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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
FERNANDO PRESTES DE SOUZA
TROPAS DE PARDOS E DE PRETOS EM SÃO PAULO COLONIAL: A
RECRUTA GRANDE (1765-1777).
CURITIBA 2008
FERNANDO PRESTES DE SOUZA
TROPAS DE PARDOS E DE PRETOS EM SÃO PAULO COLONIAL: A
RECRUTA GRANDE (1765-1777).
Monografia apresentada à disciplina de Estágio
Supervisionado em Pesquisa Histórica como
requisito parcial à conclusão do Curso de História,
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal do Paraná.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Geraldo Silva
CURITIBA 2008
Dedico aos meus pais, Haroldo
e Aurélia, por optarem sempre
em trocar o conforto a si
mesmos pela educação de seus
quatro filhos.
2
AGRADECIMENTOS.
Ao professor Luiz Geraldo Silva, pelo apoio e incentivo irrestritos. Pelas muitas “aulas” de ética no trabalho e pela excelente orientação.
Aos colegas de graduação, orientandos do professor Luiz Geraldo Silva e companheiros nas discussões quinzenais acerca de suas monografias, em especial a Marlon
Peterlini Ferreira. À amizade, fiel e honesta, de Fernando Schmiguel e Leandro Francisco de Paula.
Aos meus familiares. À Priscila de Lima, por tudo e mais um pouco.
As instituições que, através da gentileza de seus funcionários, disponibilizaram o acesso às fontes para a pesquisa – Círculo de Estudos dos Bandeirantes, Biblioteca Pública do
Paraná e Biblioteca do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPR. Ao CNPq pelo auxílio financeiro.
3
RESUMO
A presente monografia teve como objetivo abordar o recrutamento e a mobilização militar dos homens livres de cor na capitania de São Paulo, entre os anos 1765 e 1777. Em decorrência das amplas tensões européias, os conflitos entre Portugal e Espanha se acirraram na bacia do Prata por esta época, provocando a reorganização das estruturas defensivas em ambos os reinos. Dentre outras medidas adotadas por Portugal, na carta régia de 1766 se ordenou que pessoa alguma fosse isenta do serviço militar. Além do autoritarismo e violência característicos dos métodos de recruta, chamou-se a atenção neste trabalho para a existência de interesses da parte de alguns homens de cor ao ingresso nas tropas, um importante instrumento propiciador de mobilidade social. No esforço de recompor a atuação social dos pretos, pardos e mulatos da capitania de São Paulo no contexto da guerra de restauração do Sul da América portuguesa, utilizou-se como fonte correspondências diversas trocadas entre os vários administradores portugueses durante 1765 e 1777. Verificou-se que cativos foram alistados e armados, levantaram-se companhias militares específicas para homens de cor e estes igualmente foram enquadrados em corpos ao lado de brancos e índios. O recrutamento, ademais, cumpria vários papéis naquela figuração social, dentre os quais o de controle social.
Palavras-chave: Homens livres de cor; recrutamento militar; mobilidade social.
4
RESUMEN
Esta monografía tiene como objetivo examinar el reclutamiento y la movilización militar de los homens livres de cor en la capitanía de São Paulo, entre 1765 y 1777. Como resultado de las fuertes tensiones europeas, los conflictos entre Portugal y España se agudizaron en la bacía del Plata; lo que provocó la reorganización de las estructuras defensivas en ambos reinos. Una de las posturas adoptadas por Portugal, fue la Carta Regia de 1776, en donde se ordenaba que ninguna persona debiera negarse al servicio militar. Además del autoritarismo y violencia típicos de los métodos de reclutamiento, este trabajo destacó la existencia de intereses que algunos de estos homens de cor tenían al ingresar a las tropas, ya que dichas tropas fueron un importante instrumento propiciador de movilidad social. En un esfuerzo de reconstruir la actuación social de los pretos, pardos y mulatos de la capitanía de São Paulo en el contexto de la guerra de restauración del Sur de la América portuguesa, se usó como fuente diversas correspondencias intercambiadas entre varios administradores portugueses durante el período iniciado de 1765 y 1777, en donde se verificó qué esclavos fueron alistados y armados; también se hizo el levantamiento de las compañías militares específicas para homens de cor, los que fueron igualmente encuadrados en las líneas de combate al lado de blancos e indios. Por otra parte, se verificó que el reclutamiento tenía varias funciones en aquella configuración social, entre las cuales se encuentra la del control social.
Palabras clave: Hombres libres de color; reclutamiento militar; movilidad social.
5
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 06 2 A GUERRA LUSO-CASTELHANA E A MILITARIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA: O CASO DE SÃO PAULO...........................................................
10
2.1 A organização militar da América portuguesa ........................................................... 10 2.2 Tensões nas partes meridionais da América portuguesa e a Guerra dos Sete Anos... 14 2.3 A reestruturação militar paulista nos planos de guerra portugueses .......................... 17 2.4 A carta régia de 1766 e os incentivos ao aumento de recrutas .................................. 22 3 OS HOMENS DE COR EM SÃO PAULO: NÚMEROS, DISCURSOS, ESTRATÉGIAS E POSSIBILIDADES....................................................................
26
3.1 A população de São Paulo na segunda metade do século XVIII: homens de cor e impactos do recrutamento militar ...............................................................................
26
3.2 Entre a “má gente” e “heróicos espíritos”. Discursos acerca dos paulistas e os homens de cor de São Paulo........................................................................................
30
3.3 Os negros da América portuguesa e possibil idades de mobilidade social............................................................................................................................
34
3.4 Mobilidade social a partir dos corpos militares: o caso do pardo Caetano Francisco Santiago.......................................................................................................................
37
4 A INCORPORAÇÃO DOS LIVRES DE COR NA ESTRUTURA MLITAR PAULISTA..................................................................................................................
43
4.1 Os homens de cor na estrutura militar paulista........................................................... 43 4.2 Violência no recrutamento.......................................................................................... 46 4.3 Recrutamento e controle social................................................................................... 49 4.4 Negros ao lado de brancos. A formação de tropas mistas.......................................... 52 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 58 FONTES........................................................................................................................... 60 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 62
6
1 – INTRODUÇÃO
O fim da União Ibérica, em 1640, instou Portugal e Castela a se colocarem como
reinos independentes. A demarcação dos limites entre as Américas portuguesa e hispânica
revelou-se marcada por tensões de toda ordem, e, não obstante a promulgação de tratados
bilaterais, estes territórios – em especial os da bacia platina – permaneceram em disputa até a
primeira metade do século XIX. Com a Guerra dos Sete Anos na Europa, entre 1756-1763, na
qual ambos encontravam-se em lados opostos, Portugal foi invadido por uma coalizão franco-
espanhola. Do outro lado do Atlântico, paralelamente, a Colônia do Sacramento foi assaltada
por forças espanholas, bem como alguns territórios do Rio Grande do Sul. Tinha inicio em
1762, desse modo, uma guerra que duraria até 1777 e para a qual a coroa lusitana mobilizaria
homens e capitais das várias partes de seu império. Em 1763 a capital do Brasil mudou de
Salvador para o Rio de Janeiro, e já em 1765 a capitania de São Paulo foi restaurada, posto
que estava subordinada ao Rio de Janeiro desde 1748. Estas medidas estavam relacionadas, de
alguma forma, à estratégia de guerra, a qual tinha como base a ação conjunta entre Rio de
Janeiro, Minas Gerais e São Paulo para a defesa das partes meridionais da América
portuguesa. 1 Nestas três unidades político-administrativas foi empreendida ampla
reestruturação militar, com destaque para o tamanho e intensidade do recrutamento. Tendo em
vista esta grande militarização, a presente monografia tem como tema o recrutamento militar
de homens de cor em São Paulo, entre 1765 e 1777, para a guerra luso-castelhana.
O magnífico conjunto de fontes contido nos Documentos Interessantes Para a História
e Costumes de São Paulo, onde se encontram transcritas milhares de correspondências ativas e
passivas dos governadores e capitães-generais de São Paulo, foi a base documental para a
pesquisa. Do mesmo modo, utilizaram-se manuscritos do Arquivo Histórico Ultramarino do
Projeto Resgate, bem como diversas cartas publicadas por Marcos Carneiro de Mendonça, em
Século XVIII, século pombalino no Brasil.2 A partir da leitura destas correspondências foi
possível notar um grande esforço das autoridades de São Paulo para enquadrar em corpos
militares os homens de cor, e, igualmente, verificar alguns casos de complexa negociação
1 MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 2 MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, século pombalino no Brasil. Rio de Janeiro : Xerox do Brasil, 1989.
7
entre governadores coloniais e capitães pardos. Estes aspectos, que envolvem tanto a inserção
quanto a mobilidade social ascendente propiciada a negros e pardos na referida capitania,
foram pouco notados pela historiografia. Talvez porque as informações a esse respeito
apareçam de modo muito fragmentado na documentação, acompanhando o fato de que as
tropas de pardos eram listadas à parte e não se incluíam em terços à época da guerra, ou, até
mesmo, pela dificuldade em classificar coisas provisórias, muitas vezes feitas aos atropelos.
