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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS INSTITUTO DE
FILOSOFIA, CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS PROGRAMA DE POS
GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL E SUSTENTABILIDADE NA
AMAZÔNIA
NATÁLIA ANDRADE TEIXEIRA
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS E PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO
TRADICIONAL ASSOCIADO AO USO DE PLANTAS MEDICINAIS EM
CAAPIRANGA/AM
DISSERTAÇÃO
MANAUS- AM
2017
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NATALIA ANDRADE TEIXEIRA
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS E PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO
TRADICIONAL ASSOCIADO AO USO DE PLANTAS MEDICINAIS EM
CAAPIRANGA/AM
Dissertação de mestrado apresentada ao Curso de Mestrado do
Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Sustentabilidade na
Amazônia da Universidade Federal do Amazonas, como requisito
parcial para obtenção do titulo de Mestre em Serviço Social e
Sustentabilidade na Amazônia.
Orientadora: Profa. Dra. Débora Cristina Bandeira Rodrigues
MANAUS - AM
2017
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NATALIA ANDRADE TEIXEIRA
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS E PROTEÇÃO DO CONHECIMENTO
TRADICIONAL ASSOCIADO AO USO DE PLANTAS MEDICINAIS EM
CAAPIRANGA/AM
Dissertação aprovada em 30 de agosto de 2017.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________
Profa. Dra. Débora Cristina Bandeira Rodrigues (Orientadora)
Universidade Federal do Amazonas
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Maria do Perpetuo Socorro Rodrigues Chaves
Universidade Federal do Amazonas
_______________________________________________________________
Profa. Dra. Susy Rodrigues Simonetti
Universidade Estadual do Amazonas
5
Dedicatória
Ao meu pai, Fredson, pelo amor e
empenho investidos na formação do meu
caráter e em minha formação
profissional e acadêmica.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus, meu criador e Senhor por ser a minha fortaleza nos momentos de fraqueza,
por ter me inspirado e firmado os meus pés num lugar seguro, por ser a única e verdadeira
razão de todas as minhas vitórias.
A minha orientadora professora Débora Cristina Bandeira Rodrigues pela paciência,
pelo companheirismo durante todo o mestrado, por ter compartilhado comigo o amor e o
compromisso ético nos estudos sobre os povos tradicionais da Amazônia.
Aos professores do PPGSS por todos os ensinamentos compartilhados e transferidos.
Ao CNPq pelo financiamento desta pesquisa.
Aos Comunitários de Santa Maria e Santo Afonso, por todos os momentos
compartilhados, pelos ensinamentos recebidos e pela receptividade e amor com que sempre
nos recebem.
Ao Grupo Interação, em especial a Professora Socorro Chaves e a Professora Silvana
Compton, por me apoiarem durante a construção desse trabalho através das mais diversas
experiências que tive a oportunidade de participar e aprender. Aos amigos que fiz no grupo,
Karla, Fabiana, Evelyn, Julia, Gessy, Joicy pelos momentos de reflexão, grupos de estudo e
viagens de campo.
Ao Professor Sebastião Marcelice Gomes (in memorian) por todas as contribuições
dadas durante a qualificação e através do estudo realizado em sua tese de doutorado, por ser
um grande exemplo de profissional ético, comprometido e humilde.
As minhas amigas do mestrado, Maria, Etyanne, Edielle, Janilse, Kelen, Jessica,
Viviane, Josiara, Jeane e Naiara, por todo apoio coletivo e compartilhado durante o curso e
também no processo de escrita da dissertação. Em especial, a Damares e a Lidiane pela ajuda
e suporte durante todas as atividades acadêmicas do mestrado, pela amizade, pelas palavras de
incentivo e pelas orações.
Ao meu pai Fredson por seu amor e por seus cuidados que me ensinaram a ser
cautelosa e responsável com a minha vida e com a vida das pessoas que me cercam, também
pelas suas repreensões que me fizeram amadurecer, mas, acima de tudo pelo seu exemplo de
luta em busca de seus objetivos. À minha mãe Vera que sempre esteve presente me apoiando
e declarando todos os dias a sua admiração e amor por mim. À minha tia Cintia que sempre
me apoiou nos estudos, por ter investido seu tempo e por compartilhar comigo parte da sua
formação acadêmica e porque instigou a minha vontade de aprender. A minha vovó Joelice
por ser o meu esteio e por cuidar de mim sempre com muito amor.
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Aos meus queridos irmãos Davi, Fred e Fernanda que me alegram com suas perguntas,
frases e brincadeiras sempre que eu estou cansada.
A Nova Igreja Batista (meu Grupo de Amizade e Ministério Impacto DNA) pelo apoio
e oração a mim dedicados, em especial a Josy, Elice e Graci, por serem amigas em todos os
momentos, por compreenderem a minha ausência em algumas situações. As amigas Caroline
Grana e Samantha pela ajuda na formatação da dissertação. A Iasmin Almeida pela dedicação,
pelo amor e pela prontidão em me ajudar com seus ensinamentos, por ser meu grande
exemplo de fé e dedicação a Deus. A Isabel Costa pela paciência, por todo auxilio e orações.
A Gleska e ao Ewerton por todas as orações, aconselhamentos durante o mestrado e pela
tradução do resumo deste trabalho.
A todos, a minha gratidão!
8
―Mas os que esperam no Senhor
renovarão as forças, subirão com asas
como águias; correrão, e não se
cansarão; caminharão, e não se
fatigarão‖. (Isaias 40:31).
9
RESUMO
As práticas de uso e manejo de plantas medicinais na Amazônia estão presentes no complexo
contexto sociocultural dos povos tradicionais, detentores de um conhecimento tradicional
associado aos recursos naturais da região, os quais, historicamente, têm estabelecido uma
forma de relação simbiótica com a natureza, pautada nos princípios da sustentabilidade para
conservação socioambiental e cultural. No contexto dos debates e discussões em âmbito
regional, nacional e internacional, esse conhecimento passa a ser reconhecido como um
caminho para pesquisas e atividades de bioprospecção, podendo contribuir com o avanço da
ciência, tecnologia e inovação, a partir da assinatura da Convenção sobre Diversidade
Biológica(1992). Todavia, parcelas ínfimas oriundas da comercialização de produtos criados a
partir do acesso aos conhecimentos tradicionais associados ao uso da biodiversidade retornam
às comunidades nas quais foram originados, configurando-se, portanto, como uma
problemática contemporânea na viabilização dos direitos dos povos tradicionais sobre o seu
conhecimento. Deste modo, o estudo teve como objetivo geral analisar as formas de proteção
dos conhecimentos tradicionais presentes nas práticas socioculturais no uso e manejo de
plantas medicinais em comunidades tradicionais da Amazônia. A linha metodológica adotada
esteve pautada na perspectiva da teoria social, possibilitando uma abordagem acerca da
realidade das comunidades tradicionais ribeirinhas na Amazônia correlacionando as suas
singularidades e especificidades locais ao contexto global em suas dimensões histórica,
cultural, social e política, configurando-se como um estudo de caso. A pesquisa de campo foi
realizada nas comunidades Santa Maria e Santo Afonso no Lago Grande de Manacapuru, sob
jurisdição do Município de Caapiranga/AM e envolveu uma amostra de 20 comunitários
abordados por meio da aplicação de entrevistas e formulários do tipo semi-estruturado,
todavia, também foram utilizadas técnicas de abordagem grupal como visitas e
acompanhamento das práticas de uso e manejo de plantas medicinais, dinâmicas e grupo focal
que compuseram o banco de dados do estudo. Dentre os principais resultados da pesquisa,
pode-se enumerar a a)Dificuldade de viabilização na proteção dos conhecimentos tradicionais
por meio do sistema de patentes brasileiro, uma vez que as formas legais deste sistema
reconhecem inovações individuais e não consideram as especificidades locais e culturais, sob
as quais são produzidos o conhecimento tradicional associado, b) Identificação de 91 espécies
vegetais e de conhecimento tradicional sobre o uso medicinal das mesmas, das quais 59
possuem indicação técnica sobre suas propriedades e uso; c)Reconhecimento da existência de
uma estratégia local e efetiva de proteção desse conhecimento tradicional sobre plantas
medicinais durante decadas, sem que ele tenha sido escrito, através da tradição oral, d)
Identificação de um processo de perda dos conhecimentos sobre uso e manejo de plantas,
pelas gerações mais jovens das comundades. Diante disso, sugerem-se, com base nos
resultados da pesquisa, algumas ações e abordagens para uma efetiva proteção dos
conhecimentos tradicionais associados voltados para contexto ribeirinho na Amazônia, como:
1) construção de um regime jurídico sui generis pensado a partir da cultura e contexto
socioambiental local, 2) Estabelecimento de propostas que conciliem as demandas da Lei
13.123/2015 à realidade da questão da propriedade intelectual (Sistema de patentes – Lei
10.196/2001) e 3) Mapeamento do estado da arte dos estudos sobre patente compartilhada
baseados nas cinco dimensões da sustentabilidade.
Palavras-chave: Mecanismos Jurídicos, Amazônia, Cultura local, Conhecimento tradicional,
Plantas medicinais
10
ABSTRACT
The practices of use and management of medicinal plants in the Amazon are present in the
complex sociocultural context of the traditional peoples, holders of a traditional knowledge
associated with the natural resources of the region, who, historically, have established a
symbiotic relationship with nature, guided Sustainability principles for socio-environmental
and cultural conservation. In the context of debates and discussions at the regional, national
and international levels, this knowledge is recognized as a way for research and
bioprospecting activities, and can contribute to the advancement of science, technology and
innovation, following the signing of the Convention on Diversity Biological (1992). However,
small parcels from the commercialization of products created from access to traditional
knowledge associated with the use of biodiversity return to the communities in which they
originated, thus becoming a contemporary problem in the viability of the rights of traditional
peoples over their knowledge. The objective of this study was to analyze the forms of
protection of the traditional knowledge present in socio - cultural practices in the use and
management of medicinal plants in traditional Amazonian communities. The methodological
approach adopted was based on the perspective of social theory, allowing an approach to the
reality of the traditional riverside communities in the Amazon, correlating their local
singularities and specificities to the global context in its historical, cultural, social and
political dimensions, becoming a case study. The field research was carried out in the Santa
Maria and Santo Afonso communities in Lago Grande de Manacapuru, under the jurisdiction
of the Municipality of Caapiranga / AM, and involved a sample of 20 community members
approached through the application of interviews and semi-structured forms, however , Group
approach techniques were also used, such as visits and follow-up of the practices, use and
management of medicinal plants, dynamics and focus groups that made up the study database.
Among the main results of the research, it is possible to enumerate aa) Difficulty of being able
to protect traditional knowledge through the Brazilian patent system, since the legal forms of
this system recognize individual innovations and do not consider the local and cultural
specificities, under the B) Identification of 91 plant species and traditional knowledge about
their medicinal use, of which 59 have a technical indication on their properties and use; C)
Recognition of the existence of a local and effective strategy for the protection of this
traditional knowledge about medicinal plants for decades, without it being written, through
oral tradition; d) Identification of a process of loss of knowledge about plant use and
management , By the younger generations of the communities. Based on the results of the
research, some actions and approaches for an effective protection of the traditional knowledge
associated to the riverside context in the Amazon are suggested, such as: 1) construction of a
sui generis legal system thought from the culture and 2) Establishment of proposals that
reconcile the demands of Law 13,123 / 2015 to the reality of the intellectual property issue
(Patent System - Law 10,196 / 2001) and 3) State-of-the-art mapping of shared patent studies
based on Sustainability.
Keywords: Sociocultural practices, use and management of medicinal plants, legal protection
of traditional knowledge, Amazon.
11
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Abordagens Conceituais do Conhecimento Tradicional ......................................... 45
Figura 2 - Município de Caapiranga com destaque ao Grande Lago de Manacapuru/AM ...... 64
Figura 3 - Frente da Comunidade Santa Maria no período de cheia dos rios .......................... 65
Figura 4 - Frente da Comunidade Santa Maria no período de seca dos rios ............................ 65
Figura 5 - Distribuição linear das casas em Santa Maria/AM .................................................. 66
Figura 7 - Gasto por família no uso de energia em Santa Maria/AM ...................................... 66
Figura 8 - Postes e Lampiões do Litro de Luz em Santa Maria/AM ........................................ 68
Figura 9 - Sistema de Calhas para aproveitamento de água da chuva em Santa Maria/AM .... 69
Figura 10 - Posto de Saúde em Santa Maria/AM ..................................................................... 70
Figura 11 - Escola Municipal Santa Maria em Santa Maria/AM ............................................. 70
Figura 12 - Escola Municipal Elois Batista em Santa Maria/AM ............................................ 70
Figura 13 - Frente da Comunidade Santo Afonso/AM............................................................. 71
Figura 14 - Lateral da Comunidade Santo Afonso/AM ........................................................... 71
Figura 15 - Poste do Litro de Luz em Santo Afonso/AM ........................................................ 74
Figura 16 - Posto de Saúde em Santo Afonso/AM ................................................................... 74
Figura 17 - Escola Municipal Santo Afonso/AM ..................................................................... 75
Figura 18 - Sala de Aula da Escola Municipal Santo Afonso/AM ........................................... 75
Figura 19 - Praça da Comunidade Santo Afonso/AM .............................................................. 75
Figura 20 - Campo de futebol da Comunidade Santo Afonso/AM .......................................... 76
Figura 21 - Sede da Associação da Comunidade Santo Afonso/AM ....................................... 76
Figura 22 - Ferramentas para o trabalho na produção de farinha em Santa Maria e Santo
Afonso/AM ............................................................................................................................... 82
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1- População Rural por gênero no Município de Caapiranga/AM ............................... 63
Tabela 2 - Tipos de Moradia em Santa Maria/AM ................................................................... 66
Tabela 3 - Moradores por faixa etária Santo Afonso/AM ........................................................ 72
Tabela 4 - Repasse de CT sobre plantas medicinais Santa Maria/AM ................................... 107
Tabela 5 - Repasse de CT sobre plantas medicinais Santo Afonso/AM ................................ 107
13
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Principais fóruns de discussão sobre sustentabilidade ............................................ 23
Quadro 2 - Marcos de Propriedade Intelectual ............................................................................ 28
Quadro 3 - Etapas do Pedido de patente ....................................................................................... 30
Quadro 4 - Marcos Legais de Proteção ao Patrimônio Genético .............................................. 33
Quadro 5 - Evolução dos Marcos voltados à Inovação e a proteção do Conhecimento
Tradicional Associado..................................................................................................................... 34
Quadro 6 - Fluxograma de pedido de acesso ao Patrimônio Genético e ao Conhecimento
Tradicional Associado..................................................................................................................... 36
Quadro 7 - Iniciativas de regulamentação de Acesso à biodiversidade e aos Conhecimentos
Tradicionais Associados ................................................................................................................. 40
Quadro 8 - Patentes sobre a copaíba ............................................................................................. 41
Quadro 9 - Perspectivas de análise dos Conhecimentos Tradicionais ...................................... 44
Quadro 10 - Evolução legal do conceito de Conhecimento Tradicional Associado............... 46
Quadro 11 - Ciclos Econômicos da Amazônia ............................................................................ 50
Quadro 12 - Município de Caapiranga/AM ................................................................................. 62
Quadro 13 - CT associado às manifestações religiosa, simbólica e espiritual ........................ 87
Quadro 14 - Categoria Percepção acerca da procura à medicina tradicional x medicina
oficial, subcategoria presença de agente social (rezador) .......................................................... 88
Quadro 15 - Categoria Percepção acerca da procura à medicina tradicional x medicina
oficial, subcategoria Diagnóstico da doença e identificação de rezador e benzedor .............. 88
Quadro 16 - Categoria Percepção acerca da procura à medicina tradicional x medicina
oficial, subcategoria diagnóstico da doença e tipo de tratamento escolhido ........................... 89
Quadro 17 - Percepção da Importância do conhecimento sobre plantas medicinais,
subcategorias medicina tradicional à medicina convencional/oficial e
desvalorização/esquecimento das praticas de uso de plantas medicinais ................................ 89
Quadro 18 - Categoria percepção da Importância do conhecimento sobre plantas
medicinais, subcategoria Associação do CT à questão socioeconômica e financeira ............ 91
Quadro 19 - Mapa de Conhecimentos Tradicionais sobre Plantas Medicinais em Santo
Afonso e Santa Maria/AM ............................................................................................................ 93
Quadro 20 - Categoria Uso e Manejo de Plantas Medicinais, subcategoria
Compartilhamento de espécies entre os comunitários e familiares ........................................ 101
Quadro 21 - Categoria Aprendizado e Difusão, subcategoria Faixa Etária ........................... 104
Quadro 22 - Categoria Aprendizado e Difusão, subcategoria tradição oral .......................... 104
Quadro 23 - Categoria Proteção dos CT, subcategoria Princípios de Coletividade e partilha
dos conhecimentos ......................................................................................................................... 106
Quadro 24 - Categoria Proteção dos CT, subcategoria Repasse de Conhecimento
Tradicional para pessoas de outros países .................................................................................. 107
Quadro 25 - Categoria Valorização e Regate de CT, subcategoria políticas públicas e
incentivos governamentais ........................................................................................................... 108
Quadro 26 - Categoria Valorização e Regate de CT, subcategoria Conhecimento
Tradicional na educação formal ................................................................................................... 109
Quadro 27 - Subsídios para a proteção dos conhecimentos tradicionais a partir das
dimensões da sustentabilidade ..................................................................................................... 116
14
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 -Principal Atividade Produtiva – Santa Maria/AM .................................................. 81
Gráfico 2 - Principal Atividade Produtiva – Santo Afonso/AM .............................................. 81
Gráfico 3 - Faixa Etária dos Informantes - Santa Maria/AM ................................................... 86
Gráfico 4 - Faixa Etária dos Informantes - Santo Afonso/AM................................................. 86
Gráfico 5 - Com quem aprendeu - Santa Maria/AM .............................................................. 103
Gráfico 6 - Com quem aprendeu - Santo Afonso/AM............................................................ 103
Gráfico 7 - Ensino aos filhos sobre plantas Medicinais-Santo Afonso/AM .......................... 105
Gráfico 8 - Ensino aos filhos sobre plantas Medicinais- Santa Maria/AM ............................ 105
15
LISTA DE ABREVIATURAS
CDB Convenção sobre Diversidade Biológica
CGEN Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
COP Conferência das Partes
CPI Consentimento Prévio Informado
CPJ Consentimento Prévio Justificado
CT Conhecimento Tradicional
CTA Conhecimento Tradicional Associado
OMPI Organização Mundial de Propriedade Intelectual
ONG Organização não-governamental
SisGEN Sistema de Gestão do Patrimônio Genético
SPVEA Superintendência do Plano de Valorização da Economia na Amazônia
SUDAM Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
TRIPS Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados
ao Comércio (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property
Rights)
16
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 16
CAPITULO 1 - MECANISMOS JURIDICOS DE PROTEÇAO AO CONHECIMENTO
TRADICIONAL ASSOCIADO ............................................................................................ 22
1.1. Biodiversidade e conhecimento tradicional no debate contemporâneo ............................. 22
1.2. Mecanismos jurídicos e estratégias de Proteção ao conhecimento tradicional associado a
biodiversidade ........................................................................................................................... 27
1.3. Constituição sócio-histórica dos conhecimentos tradicionais associados na Amazônia ... 43
CAPITULO 2 – PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS NO USO E MANEJO DE PLANTAS
MEDICINAIS NO CONTEXTO AMAZÔNICO ................................................................ 48
2.1. Ciclos econômicos e uso dos recursos naturais na Amazônia ........................................... 49
2.2. Práticas socioculturais nas formas de uso e manejo de plantas medicinais na Amazônia 57
2.3. Caracterização do Locus da pesquisa: comunidades ribeirinhas Santa Maria e Santo
Afonso em Caapiranga/AM ...................................................................................................... 61
CAPITULO 3 – MECANISMOS SOCIOCULTURAIS DE PROTEÇÃO DOS
CONHECIMENTOS TRADICIONAIS NAS COMUNIDADES SANTA MARIA E
SANTO AFONSO EM CAAPIRANGA/AM ....................................................................... 78
3.1. Organização sociocultural nas Comunidades de Santa Maria e Santo Afonso ................. 79
3.2. Saberes e práticas em Comunidades ribeirinhas da Amazônia: mapa dos conhecimentos e
plantas medicinais em Santa Maria e Santo Afonso Caapiranga/AM ...................................... 85
3.3. Estratégia local de proteção ao conhecimento tradicional: a tradição oral no processo de
aprendizado e difusão ............................................................................................................. 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 110
REFERENCIAS ................................................................................................................... 118
APENDICES
ANEXOS
17
INTRODUÇÃO
O cenário contemporâneo trouxe consigo inúmeras preocupações, sobretudo no
âmbito socioambiental que vem tomando lugar no centro dos debates internacionais, quando
se trata de uma proposta de desenvolvimento que esteja pautado nas dimensões da
sustentabilidade, considerando a realidade em sua totalidade. Neste sentido, os agentes
políticos no Brasil, país em desenvolvimento, passam a preocupar-se com a formulação de
politicas publicas sob os princípios de uma gestão adequada de recursos naturais.
É neste contexto que emergem as discussões que envolvem a sustentabilidade, em
suas várias dimensões (social, econômica, ambiental, política), com a qual pretende-se superar
o desafio de pensar e elaborar politicas que atentem efetivamente as demandas da sociedade,
sem degradar as funções ecossistêmicas essenciais. (CAVALCANTI, 2002). Trata-se de uma
limitação ecológica existente na própria natureza, a qual deve ser considerada no processo de
gestão dos recursos naturais, quando voltados a determinados modelos de crescimento
econômico pautados no acúmulo e desigualdades sociais de forma irracional.
No bojo desta discussão, passa-se a buscar alternativas e estratégias para uma gestão
adequada e racional dos recursos naturais, motivada pelo reconhecimento dos limites
biofísicos postos pela biosfera ao processo econômico. Consequentemente, há uma
preocupação com as formas de uso e manejo desses recursos, pautados nos princípios da
conservação ambiental.
Sobre isso, muitos autores (Castro, 1997; Diegues, 2000, Chaves, 2001) reconhecem
que os povos tradicionais contribuem significativamente através de seus saberes sobre o
território e as diferentes formas pelas quais realizam seu trabalho, além disso, ressalta-se que
suas atividades apresentam-se complexas, pois constituem formas múltiplas de
relacionamento com os recursos naturais sob a perspectiva sustentável. Com isso, os povos
tradicionais e seus conhecimentos revestem-se de singular importância para a conservação da
biodiversidade e passam a ser alvo de pesquisas, sobretudo no âmbito da sua exploração
econômica pelo ramo biotecnológico.
As práticas socioculturais são tomadas, neste estudo, como uma atividade central na
vida dos povos tradicionais não indígenas da Amazônia, realizadas, não inconscientemente,
mas a partir de um saber local desenvolvido entre as gerações. Portanto, os povos amazônicos
são detentores de um conhecimento tradicional, principalmente sobre os recursos naturais.
Nesta região a cultura destes povos reflete uma forma singular de relação homem-natureza,
18
sendo esta ―imersa numa atmosfera em que o imaginário privilegia o sentido estético dessa
realidade cultural‖ (FRAXE, 2004, p. 296).
Neste contexto, os debates em torno da necessidade de proteção ao conhecimento
tradicional associado à biodiversidade assumem relevante destaque no cenário internacional, e
como resultado tem-se a assinatura da Convenção de Diversidade Biológica – CDB em 1992,
que reconhece, além da importância do conhecimento tradicional, o direito à proteção e a
repartição justa de benefícios decorrentes da comercialização de bioprodutos provenientes de
acesso a estes conhecimentos.
No Brasil, esta preocupação torna-se ainda maior, em razão do seu vasto patrimônio
genético, seja ele tangível ou intangível, além de contar com a formação cultural de vários
povos e sociedades tradicionais, sobretudo na região que corresponde a Amazônia brasileira.
Observe-se que a Amazônia, é a região de maior diversidade biológica do mundo, deve-se
reconhecer, portanto, que há um grande interesse no acesso a seus recursos naturais e
consequentemente aos conhecimentos tradicionais desenvolvidos, sobretudo na área de
plantas e ervas medicinais, que podem auxiliar pesquisas de bioprospecção na descoberta de
medicamentos e, consequentemente, sua comercialização.
Este caráter econômico que passa a envolver os conhecimentos tradicionais
associados ao uso da biodiversidade ocupa lugar na pauta dos fóruns de debate internacional
sobre meio ambiente, pelo fato de se reconhecer a importância dos conhecimentos
tradicionais, anteriormente pouco reconhecido pela sociedade e por cientistas, e que podem
encurtar os caminhos dos avanços científicos e tecnológicos, principalmente na produção de
medicamentos, com fins lucrativos. Acerca disto, Maia (2007) esclarece que o uso do
conhecimento tradicional em atividades de bioprospecção contribuem na descoberta das
propriedades medicinais de plantas e ervas e aumentam a eficácia em mais de 400% nas áreas
de pesquisa.
Neste contexto, não apenas os recursos naturais da Amazônia passam a ser alvo de
pesquisas industriais para comercialização de medicamentos, mas, também os povos
tradicionais e seus conhecimentos são acessados a fim de identificar princípios ativos
relevantes para produção de produtos com valor comercial. Para Santilli (2004) esses
conhecimentos ultrapassam o âmbito socioeconômico e permeiam a esfera cultural das
representações simbólicas.
Desta forma, a preocupação em torno da proteção da biodiversidade e dos
conhecimentos tradicionais passa a ser discutida por diversas organizações mundiais em
19
conferencias e encontros internacionais. Neste estudo, tomar-se-á como referencia a
Convenção de Diversidade Biológica – CDB, avaliado como um dos acordos internacionais
mais relevantes no âmbito socioambiental e desenvolvimento sustentável para o planeta, o
qual dispõe sobre os direitos relativos ao acesso a componente do patrimônio genético, acesso
ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético, repartição justa de benefícios
e acesso e transferência de tecnologia (RODRIGUES, 2015).
Pesquisas desenvolvidas em comunidades tradicionais não indígenas no Amazonas
apontam que estas desenvolveram, socialmente e historicamente, mecanismos de proteção dos
conhecimentos e recursos naturais de forma tradicional, enquanto os mecanismos jurídicos de
proteção não tem assegurado efetivamente o direito a propriedade intelectual e repartição
justa de benefícios em favor dos povos tradicionais, conforme assegura a CDB (1992).
Atualmente, o acesso ao território, aos povos tradicionais e ao conhecimento
associado ao uso da biodiversidade é regulamentado pela Lei nº 13.123/2015 que revogou a
Medida Provisória nº 2.186-16/2001 e dispõe sobre a Convenção de Diversidade Biológica.
Todavia, na atualidade, a lei brasileira de proteção à biodiversidade e ao conhecimento
tradicional traz alguns entraves no tocante a regulamentação do acesso ao conhecimento
tradicional, já que este não pode ser protegido pelo direito de propriedade intelectual através
da lei de patentes, por tratar-se de um conhecimento coletivo desenvolvido culturalmente e
historicamente pelos povos tradicionais.
Portanto, apresenta-se a necessidade de repensar os mecanismos que compõem
atualmente o sistema jurídico de proteção aos conhecimentos tradicionais a partir das
particularidades culturais dos povos na Amazônia, na tentativa de pensar subsídios para a
construção de um sistema sui generis que reconheça e assegure os direitos dos povos
tradicionais sobre os seus conhecimentos.
Diante deste cenário, este estudo se reveste de singular importância, porque apesar de
existir um número considerável de estudos e pesquisas acerca da proteção a diversidade
biológica e conhecimentos tradicionais, estes estudos não abarcam a realidade específica e
diversa da Amazônia. Dentre os estudos, a pesquisa em torno dos Conhecimentos
Tradicionais e Mecanismos de Proteção: um estudo de caso nas comunidades de Ebenézer e
Mucajá em Maués/AM,desenvolvido por Rodrigues (2009/2015), apresenta a identificação e
análise de praticas de uso e manejo de plantas medicinais nas comunidades ribeirinhas de
Maués e aponta para necessidade de reconhecimento dos mecanismos socioculturais de
proteção tradicional dos conhecimentos e recursos naturais construídos no contexto local.
20
Neste caso, conforme estudo supracitado, faz-se necessário pensar formas de
construção de mecanismos de proteção dos conhecimentos tradicionais adaptados a realidade
local. Desta forma, faz-se necessário salientar que, ainda são parcos, os estudos sobre esta
temática na região e a necessidade de realizar um estudo com base no avanço das legislações
ambientais e principalmente, para iluminar o cenário contemporâneo no âmbito do direito
ambiental frente a Lei 13.123 de 2015 que revoga a MP nº 2.186-16/2001 que dispõe sobre a
Convenção de Diversidade Biológica.
Considerando os principais elementos do cenário atual apresentados, estabelece-se
como questão norteadora deste estudo: quais as formas de proteção jurídica dos
conhecimentos tradicionais associados ao uso da biodiversidade, que podem aplicar-se e
atender, efetivamente, a proteção do conhecimento dos povos da Amazônia em suas
especificidades culturais?
De acordo com a delimitação temática abordada, este estudo assume como objetivo
geral, analisar as formas de proteção dos conhecimentos tradicionais presentes nas práticas
socioculturais no uso e manejo de plantas medicinais nas comunidades Santa Maria e Santo
Afonso em Caapiranga/AM. Os desdobramentos deste objetivo buscam: 1) Caracterizar as
práticas socioculturais desenvolvidas a partir do conhecimento tradicional sobre o uso e
manejo de plantas medicinais e 2) Analisar os mecanismos jurídicos de proteção aos
conhecimentos tradicionais das comunidades.
