípios
norteadores da Educação Escolar Indígena, no que concerne à autonomia de cada povo
indígena definir os conteúdos, a interculturalidade, o tempo e os espaços de ensino-
aprendizagem, seguindo as orientações do RCNEI.
Como resultado do encontro, foi estabelecida a estrutura do currículo intercultural
indígena, da seguinte forma:
101
Gráfico 7 - Esquema de organização da Estrutura Curricular da EEI em Pernambuco.
Fonte: PERNAMBUCO/SEE/UEEI (2009, p. 3).
Pelos esquemas apresentados acima, a estrutura curricular difere-se do que está
posto na Rede Estadual por considerar os seis eixos norteadores como eixos temáticos.
Em cada eixo temático, os professores indígenas realizaram a seleção de saberes por
disciplina, a partir dos conteúdos previstos nas Orientações Teóricos-Metodológicas
(OTM’s) da Rede Estadual42. Essa proposta curricular para a Educação Escolar Indígena
42 Pode-se consultar as OTM’s no site da Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco. Disponível em:
<http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&cat=36&art=56>. Acessado em: 20/05/2014.
Estrutura de Organização
Curricular
Eixo Articulador PPP
Eixo Temático
TerraIdentidadeOrganizaçãoHistóriaInterculturalidadeBilinguismo
•Educação Infantil•Ensino Fundamental•Ensino Médio•Normal Médio•EJA
Etapas/Modalidades
•Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias
•Linguagens, códigos e suas tecnologias
•Ciências Humanas e suas tecnologias
Área do conhecimento
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Disciplina
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se aproxima da organização curricular para a Educação do Campo, que também organiza
os conhecimentos a partir de eixos temáticos.
Dentro do processo de formação continuada, ocorreram mais quatro encontros em
2008, na seguinte ordem cronológica: em setembro, um encontro para Língua Portuguesa
e Matemática; em outubro e dezembro, para elencar os conteúdos de Matemática; em
dezembro, um encontro do mesmo tipo para Língua Portuguesa.
No final de 2008, a UEEI passava por uma mudança de gestão. Foi no momento
em que assumimos a função de coordenadora do setor. No primeiro dia de trabalho à
frente do setor, participamos da Formação Continuada para Construção do Currículo
Intercultural de Matemática, realizado em dezembro de 2008. Neste encontro, foi onde
tivemos o primeiro contato com a concepção de currículo intercultural indígena que
estava sendo proposta pela SEE e aproveitamos para fazer um processo de escuta das
lideranças presentes.
Neste processo de escuta, destacamos como os principais questionamentos
colocados pelos indígenas sobre os momentos de construção curricular:
O primeiro dizia sobre a estrutura do currículo (apresentada no gráfico 2) que
não representava a realidade de sua educação e que apenas seria uma
adaptação do currículo de outras escolas da rede. O impasse estava na
organização do currículo por componentes curriculares que era visto como
uma barreira para o ensino dos saberes dos povos e que colocava em cheque
o projeto de escola pensado por cada povo;
O segundo estava na cobrança pela participação de suas lideranças
tradicionais, que, por não serem funcionários do Estado, não tinha matrícula e
não podiam se hospedar como participantes nos hotéis credenciados e não
recebiam o recurso de deslocamento, o que inviabilizava a participação dessas
lideranças;
Por último colocavam o problema da seletividade de professores para esses
momentos de formação, já que a capacidade dos hotéis credenciados não
comportava todos os professores indígenas e esse aspecto feria o princípio da
103
coletividade nos processos de elaboração, discussão e proposição de
políticas;43
Em 2009, foram realizados mais dois encontros com a mesma estrutura e
quantitativo de professores que os encontros anteriores: em abril, com orientações para
construção do Regimento Interno das escolas; e, em março, para subsídios de forma que
possibilitasse a cada povo fazer a revisão do seu PPP.
Um terceiro encontro organizado para fazer uma revisão da construção do
Currículo Intercultural de Matemática não foi realizado, devido a um impasse
administrativo e político entre os indígenas e a SEE. Os indígenas cobravam que a
formação fosse realizada com a participação de todos os professores e lideranças;
contudo, a licitação para contratação dos hotéis não previa despesa para pessoas que não
fossem da Rede de Ensino e não havia estrutura para comportar o quantitativo de
professores exigido pelos indígenas.
A realização dessas formações em hotéis atendia a uma padronização das
formações de toda a Secretaria de Educação, pactuada através de convênio assinado com
o MEC/FNDE – PAR –, firmado em 2007, que disponibilizava recurso para hospedagem
e alimentação, deslocamento do professor até o local da formação e compra de material
de consumo. O convênio previa a realização de seis encontros de formação continuada
para construção do currículo intercultural para as escolas indígenas com a participação de
350 professores em cada encontro.
Somado a essa situação, os professores contratados naquele ano estavam há cinco
meses sem receber salários, isso acirrou os problemas gerados pela estrutura de formação.
Assim, os indígenas decidiram não participar de outras formações até que o Governo do
Estado resolvesse a situação salarial dos professores e revisasse a forma de participação
de professores e lideranças nesses encontros.
Diante do impasse e pela necessidade de cumprir o convênio e pela demora da
SEE em mudar as normas administrativas/financeiras para atender às solicitações dos
professores, as lideranças indígenas e a UEEI decidiram readaptar a proposta para que as
etnias tivessem momentos internos de discussão (realizados por cada etnia) e momentos
43Como descrito no PPP de diferentes povos, por exemplo no PPP do Povo Pankará (PANKARÁ, 2007, p.
9): “no processo de decisão valorizamos a participação coletiva da comunidade, tanto na organização como
no planejamento. ”
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coletivos (todas as etnias juntas). Os momentos coletivos continuaram a atender o que
estava pactuado no convênio.
Foi então que, em 2010, as formações foram retomadas e foram realizados dois
encontros coletivos, entre eles, encontros internos. Mesmo tendo concordado com a
realização da formação com essa estrutura, os indígenas queixavam-se de que nem todos
os professores e as lideranças podiam participar dos encontros coletivos, onde ocorriam
as deliberações com todas as etnias.
A partir das discussões realizadas nesses encontros, foi criada uma minuta para
uma nova matriz curricular indígena e uma outra minuta para criação de instrução
normativa para a Educação Escolar Indígena no Estado, buscando contemplar a
especificidade de cada povo nesses documentos.
Posteriormente, em uma reunião realizada em 2011 na SEE, reunindo Unidade de
Educação Escolar Indígena, lideranças e coordenadores indígenas e setores normativos
da SEE, para discutir a matriz curricular ou as matrizes curriculares para a Educação
Escolar Indígena, os setores normativos não aceitavam a ideia de compor a parte comum
com saberes indígenas. Fato que é lamentado por um entrevistado:
Então, precisa, realmente, rever essa matriz curricular, respeitando as
disciplinas que eles queriam introduzir na matriz. E infelizmente, não
está sendo discutido [...] (Entrevistado 1A)
Todas as disciplinas ou conteúdos propostos para compor a grade, que tinham
denotação específica, como direito indígena, arte indígena, língua materna, eram
“forçados” a pertencer a parte diversificada do currículo. Sabemos que o tempo escolar
destinado à parte diversificada é menor que o destinado à parte comum e os indígenas
sentiam que os conteúdos e saberes do povo poderiam ficar marginalizados. Por fim, após
muitas idas e vindas, a proposta foi reformulada e a divisão entre “comum” e
“diversificado” deixou de existir. A ideia de interculturalidade passou a permear todas as
disciplinas da matriz curricular e as disciplinas ficaram organizadas por área do
conhecimento. Nos anos iniciais, a proposta de matriz ficou desta forma:
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Quadro 2 - Minuta de Matriz Curricular do Ensino Fundamental Anos Iniciais da Educação Escolar
Indígena, 2012. B
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Área de
conhecimento Componentes Curriculares
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Linguagem, códigos
e suas tecnologias
Língua Portuguesa e vocábulos indígenas
Língua Materna*
Cultura Indígena
Educação Física
Ciências da Natureza,
Matemática e suas
tecnologias
Etnomatemática
Ciências e saberes tradicionais
Ciências Humanas e
suas tecnologias
Etnogeografia
História
História dos povos tradicionais
Ensino Religioso
*O componente Língua Materna será ministrado apenas para o povo Fulni-Ô
Fonte: Acervo pessoal.
Esta proposta aborda componentes curriculares mais próximos da realidade
indígena, com nomenclaturas que dão a conotação de interculturalidade entre diferentes
os saberes e exigem um repensar dos conteúdos a serem abordados. Por outro lado, a
perspectiva de separação do conhecimento por componentes curriculares ainda encontra-
se presente. Ela foi construída a partir das experiências de outros estados, como São Paulo
e Mato Grosso.
Esse processo, contudo, criou um certo clima de desconfiança por parte dos
professores e coordenadores indígenas sobre os documentos normativos que foram
construídos. Esse sentimento pode ter surgido porque os indígenas se sentiram
contemplados no momento em que precisaram negociar e “ceder” [grifo nosso], deixando
a impressão de novamente estarem adequando a proposta ao que é “imposto” [grifo nosso]
para o restante da rede. Entre as preocupações levantadas na época em reuniões do
CEEIN, percebíamos o questionamento acerca de se esses documentos poderiam limitar
a autonomia do povo em definir suas próprias diretrizes e se eles traduziam realmente a
realidade de todos os povos.
Os dois documentos foram encaminhados ao CEEIN/PE para análise e
deliberações, mas diante de outras demandas consideradas mais urgentes pelos povos
indígenas, a discussão desses documentos foi sendo adiada. Como essas outras demandas
não foram resolvidas, o currículo e a normativa foram deixadas de lado. É o que nos
mostram os depoimentos a seguir:
[no conselho] não se abordou muito essa questão do currículo, porque
o foco maior foi o concurso público e categoria de professor indígena
[...] (Entrevistado 1B)
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essas discrepâncias do sistema são tão grandes que os professores
indígenas elegeram esse ano discutir no conselho a questão da categoria
do professor indígena e do concurso específico para professor indígena,
que está desde 2006 em situação irregular [...] (Entrevistado 1C)
A criação da categoria professor indígena e a realização do concurso específico
eram pautas que, para os indígenas, não podiam mais ser adiadas. Por isso, decidiram
concentrar as questões de educação nessas duas pautas.
A partir das entrevistas, percebemos que há uma preocupação de alguns técnicos
da SEE em garantir que, nesse diálogo intercultural, os saberes historicamente validados
pela educação sejam marginalizados em relação aos saberes indígenas, e isso cause uma
“perda” para os povos. Por outro lado, para os indígenas, a maior preocupação está em
garantir que no diálogo os seus saberes não sejam silenciados novamente e, assim,
garantir o projeto de sociedade ao qual a escola está ligada. Essa interlocução entre os
diversos saberes é importante, pois, é nessa direção que a interculturalidade é construída.
um currículo intercultural iria validar, por exemplo, um dos fatores que
a gente observa no convívio com os indígenas mais importantes que é
a oralidade. Então, no sistema avaliativo, por exemplo, nós valorizamos
muito o que está escrito. Outro exemplo, o conhecimento adquirido fora
da estrutura do prédio escolar; para os indígenas isso é muito válido,
para nós isso é muito questionável. A existência de ordenamentos
jurídicos próprios que permitissem que isso existisse sem nenhum
problema entre a instituição que representa a educação e a escola
indígena que está atuando de forma diferenciada, específica [...]