De fato, várias e frutíferas tentativas de classificar, ordenar, interpretar ou dar sentido a
este corpo documental ocorreram na década de 1970, através do programa de pós-graduação
da Universidade de São Paulo. Elisabeth Rabello, com a obra As elites na sociedade paulista
na segunda metade do século XVIII, fruto de sua tese de doutoramento apresentada em 1973,
trabalhou com as listas nominativas e considerou seu trabalho como pioneiro. Por outro lado,
Nanci Leonzo lidou com aspectos relacionados às instituições militares da referida capitania
valendo-se do conjunto de fontes publicado pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo, nos
Documentos Interessantes. Sua dissertação de mestrado As companhias de ordenanças na
capitania de São Paulo. Das origens ao governo do morgado de Mateus (1975), bem como a
tese de doutoramento, intitulada Defesa militar e controle social na capitania de São Paulo:
as milícias (1979), não destacaram e tampouco problematizaram a incorporação de homens de
cor a esta estrutura militar. Maria de Lourdes Ferreira Lins, por sua vez, defendeu sua tese de
doutoramento em 1977 – a qual infelizmente não tive acesso – intitulada A Legião de São
Paulo no Rio Grande do Sul (1775-1822). Dessa mesma leva, talvez o trabalho mais difundido
nos meios acadêmicos seja Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo do Morgado de
Mateus em São Paulo, 1765-1775 (1979), de Heloísa Liberalli Bellotto. Dos empreendimentos
baseados na ordenação e interpretação destas inúmeras fontes, a obra de Bellotto é a mais
exemplar acerca das opções de pesquisa então em voga: primeiramente, destaque-se a ênfase
das pesquisas ao momento de restauração e reestruturação da capitania em seus aspectos
institucionais, marcado por intensa militarização, além da ânsia em apreender no conjunto a
amplitude dos fragmentos daquele passado. Entretanto, ao buscarem muitas vezes sintetizar os
documentos, estes autores pouco acenaram para a presença dos homens de cor na estrutura
militar paulista. De modo análogo, pesquisas recentes têm analisado tanto a militarização de
São Paulo quanto a presença de homens de cor na capitania, livres e escravos, sob diferentes
vieses, mas pouco explorando aspectos referentes aos negros de São Paulo enquanto homens
8
de armas. Reporto-me à Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo, de 1750
a 1850, fruto da parceria entre Francisco V. Luna e Herbert S. Klein, bem como a dissertação
de mestrado de Karina da Silva, Os recrutamentos militares e as relações sociedade-estado na
capitania/província de São Paulo (1765-1828). Com efeito, esta monografia é um esforço,
dentro de suas limitações, para preencher esta lacuna historiográfica. Leva-se aqui em
consideração a noção primorosamente exposta por Juan Marchena Fernandez, segundo a qual
“los determinantes de la instituición [militar] fueron, pues, los mismos factores que afectaron
y conformaron el orden colonial en sí”, e, por conseguinte, “estudiar lo militar es estudiar a la
realidad del período en multitud de aspectos”.3
As principais discussões deste trabalho giraram em torno da presença de pardos e
mulatos na reestruturação militar paulista e na guerra luso-castelhana; da forma do
recrutamento militar; do exercício de controle social e possibilidades de mobilidade social
mediante enquadramento nas tropas; da associação entre o exercício de uma função militar e
atividades comerciais; das fugas e deserções; e da resistência dos brancos à sua incorporação
em tropas mistas.
A monografia está estruturada em três capítulos, cada qual dividido em quatro tópicos.
O capítulo inicial direciona-se a apresentar o contexto no qual operou-se o recrutamento de
homens de cor em São Paulo. Em primeiro lugar, cabe mostrar a organização militar da
América portuguesa no século XVIII. Para se compreender a guerra luso-castelhana de 1762-
1777 fez-se necessário discorrer sobre a indefinição das fronteiras na bacia do Prata desde o
fim da União Ibérica, em 1640, apontar para as formas e os motivos da política portuguesa
naquela região, bem como relacionar as tensões diplomáticas na Europa, na década de 1760,
ao agravamento dos conflitos nas partes Meridionais da América portuguesa. Em seguida
buscou-se sintetizar a reestruturação militar da capitania em questão e as estratégias de guerra
desenvolvidas por Portugal, desde a mobilização em termos imperiais até o plano de ação
conjunta envolvendo São Paulo, Minas Gerais, e encabeçado pelo Rio de Janeiro. A análise da
carta régia de 22 de março de 1766 que vinha a esclarecer que todos os indivíduos capazes de
levantar armas eram passiveis de ser recrutados é essencial para os fins deste trabalho.
3 FERNÁNDEZ, Juan Marchena. Ejército y milicias en el mundo colonial americano. Madrid: MAPFRE, 1992, p. 9.
9
Já o segundo capítulo destina-se ao exame de aspectos relacionados à presença dos
homens de cor, livres ou escravos, em São Paulo, além de contemplar a estratégia de oficiais
pardos em melhorar sua posição social mediante institucionalização da tropa. A partir de
dados numéricos acerca da população da capitania, observando-se o peso quantitativo dos
grupos de escravos e livres ou forros em relação ao conjunto dos habitantes, poder-se-á
averiguar as ligações entre o tráfico de escravos, a disponibilidade de homens de cor livres
para ingressar nas tropas, e a formação destas companhias militares. Há uma seção na qual
intentou-se, também, informar algo sobre a visão depreciativa que as autoridades mantinham a
respeito destes sujeitos e a partir daí estabelecer o contraste com os discursos exultando o
alistamento dos sertanejos paulistas. Em seguida indicou-se alguns pontos de vista na
historiografia concernentes às possibilidades de ascensão social aos negros da América
portuguesa, numa configuração social na qual estes grupos eram visivelmente mais
discriminados que outros. Este percurso leva a análise de casos em que homens de cor de São
Paulo se beneficiaram neste momento de efervescência militar para elevar-se socialmente e
afastar-se das máculas próprias à sua raça existentes no século XVIII.
O terceiro capítulo foi encaminhado para a discussão de aspectos respeitantes a
presença dos homens de cor na estrutura militar paulista entre 1765-1777. Houve um esforço
em mapear as companhias militares compostas por livres de cor e em compreender os papéis
atribuídos aos cativos neste contexto. As fontes indicaram, ademais, que o recrutamento servia
eficazmente à resolução de problemas internos. Delineou-se, então, uma perspectiva distinta
daquela sobre as possibilidades de mobilidade social aos negros, ou seja, chamou-se atenção
para as formas e os objetivos do recrutamento. Daí as seções dedicadas à relação entre
recrutamento e controle social, e outra sobre o recrutamento forçado. Destacou-se ainda a
inclusão de homens de cor em companhias militares não específicas para negros.
10
2 – A GUERRA LUSO-CASTELHANA E A MILITARIZAÇÃO DA AMÉRICA PORTUGUESA: O CASO
DE SÃO PAULO
2.1 A organização militar da América portuguesa.
A estrutura militar que se foi construindo na América portuguesa desde o século XVI,
e que operava ao longo do século XVIII, tinha como base a divisão entre tropas de primeira,
segunda e terceira linhas, termos estes utilizados mais recentemente.4 Nos dois primeiros casos
as companhias eram agrupadas de modo a organizarem-se em terços, mais tarde chamados
regimentos. O número de indivíduos e de tropas que constituíam os terços era bastante
variável, mas, em geral, buscava-se o número de mil homens inseridos em dez ou mais tropas,
o que constituía um terço dos três mil militares que compunham as legiões romanas. 5
Baseados na classificação das tropas em relação ao pagamento ou não do serviço militar, bem
como pela regularidade destes corpos, alguns autores chegaram a pôr no mesmo cesto tropas
de segunda e terceira linhas. Russel-Wood, por exemplo, entendeu que “com exceção da tropa
de linha e dos dragões, as forças armadas no Brasil não eram organizadas como um exército
permanente, mas como uma série de unidades sem soldo nem carga horária fixa, conhecidas
como milícia (a ‘segunda linha’) ou ordenanças e auxiliares (a ‘terceira linha’)”.6 A maioria
dos historiadores brasileiros, no entanto, estabelece uma certa equivalência entre as tropas
auxiliares e as milícias, considerando-as como a segunda linha. Estas três modalidades de
instituições militares apresentavam, ademais, as subdivisões entre infantaria e cavalaria.
Isto posto, as tropas de primeira linha eram formadas por soldados e oficiais
profissionais, que, em teoria, dedicavam-se às atividades militares integralmente, e por isso
eram pagos. Grande parte destas tropas regulares provinha do reino e é de se notar que seus
integrantes gozavam de privilégios, isenções e prestígio – sendo que este último aspecto
dependia muito do contexto – motivos pelos quais o acesso a elas era vetado para a maioria da
4 A exemplo Cf. PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1994; RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Trad. Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005; SALGADO, Graça (Coord.). Fiscais e Meirinhos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, pp. 97-112, 1985. 5 LEONZO, Nanci. As companhias de ordenanças na capitania de São Paulo. Das origens ao governo do
Morgado de Mateus. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1975, p. 21. 6 RUSSEL-WOOD. Op.cit. p.131.
11
população luso-brasileira. Tal como o oficialato das tropas de segunda linha, a coroa
recomendava que as tropas pagas fossem compostas por “homens dos mais capazes”, em
posses e posições.
Por outro lado, as tropas de segunda linha, criadas a partir do século XVII, após a
restauração portuguesa frente à Espanha, eram denominadas tropas auxiliares e, mais para o
final do século XVIII, de milícias. Sua função primordial era guarnecer as fronteiras em caso
de guerra ou perigo eminente. Não eram remuneradas, além do que os próprios militares
deviam providenciar suas armas e fardas, e, no caso de pertencerem a uma companhia de
cavalaria, foram obrigados a sustentar o cavalo e um escravo para cuidar do animal.