Para alcançar os objetivos propostos, a pesquisa foi desenvolvida em fases
articuladas entre si com base na técnica do estudo de caso, como uma ―inquirição empírica
que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a
fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de
evidencia são utilizadas‖ (YIN, 2001, p. 32).
Tendo em vista que este estudo foi desenvolvido em torno de um objeto de pesquisa
especifico da realidade em comunidades amazônicas, singular em suas particularidades, e
correlacionado ao contexto global em suas dimensões histórica, cultural, social e política,
assumiu como parâmetro conceitual de análise a teoria social, na qual o conhecimento teórico
se apresenta como o conhecimento do objeto como ele é real e efetivamente,
independentemente das aspirações do pesquisador, ou seja, a partir de uma análise dialética da
aparência do real, buscando sua essência, para além dos dados empíricos da pesquisa
(NETTO, 2011).
21
O estudo foi realizado sob uma perspectiva inovadora, a partir da qual compreende-
se que os povos tradicionais são protagonistas e detentores de conhecimentos tradicionais
associados as técnicas do pesquisador e que a sua participação é imprescindível para delinear
os conhecimentos tradicionais dos povos na região e formas de proteção jurídica com base em
um conjunto de princípios éticos que balizam a prática do pesquisador no Grupo
Interdisciplinar de Estudos Socioambientais e de Desenvolvimento de Tecnologias Sociais na
Amazônia – Grupo Inter-Ação, Diretório 5.0 do CNPq, do qual faço parte como
pesquisadora.
O Grupo Inter-Ação tem desenvolvido, desde 2012, estudos sobre a questão
socioambiental, organização sociopolítica e trabalho dos povos tradicionais nas Comunidades
nas quais foram desenvolvidas as atividades de pesquisa, o que tem contribuído na formação
de um banco de dados acerca das comunidades no município de Caapiranga/AM e a obtenção
de conhecimentos científicos sobre a realidade estudada, e que poderão contribuir na
formulação de politicas publicas especificas que atendam as demandas locais. Sob essa
perspectiva de análise, faz-se necessário esclarecer que este estudo foi constituído a partir de
um conjunto de ações de pesquisa e extensão.
Esta proposta de pesquisa está vinculada aos estudos que estão sendo realizados pelo
Grupo Inter-Ação, constitui-se enquanto subprojeto da pesquisa intitulado Montagem da
paisagem do conhecimento: uma estratégia de resgate, valorização e proteção de
conhecimentos de ervas e plantas medicinais em comunidades tradicionais na Amazônia, que
conta com aporte financeiro do CNPq (Edital 025/2015) e se propôs realizar mapeamento de
conhecimentos tradicionais de ervas e plantas medicinais, com utilização de metodologia
participativa em comunidades ribeirinhas na Amazônia, constituindo montagem da Paisagem
do Conhecimento Tradicional Local com povos distintos e comunidades tradicionais
amazônicas não indígenas.
Para fins didáticos de exposição dessa abordagem, este trabalho está divido em
quatro capítulos, estes estão ordenados do seguinte modo:
No primeiro capítulo se realiza uma reflexão sobre os mecanismos jurídicos de
proteção ao conhecimento tradicional , apresentando inicialmente o cenário atual em que
emerge a temática da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais seguida da discussão
sobre os principais mecanismos e estratégias legais de proteção a sócio-biodiversidade e as
disparidades entre a propriedade intelectual e os princípios e objetivos previstos na Lei
13.123/2015.
22
No segundo capítulo se apresenta o debate acerca das praticas socioculturais no uso e
manejo de plantas medicinais no contexto rural amazônico, destacando os ciclos econômicos
da Amazônia, a cultura local marcada pelos conhecimentos tradicionais e a caracterização do
locus da pesquisa.
No terceiro capítulo expõe-se os resultados da análise acerca dos mecanismos
socioculturais de proteção dos conhecimentos tradicionais nas comunidades Santa Maria e
Santo Afonso em Caapiranga/Am. Neste capítulo se apresenta: 1) Organização sociocultural
nas Comunidades de Santa Maria e Santo Afonso, 2) Saberes e práticas em Comunidades
ribeirinhas da Amazônia: mapa dos conhecimentos e plantas medicinais e 3) Estratégia local
de proteção ao conhecimento tradicional. Por fim, as considerações finais deste estudo,
destacando propostas de mecanismos jurídicos específicos para região amazônica.
23
CAPÍTULO 1
MECANISMOS JURIDICOS DE PROTEÇÃO AO CONHECIMENTO
TRADICIONAL NA AMAZÔNIA
É necessário avançar no reconhecimento, aos povos indígenas, quilombolas, e
populações tradicionais, de direitos sobre o seu patrimônio intangível - que inclui a
imagem coletiva, as obras, as criações coletivas, e os conhecimentos, inovações e
práticas coletivamente produzidos sobre as propriedades, usos e características da
diversidade biológica, referenciadores de sua identidade coletiva. (SANTILLI, 2005,
p.249)
Os debates acerca dos mecanismos de proteção ao conhecimento tradicional
envolvem a discussão atual sobre a biodiversidade, temática presente no contexto dos estudos
acerca das relações entre homem e natureza, além de aspectos jurídicos que tem se constituído
no cenário nacional e internacional a partir das formas de garantir o direito dos povos
tradicionais detentores de conhecimentos sobre o uso e manejo do patrimônio genético.
Faz-se necessário compreender que esta temática não está desconectada do contexto
global e local, uma vez que emerge no seio das discussões sobre o avanço da tríade ciência,
inovação e tecnologia a partir do reconhecimento da importância do conhecimento tradicional
para as descobertas na área da biotecnologia. Neste sentido, estuda-se a relação entre o uso da
biodiversidade e o acesso aos conhecimentos tradicionais no debate contemporâneo no
contexto da globalização da economia.
Assim, neste primeiro capitulo também será abordado os mecanismos jurídicos de
proteção ao conhecimento tradicional a partir da Lei 13.123/2015 frente a realidade dos
marcos legais de propriedade intelectual, bem como as regulamentações legais de acesso aos
conhecimentos tradicionais associados referente ao consentimento prévio autorizado, a
anuência e a repartição justa de benefícios oriundos da comercialização de bioprodutos.
Prossegue apresentando a constituição sócio-histórica dos conhecimentos
tradicionais na Amazônia, com o objetivo de compreender o cenário que envolve a efetivação
do direito dos povos tradicionais na Amazônia e traçar os desafios e possibilidades que
caminhem na direção da valorização das práticas socioculturais e dos direitos socioambientais
na região.
1.1. Biodiversidade e conhecimento tradicional no debate contemporâneo.
No contexto atual, século XXI, a biodiversidade e o conhecimento tradicional têm
assumido centralidade nas discussões que envolvem a globalização e o avanço da tecnologia,
24
por se constituírem em elementos fundamentais para a criação/invenção de novos produtos
que satisfaçam necessidades humanas e que possam ser comercializados. Com isso, faz-se
necessário compreender que essa temática surge no cenário da problemática socioambiental,
década de 1970.
Partindo desse entendimento, os problemas socioambientais materializam-se na
degradação do meio ambiente presente em, praticamente, todo o mundo através da
contaminação do solo ou dos rios, mares e oceanos por meio dos resíduos sólidos. Tal
degradação ocasiona também a baixa qualidade de vida do homem, uma vez que atinge a
operacionalização do acesso a bens e serviços sociais como água, saúde, energia, saneamento
básico. (ROCHA, 2016).
Todos os esforços sociais e políticos em solucionar esta problemática culminaram na
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, em
1972, da qual resultou a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente –
PNUMA, em 1973, que representou um grande marco no tocante a educação ambiental por
expressar a preocupação em torno da sensibilização acerca da questão ambiental através de
uma educação baseada em princípios éticos com a natureza. (NOGUEIRA E CHAVES,
2006).
Para Nogueira e Chaves (2006), a partir desta conferencia a questão ambiental
conquistou um fórum político e muitos outros encontros, programas e importantes
documentos foram discutidos e assinados globalmente, conforme o quadro a seguir.
Quadro 1 - Principais Fóruns de discussão sobre sustentabilidade
Ano Local Evento Resultados
1972 Estocolmo Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente Humano
Definição dos limites da Racionalidade
Econômica e seus Desafios.
1973 Genebra Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente (Pnuma)
Definição de Ecodesenvolvimento.
1974 México Declaração de Cocoyoc Ecodesenvolvimento relacionando sociedade
e natureza
1987 Informe Bundtland Conceito de Desenvolvimento Sustentável
1992 Rio de
Janeiro
Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente e Desenvolvimento
Assinatura da Convenção de Diversidade
Biológica
Legitimação, Oficialização e difusão do
discurso de Desenvolvimento Sustentável
(DS)
Fonte: Costa(2017), Adaptado de Leff (2009)
É a partir da Conferência em Estocolmo (1972) que a discussão ambiental passa a
unir esforços para a construção de uma nova racionalidade com base numa forma de
desenvolvimento ecologicamente viável que busca as formas de controle e prevenção do
25
esgotamento dos recursos naturais. Com isso, Nogueira e Chaves (2006) explicam que surge o
paradigma da sustentabilidade do desenvolvimento e com ele conceitos com diferenças ideo-
politicas marcantes, assim, ―o principio da sustentabilidade emerge num contexto da
globalização econômica, como uma nova visão no processo civilizatório da humanidade‖,
conforme assinala Leff (2009, p. 206).
Diante disso, o primeiro conceito criado foi o de ecodesenvolvimento, em 1973,
amplamente difundido por Maurice Strong, questionava as bases do desenvolvimento pautado
no planejamento econômico tradicional e sugeria uma mudança que buscava importar a
racionalidade ecológica das áreas rurais dos países em desenvolvimento. (NOGUEIRA e
CHAVES, 2006). Sachs (1981) explica que essa proposta trata-se de um "desenvolvimento
endógeno e dependente de suas próprias forças, tendo por objetivo responder a problemática
da harmonização dos objetivos sociais e econômicos do desenvolvimento com uma gestão
ecologicamente prudente dos recursos e do meio".
É necessário destacar que, o conceito de ecodesenvolvimento foi ampliado por Sachs
(1981) e passou a considerar questões politicas, sociais, econômicas, ecológicas e culturais
que envolvem esse novo modelo de racionalidade ambiental. Entretanto, em 1987, houve
outro importante documento no âmbito dos debates ambientais, o Relatório de Brundtland,
cujos resultados foram publicados mundialmente no livro ―Nosso Futuro Comum‖ no qual foi
apresentada uma nova proposta a partir do paradigma da sustentabilidade, o conceito de
desenvolvimento sustentável, definido como ―o processo que permite satisfazer as
necessidades da população atual sem comprometer a capacidade de atender as gerações
futuras‖ (LEFF, 2009, p.210).
Para Leff (2009), essa nova proposta de desenvolvimento não é outra coisa senão
uma estratégia de apropriação dos recursos naturais dos países subdesenvolvidos, no contexto
da globalização econômica, na tentativa de burlar os limites postos pelo paradigma da
sustentabilidade na tentativa de preterir o crescimento econômico e a continuidade do uso dos
recursos, sem que haja mudanças reais na forma de uso e manejo da biodiversidade.
Faz-se necessário frisar que, este é o cenário que antecede a Conferencia das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento solenizada em 1992, no Rio de Janeiro,
que resultou na elaboração da Agenda XXI e na assinatura da Convenção de Diversidade
Biológica, que representam marcos iniciais no debate que envolve a biodiversidade e os
conhecimentos tradicionais, a partir da ótica de Rodrigues (2015).
26
Desta forma, a construção do conceito de biodiversidade ou diversidade biológica
tem sua trajetória atrelada a emergência de repensar as formas de apropriação dos recursos
naturais pelo homem, que com o processo de globalização do modo de produção capitalista
tornou evidente a degradação e escassez de recursos no cenário mundial. (RODRIGUES,
2015; ROCHA, 2016). É a partir da Convenção de Diversidade Biológica (1992) que o
conceito de biodiversidade é definido (art. 2º), como, ―a variedade de organismos vivos de
todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros
ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda
a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas‖.
A constituição desse conceito difundido e popularizado com a assinatura da
Convenção de Diversidade Biológica deu-se a partir do pensamento de vários autores desde
1980 com a realização do Fórum Nacional de Biodiversidade em Washington. Para Diegues
(2000), este conceito não está atrelado apenas ao âmbito natural e biológico, mas também,
social e cultural. Trata-se, portanto, de um conceito histórico que envolve um contexto amplo
da relação do homem com a natureza demarcada pela cultura.
Partindo desse entendimento, faz-se necessário esclarecer que a CDB (1992) está
articulada a partir de alguns princípios fundamentais, a saber: 1) Conservação da
Biodiversidade, 2)Uso sustentável dos seus recursos genéticos e 3) A repartição equitativa de
benefícios decorrentes da utilização desses recursos genéticos. Acerca disso, Nogueira (2015)
chama atenção para o fato de que a Convenção não alcança, apenas, os objetivos de
conservação, mas também as legislações que envolvem a regulamentação de atividades
biotecnológicas1.
Dessa forma, o acesso a biodiversidade no contexto do avanço da ciencia e da
tecnologia torna-se uma questão geopolitica2, na qual há uma disputa no tocante ao acesso aos
recursos genéticos3 e aos conhecimentos tradicionais, uma vez que os produtos criados e
1 Atividades de pesquisa cientifica e tecnológica que possibilitam a manipulação genética do DNA,
Potencializando o uso e as aplicações das informações genéticas. Desta forma, o desenvolvimento da tecnologia
amplia os interesses industriai ligados ao uso econômico da biodiversidade. (NOGUEIRA, 2015; ALBAGLI,
2003) 2 Refere-se ao fato de que a questão da biodiversidade está para além da questão ecológica, é também questão
geopolítica, geoeconômica e geocultural por ser objeto de estratégias e conflitos que incidem sobre o território,
não apenas em sua dimensão concreta e física, mas também no campo das relações sociais. (ALBAGLI, 2003) 3 Recursos genéticos significam material genético de valor real ou potencial. (CDB, 1992, art. 2º)
27
desenvolvidos pela biotecnologia são resultados de recursos biológicos4. (ALBAGLI, 2003;
NOGUEIRA, 2015).
Com isso, a biodiversidade passa a ser vista com grande potencial para uso e
aplicaçoes industriais a partir de seus recursos genéticos, acredita-se que as grandes
descobertas nesta área provém do acesso e apropriação, não somente de recursos genéticos,
mas tambem de recursos biológicos, no caso de uma base de saberes e conhecimentos
desenvolvidos pelos povos tradicionais ( indígenas e/ou não indígenas) acerca da fauna e da
flora na região em que vivem.
Diante desse cenário, muitos autores (ALBAGLI, 2003; SANTILLI, 2004;
PLATIAU E VARELLA, 2004; NOGUEIRA, 2015; RODRIGUES, 2015) reconhecem que as
informações acerca da biodiversidade presente nas práticas e no conhecimento dos povos
tradicionais assumem grande relevancia para as pesquisas biotecnológicas por atuarem como
―um atalho‖ que encurta o caminho das atividades de bioprospecção5.
A CDB representa um marco no reconhecimento e na valorização dos conhecimentos
tradicionais por assegurar o direito soberano dos Estados sobre os seus próprios recursos
biológicos, impedindo a sua apropriação por terceiros. Todavia, este novo paradigma
compreende a existência de muitos interesses e conflitos na relação entre os que detém
tecnologias e pesquisas avançadas e que requerem o acesso a biodiversidade e ao
conhecimento tradicional presentes nos países subdesenvolvidos. Para Albagli ( 2003, p.5),
não se trata simplesmente da dicotomia entre os ―mais‖ e os ―menos‖ desenvolvidos;
os ―avançados‖ e os ―atrasados‖ ou ―tardios‖. Trata-se de uma dinâmica muito mais
perversa, em que o rápido subordina o lento; o moderno e o hegemônico
reconhecem, apropriam-se e capitalizam para si o que há de mais dinâmico no
chamado tradicional.
Diante disso, os povos tradicionais passam a ser alvo das pesquisas nesta área por
desenvolverem, durante séculos, uma rede de conhecimentos, saberes e técnicas sobre a
diversidade de espécies existentes no território que habitam, repassados através da oralidade,
resguardando principios de conservação ambiental e de uso sustentável dos recursos, a ser
tratado no tópico 1.3 deste capítulo.
4 Recursos Biológicos são recursos genéticos, organismos ou partes destes, populações, ou qualquer outro
componente biótico de ecossistemas, de real ou potencial utilidade ou valor para a humanidade (CDB, 1992, art.
2º) 5 ―Bioprospecção tem sido definida de várias formas, pois se trata de um tópico abrangente e dependendo da
área do conhecimento que se aproprie do termo é conceituada de uma forma. No entanto, de um modo geral
passa pela ideia de busca por compostos orgânicos em microrganismos, plantas e animais que sejam úteis para a
humanidade. Não raramente, para realizá-la , os pesquisadores voltam suas atenções para ambientes peculiares,
onde uma adaptação extrema de sua biota é esperada, como desertos, fontes termais, florestas, águas ou solos
contaminados ou com características singulares como alcalinidade ou acidez, entre outros.‖ ( FILHO, SILVA E
BIGI, 2014, p. 48)
28
Acerca deste conhecimento, Diegues (2004) reconhece que o conhecimento dos
povos tradicionais abrange a criação de animais, cultivo, colheita de especies alimenticias e
também a manipulação de plantas e ervas com propriedades medicinais. Este último subsidia
a descoberta e comercialização de inúmeros produtos farmaceuticos num mercado que move,
em torno de bilhões de dólares anuais, todavia uma parcela minima desse valor retorna as
comunidades (ALBAGLI, 2003).
Albagli (2003) explica que é cada vez mais frequente o patenteamento de produtos
com fins medicinais, pelo setor industrial impedindo a sua utilização livre pela sociedade e,
também, pelas comunidades tradicionais, nas quais foram gerados os conhecimentos por meio
dos quais foram criados.
Partindo desse entendimento, surgem multiplas discussões acerca do direito dos
povos tradicionais sobre os conhecimentos gerados num contexto de resistência dos mesmo
em permanecer em seu território, no qual desenvolveram um relacionamento de simbiose com
a natureza. Essas discussões, caminham em, basicamente, duas direções: 1) O conhecimento
tradicional deve ser protegido por meio do regime de direito a propriedade intelectual vigente
( Lei de Patentes), 2) Considera o caráter coletivo da produção do conhecimento tradicional,
recusando a sua proteção por meio da propriedade intelectual pautada numa concepcao
individualista e restrita a fins comerciais ( proposta de um sistema sui generis de proteção),
conforme assinala Albagli (2003).
Diante disso, o tópico a seguir apresenta o atual sistema de proteção por meio da
propriedade intelectual frente as demandas da Convencao de Diversidade Biológica, além de
abordar questões que envolvem as discussões acerca da lei de patentes e a proposta de
proteção dos conhecimentos tradicionais através de um regime sui generis.
1.2. Mecanismos jurídicos e estratégias de proteção ao conhecimento
tradicional associado à biodiversidade.
O reconhecimento dos conhecimentos tradicionais envolve, principalmente, o direito
de propriedade intelectual dos povos detentores deste conhecimento, e tem suas bases
atreladas a construção de mecanismos (CDB) que buscam aplacar as consequências das
assimetrias econômicas, sociais e politicas existentes entre os países desenvolvidos e
subdesenvolvidos (NOGUEIRA, 2015), além de regulamentar o acesso aos recursos
genéticos, contratos e comercialização. Diante disso, têm-se alguns marcos históricos acerca
29
deste tema que incidem diretamente na eficiência e na real efetivação dos direitos de
propriedade, conforme pode-se visualizar no quadro 2.
Quadro 2 - Marcos de Propriedade Intelectual.
Fonte: Sistematizado a partir de Rodrigues (2015)
O quadro 2 apresenta os principais marcos existentes acerca do direito de
propriedade intelectual, neste contexto a Convenção da União de Paris, 1883, aparece como
marco inicial, por ser a primeira a estabelecer a união internacional para a proteção da
propriedade industrial através de patentes, modelos de utilidade, desenhos industriais, nomes
comerciais e marcas. Em seguida houve a Convenção de Berna, em 1886 com o
estabelecimento das regras gerais sobre direitos autorais para proteção das obras literárias e
artísticas.
Em 1947, foi criado o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), Acordo
Geral de Tarifas e Comércios, baseado na ideologia de livre comércio, que assumiu o objetivo
de conciliar as políticas aduaneiras dos Estados Signatários, impulsionando a liberalização
comercial e combate as práticas protecionistas. Trata-se de uma resposta frente ao fracasso na
tentativa de criação da Organização Internacional do comercio (OIT), que mais tarde tornou-
se Organização Mundial do Comércio (OMC).
Após a criação do GATT, ocorreram vários outros encontros e acordos para
regulamentar o comércio internacional, chamados de ―rodadas‖, dentre as principais destaca-
30
se a ―Rodada Uruguai‖ conhecida por discutir com afinco a liberalização do mercado
agrícola, esta rodada também foi responsável por fundar a OMC e firmar o Acordo TRIPS
(Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), Acordo sobre
Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio.
O Acordo TRIPS, é o documento internacional que regulamenta, atualmente, o
direito de propriedade intelectual no Brasil e busca contribuir de forma significativa com a
inovação tecnológica, transferência e difusão de tecnologia, em favor dos seus produtores e
criadores que garanta bem-estar social e econômico, através da promoção e efetivação dos
direitos de propriedade. Neste cenário, cada invenção, criação ou produção imaterial é
reconhecida e protegida legalmente conferindo aos seus produtores e criadores o seu registro
através do Sistema de Patentes, conforme a ótica de Rocha (2009).
A patente seria um registro de propriedade outorgado ao criador, inventor e/ou autor
de determinada ideia ou criação por tempo determinado que lhe garante o direito de impedir
que outras pessoas ( física e/ou jurídica) usem, modifiquem, vendam ou importem um produto
ou processo sem o seu consentimento prévio. Desta forma, há alguns tipos de patentes, a
saber: 1) Patente de Invenção, 2) Patente de Modelo de Utilidade e 3) Certificado de Adição
de invenção.
A patente de invenção estabelece requisitos como atividade inventiva, novidade e
aplicação industrial, enquanto a patente de modelo de utilidade requer a aplicação industrial e
deve envolver ato inventivo que melhore a sua fabricação ou uso. O Certificado de Adição de
Invenção trata-se do melhoramento da técnica ou da criação e/ou invenção de determinado
produto ou processo.
Na esteira deste pensamento, o Sistema de Patentes brasileiro tem sido
operacionalizado pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – INPI, no qual são
solicitados os pedidos de patente, através do e-inpi, seguindo alguns requisitos para efetuar o
pedido de patente, conforme se pode visualizar no quadro 3.
31
Quadro 3- Etapas do pedido de patente
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do INPI
Na análise critica acerca do Acordo TRIPS e do atual sistema de patentes no Brasil
chama-se atenção para a forma como tais documentos e legislações podem proteger (ou não)
os conhecimentos tradicionais na Amazônia, uma vez que estes atendem aos requisitos da
Patente de Invenção, pois atendem aos requisitos de atividade inventiva, novidade e
aplicabilidade industrial. Acerca disto, é necessário dizer que os países desenvolvidos no
estabelecimento de tais acordos comerciais não reconhecem tal direito conferido aos povos
tradicionais sobre o seu conhecimento, mas, sim as ideias individuais desenvolvidas por
estudioso através da ciência ocidental.
Partindo deste entendimento, Santilli (2004) explica que não é possível proteger os
conhecimentos tradicionais através deste sistema, uma vez que as formas legais do sistema
patentário reconhecem inovações individuais e não consideram as especificidades locais e
culturais, sob as quais são produzidos o conhecimento, através da experiência coletiva e da
transmissão oral entre as gerações.
Com isso, torna-se inviável e ineficaz as tentativas de proteção do conhecimento
tradicional através da Lei de Patentes. Da mesma forma, a Lei de Propriedade Intelectual,
quando analisada sob a luz da realidade cultural dos povos tradicionais na Amazônia revela
32
uma dissonância, a medida em que, os conhecimentos produzidos por esses povos são
pautados na produção coletiva e compartilhada, e a ideia de propriedade é alheia e contraria
aos princípios que embasam a vida comunitária (SANTILLI, 2004).
No tocante a esse caráter individualista do conceito de propriedade, previsto na
legislação, frente a especificidade cultural dos povos tradicionais na Amazônia, Rodrigues
(2015) revela que, mesmo após o reconhecimento da importância do patrimônio cultural
imaterial, ainda não há leis que atendam eficaz e efetivamente o direito de propriedade dos
conhecimentos dos povos tradicionais, com base no conceito de direito coletivo, previsto na
Constituição Federal de 1988.
Portanto, as estratégias previstas na Convenção para estreitar a lacuna do poder
econômico entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos são o consentimento prévio e a
repartição justa de benefícios gerados pelas atividades de bioprospecção, que abrangem, não
apenas o uso dos recursos naturais, mas, também o acesso e contato com as comunidades
tradicionais e seus conhecimentos sobre o uso da biodiversidade, conforme visualiza Santilli
(2004).
Este poder econômico, com o fenômeno da globalização, volta seus interesses, para o
Brasil e consequentemente para a Amazônia, ―que fantasiados de interesses regionais,
inventaram na ‗vocação extrativista‘ a justificativa para a ação predatória sobre as terras e as
populações amazônicas‖ (FREITAS, 2009, p.28). Ressalta-se que, no âmbito da economia
mundial, a Amazônia tem estado no centro dos interesses comerciais, pois, dissemina-se a
ideia do valor inestimável da biodiversidade amazônica, principalmente para o setor
farmacêutico, conforme a ótica de Nogueira (2015).
Seguindo este entendimento, a referida autora explica que nota-se a formação de um
mercado mundial voltado para inovações no âmbito biotecnológico6, sobretudo na
investigação de produtos para fins medicinais. É neste contexto, que o conhecimento
tradicional, especialmente sobre plantas medicinais, passa a ser cobiçado, pois poderá
encurtar o caminho das mais diversas pesquisas no âmbito farmacológico.
Este fato pode ser um dos motivos que explique a intenção dos governos na criação
de áreas de preservação, pelo fato de tornar-se mais fácil a negociação em áreas não habitadas
pelos povos tradicionais. Sobre isso, alguns autores (RODRIGUES, 2015; SANTILLI, 2004)
6 Técnicas que utilizam organismos vivos com objetivo de produzir ou modificar produtos, melhoramento de
plantas ou animais ou descobertas de microorganismos para determinados usos, conforme visualizam
Nogueira(2015), Albagli(2003), entre outros.
33
salientam que o uso e acesso aos conhecimentos tradicionais para fins medicinais é orientado
pela Convenção de Diversidade Biológica e prevê o ressarcimento econômico e transferência
tecnológica para as comunidades nas quais aquele conhecimento foi obtido.
Assim, a proteção deste conhecimento reveste-se de grande relevância social a nível
global, pois a continuação na produção dos conhecimentos tradicionais depende da
sobrevivência física dos povos nas áreas em que estabelecem relação com a natureza, de
acordo com Santilli (2004). Esta perspectiva de proteção tem incidido no contexto
internacional, onde são discutidas e pensadas em vários espaços e congressos acadêmicos-
científicos, das organizações não-governamentais (ONGs), da Organização Mundial de
Propriedade Intelectual (OMPI), representantes do poder público, lideres comunitários, dentre
outros.
Apesar de a CDB prever a proteção do conhecimento tradicional e repartição justa de
benefícios da comercialização de produtos baseados na sociobiodiversidade, no âmbito
internacional, o acordo TRIPS – Acordo sobre aspectos dos Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados ao Comércio, não considerou as formas de garantir o direito a
propriedade dos conhecimentos tradicionais, deixando a cargo dos países membros tais
definições, conforme discute Boff (2006).
Com isso, os acordos de prospecção da biodiversidade ficam sob a orientação de leis
nacionais, que costumam ser diferentes em cada país. No caso do Brasil, os primeiros
decretos7 que regulamentam as práticas de bioprospecção foram sancionadas antes da
assinatura da CDB e não reconhecem o direito de propriedade intelectual aos povos
tradicionais, neste contexto, Sant‘ana (2004) explica que todos os contratos de bioprospeccao
devem, observar uma legislação de pouca repercussão para harmonizar assimetrias entre
diferentes atores com interesses e vocações próprias, do ponto de vista de sua legalidade e
contratos.
Sobre isso, faz-se imprescindível ressaltar que o Estado brasileiro foi um dos
pioneiros nas negociações e acordos de proteção socioambiental e no direito a autonomia dos
Estados sobre seus recursos genéticos, entretanto, após a assinatura da CDB pouco contribuiu
para sua consolidação e desenvolvimento, com a criação de uma legislação especifica, é o que
revela Platiau e Varella (2004). Contudo, ainda houve a regulamentação do Inciso II do $1° e
o $4° do art. 225 da CF/88 e os arts. 1º e 8º, 15 e 16 da Convenção de Diversidade Biológica
através da Medida Provisória n° 2186-16 de 23 de agosto de 2001.
7 Decreto-lei nº 98.830/90, Portaria do Ministério da Ciência e Tecnologia n° 55/90,
34
Esta medida provisória representou um avanço na discussão sobre a proteção dos
conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade, pois regulamentou bens, direitos e
obrigações relativas ao acesso ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético
e a repartição justa de benefícios. Além disso prevê, no art.25, a divisão de lucros, pagamento
de royalties, entre outros benefícios resultantes da exploração econômico da biodiversidade.