(Entrevistado 1C)
Neste trecho, notamos a sensibilidade do técnico da Secretaria da Educação que
defende o reconhecimento das práticas educacionais indígenas. Ao mesmo tempo,
percebemos que sente-se de mãos atadas para resolver a situação.
Pelas razões apresentadas acima, a partir da análise das entrevistas e de diferentes
documentos, percebemos que, na prática, houve uma tentativa de adaptação da estrutura
de organização da educação indígena e dos conteúdos ao modelo adotado pela Secretaria
na época para as escolas não-indígenas.
No caso da caderneta escolar, por exemplo, que não atende as especificidades da
prática pedagógica das escolas indígenas. Ao mesmo tempo que se reconhece a
importância, a elaboração de uma caderneta, que acompanhe as formas específicas de
ensino-aprendizagem, que contemple o tempo escolar, a avaliação, os conteúdos e
componentes específicos, é abordada por um entrevistado como um desafio a ser
superado:
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a questão é da caderneta, que não tem um espaço/formato adequado
para que seja registrado e seja reconhecido que daquela forma como a
gente trabalha os conteúdos, ele possa se tornar uma aprendizagem e
valor como conceito de avaliação para o ensino-aprendizagem das
crianças [...] (Entrevistado 1G)
O mesmo professor completa:
na educação indígena não é obrigatório esse registro [na caderneta]; o
que vale é a gente saber que nós estamos passando um trabalho
específico para nossas crianças, que tá fortalecendo nossa identidade,
dialogando esses saberes e potencializando a nossa autonomia [...]
(Entrevistado 1G)
Em outros momentos de conversas informais, contudo, observamos que também
existe a postura da importância da caderneta como registro da vida do aluno e da educação
do povo. Acreditamos que a situação colocada pelo entrevistado está relacionada à mesma
questão que o currículo: por ela não representar a realidade da escola e da prática do
professor, há um sentimento negativo sobre a mesma. A caderneta não contempla, por
exemplo, a oralidade e as atividades comunitárias.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena
(BRASIL/MEC/CNE/CEB, 2012) determinam que a avaliação deve estar definida no
projeto político-pedagógico e no regimento escolar; e articulada à proposta curricular,
metodológica e ao modelo de planejamento e gestão. Do mesmo modo, a caderneta é o
documento que reflete a concepção de educação e avaliação de um determinado povo e
precisa estar em consonância com a proposta educacional de cada povo indígena.
A situação exemplificada pela caderneta, faz-nos lembrar de um outro programa
da SEE que causou muitos problemas na área indígena, o Programa Bônus por
Desempenho (PBD) que premia os servidores da escola/GRE que obtiveram boa nota no
Índice de Desenvolvimento da Educação de Pernambuco (IDEPE), a partir do resultado
do Sistema de Avaliação Educacional de Pernambuco (SAEPE), juntamente com outros
parâmetros. Nessa passagem da entrevista com um coordenador indígena percebemos
como esses programas afetam a organização das escolas indígenas:
o maior desafio são os programas inseridos nas nossas escolas e a
cobrança desses conteúdos que vêm impostos e ai a gente fica sem um
espaço bem maior, como a gente queria, para trabalhar o nosso
específico e diferenciado [...] (Entrevistado 1E)
Um dos pontos polêmicos é que um dos parâmetros do programa é avaliar a carga
horária e os conteúdos fixados pelos Parâmetros Curriculares de Pernambuco que foram
trabalhados pelos professores em sala de aula.
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Então, mesmo as escolas indígenas que obtinham excelentes notas no SAEPE,
ficavam de fora da bonificação porque o PBD não considerava conteúdos e carga horária
específica. As escolas indígenas que quiseram receber o bônus, tiveram que se adequar
ao currículo programado pelo sistema de monitoramento.
Em um relatório da UEEI apresentado para a nova gestão da Secretaria de
Educação que chegava em 2011, durante a mudança de governo estadual, sobre os
avanços e desafios da Educação Escolar Indígena no Estado, o diagnóstico realizado
mostrava que as dificuldades para realizar as formações continuavam as mesmas:
Dentre as dificuldades/entraves encontrados para a realização das
formações pode-se listar:
A impossibilidade de contratar profissionais de outros órgãos e
entidades para atuar como formadores, visto que a temática indígena é
muito específica e o Estado conta com poucos profissionais na área,
sendo que a maioria encontra-se nas universidades e em instituições não
governamentais;
Os(as) professores(as) indígenas exigem a participação de suas
lideranças nas formações, por terem dificuldades de tomar decisões sem
a presença das mesmas. Contudo, as lideranças não têm suas despesas
de hospedagem e deslocamento garantidas pelo Estado;
(PERNAMBUCO/ SEE/UEEI, 2011, p. 3-4)
Em relação ao campo da educação, a Educação Escolar Indígena intercultural,
específica e diferenciada é uma área muito recente para os sistemas de ensino, concebido
a partir de outras lógicas de escola, de ensino, de aprendizagem, de avaliação e de
sociedade. Por isso, são essenciais a criação de instrumentos específicos legais e
administrativos de acompanhamento e a formação dos profissionais de todas as áreas que
atuam direta ou indiretamente nesta modalidade.
A não existência de uma política pública que vise a atender a especificidade dos
povos indígenas é um dos principais desafios apontados pelos entrevistados. O conflito
gerado pela ausência dessa política específica causa problemas entre setores da Secretaria
e desta com os povos indígenas:
o certo seria fazer de acordo com o direito que eles têm, que já foi
conquistado, em decretos e leis. Essas resoluções, essas normas, parece
que ainda não têm, talvez, o conhecimento suficiente das pessoas que
trabalham para se basear [...] ampliação do conhecimento dessa
gerência, dos setores, do pessoal que trabalha na secretaria [...]
(Entrevistado 1B).
não se criam regras próprias, não se cria um elemento próprio que
atenda ao que o indígena precisa. Mas se faz um arranjo para que de
alguma forma não se descaracterize na essência de sua cultura e atenda
ao que a legislação exige [...] (Entrevistado 1C).
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estamos correndo atrás para que a unidade possa nos ajudar, a gente
vem cobrando pra gente montar o nosso currículo específico e
diferenciado [...] (Entrevistado 1E).
Nesses trechos, percebemos que há um consenso sobre a importância da
construção do currículo, e que, para avançar nesta questão, é necessário o reconhecimento
oficial das práticas pedagógicas próprias.
Para o RCNEI (BRASIL, 1998, p. 36), os sistemas de ensino precisam ser
preparados para essa nova realidade educacional e apontar caminhos para a flexibilização
da legislação, conforme define a LDB. Assim, o RCNEI destaca alguns aspectos que
devem ser refletidos na formulação do currículo intercultural indígena, entre eles: o
calendário escolar adequado ao tempo necessário para que os saberes selecionados
possam ser construídos e significados pelos alunos; o tempo escolar deve estar de acordo
com os objetivos e respeitar a organização geral do tempo que rege aquelas sociedades
humanas; os processos de avaliação devem ser adequados aos padrões culturais e
cognitivos dos indígenas.
A consolidação do direito a uma educação específica e diferenciada está ligada à
construção de um currículo que valide os saberes indígenas e suas próprias formas de
educar, como nos revela o técnico da SEE:
a discussão do currículo é importantíssima para a existência da escola
indígena, até porque a garantia legal de educação específica,
diferenciada, ... passa pelo estabelecimento de um currículo
diferenciado [...] (Entrevistado 1C)
Os entrevistados indígenas destacaram também a necessidade de consolidar os
conhecimentos do povo e buscar novas metodologias para trabalhar o específico na sala
de aula, o que demanda tempo e muita pesquisa:
o conteúdo oficial já vem prontinho, com índice programático e os
saberes tradicionais, os saberes do outro, a pessoa tem que pesquisar,
não está no livro. Você tem que fazer pesquisa, você tem que conversar,
que conhecer a realidade do outro [...] (Entrevistado 1F).
A pesquisa para a criação de material específico torna-se, portanto, um desafio
para a consolidação desse currículo intercultural indígena. Constatamos em documentos
e nas entrevistas que há um reconhecimento na necessidade do professor estudar e
pesquisar mais sobre os saberes e a história do seu povo. O Xukuru (2005, p. 14) coloca
a responsabilidade do professor em realizar e incentivar a pesquisa e o estudo dos
110
conhecimentos relativos às áreas de ensino. Na entrevista, um dos indígenas opina que
precisam “dar continuidade à pesquisa44, que é fundamental” (Entrevistado 1D).
Como vimos, anteriormente, o papel do professor na educação escolar indígena,
vai além da atividade de docência; ele é o responsável por pesquisar, organizar e
sistematizar as informações e saberes do seu povo.
5.4 Significados atribuídos ao currículo intercultural indígena e à escola indígena
Como já foi dito no primeiro capítulo, a perspectiva de um currículo intercultural
para a educação escolar indígena surgiu para se contrapor ao modelo de escola que visava
à integração dos indígenas à sociedade nacional, através da negação de sua identidade e,
consequentemente, a sua assimilação à cultura hegemônica.
A partir da pressão dos povos indígenas e dos movimentos indigenistas, a
Constituição Federal de 1988 trouxe uma nova concepção de educação escolar voltada
para os povos indígenas, a partir de uma perspectiva não integracionista e de
reconhecimento de que as etnias possuem culturas diferentes da sociedade nacional. Isso
possibilitou a organização escolar segundo seus próprios processos de aprendizagem.
Nessa perspectiva, repensar o currículo desta escola diferenciada é fundamental para
consolidar os preceitos da Constituição Federal e é reforçada durante as entrevistas:
a discussão do currículo é importantíssima para a existência da escola
indígena, até porque a garantia legal de educação específica,
diferenciada; isso passa pelo estabelecimento de um currículo
diferenciado [...] (Entrevistado 1C)
A escola indígena, a partir da perspectiva intercultural, fortalece a identidade
cultural dos alunos, permitindo conhecer sua realidade e problematizar os conhecimentos
externos a sua forma de compreender o mundo. Esse pensamento foi convalidado durante
as entrevistas:
o currículo é importante porque reforça os nossos saberes, aquilo que é
vivenciado na aldeia [...] (Entrevistado 1F)
com a nossa história, nossos conteúdos, nossos saberes, com a nossa
cultura, nossa identidade e aí pra que a gente no trabalhar no nosso, no
44 A continuidade, refere-se a um processo de pesquisa iniciado a partir de uma formação continuada de
professores de 2011, onde os professores criaram um projeto de pesquisa sobre temas relevantes da aldeia.
Ao final, apresentaram o resultado da pesquisa no Iº Colóquio da Educação Escolar Indígena de
Pernambuco.
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local, a gente pudesse crescer e levar o aluno além do que nosso povo
tem, pro conhecimento global, pro conhecimento do mundo [...]