Conseqüentemente, os militares auxiliares ocupavam-se em outras profissões e se lhes
recomendava que fizessem os exercícios militares aos finais de semana.
Já as tropas de terceira linha, as ordenanças, regulamentadas na década de 1570 e
presentes durante todo o período colonial, eram formadas por todos os homens capazes, entre
14 e 60 anos – embora a idade dos alistados variasse muito na prática – e que não estivessem
enquadrados nas tropas pagas ou auxiliares. Do mesmo modo que as tropas auxiliares, as de
ordenanças prestavam serviço militar não-remunerado, mas, ao contrário daquelas, não
poderiam ser removidas para serviço em lugares distantes de onde a companhia fosse formada.
Um outro dado interessante é que era principalmente pelas listas das ordenanças, produzidas
em São Paulo com maior precisão a partir de 1765, que se recrutavam soldados para as tropas
de auxiliares e as profissionais, buscando-se sempre manter os sujeitos mais velhos nas
ordenanças.
A formação dos primeiros terços de auxiliares e de ordenanças em São Paulo, então
capitania de São Vicente, data dos últimos anos do século XVII e teve relação direta com um
aumento do interesse da coroa na região centro-sul do Brasil. Até então houvera em São
Vicente algumas companhias de ordenanças, formadas já em 1592. Porém, as primeiras tropas
de auxiliares, já organizadas em um terço, bem como o primeiro terço de ordenanças, foram
levantados entre 1697 e 1698, período em que o governador e capitão-general do Rio de
Janeiro Arthur de Sá e Menezes esteve em São Vicente com o objetivo de montar “um
aparelho administrativo e fiscal para controle e exploração das jazidas dos sertões mineiros”.
12
Leonzo reuniu alguns indícios importantes para argumentar no sentido desta articulação.7 De
outro lado, as tropas de primeira linha foram criadas apenas em 1710. A partir de 1739, os
corpos de auxiliares paulistas ficaram por ordem régia praticamente restritos à costa marítima,
e, quando morgado de Mateus assumiu o governo da capitania, já em 1765, notou apenas
algumas poucas tropas pagas de infantaria e algumas companhias dispersas e desordenadas de
ordenanças.8
Aos homens de cor do Brasil colonial, fossem pretos, mulatos, pardos ou índios, o
acesso às tropas de primeira linha era vetado, como se pôde notar, e, embora Karina da Silva
tenha indicado alguns exemplos no sentido contrário, para a capitania de São Paulo do início
do século XIX, ela mesma entende que foram exceções.9 Nas tropas de segunda e terceira
linhas, entretanto, era comum o emprego destas pessoas, geralmente em companhias e
regimentos separados dos brancos e até mesmo de outros grupos formados por homens de cor.
Essa participação institucionalizada dos negros no sistema defensivo da América portuguesa
iniciou-se com o terço dos pretos e o regimento de mulatos e recrutas locais, comandados
respectivamente por Henrique Dias e João Fernandes Vieira, levantados em Pernambuco por
ocasião das guerras luso-holandesas de 1630-1640 e 1645-1654.10 Desde então as tropas de
auxiliares e ordenanças compostas por homens de cor espalharam-se pela América portuguesa,
tendo natureza, formas e destinos dos mais variados. Se em alguns casos estas companhias
foram “convocadas em uma emergência e dissolvidas assim que a crise passava”11, em outros
elas permaneceram em pé por longo período, passando por profundas mudanças, como
ocorreu com o Terço dos Henriques, de Pernambuco.12
Os escravos, por sua vez, não poderiam servir ao lado de pessoas livres, e, por
conseguinte, nas tropas de linha, auxiliares ou ordenanças. Embora boa parte dos homens
comandados por Henrique Dias em meados do século XVII fossem escravos, como se pôde
7 LEONZO, Nanci. Defesa militar e controle social na capitania de São Paulo: as milícias. Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1979, pp. 23-25. 8 Ibidem. p. 31. 9 SILVA, Karina da. Os recrutamentos militares e as relações sociedade-estado na capitania/província de São
Paulo (1765-1828). Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista, 2006, p. 131. 10 RUSSEL-WOOD. Op.cit. p.130. 11 RUSSEL-WOOD. Op.cit. p.131. 12 SILVA, Kalina Vanderlei. Os Henriques nas vilas açucareiras do estado do Brasil: tropas de homens negros em Pernambuco, séculos XVII e XVIII. In: Estudos de História, Franca, v. 9, n. 2, pp. 145-163, 2002.
13
notar acima mesmo o terço dos Henriques sofrera profundas mudanças, a tal ponto de tornar-
se proibida a participação de cativos naqueles corpos militares. No início do século XIX, a
composição social deste terço baseava-se em negros livres crioulos.13 Na segunda metade do
século XVIII os administradores, portugueses ou luso-brasileiros, admitiam sim a participação
militar de escravos em situações emergenciais, nunca, porém, efetuada no período da guerra
luso-castelhana. E é preciso esclarecer que neste momento, em São Paulo e em Minas Gerais,
por exemplo, senhores de escravos foram obrigados a providenciar armamento para seus
cativos, que passavam a constituir exércitos de reserva.
A partir desta brecha e dos outros apontamentos, pode-se perceber que a estrutura
militar da América portuguesa dava ampla margem ao improviso, ao provisório, à
irregularidade. Deste modo, para compreender parte do papel dos homens de cor nesta
estrutura é preciso atentar para o fato de que ela constantemente se transformava. Assim,
mudanças consideráveis são notadas na postura régia em relação à constituição de corpos
especiais para pardos ou bastardos em São Paulo, e em outras capitanias. Em 1731 a coroa
ordenara que não mais seriam formadas tropas específicas para estes sujeitos.14 Entretanto, em
um contexto já bastante diferenciado, a partir de 1765 os inconvenientes derivados da
constituição de tais corpos militares foram deixados de lado, a favor da mobilização dos
indivíduos de cor e de categorias sociais tidas como vadios, criminosos e bastardos. Nesse
sentido, constituíram-se várias companhias militares que de modo algum se encaixavam nas
três categorias de tropas já apresentadas. Muitas eram formadas às pressas, sujeitas que
estavam a todo tipo de improviso decorrente de uma situação de guerra. Havia a participação
de pardos em tropas pagas, chamadas de Aventureiros, que, no entanto, não eram consideradas
como de primeira linha. Existiram, inversamente, companhias de ordenanças compostas por
homens de cor bastante marginalizadas, a ponto de não se enquadrarem em terços e serem
listadas à parte. Faz-se necessário, por suposto, um exame dessa conjuntura, a qual tornou
necessária uma enérgica militarização da capitania de São Paulo.
13 SILVA, Kalina Vanderlei. Op.cit. 14 LEONZO, Nanci. As companhias de ordenanças na capitania de São Paulo. Das origens ao governo do
Morgado de Mateus, pp. 78-79.
14
2.2 Tensões nas partes meridionais da América portuguesa e a Guerra dos Sete Anos.
Os limites entre as Américas hispânica e portuguesa não estiveram claros, fixos e bem
definidos ao longo de todo o período colonial. Após o fim da União Ibérica houve declarado
interesse na região da bacia do Prata por ambas as coroas. De sua parte, Portugal implementou
ações concretas para estender seus territórios meridionais na década de 1680, com a fundação
da Colônia do Sacramento (1680) e de Laguna (1684).15 Tais medidas eram justificadas, em
boa medida, pelo fato de que, ao recém criado bispado do Rio de Janeiro, a Santa Sé atribuiu,
em 1676, o território diocesano que se estendia da capitania do Espírito Santo até o Rio da
Prata. Interessava aos lusitanos retomar as suntuosas relações comerciais em Buenos Aires que,
malgrado a forma de contrabando, lhes proporcionavam a cobiçada prata peruana.16 Situada
defronte a Buenos Aires, desde então Sacramento passou a ser alvo cotidiano de investidas
castelhanas, que ora se constituíam em pequenos assaltos às roças de portugueses, ora
tomavam a forma de cercos. Tão logo criada, em 1680 a Colônia do Sacramento foi tomada
pelos espanhóis, o que se repetiu em 1704-5. Entre 1735-7 foi novamente sitiada.17
Se a Colônia, o então extremo-sul da América portuguesa, permaneceu praticamente
isolada militar, econômica e administrativamente em relação aos demais territórios do Brasil,
existiu de fato um movimento colonizador no chamado Continente do Rio Grande de São
Pedro. A fundação desta capitania, em 1713, visava garantir a posse deste espaço e
proporcionar auxílio para a defesa e conservação de Sacramento. Contudo, apenas a partir de
1737 é que a administração portuguesa enviou algumas pessoas para colonizar o Presídio do
Rio Grande de São Pedro. Destaca-se, neste processo, o estímulo à vinda de casais açorianos,
em meados do século XVIII. Ainda assim a legitimidade da presença portuguesa na região era
questionada pela coroa espanhola. Houve, então, grande esforço em validar a ocupação dos
almejados territórios e em amenizar os conflitos por via diplomática: através do Tratado de
Madri, assinado em 1750, os portugueses renunciaram à Colônia do Sacramento, mas
garantiram o domínio das terras onde se localizavam os Sete Povos das Missões e de toda a
15 CUNHA, P. O. Carneiro da. Política e administração de 1640 a 1763. In: Holanda, S. B. de (Dir.). História
geral da civilização brasileira. (v. 2, t. 1). São Paulo: Difel, pp. 19-41, 1968. 16 HOLANDA, S. B. de. A Colônia do Sacramento e a expansão no extremo sul. In: HOLANDA, S. B. de. (Dir.). História Geral da Civilização Brasileira. (v. 1, t. 1). São Paulo: Difel, pp. 322-363, 1972. 17 Idem.