Contudo, após a assinatura da Convenção de Diversidade Biológica, no Brasil foram
aprovadas medidas provisórias, decretos e leis que envolvem a biodiversidade, a diversidade
cultural, o conhecimento tradicional associado e o direito a propriedade intelectual, conforme
o quadro 4.
Quadro 4 - Marcos Legais de Proteção ao Patrimônio Genético Legislações Detalhamento Medida provisória n
o 2.186-16, de 23 de agosto de
2001.
Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, a
proteção e o acesso ao conhecimento tradicional
associado, a repartição de benefícios e o acesso à
tecnologia e transferência de tecnologia para sua
conservação e utilização, e dá outras providências.
Revogada pela Lei 13.123/2015
Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005. Estabelece normas de segurança e mecanismos de
fiscalização de atividades que envolvam organismos
geneticamente modificados – OGM e seus derivados,
cria o Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS,
reestrutura a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política
Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei
no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida
Provisória no 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os
arts. 5o, 6
o, 7
o, 8
o, 9
o, 10 e 16 da Lei n
o 10.814, de 15
de dezembro de 2003, e dá outras providências
Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento
Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015. Dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a
proteção e o acesso ao conhecimento tradicional
associado e sobre a repartição de benefícios para
conservação e uso sustentável da biodiversidade;
revoga a Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de
agosto de 2001; e dá outras providências.
Fonte: Elaborado pela autora com base nas legislações mencionadas, 2017.
Ressalta-se que, neste contexto, faz-se necessário a análise dos mecanismos jurídicos
de proteção que tem sido construído no Brasil, desde a ratificação da Convenção de
Diversidade Biológica a luz da realidade local das comunidades tracionais, sobretudo no uso
de plantas medicinais na Amazônia. Sem esta, a proteção da biodiversidade e dos
conhecimentos tradicionais a elas associados poderão permanecer no campo das discussões e
35
possibilidades, sem, de fato, alcançar uma titularidade coletiva dos conhecimentos, a partir da
lógica da identidade cultural dos povos da Amazônia.
Os estudos que envolvem a proteção do conhecimento tradicional traçam algumas
abordagens e possibilidades de uma proteção efetiva no âmbito do reconhecimento, da
valorização e do direito de propriedade aos seus titulares. Entretanto, como mencionado no
tópico anterior, o atual sistema que confere tais direitos não abrange a diversidade cultural
desses povos e a forma como produzem e tranferem seus conhecimentos baseados em
princípios de coletividade e transmissão oral intergeracional.
Sugere-se uma análise da legislação vigente para a proteção dos CTA no Brasil, e a
partir disso uma discussão sobre seus entraves na operacionalização e efetiva viabilização dos
direitos dos povos tradicionais sobre os seus conhecimentos associados ao uso da
biodiversidade dotados de aplicabilidade comercial, sobretudo na produção de mercadoriais
com fins medicinais.
Na esteira deste pensamento, a lei nº 13.123/2015, conhecida como lei da
biodiversidade, tem sido a responsável por regulamentar a CDB no território nacional, o
acesso ao patrimonio genético e ao conhecimento tradicional associado, entretanto antes da
aprovação da mesma, houve algumas medidas que contribuiram para o avanço dos marcos
legais de proteção do conhecimento, conforme o quadro 5.
Quadro 5: Evolucao dos Marcos voltados a Inovação e a Proteção do Conhecimento Tradicional Associado
Fonte: Consulta Publica ao CGEN, 2007.
36
Desde a Medida Provisória 2.186-16 aprovada em 2015 até a sua revogação com a
Lei 15.123/2015 alguns aspectos mudaram ou foram acrescidos a legislação atual, todavia,
ainda são muitas as disparidades entre a lei e a realidade local, o que dificulta a eficiência e
eficácia de tal legislação. Para Fonseca (2015), o tema do acesso e do uso a biodiversidade é
polêmico e complexo porque além de estar relacionado às ciências sociais e naturais que
discutem a relação homem e natureza, também está entrelaçado ao tema dos conhecimento
tradicionais associados que assumem aspectos jurídicos, políticos e ideológicos.
Neste sentido, a Lei da Biodiversidade é considerada um marco na legislação brasileira
no ambito do direito dos povos tradicionais por regulamentar acerca dos bens, serviços e
deveres relacionados 1) ao acesso ao patrimônio genético do País, 2) ao conhecimento
tradicional associado ao patrimônio genético, 3) ao acesso à tecnologia e à transferência de
tecnologia para a conservação e a utilização da diversidade biológica; 4) à exploração
econômica de produto acabado ou material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio
genético ou ao conhecimento tradicional associado; 5) à repartição justa e equitativa dos
benefícios derivados da exploração econômica de tais produtos, (art. 1º) dentre outras
providências.
O inciso I do art 1º detalha alguns aspectos relacionados ao acesso ao patrimônio
genético, que é conceituado juridicamente como ―toda informação de origem genética de
espécies vegetais, animais, microbianas ou espécies de outra natureza, incluindo substâncias
oriundas do metabolismo destes seres vivos‖ (art 2º, inciso I), mesmo que encontrado em
condições de in situ, quando estes recursos genéticos existem em ecossistemas e habitats
naturais , ou ex situ, quando compõem amostras de componente do patrimônio genético fora
de seu habitat natural (HERMITTE, 2004).
Com base no inciso supracitado, faz-se necessário esclarecer que a CDB confere aos
Estados Nacionais, o titulo do direito de permitir esse acesso ao patrimônio genético, além de
regulamentar as trocas que se apresentem favoráveis, sustentáveis e saudáveis ao meio
ambiente, conforme citado no artigo 15 da CDB. No Brasil, o acesso a tais recursos devem ser
solicitado mediante cadastro, autorização ou notificação, e ainda serão submetidos a
fiscalização, restrições e repartição de benefícios junto ao Conselho de Gestão do Patrimônio
Genético, CGEN, por meio do Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do
Conhecimento Tradicional Associado - SisGen, previsto no artigo 20 do Decreto nº 8.772, de
11 de maio de 2016, atendendo aos critérios e condições relacionadas no quadro 6.
37
Quadro 6 - Fluxograma de Pedido de acesso ao Patrimônio Genético e CTA
F
Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados do CGEN
Outro acesso regulamentado pela lei em questão é o acesso ao conhecimento
tradicional associado (inciso II, art 1º), definido, nas formas da lei, como ―toda informação ou
prática de população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional sobre as
propriedades ou usos diretos ou indiretos associada ao patrimônio genético‖( art 2º, inciso II).
O referido acesso é também autorizado por meio do CGEN, mas, está condicionado a
obtenção do consentimento previo informado dos povos tradicionais.
Acerca disto, Fonseca (2015) esclarece que, enquanto a CDB traz em seu texto o
termo Consentimento Prévio Fundamentado (CPF), a legislacao brasileira utiliza o termo
Consentimento Previo Informado (CPI) e isso traz inúmeras implicações, já que a doutrina
jurídica avalia-os como diferentes na sua aplicação. Para o autor, isso gera algumas
38
controvérsias e dificuldades na interpretação e, consequentemente, na aplicação da lei. Neste
sentido, Kishi (2004) esclarece que a doutrina reconhece que o ―informado‖ refere-se ao fato
de a comunidade ser necessariamente informada quanto aos riscos e beneficios oriundos do
acesso, entretanto ―o fundamentado‖ subentende que a comunidade já foi devidamente
informada e por isso capaz de emitir um consentimento prévio justificado ( CPJ).
Desta forma, outro aspecto no tocante ao inciso II, do artigo 1º seria a própria
relevancia conferida aos conhecimentos tradicionais associados, que historicamente,
estiveram a margem da sociedade frente ao conhecimento científico, mas, que na
contemporaneidade vem assumindo um lugar primordial no cenário de avanço da inovação e
tecnologia, por ter sua importancia reconhecida na CDB a partir da compreensao de que o seu
conhecimento, suas práticas e inovações tradicionais são fundamentais no processo de
conservação e utilização sustentável da diversidade biologica (art 8, alinea ―j‖). ( FONSECA,
2015)
A partir deste entendimento, a lei ( 13. 123/2015) também dispõe sobre o acesso e a
transferência de tecnologias que contribuam para a conservação da biodiversidade,
compreendendo que essa tecnologia inclui biotecnologia e que também seja favorável ao meio
ambiente e vete práticas nocivas a biodiversidade, acerca disto, faz-se necessario ressaltar a
transferência de tecnologias à paises em desenvolvimento ―em condições justas e favoraveis‖,
conforme o texto da CDB.
As condições justas e favoráreis remetem, principalmente, a questão da repartição
justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração econômica de produto acabado ou
material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento
tradicional associado. Neste sentido, Dutfield (2004) explica que um dos critérios da CDB
mais discutidos em fóruns internacionais é o de repartição de benefícios e que a inserção do
mesmo no texto da Convenção tornou o processo de aprovação longo e contencioso, pela
dificuldade em conciliar os interesses dos países economicamente pobres e biologicamente
ricos com os países economicamente ricos e biologicamente pobres.
Se por um lado, os países em desenvolvimento possuem a tutela de grande parte dos
recursos biológicos do mundo, por outro lado não detém recursos financeiros que subsidiem
pesquisas e tecnologias de ponta para biotecnologia, com isso tais países manifestaram-se na
imposição de critérios de repartição justa e transferência de tecnologia para conservação. Com
o intuito de discutir tal questão, em 2002, foi fundado o Grupo dos Países Megadiversos,
39
composto por 17 países8 detentores, de aproximadamente, 70% da diversidade biológica
mundial, que tivesse força majoritária dos mesmos, entretanto as diretrizes levantadas por este
grupo são encaminhadas a fóruns internacionais em que a decisão pertence, em maior
proporção, aos países desenvolvidos, conforme explica Fonseca (2015).
O Brasil assume o topo do ranking de países Megadiversos, como o maior detentor
de recursos biológicos do mundo e como líder dos países Megadiversos defendeu a aprovação
de itens prioritários durante a 10ª Conferência das Partes (COP-10), a saber: 1) a criação de
um regime internacional de acesso e repartição de benefícios derivados do uso dos recursos
genéticos, decisivo no combate à biopirataria; 2) o novo plano estratégico global da CDB para
os próximos dez anos - que vai definir novas metas globais de proteção e preservação da
biodiversidade até 2020; e 3)os recursos financeiros para investimentos em projetos ligados à
biodiversidade, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente.
Neste sentido, o Brasil reuniu esforços para aprovar o Protocolo de Nagoya, durante
a COP-10, que é um acordo internacional de repartição justa e equitativa dos benefícios
decorrentes do acesso a recursos genéticos. Ao fim da COP-10, em 2010, 100 países
assinaram o protocolo, dentre eles o Brasil, como país signatário, mas, até o fechamento deste
estudo não ratificou o acordo no território nacional, não participando efetivamente desse
tratado.
No que se refere ao Protocolo de Nagoya, Lima (2007) explica que para que seja
efetivado no Brasil, o Protocolo deverá seguir por três fases, conforme sugere o texto
constitucional: 1) assinatura do acordo pelo Presidente da República, seguido de submissão
para referendo do Congresso Nacional; 2) Aprovação pelo Congresso Nacional e expedição
de decreto legislativo assinado pelo presidente do Senado Federal; 3) Promulgação do decreto
executivo pelo Presidente da República.
Diante deste cenário, muitas são as iniciativas mundiais em direção a implementação
das diretrizes previstas na CDB, entretanto sua real efetivação ainda caminha a parcos passos,
principalmente no Brasil. Partindo deste entendimento, é necessário destacar alguns países
que tem se destacado na aprovação de leis nacionais internas para uma real proteção e
regulamentação do acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado,
conforme pode-se avaliar no quadro 7.
8 Brasil, Colômbia, México, Venezuela, Equador, Peru, Estados Unidos, África do Sul, Madagascar, República
Democrática do Congo (ex-Zaire), Indonésia, China, Papua Nova Guiné, Índia, Malásia, Filipinas e Austrália.
40
Quadro 7- Iniciativas de Regulamentação de Acesso a Biodiversidade e aos CTA
Países Iniciativas de Regulamentação de Acesso a Biodiversidade e aos CTA
Peru Primeiro país a aprovar uma lei interna a partir de conceitos como 1) Conhecimento coletivo –
conhecimento acumulado e transgeracional desenvolvido pelos povos e comunidades
indígenas sobre as propriedades, usos e características da diversidade biológica; 2)
Consentimento informado prévio – autorização outorgada, dentro do marco do presente regime
de proteção, pela organização representativa dos povos indígenas possuidoras de um
conhecimento coletivo, em conformidade com as normas por eles reconhecidas, para a
realização de determinada atividade que implique acessar e utilizar tal conhecimento coletivo,
mediante prévia e suficiente informação sobre os propósitos, riscos e implicações de tal
atividade, incluindo os eventuais usos do conhecimento e, se for o caso, o valor do mesmo, 3)
Contrato de licença do uso dos conhecimentos coletivos – acordo expresso celebrado entre a
organização representativa dos povos indígenas possuidores de um conhecimento coletivo e
um terceiro que incorpora termos e condições para o uso do conhecimento coletivo
Venezuela Reconhece o caráter multiétnico, pluricultural e multilíngue do país, e garante e protege a
―propriedade intelectual coletiva‖ dos conhecimentos, Biodiversidade e conhecimentos
tradicionais associados no texto da Constituição de 1999. Proíbe ―o registro de patentes sobre
estes recursos e conhecimentos ancestrais‖. (art. 124), inibindo sua apropriação por terceiros.
Costa Rica Aprovou a sua ―Lei da Biodiversidade‖, com todo um capítulo dedicado ao que denomina
―proteção dos direitos de propriedade intelectual e industrial‖ (arts. 77 a 85). O capítulo
começa com o reconhecimento, pelo Estado, da ―existência e validade das formas de
conhecimento e inovação‖ e da ―necessidade de protegê-las, mediante o uso dos mecanismos
legais apropriados para cada caso específico
Bolívia A Decisão Andina 391 foi regulamentada pelo Decreto 24.676/ 97, que se aplica aos recursos
genéticos dos quais a Bolívia é o país de origem, seus derivados, seu componentes intangíveis
associados e aos recursos biológicos que por causas naturais se encontrem em território
boliviano. Em relação aos conhecimentos tradicionais, estabelece a realização de Contratos
Anexos, subscritos pelos provedores do componente intangível e o solicitante do acesso. O
Estado deve zelar pela ―legalidade das obrigações e direitos emergentes do Contrato Anexo
Equador Em setembro de 1996, o Equador aprovou uma pequena lei de proteção à biodiversidade, que
se limita a declarar que: ―O Estado equatoriano é o titular dos direitos de propriedade sobre as
espécies que integram a biodiversidade no país, que se consideram como bens nacionais e de
uso público. Sua exploração comercial se sujeitará à regulamentação especial que determinará
o Presidente da República, garantindo os direitos ancestrais das comunidades indígenas sobre
os conhecimentos e os componentes intangíveis da biodiversidade e dos recursos genéticos e o
controle sobre eles‖.
Colômbia A proposta colombiana estabelece dois regimes diferentes para a tramitação das solicitações de
acesso aos recursos genéticos: 1) regime especial de acesso, pelo qual tramitam as solicitações
e se definem as condições de acesso a recursos associados ao conhecimento tradicional. Este
regime está associado ao sistema sui generis de propriedade intelectual; 2) regime geral de
41
acesso, pelo qual tramitam as solicitações de acesso a recursos que não envolvam
conhecimento tradicional. Este regime está associado a sistemas individuais de propriedade
intelectual (patentes e direitos do obtentor vegetal).
Filipinas Foi um dos primeiros países em desenvolvimento a aprovar legislação interna visando
implementar a Convenção da Diversidade Biológica.
Índia Estabelece o projeto de lei que os benefícios pela utilização dos conhecimentos tradicionais
podem ser repassados diretamente à comunidade ou ao indivíduo, se são claramente
identificáveis. Caso não sejam identificáveis, os benefícios serão depositados no Fundo
Nacional de Biodiversidade. Um dos pontos mais polêmicos do projeto de lei indiano é
justamente o reconhecimento do conhecimento indígena e a distribuição de poder entre o
Estado e as comunidades.26 e 27
Malásia A proposta elaborada pelo Third World Network parte dos seguintes conceitos básicos: 1) as
comunidades locais e indígenas são os guardiões (em inglês, custodians) de suas inovações; 2)
devem ser proibidos quaisquer direitos de monopólio exclusivo sobre tais inovações, e
quaisquer transações que violem tal proibição são nulas e não produzem efeitos jurídicos; 3)o
livre intercâmbio e transmissão de conhecimentos entre comunidades, ao longo de gerações,
devem ser respeitados; 4) qualquer interessado em fazer uso comercial da inovação ou parte
dela deve obter o consentimento escrito da comunidade e pagar-lhe uma quantia que
represente uma percentagem mínima sobre os lucros gerados com a utilização do
conhecimento; 5) deve ser proibida a concessão de exclusividade da utilização comercial a
uma pessoa ou empresa; 6) inversão do ônus da prova em favor da comunidade que declare
pertencer a si aquele conhecimento, devendo a pessoa ou empresa que se utilizou do mesmo
provar o contrário.
Fonte: Elaborado pela autora, adaptado de Santilli (2003)
Diante de todas as iniciativas mundiais e do esforço jurídico, social, econômico e
politico de diferentes países, faz-se necessário reconhecer que o Brasil ainda pode avançar no
fortalecimento e na consolidação de um sistema jurídico de proteção do conhecimento
tradicional associado, que assegure a conservação da diversidade biológica e cultural, além de
garantir a repartição justa e equitativa de benefícios da exploração comercial de produtos
oriundos de tal acesso.
A preocupação em conferir proteção jurídica aos conhecimentos tradicionais
associados a biodiversidade, explica-se na apropriação indevida dos recursos biológicos de
determinado país com fins comerciais e posterior registro de patente, sendo materializada em
inúmeras denúncias de casos de biopirataria9. Na Amazônia, dentre os diversos casos
registrado, têm-se a copaíba (Copaifera sp) que tem seu uso tradicional relacionado ao
9 Ver site www.amazonlink.org, organização sem fins lucrativos que apresenta sistematicamente registros de
patentes oriundos da exploração econômica de produtos criados a partir do cupuaçu, acaí, copaíba, dentre outros
recursos amazônicos.
42
tratamento de inflamações e é reconhecido coletivamente entre os povos tradicionais por suas
propriedades anti-inflamatórias por gerações, mas, já foram registradas inúmeras patentes por
industrias internacionais incluindo-a, conforme o quadro 8.
Neste contexto, Santilli (2004) explica que não é possível proteger os conhecimentos
tradicionais a partir de um Sistema de Patentes, por este ser pautado em princípios que
divergem dos princípios norteadores da maior parte da produção dos CT pelos povos
tradicionais. No caso da Amazônia, o conhecimento tradicional associado tem suas bases
atreladas a princípios como a coletividade, a difusão e transmissão oral e a
transgeracionalidade.
Com isso, para a autora supracitada, seria necessário a construção de um sistema
jurídico de proteção sui generis, já que por um lado o sistema patentário permite que
empresas se apropriem de um conhecimento coletivo, mas que por outro não protege de
nenhuma forma o conhecimento tradicional associado. Na verdade, as tentativas da
Organização Mundial de Propriedade Intelectual- OMPI10
e do Instituto Nacional de
Propriedade Industrial - INPI em adaptar o sistema de patentes são ineficazes e acabam por
desconsiderar a realidade local e a diversidade cultural do lugar em que são construídos
historicamente tais conhecimentos. (SANTILLI, 2005).
Outro fator que dificulta a proteção através do direito de propriedade, destacado pela
autora (SANTILLI, 2005), seriam os requisitos de patenteabilidade, dentre ele o de aplicação
10
WIPO – Word Intellectual Property Organizacion
Registrado por Registrado
onde
Data de
publicação
Título Numero
TECHNICO-FLOR
(S.A.)* França 24/12/1993
NOUVELLES COMPOSITIONS COSMETÍQUES OU
ALIMENTAIRES RENFERMANT DU COPAIBA
(Novas composições cosméticas ou alimentares
incluindo Copaíba)
FR2692480
TECHNICO-FLOR
(S.A.)*
WIPO –
mundial 06/01/1994
COSMETIC OR FOOD COMPOSITIONS
CONTAINING COPAIBA
(Composições cosméticas ou alimentares incluindo
Copaíba)
WO9400105
EP0601160
AVEDA CORP* Estados
Unidos 30/03/1999
METHOD OF COLORING HAIR OR EYELASHES
WITH COMPOSITIONS WHICH CONTAIN METAL
CONTAINING PIGMENTS AND A COPAIBA
RESIN.
(Método de colorir cabelo ou pestanas com
composições com metal contendo pigmentas e resina de
Copaíba. )
US5888251
Fonte: Amazonlink.org (informação fornecida pela esp@cenet)
Quadro 8 - Patentes sobre a copaíba
43
industrial, pelo fato de os conhecimentos tradicionais nem sempre terem determinada
aplicação industrial direta, apesar de poderem subsidiar processos e produtos que a tenham.
Diante disso, Gomes (2013) traz para o debate a questão que envolve os conhecimentos
tradicionais como propriedade dos povos ou como patrimônio cultural da humanidade.
Neste aspecto Gomes (2013) concorda com Santilli (2013) de que o próprio conceito
de propriedade, como pertencente a um indivíduo ou a alguns indivíduos determinados é,
necessariamente, estreito e incapaz de mensurar a complexidade dos contextos culturais que
envolvem os conhecimentos tradicionais. Seguindo esta linha doutrinário, outros autores
reconhecem que os princípios do direito de propriedade intelectual seguem a logica capitalista
de produção, pautado no lucro e no individualismo e no distanciamento do uso social das
invenções e criações e por isso incapaz de conferir aos povos tradicionais os méritos
compartilhados de descobertas cientifico-tecnológicas.
A partir disso, um sistema sui generis de proteção ao conhecimento tradicional
associado estaria pautado em uma nova concepção do direito que contribuiria na formação de
uma nova ordem social, contra hegemônica, com bases no pluralismo jurídico e no
reconhecimento da titularidade coletiva dos CT pelos povos tradicionais na Amazônia.
(SANTILLI, 2005; PAULA, 2010). Para Santilli (2005), esse sistema deve conter alguns
elementos fundamentais em sua construção no ordenamento jurídico brasileiro, a saber:
1) Formulação de Políticas Públicas que assegurem e protejam os direitos
territoriais e culturais dos povos tradicionais, são essas politicas mais amplas que
podem, de fato, assegurar a continuidade da produção dos conhecimentos
tradicionais;
2) Proteção dos valores culturais, intelectuais e espirituais que envolvem o
conhecimento tradicional através de políticas públicas que reconhecem e tratem
de forma equitativa a ciência ocidental e o conhecimento tradicional, em sua
dinamicidade e não como algo antiquado e ultrapassado;
3) Ampliação de políticas públicas amplas de promoção e valorização do
conhecimento tradicional, e não na criação de um sistema jurídico pautado na
simples transformação do CT em mercadorias.
A partir dessa dimensão, reconhece-se que a Amazônia com sua diversidade
biológica e cultural pode encontrar nas formas da vida tradicional elementos para a proteção e
a valorização dos conhecimentos tradicionais, conferindo a titularidade coletiva pelos povos
tradicionais. Desta forma, o tópico a seguir apresentará a constituição sócio-historica dos
44
conhecimentos tradicionais na Amazônia, com o objetivo de mapear elementos específicos da
realidade local que possam subsidiar as propostas de proteção.
1.3. Constituição sócio-histórica dos conhecimentos tradicionais
associados na Amazônia
A abordagem teórica realizada neste tópico do estudo busca discutir a constituição
dos conhecimentos tradicionais dos povos da Amazônia, ressaltando a formação social das
comunidades locais a partir da análise e caracterização desse conhecimento no contexto
cultural em que é gerado. Esse enfoque se faz necessário para correlacionar os debates
teórico-conceituais com os dados da pesquisa de campo, por entender que muitos elementos
presentes nas práticas socioculturais de uso e manejo de plantas medicinais podem indicar
formas de proteção e valorização do conhecimento tradicional associado na região.
O conhecimento tradicional é ―o conjunto de saberes e saber-fazer a respeito do
mundo natural, sobrenatural, transmitido oralmente de geração em geração‖ (DIEGUES,
2004, p. 30). Deste modo, esse conhecimento extrapola os limites da natureza física e atinge a
dimensão das representações simbólicas e espirituais permeando todos os âmbitos da vida
social sendo resguardado entre as gerações através da oralidade.
Para Diegues (2004), esse conhecimento não estabelece limites entre os aspectos
natural e social, mas, sim um ―continuum” entre eles. Trata-se de um conhecimento
estabelecido no contexto de uma relação profunda com os recursos da natureza por meio do
trabalho e de atividades para a subsistência dos povos que usam e manejam a diversidade
biológica existente em seu território. (MENDONÇA, et al, 2007).
Esse conhecimento se constitui histórica e socialmente no contexto de uma
comunidade tradicional formada por povos indígenas ou não indígenas, gerado a partir da
vivência construída na relação, não somente com o ambiente, mas, também social e
interpessoal. Para Cunha (2009), os termos conhecimento tradicional, povos tradicionais e
comunidade tradicional11
são, propositalmente, abrangentes e amplos, por serem objeto de
estudo de inúmeras disciplinas, dentre elas a antropologia, a sociologia e o direito.
11
―comunidade tradicional - grupo culturalmente diferenciado que se reconhece como tal, possui forma própria
de organização social e ocupa e usa territórios e recursos naturais como condição para a sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas
pela tradição‖. (Lei 13.123/2015, Art. 2º, IV)
45
Diante disso, faz-se necessário esclarecer que este estudo efetua uma análise
interdisciplinar, a medida que traz as discussões e formulações do conceito de conhecimento
tradicional em sua dimensão social e cultural mas, também as implicações jurídicas
provenientes do acesso12
a esse conhecimento por conta da sua contribuição nas pesquisas
biotecnológicas, conforme discutido e mencionado nos tópicos anteriores.
Sobre o estudo desses conhecimentos tradicionais, Diegues (2000) explica que, no
campo da Antropologia existem várias perspectivas pelas quais este conhecimento pode ser
estudado, conforme pode ser visualizado no quadro 9.
Quadro 9 - Perspectivas de Analise dos Conhecimentos Tradicionais
Conceito Detalhamento
Ecologia Cultural Estudo das inter-relações entre fatores culturais e ambientais,
proposto por Julian Stewart
Antropologia Ecológica Corrente da antropologia que estuda a relacao homem-ambiente, a
partir da noção de ecossistema e da interação de elementos bióticos
e abióticos como sistemas auto-reguladores e auto-determinantes.
Etnociência Estudo sobre o conhecimento de determinada sociedade sobre a
natureza
Fonte: Adaptado de Diegues, 2000.
Nesta análise, tomar-se-á como categoria analítica, a Etnociência, compreendendo-a
como,
o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer
sociedade a respeito do mundo natural, das espécies. É o estudo do papel da natureza
no sistema de crenças e de adaptação do homem a determinados ambientes,
enfatizando as categorias e conceitos cognitivos utilizados pelos povos em estudo.
(DIEGUES, 2000, p. 10)
Para o referido autor, esta perspectiva de análise emerge a partir reunião entre
vários cientistas e estudiosos de diversas áreas do conhecimento, de forma interdisciplinar
com objetivo de alcançar a efetiva conservação do ambiente, da diversidade biológica e
sociocultural. Essa forma de estudo caminha em consonância com os interesses das
populações locais, na medida em que considera a valorização das práticas culturais
tradicionais reconhecendo que esses povos ―são detentores de conhecimentos saberes,
habilidades, costumes e valores particulares, construído por diversas gerações, as quais
determinam seu modo de vida adaptados ao complexo meio ambiente da região‖
(RODRIGUES, 2015, p. 77).
12
―pesquisa ou desenvolvimento tecnológico realizado sobre conhecimento tradicional associado ao patrimônio
genético que possibilite ou facilite o acesso ao patrimônio genético, ainda que obtido de fontes secundárias tais
como feiras, publicações, inventários, filmes, artigos científicos, cadastros e outras formas de sistematização e
registro de conhecimentos tradicionais associados‖ (Lei 13.123/2015, Art. 2º, IX)
46
Portanto, o reconhecimento do complexo ambiente natural em que vivem os povos
tradicionais está relacionado a noção de território que aparece entrelaçado ― a um processo de
interpretação do desconhecido, que agora é acelerado pelas coordenadas geográficas, de clima
e relevo, pela diversidade da fauna e da flora, pela diferença das espécies animais e vegetais‖,
de acordo com Freitas (2009, p. 16).
Outro fator fundamental nesta discussão é a compreensão sobre as distinções acerca
desta categoria analítica, tendo em vista o fato de que os povos tradicionais produzem
conhecimento em diversas áreas (Figura 1), não somente relacionado à biodiversidade e ao
patrimônio genético. (SANTILLI, 2005; GOMES, 2013).
Figura 1- Abordagens conceituais do Conhecimento tradicional
Fonte: Sistematizado a partir de Gomes (2013)
No tocante ao aporte teórico-metodológico deste estudo, opta-se pela análise da
categoria de conhecimento tradicional associado à biodiversidade, extinguindo outras
abordagens desse conhecimento relacionado a bens culturais a serem protegidos e registrados
pelo direito autoral cultural.