(Entrevistado 1E)
A partir do entendimento de que a interculturalidade cria um relativismo cultural
e renega a ideia de uma única forma de pensar o mundo, abre-se espaço para a
reformulação da escola presente nos territórios indígenas e de toda a sua estrutura
pedagógica:
diferenciado porque se nós temos outras culturas, outros povos. Ele [o
currículo] é diferenciado, porque cada cultura tem o seu significado
construído do seu universo, que vai garantindo aquela formação, aquela
identidade daquele povo [...] (Entrevistado 1D)
Como expomos, a educação intercultural é percebida como uma pedagogia do
encontro que promove o diálogo entre diferentes formas de ver o mundo sem maquiar os
conflitos e as relações de poder que existem nessas relações. Percebemos nas entrevistas
que a ideia de interculturalidade está fortemente relacionada a esse diálogo, como também
ao fortalecimento e afirmação cultural:
um currículo intercultural está baseado no diálogo, então, tanto ele
interferiria no currículo das escolas não indígenas quanto ele interferiria
no currículo das escolas indígenas. Mas a gente percebe que, na
realidade, está mais fundamentado na questão do reconhecimento ao
direito de ser diferente, mas sem essa interação, sem o diálogo, o que
eu acho que gera uma perda muito grande pros povos indígenas [...]
(Entrevistado 1C)
um currículo contribuirá para potencializar a nossa cultura e firmar
nossa autonomia [...] (Entrevistado 1G)
A Educação Indígena, portanto, transcende os muros da escola, ela está em toda a
comunidade, nos momentos de rituais, no plantio e na colheita, nas relações estabelecidas
pela comunidade. Para garantir uma educação específica de qualidade, os professores
indígenas falam na necessidade de trabalhar os saberes dos povos do povo no currículo,
mas destacam as dificuldades de materializar esse conhecimento por não ter o conteúdo
sistematizado em material didático, sendo necessário estimular a pesquisa e a construção
desse material.
A ideia de currículo diferenciado está relacionada à diferenciação da escola
indígena em relação às outras escolas da rede, ao entender que a escola indígena deve
atender aos princípios e objetivos da comunidade à qual está ligada. Nesse sentido, o
currículo atende a uma lógica diferente de significados e saberes, que tem uma forte
ligação com a cultura, a história, os costumes e as tradições religiosas de cada povo.
112
Nesta pesquisa, identificamos que apesar de alguns direitos conquistados pelos
povos indígenas, ainda há uma lacuna grande do Estado para dar conta dessa
especificidade; por isso cada povo procura estratégias de resistências, a partir de suas
concepções para transformar a escola indígena a escola indígena que atenda às suas
necessidades.
Essa questão foi abordada pelos técnicos da Secretaria de Educação ao
reconhecerem que a sociedade indígena tem visões de mundo diferentes da sociedade
geral e, por isso, precisam de um currículo diferenciado que dê conta da formação do
cidadão indígena.
Em alguns momentos, a educação indígena intercultural, específica e diferenciada
é tida como uma concessão e não como um direito. Essa situação aparece principalmente,
nas entrevistas em setores da SEE que não atuam diretamente com a Educação Escolar
Indígena. Nos entrevistados que atuam diretamente com a educação escolar indígena o
currículo específico é tratado como um direito que deve ser respeitado. Este fato
demonstra a necessidade de formação da equipe técnica na perspectiva de sensibilizar e
informar sobre o respaldo legal que garante aos povos indígenas uma educação específica.
O obstáculo apontado está na falta de autonomia e de comando do setor que
acompanha e promove a Educação Escolar Indígena no Estado e a não existência de
ordenamentos jurídicos e administrativos que oficializem e garantam o direito da escola
indígena ter uma organização específica a partir dos princípios do seu povo.
Outro desafio está na formulação de programas e ações da SEE que são pensados
para um único modelo de escola, desconsiderando a organização e a autonomia dos povos
indígenas e os objetivos dessa educação. Observamos que há pouco envolvimento de
outros setores da Secretaria de Educação, como por exemplo, no momento do seu
planejamento anual, quase nada promovem em termos de ações específicas para a
Educação Escolar Indígena. Quando isso acontece, muitas vezes as escolas indígenas são
contempladas nos mesmos padrões/ações/programas que as outras escolas da rede, sem
considerar sua especificidade.
Os documentos, normas, programas e ações da SEE, praticamente ignoram a
existência de um outro tipo de escola na sua Rede de Ensino. Por isso, as tentativas de
consolidar um currículo intercultural indígena esbarraram na falta de respaldo normativo
e, consequentemente, na aprovação dos documentos criados pelos indígenas, forçando os
indígenas a adaptarem seus documentos ao que é exigido pelas normas vigentes.
113
A diferença e a interculturalidade aparecem na nossa pesquisa como uma via dupla
que deve ser problematizada no currículo indígena e no currículo de outras escolas da
rede:
o currículo intercultural é aquele onde precisa ser realmente bem
trabalhado, utilizando a cultura dos povos indígenas e introduzindo [...]
esta cultura dos indígenas no currículo das escolas de ensino regular [...]
(Entrevistado 1A)
é primordial a existência de um currículo que seja intercultural. Além
disso, como cidadãos brasileiros, a gente não pode também desprezar
os conhecimentos que existem e que estão disponíveis. [...] Ele tem que
ser fundamentado no diálogo entre as duas culturas [...] (Entrevistado
1C)
Dentro dos sentidos e significados sobre o currículo intercultural, percebemos
também que em alguns momentos entre os entrevistados aparecem o sentimento de
“perda” ou do “resgate” da cultura. Como dito anteriormente, a cultura é dinâmica,
criativa; não há perdas, há transformações e reelaborações (Pacheco, 1996).
O processo de construção do currículo intercultural indígena, promovido pela
Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco a partir da estadualização das escolas
indígenas, mostra que o Estado passa a reconhecer a diversidade cultural e a existência
de outras formas não hegemônicas de vida. Contudo, os desafios que levantamos durante
a pesquisa indicam que a interculturalidade adotada segue a perspectiva funcional. Para
Walsh (2009), a interculturalidade funcional admite como eixo a diversidade cultural,
mas mantém todo o aparato de controle de poder institucional-estrutural para responder
aos interesses e necessidades das instituições sociais.
A criação de um setor específico sem autonomia, com poucos profissionais e,
estes, sem formação adequada; as dificuldades de implantação e o isolamento da Política
Estadual para a Educação Escolar Indígena; a resistência para validar o currículo e as
práticas educacionais das escolas indígenas; a não existência de ordenamentos
administrativos, jurídicas e normativos específicos; todas as dificuldades levantadas nesta
pesquisa demonstram que a interculturalidade é incorporada nos discursos oficiais para
favorecer a harmonia social e continuar a assimilar os indígenas e outros grupos
subalternizados à cultura hegemônica.
114
5.5 Desafios advindos do processo de construção do currículo escolar indígena
Os povos indígenas, desde a época da colonização, criaram estratégias de
sobrevivência e resistência à dominação ao qual foram sendo submetidos. Como vimos,
a escola que por muito tempo era tida como um espaço para a imposição da cultura
hegemônica, foi sendo apropriada através da luta pelo reconhecimento como grupo
etnicamente diferentes45.
A SEE criou um setor para promover e acompanhar a política de Educação Escolar
Indígena, atendendo a recomendação da Resolução nº03 (BRASIL/MEC/CNE/CEB,
1999b). Contudo, não conseguiu avançar na efetivação dos direitos garantidos pela
legislação indígena, visto que a política educacional depende de outros setores para ser
efetivada. O Parecer nº 14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a) já apontava que os sistemas
de ensino precisariam rever suas práticas e criar novas ferramentas para acompanhar e
atender a educação escolar indígena:
A proposta da escola indígena diferenciada representa, sem dúvida
alguma, uma grande novidade no sistema educacional do país, exigindo
das instituições e órgãos responsáveis a definição de novas dinâmicas,
concepções e mecanismos, tanto para que essas escolas sejam de fato
incorporadas e beneficiadas por sua inclusão no sistema, quanto
respeitadas por suas particularidades. (CNE, 1999, p. 29)
Observamos que, quanto mais distante o setor está da UEEI, menor é o
conhecimento sobre a legislação para a educação indígena e menor é o entendimento da
autonomia que os povos têm para definir suas formas próprias de ensino. Em outros
setores da SEE se reconhece uma educação diferenciada para a rede, mas a perspectiva é
que essa educação se adeque às normas. Percebemos que esse balizamento tende às
normas da rede regular e não da legislação indígena. Como nos mostram essas passagens
das entrevistas:
sentia a dificuldade que tem tanto dos indígenas adaptarem às normas,
às leis, como também da própria Secretaria, é aceitar a maneira de ser
dos indígenas, que tem que ser um processo gradativo, onde ele se
familiarizar com a lei [...] incorporando a sua vivência, dentro das
normas [...] (Entrevistado 1A)
45 “A identidade étnica consiste no sentimento de pertencimento a um determinado grupo social, apoiando-
se numa crença de origem comum e na construção de um repertório de elementos diacríticos que permite a
comunidade étnica se definir, se organizar e se diferenciar diante dos outros” (ATHIAS, 2005, p. 2)
115
aqui nós temos essa norma, sim, mas essa norma não é pra escola
indígena; [...] aí a gente não pode fazer porque não tem respaldo [...]
então precisa retornar para conversar com os coordenadores, até
arrumar uma forma ou uma adequação, que aquilo ali passe na
aprovação e seja encaminhado [...] (Entrevistado 1B)
O primeiro desafio que destacamos é que, da mesma forma que a política, a
construção do currículo deve atender aos anseios do respectivo povo indígena e estar
intimamente relacionado à sua organização política, social, cultural e religiosa. Essa
construção, como vimos, deve ser realizada de forma coletiva, com a participação dos
mais velhos, das lideranças e de toda a comunidade. Já que o conhecimento indígena
emerge da memória coletiva e dos mais velhos, de suas experiências cotidianas, a partir
de uma lógica diferente de outras culturas. Classificar esses conhecimentos em outra
tradição, que é alheia à tradição indígena, é limitar seu sentido e suas possibilidades.
Os pontos destacados acima têm uma relação forte entre si; a força dos povos
indígenas está na memória coletiva de sua comunidade e na luta junto com outras etnias.
Os saberes dos povos estão fortemente ligados à cultura, à terra e à religião, a partir da
memória viva nos mais velhos e nas lideranças. Assim, o currículo deve ser trabalhado
de forma integrada com o projeto de sociedade do povo, a partir dos seis eixos norteadores
(Terra, Identidade, História, Organização, Interculturalidade e Bilinguismo) e por área do
conhecimento. Estes aspectos demonstram o caráter interdisciplinar do currículo
indígena. Nessa perspectiva esses conhecimentos não cabem na tentativa de serem
“encaixotados” em um único componente curricular. Para DIEHL (2002, p. 130):
o discurso moderno institui uma racionalidade pedagógica através da
educação escolar, onde a representação do passado e nisso a tradição e
a memória coletiva ficam sobre restrito controle, disciplinadas. Com o
advento da modernidade instala-se também uma profunda insegurança,
pois o passado, e nele a memória, passa a ser sinônimo de desconfiança
O segundo desafio observado do processo de construção do currículo está ligado
à estrutura do mesmo. O RCNEI orienta que os conhecimentos sejam organizados em
disciplinas. Para Almeida (2001), esta forma de organização é apenas uma adaptação da
proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais e que o RCNEI não se preocupou em
investigar de que forma os povos indígenas organizam e sistematizam os seus saberes
para assim orientar a organização dos conhecimentos escolares. Então, ao seguir a
proposta curricular contida no RCNEI, a Secretaria de Educação acaba por não
contemplar a perspectiva dos indígenas em construir um currículo específico, conforme
constatamos nas falas dos entrevistados:
116
acho que a matriz das escolas indígenas precisa ser retomada,
respeitando a vontade que eles queriam [...] (Entrevistado 1A)
a adequação é ferir de alguma forma e atuar de modo até colonizador
em relação aos indígenas [...] (Entrevistado 1C)
Ao analisar o PPP Pankará percebemos a razão do processo de construção do
currículo, e como as formações de professores em geral, criam atrito entre gestão e
professores indígenas:
Não são somente os professores e professoras que se responsabilizam
diretamente pela educação escolar do nosso povo. Nossa organização
interna procura incorporar o maior número possível de membros das
comunidades para juntos realizarmos, de forma ampla e com qualidade,
as atividades de planejamento e de ação pedagógica. (Pankará, 2007, p.