15
costa litorânea próxima à cidade espanhola de Montevidéu. 18 Porém, um novo acordo
estabelecido em 1761, o Tratado de El Pardo, anulou as disposições de 1750.
Neste clima instável os conflitos locais se acentuaram grandemente na década de 1760,
uma vez que neste amplo quadro de negociações entre Portugal e Espanha constavam também
questões relativas à política européia: ao longo da Guerra dos Sete Anos (1756-1763) a
Espanha permaneceu aliada à França, ao passo que Portugal, embora mantivesse uma frágil
neutralidade, pendia para o lado da Inglaterra. Em 1762, parte do reino português foi ocupado
por uma coalizão espanhola e francesa que visava fragilizar as relações entre lusitanos e
ingleses. Dada a notável debilidade do sistema defensivo, o primeiro ministro português,
conde de Oeiras – mais conhecido pelo título que ganhou em 1769, marquês de Pombal –,
solicitou o imediato auxílio militar inglês para repelir a invasão. Atendido em seu pedido,
Pombal negociou ainda a permanência de oficiais a serviço da Inglaterra após o conflito, os
quais seriam elementos chave na completa reestruturação militar planejada para Portugal.19 Do
outro lado do Atlântico, já em fins de 1762, as forças espanholas lideradas por D. Pedro de
Cevallos invadiram a Colônia do Sacramento, os fortes de São Miguel e de Santa Tereza, e
penetraram na vila de São Pedro em maio de 1763.20 Iniciou-se, desta forma, o chamado
período da dominação espanhola no Sul da América portuguesa – o qual duraria de 1763 a
1776, ano da retomada do Rio Grande de São Pedro. 21 Assim, como reflexo de uma
instabilidade nas relações diplomáticas na Europa, as pelejas na região do Prata tomaram
grandes proporções.
A guerra colonial luso-castelhana iniciada em 1762 perdurou até 1777, e deve ser vista
como fator significativo nas transformações geopolíticas operadas tanto na América
portuguesa quanto na hispânica. Com efeito, no período da guerra em questão, a capital do
Brasil mudou de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, ao passo que, em 1776, criou-se o
vice-reino do Rio da Prata na América espanhola.22 Um outro dado auxilia na visualização das
18 REICHEL, H. J.; GUTFREIND, I. Fronteiras e guerras no Prata. São Paulo: Atual, 1995, p. 23. 19 MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, pp. 119-139. 20 LEONZO, Nanci. As companhias de ordenanças na capitania de São Paulo. Das origens ao governo do
Morgado de Mateus, p. 60. 21 KÜHN, Fábio. A fronteira em movimento: relações luso-castelhanas na segunda metade do século XVIII. In: Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre: PUCRS, v.25, n.2, pp. 91-112, dez./1999, p. 91. 22 Para o caso da América portuguesa ver MAXWELL, Kenneth. Op. cit. p. 126. Em relação a América espanhola, consultar BRADING, D. A. A Espanha dos Bourbons e seu império americano. In: BETHELL, Leslie (Org.). História da América Latina. São Paulo: Edusp; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 1997, pp. 405-406.
16
grandes dimensões desta guerra, não apenas nos termos de espaço e tempo, mas no fator
humano. Lins considera que as tropas portuguesas reunidas para este conflito, estacionadas nas
regiões fronteiriças e sob a denominação de Exército do Sul, eram constituídas por mais de
seis mil homens no total, formando “o maior [exército luso-brasileiro] até então organizado
em território americano”. 23 Num ritmo marcado por marchas e contramarchas, o esforço
lusitano em retomar para si o espaço ocupado pelos inimigos castelhanos efetivou-se a partir
de 1765, quando então os capitães-generais foram instruídos para repelir a força com força.24
As autoridades portuguesas tinham a percepção de que os palcos da guerra não se
restringiam às fronteiras do Rio Grande, pois temiam invasões à costa litorânea através da ilha
de Santa Catarina, das vilas de Paranaguá e Santos, e, sobretudo, ao Rio de Janeiro. De modo
semelhante, atentou-se para a fronteira oeste, na região do Mato Grosso. Daí constar da
estratégia de guerra lusitana a construção do presídio de Nossa Senhora dos Prazeres do
Iguatemi, em 1767, uma vez que este estabelecimento, segundo se esperava, provocaria o
deslocamento das forças espanholas para regiões distantes no sertão e as faria dividirem-se, e,
por conseguinte, enfraquecerem-se.25
Estes conflitos tornaram-se mais agudos entre 1774 e 1777, o que fica bastante nítido
nas correspondências trocadas entre as autoridades portuguesas, chegando mesmo ao pé de se
colocar em prática, em 1776, um plano emergencial de defesa na vila de Santos, território
afastado dos principais cenários da guerra. Isso tudo diante do temor a uma invasão espanhola
a capitania de São Paulo. O ano de 1774 marca efetivamente a contra-ofensiva luso-brasileira,
após uma grande incursão castelhana no Rio Grande de São Pedro que resultou na fundação da
colônia fortificada de Santa Tecla.26 Os luso-americanos restauraram o domínio sobre o Rio
Grande de São Pedro em 1776, mas, não obstante este sucesso e as demais precauções, o ano
seguinte foi marcado pela tomada da ilha de Santa Catarina, pela perda definitiva da Colônia
23 LINS, Maria de Lourdes Ferreira. Martim Lopes Lobo de Saldanha: a presença de São Paulo nas guerras do Sul. In: Anais do simpósio comemorativo do bicentenário da restauração do Rio Grande (1776-1976). Vol. I. RJ: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), 1979, p. 315. 24 Cf. “Artigos (cópias) das Instruções dadas pelo conde de Oeiras ao General da capitania (de São Paulo), D. Luis António de Sousa em ofício de 26 de janeiro de 1765”. Arquivo Histórico Ultramarino – Projeto Resgate (doravante AHU-SP), cx. 23, doc. 2221. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 26 de janeiro de 1765. 25 BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo do Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1775). São Paulo: Conselho Estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979, p. 119. 26 LEONZO, Nanci. Defesa militar e controle social na capitania de São Paulo: as milícias, pp. 105-106.
17
do Sacramento, e pela destruição do Iguatemi. Este último fato ocorreu após se ter firmado o
acordo de paz entre as coroas ibéricas, o Tratado de Santo Ildelfonso.27
2.3 A reestruturação militar paulista nos planos de guerra portugueses.
Com o agravamento das contendas entre espanhóis e portugueses e sua subseqüente
extensão para as Américas, o processo de profundas reformas e intensa mobilização militar
que se levava a efeito em Portugal foi imediata e emergencialmente estendido ao Brasil, com
vistas na recuperação dos territórios perdidos, bem como para a manutenção da segurança nos
principais portos e cidades coloniais. Assim, uma das primeiras e mais enérgicas medidas
tomadas por Pombal, o ministro “todo-poderoso” de Portugal, foi a já mencionada
transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, objetivando agilizar o
controle e a gerência das partes Meridionais da América portuguesa. Em segundo lugar, dois
oficiais estrangeiros foram enviados ao Brasil para reparar e dirigir a estrutura de guerra,
Johann Heinrich Böhm e Jacques Funck, aos quais o historiador Maxwell atribui as qualidades
de “peritos militares reformistas”. Pombal encaminhou, ainda, dois aristocratas portugueses
experimentados na arte da guerra, posto que chefiaram tropas na campanha militar conduzida
por Graf Lippe quando da ocupação de Portugal pela frente franco-espanhola, em 1762. São
eles o marquês de Lavradio, nomeado governador e capitão-general da Bahia em 1768 e
capitão-general do Rio de Janeiro e vice-rei do Brasil no ano seguinte, e Dom Luís Antônio de
Souza Botelho Mourão, o morgado de Mateus, que assumiu o governo da capitania de São
Paulo em 1765.28 Num segundo momento, em 1774, quando da contra-ofensiva portuguesa,
vigorosas diretrizes foram expedidas pela coroa, fossem diretamente por Pombal ou pelo
Conselho Ultramarino. O vice-rei Lavradio foi investido, então, de plenos poderes para dirigir
a guerra contra os castelhanos. Na mesma ocasião ordenou-se o replacement de governadores
e capitães-generais em várias partes do Império português, como São Paulo, Minas Gerais,
Pernambuco, Bahia, Rio Grande, Santa Catarina e nas Ilhas dos Açores. Ainda mais, este
amplo projeto de investida militar contou também com o envio ao Rio Grande dos
27 BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Op. cit., p. 308. 28 MAXWELL, Kenneth. Op. cit., p. 126.
18
supracitados Böhm e Funck, nomeados, respectivamente, Tenente General e Marechal de
Campo, acompanhados que estavam dos três regimentos portugueses.29
Com os esforços de guerra, exigiu-se contribuições e mobilização da parte de várias
capitanias da América portuguesa, além de alguns territórios no Atlântico e mesmo do reino.