Nesse sentido, insta esclarecer que a Convenção de Diversidade Biológica (1992)
não estabelece uma definição específica sobre conhecimento tradicional associado, referindo-
se a ele como ―conhecimento, inovações das populações indígenas e comunidades locais
contidos em estilo de vida tradicional‖, conforme visualiza Gomes (2013). Deixando,
portanto, a cargo dos Estados Nacionais a definição do termo.
47
No ordenamento jurídico brasileiro, esse conhecimento é definido como ―informação
ou prática de população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional sobre as
propriedades ou usos diretos ou indiretos associada ao patrimônio genético‖ (Lei
13.123/2015, Art. 2º, II). Todavia, Gomes (2013) defende a ideia de que a doutrina jurídica
vem ampliando e desenvolvendo o conceito de conhecimento tradicional associado conforme
a evolução apresentada no quadro 10.
Quadro 10- Evolução Legal do conceito de conhecimento tradicional associado
Fonte: Sistematizado a partir de Gomes (2013)
Diante disso, nota-se que são muitas as definições do conceito de conhecimento
tradicional associado, todavia, elas não divergem e sim, complementam-se. Para Gomes
(2013), ―chegou-se à conclusão que até a presente data inexiste definição de conhecimento
tradicional associado, universalmente reconhecida‖. Deste modo, as principais definições
existentes são construídas a partir da descrição e das características deste conhecimento
quando associado ao uso da biodiversidade.
Compreende-se que o conhecimento tradicional associado assume diferentes
características que dependem do contexto social em que ele é gerado, tomando as formas e
práticas pautadas na cultura13
local (DIEGUES, 2004).
13
Categoria será abordada no capitulo 2.
48
Na Amazônia, esse conhecimento é construído historicamente a partir de um saber-
fazer desenvolvido entre as gerações e balizados por uma conduta ética com os recursos
naturais a partir de representações simbólicas e do imaginário local. Neste contexto, chama-se
atenção para o fato de que os conhecimentos tradicionais, nesta região, são pautados nos
princípios da coletividade e não como produções autônomas e individuais.
Assim, os povos tradicionais (indígenas, caboclos, ribeirinhos) estabelecem uma
estreita relação com o meio natural e biológico marcada por um conjunto de crenças
constituídas social e historicamente, geralmente relacionado ao território que habitam durante
décadas.
Diante da apresentação geral acerca dos conceitos de conhecimento tradicional
associado, o próximo capitulo traz a realidade especifica da região amazônica a partir dos
ciclos econômicos pelos quais passou no decorrer da historia, problematizando o uso dos
recursos naturais. Além disso, há de se discutir a questão das práticas socioculturais de uso e
manejo de plantas medicinais na região, seguida da caracterização do locus da pesquisa.
49
CAPITULO 2
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS NO USO E MANEJO DE PLANTAS
MEDICINAIS NO CONTEXTO AMAZÔNICO
A Amazônia estará livre quando reconhecermos definitivamente que essa natureza é
a nossa cultura, onde uma arvore derrubada é como uma palavra censurada e um rio
poluído é como uma pagina rasurada. A luta pela Amazônia está no processo geral
da libertação dos povos oprimidos. (SOUZA, 2010)
Diante da explanação do capítulo anterior ficou evidenciado que as discussões acerca
da biodiversidade e do conhecimento tradicional associado emergem num contexto de avanço
da ciência e da tecnologia (C&T) em meio às preocupações com a degradação ambiental que
culminam na busca de práticas pautadas na sustentabilidade. Deste modo, a Convenção de
Diversidade Biológica, em 1992, reconhece as contribuições que este conhecimento traz às
pesquisas biotecnológicas, encurtando caminhos nos processos de bioprospecçao, e transfere
aos Estados Nacionais a soberania sobre sua biodiversidade e diversidade cultural para que
protejam e confiram os direitos de repartição justa de benefícios aos povos tradicionais, nas
formas da lei.
Todavia, as demandas da Convenção não se alinham com a questão da Propriedade
Intelectual na proteção do conhecimento tradicional associado, por proteger os conhecimentos
através da Lei de Patentes de cunho, eminentemente, individual e que não abarca as formas de
construção coletiva do conhecimento no âmbito das comunidades tradicionais da Amazônia.
Portanto, sugere-se a construção de um regime sui generis de proteção baseado na cultura
local e nos princípios que regem a vida dos povos tradicionais.
Dessa forma, o foco principal deste capítulo é caracterizar a Amazônia e a realidade
local no tocante ao uso dos recursos naturais através de uma análise acerca das práticas
socioculturais de uso e manejo de plantas medicinais, com o objetivo de trazer elementos
específicos da região que possuam indicar propostas de proteção, valorização, resgate e,
quiçá, o registro deste conhecimento.
Sendo assim, o capitulo está sequenciado da seguinte forma: apresenta, na primeira
parte, uma breve configuração histórica dos ciclos econômicos da Região Amazônica, seguida
de uma rápida discussão acerca da categoria cultura e a forma como está expressa nas praticas
de uso e manejo de plantas medicinais. Por fim, serão apresentados os dados referente à
caracterização das comunidades, locus desta pesquisa.
50
2.1. Ciclos econômicos e uso dos recursos naturais na Amazônia
Os estudos acerca da Amazônia desvelam uma trajetória econômica e histórica muito
peculiar, sendo que algumas destas análises são realizadas a partir de parâmetros ocidentais.
Com isso, faz-se necessário esclarecer que, o desenvolvimento dos estudos e teorias que
foram desenvolvidas sob este pensamento aparecem envolvidas a uma trama de conceitos
sobre a Amazônia, não a partir da sua real constituição histórica, cultural e politica, mas, sim
a partir de descrições e abordagens de caráter ideológico diferenciadas. (PINTO, 2008)
Desta forma, as análises desenvolvidas, neste contexto, não assumem uma dimensão
crítica da realidade amazônica, deixando como pano de fundo, uma questão central, o uso dos
recursos naturais desta região, uma vez que o homem, quando inserido numa sociedade
pautada no modo de produção capitalista, tem estabelecido uma relação com a natureza, que
em muitas situações pode estar baseada na exploração de recursos, de acordo com as
prioridades do comércio exterior, para suprir necessidades criadas pelo modelo econômico
vigente (BATISTA, 2006). A partir disso, este estudo tomará como marco histórico da
economia na Amazônia, o século XIX, com o ciclo da Borracha, assinalando os principais
momentos histórico-econômicos da região, conforme mostra o quadro 11.
51
Fonte: Sistematizado pela autora a partir de Chaves (2001)
Quadro 11 - Ciclos Econômicos da Amazônia
52
O Ciclo Econômico da Borracha revela, em sua totalidade, muitas características da
realidade econômica vivenciada pelos amazônidas ainda hoje. Faz-se necessário salientar que
estes ciclos são caracterizados pela intensa exploração dos recursos naturais para suprir as
necessidades de outras regiões do mundo, esta característica atribuiu a região o ―estigma de
celeiro de matéria-prima‖ (CHAVES,2001).
Este período econômico (1870) é marcado pela exploração dos recursos naturais,
envolvido e transvestido de uma proposta de desenvolvimento econômico para a região,
entretanto, diante das facilidades e do crescimento econômico rápido, os governantes não
colocaram na pauta das discussões politicas e sociais, as reais necessidades e perspectivas da
própria Amazônia, conforme visualiza Souza (2010). Tratava-se de uma prática de mono-
extravismo vegetal comercializado com o mercado europeu que atraiu muitos imigrantes,
principalmente nordestinos, em direção a Amazônia em busca de trabalho e posse de terras na
região. Sobre isso, faz-se necessário esclarecer que os nordestinos foram atraídos para a
região a partir das propostas de politicas públicas criadas com o objetivo de leva-los a
Amazônia, para amenizar os conflitos de terra em outras regiões do país.
O mercado da borracha na Amazônia enfrentou uma profunda crise, em meados de
1910, com a inserção de novos produtores de borracha no comércio internacional. Após este
período, houve diversas tentativas para reaquecer a economia na Amazônia através da
exploração do látex para a produção da borracha, entretanto, todas foram frustradas. Acerca
disto, alguns autores (Chaves, 2001; Batista, 2007) concordam que, após o auge da borracha e
o desmonte dos seringais, muitas pessoas saíram da zona rural e buscaram outras
oportunidades de trabalho e renda nas cidades.
É possível observar que, o momento econômico da borracha motivou um processo de
desestruturação das práticas culturais tradicionais na Amazônia, uma vez que a forma de
economia proposta pela extração desse recurso esteve pautada na lógica capitalista
mercantilista de exploração dos recursos naturais para suprir as necessidades da produção de
países estrangeiros, em detrimento das necessidades dos povos da região.
Após este período, o Brasil viveu o estabelecimento do Estado Novo, na Era Vargas,
e com ele, a Amazônia vivenciou a dicotomia de um cenário político social e econômico de
esperança e incertezas, motivado pelas declarações do primeiro presidente a visitar o norte do
país. Sobre isso, Lopes (2013, p. 48) revela que,
Getulio Vargas chega à Amazônia em outubro de 1940 e pronuncia seu famoso e
retórico ‗discurso do Rio Amazonas‘, acentuando a imagem do vazio demográfico e
da necessidade da colonização para o renascer da região: ―(...) conquistar a terra,
53
dominar a água, sujeitar a floresta, foram as nossas tarefas. E, nessa luta, que se
estende por séculos, vamos obtendo vitória sobre vitória...vencer, pouco a pouco, o
grande inimigo do progresso amazonense, que é o espaço imenso e despovoado. É
tempo de cuidarmos, com sentido permanente, do povoamento amazônico...sois a
terra do futuro, o vale da promissão do Brasil de amanhã... O Amazonas deixará de
ser, afinal, um simples capitulo da historia da terra, e...tornar-se-á um capitulo da
historia da civilização.
Na perspectiva de Pinto (2008), parte do discurso de Vargas tenha sido motivado por
estudos de alguns pensadores que caracterizaram a Amazônia como um lugar em
desenvolvimento, mas, que não possuía possibilidades para o pleno desenvolvimento humano
e que, portanto, necessitava dos esforços vindos de fora da região. Além disso, faz-se
necessário salientar, que até o presente, essas ideias difundiram-se e fomentaram o
pensamento de vários autores e tem contribuído para disseminar ideias de caráter ideológico
diferenciados dos estudos (CHAVES, 2001, RODRIGUES, 2015) que são desenvolvidos a
partir da própria realidade amazônica.
A caracterização da Amazônia como ―um vazio demográfico‖, repercutiu em outras
regiões do Brasil apontando a ―necessidade‖ de ocupação e de ―descoberta‖ da região
amazônica. Para além do aparente discurso do primeiro presidente a ―preocupar-se‖ com a
região, está uma fala que encontra argumentos em vários escritos baseados numa visão
ocidental e até mesmo preconceituosa sobre a região, descaracterizando a Amazônia que
apesar da aparente homogeneidade, é marcada por uma vasta biodiversidade e por povos com
diferentes formações culturais e étnicas.
Desta forma, nota-se que o Presidente Vargas não considerou a cultura local dos
povos tradicionais que habitavam a região, a variedade étnica e o seu modo de vida e de uso e
manejo dos recursos naturais. Em sua ótica, a história da Amazônia é marcada pelo homem14
em conflito com a natureza, no qual, a mesma é dominada pelo homem para satisfazer suas
necessidades impostas pelo modelo de desenvolvimento ocidental.
Este pensamento contribuiu amplamente para que fossem elaboradas e
implementadas na Amazônia politicas exógenas de gestão dos recursos naturais por interesses
europeus e norte-americanos, tratam-se de modelos de gestão que seguem uma lógica
capitalista de apropriação e uso desses recursos. Sobre isso, Viana (2007) chama atenção para
o fato de que até os dias atuais, não houve uma conciliação entre a conservação dos recursos
14
Faz-se necessário esclarecer que o conflito entre o homem e a natureza é um dos pilares do modo de produção
capitalista que encontra no distanciamento dessa relação uma forma de intensificar o processo de exploração da
força de trabalho, iniciando o processo que Marx (1984) caracteriza como Alienação. Entretanto, na Amazônia,
os povos tradicionais não aceitaram pacificamente essas formas de uso do recursos naturais, já que estabelecem
uma relação de simbiose com a natureza pautada em uma ética de respeito e reciprocidade.
54
naturais e o desenvolvimento pautado no crescimento econômico, fundamentado no modelo
capitalista.
Por outro lado, Presidente Vargas caracterizou a Amazônia como ‗terra do futuro‘,
entretanto, faz-se necessário pensar a forma como esse ‗ futuro‘ foi e está sendo construído no
decorrer da história da região, sobre isso Benchimol (2009) explica que, esse futuro não pode
está apenas na história, mas na atuação das lideranças locais, em prol dos interesses dos povos
da região, a partir do desenvolvimento, incentivo e investimento na ciência, inovação e
tecnologia no desenvolvimento de estratégias e soluções para os problemas sócio-ambientais.
Neste caso, tratam-se de estratégias baseadas nos princípios da sustentabilidade, que associem
o uso dos recursos naturais com as necessidades dos povos locais, observando as
particularidades regionais.
Ainda durante o governo Vargas, foi criado o Plano de Valorização da Economia na
Amazônia, através da Constituição Federal de 1946, que previa um fundo monetário de 3% da
renda da União, entretanto a lei de criação da agencia e de um plano de desenvolvimento
econômico foi promulgada, apenas, em 1953, conforme visualiza Chaves ( 2001). Através
dessa lei, foi criada a Superintendência (SPVEA) que visava construir um ―sistema de
medidas, serviços, empreendimentos e obras destinados a incrementar o desenvolvimento da
produção extrativista e agrícola, pecuária, mineral, industrial e das relações de troca, no
sentido de melhores padrões sociais de vida e bem estar econômico‖. (BATISTA, 2007)
Desse modo, é possível afirmar que as tentativas de ―desenvolvimento‖ econômico
para a região estavam, sobretudo, pautadas na exploração e apropriação dos recursos naturais.
Acerca desse desenvolvimento, Freitas (2009) salienta que, os contínuos ciclos econômicos
foram marcados por políticas nacionais que não tiveram sucesso na região, por não
reconhecerem a especificidade local, os povos tradicionais indígenas e não-indígenas, suas
formas de uso e manejo dos recursos, pelos modelos de intervenção a distancia, sem conhecer,
de fato, a realidade física, politica e cultural da região.
Pelos motivos assinalados pela autora e por outros relacionados a dificuldade na
operacionalização do funcionamento da Superintendência do Plano de Valorização da
Economia na Amazônia -SPVEA, o plano não atingiu as metas previamente estabelecidas. E a
SPVEA foi substituída pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM.
Neste contexto, o Brasil sob o comando militar (1964) e pautado numa política
desenvolvimentista experimenta um modelo de integração que chega a Amazônia, com a
55
justificativa de ―inauguração da história, revelação do desconhecido, atribuição de significado
a um mundo sem significação, sem sujeito, sem nome‖ (CHAVES, 2001, p. 20).
Este modelo de integração foi difundido pela máxima ―integrar para não entregar‖,
marcado pela mudança no processo de desenvolvimento regional baseado num crescimento a
qualquer custo, influenciado pelos modelos de gestão dos países desenvolvidos. Sobre esta
forma de desenvolvimento, Leff (2009) esclarece que esse modelo emerge frente a
necessidade de desenvolvimento do sistema capitalista e, por meio dele, foram inseridos
novos modelos tecnológicos, formas de uso e exploração dos recursos da natureza, afim de
promover o modo de produção, sem considerar as diversas formas de organização
econômica, politica e social do trabalho em cada região. O autor supracitado chama atenção
para o fato de que, a reprodução de modelos de consumo e produção dos países
industrializados e com capitalismo avançado contribui na geração de altos níveis de
contaminação ambiental, destruição dos recursos e em mudanças significativas na cultura
local, no modo de vida e, afetando, inclusive, o patrimônio imaterial dos povos na região.
Nessa conjuntura, foi inaugurada a ―Operação Amazônia‖, a qual incentivou a Zona
Franca de Manaus, em 1966, a tornar-se zona de livre comércio internacional. Para Chaves
(2001), essas medidas expressavam uma estratégia para o crescimento econômico da
Amazônia através da industrialização com financiamentos de capital internacional.
Desta forma, este período foi marcado pelo estabelecimento da Zona Franca de
Manaus que trouxe consigo inúmeras mudanças no âmbito social, econômico e cultural na
Amazônia. Para Souza (2010, p. 181), ―a zona franca, com sua estratégia ligada ‗as
multinacionais, ao comercio de importação e ao modelo agropecuário, abre ainda mais a
região ao exterior, promovendo uma economia dependente, altamente espoliadora e
prejudicial‖.
O pensamento do autor objetiva lançar luz para o caráter dual da instalação dessa
nova forma de modernização da economia na região, se por um lado gerou oportunidades de
emprego e crescimento econômico, de outro gerou o deslocamento dos povos do interior para
a capital em busca de melhores condições de vida, problemas sociais como falta de moradia,
insegurança alimentar, doenças causadas pela falta de saneamento básico, e exploração
demasiada dos recursos naturais, que foram as marcas desse período (BATISTA, 2007).
Com a Zona Franca de Manaus, a Amazônia inaugura um processo de
industrialização marcado pela construção de estradas que facilitariam o desenvolvimento do
capitalismo na região. Para Valle (2007) o discurso que apresentava a Zona Franca de Manaus
56
como um investimento fundamental para o desenvolvimento econômico da região, disfarçava
sua real contribuição no estabelecimento e fortalecimento do sistema capitalista.
Para Leff (2009, p. 116), ―as relações dos processos ecológicos com a racionalidade
econômica vão além do campo de explicação da estrutura e dinâmica do modo de produção
capitalista‖. Para ele, é necessário avançar na construção do pensamento sobre a formação
social e econômica a partir de uma gestão ambiental dos recursos naturais que busca
caracterizar a racionalidade produtiva de cada região e pensá-las localmente.
Note-se que as estratégias de desenvolvimento econômico caminharam em
detrimento aos interesses locais da região que representa 65% do território nacional, mais de
90% das florestas tropicais do país e 26% do planeta, conforme aponta Mello (2007). Com
isso, no século XXI, vive-se na Amazônia, a expansão do capitalismo global através da Zona
Franca de Manaus, que se une a lógica de outros modelos e ciclos econômicos de exploração
dos recursos naturais como matéria-prima para impulsionar a industrialização e o
desenvolvimento em outros países.
Acerca disso, Ianni (2007) salienta que nesta nova fase do capitalismo global,
crescem as formas de integração e fragmentação. As mesmas estratégias usadas para
mobilizar a globalização causam forças antagônicas. Com isso, faz-se necessário destacar que
ainda hoje, século XXI, a Amazônia, é formada por relações de desigualdade, autonomia e
soberania, liberdade e dominação. Trata-se de uma constituição histórica marcada por um
modelo de desenvolvimento desigual que caminhou na direção contrária aos interesses e
necessidades dos povos da região.
Este cenário econômico estabelecido pelo modelo de desenvolvimento industrial para
expansão do capitalismo impulsionou, em meados da década de 80 e 90, uma maior
visibilidade da problemática ambiental, fato que colocou a Amazônia, novamente, no centro
dos interesses internacionais. Entretanto, Benchimol (2009) salienta que, somente o fato de
deter grande potencial biológico e cultural expressos na riqueza da floresta amazônica e em
toda a região, não garante a conservação dos recursos naturais e o desenvolvimento
sustentável.
Diante disso, faz-se necessário pensar quais alternativas podem ser desenvolvidas
para que haja a valorização da riqueza local expressa na sociobiodiversidade, supere sua
trajetória de colonização e exploração dos recursos naturais e, de fato, alcance o
desenvolvimento (social, politico e econômico) através do fortalecimento das potencialidades
57
locais, da participação comunitária e autonomias individuais, sem desconsiderar a cultura
local. (SACHS, 1981; MORIN e KERN, 2002).
Trata-se de um modelo que deve fazer o caminho inverso ao do desenvolvimento
divulgado historicamente pelas propostas de governo para a Amazônia desde os primórdios da
colonização na região, pautado no crescimento econômico e não no desenvolvimento humano
e social dos povos amazônicos. Para Morin (2003), a crise geral da humanidade tem suas
bases fincadas na crise da civilização ocidental que exerce influencia sobre as sociedades
tradicionais por meio do discurso de desenvolvimento e que, por este motivo, também estão
em crise.
Este pensamento sugere uma via para repensar esse conceito de desenvolvimento e
consequentemente, a Amazônia, através de sua cultura local, que foi historicamente,
considerada subdesenvolvida. O supracitado autor esclarece que, este discurso apresenta uma
noção de subdesenvolvimento, que por mais bárbaro que seja, estabelece um vinculo
antropológico entre os ditos desenvolvidos e os ditos subdesenvolvidos, ela incita a
uma ajuda técnica e médica-util – abrir poços, desenvolver fontes de energia, lutar
contra endemias e as carências nutricionais, embora se efetue em condições de
exploração econômica, de degradação natural e de urbanização miserável que
ocasionam novos males. (MORIN e KERN, 2002, p. 105)
Essa noção de subdesenvolvimento parece evocar os discursos
desenvolvimentistas que permearam a Amazônia e impuseram ciclos econômicos alheios aos
interesses e necessidades da região. Para Morin e Kern (2002, p. 106) a finalidade do
desenvolvimento,
Submete-se ela própria a outras finalidades. Quais? Viver verdadeiramente. Viver
Melhor. Verdadeiramente e melhor? O que significa isso? Viver com compreensão,
solidariedade, compaixão. Viver sem ser explorado, insultado, desprezado. Significa
que as finalidades do desenvolvimento dependem de imperativos éticos. O
econômico deve ser controlado e finalizado por normas antropo-eticas e étnicas.
Nesta linha de pensamento, faz-se necessário afirmar que a Amazônia pode alcançar
o desenvolvimento, se superar a ideia que ignora a cultural local, o conhecimento tradicional e
a participação comunitária. Trata-se de valorizar a sociobiodiversidade15
e a formação social e
cultural dos povos que vivem na região, dotados de um conhecimento tradicional acerca do
15 “A diversidade cultural - incluindo a diversidade de línguas, crenças e religiões, práticas de manejo do solo,
expressões artísticas, tipos de alimentação e diversos outros atributos do humano – constitui também um
componente essencial da biodiversidade, considerando as recíprocas influências entre o ambiente e as culturas
humanas. Desse modo, o conceito de biodiversidade vem sendo hoje ampliado para o de sócio-biodiversidade.‖
(ALBAGLI, 2003)
58
uso e manejo dos recursos naturais da biodiversidade que possui um valor material e imaterial
inestimável para a região e para o Planeta.
Neste sentido, no próximo tópico será discutido o conceito de cultura, seguido do
debate sobre o contexto local e o desenvolvimento das práticas de uso e manejo de plantas
medicinais na Amazônia.
2.2. Práticas socioculturais nas formas de uso e manejo de plantas
medicinais na Amazônia
Os estudos sobre a Amazônia (BENCHIMOL, 2009, 2010; SOUZA, 2010;
CHAVES, 2001; PINTO, 2008; RODRIGUES, 2015) revelam uma história marcada pela
presença de povos indígenas que desenvolveram suas sociedades através do estabelecimento
de práticas sociais nas formas de trabalho e organização politica, apresentando um
relacionamento próprio e específico com os recursos naturais balizados por um compromisso
ético com as gerações futuras.
Estas práticas sociais são resultado das formas de vida e reprodução social destes
povos no contexto em que são geradas, as quais representam aspectos singulares e necessários
para caracterizar a cultura local, buscando compreende-la a partir do estabelecimento das
relações dos homens com o ambiente natural e social.
A discussão acerca do conceito de Cultura é ampla e complexa, tendo em vista, o
grande interesse por diversas áreas do conhecimento em compreendê-la e até mesmo defini-la
como um conceito circunscrito numa realidade particular e específica. Entretanto, é
necessário compreender o contexto histórico em que se desenvolve os estudos sobre essa
categoria no âmbito cientifico, uma vez que o uso do termo ―cultura‖ tem sido utilizado com
algumas distinções semânticas. (CUCHE, 2012).
O uso do termo Cultura, enquanto categoria de análise, foi consolidado em meados
dos séculos XVII e XIX na Europa, nos países da França e Alemanha. Alguns autores
(CUCHE, 2012; CANEDO, 2009) esclarecem que enquanto na França, a cultura era
concebida como um conjunto de saberes acumulados e repassados pela humanidade
aproximando-se do conceito de civilização, na Alemanha os estudos sobre a categoria era
trabalhada pelos intelectuais burgueses que se opuseram ao modelo civilizatório da corte
alemã, caminharam numa perspectiva crítica na qual o termo passa a ser entendido como uma
construção singular, real e ―que contribui para o enriquecimento intelectual e
espiritual.‖(CUCHE, 2002).
59
O aprofundamento teórico-analítico da categoria Cultura nesses países deu origem a
duas concepções difundidas na Sociologia, uma universalista e outra particularista, segundo
estudos de Cuche (2012). A concepção universalista de cultura foi desenvolvida por Tylor
(1871), o qual caracteriza o homem como um ser predominantemente cultural e coletivo pois,
para ele, essa cultura é construída pela junção de saberes entre as gerações, que independe de
fatores biológicos. Sobre isso, Canedo (2009) explica que Tylor defendia a ideia
evolucionista de que cada sociedade primitiva percorreria uma escala até tornar-se uma
sociedade civilizada.
Por outro lado, Boas (1958) desenvolveu uma concepção que se opunha a ótica
evolucionista e geral de Tylor. Para ele, cada sociedade possuía características especificas e
particulares, as quais poderiam ser notadas e estudadas a partir do olhar detalhista de uma
observação direta, na qual busca-se compreender o significado de cada cultura na
reconstrução da historia de cada comunidade, apresentando cada uma com uma cultura
especifica, e não universal. (CUCHE, 2002)
Faz-se necessário compreender que essas concepções de cultura motivaram e
impulsionaram vários estudos e conceitos sobre cultura na contemporaneidade, dos quais
adota-se para este estudo a concepção de cultura na qual, ―o homem é um animal amarrado a
teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua
análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma
ciência interpretativa, à procura do significado‖. (GEERTZ, 2008, p. 4).
Para Geertz (2008), este significado encontra respostas no modo de vida dos povos
de cada comunidade, na reconstrução de suas histórias e em suas bases ideológicas, portanto a
interpretação antropológica de cada comunidade não pode estar separada do que de fato
acontece no contexto comunitário.
Neste contexto, faz-se necessário compreender a formação cultural dos povos
amazônicos, sabe-se que tomar-se-á como ponto inicial o modo de vida e cultura dos povos
indígenas que habitam a região desde o período que antecede a colonização portuguesa. Note-
se, durante este período, os colonizadores buscavam a ―desintegração da identidade cultural
indígena, pelas tropas de resgates, aldeias, missões, reduções, catequeses, queima de malocas,
dízimos e trabalho servil‖. (BENCHIMOL, 2009, p. 25).
Com isso, observa-se que todos os ciclos econômicos, mencionados no tópico
anterior deste capítulo, proporcionaram a ocupação da região por diferentes grupos sociais e
acabaram por gerar um efetivo processo de miscigenação, da qual a Amazônia é resultado de
60
uma diversidade cultural formada pela associação entre os povos que já habitavam a região,
antes da colonização, e migrantes que foram atraídos por propostas de politicas públicas.
(CHAVES, 2001)
Neste contexto, Chaves (2001) explica que, desde 1850, o maior contingente
populacional da região foi formado pelo ―caboclo‖, fruto da miscigenação entre índios e
brancos, e também, de índios e negros. O termo caboclo foi construído historicamente na
região amazônica e é complexo em suas particularidades, a medida em que, possui uma
dimensão pejorativa, quando analisado sob ótica ocidental. Para Chaves (2001, p. 66) este
termo,
Tomou-se de uso corrente no seio da sociedade urbana para designar aquele sujeito
que vive ou é oriundo da área rural. Todavia, essa designação é impregnada por forte
conotação pejorativa, pois rotula o individuo como portador de uma ―cultura
inferior", numa distorção da natureza do termo em relação as características
associadas a origem cultural do homem amazônico.
Deste modo, o termo caboclo é usado para denominar diferentes grupos sociais e
étnicos, a saber: extrativistas, ribeirinhos, pescadores artesanais, dentre outros. Neste estudo, a
pesquisa de campo foi realizada junto aos ribeirinhos de duas comunidade tradicionais na
Amazônia16
.
No tocante a formação cultural do caboclo- ribeirinho, destaca-se que esta foi
marcada pela influencia cultural indígena e resguarda práticas culturais e saberes tradicionais
desenvolvidos na região. Portanto, o modo de vida desses povos expressam a cultura
amazônica, através do conjunto de experiências e produções dos comunitários, porque
possuem forte traços indígenas, conforme assinala Fraxe (2004).
Sobre isso, Chaves (2001) explica que esses povos desenvolveram capacidades de
adaptar-se ao ambiente através do estabelecimento de uma relação de simbiose com a
natureza para subsistência. Entretanto, esse modo de vida não se ajustou aos ideais europeus,
que buscaram na região o crescimento econômico através do uso dos recursos naturais e do
trabalho escravo dos povos locais, com isso, o descobrimento da Amazônia, em meados do
século XVI ocasionou diversas mudanças no modo de vida desses povos, dentre elas, novas
atitudes culturais impostas pelos europeus, de acordo com a ótica proposta por Souza (2010).