26)
A escola indígena é parte da comunidade, vista como mais um espaço de
reivindicação de direitos e de formação de guerreiro. Ao realizar um planejamento fora
do território e com um grupo “representativo”, impedindo a participação de membros
importantes da comunidade, como lideranças, anciões e professores, fere-se um princípio
fundamental da comunidade indígena, que é a coletividade.
Os problemas que ocorreram durante as formações e o não atendimento das
reivindicações indígenas nos remetem à pesquisa de Almeida (2001), que demonstra que
a legislação brasileira contempla grande parte das reivindicações dos povos indígenas,
quando aponta para a necessidade de pensar uma escola e um currículo que respeite a
organização social das comunidades indígenas e lhes dá autonomia nas formas próprias
de ensino e gestão de suas escolas. Porém as limitações administrativas e normativas não
permitem a efetivação desses direitos.
Nas nossas observações nesta pesquisa, esse tema surge como uma reivindicação
para a criação de um setor na estrutura da SEE com mais autonomia política e
administrativa:
alguém cumprir: dizer – Ó, precisa cumprir! Não vejo outro caminho a
não ser alguém pode dizer – Eles conhecem, nós já mandamos! Como
é que você conhece e não cumpre? Então alguma coisa precisa ser
repensada, reestruturada [...] (Entrevistado 1B)
O terceiro desafio que conseguimos verificar que nossos entrevistados, da mesma
forma que é defendido por Almeida (2001) e Barbalho (2012), está na possibilidade de
criação de um subsistema, pois acreditam ser a melhor solução para o problema da
educação indígena específica, pois, exigiria a criação de novas estruturas e ordenamentos
jurídicos para atender essa especificidade:
117
só existindo um subsistema para poder arcar com toda essa diversidade
e toda essa especificidade. [...] a educação tem que passar por uma
mudança estrutural muito forte pra que essa conceituação de educação
escolar indígena específica possa ter seu atendimento pleno [...]
(Entrevistado 1C)
Por razão das características apresentadas acima, considerando as especificidades
exigidas para efetivar uma educação indígena de qualidade, o movimento indígena
reivindica a criação de um sistema próprio de ensino, estruturado a partir da lógica
sociocultural, política e territorial dos povos, com a participação efetiva dos professores
e lideranças na formulação da política educacional.
Luciano-Baniwa (2006) justifica a criação de um sistema de ensino próprio pelo
entendimento de que:
O modelo de organização social, no formato de associação
institucionalizada, não respeita o jeito de ser e de fazer dos povos
indígenas. Os processos administrativos, financeiros e burocráticos,
além de serem ininteligíveis à racionalidade indígena, confrontam e
ferem os valores culturais dos seus povos, como o de solidariedade,
generosidade e democracia (LUCIANO–BANIWA, 2006, p. 82).
Nesta perspectiva, corroboramos o pensamento de Almeida (2001, p. 184) ao
defender a criação de um sistema de ensino próprio para atender as populações indígenas
que “leve em conta a lógica sociocultural e territorial desses povos, possibilitando que os
governos possam desenvolver uma política pública para realidades específicas”.
Apesar da Educação Escolar Indígena ter sido incorporada ao Sistema Estadual de
Ensino em 2002, os técnicos que passaram a atuar, direta ou indiretamente, com essa nova
realidade tiveram poucas formações pontuais e descontinuadas sobre a temática. Um dos
problemas destacados pela própria UEEI no Relatório da Gestão era a dificuldade de
contratação de especialistas da temática indígena para realizar a formação dos técnicos.
Por isso, essas formações se restringiam à leitura e estudo pouco aprofundados da
legislação indígena e de documentos dos povos.
Outro desafio constatado durante nossa pesquisa é que, desde a estadualização em
2002, apesar de todos os documentos produzidos durante as formações e nos encontros
de Educação Escolar Indígena, não localizamos nenhuma portaria ou decreto que trate da
organização ou estabeleça processos de atendimentos às escolas indígenas de forma
específica, diferenciando o funcionamento, estrutura ou organização ao das escolas não
indígenas.
Essa verificação revela uma profunda desarticulação entre os setores que atendem
diretamente à modalidade da Educação Escolar Indígena e outros setores normativos da
118
SEE. Na prática, a Educação Escolar Indígena é tratada apenas por uma unidade dentro
da estrutura da secretaria e esquecida pelo restante dos setores. Foi possível observar no
levantamento de dados de campo que há um reconhecimento de que a educação escolar
indígena tem um atendimento deficiente pela SEE:
esse currículo diferenciado precisaria ter um respaldo maior no setor
que está (normatização). Essa gerência tem as normas; só aquelas pra
escola não indígena. Mas eles não têm duas [escolas] [...] (Entrevistado
1C)
Confirmamos assim, os documentos e normas oficiais da SEE não atentam para a
existência de uma outra escola na sua Rede de Ensino; por isso, as tentativas de consolidar
um currículo intercultural indígena, esbarram na falta de respaldo legal e pela não
aprovação dos documentos construídos pelos indígenas. Os técnicos que acompanham
diretamente as escolas indígenas e coordenadores indígenas, na esperança de resolver a
situação irregular da escola e do aluno, acabam cedendo às pressões dos setores
normativos e adaptando os documentos às normas vigentes.
Contrariando o estabelecido no Parecer nº14 (BRASIL/MEC/CNE/CEB, 1999a,
p. 15) quando orienta que os sistemas de ensino busquem na legislação nacional o
respaldo legal necessário para a criação de ordenamentos jurídicos e administrativos que
possibilitem o atendimento às especificidades da Educação Escolar Indígena, quando
trata da questão do currículo e sua flexibilidade:
O respaldo legal à organização curricular específica da Educação
Escolar Indígena, em relação às demais modalidades do Sistema
Educacional Brasileiro, está assegurado pela Constituição Federal de
1988, art. 210, que garante às comunidades indígenas o uso das próprias
línguas e a utilização de seus processos próprios de aprendizagem.
Também a LDB, no art. 79, delibera sobre o desenvolvimento dos
currículos e dos programas específicos, pelo Sistema de Ensino,
incluindo-se processos pedagógicos, línguas e conteúdos culturais
correspondentes às diversas sociedades indígenas. A LDB acentua,
ainda e enfaticamente, a diferenciação da escola indígena em relação às
demais escolas dos sistemas pelo bilinguismo e pela interculturalidade.
Outros dispositivos presentes na LDB abrem possibilidade para que a
escola indígena, na definição de seu projeto pedagógico, estabeleça não
só a sua forma de funcionamento, mas os objetivos e os meios para
atingi-los.
O quinto desafio está relacionado à estrutura proposta para a construção do
currículo que impossibilitou a participação de representações consideradas fundamentais
para no processo. Para os indígenas, quando o processo não é construído em conjunto,
fere-se a autonomia dos povos e vai de encontro ao que está estabelecido pela legislação.
119
Os técnicos da SEE reconhecem as limitações da estrutura e do processo de construção
desse currículo:
a adequação é ferir de alguma forma e atuar de modo até colonizador
em relação aos indígenas [...] (Entrevistado 1C)
O currículo intercultural das escolas indígenas deve ser resultado de uma prática
pedagógica autêntica, articulada com o projeto da escola indígena e ao projeto de
sociedade da etnia que pertence. Assim, os saberes das sociedades indígenas devem
perpassar por todo ele e, a partir dele, seja construído o diálogo com outros
conhecimentos. Essa mesma perspectiva é defendida por um entrevistado:
o currículo deveria vir, além das matrizes nacionais, ele deveria atender
os eixos norteadores que trabalham na educação indígena diferenciada,
contemplando os conteúdos específicos e os saberes de um povo [...]
(Entrevistado 1G)
As contradições entre o que está preceituado na legislação educacional para as
escolas indígenas e o que acontece na prática estão muito presentes nas nossas entrevistas.
Mesmo sem o reconhecimento oficial, as etnias já realizam experiências interculturais e
criam elementos específicos no currículo: “eles [escolas não indígenas] já têm o currículo
e a gente vai adaptando46 ao nosso currículo e ao nosso conhecimento” (Entrevistado 1E).
E para os técnicos que trabalham na Secretaria de Educação, desafios devido ao
desconhecimento da existência de uma outra escola: “o primeiro desafio parte do próprio
sistema, estar aberto para o novo, aceitar o diferente” (Entrevistado 1A).
Os indígenas, aos poucos, avançam em conquistas importantes na perspectiva de
consolidação do projeto de autoafirmação identitária. Como citado nesta passagem de um
dos nossos entrevistados:
na hora que é da construção do currículo é de grande valia e grande
afirmação, que vai afirmar, cada vez mais, a sua identidade como ser
indígena, como indígena daquele povo ‘x’, diferente daquele povo ‘y’
e ai vai se afirmando [...] (Entrevistado 1D)
Nesse contexto de valorização dos saberes do povo, é importante destacar a
utilização de material didático específico, produzido pelos professores e lideranças
indígenas da própria etnia, para o fortalecimento da educação específica. Esse aspecto
aparece durante a entrevista a professores indígenas como um desafio a ser superado:
46 O sentido de adaptação está relacionado ao material didático e pedagógico e programas que são
destinados às escolas da Rede de forma indiscriminada.
120
outro ponto principal que pesa muito é o material didático, porque o
professor faz o trabalho dele, entretanto não tem material específico.
Ele faz como se fosse recorte de materiais [...] (Entrevistado 1D)
uma deficiência que temos é fazer essa relação de conteúdo
programático do sistema com os saberes do povo, fazer essa relação de
interdisciplinaridade, de forma escrita [...] (Entrevistado 1G)
Os entrevistados indígenas destacaram também a necessidade de consolidar os
conhecimentos do povo e buscar novas metodologias para trabalhar o específico na sala
de aula, o que demanda tempo e muita pesquisa:
o conteúdo oficial já vem prontinho, com índice programático e os
saberes tradicionais, os saberes do outro, a pessoa tem que pesquisar,
não está no livro. Você tem que fazer pesquisa, você tem que conversar,
que conhecer a realidade do outro [...] (Entrevistado 1F).
Um outro desafio aparece quando percebemos que a dificuldade de consolidação
do currículo específico não está apenas na falta de normas que validem as pedagogias
próprias dos indígenas; está, também, na escassez de material didático específico.