Pode-se citar aqui, por exemplo, o envio dos “três melhores regimentos portugueses (Maura,
Bragança e Estremoz)” 30, e, em 1774, o alistamento de voluntários nos Açores, remetidos ao
Brasil juntamente aos presos nas levas, com a finalidade de suprir de recrutas os Regimentos
da Guarnição do Rio de Janeiro.31 Envolvida nos conflitos por então ser região fronteiriça e
estar em disputa, à capitania de Mato Grosso foi encaminhado, já em 1765, um plano para a
organização do sistema defensivo, o qual previa assim a fundação de povoados como a
formação de corpos militares de aventureiros e pedestres.32 Mais distante dos focos da guerra,
nem por isso Pernambuco foi isenta de provar sua fidelidade à coroa lusitana nesta ocasião.
Além do aumento no número de tropas, efetivado, previa-se, ao longo de toda a guerra, a
cooperação militar da referida capitania através do envio de algumas companhias para o Rio
de Janeiro e Santa Catarina.33 De um modo ou de outro, as várias partes do império português
tiveram de arcar com esta estrutura de guerra. Contribuíram pesadamente à arrecadação de
fundos dirigidos ao Rio de Janeiro, por exemplo, as capitanias Bahia, Minas Gerais, Goiás,
São Paulo e Angola.34 Pode-se depreender, portanto, que a movimentação militar portuguesa
em torno da guerra com os espanhóis não se restringiu às ações conjuntas de São Paulo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais. No entanto, é evidente que à estas três capitanias exigiu-se mais.
Pombal foi, pois, muito claro ao instruir o vice-rei conde da Cunha (1763-1767) no
sentido deste “cooperar com tudo que lhe for possível para a boa execução do que Sua
Majestade tem ordenado” ao capitão-general de São Paulo, o morgado de Mateus; “o mesmo
29 Cf. “Carta de D. José I para o marquês do Lavradio”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII,
século pombalino no Brasil. Rio de Janeiro : Xerox do Brasil, 1989, p. 607-608. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 9 de julho de 1774; “Carta do marquês de Pombal para o marquês do Lavradio”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 608-610. Lisboa, 15 de julho de 1774. Ver também PAULA, L. F.; SILVA, L. G.; SOUZA, F. P. A guerra luso-castelhana e o recrutamento de pardos e pretos: uma análise comparativa (Minas Gerais, São Paulo e Pernambuco, 1775-1777). In: Jornadas Setecentistas, 2007, Curitiba. VII JORNADA SETECENTISTA. Curitiba, v. 1. pp. 1-2, 2007. 30 MAXWELL, Kenneth. Op. cit., p. 126. 31 Cf. “Carta de Martinho de Melo Castro para Antão de Almada”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 597-598. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 25 de maio de 1774. 32
Cf. “Carta do conde de Azambuja para D. João Pedro da Câmara”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 417-421. Pará, 8 de janeiro de 1765. 33 PAULA, L. F.; SILVA, L. G.; SOUZA, F. P. Op. cit. 34 LINS, Maria de Lourdes Ferreira. Op. cit., pp. 317-318.
19
acordo comum se deve praticar entre Vossa Excelência, Dom Luis Antonio de Souza, e com
Luiz Diogo Lobo da Silva [capitão-general de Minas Gerais], para que com a união de todos
os três governos, se possa consolidar uma força superior a que podem transportar deste
Continente os nossos voluntários inimigos”.35 Deste modo, além da mobilização ocorrida em
territórios mais afastados da região em conflito, estabeleceu-se um plano de ação conjunta
encabeçado pelo Rio de Janeiro na pessoa do vice-rei. O plano permaneceu um imperativo
mesmo com a substituição destes governadores.
Neste contexto é que a capitania de São Paulo foi restaurada, como se pôde observar, já
que esteve vinculada ao Rio de Janeiro de 1748 até 1765. Ao longo da guerra luso-espanhola
foi governada por D. Luis Antonio de Souza (1765-1775) e, em seguida, por Martim Lopes
Lobo de Saldanha (1775-1782). Ambos os capitães-generais receberam diversas cartas com as
instruções de governo, as quais reiteravam o papel atribuído à capitania no contexto das
guerras entre Portugal e Espanha. Mediante seus esforços para a retomada do Sul da América
portuguesa e, por outro lado, por se apresentar como uma muralha entre os castelhanos e as
Minas Gerais, é que a capitania de São Paulo faria jus a sua restituição.36 Em outros termos,
cabia à capitania assegurar a sua própria defesa, além do comprometimento com a guerra no
Sul. De fato, tanto o morgado de Mateus quanto Martim Saldanha empreenderam esforços
para pôr em prática as ordens da coroa, erigindo na capitania uma estrutura militar sem
precedentes. Atividades de intensa mobilização e recrutamento foram marcas da administração
destes dois governadores e capitães generais. Todavia, a capitania necessitava de uma obra de
reorganização não apenas militar, mas igualmente nos campos econômico 37 e político-
administrativo. Com alta dose de dramatização, o morgado de Mateus assim participou ao
vice-rei marquês de Lavradio, em 1772, sobre os problemas de seus trabalhos nesse intento:
“eu achei esta capitania morta e ressuscitá-la é mais difícil que criá-la de novo”.38
Para a constituição e manutenção de todo o aparato militar as atividades agrícolas
deviam ser cuidadosamente levadas em conta. Ora, neste período em que ocorria um
35 Cf. “Carta do Conde de Oeiras ao Conde da Cunha”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII,
op.cit., p. 425-427. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 26 de janeiro de 1765. 36 BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Op. cit., pp. 69-83. 37 Ibidem, pp. 203-233. 38 Ibidem, pp. 10.
20
“renascimento agrícola” na América portuguesa39, a produção devia destinar-se também ao
abastecimento das tropas, fossem elas as levantadas e em serviço na capitania, fossem aquelas
destacadas no Rio Grande e em Santa Catarina, ou até mesmo o vasto contingente proveniente
de Minas Gerais que transitou pelo interior de São Paulo, na ida e volta do Rio Grande.40
Como em outras regiões, quando os agricultores eram recrutados as necessidades de mais
homens de armas poderiam conflitar com as da produção de alimentos. A infra-estrutura
militar paulista incluiu também a construção de fortalezas, principalmente na costa litorânea,
embora a mais dispendiosa tenha sido o Presídio de Nossa Senhora dos Prazeres do Iguatemi,
localizado paradoxalmente na capitania de Mato Grosso. O Iguatemi fez parte da já referida
estratégia militar do morgado de Mateus em relação aos hispano-americanos. Aprovada de
início, a partir de 1772 a coroa teceria severas críticas e censuras, como o fez o sucessor
Martim Saldanha, à esta obra em que D. Luiz Antonio de Souza mais gastou sua energia e os
rendimentos da capitania.41 Assim, percebe-se que muitas das demais obras ocorriam não sem
protestos, como foi o caso das constantes queixas da população de Paranaguá por conta dos
exorbitantes impostos recolhidos para a ereção da fortaleza local.42
A abertura de caminhos e estradas foi outra tarefa a cargo da população regional, e
relacionava-se não apenas ao trânsito de tropas militares, mas em boa parte a dar acesso aos
vilarejos e povoações estrategicamente fundados, através dos quais expandia-se o território
português e formavam-se barreiras para os eventuais ataques indígenas e espanhóis pelo sertão.
Em realidade, uma das principais marcas do governo de D. Luis Antonio de Souza foi a
fundação de vilas, o que não ocorria na capitania desde 1705, bem como a busca em congregar
em povoados mais sólidos aquelas populações que viviam dispersas nos sertões, no modo dos
“sítios volantes”, e que aos olhos das autoridades não passavam de vadios e facinorosos. É
evidente que o capitão-general tinha em mente, além de outras coisas, a reorganização militar
39 ALDEN, Dauril. O período final do Brasil colônia (1750-1808). In: BETHEL, Leslie (Org.). América Latina
Colonial. Trad. Mary A. L. de Barros.; Magda Lopes. São Paulo: Edusp/FUNAG, pp. 527-592, 1999, pp. 556-584. 40 Em relação à passagem pela capitania de São Paulo dos militares das Minas Gerais com destino ao Rio Grande, consultar Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo (Doravante D.I.). Vol. LXXVIII e Vol. LXXIX. Já quanto ao retorno das tropas, ver DI. Vol. LXXXIV. 41 Cf. “Registro de minuta de correspondência a ser dirigida ao governador da capitania de São Paulo”. In.: PEREIRA, M. (Org.). Plano para sustentar a posse da parte meridional da América portuguesa (1772), p. 17-29. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 22 de abril de 1774. 42 Cf. “Representação dos oficiais da Câmara (da vila) de Paranaguá a (D. Maria I), expondo os prejuízos que o povo e a vila tem tido, que anteriormente contara ao governador, sem que este os tivesse resolvido”. AHU-SP, cx. 33, doc. 2846. Paranaguá, 18 de julho de 1778.
21
a que fora incumbido. O estabelecimento dos habitantes em povoados possibilitaria um maior
controle por parte das autoridades, e, pelo que se esperava, menos dificuldades à tarefa do
recrutamento militar e a sujeição do restante da população ao trabalho e à religião.43
Com efeito, partia destes povoados e freguesias as listas das ordenanças, verdadeiros
recenseamentos e instrumentos eficientes para o conhecimento da população disponível para a
atividade militar. Desde 1765 é que foram efetuados estes alistamentos anuais em que
constavam várias informações referentes aos fogos, tais como os nomes dos chefes de cada
família, da esposa, o número de filhos, com o nome e idade discriminados, e os bens possuídos.