Faz-se necessário esclarecer, que a desestruturação das práticas socioculturais desses
povos tradicionais caminham na contramão de uma proposta de desenvolvimento sustentável
para a região, uma vez que a sustentabilidade cultural prevê a criação de soluções adaptadas a
16
As comunidades serão apresentadas no tópico a seguir.
61
cada ecossistema e principalmente, o respeito à formação cultural comunitária (SACHS,
1981). Além disso, as práticas tradicionais encontram suas bases de orientação no
conhecimento específico dos povos sobre a região e são pautadas em princípios éticos de
conservação ambiental.
Neste contexto, observa-se que após a égide do colonialismo, a inserção da
Amazônia no mercado global contribuiu para a ruptura de alguns vínculos com as formas de
organização social tradicional do caboclo-ribeirinho. Sobre isso, Loebens e Carvalho (2005)
salientam que as consequências da colonização incidiram sobre os povos tradicionais,
sobretudo por meio da exploração de bens materiais e imateriais, levando em consideração
que, em extensão, mais de 98% das terras indígenas estão localizadas na Amazônia, pode-se
afirmar que a áreas não-degradadas ambientalmente estão ligadas às áreas em que há a
presença dos povos tradicionais, o que revela uma prática cultural que resguarda princípios
éticos de conservação dos recursos na região.
Note-se que, esses povos estabelecem uma relação de intercâmbio com a natureza,
que se caracteriza, ―pelo fato de que tanto sua sobrevivência como a satisfação de suas
necessidades básicas dependem da harmonia entre suas praticas produtivas, das condições
ecológicas e de seus valores culturais‖, conforme a leitura de Leff ( 2006, p. 477) . Esse modo
de vida pautado no tempo da natureza nos remete ao pluralismo do homem que habita a
Amazônia e que, constituem-se numa estratégia na composição entre práticas culturais,
econômicas, ambientais e sociais (BENCHIMOL, 2009).
Neste contexto, o referido autor reconhece que, os ribeirinhos, de origem indígena-
cabocla, contribuem significativamente com a região, através dos seus conhecimentos em
diversos âmbitos, quer seja nas práticas de trabalho, formas de subsistência, organização
sociopolítica, quer seja na prevenção/ tratamento dos agravos de doenças. Faz-se necessário
compreender que todos esses conhecimentos foram desenvolvidos a partir de uma relação
muito próxima e efetiva com os recursos naturais, a qual se dá por meio de sistemas de uso e
manejo da biodiversidade.
Para Diegues (2004), esses povos detém um conhecimento aprofundado sobre esses
recursos, através do qual eles classificam e nomeiam espécies, definindo suas propriedades e
manipulando-as, com isso, pode-se falar que a biodiversidade está relacionada, não só ao
domínio natural, mas, também, cultural.
Neste contexto, o conhecimento tradicional associado ao uso e manejo de plantas
medicinais, objeto de estudo desta pesquisa, assume as formas de relação com a natureza, sem
62
estar desvinculado do contexto social, econômico e politico global. Conforme discutido no
capitulo 1, esse conhecimento tem um valor inestimável, não apenas aos povos que o detêm,
mas, também à ciência e tecnologia por encurtar o caminho de pesquisas na área da
biotecnologia.
Com relação ao uso de plantas medicinais, faz-se necessário esclarecer que são
práticas milenares de uso e manipulação de recursos genéticos vegetais desenvolvidos entre as
gerações, influenciadas pela cultura indígena, e repassadas através da oralidade e do saber-
fazer desses povos. Esta prática, além de revelar a cultura local, também denuncia uma
realidade marcada pela ausência de serviços públicos de saúde e atendimento médico nessa
região, fator que a configura, também, como uma estratégia de alternativas de saúde no
contexto comunitário da Amazônia. (RODRIGUES, 2015).
Nesta conjuntura, este estudo busca tratar, especificamente, do conhecimento
tradicional associado ao uso e manejo de plantas medicinais em duas comunidades
tradicionais da Amazônia, localizadas no Município de Caapiranga, Estado do Amazonas,
conforme a caracterização do tópico a seguir.
2.3. Caracterização do Locus da pesquisa: Comunidades Ribeirinhas Santa
Maria e Santo Afonso em Caapiranga/AM
As Comunidades Santa Maria e Santo Afonso, localizadas no Município de
Caapiranga, no Amazonas são o locus da pesquisa realizada com base nas informações
obtidas no Banco de dados do Grupo de Pesquisa Interação, que vem desenvolvendo trabalhos
de pesquisa e extensão nesse município desde 2013. Nestas comunidades, o conhecimento
tradicional aparece num contexto tipicamente ribeirinho amazônico de forma singular e
especifica da região através da forma como os comunitários se expressam por meio da fala, do
trabalho, e da organização sócio cultural e politica, tornando importantes e necessários os
estudos científicos que ampliem os conhecimentos técnico-científicos nessa área.
Neste sentido, tomando como base a perspectiva de alguns autores (CHAVES, 2001;
RODRIGUES, 2009, FRAXE, 2004; BENCHIMOL, 2009), as comunidades de Santo Afonso
(Dominguinhos) e Santa Maria (Bararuá), configuram-se como comunidades ribeirinhas
tradicionais da Amazônia, tendo em vista a identidade sócio-histórica e cultural que é formada
e consolidada nos saberes tradicionais presentes na região, mas sobretudo, pelas bases no
63
desenvolvimento de práticas de seus agentes sociais, os quais estabelecem um conjunto
complexo formado pelo modus vivendi dessa população.
Município de Caapiranga-AM
O município de Caapiranga compõe os 62 municípios do Estado do Amazonas e
inicialmente tem sua história ligada ao município de Manacapuru. Segundo o IBGE (2015)
em 1786 índios da etnia Mura fundaram uma aldeia no local que recebeu o nome de
Manacapuru e foi elevado à categoria de município apenas em 1981. A denominação
Caapiranga tem origem Tupi e significa folha vermelha, usada pelos índios nas pinturas
corporais durante os festejos e rituais. O município recebeu este nome devido à grande
quantidade dessa planta encontrada no local17
Assim, o município está situado na sétima Sub-região do Rio Negro/Solimões. Sua
área total corresponde a 9.456,58 km², representando 0.602% do Estado do Amazonas,
0.2454% da Região norte e 0.1113% de todo o território brasileiro. A sede está situada no lago
de Caapiranga a margem esquerda do Rio Solimões, distante da Capital (Manaus) 147 Km em
linha reta e 272,2 milhas por via fluvial. (IBGE, 2010).
Quadro 12 - Município de Caapiranga
Ano de
Instalação:
1985
Microrregião:
Coari
Mesorregião:
Centro
Amazonense
Altitude da
Sede: 32 m
Distância à
Capital:
133.7379Km
Fonte: IBGE, 2010
Caapiranga limita-se com outros municípios do Estado do Amazonas, são eles:
Manacapuru, Anamã, Codajás e Novo Airão. Para chegar à sede do município as opções são
via fluvial - Manaus/Caapiranga através de barco/motor com viagem de aproximadamente 12
horas de duração - e via terrestre Manaus /Manacapuru/Caapiranga por meio de ônibus cuja
viagem tem duração de aproximadamente 2 horas até o município de Manacapuru e em
17
www.caapiranga.am.gov.br
64
seguida viagem via fluvial até a sede de Caapiranga em lanchas com duração de 3h,
aproximadamente, sendo o tempo até as comunidades de 3 a 4h dependendo do período de
seca ou cheia do rio.
De acordo com o senso demográfico do IBGE (2010) Caapiranga/AM é um
município no interior do Estado do Amazonas que possui uma população de 10.975
habitantes. Sendo, 5.140 habitantes na área urbana e 5.835 habitantes na área rural,
distribuídos em 54 comunidades rurais (Tabela 01).
1991 2000 2010
Feminina: 2.472 2.590 2697
Masculina: 2.654 3.098 3138
Total: 5.126 5.688 5835
Tabela 01 - População Rural por gênero do município de Caapiranga/AM Fonte: IBGE Censo Demográfico, 2010
As principais atividades econômicas desenvolvidas pelo município estão ligada ao
setor primário:
Agricultura: é a base de sustentação econômica do município com o plantio de malva,
mandioca, cará da terra, milho, açaí e banana, merecendo destaque para a melancia. A
mandioca fornece como subproduto à farinha, o beiju, tucupi e tapioca.
Pecuária: caracterizada pela criação de bovinos em pequena escala, bem como suínos,
ovinos, caprinos e equinos.
Pesca: é a principal Fonte de alimentação, o pescado. Porém, pela falta de estrutura
pesqueira no município, a comercialização do pescado em escala econômica é feita
por barcos pesqueiros oriundos de Manacapuru e Manaus.
Avicultura: caracterizada pela criação para o consumo doméstico.
Extrativismo Vegetal: atividade tradicional representada, principalmente, pela extração
de madeira, borracha e castanha.18
De acordo com IBGE (2010) as atividades econômicas desenvolvidas no município
são diversas, contudo a produção de renda encontra-se centrada na agricultura de lavouras
permanentes de cacau, coco-da-baía, goiaba, laranja, limão, mamão, maracujá e lavouras
18
Informações obtidas em: Caapiranga (AM). Prefeitura. Disponível em: <http://www.caapiranga.am.gov.br.
Acesso em: dez. 2011.>. Biblioteca Virtual do Amazonas. Disponível em:
<http://www.bv.am.gov.br/portal/conteudo/municipios/caapiranga.php. Acesso em 21/05/2017>
65
temporárias de abacaxi, feijão, juta, malva, melancia, milho, mandioca e no extrativismo a
madeira e açaí.
Grande Lago de Manacapuru
Na jurisdição do Município de Caapiranga –AM encontram-se as comunidades
ribeirinhas de Santo Afonso e Santa Maria no Grande Lago de Manacapuru ( figura01).
Figura 02 - Município de Caapiranga com destaque para o Grande Lago de Manacapuru
Fonte: Google Maps, 2017
Comunidade Santa Maria (Bararuá)
Santa Maria é uma comunidade ribeirinha com ecossistema de terra firme, situada no
Lago Grande de Manacapuru sob jurisdição do Município de Caapiranga, no Estado do
Amazonas. Foi fundada em 1980 com a chegada de 3 famílias: do Sr. Elois Batista, Dona
Maria Solidade e Sr Azamor. Essas famílias buscaram nesta região oportunidade de moradia
própria para o trabalho na agricultura e desenvolveram na comunidade roçados para produção
da farinha e também plantio para o cultivo de outras espécies. A comunidade está situada
entre as Comunidades de Castanheira, São Sebastião e São Francisco que fazem parte do
município de Caapiranga-AM (Comunicação Verbal).
Em relação à infraestrutura, a comunidade Santa Maria (figuras 3 e 4) possui duas
escolas, um posto de saúde, um centro social, dois campos de futebol, uma igreja católica e
uma igreja evangélica. O transporte dos comunitários para sede dos municípios de
Caapiranga/AM e Manacapuru/AM e demais localidades é realizado no barco de linha que
66
semanalmente realiza esse deslocamento dos comunitários ou com transporte próprio
constituído principalmente por motores do tipo rabeta. (Comunicação Verbal19
)
A comunidade Santa Maria, chamada entre os comunitários como Bararuá, possui
30casas, das quais apenas 26 estão ocupadas com 26 famílias, e tem, em média 132
moradores. Neste sentido, as casas são distribuídas de forma linear (figura 05) e em sua
maioria de madeira (figura 06), sendo algumas mistas, conforme a tabela 02.
Material F.a. F.r.(%)
Madeira 28 93%
Mista: madeira e alvenaria 2 7%
Outros 0 0
Total 30 100
Tabela 02 – Tipos de moradia em Santa Maria - Caapiranga/AM
FONTE: Pesquisa de campo, 2017
19
Informações obtidas junto ao líder da comunidade (dados do Grupo Inter-Ação).
Figura 03 - Frente da comunidade no período de
cheia - Santa Maria no Município de Caapiranga/AM.
FONTE: Grupo Interação, 2017.
Figura 04 - Frente da comunidade no período de seca
- Santa Luzia no Município de Caapiranga/AM.
FONTE: Grupo Interação, 2017.
67
Esta estrutura de moradia se constitui forma típica das comunidades ribeirinhas da
Amazônia, que segundo Chaves (2001) são indicativos importantes para a percepção da
trajetória de vida, posição política, relações internas da comunidade entre outros fatores. As
famílias podem contar com alguns benefícios das políticas públicas do Governo em relação à
infraestrutura física e no atendimento ao fornecimento de energia e abastecimento de água,
além de educação formal e serviço de saúde. Entretanto, esses serviços ainda apresentam
algumas fragilidades tendo em vista que, não atendem de forma satisfatória as necessidades
dos comunitários.
Acesso a bens e serviços sociais
Quanto ao fornecimento de energia elétrica, cinco casas possuem gerador de energia
próprio. Há também, um motor gerador de energia elétrica comunitário que funciona durante
aproximadamente 4 horas a noite. Esse fornecimento de energia faz parte do projeto ―Luz
Para Todos‖ do Governo Federal, no qual a comunidade recebia 400L de diesel da Prefeitura
de Caapiranga e 130L do Estado por mês, durante o quadriênio 2013-2016. Contudo, segundo
os líderes comunitários, a quantidade fornecida, não atendia todos os dias do mês, sendo
necessário que os comunitários colaborassem para a compra de mais 130L de diesel. No ano
de 2017, devido à crise no país e consequentemente mudanças nas prefeituras dos municípios,
Figura 06 - Estrutura das casas em Santa Luzia-
Caapiranga/AM.
FONTE: Grupo Interação, 2017.
Figura 05 - Distribuição linear das casas em
Santa Luzia- Caapiranga/AM.
FONTE: Grupo Interação, 2017.
68
a quantidade de combustível foi reduzida ainda mais, desta forma, ficam sem energia de 15 a
20 dias do mês, conforme relatos dos comunitários.
Diante disso, identificou-se que os comunitários utilizam outras formas de energia na
tentativa de suprir a falta de iluminação para realizarem atividades diárias. Sobre isso, Silva
(2016) revela que, 92% da comunidade faz uso de gasolina e diesel para funcionamento do
gerador. Observa-se, um grande investimento financeiro dos comunitários na geração de
energia para a comunidade e para uso próprio, conforme mostra a figura 07.
Figura 07- Gastos por família para uso de energia na comunidade de Santa Maria- Caapiranga/AM.
FONTE: SILVA, 2016.
A comunidade no ano de 2017 foi beneficiada pelo Projeto Litro de Luz20
, realizado
por uma organização não governamental internacional (Liter of Light) operando em mais de
20 países, dentre eles, o Brasil. Com o objetivo de levar luz elétrica às comunidades que não
possuem acesso a energia elétrica, de forma simples, econômica e ecologicamente
sustentável, o sistema de geração de energia é composta por garrafas plásticas, painéis solares
e lâmpadas de LED (figura 08).
20
Informações no site: http://www.litrodeluz.com.
69
Este projeto chegou até a comunidade a partir do resultado de atividades de pesquisa
e extensão, especificamente pelo relatório intitulado ―Organização e trabalho das mulheres
ribeirinhas amazônicas: um estudo nas comunidades de Santa Maria e Santo Afonso no
Grande Lago de Manacapuru/AM.‖, realizado pelo Grupo Interação no ano de 2014-2016 e
financiado pelo Edital 032/2012 - MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA, os quais tiveram seus dados
apresentados para concorrer ao Premio St. Andrews Prize For The Environment, financiado
pela Fundação Afonso Brandão na Escócia entre 94 países e 510 inscritos, no qual o projeto
ganhou em 1º lugar e recebeu um recurso de US$100 mil para iluminar algumas comunidades
na Amazônia. Deste modo, a comunidade de Bararuá (Santa Maria), foi beneficiada com o
projeto Litro de Luz, e hoje possuem 22 lampiões e 19 postes de luz instalados na
comunidade.
Com relação a distribuição de agua para utilização doméstica, esta é oriunda de poço,
chuva e rio. A água de dois poços artesianos e do rio é distribuída por mangueiras até às casas,
no entanto sem tratamento para consumo, higiene pessoal e uso no preparo dos alimentos. No
final de ano de 2013, a comunidade foi beneficiada com o programa do Governo Federal
―Água para Todos‖ (figura 09), entretanto a escola foi beneficiada com um sistema de calhas
para armazenamento e aproveitamento da água das chuvas em caixa d‘água de polietileno.
Com o apoio da associação, posteriormente, os comunitários conseguiram junto a Prefeitura
Figura 08- Postes e lampiões do Litro de Luz na comunidade de Santa Luzia- Caapiranga/AM.
FONTE: Grupo Interação, 2017.
70
do Município de Caapiranga que todas as casas fossem beneficiadas com o mesmo sistema,
no entanto durante o período do verão não é possível utilizar esse sistema.
No caso do abastecimento, as famílias fizeram com recursos próprios à distribuição
de água encanada para chegar até as residências. No período de seca (após a vazante dos rios)
a água se torna um fator limitante na agricultura, uma vez que aumenta a distância para a sua
aquisição, sendo necessário o deslocamento do produtor por aproximadamente 40 mim de
caminhada para coletar água para todas as necessidades da família. Esse fator influência de
forma desfavorável na expansão dos cultivos, pois dessa forma, há um desestimulo ao
produtor, para ampliar a área cultivada.
No que diz respeito à saúde, o posto(figura 10) está em funcionamento há 15 anos.
Possui 04 (quatro) profissionais, 01 (um) agente de saúde, 01 (um) agente comunitário que
realiza visita domiciliar para a identificação de dados sobre doenças, 01 (um) enfermeiro e 01
(um) zelador. Há 9 (nove) anos a comunidade não recebe atendimento médico e odontológico
pela secretária de saúde do município. Importante destacar que, a comunidade tem recebido
atendimento médico-odontológico a partir do estabelecimento de parcerias com a ONG ―Asas
de Socorro‖ e comunidades cristãs que fazem atendimento em comunidades ribeirinhas
eventualmente, com profissionais da área da saúde como voluntários. Em caso de urgência é
necessário o deslocamento dos comunitários para a comunidade de Santo Afonso, que dispõe
de uma ―ambulancha‖ (voadeira com motor 15Kwa) do posto de saúde, para que seja
realizado deslocamento do paciente até o município de Manacapuru/AM.
Figura 09 - Sistema de calhas para aproveitamento de água da chuva em Santa Luzia-
Caapiranga/AM.
FONTE: Grupo Inter-Ação, 2015-2017.
71
No que concerne à educação, possui 02 (duas) escolas: Escola Municipal Santa
Maria, fundada em 1980 (figura 11) e Escola Municipal Elois Batista, fundada em 2010
(figura 12) com 1 (um) secretário e 8 (oito) professores que lecionam da Educação Infantil até
o Ensino Médio. Segundo a Gestora da Escola, há carência em relação ao material didático
que se encontra desatualizado e também em relação ao espaço físico que é pequeno para a
quantidade de alunos da comunidade.
Há dificuldade em relação ao modelo de educação multi-seriado em que alunos de 1°,
2° e 3° anos ficam na mesma turma, dificultando o aprendizado de todas as séries. A escola
possui 05 (cinco) computadores, 02 (duas) impressoras, 01 (uma) TV, 01 (um) data show, 01
(uma) caixa amplificada, 03 (três) ventiladores e 01 DVD, no entanto não possui energia
elétrica para o funcionamento destes equipamentos.
Figura 10- Posto de Saúde da comunidade Santa Luzia– Caapiranga/AM.
FONTE: Pesquisa de campo, 2015.
Figura 11 - Escola Municipal de Santa Luzia
FONTE: Pesquisa de campo, 2017. Figura 12-Escola Municipal Elois Batista em Santa
Luzia
FONTE: Pesquisa de campo, 2017.
72
Dados do relatório de pesquisa referente ao período de 2013-2015 demonstram que a
escola atendia aproximadamente 32 crianças (18 residem na própria comunidade e 13 em
comunidades próximas), 27 adolescentes (13 da própria comunidade e 14 de comunidades
próximas) e 04 adultos (01 da comunidade e 03 de comunidades próximas). Em relação ao
ano letivo da escola no ano de 2017, as duas escolas atendem 68 alunos, a Escola de Santa
Maria atende 19 alunos enquanto a Escola Elois Batista atende 49 alunos, sendo 6 (seis)
adultos e o restante jovens e crianças.
Neste contexto, é importante destacar que a Comunidade ainda possui formas de
organização sociopolítica e cultural, através das quais se reúnem em 03 (três) associações:
Associação de Moradores da Comunidade de Santa Maria com 26 famílias associadas,
Associação Rural dos Agricultores com 46 moradores associados, Associação de Pais e
Mestres; 02 (dois) times de futebol sendo: 01(um) feminino e 01 (um) masculino.
Comunidade Santo Afonso (Dominguinhos)
A comunidade Santo Afonso (figuras 13 e 14) foi oficialmente fundada no ano de
1980 e os primeiros moradores foram Sra. Francisca de Oliveira Sales e o seu esposo o Sr.
Luiz Ferreira Sales que ainda moram no local. Vieram das proximidades do Município de
Coari/AM a convite do dono das terras correspondente a comunidade, Sr. Amadeu Lima, com
a finalidade de construir a casa própria e de alternativa de trabalho para o desenvolvimento da
agricultura. A comunidade recebeu esse nome em homenagem ao Santo Padroeiro da região,
uma vez que a maioria dos moradores locais são cristãos católicos.
Figura 13 - Frente da Comunidade Santo Afonso
Fonte: Grupo Interação, 2017
.
Figura 14 - Lateral da Comunidade Santo Afonso
Fonte: Grupo Interação, 2017
.
73
Também denominada pelos comunitários com o nome de Dominguinhos, a
comunidade está localizada na área rural do município de Caapiranga/AM, a margem
esquerda do Lago Grande de Manacapuru. No entorno situam-se outras comunidades
ribeirinhas: Castanheiro, Taboca, São Sebastião, Patoá, Santa Maria e Daris que fazem parte
do município de Caapiranga-AM (Comunicação Pessoal).
A infraestrutura comunitária é básica, sendo formada por uma (1) escola, um (1)
posto de saúde, um (1) centro social, dois (2) campos de futebol, uma (1) igreja católica e um
(1) telefone público. Atualmente, a comunidade é constituída por aproximadamente 172
moradores dentre eles estão 44 crianças de 0 a 10 anos, 17 adolescentes de 11 a 17 anos, 11
idosos acima de 60 anos e aposentados, 45 mulheres e 55 homens, todas essas categorias
distribuídos em 43 famílias que residem, atualmente, na comunidade, conforme detalhado na
tabela 03.
Moradores Faixa etária N° de
moradores
Homens 18 a 59 anos 55
Mulheres 18 a 59 anos 45
Crianças 0 a 10 anos 44
Adolescentes 11 a 17 anos 17
Idosos Acima de 60 anos 11
Total 0 a acima de 60
anos 172
Tabela 03 -Moradores por faixa etária da comunidade Santo Afonso
Fonte: Grupo Interação, 2017
Com relação a moradia, a comunidade possui 37 casas, sendo a maioria construída
na modalidade mista (base de alvenaria e o restante de madeira). É importante frisar que em
algumas comunidades ribeirinhas, em uma mesma casa residem 02 (duas) ou 03 (três)
famílias, filhos que casam e continuam residindo com os pais, já com esposa e filhos ou
marido e filhos, no caso das filhas mulheres.
Na Amazônia, segundo Chaves (2001), existem determinantes históricos,
socioculturais e econômicos, relacionados a formas habitacionais, tais como:
a) os recursos naturais encontrados no local (palha, madeira, barro) para construção das
moradias;
b) adequação das moradias às condições do ambiente (alta pluviosidade, elevada
umidade do ar e temperatura);
74
c) conhecimento tradicional herdado de gerações passadas, possibilitando a melhor
forma de uso os recursos naturais encontrados no local;
d) a diferença entre os custos dos recursos locais disponíveis a essas populações, e os das
construções de alvenaria, por exemplo.
Com relação a mobilidade, o transporte dos comunitários para sede dos municípios
de Caapiranga-AM e Manacapuru-AM e demais localidades é realizado no barco de linha que
semanalmente realiza o trajeto entre as comunidades possibilitando o transporte aos
comunitários. No entanto, os comunitários dispõem de transportes próprios constituídos
principalmente por sete barcos e quinze rabetas21
.
Acesso a bens e serviços sociais
Quanto ao fornecimento de energia elétrica é realizado por meio do programa do
Governo Federal ―Luz Para Todos‖, no qual a comunidade recebia 500L de combustível no
mandato anterior da Prefeitura do Município de Caapiranga, que servia para alimentar um
motor gerador comunitário durante 3 horas no período da noite das 18:00h às 21:00h, porém,
o diesel fornecido não era suficiente para garantir energia todos os dias do mês. Neste caso, os
moradores contribuíam com uma taxa de R$ 30,00 para compra mais combustível e completar
o mês. Atualmente, após as eleições e as mudanças ocorridas na prefeitura de Caapiranga,
devido ao novo mandato, a comunidade não tem recebido os 500L de combustível que
alimentava o motor gerador, resultando na falta de energia e sem uma previsão exata desse
fornecimento prejudicando os comunitários de Santo Afonso.
Atualmente, a comunidade pode contar com a iluminação de 29 postes do projeto
Litro de Luz Brasil (figura 15), 40 lampiões também do projeto Litro de Luz e 14 famílias
possuem motor gerador próprio, quando os comunitários não dispõem de recurso financeiro a
comunidade fica sem energia parte do mês.
21
Rabeta: embarcação de porte pequeno típico da região amazônica, constituída por uma canoa (casco de
madeira) movido por um motor de popa.
75
Com relação ao abastecimento de água para consumo, este é feito através do uso de
um poço artesiano da escola, por todos os comunitários. A distribuição é feita por mangueiras
para todas as residências sendo distribuída para todos na comunidade, além disso, cada casa
recebe 02 frascos de hipoclorito pela Secretaria de Saúde do Município e recebem instruções
da Agente Comunitária de Saúde para tratamento da água. Faz- se necessário salientar que,
esta comunidade ainda não foi beneficiada pelo programa Água para Todos, o qual realiza o
reaproveitamento das águas pluviais.
No tocante a saúde, a comunidade possui 1 posto de saúde (Figura 16), no qual
atuam (cinco) profissionais, entre eles estão 1 (uma) enfermeira, 1 (um) técnico em
enfermagem, 1 (um) agente de endemias e 2 (dois) agentes comunitários de saúde.
A escola (Figura 17 e 18) possui 5 (cinco) professores, atualmente está sem gestor e
secretários, com isso, recebe a visita mensal de uma coordenadora de área. Na ausência de
secretários, os professores são os responsáveis pelo preenchimento das fichas (notas, faltas,
advertências e etc.) e também pela matricula dos alunos. Dessa forma, a escola da
Figura 15 - Poste Litro de Luz Brasil de Santo Afonso
Fonte: Grupo Interação, 2017.
Figura 16 - Posto de saúde da Comunidade Santo Afonso
Fonte: Grupo Interação, 2017
76
Figura 17- Escola Municipal Santo Afonso
FONTE: Grupo Interação, 2017.
Figura 18- Sala de Aula - Escola Municipal Santo
Afonso
FONTE: Pesquisa de campo, 2017.
comunidade atende, aproximadamente, 54 alunos, sendo 3 alunos de outra comunidade. A
escola conta com a infraestrutura de 3 (três) salas de aula, 1 (um) refeitório e 1 (um)
banheiro, e possui ensino fundamental e médio/tecnólogo. O ensino fundamental é desde o 1°
ano até o 9° ano com 47 alunos, e o ensino médio formado apenas delas turmas de 1° ao 3º
ano e atende, hoje, 7 alunos.
No tocante ao lazer e ao entretenimento, a comunidade dispõe de uma praça (figura
19), que fica logo na entrada da Comunidade, da qual pode-se contemplar o rio e o por do
sol.
Os comunitários dispõem ainda de dois campos de futebol, onde ocorrem os
campeonatos internos e externos. O campo de futebol principal (figura 20) da comunidade é
Figura 19 - Praça da Comunidade de Santo Afonso
Fonte: Grupo Interação, 2017.
77
uma das sedes dos campeonatos intercomunitários. A comunidade Santo Afonso participa
ativamente dos campeonatos em todos os anos com os seus times de futebol masculino e
feminino.
Com relação à organização sociopolítica, a comunidade possui a Associação Rural de
Agricultores de Santo Afonso, com sede própria (figura 21) na comunidade para diversas
reuniões e atividades entre os produtores rurais e suas famílias.
Figura 20 - Campo de futebol Comunidade de São Lazaro, em
Caapiranga
FONTE: Grupo Interação, 2017.
Figura 21- Sede da Associação da Comunidade Santo Afonso
Fonte: Grupo Interação, 2017
78
O contexto regional da Amazônia, sobretudo no âmbito das comunidades ribeirinhas,
é marcado por falta ou precariedade na efetivação de políticas públicas que possam suprir as
necessidades dos grupos doméstico-familiares. No caso da comunidade Santo Afonso o
acesso a bens e serviços sociais tais como como de saneamento básico, energia, saúde,
educação, e outras no âmbito comunitário, não se efetivam de modo a atender os interesses e
as necessidades das 44 famílias residentes na comunidade.
79
CAPÍTULO 3
MECANISMOS SOCIOCULTURAIS DE PROTEÇÃO DOS CONHECIMENTOS
TRADICIONAIS NAS COMUNIDADES SANTA MARIA E SANTO AFONSO EM
CAAPIRANGA/AM
A ausência de instrução formal não é sinônimo de ausência de conhecimento.