O termo diferenciado é muito utilizado para identificar uma outra realidade de
educação, ligada à diferença cultural e de visão do mundo:
um currículo diferenciado é a base de um estudo diferenciado, mais que
venha fazer a mesma mistura com o conhecimento específico,
diferenciado e os saberes próprios [...] (Entrevistado 1G)
Quando questionado sobre os desafios para implementar um currículo específico,
a formação dos professores indígenas aparece em duas perspectivas. A primeira trata da
falta de índios com formação em nível exigido para atuação nas modalidades ou áreas do
conhecimento, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino
Médio:
existe uma certa dificuldade, principalmente nas escolas maiores, com
5ª a 8ª série. A gente não tinha professor com formação adequada e nós
precisamos contratar outros professores não índio. Os professores não-
indígenas sentiam dificuldade do que é diferente e é difícil repassar [...]
(Entrevistado 1F)
Essa realidade foi mudando com os anos, os indígenas correram atrás e cursaram
faculdade e outras instituições próximas. Hoje, há poucos professores não-indígenas
atuando em escolas indígenas. Aqueles que permanecem têm a anuência das lideranças.
121
O segundo aspecto trata da formação específica nos cursos chamados de
Licenciatura Intercultural47, já que a maioria cursou pedagogia ou outros cursos de
licenciatura que não eram voltados para a formação de professores indígenas:
o primeiro entrave é a formação, para ampliar os conhecimentos e
inovar, fazer novos planejamentos, outras metodologias para ajudar o
professor [...] (Entrevistado 1D)
A formação superior específica para os professores indígenas exigirá um novo
repensar da organização e estrutura curricular da Universidade para atender esta nova
demanda social.
Observamos que o diferente é mais utilizado como característica de alteridade em
relação ao não-índio e o específico é usado na relação entre diferentes povos indígenas,
para identificar questões próprias ou específicas de um determinado povo. Apesar de que
em alguns momentos esses termos se confundem: “esse trabalho da interculturalidade,
específica, que é da cultura, realmente do povo indígena [...]” (Entrevistado 1A).
Esse trecho da entrevista traduz o sentimento de que a construção desse novo
pensar pedagógico emerge na própria comunidade e de um processo legítimo de
construção do conhecimento.
O último desafio que identificamos na nossa pesquisa refere-se à questão da
oralidade no currículo indígena. Ao propor a construção desse currículo, o sistema de
ensino precisa, primeiramente, compreender o papel e a importância da oralidade para os
povos indígenas. A oralidade vai além do ensino de línguas maternas e de saberes dos
povos, mas está presente em todas as áreas do conhecimento e nos processos de ensino-
aprendizagem. Um currículo verdadeiramente indígena deve validar as formas próprias
de transmissão do conhecimento de cada povo indígena, como observa um dos
entrevistados:
[...] um currículo intercultural iria validar, por exemplo, um dos fatores que a
gente observa no convívio com os indígenas mais importantes que é a
oralidade. Então, no sistema avaliativo, por exemplo, nós valorizamos muito o
que está escrito. Outro exemplo, o conhecimento adquirido fora da estrutura
do prédio escolar; para os indígenas isso é muito válido, para nós isso é muito
questionável. A existência de ordenamentos jurídicos próprios que
permitissem que isso existisse sem nenhum problema entre a instituição que
representa a educação e a escola indígena que está atuando de forma
diferenciada, específica. [...] o Estado funciona com suas regras, instruções
normativas, que de uma certa forma, engessam a própria questão da oralidade.
47 Em Pernambuco, a Licenciatura Intercultural a nível de graduação é oferecida pela Universidade Federal
de Pernambuco – Campus do Agreste, tendo a primeira turma iniciado em 2009 e concluído em 2013, com
150 estudantes.
122
Você tem de um outro lado, algo que não precisa ser aprovado; existe. Então,
muitas vezes, tem sido feito, algo que os indígenas não gostam, que é a
chamada adequação [...] (Entrevistado 1C)
Em síntese, o campo pedagógico da educação escolar indígena permite
transcender a forma como a escola se relaciona com a comunidade e com tudo que está
ao seu redor. A organização escolar e as formas próprias de ensino-aprendizagem
específicas devem estar relacionadas com a organização social de cada povo para que
“possibilitem a continuidade e a reprodução cultural em qualquer sociedade que seja”
(ATHIAS, 2010, p. 4).
Walsh (2009) propõe a interculturalidade crítica como ferramenta pedagógica de
questionamento constante da racialização, subalternização, inferiorização e de todos os
padrões de poder, o que chama de “pedagogia decolonial” (derivada da pedagogia crítica
de Paulo Freire48). Essa pedagogia decolonial está enraizada na luta e no fazer educativo
das comunidades indígenas e afrodescendentes e anda atada ao projeto intercultural de
sociedade.
Para isso, é importante repensar as bases que consolidam a política educacional
para que seja reconstruída a partir dos alicerces da interculturalidade, respeitando as
regionalidades e a diversidade cultural do país. Ao ponderarmos sobre as possiblidades
da educação escolar intercultural, extrapolamos nossa análise no âmbito da educação
escolar indígena ao entender que esse modelo de educação, aplicado a toda a rede, poderá
promover um país com mais justiça social e equidade.
48 Entendida como a pedagogia que tem como eixo central a superação das negatividades das culturas
existentes e potencializa a capacidade de construção da humanidade do ser humano, fundamentada na
justiça social (SOUZA, 2001).
123
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constatamos que os indígenas vêm sendo protagonistas da luta pelo
reconhecimento oficial da diferença e da especificidade cultural. Esta não como uma
forma de se isolar do restante da sociedade nacional, mas para colocar em pauta a
existência de diferentes cosmovisões e cobrar a mudança das estruturas estatais para
atender aos diferentes grupos originários desse território.
O fortalecimento do movimento indígena e indigenista na década de 70 e 80 foi
determinante para garantir na Constituição brasileira o direito dos indígenas serem um
grupo étnico específico e, a partir de então, reivindicar políticas que contemplassem sua
especificidade cultural, religiosa, política e social, na área da educação, especificamente,
com a garantia de uma educação escolar diferenciada, específica, intercultural e bilíngue.
É neste território de insubordinação e resistência epistêmica à imposição de uma
cultura dominante que se constrói o currículo intercultural indígena, a partir da
participação coletiva dos seus atores.
Nesta pesquisa, identificamos que a interculturalidade está baseada no diálogo
entre diferentes culturas/saberes e que há uma expectativa de que a interculturalidade
deve ser uma via de mão dupla, assim deve estar presente em todos os currículos
escolares, seja indígena ou não indígena. Somente o reconhecimento da diversidade
cultural do Brasil não dá conta dos conflitos gerados pelo contato de diferentes culturas;
é importante problematizar isso no currículo escolar.
Nesse sentido, a ressignificação do papel da escola e da educação indígena foi um
dos marcos importantes para que povos indígenas se apropriassem dessa estrutura
exógena a sua cultura e a transformassem em um dos principais espaços de fortalecimento
da sua identidade, costumes e tradições.
Nossa pesquisa revelou que a construção do currículo intercultural indígena, ao
tomar como referencial os pressupostos já existentes na rede de ensino, não atendeu aos
anseios dos indígenas na construção do seu currículo escolar. O currículo intercultural
indígena construído no Estado, mostrou-se como uma adaptação do currículo da rede,
apenas inserindo saberes e nomes dos povos indígenas para dar um tom de especificidade.
Podemos perceber que a construção do currículo intercultural indígena teve muitas
idas e vindas durante esses dez anos de estadualização da Educação Escolar Indígena.
Foram muitos momentos de negociação, construção e desconstrução. Anteriormente,
vimos que esse processo é complexo e demanda um olhar diferenciado para atender a
124
especificidade dos indígenas. Identificamos que, de forma geral, os problemas que foram
surgindo e impediram a consolidação do currículo intercultural indígenas não estão
diretamente ligados à sua construção de fato, mas a questões administrativas e
normativas. Um deles está ligado, por exemplo, a não existência de instrumentos
normativos a nível estadual que subsidiem essa construção e orientem as equipes técnicas
quanto às possibilidades de flexibilização das leis para o atendimento educacional
especializado.
Os técnicos da Secretaria reconhecem as falhas no processo de construção do
currículo indígena, que este atende apenas a um tipo de escola e público, como também
reconhecem que, ao não fazê-lo, ferem o direito à uma educação específica. Percebemos
que eles têm conhecimento sobre a legislação nacional específica e vontade política para
encaminhar as pautas dos indígenas. Contudo, o setor não tem autonomia suficiente para
validar esse outro modelo de escola.
Neste sentido, percebemos que as ações burocráticas se sobrepõem as questões
políticas de garantia dos direitos e de valorização às lutas sociais dos povos indígenas de
Pernambuco, que poderiam dar sentido para entender a educação como esfera pública e
território de debate do destino das pessoas. No caso de Pernambuco, essas barreiras
burocráticas estão, principalmente, em setores importantes para a consolidação de uma
educação de qualidade para a Educação Escolar Indígena. O que nos leva a acreditar numa
despolitização do debate em detrimento da burocratização para essa modalidade de
ensino.
No nosso estudo, procuramos dar visibilidade à relação assimétrica de poder entre
o órgão promotor da educação, a Secretaria de Educação de Pernambuco e as instituições
públicas escolares, as escolas indígenas.
A educação escolar indígena foi colocada em segundo plano e, por isso, somam-
se às pautas das mudanças na normatização, questões mais profundas, como a
regularização da categoria e da contratação de professores indígenas, que colocam em
risco a efetivação dessa política e faz com que o debate sobre o currículo priorizado.
Os indígenas continuam com a estratégia da resistência, que permitiu a
sobrevivência de suas tradições mesmo após tantos anos de colonização; e, assim, há uma
tentativa da educação indígena específica ser vivenciada nas escolas, independente do
reconhecimento oficial e do acompanhamento do órgão provedor.
Nosso estudo indica que o Estado de Pernambuco precisa repensar a forma como
se relaciona com os povos indígenas, a partir dos princípios propostos pela
125
interculturalidade crítica e atendendo os preceitos estabelecidos pela Constituição
Federal, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e pelas Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação Escolar Indígena; seja através da criação de um novo
sistema ou um subsistema de ensino, ou através de uma profunda reforma política,
administrativa e jurídica no Sistema Estadual de Ensino que garanta a promoção da
Educação Escolar Indígena Intercultural, Específica e Diferenciada de qualidade.
Por fim, reconhecemos que a discussão sobre o currículo intercultural indígena
precisa ser ampliada e fortalecida. Nesta dissertação, procuramos contemplar todas as
problemáticas identificadas durante a pesquisa de campo, contudo reconhecemos que,
pelo tempo, não conseguimos dar conta de debater todas essas questões. Por isso, optamos
por deixar o debate aberto e deixar a provocação para novas pesquisas sobre o tema.
Assim, esperamos que esta pesquisa venha contribuir para estimular a produção
de novos estudos relacionados ao currículo indígena no Estado de Pernambuco.
126
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136
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO A
INSTRUÇÕES: 1. Utilize caneta; 2. Não deixe resposta em branco; 3. Marque
somente uma alternativa para cada questão.