Apontavam também o cargo que os indivíduos ocupavam nas esquadras e companhias. Em
outras palavras, todos os homens aptos ao serviço militar foram enquadrados em companhias
de ordenanças, desde que não servissem em tropas de primeira e segunda linhas. Há que se
destacar, por fim, a formação de tropas de primeira linha e, sobretudo, as de auxiliares,
mediante intensa atividade recrutadora.
Desse modo, os momentos chave da criação de corpos militares situam-se nos
primeiros anos de governo de ambos os capitães-generais, isto é, 1765-1766 e 1775-1777.
Morgado de Mateus declarou a Pombal ter concluído sua obra de arregimentação de homens,
em 1767, após coordenar a constituição ou reforma de um regimento de tropa regular, com
seis companhias destacadas em Santos, e de seis regimentos irregulares de tropas auxiliares,
divididas geograficamente entre as da Marinha e as de Serra Acima. Foram listadas também
algumas companhias de pardos e de mulatos.44 Posteriormente, as atividades de recrutamento
voltaram-se para a formação de tropas de sertanistas e de aventureiros, incumbidos da
colonização do Iguatemi e desbravamento dos campos de Guarapuava, Tibagi, e do sertão do
Ivaí. De outro lado, Martim Lopes Lobo de Saldanha ocupou-se irrestritamente da guerra no
Rio Grande e Santa Catarina. Com sua Instrução Militar em mãos, pela qual Martinho de
Melo e Castro lhe de ordenava nova reorganização militar, mediante reforma do regimento de
linha, formação da Legião de Voluntários Reais com 1.600 homens em tempo de guerra, e,
43 SANTOS, Antonio César de Almeida. O desbravamento dos sertões da capitania de São Paulo e a presença portuguesa na porção meridional da América. In: PEREIRA, M. R. de M. (Org.). Plano para sustentar a posse da
parte meridional da América portuguesa (1772). Curitiba: Casa Editorial Tetravento Ltda. (Aos quatro ventos), v. 1, pp. 01-14, 2003, pp. 5-9; TORRÃO FILHO, Amílcar. O “Milagre da onipotência” e a dispersão dos vadios: política urbanizadora e civilizadora em São Paulo na administração do morgado de Mateus (1765-1775). In: Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. 31, n. 1, pp. 145-165, jun./2005. 44 Cf. “Estado militar. Relatório enviado por D. Luis Antonio de Souza, morgado de Mateus, para Pombal”. D.I. Vol. XXIII, p. 85-98. São Paulo, 2 de janeiro de 1767.
22
ainda, pela criação de mais corpos de auxiliares, o capitão-general empreendeu uma colossal
arregimentação em São Paulo.45 Em uma carta de setembro de 1776, informou ao vice-rei
Lavradio a formação de seis terços de auxiliares, além de outras companhias avulsas, cerca de
3.200 homens.46 O intenso recrutamento persistiu até 1777, ano do fim dos conflitos com a
Espanha. A análise da carta régia de 22 de março 1766 é fundamental para a compreensão
deste processo de militarização da América portuguesa, ocorrido na segunda metade do século
XVIII e baseado na constituição de corpos de auxiliares.
2.4 A carta régia de 1766 e os incentivos ao aumento de recrutas.
Durante a guerra luso-castelhana, diante da imensidão de seu império nas Américas, foi
impossível à Espanha sustentar-se apenas com suas tropas profissionais européias. Recorreu,
então, amplamente às forças locais, recrutando na região da bacia platina pardos e morenos
livres47, e índios precariamente equipados, inclusive. Um bom exemplo a este respeito é que
em fins de 1773 foi elaborado um plano para o ataque à região da fronteira do Rio Pardo, o
qual previa a ação de mais de 400 homens, sendo 300 índios das Missões e apenas 100
militares de Corrientes. Este destacamento foi batido por forças portuguesas.48 Do outro lado a
situação não se diferenciava completamente, e o sistema defensivo da América portuguesa
fundou-se, sobretudo, em seus próprios habitantes. Esta condição era vista pelas autoridades
com muita clareza, e passou a ser transmitida aos capitães-generais e vice-reis, em suas
instruções de governo, mediante a atestação de três “princípios invariáveis”:
Primeiro: que o pequeno Continente de Portugal, tendo braços muito extensos, muito distantes e muito separados uns dos outros: quais são os seus Domínios Ultramarinos nas quatro partes do Mundo, não pode ter meios, nem forças com que se defenda a si próprio, e acuda ao mesmo tempo à preservação e segurança de cada um deles; Segundo: que nenhuma Potência do Universo, por mais formidável que seja, pode nem intentou até agora defender as suas Colônias, com as únicas forças do seu próprio continente; Terceiro: que o único meio que até hoje se tem
45 Cf. “Instrução Militar para Martim Lopes Lobo de Saldanha, Governador da Capitania de S. Paulo”. D.I. Vol. XLIII, p. 29-52. Salvaterra de Magos, 14 de janeiro de 1775. 46 Cf. “Para o mesmo Vice Rei, sobre a organização de mais forças nesta Capitania e escolha de seus officiaes”. D.I. Vol. XLII, p. 165-171. São Paulo, 23 de setembro de 1777. 47 FERNÁNDEZ, Juan Marchena. Ejército y milicias en el mundo colonial americano. Madrid: MAPFRE, 1992, pp. 119-124. 48 Cf. “Instrução expedida por Dom Francisco Bruno de Zavala, governador das Missões do Uruguai ao comandante Dom Antonio Gomes”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 583-585. Pueblo São Miguel, 30 de outubro de 1773; “Carta do Marquês do Lavradio para José Marcelino de Figueiredo”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 587-588. Rio de Janeiro, 28 de fevereiro de 1774.
23
descoberto e praticado para acorrer a sobredita impossibilidade, foi o de fazer servir as mesmas Colônias para a própria e natural defesa delas: e na inteligência deste inalterável princípio, as principais forças que hão de defender o Brasil, são as do mesmo Brasil.49
Nessa linha, a coroa lusitana teve que depositar suas esperanças tanto nas tropas
profissionais, fossem aquelas formadas no reino ou as do próprio Brasil, quanto, e em grande
medida, nas companhias de auxiliares e demais forças irregulares. Se é certo que essas forças
– e aqui se analisa as paulistas, em particular – apresentavam no conjunto muitas debilidades,
como a falta de elementos básicos para enfrentar uma guerra nos sertões – armas, alimentos,
treinamento, disciplina, etc. – foi com extremo otimismo que o marquês de Pombal à elas se
referiu ao vice-rei marquês do Lavradio, exaltando as principais virtudes destes sertanejos,
exatamente no momento da contra-ofensiva portuguesa (1774): “afrontando perigos, e
vencendo dificuldades da natureza através das espessuras dos matos, da oposição dos rios, e
dos passos mais escabrosos das montanhas: e sendo nesta consideração os Corpos Ligeiros, e
os Caçadores, e de Aventureiros do país as tropas mais naturais, e próprias para a guerra, que
se vai principiar no Sul”.50 Antes mesmo, em 1765, Pombal escreveu ao capitão-general de
São Paulo instruindo-o a se valer destas populações no combate ao inimigo castelhano,
pretendendo até que de Minas Gerais baixassem “vinte, ou trinta mil [negros], a caírem de
repente sobre os castelhanos”, não somente os oprimindo e destruindo, mas agindo de modo a
recuperar todo o território até a margem setentrional do Rio da Prata.51 No tocante à utilização
militar dos habitantes do Brasil, percebe-se que a administração portuguesa teve que lidar com
processos aparentemente divergentes entre si, quais sejam, o aumento e a reforma dos corpos
militares luso-brasileiros, e a diminuição dos gastos militares.
O alvará régio de 24 de fevereiro de 1764, como explicou Cristiane de Mello, detalhou
os métodos e condições ao recrutamento para a tropa de linha, ou paga, determinando que sua
base era constituída pelas listas das ordenanças. Destacam-se, especialmente, os inúmeros
privilégios e isenções previstas neste alvará.52 Outro era o caráter da carta régia expedida em
49 Cf. “Instrução de Martinho de Melo e Castro para Luis de Vasconcelos”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 753-754. Salvaterra de Magos, 27 de janeiro de 1779. 50 Cf. “Oficio do Marquês de Pombal para o Marquês do Lavradio”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 613-615. Lisboa, 8 de agosto de 1774. 51 Cf. “Artigos (cópias) das Instruções dadas pelo conde de Oeiras ao General da capitania (de São Paulo), D. Luis António de Sousa em ofício de 26 de janeiro de 1765”. AHU-SP, cx. 23, doc. 2221. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 26 de janeiro de 1765. 52 MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. Os corpos de ordenanças e auxiliares. Sobre as relações militares e políticas na América portuguesa. In: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 45, pp. 29-56, 2006, pp. 47-56.