(ELISABETSKY, 2002)
O debate em torno dos mecanismos jurídicos de proteção ao conhecimento
tradicional associado ao uso da biodiversidade perpassa a questão socioambiental mundial por
reconhecer a relevância dos povos tradicionais e seus conhecimentos para a conservação dos
recursos naturais a partir de princípios tradicionais similares aos do paradigma da
sustentabilidade em suas dimensões social, cultural, econômica, espacial e ecológica.
Neste contexto, as comunidades ribeirinhas Santa Maria e Santo Afonso são,
tipicamente, tradicionais por conservarem modo de vida e trabalho pautados numa relação de
simbiose com a natureza e que resguarda uma herança cultural-indígena marcada pela
construção de conhecimentos tradicionais.
O estudo propõe-se em caracterizar as práticas socioculturais desenvolvidas a partir
do conhecimento tradicional sobre o uso e manejo de plantas medicinais, por compreender
que esse conhecimento tem sido utilizado em inúmeras pesquisas biotecnológicas e
contribuído na descoberta e comercialização de medicamentos, todavia, uma parcela ínfima
desses benefícios tem retornado às comunidades.
Além disso, o mapeamento dessas práticas contribui, significativamente, na
ampliação das estratégias de valorização e resgate das formas tradicionais de uso da
biodiversidade, ao mesmo tempo em que indica propostas e elementos socioculturais que
podem compor a construção de um regime sui generis de proteção ao conhecimento
tradicional associado pautado em princípios culturais e ambientais desenvolvidos na
Amazônia.
Sob esta ótica, o capítulo foi estruturado em três tópicos de abordagem, a saber:
1)Organização sociocultural nas Comunidades de Santa Maria e Santo Afonso, 2) Saberes e
práticas em Comunidades ribeirinhas da Amazônia: mapa dos conhecimentos e plantas
medicinais em Santa Maria e Santo Afonso Caapiranga/AM e 3) Estratégia local de proteção
ao conhecimento tradicional.
80
3.1. Organização sociocultural nas Comunidades de Santa Maria e Santo
Afonso
A organização das práticas socioculturais no contexto das comunidades ribeirinhas
constitui-se de elementos essenciais para o estudo acerca do uso e manejo de plantas
medicinais e de mecanismos para a sua proteção. Diante disso, faz-se necessário compreender
que as práticas sociais dos povos tradicionais são delineadas pela cultura construída
historicamente entre as gerações através da oralidade, mas, que também estabelecem
interações com outros conhecimentos no tempo e no espaço, transformando e inserindo novos
elementos aos seus processos inventivos e criativos, quer seja no trabalho, no lazer ou no
tratamento da saúde.
Essa cultura é marcada pela relação homem e natureza, para esses povos a terra
possui um significado e não há dicotomia entre si e a natureza, mas, sim um processo de
constante interação e reciprocidade (DIEGUES, 20004). Nesse contexto, o tratamento da
saúde em comunidades ribeirinhas é marcado pela influencia indígena de uso de plantas
testadas empiricamente no decorrer da história e utilizadas ainda no século XXI. Entretanto, a
dificuldade da ciência ocidental em aceitar esse conhecimento e compreender o seu valor
cultural e contributivo aos estudos científicos na área da saúde preventiva e curativa, retardou
a sua valorização, e consequentemente, a não proteção dos recursos genéticos de cada região.
Entretanto, esse conhecimento tradicional associado ao uso da biodiversidade, pode
promover muitas descobertas científicas em diversas áreas do conhecimento (DIEGUES,
2004; SANTILLI, 2005; RODRIGUES, 2015). Para isso, faz-se necessário esclarecer, com
base na ecologia social que o conceito de biodiversidade transcende uma concepção
puramente biológica e relacionada a espécies e ao ecossistema, mas, é também resultado de
práticas realizadas historicamente por povos tradicionais que habitam cada região e que
realizam uso e manejo de espécies, interferindo e mantendo a diversidade biológica local
(DIEGUES, 2004).
Partindo desse entendimento, a biodiversidade inclui tanto aspectos biológicos
quanto culturais e o reconhecimento desses aspectos indica caminhos para um processo de
conservação baseado em princípios da sustentabilidade, assumindo um compromisso ético,
politico, cultural e ecológico com as gerações futuras. (DIEGUES, 2004; LEFF, 2009). Do
ângulo ético-politico, seria improcedente a desvalorização do conhecimento tradicional para
81
uso de plantas medicinais quando se leva em consideração a contribuição histórica que os
povos detentores de tais práticas deram à sociedade na melhoria da atenção a saúde, e que foi,
inclusive, reconhecida através da criação da Politica Nacional de Plantas Medicinais e
Fitoterápicos aprovada por meio do Decreto Nº 5.813, de 22 de junho de 2006 que estabelece
o uso sustentável da biodiversidade brasileira como um de seus princípios norteadores.
A partir do enfoque cultural, nota-se que o uso e a gestão dos recursos naturais em
áreas de maior conservação da biodiversidade está sob as formas de organização sociocultural
dos povos tradicionais no manejo de plantas medicinais pautado na relação simbiótica entre
homem e natureza a partir da visão que tem sobre o mundo em que vivem e suas
representações simbólicas (DIEGUES, 2004).
Na esteira deste pensamento, Diegues (2004) sinaliza que a relação que os povos
tradicionais estabelecem com a natureza, configura-se como uma forma de manejo de
espécies e pode unir-se aos esforços científicos de conservação da biodiversidade, na medida
em que ―manipulam componentes inorgânicos e orgânicos do meio ambiente, que traz uma
diversidade ambiental liquida maior que a existente nas chamadas condições naturais
primitivas onde não existe presença humana‖ (2004, p. 18). Essa forma de relação com a
natureza conduz várias formas de organização comunitária em todos os âmbitos da vida
tradicional em Santa Maria e Santo Afonso, a saber: a)trabalho, b) organização sociopolítica e
c) acesso à saúde.
a) Trabalho
No âmbito do trabalho, os comunitários vivem, primordialmente, da agricultura
familiar, a qual está baseada em técnicas de uso e manejo da biodiversidade. Essa forma de
trabalho foi desenvolvida a partir de contribuições de vários agentes sociais ao longo do
processo sócio-histórico e garantem as condições necessárias à reprodução socioeconômica e
cultural desses povos na Amazônia (PONTES, 2015), conforme pode-se verificar nos gráficos
a seguir.
82
Gráfico 1 - Principal Atividade Produtiva – Santa Maria
Fonte: Relatório CNPq, 2014.
Gráfico 2-Principal Atividade Produtiva – Santo Afonso
Fonte: Relatório CNPq, 2014.
Os graficos 1 e 2 revelam que a agricultura assume lugar fundamental na forma de
organização do trabalho, mas, que também outras formas de produção aparecem no contexto
familiar e comunitário, como o artesanato e a pesca, por exemplo. Acerca disso, é possivel
analisar a polivalência dos trabalhadores rurais amazônicos, que não desenvolvem apenas
uma atividade mas, varias atividades produtivas para a reprodução social e econômica
familiar. Para Schneider (2010), esse aspecto é denominado pluriatividade, que é a
diversificação de atividades, na qual os agricultores familiares optam por outras atividades,
além do trabalho agrícola.
Além da pluriatividade presente no cotidiano das comunidades estudadas, está o
trabalho numa perspectiva de labor (ARENDT, 1999), que não segue a lógica de produção em
massa e acúmulo de riquezas, mas da própria subsistência familiar e comunitária. As relações
de trabalho são estabelecidas através de uma ética solidária e sustentável entre os envolvidos,
na qual todos os comunitários se envolvem no processo de produção de alimentos através da
agricultura.
83
A ideia de trabalho concebida pelos comunitários perpassa o conceito de trabalho
como um elemento fundamental da formação humana, através do qual o homem desenvolve
meios de subsistência e se estabelece na sociedade através de sua capacidade teleológica de
desenvolver meios e objetos de trabalho. (MARX, 1984; ANTUNES, 2010). Em Santa Maria
e Santo Afonso pode-se verificar (figura 22) o desenvolvimento desses meios e objetos
através da construção de ferramentas e utensílios que facilitam e possibilitam o trabalho no
meio rural.
b) Organizacao Sociopolítica
A organização sociopolitica no âmbito das comunidades ribeirinhas da Amazônia
envolve, em primeira instância, uma análise sobre participação social, política e comunitária.
A participação social é concebida como um processo social, porque está presente na realidade
social de diversos segmentos da população, principalmente das comunidades ribeirinhas da
Amazônia. Desta forma, a participação social independe da influencia de agentes externos,
porque faz parte do processo natural do homem de pensar e agir sobre determinada situação
que requer uma solução. (SOUZA, 1996)
Esta participação refere-se às decisões da própria vida social, no caso dos povos
tradicionais, esta participação está presente no cotidiano da comunidade. Para além da
Figura 22 - Ferramentas para o trabalho na produção de farinha
Fonte: Nascimento (2014)
84
participação nas decisões da comunidade, o modo de vida em comunidade também se
configura como uma forma de organização sociopolítica.
Diante do exposto, pode-se verificar que a participação como elemento constitutivo
da organização sociopolítica, é ―resultante do exercício coletivo de tomada de decisões e
gestão das ações, definidas e implementadas pela população comunitária por meio da
articulação de forças sociais dentro e fora da comunidade‖ (BARROSO, 2010, p. 60)
Neste contexto, a análise das formas de organização sociopolítica das comunidades
ribeirinhas Santa Maria e Santo Afonso compreende as influências culturais, a construção
histórica e política da comunidade e as relações sociais que são estabelecidas no cotidiano
comunitário. (CHAVES, 2001). Além disso, para a autora o contexto da organização
sociopolítica da comunidade ribeirinha está vinculada também a luta pelo acesso a bens e
serviços e ao direito ao seu território e uso dos recursos naturais disponíveis. Chaves (2001,
p.93) explica que,
as formas de organização sociocultural e politica das comunidade na Amazônia, em
suas singularidades, abrigam mecanismos e praticas que podem servir como
instrumento para a construção de alternativa e soluções para atender suas
necessidades de bens e serviços sociais.
Desta forma, a organização sociopolítica nas comunidades Santa Maria e Santo
Afonso em Caapiranga/AM está voltada para a resolução dos problemas incomuns que
permeiam a vida em comunidade e essa forma de organização se dá a partir da identidade
cultural de cada comunidade, no entanto é preciso levar em consideração, também, os fatores
externos a comunidade. No contexto interno das comunidades, o agente sociais estabelecem o
manejo coletivo dos recursos, de acordo com os saberes tradicionais e desta forma
estabelecem estrategias de resistência as influencias externas advindas do modelo de produção
capitalista. (Chaves, 2001).
d) Acesso à saúde
As discussões acerca do acesso à saúde em Comunidades Ribeirinhas da Amazônia
são complexas e desafiadoras quando pensado num cenário de implementação de politicas
sociais discutidas e criadas a partir da realidade urbano-industrial. Nesse contexto, os povos
tradicionais tentam usufruir de bens e serviços públicos e adequá-los a sua realidade,
entretanto, nem sempre encontram êxito e/ou eficácia no atendimento das demandas,
principalmente, na área da saúde.
85
No Brasil, a saúde ocupa um lugar no tripé da seguridade social composta também
por Assistência Social e Previdência Social, prevista desde 1988 com a Constituição Federal,
todavia, muitas comunidades tradicionais na Amazônia ainda encontram dificuldade em
acessar esses direitos sociais. Neste contexto, faz-se necessário discutir estratégias de políticas
públicas de saúde baseadas na cultura amazônica, o que remete para o uso tradicional de ervas
e plantas medicinais.
Nesse sentido, têm-se, no Brasil, algumas iniciativas que acenam na direção da
valorização do conhecimento sobre plantas medicinais e de regulamentação e incentivo a
medicina tradicional, uma delas é a Politica Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos22
,
aprovada por meio do Decreto Nº 5.813/2016 que assume dentre os diversos princípios o uso
sustentável da biodiversidade e o fortalecimento da agricultura familiar além de compor os
sistemas médicos complexos e recursos terapêuticos na medicina tradicional. Insta frisar que
já existe um conjunto de políticas23
que buscam atuar na valorização da medicina tradicional,
entretanto faz-se necessário salientar que a realidade das Comunidades Santa Maria e Santo
Afonso é marcada pela dificuldade no acesso a saúde convencional e a poucas iniciativas
publicas de incentivo e valorização do conhecimento tradicional sobre ervas e plantas
medicinais.
Diante deste cenário, é possível compreender que os povos que vivem nas
comunidades Santo Afonso e Santa Maria são detentores de um conhecimento tradicional no
qual se explica todos os âmbitos da vida comunitária no interior da Amazônia e esse
conhecimento não se restringe apenas ao uso de plantas medicinais, mas lhes é conferido
também características tradicionais na forma de trabalho, de organização cultural e
sociopolítica. Desta forma, este estudo foi desenvolvido nas comunidades supracitadas com o
objetivo de analisar as formas de proteção dos conhecimentos tradicionais presentes nas
práticas socioculturais no uso e manejo de plantas medicinais, mas, parte do pressuposto de
que essa proteção deve ser pensada a partir da valorização das praticas socioculturais locais e
do conhecimento tradicional associado, que serão analisados no tópico a seguir.
22
Será abordado no próximo tópico de análise 23
Será apresentado no próximo tópico de análise.
86
3.2. Saberes e práticas em Comunidades Ribeirinhas da Amazônia: mapa
dos conhecimentos e plantas medicinais em Santa Maria e Santo Afonso
Caapiranga/AM
O desenvolvimento de saberes e práticas tradicionais acerca da biodiversidade estão
presentes na realidade dos povos tradicionais que vivem na Amazônia, conforme mencionado
no capítulo anterior. Este estudo versa, especificamente, sobre o conhecimento tradicional
sobre o uso e manejo de plantas medicinais na Amazônia, apresentando elementos
socioculturais fundamentais para subsidiar propostas de mecanismos de proteção efetivos e
estratégias de resgate e valorização desse conhecimento que possui um valor imaterial
inestimável para o mundo e a região.
As comunidades Santa Maria e Santo Afonso, localizadas no Município de
Caapiranga/AM, são compostas por um contexto sociocultural que abrange os diversos
âmbitos da vida dos povos tradicionais na forma de valores morais e éticos, normas
comunitárias, práticas de uso e manejo da biodiversidade, festejos e organizações
sociopolíticas que demonstram o modus vivendi nessa região, conforme analisa Rodrigues
(2015).
Neste contexto, os povos tradicionais que vivem nas comunidades supracitadas
possuem um conhecimento tradicional acumulado acerca da biodiversidade, construído por
meio da relação que mantêm com o meio ambiente durante décadas, que lhe proporcionaram
uma experiência vasta de aplicações de uso e manejo de tais recursos. Esses conhecimentos na
contemporaneidade representam uma história marcada pela tradição oral, com a qual estes são
repassados entre as gerações e balizados por princípios como coletividade, territorialidade e
sustentabilidade.
Com isso, o conhecimento tradicional sobre plantas e medicinais na Amazônia se
reveste de singular importância, não somente aos povos que o detêm, mas, à humanidade por
resguardarem práticas de conservação de recursos naturais e atuarem como mantenedores e
guardiães da diversidade biológica na região.
Na esteira desse pensamento, este estudo realizou entrevista junto a 2024
comunitários através de formulários do tipo semi-estruturado, dos quais 10 informantes
residem na Comunidade Santo Afonso e outros 10 em Santa Maria. Os informantes, em sua
24
Neste estudo optou-se pela amostra não-probabilística, por se tratar de uma pesquisa qualitativa, os
informantes foram aqueles que se apresentaram e foram identificados pela comunidade como mais envolvidos
com o manejo de recursos naturais na área de plantas medicinais.
87
maioria, são mulheres e estão em idade adulta (gráfico 3 e 4) e todos nasceram no Estado do
Amazonas.
A caracterização do perfil dos entrevistados remete a pessoas identificadas, no
contexto comunitário, como detentores de conhecimentos na área da medicina tradicional, na
qual 70% dos informantes são do sexo feminino e 30% do sexo masculino, tanto na
Comunidade Santo Afonso quanto em Santa Maria. Portanto, as mulheres aparecem como as
principais mantenedoras dessa forma de produção e reprodução da cultura de uso e manejo de
plantas medicinais no meio rural, essa característica explica-se na divisão sexual do trabalho
Gráfico 3 - Faixa etária – Santa Luzia/AM Fonte: Pesquisa de Mestrado, CNPq, 2017.
Gráfico 4 - Faixa etária – Santo Afonso/AM Fonte: Pesquisa de Mestrado, CNPq, 2017.
88
em comunidades tradicionais da Amazônia, na qual as atividades produtivas e domésticas são
divididas entre homens, mulheres e crianças. Desta forma, as mulheres são responsáveis pelo
trabalho na agricultura, afazeres domésticos, cuidado da saúde e educação dos filhos.
(DIEGUES, 2000, WAGLEY, 1988)
Quanto à origem dos informantes, este estudo revela que 100% (n=20) da amostra
pertencem ao Estado do Amazonas, tendo nascido em diferentes municípios, a saber:
Manacapuru, Caapiranga, Tapauá, Rio Juruá, Carauari, entre outros. A naturalidade dos
entrevistados revela a formação da identidade sociocultural na Amazônia, na qual os povos
tradicionais assumem um sentimento de pertença e inter-relação com as pessoas e com o meio
ambiente que estão inseridos e do qual buscam meios de subsistência na reprodução da vida
social.
a) Relevância social e cultural dos conhecimentos sobre plantas medicinais nas Comunidades
Os conhecimentos tradicionais mapeados neste estudo estão relacionados ao uso e
manejo de plantas medicinais no contexto de comunidades tradicionais ribeirinhas da
Amazônia, nas quais esse conhecimento aparece revestido de singular importância para os
seus detentores, já que estabelecem uma relação estreita e particular com os recursos naturais,
é o que revela as falas dos entrevistados do quadro 13.
Quadro 13-Análise de Conteúdo - Importância do CT associado às manifestações religiosa, simbólica e espiritual Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Percepção da
Importância do
conhecimento
sobre plantas
medicinais
Associação às
manifestações
religiosa,
simbólica e
espiritual.
“Esse conhecimento sobre plantas medicinais é importante por que
quando não tem remédio você se apega a planta e a Deus e na hora
resolve, ajuda muito com a dor‖ (Entrevistado 2, Comunidade Santo
Afonso).
―É muito importante para saúde das pessoas é uma farmácia que
Deus deixou aqui‖ (Entrevistado 13, Comunidade Santa Maria).
―Esse momento é muito importante porque nós do interior é nossa
chance de se tratar, e a gente toma com fé em Deus e dá certo‖.
(Entrevistado 10, Comunidade Santa Maria). Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
Os depoimentos em análise (quadro 13) apresentam características do uso de plantas
medicinais, que muitas vezes está vinculado a alguma fé ou crença que independe da questão
religiosa, compreendendo que algumas doenças são consideradas, pelos comunitários, como
espirituais ou de causas não-naturais, portanto, a administração de remédios feito de plantas e
ervas pode ser ou não auxiliado de rezas e orações baseadas na crença do curador e do doente.
Acerca disso, Laraia (2008) observa que essa cultura pode curar doenças, reais ou espirituais e
89
essa cura ocorre quando o doente crê na eficácia do remédio ou no poder das rezas que podem
ser feitas por um curandeiro ou rezador.
Na Comunidade Santo Afonso, os comunitários identificam e classificam as doenças,
de acordo com os sintomas, se são físicas e/ou espirituais. Se físicas, administram
medicamento convencional ou tradicional, se espirituais buscam auxilio de um rezador,
conforme revela a entrevistada no quadro 14.
Quadro 14 - Análise de Conteúdo – Categoria Percepção acerca da procura à medicina tradicional x medicina
oficial, subcategoria presença de agente social (rezador ou benzedor).
Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Percepção acerca
da procura à
medicina
tradicional x
medicina oficial.
Presença de agente social
(rezador ou benzedor).
―Às vezes uma criança tá com uma diarréia a gente diz logo:
menino procura um rezador para rezar nessa criança. Porque
a gente verifica pelas fezes dela. Leva lá no rezador, a gente
sempre tem esse costume, leva no rezador que isso não é
para médico, a gente identifica assim.‖ (Grupo Focal, Santo
Afonso, 2017).
Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
A prática de rezadores e curandeiros é muito antiga na Amazônia e resgata herança
cultural indígena de alternativas de tratamento e prevenção da saúde. Neste sentido, a figura
desses agentes sociais ainda está muito presente no cotidiano das comunidades tradicionais
indígenas e não- indígenas amazônicas que foram formadas a partir dessa cultura de uso de
plantas medicinais associadas a práticas de reza e cura.
No interior das Comunidades na Amazônia existem pessoas que são identificadas e
reconhecidas pelos comunitários como rezadores, curadores e mais experientes na prática e
ensino de tratamento de doenças, muitas vezes, são essas pessoas que também fazem o
diagnóstico conforme os sintomas. Em Santo Afonso, uma das entrevistadas reconhece os
principais rezadores da região, conforme quadro 15.
Quadro 15: Análise de Conteúdo – Categoria Percepção acerca da procura à medicina tradicional x medicina
oficial, subcategoria Diagnóstico da doença e identificação de rezador e benzedor na Comunidade.
Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Percepção acerca
da procura à
medicina
tradicional x
medicina oficial
Diagnóstico da doença e
identificação de rezador
e benzedor na
Comunidade.
―Como rezador só temos o Seu Abdala, que mora pra ali. A
Cleude também reza para quebrante, vento caído, engasgo.
Às vezes a pessoa engole uma espinha e ela reza e sai. Pra
vermelha, é quando a gente pega um golpe e fica tudo
vermelho, vermelho, vocês já pegaram? Já viram isso?
Pessoal na cidade diz que quem tem isso é diabético, mas
aqui a gente chama isso de vermelha, a gente pega um golpe
e aquilo fica tudo vermelho, aí ela reza e ensina um remédio
e pronto já curou‖. (Grupo focal, Santo Afonso, 2017).
Fonte: Elaborado pela autora, 2017
90
Note-se que a fala da entrevistada supracitada revela a diversidade de doenças
diagnosticadas pelo rezador e a comparação que estabelecem com as doenças identificadas
pela medicina oficial no meio urbano. Portanto, há um confronto e uma resistência na direção
da valorização do conhecimento tradicional, mas que concomitantemente, estabelece relação
com o conhecimento técnico-cientifico expressos na forma em que cuidam da saúde,
associando e aliando práticas socioculturais no uso de plantas medicinais, reza, fé e cura a
tratamentos, remédios e intervenções técnicas na área da saúde. É o que revela o depoimento
no quadro 16.
Quadro 16 - Análise de Conteúdo – Categoria Percepção acerca da procura à medicina tradicional x medicina
oficial, subcategoria diagnóstico da doença e tipo de tratamento escolhido Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Percepção acerca
da procura à
medicina
tradicional x
medicina oficial
Diagnóstico da doença e
tipo de tratamento
escolhido
―Se for dor de cabeça e febre você toma uma dipirona ou
paracetamol. Se tiver vomitando ou diarreia ai vai para um
remédio caseiro‖. (Grupo focal, Santo Afonso, 2017)
.Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
Desta forma, as Comunidades Santo Afonso e Santa Maria apresentam um sistema
de saúde específico e particular desenvolvido historicamente a partir da cultura e da relação
com as estratégias da Politica Nacional de Saúde oficial, na qual utilizam as formas de
tratamento convencionais mas, não perdem ou substituem suas praticas de uso e manipulação
de ervas e plantas medicinais. Neste sentido, a importância expressa pelos comunitários entre
o conhecimento tradicional e o técnico-cientifico é desvendado nas falas no quadro 17.
Quadro 17 - Análise de Conteúdo - Percepção da Importância do conhecimento sobre plantas medicinais,
subcategorias medicina tradicional à medicina convencional/oficial e desvalorização/esquecimento das praticas
de uso de plantas medicinais Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Percepção da
Importância do
conhecimento
sobre plantas
medicinais
Associação da medicina
tradicional à medicina
convencional/oficial.
―É importante, pois nos ajuda melhora de qualquer
problema de saúde. Quando não tem remédio na farmácia
faz remédio caseiro‖ (Entrevistado 6, Comunidade Santo
Afonso)
―Importante quando não tem nenhum remédio‖
(Entrevistado 9, Comunidade Santo Afonso.).
Desvalorização/esquecimento
das praticas de uso de plantas
medicinais
―Tem importância, mas muitas vezes é esquecido‖.
(Entrevistado 12, Comunidade Santa Maria)
―É muito bom porque é uma planta que a gente tem que
pode curar o problema, e que a gente muitas vezes não dá
importância‖, (Entrevistado 20, Comunidade Santa
Maria).
Fonte: Elaborado pela autora, 2017
91
Os entrevistados 6 e 9 estabelecem essa relação na qual a prática tradicional depende
da ausência de medicamentos convencionais no meio rural, enquanto os Entrevistados 12 e 20
ressaltam sobre a importância do conhecimento tradicional no uso de plantas medicinais, do
qual são detentores, mas, reconhecem que não lhes é dada a importância necessária. Neste
contexto, chama-se atenção para o fato da desvalorização do conhecimento tradicional e do
distanciamento das práticas socioculturais, sobretudo no uso e manipulação de espécies com
fins medicinais. Este fator ocorre, principalmente, pela influência do processo civilizatório
global, no fenômeno denominado como globalização.
Ainda que, em escalas menores, as comunidades tradicionais são atingidas pelo
fenômeno da globalização cultural e econômica que tem atingido principalmente o
conhecimento tradicional na área plantas medicinais, já que há um valor econômico
significativo para o mercado biotecnológico e farmacológico. O processo de desvalorização
desse conhecimento tem suas bases atreladas a uma proposta de desenvolvimento
―sustentável‖ de caráter ideológico diferenciado aos reais princípios da sustentabilidade e que
tem causado grandes danos a identidade cultural dos povos tradicionais na Amazônia.
Seguindo esse entendimento, a Globalização atua em três principais áreas, a saber:
Econômica, Social e Cultural. Na esfera econômica busca a interligação dos mercados a nível
global, na social busca atuar em problemas como miséria, fome, trabalho infantil, enquanto na
Cultural busca uniformizar o padrão das culturas, tornando-os homogêneos através da
influencia dos meios de comunicação. (COSTA E KLEIN, 2012). Diante disso, a globalização
não pode ser compreendida como um fenômeno necessário para o desenvolvimento, já que
assume características ambíguas em sua real atuação. Se por um lado, busca unir todos num
mundo único, por outro lado essa ―união‖ contribui para a perda da própria identidade cultural
dos povos que habitam a Amazônia, das práticas socioculturais balizadas por uma ética de
respeito e inter-relação com os recursos naturais e consequentemente, com a conversação da
sócio biodiversidade.
Neste contexto, as práticas socioculturais no uso e manejo de plantas medicinais
podem estar ameaçadas em muitas comunidades da Amazônia por fatores externos, pressões
econômicas e culturais, visitas frequentes aos centros urbanos, influência dos meios de
comunicação que podem contribuir com o processo de desvalorização do conhecimento e com
a desintegração das formas de organização tradicionais que cooperam significativamente para
manutenção e sobrevivência de um enorme patrimônio genético amazônico. (HOEFFEL,
GONÇALVES, FADINI E SEIXAS, 2011).
92
Além disso, há a questão socioeconômica, que está diretamente relacionada ao uso
de plantas medicinais que incide sobre o fato de dificuldade no acesso aos sistemas de saúde
convencionais, que ainda é um entrave no tocante a bens e serviços sociais na comunidade, é
o que revelam os depoimentos no quadro 18.
Quadro 18 - Análise de Conteúdo – Categoria percepção da Importância do conhecimento sobre plantas
medicinais, subcategoria Associação do CT à questão socioeconômica e financeira Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Percepção da
Importância do
conhecimento
sobre plantas
medicinais
Associação do CT à questão
socioeconômica e financeira
―É importante para a saúde, principalmente por conta dos
recursos financeiros, é mais saudável do que os
medicamentos farmacêuticos, o acesso é mais fácil‖
(Entrevistado 11, Comunidade Santa Maria).
―Muitas vezes as pessoas não tem como comprar remédio
na farmácia a distancia, as plantas medicinais ajudam
algumas pessoas ficam curados‖ (Entrevistado 3,
Comunidade Santo Afonso).
―Muito importante, ao invés de comprar caro, faz o chá da
planta que tem em casa‖ (Entrevistado 19, Comunidade
Santa Maria).
.Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
Essa questão está presente na fala e no cotidiano dos comunitários de Santa Maria e
Santo Afonso, principalmente quando se trata da saúde, já que precisam se deslocar até a sede
do município para receber atendimento médico. As comunidades possuem 1 Unidade de
Saúde (Posto de Saúde), no qual atuam profissionais como Agente Comunitário de Saúde e
Agente de Combate à Endemias, o Posto recebe medicamentos da Prefeitura do Município de
Caapiranga, entretanto, não há profissionais como médico, enfermeiro, odontólogos que
possam prescrever a medicação, sendo administrada pelos próprios comunitários, com auxilio
do Agente de Saúde.
Esse cenário parece não evocar os princípios e objetivos da proposta de Saúde
brasileira, na qual a saúde é um direito de todos (independente da localização geográfica) e da
garantia de politicas sociais e econômicas para atendimento integral ―que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação‖ (Art.196, CF/88). Neste sentido, as politicas de saúde
no Brasil seriam mais eficientes na Amazônia se pensadas a partir da particularidade e
especificidade da cultura local e não da forma como são inseridas de forma geral em todas as
regiões do país.