Representação: ( ) Liderança ( ) Coordenador ( ) Professor
Gênero: ( ) Masculino ( ) Feminino Idade: ____
Escola: _______________________ Aldeia: _____________________________
Disciplina: ____________________ Modalidade de ensino: _________________
Tipo de contrato: _______________ Tempo de ensino: ______________
Carga horária semanal: __________
Tipo de vínculo do contrato: ( ) Município ( ) Estado
Mora na aldeia: ( ) Sim ( ) Não
Escolaridade: ( ) Fund. I Incom. ( ) Fund. II Incompl ( ) Médio Incom
( ) Fund. I Compl ( ) Fund. II Compl ( ) Médio Compl
( ) Superior comp ( ) Superior Incom ( ) Pós-graduação
Cursou uma formação para professor: ( ) Sim ( ) Não
Cursou uma formação para professor indígena: ( ) Sim ( ) Não
Participou da elaboração do PPP: ( ) Sim ( ) Não
Participou da construção do currículo: ( ) Sim ( ) Não
Participou de formação continuada no último ano: ( ) Sim ( ) Não
Participou de formação continuada nos outros anos: ( ) Sim ( ) Não
Participou do planejamento escolar: ( ) Sim ( ) Não
Está ministrando disciplina na área de conhecimento de sua
qualificação:
( ) Sim ( ) Não
Considera que os saberes do povo estão presentes no
currículo da mesma forma que os outros conhecimentos:
( ) Sim ( ) Não
Considera que o currículo oficial favorece o ensino dos
saberes do povo:
( ) Sim ( ) Não
Considera que o material didático favorece o ensino dos
saberes do povo:
( ) Sim ( ) Não
A escola possui material didático que contenha os saberes
do povo:
( ) Sim ( ) Não
137
APÊNDICE B – QUESTIONÁRIO B
INSTRUÇÕES: 1. Utilize caneta; 2. Não deixe resposta em branco; 3. Marque
somente uma alternativa para cada questão.
Cargo: _______________________ Função: __________________________
Setor: ___________________________________________________________
Gênero: ( ) Masculino ( ) Feminino Idade: ____
Tipo de contrato: _______________ Tempo na função: ____________
Área de formação: ________________________________________________
Atua especificamente com EEI? ( ) Sim ( ) Não
Escolaridade: ( ) Fund. I Incom. ( ) Fund. II
Incompl
( ) Médio
Incom
( ) Fund. I Compl ( ) Fund. II
Compl
( ) Médio
Compl
( ) Superior comp ( ) Superior
Incom
( ) Pós-
graduação
Cursou uma formação para professor: ( ) Sim ( ) Não
Cursou alguma formação para educação escolar indígena: ( ) Sim ( ) Não
Participou dos momentos de elaboração do PPP indígena: ( ) Sim ( ) Não
Participou de formação continuada indígena no último ano: ( ) Sim ( ) Não
Participou de outra formação continuada no último ano: ( ) Sim ( ) Não
Já participou de algum planejamento escolar indígena: ( ) Sim ( ) Não
Participou dos momentos de construção do currículo intercultural: ( ) Sim ( ) Não
Já analisou/estudou algum currículo escolar indígena: ( ) Sim ( ) Não
Considera que os saberes do povo estão presentes no currículo da
mesma forma que os outros conhecimentos: ( ) Sim ( ) Não
Considera que o currículo oficial favorece o ensino dos saberes do
povo: ( ) Sim ( ) Não
Considera que o material didático favorece o ensino dos saberes do
povo: ( ) Sim ( ) Não
A escola possui material didático que contenha os saberes do povo: ( ) Sim ( ) Não
138
APÊNDICE C –ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
1. Você acha que um currículo intercultural é importante para afirmação cultural do
povo indígena?
2. E o que seria um currículo intercultural indígena, diferenciado e específico?
3. Quais os desafios que você enfrenta para garantir um currículo intercultural,
diferenciado e específico?
139
APÊNDICE D – PESQUISAS REALIZADAS NO ÂMBITO DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA
Quadro 3 - Trabalhos sobre Educação Escolar Indígena apresentados em reuniões anuais da ANPED
ANO GT AUTOR TÍTULO
1999 GT05 Rosa Helena Dias Da Silva Movimentos indígenas no Brasil e a questão educativa
Relações de autonomia, escola e construção de cidadanias
2000 GT03 Rogério Cunha Campos Movimentos indígenas por educação: novos sujeitos socioculturais na
história recente do Brasil
2000 GT06 Beleni S. Grando
Educação escolar indígena e o processo de "integração" dos povos
indígenas à sociedade brasileira: um movimento histórico de luta e
resistência cultural
2000 GT14 Rosani Moreira Leitão O papel da educação escolar na formação de lideranças indígenas: o
caso dos Karajás
2001 GT05 Rosa Helena Dias Da Silva O estado brasileiro e a educação (escolar) indígena: um olhar sobre o
plano nacional de educação
2001 GT06 Antonio Jacó Brand Educação indígena – uma educação para a autonomia
2001 GT12 Cássia Ferri Currículo Multicultural e a Formação do Professor: a busca por
um profissional culturalmente comprometido
2002 GT03 Valéria Augusta Weigel Os Baniwa e a escola: sentidos e repercussões
2002 GT21 Antonio Jacó Brand Formação de professores indígenas – um estudo de caso
2004 GT06 Adir Casaro Nascimento
Professores –índios e a escola diferenciada/intercultural: a
experiência em escolas indígena Kaiová/Guarani no Mato Grosso do
Sul e a prática pedagógica para além da escola. Um estudo
exploratório
2005 GT 06 Antonio Jacó Brand Educação indígena – uma educação para a autonomia
2005 GT12 Adir Casaro Nascimento Currículo, Interculturalidade e Educação Indígena
Guarani/Kaiowá
2005 GT22
Renata Ferraz de Toledo
Maria Cecília Focesi
Pelicioni
Leandro Luiz Giatti
Levantamento de necessidades socioambientais em
Comunidade indígena do distrito de Iauaretê do município
De São Gabriel da Cachoeira / AM
2006 GT02 Domingos Nobre Escola indígena Guarani Mbya: resistência e subordinação
2006 GT07
Adir Casaro Nascimento
Antonio J. Brand
Antonio H. Agulera Urquiza
Entender o outro - a criança indígena e a questão da Educação infantil
2007 GT03 Valéria Augusta C. M.
Weigel
Pesquisa, educação e luta indígena: a experiência de Professores
Sateré-mawé
2007 GT06 Marina Vinha Atividade física entre indígenas para civilizar e indicada para educar
2008 GT12 Veronice Lopes De Souza
Braga
O sistema de avaliação nacional da Educação Básica e os
descaminhos para uma proposta de educação escolar indígena
2008 GT15
Armando Martins de Barros
Maria Betânia Pereira
Gomes Guerra Duarte
Da alteridade e da dialogia com criança indígena de baixa visão: a
inclusão em contexto intercultural
2009 GT08
Adir Casaro Nascimento
Antonio Hilario Aguilera
Urquiza
Antônio Jacó Brand
Professores índios e a escola diferenciada/intercultural a experiência
em Escolas indígenas Guarani e Kaiowá e a prática pedagógica para
além da Escola
2009 GT11 Irene Jeanete Lemos
Gilberto Educação indígena e formação de professores
2010 GT21 Wagner Roberto Do Amaral
Tânia M. Baibich-Faria
As trajetórias dos estudantes indígenas nas universidades estaduais do
Paraná
2011 GT21 Sônia Filiú Albuquerque
Lima
Identidades/diferenças indígenas nas teias de um currículo
universitário
2012 GT06 Marta Coelho Castro
Troquez
Documentos curriculares para a educação escolar indígena no Brasil:
da prescrição às possibilidades da diferenciação
2012 GT12 Ruth Pavan Exclusão social, escola (indígena) e currículo (intercultural): as
Reflexões de acadêmicos (professores) indígenas
140
Quadro 4 - Teses e dissertações sobre Educação Escolar Indígena encontrados no Banco de Teses da
CAPES (com exceção de Pernambuco)
ANO INSTITUIÇÃO /
AREA AUTOR TÍTULO
2000 UNESP/Doutorado
em Educação
Adir Casaro
Nascimento
Educação Escolar Indígena: em busca de um conceito de
educação diferenciada
2000
PUCSP/Mestrado
em Educação Cássia Ferri
Gênese de um Currículo Multicultural: tramas de uma
experiência em construção no contexto da educação escolar
indígena
2001
UFBA/Doutorado
em Educação Clelia Neri Cortes Educação Diferenciada e Formação de Professores Indígenas:
diálogos intra e interculturais
2005 FURB/Mestrado
em Educação
Carlos Odilon da
Costa Autonomia em Paulo Freire e Educação Indígena
2007 FEUSP/Mestrado
em Educação
Adriana Queiroz
Testa
Palavra, Sentido e Memória: educação e escola nas
lembranças dos Guarani Mbyá
2010 PUCSP/Mestrado
em Educação
Aline de Alcântara
Valentini
Educação Escolar Indígena Guarani: a Escola Estadual
Indígena Djekupé Amba Arandu (São Paulo - SP) e seus
desafios para a construção de uma escola indígena de caráter
diferenciado
2010 UFAM/Mestrado
em Educação
Antônia Rodrigues da
Silva
Identidade/diferença tikuna e o processo educativo formal:
um olhar através das escolas ebenezer e maravilha do
município deBenjamin Constant/AM
2010 UNICAMP/Mestra
do em Educação Beatriz Sales da Silva
Educação Escolar Indígena. mas, o que é mesmo uma escola