24
22 de março de 1766, que se destinava a todas as capitanias do Brasil visando aos corpos de
auxiliares e ordenanças. Seu texto, franco e direto, indicou primeiramente que, se de um lado o
governo português tinha conhecimento “da irregularidade, e falta de disciplina a que se acham
reduzidas as Tropas Auxiliares dessa capitania”, de outro atestou formarem estes corpos “uma
das principais forças, que tem a mesma capitania para se defender”. Ao contrário do que se
previa no alvará de 1764, ou seja, uma série de isenções de modo a não sobrecarregar as
receitas das capitanias e tampouco conflitar com os diversos interesses locais, as diretrizes da
carta de 1766 apontavam para um enorme alargamento do conjunto de sujeitos passíveis ao
recrutamento para as tropas de segunda e terceira linhas. Cada capitão-general foi obrigado,
lê-se na dita carta, “alistar todos os moradores das terras da vossa jurisdição que se acharem
em estado de poderem servir nas tropas auxiliares, sem exceção de nobres, plebeus, brancos,
mestiços, pretos, ingênuos, e libertos; e à proporção dos que tiver cada uma das referidas
classes, formeis terços de auxiliares, e ordenanças, assim de cavalaria, como de infantaria”.53
Nesta conjuntura marcada pelas conturbadas relações na Europa, pela guerra declarada com a
Espanha em territórios americanos e, não menos importante, pelo grande temor às
suspeitíssimas intenções de Inglaterra e França naquelas regiões54, objetivou-se com a carta
régia de 1766 colocar em prática as máximas segundo as quais deveriam “servir as mesmas
colônias para a própria e natural defesa delas”.55
Os recursos financeiros limitados das capitanias e as respostas das populações a este
chamado da coroa foram levados em conta. Se não se permitiram isenções ao recrutamento,
houve, em direção oposta, ampla concessão de privilégios e mercês ao oficialato de segunda e
terceira linhas. Diante das dificuldades para a constituição de tropas, fosse o desinteresse dos
homens, e por vezes aversão, ao enquadramento nas instituições militares, fosse a falta de
recursos para custear o armamento e as fardas de companhias não-remuneradas, como era o
caso dos auxiliares e ordenanças, foi com benefícios materiais e simbólicos, sobretudo, que a
administração lusitana buscou a adesão da parte das elites locais. Assim, a carta régia em
questão instruía aos capitães-generais para que os “serviços que fizerem os mesmos oficiais
desde o posto de alferes até o de mestre de campo sucessivamente sejam despachados como
53 Cf. “Carta de D. José I ao governador e capitão-general de São Paulo, morgado de Mateus”. AHU-SP, cx. 24, doc. 2354. Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, 22 de março de 1766. 54 MAXWELL, Kenneth. Op. cit., pp. 122-125. 55 Cf. “Instrução de Martinho de Melo e Castro para Luis de Vasconcelos”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., 1989, p. 753-754. Salvaterra de Magos, 27 de janeiro de 1779.
25
oficiais das tropas pagas”. Esta relativa equiparação às tropas profissionais, restrita aos oficiais,
estendeu-se ao modo como os militares faziam-se representar perante a corporação e a
sociedade como um todo: “que possam assim os ditos oficiais como os soldados usarem de
uniformes, divisas, e caireis no chapéu somente com diferença que as divisas e caireis dos
oficiais poderão ser de ouro ou prata, e as dos soldados não passarão de lã”. Privilégios e
benefícios serviam bem, como se vê, para marcar as diferenças de posições no interior de
corpos militares. Mas o fato é que a mesma carta régia de 22 de março de 1766 indicava a
contrapartida das regalias então conferidas às tropas de segunda e terceira linhas: “serão
obrigados todos os oficiais e soldados a terem à sua custa espadas e armas de um mesmo
adarme, e os de cavalaria a terem e sustentarem também a sua custa um cavalo e um escravo
para cuidarem nele”.
Ela igualmente suscitou respostas das mais diversas nas capitanias da América
portuguesa. Em Minas Gerais, por exemplo, camaristas e senhores de escravos questionavam a
ordem do então capitão-general Luís Diogo Lobo da Silva, enviada no mesmo bando pelo qual
se fazia conhecer a carta régia de 22 de março de 1766, no sentido de que os capitães de
ordenança contassem os escravos, e do número total armassem um quinto, afim de que
compusessem terços de escravos. Na argumentação contrária às ordens do governador havia o
temor de que ocorressem ações da parte dos negros armados contra seus senhores, além, é
claro, dos inconvenientes gerados pela perda de mão-de-obra.56 Já em São Paulo, uma das
questões que mais fez correr tinta nas penas daqueles que tiveram de lidar com as prescrições
da dita carta foi o pagamento aos oficiais de auxiliares, semelhante aos dos oficiais das tropas
pagas. Com efeito, a tarefa penosa de recolher fundos para esta finalidade coube às câmaras.
Estes eram obtidos através da alta tributação a que estavam sujeitos vários produtos e
atividades, e que, em última instância, saíam das mãos de todo e qualquer habitante. A
inquieta câmara de Paranaguá foi a mais enérgica nesse sentido.57 Cabe agora lançar um olhar
mais atento à população da capitania de São Paulo, de modo a entender quem afinal eram estes
sujeitos passíveis ao recrutamento militar, e particularmente aos homens de cor.
56 PAULA, L. F.; SILVA, L. G.; SOUZA, F. P. de. Op. cit.; MELLO, Christiane Figueiredo Pagano de. A guerra e o pacto: a política de intensa mobilização militar nas Minas Gerais. In: Castro, C.; Izecksohn, V.; Kraay, H. (Orgs.). Nova história militar brasileira. Rio de Janeiro: Editora FGV, pp. 67-86, 2004. 57 Cf. “Termo da Junta que se fez com os Procuradores das Câmaras das Villas pertencentes a Comarca de Parnaguá, a que asistiu o Ouvidor della, para effeito de se estabelecer rendimento para se pagarem os soldos do Sargento-mor, e Ajudante do Corpo de Infantaria de Parnaguá, na forma da Ordem de S. Mag.e de 22 de março de 1766”. D.I. Vol. XIX, p. 94-97. Paranaguá, 29 de maio de 1767.
26
3 – OS HOMENS DE COR EM SÃO PAULO: NÚMEROS, DISCURSOS, ESTRATÉGIAS E
POSSIBILIDADES
3.1 A população de São Paulo na segunda metade do século XVIII: homens de cor e impactos do
recrutamento militar.
A população de São Paulo em 1776, segundo as estimativas de Alden, perfazia o
número de 116.975 pessoas. Em termos numéricos, era superada com larga distância pelas
capitanias de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, para as quais o mesmo
historiador atribuiu a cifra de 319.769, 288.848, 239.713 e 215.678 almas, respectivamente.
Como se vê, a população da vizinha Rio de Janeiro, a quarta mais populosa do Brasil, quase
que dobrava a paulista. Outro abismo numérico é produzido quando se compara a população
de São Paulo com a do Ceará, a sexta capitania em termos de maior população contabilizada:
seus 61.408 habitantes equivaliam a 52,5% dos de São Paulo.58 Deste modo, a região aqui
ponderada apresentava-se como intermediária em termos de população total, em 1776, na
América portuguesa.
Considerando estes dados, torna-se parcialmente compreensível o recorrente lamento
dos governadores D. Luis Antonio de Souza e de Martim Saldanha relacionado ao reduzido
número de pessoas aptas para compor as tropas ao longo de 1765 e 1777. Ainda assim, quando
se mira as pouco mais de 20 mil pessoas que residiam no Rio Grande do Sul por esta época 59
é que melhor se percebe a validade dos encargos atribuídos a São Paulo na guerra luso-
castelhana, ou seja, o envio de aproximadamente 38% dos soldados que compunham o
Exército do Sul estacionado no Rio Grande, além da formação de tropas para a sua própria
defesa.60 A este respeito, Karina da Silva defende vigorosamente a idéia de que, a despeito de
toda a perturbação proporcionada pelos recrutamentos militares, a estrutura populacional
paulista não foi abalada entre os anos 1765 e 1830, uma vez que acompanhou o crescimento
econômico da capitania, chegando, no ano 1828, à cifra de 287.645 almas.61 Muito embora
reconheça um “desequilíbrio de gêneros” em São Paulo neste momento, entende-o como algo 58 ALDEN, Dauril. O período final do Brasil colônia (1750-1808), p. 529. 59 Idem. 60 LINS, Maria de Lourdes Ferreira. Martim Lopes Lobo de Saldanha: a presença de São Paulo nas guerras do Sul. Op. cit., p. 316. 61 SILVA, Karina da. Os recrutamentos militares e as relações sociedade-estado na capitania/província de São
Paulo (1765-1828). Op. cit., pp. 28-48.
27
estrutural, relacionado ao modo de vida e às atividades econômicas dos paulistas. Para Karina
da Silva, “no que se refere ao despovoamento da Província, sabemos que o fato não ocorreu,
pelo contrário, verificou-se um crescimento populacional acentuado desde a segunda metade
do século XVIII”.62 É certo, porém, que o intenso recrutamento militar causou grande impacto
naquela sociedade. Acredito ser coerente ir além desta visão geral que, sob a bandeira do
crescimento econômico e demográfico a longo prazo, omite as complexidades e o impacto a
que esta situação de guerra exerceu sobre a população da capitania.