93
Entretanto, faz-se necessário reconhecer que o Estado brasileiro tem caminhado em
direção a transposição dessas barreiras e tem incentivado, ainda que parcamente, o respeito à
diversidade sociocultural na área da saúde através da regulamentação de algumas práticas
culturais, conforme pode-se observar no quadro 19.
94
N. Nome Popular Nome Científico
Indicação Técnica
(Moacyr Biondo) Indicação da Comunidade Formas de uso Parte usada
Local de
identificação
1 Abacateiro
Persea americana Anemia
Anemia, sangramento. Chá Folha Santo Afonso/AM
Infecção, anemia. Chá Folha Santa Maria/AM
2 Abacaxi Ananás sativus; ananás
comosus Sem indicação Tosse, catarro no pulmão. Chá Casca Santa Maria/AM
3 Açaí
Euterpe oleracea Mart Anemia
Anemia
Chá
Raiz
Santa Maria/AM
Santo Afonso/AM
4 Alfavaca
Ocimum basilicum L Visão (cisco) e Infecção urinaria
Pressão Chá Folha Santo Afonso/AM
Doenças relacionadas ao Pulmão, Pedra nos
rins. Chá Folha Santa Maria/AM
6 Alfavaca de Cobra Parietaria officinalis Sem indicação Febre, picada de cobra e insetos
(comunidade). Insumo Folha Santo Afonso/AM
7 Algodão Gossypium hirsutum L. Sem indicação Gripe e tosse Chá Folha Santa Maria/AM
8 Algodão roxo
Gossypium hirsutum L
Cólica, Inflamação, Hemorragia,
Leite materno, Corrimento, Gastrite e
Anemia
Cólica, tirar o catarro do peito, pneumonia,
Fluxo Menstrual, infertilidade e cólica,
Inflamação.
Chá
Folha
Santa Maria/AM
9 Amor Crescido
Portulaca pilosa L
Úlcera/Gastrite, Vermelha, ferida e
queda de cabelo
Dor no corpo; hemorragia; queda de cabelo. Chá Folha Santo Afonso/AM
Cicatrização de Feridas Insumo Folha Santa Maria/AM
10 Amora Morus nigra; morus
alba Sem indicação Inflamação e Malária Chá Folha Santa Maria/AM
11 Anador Justicia pectoralis Sem indicação Dor de cabeça Chá Folha Santo Afonso/AM
12 Andiroba Carapa guianensis Sem indicação Infecções e Cicatrização de ferimentos e
machucados
Óleo das
amêndoas Semente Santo Afonso/AM
13 Ariá Calathea allouia Sem indicação Infecção urinária, infecção Chá Folha Santa Maria/AM
14 Arruda Ruta graveolens L. Sem indicação
Dor de cabeça, vírus, Bactérias,
Menstruação atrasada Chá Folha Santo Afonso/AM
Mãe do corpo Chá/Banho Folha Santa Maria/AM
15 Atroveram Ocimum selloii Benth. Sem indicação Cólica Menstrual Chá Folha Santo Afonso/AM
16 Azeitoneira
Olea europaea Diabetes Tipo 2
Diarréia, dor no estômago, Cicatrização de
cortes Chá Folha/Casca Santo Afonso/AM
Diarréia, dor no estômago, Cicatrização de
cortes e Diabetes Chá Folha/Casca Santa Maria/AM
Quadro 19: Mapa de Conhecimentos Tradicionais sobre Plantas Medicinais em Santo Afonso e Santa Luzia/AM
95
N. Nome Popular Nome Científico Indicação Técnica
(Moacyr Biondo) Indicação da Comunidade Formas de uso Parte usada
Local de
identificação
17 Babosa Aloe vera (L.) Burm. f.
Cicatrizante, Anti-inflamatório,
Constipação intestinal, Gastrite e
Úlcera
Queda de cabelo e caspa Folha Santa Maria/AM
18 Banana Maça Musa acuminata Sem indicação Asma Xarope Mangará Santo Afonso/AM
19 Bananeira Musa Anemia Anemia
Farinha (secar a
casca e bater no
liquidificador)
Casca do fruto Santo Afonso/AM
20 Beldoegra Portulaca oleracea Alimento e Verme (comunidade) Sem identificação pelos comunitários. Indicação Técnica
21 Boldo
Plectranthus barbatus
Andrews
Dor no estômago
Fígado
Dor no estômago, doenças do fígado Chá Folha Santo Afonso/AM
Dor de estômago Chá Folha Santa Maria/AM
22 Caatinga de
mulata
Tanacetum vulgare L Sem indicação Dores Insumo Folha Santo Afonso/AM
Mãe do corpo Chá Folha Santa Maria/AM
23 Cabelo de milho Zea mays L. Sem indicação Doenças Renais Chá Cabelo Santa Maria/AM
24 Cairoma Sem indicação Gastrite, Cicatrizante de feridas Chá/Insumo Folha Santo Afonso/AM
25 Cajá/Taperebá Spondias mombin L. Sem indicação Inflamação Água Casca do fruto Santo Afonso/AM
26 Caju
Anacardium occidentale Inflamação e Diarréia
Inflamação no útero Chá Folha Santa Maria/AM
Inflamação e Diarréia (Comunidade),
diarreia e golpe, inflamação e diarreia
Chá
Suco
Folha
Fruto Santo Afonso/AM
27 Capeba Cheirosa Piper umbellatum L. Atua como digestivo Atua como digestivo Chá Folha Santo Afonso/AM
28 Capim estrela Rynchospora speciosa Machucado (comunidade) Não identificado pelos comunitários Indicação Técnica
29 Capim Santo
Cymbopogon citratus
Digestivo e Calmante
dor de estomago;/ febre e acalmar o
estomago Digestivo, tranqüilizante,
calmante calmante para dormir
Chá Folha Santo Afonso/AM
Infecção febre e calmante Dor de cabeça e
estresse Chá Folha Santa Maria/AM
96
N. Nome Popular Nome Científico Indicação Técnica
(Moacyr Biondo) Indicação da Comunidade Formas de uso Parte usada
Local de
identificação
30 Carambola Averrhoa carambola Sem indicação Colesterol Chá Folha Santo Afonso/AM
31 Carapanaúba Aspidosperma nitidum
Benth. Ex Müll. Arg. Sem indicação Inflamação/fígado Chá Casca Santo Afonso/AM
32 Castanheira
Bertholletia excelsa
Kunth Dor nos quadris e Colesterol
Inflamação (casca) e chá (folha) Chá Casca Santa Maria/AM
Colesterol Chá Folha Santo Afonso/AM
33 Chambá
(buscopam) Trevo
camaru
Justicia pectoralis Sem indicação Cólica menstrual/dor no estomago Chá Folhas Santo Afonso/AM
34 Chicória
chicorium intybus;
chicorium endivia Verme
Malária, verme Chá Folha Santo Afonso/AM
verme e gripe Chá Folha Santa Maria/AM
35 Cidreira
Melissa officinalis L Calmante
febre; dor e para qualquer enjôo, Calmante,
estresse e cólica Chá Folha Santo Afonso/AM
Calmante e pressão alta Chá Folha Santa Maria/AM
36 Cipó alho Mansoa alliacea Banho Banho e substitui o alho Chá ou banho Folha Santo Afonso/AM
Gripe e Banhos, banho em criança Chá ou banho Folha Santa Maria/AM
37 Copaíba Copaifera langsdorffii
Desf Gastrite
Inflamação no estômago e febre Óleo das
amêndoas Semente Santa Maria/AM
Gastrite Óleo das
amêndoas Semente Santo Afonso/AM
38 Corama
Bryophyllum pinnatum
Gastrite e Cicatrizante de feridas
Estômago e inflamação; Ferida no Útero Chá Folha Santa Maria/AM
Gastrite, Cicatrizante de feridas Chá Folha Santo Afonso/AM
39 Couve Brassica oleracea Sem indicação Anemia, Malária e Gastrite Chá ou na comida Folha Santa Maria/AM
40 Crajirú
Fridericia chica
Sem indicação Anemia, Corrimento, inflamação no útero Chá Folha Santo Afonso/AM
Corrimento e Inflamação no útero Inflamação e anemia Chá ou asseio Folha Santa Maria/AM
41 Elixir paregórico Piper callosum Sem indicação Dor no estomago Chá Folha Santa Maria/AM
97
N. Nome Popular Nome Científico Indicação Técnica
(Moacyr Biondo) Indicação da Comunidade Formas de uso Parte usada
Local de
identificação
42 Erva Mijona Oxalis pes-caprae Sem indicação Infecção Urinária (comunidade) Chá Folha Indicação Técnica
43 Erva-doce Pimpinella anisum L. Sem indicação calmante e gripe Chá Folha Santa Maria/AM
44 Goiabeira Psidium guajava Estancar sangue/anti-
inflamatório/clareador de dentes Não identificado pelos comunitários Indicação Técnica
45 Graviola Annona muricata L "Bonina" Eclampse, Desinchar
(Comunidade). Anemia Chá Folha Santa Maria/AM
46 Oriza Pogostemon cablin Sem indicação Problemas Cardíacos Chá Folha Santa Maria/AM
47 Hortelã Mentha x villosa Cólica de criança
Cólica de criança Chá Folha Santo Afonso/AM
Dor De Barriga, Verme, Cólica,
Dor de Cabeça e Calmante Chá Folha Santa Maria/AM
48 Hortelã Pimenta Mentha × piperita Sem indicação Gazes Chá Folha Santo Afonso/AM
49 Hortelãzinho
Mentha piperita var.
citrata
Cólica de Criança, Ameba, Diarreia,
Digestivo e Calmante
Cólica de Criança, Ameba e
diarréia, digestivo, calmante Dor de
estomago; cólica e calmante para
crianças
Chá Folha Santo Afonso/AM
Estresse Chá Folha Santa Maria/AM
50 Ingá Inga laurina Cisto Não identificado pelos comunitários Indicação Técnica
51 Jambú Spilanthes acmella
Garganta
Doenças do fígado, Carne crescida
nos olhos/garganta Chá Folha Santo Afonso/AM
Figado e estômago Chá Folha Santa Maria/AM
Carne crescida nos olhos Não identificado pelos comunitários Sumo Flor Santa Maria/AM
52 Japana Eupatorium triplinerve
Febre, brônquio dilatador, expelir o
catarro, afta Não identificado pelos comunitários Indicação Técnica
53 Japecanga Smilax japecanga. Dor nos quadros Dor nos quartos Chá Folha Santo Afonso/AM
54 Jatobá
Hymenaea courbaril L
Próstata, Anemia, Infertilidade, Dor
de dente, Gripe e Dores nos quadris
Inflamação Chá Folha Santo Afonso/AM
Dor nos rins, gastrite, ganhar peso,
dor nos quartos, gripe, garganta
inflamada
Chá e xarope Casca Santa Maria/AM
98
N. Nome Popular Nome Científico Indicação Técnica
(Moacyr Biondo) Indicação da Comunidade
Formas de
uso Parte usada
Local de
identificação
56 Jenipapo Genipa americana Sem indicação Anemia Suco Fruta Santo Afonso/AM
57 Jucá Caesalpinia ferrea Sem indicação Anemia, gastrite, ferimento. Chá Casca Santo Afonso/AM
58 Limão Citrus limonum; osbeck Emagrecimento Gripe Chá Folha Santa Maria/AM
59 Malvarisco
Malvaviscus arboreus Verme
Lambedor para tosse e gripe,
vermes Xarope Folha Santo Afonso/AM
Prisão de ventre, tosse Chá Folha Santa Maria/AM
60 Mamoeiro Carica papaya Brônquio dilatador, verme, fígado,
malária, hepatite Vermes, prisão de ventre Suco Fruta Indicação Técnica
61 Mangarataia Zingiber officinale Gripe e Emagrecimento Dor nos ossos, Garganta Agua Raiz
Santo Afonso/AM
Santo Afonso/AM
Tosse, resfriado Chá Raiz Santa Maria/AM
62 Mangueira
Mangifera indica L
Verme
Fígado
Malária
Hepatite
Hidratante de cabelo
Ferimento (casca) e gripe e diarréia
(folha) Chá Casca Santa Maria/AM
Verme
Chá ou
comida
(Farinha da
semente seca)
Semente Santa Maria/AM
Gripe Chá Folha Santa Maria/AM
63 Manjericão Ocimum basilicum L Digestivo Gripe e banho em criança Chá Folha Santa Maria/AM
Digestão Chá Folha Santo Afonso/AM
64 Maracujá Passiflora edulis Menopausa, Coração e Ansiedade Ansiedade Chá Folha Indicação Técnica
65 Maria Mole
Senecio brasiliensis
Lees
Colírio Infecção urinária Chá Folha Santa Maria/AM
Chá A bolsa da flor Indicação Técnica
66 Mastruz Dysphania
ambrosioides
Vermes; diabete, problemas
pulmonares, tuberculose
Vermes; diabete, problemas
pulmonares, tuberculose Suco Folha Santo Afonso/AM
99
N. Nome Popular Nome Científico Indicação Técnica
(Moacyr Biondo) Indicação da Comunidade
Formas de
uso Parte usada
Local de
identificação
67 Maxixe Cucumis anguria Colesterol Colesterol Suco Fruto Santo Afonso/AM
68 Melão Caetano Momordica charantia Coceira/alergia/verme Coceira/alergia/verme Suco Fruto Santo Afonso/AM
69 Mucuracaá
Petiveria tetranda
gomez. Petiveria
alliacea
Ameba, Garganta inflamada e
Sangramento de gengiva
Infecção, dor de estomago e banho
em criança para tirar o enjôo, dor de
cabeça
Chá/banho Folha Santo Afonso/AM
Asma e Banhos Chá/banho Folha Santa Maria/AM
70 Murici Byrsonima crassifólia
(L.) Rich Sem indicação Inflamação Casca Santa Maria/AM
71 Mururé Brosimum acutifolium Reumatismo Não identificado pelos comunitários Insumo Folha Indicação técnica
72 Mutuquinha Justicia pectoralis Jacq. Expelir Placenta e Hemorragia Fluxo Menstrual e cólica Chá Folha Santa Maria/AM
Hemorragia Chá Folha Santo Afonso/AM
73 None Morinda citrifolia Gastrite/emagrecimento/memória/fort
ificante Emagrecimento Suco Fruto Indicação técnica
74 Horiza com
maracujá
Pogostemon cablin
Passiflora edulis Sem indicação Coração Chá Folha Santa Maria/AM
75 Pião Branco Jatropha curcas L. Sapinho de bebê Não identificado pelos comunitários Indicação Técnica
76 Pião Roxo Jatropha gossypiifolia
L. Sem indicação Mau olhado Banho Folha Santo Afonso/AM
77 Pimenta
Malagueta
Capsicum frutescens
'Malagueta' Hemorragia, Varizes Não identificado pelos comunitários
Ingerir
como
comprimido
Fruto Indicação Técnica
78 Pobre Velho Costus spp Rins e Calculo renal
Dor nos quartos, rins, infecção
urinária Chá Folha Santa Maria/AM
Rins Calculo renal Chá Folha Santo Afonso/AM
79 Preciosa Aniba canellina (H.B.K)
Mez Sem indicação Dor de estômago Chá Caule Santa Maria/AM
80 Quebra- Pedra Phyllanthus niruri L Infecção nos rins (pedra) e Infecção
urinaria
Infecção nos rins (pedra)/infecção
urinaria Chá Folha Santo Afonso/AM
pedra nos rins e infecção urinaria Chá Folha Santa Maria/AM
100
Fonte: Pesquisa de Campo, CNPq, 2016
N. Nome Popular Nome Científico Indicação Técnica
(Moacyr Biondo) Indicação da Comunidade
Formas de
uso Parte usada
Local de
identificação
81 Sabrugueira Sambucus nigra L. Sarampo Sarampo Insumo Folha Santa Maria/AM
82 Sacaca Croton cajucara Benth. Sem indicação Febre Chá Folha Santo Afonso/AM
83 Salva de Marajó
Lippia grandis Schau
Cólica Menstrual, Diarreia (por
alimentos) e Calmante
Congestão e dor no estomago Cólica
Menstrual, Diarréia(por alimentos),
calmante
Chá Folha Santo Afonso/AM
Diarréia e dor de estomago Chá Folha Santa Maria/AM
84 Sara Tudo
Justicia acuminatissima Anti-inflamatório e Uterino
Infecção Urinária, rins; dor de
estomago e gastrite Chá Folha Santo Afonso/AM
Infecção urinária e inflamação,
feridas Chá Folha Santa Maria/AM
85 Semente do
mamão Carica papaya Vermes Vermes Suco Semente Santa Maria/AM
86 Sucuba Himatanthus sucuuba Malária Malária/fígado Chá Folha Santo Afonso/AM
87 Tamarindo Tamarindus Sem indicação Pedra nos rins Chá Folha Santa Maria/AM
88 Trevo-Roxo Oxalis Atropurpurea
Regnellii Dor de ouvido e Inflamação
Dor de ouvido Chá Folha Santo Afonso/AM
Dor de ouvido e pra ferimento Chá Folha Santa Maria/AM
89 Unha de gato
Uncaria tomentosa
Dor nas cadeiras
Dor os quartos Chá
Folha
Santa Maria/AM Infecção, Fígado, Rim e Urina. Casca
Gastrite Cipó
90 Vinagreiro Hibiscus sabdariffa
Emagrecer Emagrecer Chá Folha Santo Afonso/AM
91 Vindicá Alpinia zerumbet Pressão alta Pressão alta e banho para criança Chá/Banho Folha Santo Afonso/AM
101
O quadro 19 apresenta o mapa dos conhecimentos tradicionais sobre plantas e ervas
medicinais desenvolvidos pelos comunitários de Santo Afonso e Santa Maria, no qual pode-se notar a
diversidade de espécies com indicações medicinais. Acerca disso, faz-se necessário salientar que a
Ciência tem obtido sucesso em inúmeras pesquisas realizadas a partir desse conhecimento tradicional
estudado sob a ótica da etnobotânica, uma ciência que estuda os saberes e conhecimentos do homem, a
partir do ambiente em que vive, sobre as plantas e suas propriedades. (VAZQUEZ, MENDONÇA E
NODA, 2014).
Um aspecto muito relevante no quadro 19 é a infinidade de indicações de cada planta
identificada, que em algumas se diferencia de uma comunidade para outra. É o caso do Abacateiro,
alfavaca, amor crescido, arruda, caatinga da mulata, caju, dentre outras espécies. Há também a
ocorrência de classificação de plantas com nomes de medicamentos convencionais comercializados, é
o caso de algumas espécies nomeadas pelos comunitários como Atroveram e Buscopam (quadro 19),
esse aspecto é explicado por Araújo (2000) como uma estratégia de defesa dos povos tradicionais para
lidar com a postura de não aceitação da medicina tradicional por alguns profissionais na área da saúde.
Diante disso, o autor (ARAUJO, 2000) relata a importância de pesquisas e estudos
que comprovem e cataloguem esse conhecimento tradicional para que atue aliado ao
conhecimento técnico-cientifico fortalecendo o sistema de saúde conforme a realidade local,
partindo do entendimento de que o saber dos povos tradicionais sobre o uso da biodiversidade
está relacionado ao seu modo de ser, agir e de produzir meios para subsistência.
As plantas medicinais mapeadas neste estudo são cultivadas, em geral pelas
mulheres, dos quais 75% (n=15) dos entrevistados cultivam e coletam plantas medicinais em
hortas, nos quintais de suas casas, enquanto 15% (n=5) coletam-nas na mata ou compartilham
com vizinhos e familiares. As partes das plantas mais utilizadas no preparo de receitas
medicinais são a folha 70% (n=14), caule 25% (n=4) e raiz 5% (n=2), as formas de preparo
são diversas e o chá das folhas aparece de forma frequente nas entrevistas, compondo 80%
das receitas utilizadas com as plantas estruturadas no quadro 19.
Outro fator importante acerca da diversidade de conhecimentos de espécies vegetais
é a questão socioambiental. O resgate desses saberes podem indicar formas de uso sustentável
da biodiversidade na Amazônia a partir da caracterização dos sistemas de manejo, formas de
plantio e cultivo das plantas e a preocupação em manter esses sistemas, é o que revela um dos
entrevistado no quadro 20.
102
Quadro 20 - Análise de Conteúdo – Categoria Uso e Manejo de Plantas Medicinais, subcategoria
Compartilhamento de espécies entre os comunitários e familiares.
Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Uso e Manejo de
Plantas
Medicinais
Compartilhamento de
espécies entre os
comunitários e familiares.
―A gente cultiva, muda o galho pra outro vaso pra
não morrer, troca com o vizinho‖. (Entrevistado 20,
Comunidade Santa Maria)
―A gente vai plantando, zelando e dividindo as
mudas de plantas‖ (Entrevistado 19, Comunidade
Santa Maria).
―Quando morre, a vizinha fala 'eu tenho' e me dá um
pezinho‖. (Entrevistado 10, Comunidade Santo
Afonso).
Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
Os discursos articulados pelos entrevistados supracitados estão baseados no seu
modus vivendi caracterizado por um relacionamento com o meio ambiente muito particular e
próprio, as falas mencionam a preocupação dos mesmos em manter o cultivo das espécies
vegetais e do processo de troca e partilha de mudas entre vizinhos, parentes e familiares.
Além disso, retrata o manejo tradicional sustentado de plantas medicinais na qual há um
cuidado para produção, reprodução e manutenção do patrimônio genético.
Neste contexto, o manejo é caracterizado por uma técnica tradicional na qual se
aplicam métodos, desenvolvidos historicamente, de intervenção no ecossistema. No ambiente
técnico-cientifico, o manejo florestal assume outros objetivos e princípios, para Silva (2006,
p.9), esse manejo representa, para além de uma técnica de intervenção de uma propriedade
florestal, ―uma estratégia política, administrativa, gerencial e comercial, que utiliza princípios
e técnicas florestais no processo de intervenção do ecossistema, visando à disponibilização de
seus produtos e benefícios para usos múltiplos‖.
Esta é uma questão muito presente nas discussões ambientais para contribuir na
busca de soluções ao processo de degradação da natureza, entretanto, acredita-se que, nesse
aspecto, as formas de manejo tradicional indicam soluções e possibilidades para alcançar a
sustentabilidade ambiental, pois foram construídas baseadas no conhecimento empírico dos
povos que habitam a região amazônica há séculos e mantêm a diversidade de espécies até os
dias atuais. Este fator esclarece e desfaz a ideia de que toda relação entre o homem e a
natureza é necessariamente degradadora, conforme assinala Diegues (2004).
103
Deste modo, com base nos estudos (DIEGUES, 2004; CHAVES, 2001;
RODRIGUES, 2015) sobre o manejo e a gestão da biodiversidade na Amazônia, constata-se a
relevância da valorização da cultura e dos conhecimentos tradicionais, já que são a base de
sustentação para a forma tradicional de conservação da natureza.
3.3. Estratégia local de proteção ao conhecimento tradicional: a tradição
oral no processo de aprendizado e difusão
O processo de construção do conhecimento se dá a partir do aprendizado, todo o
complexo cultural que compõe o conhecimento desenvolvido pelos povos tradicionais na
Amazônia são processos, necessariamente, baseados numa observação minuciosa e atenta da
natureza e do meio ambiente que estão inseridos e que ocorre há séculos numa cultura,
predominantemente, indígena. Esse conhecimento tem perdurado até os dias atuais através da
transmissão oral e de uma memória coletiva.
Neste contexto, o cenário atual traz consigo uma grande preocupação no tocante a
valorização e ao resgate do conhecimento dos povos tradicionais que habitam a Amazônia,
usando e manejando o patrimônio genético repassado entre as gerações através de uma
tradição oral, de representações simbólicas e de práticas baseadas na cultura local que tem
possibilitado a permanência desse conhecimento, conforme visualizam autores como Diegues
(2004) e Souza (1998).
Outro fator importante na esteira da discussão acerca do aprendizado e da difusão do
conhecimento tradicional é a compreensão dos povos tradicionais sobre o ecossistema, já que
eles não o vêm de uma forma autônoma, mas sim como produto da relação homem-natureza.
Há nessa relação, certa curiosidade, um desejo de conhecer, manipular e desenvolver técnicas
de uso e manejo de plantas, ervas e raízes em favor da subsistência e da sobrevivência dos
povos sem prejuízos a biodiversidade.
Diante disso, faz-se imprescindível esclarecer que a proteção jurídica dos
conhecimentos tradicionais na Amazônia se tornará possível, se pensada e efetivada a partir
da forma de proteção já desenvolvida pelos povos da Amazônia, baseada na cultura e nas
formas que utilizam, que constroem, que aprendem e que difundem esse conhecimento. Não
se trata de esconder ou de guardar tal conhecimento, mas, de atuar no processo de valorização
104
e resgate em favor dos interesses de seus detentores, que muito contribuem com o avanço da
ciência e da tecnologia a partir do que conhecem sobre recursos genéticos da região.
Partindo deste pressuposto, a formação do conhecimento tradicional dá-se a partir do
aprendizado, o qual, nas comunidades Santa Maria e Santo Afonso acontece no próprio
núcleo familiar e comunitário, conforme o gráfico 5 e 6:
Os gráficos 5 e 6 apresentam a marcante presença familiar e comunitária no processo
de aprendizado do conhecimento tradicional, no qual as mães aparecem como as maiores
responsáveis pelo repasse desse conhecimento, o que revela um forte vínculo afetivo-familiar
entre os povos tradicionais das comunidades estudadas. Acerca disso, Benjamin (1989)
explica que a família se constitui no primeiro contato do individuo com outras pessoas e no
local onde efetiva suas primeiras experiências, que podem estar relacionadas a fatores
individuais e coletivos.
Neste contexto, observa-se que o aprendizado tradicional sobre o uso e manejo de
plantas e ervas medicinais ocorrem ainda no período da infância e adolescência entre 10 e 15
anos de idade. É o que mostra o depoimento da entrevistada11 no quadro 21.
Gráfico 5 - Com quem aprendeu – Santa Luzia/AM
Fonte: Pesquisa de Mestrado, CNPq, 2017.
Gráfico 6 -Com quem aprendeu –Santo Afonso
Fonte: Pesquisa de Mestrado, CNPq, 2017.
105
Quadro 21-Análise de Conteúdo – Categoria Aprendizado e Difusão, subcategoria Faixa Etária Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Aprendizado e
Difusão do
Conhecimento
Tradicional
Faixa etária
Eu aprendi (refere-se ao conhecimento de plantas
medicinais) com a minha mãe, quando eu tinha 15 anos,
por conta da necessidade de aprender esses remédios
caseiros. (Entrevistada 11, Santa Maria).
Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
Com isso, desde muito cedo os povos tradicionais desenvolvem esse conhecimento
baseado na cultura, através da qual nomeiam e classificam as espécies vegetais de forma inter-
geracional. Para Levi-Strauss (1989, p.29) ―cada uma dessas técnicas supõe séculos de
observação ativa e metódica, hipóteses ousadas e controladas, afim de sujeitá-las ou controla-
las através de experiências incansavelmente repetidas‖.
Além disso, o conhecimento sobre plantas na Amazônia é transmitido de forma oral,
pois os seus detentores aprendem ouvindo e fazendo, conforme o depoimento no quadro 22.
Quadro 22: Análise de Conteúdo – Categoria Aprendizado e Difusão, subcategoria tradição oral.
Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Aprendizado e
Difusão do
Conhecimento
Tradicional
Tradição Oral
Eu aprendi isso com os mais velhos, meu pai, minha
mãe, vizinhos. Eles me ensinavam e eu via eles
fazendo.( Informante 15, Santa Maria)
Aprendi com meus pais aqui mesmo neste rio e
compartilhando o conhecimento com outros amigos.
(Informante 19, Santa Maria.)
Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
Com base nas falas acima, pode-se afirmar que além da tradição oral repassada entre
as gerações há também uma relação efetiva com os recursos da natureza e com o local em que
vivem, quando a Informante 19 menciona o rio, está referindo-se a localização geográfica, não
exatamente a comunidade Santa Maria, mas, a todo o entorno que compõe o Lago grande de
Manacapuru, no qual estão localizadas as comunidades estudadas.
Sobre isso, é importante esclarecer que grande parte (100%, n=20) dos informantes
são oriundos do Estado do Amazonas, como mencionado anteriormente, e destes, 65% (n=13)
nasceram em alguma comunidade que pertence a área rural de Caapiranga/AM, no Lago
Grande de Manacapuru. Neste contexto, Rodrigues (2015) explica que o aprendizado ocorre de
forma oral a partir do estabelecimento da relação homem-natureza marcado pela permanência
no mesmo espaço físico e social por gerações.
106
No tocante as formas de ensino desse conhecimento, este estudo revela que os
comunitários, tanto em Santa Maria quanto em Santo Afonso, preocupam-se e ocupam-se em
ensinar seus filhos sobre o uso de plantas medicinais por entenderem a importância dessa
prática sociocultural na prevenção e no tratamento da Saúde, diante da ausência/dificuldade no
acesso a outros tipos de tratamento ofertado pelo Sistema Único de Saúde – SUS, conforme
pode-se verificar nos gráficos 7 e 8.
Com base nos gráficos 7 e 8, é possível afirmar que há uma estratégia sociocultural
tradicional de valorização do conhecimento tradicional através do processo de ensino e
aprendizado intergeracional, que sugere vias de proteção e valorização desse conhecimento a
partir de uma forma não excludente de outros atores sociais, mas, sim num processo de
construção coletiva e solidária que atua em favor do bem comum.