diferenciada? Trajetória, equívocos e possibilidades no
contexto da E.E. Indígena Xucuru Kariri Warcanã de Aruanã,
Caldas, MG
2011 UNESP/Mestrado
em Educação
Aldo Ivan Parra
Sanchez Etnomatemática e Educação Própria
141
Quadro 5 - Teses e dissertações sobre a temática Indígena em Pernambuco encontrados no Banco de
Teses da CAPES
ANO INSTITUIÇÃO /
AREA AUTOR TÍTULO
1991 UFPE / Mestrado
em História
Bartira Ferraz
Barbosa
Índios e Missões: a colonização do Médio São Francisco
pernambucano nos séculos XVII e XVIII
1992 UFPE / Mestrado
em Antropologia
Vânia R. Fialho de
Paiva e Souza As fronteiras do Ser Xukuru…
1995 UFPE / Mestrado
em História Edson H. Silva
O lugar do índio. Conflitos, esbulhos de terras e resistência
indígena no século XIX: o caso de Escada/PE
2001 UFPE/ Mestrado
em Educação
Eliene Amorim de
Almeida
A política de Educação Escolar Indígena: limites e
possibilidades da escola indígena
2002
PUC / Doutorado
em Ciências
Sociais
Sérgio Neves Dantas Sou Fulni-Ô, meu branco
2002
UNICAMP /
Doutorado em
Saúde Coletiva
Moab Duarte Acioli O processo de alcoolização entre os Pankararu: um estudo em
etnoepidemiologia
2003 UFPE / Doutorado
em História
Jacionira Coêlho
Silva
Arqueologia no Médio São Francisco: indígenas, vaqueiros e
missionários
2003 UFPE / Mestrado
em Antropologia
Jozelito Alves
Arcanjo
Toré e identidade étnica: os Pipipã de Kambixuru (índios da
Serra Negra)
2004 UFPE / Mestrado
em História
Anna Elizabeth L. de
Azevedo O Diretório Pombalino em Pernambuco
2004 UFPE / Mestrado
em Educação
Cláudio Eduardo
Felix dos Santos
Uma escola para “formar guerreiros”: professores e
professoras indígenas e a educação escolar indígena em
Pernambuco
2004 UFPE / Mestrado
em História Geyza K. A. da Silva Índios e identidades…
2004 UFPE/ Mestrado
em Sociologia
Heloisa Eneida
Cavalcante
Reunindo as forças do Ororubá: a escola no projeto de
sociedade do povo Xukuru
2005 UFPE / Doutorado
em História Juliana Lopes Elias
Militarização indígena na Capitania de Pernambuco no
século XVII: caso Camarão
2006 UFPE / Mestrado
em Antropologia
Carla Siqueira
Campos Por uma Antropologia ecológica dos Fulni-ô de Águas Belas
2006 UFPE / Mestrado
em Antropologia
Letícia Loreto
Quérette
Onde o céu se encontra com a terra: um estudo antropológico
do Santuário de Nossa Senhora da Graça na Aldeia Guarda,
em Cimbres – Pesqueira/PE
2006 UFPE / Mestrado
em História
Lorena de Mello
Ferreira São Miguel de Barreiros, uma aldeia indígena no Império
2006 UFPB / Mestrado
em Sociologia
Kelly Emanuelly de
Oliveira
Guerreiros do Ororubá: o processo de organização política e
elaboração simbólica do povo indígena Xukuru
2008
UNICAMP /
Doutorado em
História
Edson H. Silva Xukuru: memórias e História dos índios da Serra do Ororubá
(Pesqueira/PE), 1950-1988
2008 UFPE / Mestrado
em Antropologia
Eliana de Barros
Monteiro
Os Truká (PE), ‘grandes projetos’ e o sentido da
territorialidade no exercício da cidadania indígena
contemporânea
2008
UFRPE /
Mestrado em
Ensino de
Ciências
Selma Maria
Ferreira de Souza
Saberes docentes, saberes indígenas: um estudo de caso
sobre o ensino de Ciências entre o povo Xukuru do
Ororubá
2008
CPqAM/FIOCRUZ
/ Mestrado em
Saúde Pública
Glaciene Mary da
Silva Gonçalves
Agrotóxicos, saúde e ambiente na etnia Xukuru do
Ororubá/PE
2009 UFPE/ Mestrado
em História
Alessandra Figueiredo
Cavalvanti
Aldeamentos e política indigenista no bispado de
Pernambuco – séculos XVII e XVIII
2009
CPqAM/FIOCRUZ
/ Mestrado em
Saúde Pública
Tatiane Fernandes
Portal de Lima
Política de informação no contexto da atenção à saúde
indígena: uma análise a partir da perspectiva da vigilância em
saúde
2009 UFPE / Mestrado
em Antropologia
Glauco Fernandes
Machado
Os significados das imagens fílmicas: um diálogo com os
índios Kapinawá
2009 UFPE/ Mestrado
em Antropologia
Hosana C. Oliveira e
Santos
Dinâmicas sociais e estratégias territoriais: a organização
social Xukuru no processo de retomada
142
2010 UFPB / Doutorado
em Letras
Wilma da Silva
Ribeiro
Histórias que os Xukuru contam: uma abordagem em
semiótica das culturas
2010 UFPE / Doutorado
em Antropologia Kelly E. de Oliveira
Estratégias sociais no Movimento Indígena: representações e
redes na experiência da APOINME
2010 UFPE / Mestrado
em Linguística
Edigar dos Santos
Carvalho
Descrição segmental do português falado pelos índios
Xukuru, em Pesqueira/PE
2010 UFF / Mestrado em
História Mariana A. Dantas
Dinâmica social e estratégias indígenas…Aldeamento do
Ipanema, Águas Belas/PE
2010 UFPE / Mestrado
em Antropologia
Mariana Carneiro
Leão Figueiroa
Ad Argumentandum Tantum: um olhar antropológico acerca
do processo criminal da morte do cacique Xicão Xukuru
2011 ENSP / Doutorado
em Saúde Pública
Thatiana Regina
Fávaro
Perfil nutricional da população indígena Xukuru de Ororubá,
Pernambuco, Brasil
2011 UNIA/ Mestrado
em Agroecologia
André Luis de
Oliveira Araújo
Una mirada Agroecológica en la pisada Xukuru do Ororubá:
un presente de posibilidades
2011
CPqAM/FIOCRUZ
/ Mestrado em
Saúde Pública
Ana Catarina Leite
Véras Medeiros
O consumo de bebidas alcoólicas e o trabalho no povo
indígena Xukuru do Ororubá
2011
UFPE / Mestrado
em Psicologia
Cognitiva
Vanessa Cavalcanti
de Torres
Um estudo sobre os índios Xukuru a partir da noção de
continuidade do self
2011 UFPE / Mestrado
em Antropologia
Sandro Henrique
Calheiros Lôbo
Construindo o pluralismo jurídico no Brasil: a experiência da
harmonia coercitiva no povo Xukuru do Ororubá
2012
UFRJ / Doutorado
em Antropologia
Social
Claudia Mura “Todo mistério tem dono!” Ritual, política e tradição de
conhecimento entre os Pankararu
2012
UFPE /
Doutorado em
Educação
José Ivamilson Silva
Barbalho
Discurso como prática de transformação social: o político
e o pedagógico na Educação Intercultural Pankará
2012 UFPE / Mestrado
em Educação
Lídia M. L. de
Cerqueira Silveira
O processo de estadualização da educação escolar
indígena em Pernambuco: a experiência do povo Fulni-ô
2012 ENSP / Mestrado
em Ciências
Ludimila Raupp de
Almeida da Silva
Indígenas no estado de Pernambuco: uma análise a partir do
Censo Demográfico 2000
2012 UFPE / Mestrado
em Educação
Ana Cláudia Oliveira
da Silva
Diversidades etnicorraciais e a política educacional em
Pernambuco: a inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira
e Indígena como conteúdo curricular
2012 UFPE / Mestrado
em História Edmundo Monte
Migrações Xukuru do Ororubá: memórias e História, 1950-
1990
2012
CPqAM/FIOCRUZ
/ Mestrado em
Saúde Pública
Herika de Arruda
Mauricio
A saúde bucal do povo indígena Xukuru do Ororubá na faixa
etária de 10 a 14 anos
2013
CPqAM/FIOCRUZ
/ Mestrado em
Saúde Pública
Jessyka Mary
Vasconcelos Barbosa
Prevalência e fatores associados à pressão arterial elevada no
povo indígena Xukuru do Ororubá, Pesqueira/PE, 2010
2013 UFPE/ Mestrado
em Educação
Waldete Aparecida
Andrade de Souza
Prática Pedagógica em Escolas Multisseriadas: sentidos e
significados produzidos por professores e professoras de
Escolas Indígenas
143
ANEXO A –LISTAGEM DAS ESCOLAS INDÍGENAS DE PERNAMBUCO
Quadro 6 - Relação das escolas indígenas de Pernambuco, com respectiva etnia e localização
Nº GRE MUNICIPIO ETNIA ENTIDADE
1 ARCOVERDE IBIMIRIM KAMBIWÁ ESCOLA PEDRO FERREIRA DE QUEIROZ
2 ARCOVERDE IBIMIRIM KAMBIWÁ ESCOLA ROZENO VIEIRA
3 ARCOVERDE IBIMIRIM KAMBIWÁ ESCOLA SÃO FRANCISCO DE ASSIS
4 ARCOVERDE IBIMIRIM KAMBIWÁ ESCOLA DA RETOMADA
5 ARCOVERDE INAJÁ KAMBIWÁ ESCOLA ESTADUAL INDIGENA EMÍDIO PEREIRA
6 ARCOVERDE INAJÁ KAMBIWÁ ESCOLA ESTADUAL INDIGENA CASTELO BRANCO
7 ARCOVERDE INAJÁ KAMBIWÁ ESCOLA AIMBERÊ
8 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA BARÃO DO RIO BRANCO
9 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA JUSSARA BARBOSA
10 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA KAPINAWÁ
11 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA PEDRO BEZERRA DA SILVA
12 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA SÃO MARCOS
13 ARCOVERDE BUIQUE KAPINAWÁ ESCOLA SATURNINO VIEIRA DE MELO
14 ARCOVERDE IBIMIRIM KAPINAWÁ ESCOLA ESTADUAL FIRMINO LARANJEIRA
15 ARCOVERDE TUPANATINGA KAPINAWÁ ESCOLA TOMAS CALIXTO GOMES
16 ARCOVERDE INAJÁ TUXÁ ESCOLA MARIA GILDETE DE ARAÚJO
17 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ANTÔNIO FEITOZA CHALEGRE
18 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ANTÔNIO MARINHO FALCÃO
19 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ANTÔNIO MONTEIRO LEITE
20 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ANTONIO ZUMBA.
21 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA CANA BRAVA
22 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA CÔNEGO OLÍMPIO TORRES
23 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA DAMIAO MONTEIRO
24 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA DIONÍSIO BARBOSA DOS SANTOS
25 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ELIZEU LIBERATO DA SILVA
26 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA INDÍGENA PROC. GERALDO ROLIM MOTA
FILHO
27 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA INTERMEDIÁRIA MONS OLÍMPIO TORRES
28 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JATOBÁ
29 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOAQUIM MOTA VALENÇA
30 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOAQUIM NABUCO
31 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOSÉ ALVES DE CARVALHO
32 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOSÉ NOGUEIRA NETO
33 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOSE TIMOTEO DE LIMA
34 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA NOSSA SENHORA APARECIDA
35 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS
36 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA NOSSA SENHORA DE FATIMA
37 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA NOSSA SENHORA DO CARMO
38 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA OLAVO BILAC
39 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ORORUBÁ
40 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA PADRE CÍCERO
41 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA PEDRO QUINQUIM DE ESPÍNDOLA
42 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA PROF. JOSÉ CARLOS DE LIMA
43 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA ROGERIO CAVALCANTE DE BRITO
44 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SANTA ÁGUEDA
45 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SANTA RITA
46 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SÃO GERALDO
144
47 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SÃO JOÃO
48 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SÃO JOSÉ
49 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA SÃO SEBASTIÃO
50 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA JOÃO PINHEIRO DE SOUZA
51 ARCOVERDE PESQUEIRA XUKURU ESCOLA VICENCIA DE SOUZA LIMA
52 ARCOVERDE POCAO XUKURU GRUPO ESCOLAR SAO JOAO BATISTA
53 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA ALDEIA ESTREITO
54 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA ANTONIO DUDU
55 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA CACHOEIRA II
56 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA CAXUÁ
57 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA EMILIANO QUIRINO DE SA
58 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA GOV ESTACIO COIMBRA
59 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA JOAO LIMA
60 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA JULIO JOSÉ DA SILVA
61 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA OLHO DAGUA DO PADRE
62 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA SANTA ANA
63 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA ATIKUM ESCOLA SANTA MADALENA
64 FLORESTA PETROLANDIA ENTRE
SERRAS ESCOLA BARRIGUDA
65 FLORESTA PETROLANDIA ENTRE
SERRAS ESCOLA LOGRADOURO
66 FLORESTA PETROLANDIA ENTRE
SERRAS ESCOLA ESTADUAL SALÃO
67 FLORESTA PETROLANDIA ENTRE
SERRAS ESCOLA ESTADUAL LAGOINHA
68 FLORESTA PETROLANDIA
ENTRE
SERRAS ESCOLA ESTADUAL DOM JOÃO BOSCO
69 FLORESTA TACARATU ENTRE
SERRAS ESCOLA PRINCESA ISABEL
70 FLORESTA TACARATU ENTRE
SERRAS ESCOLA SANTA CLARA
71 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA ANA NUNES DA SILVA
72 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA ANTONIO MANOEL DA SILVA
73 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA BOM JESUS DOS AFLITOS
74 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA ESPECIOSA BENIGNA DE BARROS
75 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA JOSE JERONIMO BARBOSA
76 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA MANOEL JOAO DE SOUZA
77 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA MILTON PEREIRA NETO
78 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA MONTEIRO LOBATO
79 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA NOSSA SENHORA APARECIDA
80 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA NOSSA SENHORA DE FATIMA
81 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA ODILON NUNES
145
82 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA OLIMPIO PEREIRA BARBOSA
83 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA QUINTINO DE MENEZES
84 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA ROSILDA SABAS DE SOUZA
85 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA SAGRADA FAMILIA
86 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA SANTO EXPEDITO
87 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA SÃO JOSÉ
88 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA SIMÃO CICERO DA SILVA
89 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA TIA AMÉLIA CAXIADO
90 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA VICENTE MUNIZ
91 FLORESTA CARNAUBEIRA DA
PENHA PANKARÁ ESCOLA VÓ OLINDINA
92 FLORESTA JATOBA PANKARARU ESCOLA DR CARLOS ESTEVAO
93 FLORESTA JATOBA PANKARARU ESCOLA INDÍGENA APINAGE
94 FLORESTA JATOBA PANKARARU ESCOLA PANKARARUS
95 FLORESTA JATOBA PANKARARU ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA JOSÉ LUCIANO
96 FLORESTA JATOBA PANKARARU ESCOLA ESTADUAL CAXIADO
97 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA CABRAL
98 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA DO AGRESTE
99 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA DO ESPINHEIRO
100 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA MARECHAL RONDON
101 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA PAKARARUS EZEQUIEL
102 FLORESTA JATOBA PANKAIWKA ESCOLA ESTADUAL RAMIRO DANTAS
103 FLORESTA TACARATU PANKARARU ESCOLA SANTA INES DA TAPERA
104 FLORESTA FLORESTA PIPIPÃ ESCOLA ANTONIO FRANCISCO DA SILVA
105 FLORESTA FLORESTA PIPIPÃ ESCOLA JOAQUIM ROSENO DOS SANTOS
106 FLORESTA FLORESTA PIPIPÃ ESCOLA MENINO JESUS
107 FLORESTA FLORESTA PIPIPÃ ESCOLA TIBURCIO LIMA
108 GARANHUNS AGUAS BELAS FULNI-Ô ESCOLA INDIGENA AMBRÓSIO PEREIRA JÚNIOR
109 GARANHUNS AGUAS BELAS FULNI-Ô ESCOLA INDÍGENA BILÍNGUE ANTÔNIO JOSÉ
MOREIRA
110 GARANHUNS AGUAS BELAS FULNI-Ô ESCOLA INDIGENA MARECHAL RONDON
111 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDÍGENA ACILON CIRIACO DA LUZ
112 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA ANTONIO CIRILO DOS SANTOS
113 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA BERTO CIRILO DOS SANTOS
114 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDÍGENA HERMENEGILDO ANTONIO DOS
SANTOS
115 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA JOÃO ALBERTO MACIEL
116 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA MANOEL DEODATO DOS SANTOS
117 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA MARIA ANTONIA DA CONCEIÇÃO
PRAÇA
118 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA MARIA ROSA DO ESPIRITO SANTO
119 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA MARTILIANO RIBEIRO DE SOUZA
120 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA MILITAO PRIMO DOS SANTOS
121 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDIGENA ROSA MARIA DA CONCEIÇÃO
122 PETROLINA CABROBO TRUKÁ ESCOLA INDÍGENA CAPITAO DENA
123 PETROLINA OROCÓ TRUKÁ ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA SÃO FRANCISCO
124 PETROLINA OROCÓ TRUKÁ ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA SÃO FÉLIX
125 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA JOAQUIM VIEIRA
146
126 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA JOSE GOMES DA SILVA
127 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA JOSE PEDRO PEREIRA
128 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA LUCIO QUIRINO DE FARIAS
129 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA PROF EPIFANIO BEZERRA
130 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA PROFESSOR ANTONIO PEDRO DOS SANTOS
131 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA SANTA LUZIA
132 SALGUEIRO SALGUEIRO ATIKUM ESCOLA SAO DOMINGOS SAVIO
147
ANEXO B – PROPOSTA DE MATRIZ CURRICULAR PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA
(Proposta enviada ao Conselho de Educação Escolar Indígena de Pernambuco, ainda não aprovada). Fonte: Arquivo pessoal.
Matriz Curricular da Educação Escolar Indígena – Ensino Fundamental Anos Iniciais
Dias letivos anuais 200 Ano de Implementação 2012
Dias letivos semanais 05 Turno Diurno
Carga Horária anual (a exceção de Fulni-Ô) 800 Carga Horária Total (a exceção de Fulni-Ô) 4.000
Carga Horária anual de Fulni-Ô 840 Carga Horária Total Fulni-Ô 4.200
Bas
e Le
gal
Eixo
s
Área de conhecimento Componentes Curriculares Anos
1º 2º 3º 4º 5º
TER
RA
, OR
GA
NIZ
AÇ
ÃO
,
IDEN
TID
AD
E, H
ISTÓ
RIA
, IN
TER
CU
LTU
RA
LID
AD
E E
BIL
ING
UIS
MO
Linguagem, códigos e suas tecnologias
Língua Portuguesa e vocábulos indígenas 4 4 4 4 4
Língua Materna* 1 1 1 1 1
Cultura Indígena 2 2 2 2 2
Educação Física 2 2 2 2 2
Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias
Etnomatemática 4 4 4 4 4
Ciências e saberes tradicionais 1 1 1 1 1
Ciências Humanas e suas tecnologias
Etnogeografia 2 2 2 2 2
História 2 2 2 2 2
História dos povos tradicionais 2 2 2 2 2
Ensino Religioso 1 1 1 1 1
TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL (A EXCEÇÃO DE FULNI-Ô) 20 20 20 20 20
TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL FULNI-Ô 21 21 21 21 21
*O componente Língua Materna será ministrado apenas para o povo Fulni-Ô
148
Matriz Curricular da Educação Escolar Indígena – Ensino Fundamental Anos Finais
Dias letivos anuais 200 Ano de Implementação 2012
Dias letivos semanais 05 Turno Diurno
Carga Horária anual (a exceção de Fulni-Ô) 1.120 Carga Horária Total (a exceção de Fulni-Ô) 4.480
Carga Horária anual de Fulni-Ô 1.200 Carga Horária Total Fulni-Ô 4.800
Bas
e Le
gal
Eixo
s
Área de conhecimento Componentes Curriculares Anos
1º 2º 3º 4º
TER
RA
, OR
GA
NIZ
AÇ
ÃO
, ID
ENTI
DA
DE,
H
ISTÓ
RIA
, IN
TER
CU
LTU
RA
LID
AD
E E
BIL
ING
UIS
MO
Linguagem códigos e suas tecnologias
Língua Portuguesa e vocábulos indígenas 5 5 5 5
Língua Materna* 2 2 2 2
Artes 1 1 1 1
Cultura Indígena 2 2 2 2
Educação Física** 1 1 1 1
Saberes e literatura tradicional indígena 1 1 1 1
Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias
Língua Estrangeira 2 2 2 2
Etnomatemática 5 5 5 5
Ciências e saberes tradicionais 3 3 3 3
Ciências Humanas e suas tecnologias
Etnogeografia 2 2 2 2
História 2 2 2 2
História dos povos tradicionais 1 1 1 1
Ensino Religioso*** 2 2 2 2
Direitos humanos e cidadania 1 1 1 1
TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL (A EXCEÇÃO DE FULNI-Ô) 28 28 28 28
TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL FULNI-Ô 30 30 30 30
*O componente Língua Materna será ministrado no contraturno apenas para o povo Fulni-Ô
**O componente Educação Física será trabalhado no contraturno
***O componente Ensino Religioso será trabalhado no contraturno no formato de seminários
149
Matriz Curricular da Educação Escolar Indígena – Ensino Fundamental Ensino Médio
Dias letivos anuais 200 Ano de Implementação 2012
Dias letivos semanais 05 Turno Diurno
Carga Horária anual (a exceção de Fulni-Ô) 1.040 Carga Horária Total (a exceção de Fulni-Ô) 3.120
Carga Horária anual de Fulni-Ô 1.120 Carga Horária Total Fulni-Ô 3.360
Bas
e Le
gal
Eixo
s Área de conhecimento Componentes Curriculares
Anos
1º 2º 3º
TER
RA
, OR
GA
NIZ
AÇ
ÃO
, ID
ENTI
DA
DE,
HIS
TÓR
IA, I
NTE
RC
ULT
UR
ALI
DA
DE
E B
ILIN
GU
ISM
O
Linguagem, Artes e suas tecnologias
Língua Portuguesa e vocábulos indígenas 4 4 4
Língua Materna* 2 2 2
Artes 1 1 1
Educação Física** 1 1 1
Saberes e literaturas tradicionais indígenas 1 1 1
Língua Estrangeira 2 2 2
Ciências da Terra, da Natureza e suas tecnologias
Etnomatemática 4 4 4
Biologia 2 2 2
Química 2 2 2
Física 2 2 2
Ciências Humanas, Sociais e suas tecnologias
Etnogeografia 2 2 2
Etnohistória 2 2 2
Direitos humanos e cidadania 1 0 0
Antropologia 0 1 1
Sociologia 1 1 1
Filosofia 1 1 1
TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL (A EXCEÇÃO DE FULNI-Ô) 26 26 26
TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL FULNI-Ô 28 28 28
*O componente Língua Materna será ministrado no contraturno apenas para o povo Fulni-Ô
**O componente Educação Física será trabalhado no contraturno
150
Matriz Curricular da Educação Escolar Indígena – Ensino Fundamental – EJA – 1ª e 2ª Fases
Dias letivos anuais 200 Ano de Implementação 2012
Dias letivos semanais 05 Turno Diurno
Carga Horária anual (a exceção de Fulni-Ô) 800 Carga Horária Total (a exceção de Fulni-Ô) 1.600
Carga Horária anual de Fulni-Ô 880 Carga Horária Total Fulni-Ô 1.760
Bas
e Le
gal
Eixo
s Área de conhecimento Componentes Curriculares
Fase
1º 2º
TER
RA
, OR
GA
NIZ
AÇ
ÃO
, ID
ENTI
DA
DE,
HIS
TÓR
IA,
INTE
RC
ULT
UR
ALI
DA
DE
E
BIL
ING
UIS
MO
Linguagem, Artes e suas tecnologias
Língua Portuguesa e vocábulos indígenas X X
Língua Materna* X X
Cultura Indígena X X
Educação Física X X
Ciências da Terra, da Natureza e suas tecnologias
Etnomatemática X X
Ciências e saberes tradicionais X X
Ciências Humanas, Sociais e suas tecnologias
Etnogeografia X X
História X X
História dos povos tradicionais X X
Ensino Religioso X X
TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL (A EXCEÇÃO DE FULNI-Ô) 20 20
TOTAL – CARGA HORÁRIA SEMANAL FULNI-Ô 22 22
*O componente Língua Materna será ministrado apenas para o povo Fulni-Ô
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