O estudo realizado junto aos povos tradicionais ribeirinhos nas comunidades Santa
Maria e Santo Afonso ressalta aspectos fundamentais que podem contribuir na construção de
subsidios para elaboração de políticas públicas de proteção do conhecimento tradicional da
Amazonia que tornem-se elementos primordiais na consolidação de um regime jurídico sui
generis.
Sob este aspecto, faz-se necessário esclarecer que as práticas, inovações e
conhecimentos desenvolvidos por esses povos indicam caminhos que podem encurtar os
esforços dos debates e discussões jurídicas na busca da proteção efetiva dos recursos
biológicos e dos conhecimentos tradicionais associados, já que esses povos desenvolveram
Gráfico 7 - Ensino aos filhos sobre plantas medicinais –
Santo Afonso/AM
Fonte: Pesquisa de Mestrado, CNPq, 2017.
Gráfico 8 - Ensino aos filhos sobre plantas medicinais –
Santa Luzia/AM
Fonte: Pesquisa de Mestrado, CNPq, 2017.
107
algumas formas de proteção desse conhecimento, fator que tem assegurado a sua existência
até os dias atuais.
Seguindo este entendimento, Rodrigues (2015) observa que os elementos presentes
na organização sociocultural no uso e manejo de plantas medicinais, quais sejam: tradição
oral, formas de aprendizado, difusão, cultivo e troca , por estarem interligados entre si,
constituem-se em uma forma tradicional de proteção dos conhecimentos, práticas e modo de
vida e trabalho desses povos com potencial para subsidiar novos paradigmas sobre
mecanismos de proteção.
Esse discurso é fortalecido por Santilli (2005) através do reconhecimento de que o
processo inventivo e produtivo dos conhecimentos tradicionais é coletivo e gerado num
contexto de um amplo intercâmbio de ideias repassadas de forma oral de uma geração a outra.
Com isso, este estudo constata que a lógica de proteção do conhecimento tradicional
nas comunidades estudadas não está baseada nos princípios de propriedade individual e de
restrição do acesso aos CT, mas, sim em princípios de coletividade, compartilhamento de
ideias e difusão do conhecimento em favor do bem comum da humanidade, conforme as falas
que se referem ao uso de plantas medicinais, no quadro 23
Quadro 23 - Análise de Conteúdo – Categoria Proteção dos CT, subcategoria Princípios de Coletividade e partilha
dos conhecimentos. Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Proteção do
Conhecimento
Tradicional nas
comunidades
Princípios de Coletividade e
partilha dos conhecimentos
Eu ia entregar o ouro, como se diz. Ia dar e ia ajudar a
pessoa porque é pela saúde. ( Entrevistada 19,
Comunidade Santa Maria)
Eu daria porque acho importante esnsinar algo que faz
bem pra pessoa. ( Entrevistada 20, Comunidade Santa
Maria)
Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
Note-se que nas falas acima não há uma preocupação com a questão da apropriação
indevida do conhecimento tradicional associado, contudo, há uma solidariedade em favor do
interesse público, especialmente, na área da saúde. Acerca disto, Diegues (1996) esclarece
que o contexto sociocultural no qual as comunidades tradicionais estabecem suas relações
com a natureza tem como base a solidariedade e a partilha, assim é necessário salientar que
esses princípios ultrapassam a relaçao homem-natureza, conduzindo também a relação
homem-natureza-sociedade.
108
Sob essa ótica, o atual sistema de proteção ao conhecimento tradicional baseado no
direito de propriedade intelectual que diverge da lógica tradicional de difusao do
conhecimento tem, ao contrário do que se propõe, contribuído para que mais casos de
biopirataria aconteçam, já que não confere aos povos tradicionais o direito de propriedade
sobre os seus conhecimentos, mas não impede os pedidos de patentes das empresas e
multinacionais. (SANTILLI, 2005), é o que revelam as tabelas 4 e 5.
Com base nas tabelas 4 e 5, dos 20 entrevistados neste estudo, 4 denunciam o
repasse de conhecimento tradicional sobre plantas e ervas medicinais a pessoas de fora da
comunidade, inclusive a estrangeiros, conforme as falas a seguir (quadro 24).
Quadro 24: Análise de Conteúdo - Categoria Proteção dos CT, subcategoria Repasse de Conhecimento
Tradicional para pessoas de outros países. Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Proteção do
Conhecimento
Tradicional nas
comunidades
Repasse de
Conhecimento
Tradicional para
pessoas de outros
países.
Vieram uns americanos, tinha uma brasileira traduzindo e me
pediram folhas de agrião pra garganta. ( Entrevistada 14, Santa
Maria)
Chegou um pessoal aqui, eram estrangeiros com tradutores, e só
falavam de planta e receitas. Entrevistada 17, Santa Maria)
Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
Neste contexto, observa-se que ao mesmo tempo que as estratégias socioculturais de
proteção do conhecimento tradicional contribuem no processo de valorização e resgate que
não permite a perda de tais conhecimentos no decorrer da história da Amazonia, sendo
repassados entre as gerações, há também lacunas responsáveis pelo repasse do mesmo a
Santa Luzia
Repasse de CT plantas medicinais
Respostas F.a. F.r.
Sim 3 30%
Não 7 70%
Total 10 100%
Tabela 4-Repasse de CT plantas medicinais Santa
Luzia/AM
Fonte: Pesquisa de Campo, CNPq, 2017.
Santo Afonso
Repasse de CT plantas medicinais
Respostas F.a. F.r.
Sim 1 10%
Não 9 90%
Total 10 100%
Tabela5- Repasse de CT plantas medicinais Santo
Afonso/AM
Fonte: Pesquisa de Campo, CNPq, 2017.
109
pessoas de fora da comunidade, desta forma, Rodrigues (2015) chama atenção para a
necessidade da efetivação dos mecanismos legais de proteção na região que alcancem,
também, uma proteção in loco.
Diante disso, acredita-se que a criação de um sistema sui generis de proteção seria
um mecanismo eficaz para proteger o acesso a biodiversidade e ao conhecimento tradicional
associado baseado na lógica, na realidade e no saber local dos povos na Amazonia. Com isso,
este estudo revela, nas falas a seguir, algumas sugestões colocadas pelos entrevistados acerca
do apoio que gostariam de receber do poder público no processo de valorização e resgate dos
CT, consequentemente, de sua proteção.
Quadro 25- Análise de Conteúdo – Categoria Valorização e Regate de CT sobre plantas medicinais, subcategoria
políticas públicas e incentivos governamentais.
Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Valorização e
Regate de CT
sobre plantas
medicinais
Políticas públicas e
incentivos governamentais.
Bom se tivesse apoio financeiro para cultivar essas plantas e
repassa para outras pessoas. (Entrevistado 11, Santa Maria)
Deveria guardar e investir financeiramente no fortalecimento
desse valor. (Entrevistado 12, Santa Maria)
O governo deveria investir nesse conhecimento porque nós
precisamos, se desse ajuda até pra fazer uma farmácia.
(Entrevistado 19, Santa Maria)
Incentivo pra pesquisa e a medicina fazer descobertas sobre
tratamentos. Eu ficaria feliz com a descoberta e por
contribuir com a saúde de todas as pessoas, não apenas da
comunidade. (Entrevistado 20, Santa Maria)
Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
As falas em questão demonstram a necessidade de valorização desse conhecimento
que carece de investimentos, não apenas financeiro, mas, também de investimentos em
pesquisas e estudos científicos na area de plantas medicinais. Outro aspecto presente na fala
do entrevistado 12 é a questão da proteção do CT e do fortalecimento do seu valor cultural no
contexto comunitário. Sobre essas propostas está também a necessidade de acesso a
infomações e a estudos desenvolvidos na área da medicina tradicional que os comunitarios
gostariam de obter por meio da educação, conforme pode-se verificar nas falas a seguir
(quadro 26).
110
Quadro 26: Análise de Conteúdo – Categoria Valorização e Regate de CT sobre plantas medicinais, subcategoria
Conhecimento Tradicional na educação formal.
Categoria Subcategoria Fala dos Entrevistados
Valorização e
Regate de CT
sobre plantas
medicinais
Conhecimento
Tradicional na educação
formal
Conhecimento está se perdendo, teria que ser na escola, pai
não senta mais com filho como antigamente, teria que ser na
educação escolar (Entrevistado 15, Santo Afonso)
Acesso a informação, formação, curso, pesquisa
aprofundada. Curso de aperfeiçoamento na área de plantas.
Entrevistado 3, Santo Afonso. (Entrevistado 3, Santo
Afonso)
Fonte: Elaborado pela autora, 2017.
Note-se que está presente no cotidiano dos povos tradicionais a preocupação com a
educação local e que esta esteja sempre estabelecendo relação com a realidade em que vivem
e com a cultura local, além disso reconhecem a importância do estabelecimento de uma
conversa entre o conhecimento tradicional e o científico por meio de cursos, estudos e
informações técnicas. Por fim, reconhecem a necessidade de registro desse conhecimento
tradicional em uma farmácia comunitária, é o que revela a entrevistada, ―queria que o governo
implantasse uma farmácia de remédios naturais, pois tem muito remédio que dizem que é
feito de alguma planta e não tem eficácia nenhuma‖( Entrevistada 2, Santa Maria).
Diante disso, são muitas as possibilidades e também desafios que estão postos no
caminho da consolidação de um regime jurídico de proteção de conhecimentos tradicionais
associados a biodiversidade baseado na cultura amazonica. Deste modo, as considerações
finais apresenta um panorama geral acerca dessas possibilidades na tentativa de subsidiar
estratégias de politicas, programas e projetos nesta área e mecanismos de proteção dos CTAs
especificos da região Amazônica.
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A temática debatida nesta dissertação se constitui de grande relevância na
contemporaneidade por assentar-se num tema atual e interdisciplinar, desenvolvendo uma
análise que envolve diferentes áreas do conhecimento, como as ciências naturais, as ciências
sociais aplicadas e jurídicas. Trata-se de um estudo no âmbito do direito ambiental com base
na cultura, entrelaçado as práticas socioculturais no uso e manejo de plantas medicinais pelos
povos tradicionais não indígenas da Amazônia, portanto, apresenta-se como um tema de
importância acadêmico-cientifica, mas, também interventiva e que poderá contribuir para
fundamentar a práxis de diversos profissionais como assistentes sociais, advogados, cientistas
sociais e/ou pesquisadores das ciências naturais e biológicas no cenário contemporâneo, frente
às questões socioambientais postas neste inicio de século XXI.
As discussões e análises realizadas apresentam importantes elementos para a
compreensão da realidade dos povos tradicionais na Amazônia frente ao contexto mundial,
num processo de globalização da economia que busca quebrar as barreiras entre os países,
mas, que esbarra nos limites quanto ao uso dos recursos naturais identificados a partir de
pesquisas e apresentados na Convenção sobre Diversidade Biológica (1992), deixando a cargo
de cada Estado Nacional a gestão do seu patrimônio genético.
O Brasil, como país de maior diversidade biológica do planeta, com 20% do total de
espécies do planeta (CDRV, 2017) assume o centro dessas discussões, sendo um dos
principais interessados nas formas de proteção e conservação ambiental, além de negociar
com países desenvolvidos a transferência de tecnologia e pagamento de royalties pelo uso da
biodiversidade para fins de pesquisa e atividades de bioprospecção. Deste modo, não apenas a
biodiversidade passa a ser alvo de pesquisas e estudos, mas, também os povos tradicionais
que habitam determinadas áreas durante décadas.
Na esteira deste pensamento, a Amazônia destaca-se por compor um espaço formado
pela biodiversidade e pela diversidade cultural de diferentes povos, configurando-se, portanto,
como sócio-biodiversidade (DIEGUES, 2004, ALBAGLI, 2003, RODRIGUES, 2015;
NOGUEIRA, 2015). Esses povos detém um conhecimento aprofundado sobre os recursos
biológicos desenvolvidos por gerações através da tradição oral e testados, empiricamente, por
meio das suas experiências locais e coletivas de uso, manejo, cultivo de espécies vegetais,
além de técnicas de aprendizado e difusão desses saberes.
112
O estudo constata que há um grande interesse das indústrias biotecnológicas nesses
conhecimentos tradicionais, especialmente na área de plantas e ervas medicinais, por este
atuar como um condutor mais rápido e eficaz às atividades de bioprospecção na busca por
criação e transformação de produtos comercializáveis. (ALBAGLI, 2003; NOGUEIRA, 2015,
SANTILLI, 2004). Todavia, uma parcela ínfima dos benefícios adquiridos na comercialização
destes produtos retorna aos povos que contribuíram no processo de sua descoberta e pesquisa.
Neste contexto, a CDB (1992) reconhece o direito dos povos tradicionais sobre seus
direitos e estabelece uma repartição justa de benefícios oriundos da comercialização de
produtos que tenham sido criados e/ou transformados a partir do acesso a conhecimento
tradicional associado. Tal direito, no ordenamento jurídico brasileiro, está previsto e
assegurado por meio da Lei 13.123/2015 que regulamenta a CDB (1992) no território
nacional.
Contudo, são muitos os entraves e as lacunas entre as demandas da Convenção e as
regulamentações internacionais (Acordo TRIPS) e nacionais (Patentes- Lei nº 9.279/1971)
acerca da propriedade intelectual, que não estabelecem um consenso nas formas de proteção
do conhecimento tradicional associado (NOGUEIRA, 2015).
Diante do exposto, o caminho realizado por esta dissertação buscou analisar as
formas de proteção dos conhecimentos tradicionais presentes nas práticas socioculturais no
uso e manejo de plantas medicinais nas comunidades Santa Maria e Santo Afonso em
Caapiranga/AM. Nesse contexto, apresentou-se a proteção jurídica vigente dos conhecimentos
tradicionais associados a biodiversidade, analisando sua efetiva aplicação no contexto dos
povos tradicionais da Amazônia, a partir da valorização, resgate e proteção de seus
conhecimentos e práticas socioculturais construídos a partir de princípios locais, constituindo-
se no objetivo geral do presente estudo.
A fim de alcançar o referido objetivo procedeu-se a caracterização das práticas
socioculturais desenvolvidas a partir do conhecimento tradicional sobre o uso e manejo de
plantas medicinais e analise dos mecanismos jurídicos de proteção aos conhecimentos
tradicionais das comunidades.
Dessa forma, ao realizar uma reflexão consistente sobre a proteção dos
conhecimentos tradicionais associados, o estudo apresenta uma abordagem sobre a realidade
dos povos da Amazônia, trazendo elementos específicos dessa região e fundamentais para o
estabelecimento de um regime efetivo de proteção.
113
Ao mapear o estado da arte das discussões teórico-analíticas aqui desenvolvidas,
identificou-se que o conjunto de resultados identificados nas comunidades Santa Maria e
Santo Afonso em Caapiranga/AM apresentam algumas características e princípios presentes
nas práticas socioculturais de uso e manejo de plantas medicinais identificados nas
comunidades de Mucajá e Ebenézer, em Maués/AM, discutido por Rodrigues (2015).
Com isso, não se tem a pretensão de estabelecer um modelo único de proteção aos
CTA, visto que, entende-se a Amazônia como um complexo cultural formado por diversos
povos, na qual cada comunidade assume características especificas e singulares no contexto
em que estão inseridas, ao mesmo tempo em que é possível identificar elementos comuns nas
praticas e modo de vida destes sujeitos, neste caso pode-se falar de unidade na diversidade. Os
resultados obtidos possibilitaram identificação de elementos que reafirmam estudos já
desenvolvidos na região, os quais podem contribuir no processo de construção de princípios e
parâmetros que possam subsidiar na elaboração de um regime de proteção que atenda as
especificidades da região Amazônica, ao mesmo tempo em que promova desenvolvimento
inclusivo para região e país.
A partir da pesquisa de dissertação, acerca dos mecanismos jurídicos de proteção aos
conhecimentos tradicionais associados, foi possível identificar que:
A biodiversidade possui grande potencial para uso e aplicaçoes industriais a
partir de seus recursos genéticos,
As grandes descobertas nesta área provém do acesso e apropriação, não
somente de recursos genéticos, mas tambem de recursos biologicos, no caso de uma
base de saberes e conhecimentos desenvolvidos pelos povos tradicionais;
Os conhecimentos tradicionais associados ao uso dessa biodiversidade atuam
como ―um atalho‖ que encurta o caminho das atividades de bioprospecção;
Tem ocorrido o patenteamento de produtos com fins medicinais, pelo setor
industrial impedindo a sua utilização livre pela sociedade e, também, pelas
comunidades tradicionais, nas quais foram gerados os conhecimentos e por meio dos
quais foram criados;
É inviável proteger os conhecimentos tradicionais através do sistema de
patentes brasileiro, uma vez que as formas legais deste sistema reconhecem
inovações individuais e não consideram as especificidades locais e culturais, sob as
quais são produzidos o conhecimento tradicional associado, através da experiência
coletiva e da transmissão oral entre as gerações;
114
O atual sistema que confere direitos de propriedade intelectual não abrange a
diversidade cultural dos povos tradicionais e a forma como produzem e transferem
seus conhecimentos baseados em principios de coletividade e transmissão oral
intergeracional;
Há uma apropriação indevida dos recursos biológicos pertencentes ao território
brasileiro com fins comerciais e posterior registro de patente, sendo materializada em
inúmeras denúncias de casos de biopirataria.
Neste contexto, faz-se necessário apresentar os principais resultados relacionados ao
contexto social, histórico, econômico e cultural em que se constituiu o conhecimento
tradicional sobre o uso dos recursos naturais, destacando a área de plantas e ervas medicinais
na Amazônia, apontados a seguir.
Os ciclos econômicos, pelos quais a Amazônia passou, foram marcados pelo
uso de recursos naturais e por um processo de ocupação pautado num discurso
desenvolvimentista para a região, considerada como ―um celeiro de matéria-prima‖
(CHAVES, 2001);
O processo de ocupação da Amazônia foi motivado por conflitos de terra em
outras regiões do país e por discursos que caracterizavam a região como um ―vazio
demográfico‖ que precisava ser ocupado;
Os povos que habitam a região são resultado da miscigenação entre os
colonizadores e migrantes que chegaram a região em busca das propostas de
trabalho, na qual originou-se o caboclo-amazônico;
Os povos tradicionais da Amazonia são detentores de um conhecimento, saber-
fazer, desenvolvido entre as gerações, acerca do uso e manejo da biodiversidade,
indicando formas sustentaveis de conservação dos recursos biológicos, através do
qual eles classificam e nomeiam espécies, definindo suas propriedades e
manipulando-as, com isso, pode-se falar que a biodiversidade está relacionada, não
só ao domínio natural, mas, também, cultural (DIEGUES, 2004);
Esses povos desenvolveram capacidades de adaptar-se ao ambiente através do
estabelecimento de uma relação de simbiose com a natureza para subsistência;
O uso e cultivo de plantas medicinais constituem-se como práticas milenares
de uso e manipulação de recursos genéticos vegetais desenvolvidos entre as
gerações, influenciadas pela cultura indígena;
115
Os resultados descritos acima apresentam características sócio-históricas e culturais
dos povos da Amazônia que constituem-se como base para a análise das formas de uso e
manejo de plantas medicinais nas comunidades estudadas, da qual o principal resultado é o
reconhecimento de que esses povos desenvolveram e desenvolvem, por meio de suas práticas
de aprendizado e difusão do conhecimento, mecanismos socioculturais de proteção que
podem subsidiar no processo de construção de uma proposta de proteção jurídica aos CTAs.
Da análise realizada no capitulo 3, decorreram inúmeros resultados, a saber:
As práticas sociais nas comunidades são delineadas pela cultura construída
historicamente entre as gerações através da oralidade, mas, que também estabelecem
interações com outros conhecimentos no tempo e no espaço, transformando e
inserindo novos elementos aos seus processos inventivos e criativos;
Nas comunidades estudadas, esse conhecimento é construído historicamente a
partir de um saber-fazer balizado por uma conduta ética com os recursos naturais a
partir de representações simbólicas e do imaginário local.
O conhecimento dos povos tradicionais nestas comunidades não se restringe
apenas ao uso de plantas e ervas medicinais, mas, também no campo do trabalho e da
organização sociopolítica, trazendo características como a pluriatividade,
participação social e o trabalho numa perspectiva de labor;
Os comunitarios de Santa Maria e Santo Afonso se organizam para resolver
problemas incomuns, dentre eles a questão da saúde, já que a comunidade está sem
receber atendimento médico público sistemático há mais de 8 anos, desenvolvendo
estratégias de prevenção/tratamento dos agravos de doença por meio do uso de
plantas medicinais;
O conhecimento tradicional sobre plantas e ervas medicinais em Santa Maria e
Santo Afonso são pautados nos princípios da coletividade e não como produções
autônomas e individuais;
Os comunitários, em ambas comunidades, relacionam a importancia que dão ao
conhecimento sobre plantas medicinais à duas questões principais: a) manifestações
religiosa, simbólica e espiritual; b) questão socioeconômica e financeira. Além disso,
chamam atenção para um processo de esquecimento e desvalorização desse
conhecimento pelos mais jovens;
116
Constata-se a presença de um agente social na área da saude tradicional
comunitária, o rezador(a) e/ou benzedor(a), ao qual os comunitarios recorrem em
caso de doenças consideradas espirituais, no caso de mau olhado, quebrante, vento
caído, dentre outros;
O tratamento de doenças é realizado tanto com medicamento convencional,
quanto tradicional, a escolha do tratamento adequado é realizado mediante a
identificação da doença, se fisica ou espiritual. Há casos que o tratamento é realizado
utilizando as duas formas de medicação;
Identificação de 91 especies vegetais e de conhecimento tradicional sobre o uso
medicinal das mesmas, das quais 59 possuem indicação técnica sobre suas
propriedades e uso;
Os comunitarios desenvolvem técnicas tradicionais de uso e manejo de
especies medicinais marcadas por um processo de troca e partilha de mudas entre
vizinhos, parentes e familiares;
Há uma estratégia local e efetiva de proteção desse conhecimento tradicional
sobre plantas medicinais durante decadas, sem que ele tenha sido escrito, que se
espressa numa tradição oral de repasse e difusão do conhecimento aos filhos, por
meio da memória coletiva.
Diante do mapeamento dos resultados relacionados à proteção do conhecimento
tradicional associado ao uso de plantas medicinais na Amazônia, sugere-se que as seguintes
abordagens e ações podem vir a ser tomadas conforme apresentado a seguir.
Abordagem jurídica pautada nos princípios presente na cultura dos povos
tradicionais na Amazônia, quais sejam: coletividade, partilha, territorialidade
e sustentabilidade;
Construção de um regime jurídico de base regional (sui generis) pensado a
partir da cultura e realidade local;
Estabelecimento de propostas que conciliem as demandas da CDB a
realidade da questão da propriedade intelectual e sistema de patentes,
considerando a diversidade sociocultural das comunidades tradicionais na
Amazônia;
117
Valorização e resgate de Conhecimentos tradicionais associados, através da
elaboração de um inventário participativo com moradores das comunidades;
Mapeamento do estado da arte dos estudos sobre patente compartilhada e
como esta pode ser implementada na legislação vigente;
Diante das sugestões supracitadas, entende-se que o estabelecimento e a efetivação
desta proposta só serão alcançados se estiverem fundamentados em um paradigma que
possibilite a compreensão (social, cultural, ecológica, econômica e geográfica) de totalidade
da realidade local, correlacionando-a ao contexto global. Neste sentido, propõem-se ações
(quadro 27) pautadas nas cinco dimensões da sustentabilidade (SACHS, 2004).
Quadro 27 - Subsídios para a proteção dos conhecimentos tradicionais a partir das dimensões da
sustentabilidade.
Fonte: Elaborado pela autora baseado em Sachs (1986).
118
Diante disso, o estudo aponta para a efetivação de propostas de políticas públicas que
sejam elaboradas e implantadas a partir da realidade local marcada pelas práticas
socioculturais de uso e manejo de plantas medicinais na Amazônia, assegurando o efetivo
exercício das formas de uso, cultivo de espécies, bem como do aprendizado e difusão desse
conhecimento. Faz-se necessário esclarecer, que a efetiva proteção dos conhecimentos
tradicionais associados e a repartição justa de benefícios só serão possíveis se pensadas e
efetivadas a partir dos princípios que regem a vida dos povos tradicionais, considerando suas
especificidades no complexo contexto sociocultural em que estão inseridos.
119
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Local da pesquisa: ______________________________________________________________________________________________________________
Nome do pesquisador:____________________________________________________________________________________________________________
1. IDENTIFICAÇÃO
1.1 Nome do entrevistado:_______________________________________________________________________________________________
1.2 Comunidade:______________________________________________________________________________________________________
1.3 Idade: 1. ( ) 18-22 2.( ) 23-27 3.( ) 28-32 4.( ) 33- 37 5.( ) 38-42 6.( ) 43-47 7.( ) 48-52 8.( ) 53-57 9.( ) 58-62
1.4 10.( ) Acima de 63 anos, Quantos?_______________________________________________________________________________
1.5 Naturalidade: ______________________________________________________________________________________________________
1.6 Tempo de Moradia na Comunidade:____________________________________________________________________________________
2 ESCOLARIDADE DA INFORMANTE
2.2 A Sra. sabe ler? 1.( ) Sim 2.( ) Não
2.3 A Sra. sabe escrever? 1.( ) Sim 2.( ) Não
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2.4 Qual o seu grau de escolaridade?
1.( ) Nunca estudou 2.( ) Não alfabetizado 3.( ) Alfabetizado 4.( ) Fundamental Incomp. 5.( ) Fundamental Comp. 6.( ) Médio Incompleto 7.( )
Médio Completo 8.( ) Superior Incompleto 9.( ) Superior Completo
2.4 A Sra. ainda estuda? 1.( ) Sim 2.( ) Não. Se não Por que?________________________________________________________________
__________________________________________________________________________________________________________________
2.5 Pretende continuar os estudos? 1.( ) Sim 2.( ) Não.
Se sim Por que?_____________________________________________________________________________________________________
Se não por que?_____________________________________________________________________________________________________
3 HABITAÇÃO DOS INFORMANTES
1 As casas na comunidade são feitas de: 1.( ) Madeira 2.( ) Alvenaria 3.( ) Barro 4.( ) Mista 5.( ) Palha 6. Outro:_________________
2 Nº total de casas na comunidade? __________________________________________________________
2 As casas da comunidade possuem fossa sanitária? 1. ( ) Sim 2. ( ) Não - SE POSITIVO
3 Estas fossas são: 1. ( ) Abertas 2. ( ) Fechadas
4 As casas da comunidade possuem energia elétrica? 1. ( ) Sim 2. ( ) Não - SE POSITIVO
5 A energia é fornecida como? 1. ( ) Gerador 2. ( ) Painel 3. ( ) Outro
6 Existe abastecimento de água na comunidade? 1. ( ) Sim 2. ( ) Não - SE POSITIVO
7 A água é fornecida como? 1. ( ) Direto do Rio 2. ( ) Poço 3. ( ) Outro
128
4 SAÚDE
1 Existe Posto de Saúde na comunidade? 1. ( ) Sim 2. ( ) Não
2 Qual o número de agentes de saúde na comunidade? __________________________________________
3 A comunidade dispõe de farmácia de plantas medicinais comunitária? 1. ( ) Sim 2. ( ) Não
5 CARACTERIZAÇÃO DAS PLANTAS MEDICINAIS
5.1 Identificação dos recursos Tradicionais Genéticos Vegetais utilizados pela comunidade
O senhor(a) tem
horta de plantas
medicinais?
Se sim, o que planta na
horta (Quais espécies)?
Para que são
utilizadas?
Como senhor (a)
coleta e armazena?
Sabe o período de
reprodução de cada
uma delas?
Como senhor (a)
aprendeu a utilizar
estas espécies?
Quais os
instrumentos
utilizados para
coleta?
( ) Sim ( ) Não
( ) Sim ( ) Não
5. 2 Manejo dos recursos naturais associado aos conhecimentos tradicionais
1 Qual a importância das plantas?__________________________________________________________________________________________________
129
_______________________________________________________________________________________________________________________________
2 Do que você sabe e conhece sobre plantas, onde aprendeu?_____________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________________________________________
3 O sr.(a) ensina sobre plantas para as pessoas que vem na comunidade? ( ) Sim ( ) Não
Se sim, quais pessoas o Sr (a) forneceu informações?_________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________________________________________
4 O que o Sr.(a) conhece/sabe sobre plantas, ensina aos filhos? ( ) Sim ( ) Não
Se sim, como ensina?_____________________________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________________________________________
5 Como a comunidade trabalha para não faltar as plantas?_______________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________________________________________
6 Há quanto tempo você utiliza esse conhecimento tradicional de plantas e ervas medicinais?_________________________________________________
7 Com que frequência você utiliza as plantas e ervas medicinais?_________________________________________________________________________
5.4 Mecanismos de proteção de propriedade intelectual.
1 Existe algum caso na comunidade de conhecimentos que foram repassados para pessoas de fora da comunidade? ( ) Sim ( ) Não
Se sim, pode citar algum?
___________________________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________________________________________
Se não. Por quê? _________________________________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________________________________________________
2 Qual apoio a comunidade gostaria de ter do governo na questão de medicina tradicional?
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APENDICE B – REGISTRO FOTOGRAFICO DAS ATIVIDADES DE
PESQUISA DE CAMPO
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ANEXOS
ANEXO A – PARECER COMITE DE ÉTICA EM PESQUISA
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