Em 1780, portanto após findarem-se os conflitos entre hispano-americanos e luso-
brasileiros, o capitão-general Martim Saldanha tinha em mãos uma lista com os números da
população, divida por sexo e grupos de idade. 63 Impressiona a fenda na pirâmide etária: se o
número de rapazes entre sete e quatorze anos (12.398) assemelhava-se ao de raparigas na
mesma faixa etária (11.841), por um lado, houve, de outro, considerável distorção entre a
quantidade de homens e mulheres adultas. Estas, entre seus quinze aos quarenta anos, eram em
número de 26.897 pessoas, ao passo que para o número de homens ultrapassar esta cifra era
necessário estender nas contas a faixa etária para mais vinte anos. Dito de outro modo, o grupo
de homens adultos, que no relatório do governador formavam a terceira classe de habitantes,
contabilizava os indivíduos do sexo masculino desde os quinze aos sessenta anos e atingia um
total de 27.299 pessoas. Desta forma, vê-se um grande vazio populacional no grupo de
homens nessa faixa etária, que, por sinal, compreendia justamente os sujeitos passíveis de
serem recrutados. Esta desproporcionalidade aumentou, paradoxalmente, em uma época
caracterizada pela intensificação da introdução de cativos, crioulos e africanos, que abalou
profundamente o equilíbrio demográfico entre os escravos. Houve, portanto, um aumento
sensível na razão de masculinidade neste grupo. Já em 1795 as mulheres com idade de quinze
a quarenta anos eram em número de 39.634, ao passo que foram contados apenas 34.413
homens entre quinze e sessenta anos64.
Não se quer aqui, através destes poucos dados, contestar a idéia de que a capitania de
São Paulo foi marcada por alguma desproporção entre o número de homens e mulheres adultas, 62 SILVA, Karina da. Op. cit., pp. 148-149. 63 Cf. “Relação de todos os habitantes da capitania de São Paulo, divididos nas classes seguintes”. AHU-SP, Cx. 35, Doc. 2947. São Paulo, 1 de junho de 1780. 64 Cf. “Ofício do governador e capitão general da capitania de São Paulo, conde de Sarzedas, Bernardo José Maria da Silveira e Lorena, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], visconde de Balsemão, Luís Pinto de Sousa Coutinho, informando que enviou a relação dos habitantes daquela capitania”. AHU-SP/Avulsos, Cx. 10, Doc. 27. São Paulo, 2 de julho de 1795.
28
durante o século XVIII. Pretende-se, ao contrário, marcar o papel que a militarização e a
atividade do recrutamento desempenharam, ao lado das atividades econômicas e ao modo de
vida dos paulistas, para tamanha distorção da pirâmide etária. Todavia, deve-se observar que
aqueles homens em constante movimento, comercializando no litoral, no caminho das tropas
ou na rota das monções, eram sim contabilizados nas listas de população, mas com a
observação de estarem ausentes. Com efeito, alguns milhares de homens foram recrutados e
enviados a combater no Rio Grande, Santa Catarina e no Iguatemi. Muitos foram vitimados ao
longo do caminho ou mesmo nos conflitos. O Iguatemi foi considerado o cemitério dos
paulistas. Outros tantos permaneceram vivos e estabeleceram-se no Rio Grande. Um número
talvez maior de homens não figurou nestas representações estatísticas da população por conta
do temor ao recrutamento. Haja vista que um dos grandes objetivos deste minucioso
mapeamento demográfico realizado na capitania, a partir de 1765, era mesmo obter o número
de pessoas aptas a servir nos corpos militares. A deserção, as fugas para “os matos”, e as
omissões de inúmeros chefes de fogos ao esconderem seus filhos parecem ser importantes
fatores para a explicação deste reduzido percentual de homens em relação às mulheres.
É interessante ter em vista que, do contingente de soldados em potencial,
contabilizados ou não, os homens de cor eram um grupo significativo na capitania durante a
segunda metade do século XVIII. A presença de africanos em São Paulo fez-se sentir desde os
primórdios da capitania65, mas em proporção mínima, se comparado aos outros grupos sociais
que habitavam-na nos dois séculos iniciais, quando o território constituía a capitania
hereditária de São Vicente. Dos processos amplos e conexos de crescimento econômico e
populacional pelos quais passou São Paulo no setecentos, dentre seus múltiplos aspectos, há
destaque para a incorporação de africanos e crioulos naquela sociedade. Porém, não houve
uma transição rápida e direta entre a estrutura de produção baseada no emprego de índios a
esta sustentada pela força de negros. Diversamente, o processo foi consumado apenas em fins
do século em questão66, acompanhando a cultura agro-exportadora da cana-de-açúcar. Se uma
parcela significativa dos indivíduos desembarcados no porto de Santos, ao longo da primeira
metade do século, era destinada às Gerais, estima-se, por outro lado, que neste mesmo período
65 BALHANA, Altiva Pilatti; WESTPHALEN, Cecília Maria. Negros, gentios da terra, ou negros d’África?. In: Revista da SBPH, Curitiba, n. 17, pp. 17-23, 2000. 66 MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 209-226, 1994, pp. 220s.
29
as taxas de crescimento natural entre os escravos fossem positivas, uma vez que o número de
homens e mulheres cativos era equilibrado.67
De um modo ou de outro, em carta enviada ao marquês de Pombal, pela qual o
Morgado de Mateus remeteu-lhe a lista dos escravos e rendimentos da capitania de São Paulo
para o ano de 1768, apontou-se a cifra de 23.323 pessoas cativas.68 Pouco tempo depois, em
1772, esse número chegava a 28.542 pretos – termo coetâneo utilizado muitas vezes como
sinônimo de escravo, e em alguns casos para escravo africano, especificamente –
representando cerca de 24,4 por cento de uma população estimada em 116.975 indivíduos.69
Esta camada social cresceu rapidamente entre 1777 e 1829, atingindo o número de 75 mil
pessoas.70 Paralelamente, desenvolveu-se uma classe formada por homens livres de cor, que
em 1772 chegava a 22.459 pessoas, ou 19,2 por cento da população total de São Paulo.71 Em
1803 vê-se que já ultrapassara em quantidade o total de escravos, com 46.913 homens de cor
livres, em oposição aos 44.131 cativos. Não superava o número de indivíduos classificados
como brancos, porém – cerca de 113 mil pessoas.72 De qualquer forma, essa camada de
homens livres composta por não-brancos aumentou de forma consistente na capitania desde o
último quartel do século XVIII, e foi “a categoria social que mais rapidamente cresceu na
sociedade brasileira do século XIX”. 73 Isso se deve, principalmente, as altas taxas de
crescimento vegetativo e a um “constante processo de emancipação”.74 O certo é que, em
suma, havia em São Paulo uma camada consistente formada por indivíduos livres de cor no
período em questão, e que muitas destas pessoas não foram contabilizadas nas listas
nominativas por conta do recrutamento e suas conseqüências. É interessante, agora, analisar os
discursos enunciados sobre aquela população pelas autoridades portuguesas,
fundamentalmente no que toca à utilização destas pessoas nos corpos militares.
67 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Evolução da sociedade e economia escravista de São Paulo, de 1750 a 1850. São Paulo: EDUSP, 2006, pp. 45-46. 68 Cf. “Carta ao mesmo conde [de Oeiras] remettendo-lhe a lista dos escravos e rendimentos da capitania de S. Paulo”. D.I. Vol. XIX, p. 282-283. São Paulo, 22 de fevereiro de 1769. 69 ALDEN, Dauril. The Population of Brazil in the Late Eighteenth Century: A Preliminary Study. In: The
Hispanic American Historical Review, v. 43, n. 2, pp. 173-205, maio/1963, p. 196. 70 LUNA, F. V.; KLEIN, H. S. Op. cit., p. 167. 71 ALDEN, Dauril. The Population of Brazil in the Late Eighteenth Century: A Preliminary Study, p. 196. 72 KLEIN, Herbert S. Os homens livres de cor na sociedade escravista brasileira. Dados – Revista de Ciências
Sociais, n. 17, pp. 3-27, 1978, p. 9. 73 KLEIN, Herbert S. Op. cit., p. 10. 74 Idem.
30
3.2 Entre a “má gente” e “heróicos espíritos”. Discursos acerca dos paulistas e os homens de
cor de São Paulo.
Desde o início de seu governo, D. Luiz Antonio de Souza argumentava a Pombal que a
“qualidade dos povos” sob sua gerência se constituía no grande obstáculo para a
implementação daqueles projetos com os quais o governador e capitão-general buscava
transformar a capitania. A fundação de povoações e vilas, os incentivos a expansão e
diversificação agrícola mediante uso de novas técnicas, os planos de defesa da capitania: tudo
isso, afirmava seguro – “por me ajudarem já as luzes de uma mais clara, e bem advertida
experiência” –, se devia a “negligência, e preguiça dos naturais”. 75
Morgado de Mateus visava desconstruir um discurso segundo o qual a utilização do
arado e o plantio em terras já utilizadas não eram viáveis, ao que contrapunha com outro
discurso, o da preguiça e desinteresse dos filhos da terra.76 Para ele, havia também um círculo-
vicioso sustentado pela chegada de portugueses à capitania, de modo que estes se esforçavam
em trabalhos manuais até adquirirem escravos, e a partir daí, sustentados pelo suor dos cativos,
entregar-se-iam ao ócio.77 Já as povoações civis não logravam êxito porque, “dos povos”, “os
pequenos [...] querem viver na liberdade, na dissolução, e nos vícios, livres de todo o governo
de justiça” e “os maiores”, por outro lado, “querem servir-se daqueles mesmos debaixo do
nome de administrados, e tê-los como verdadeiros escravos”.78 Estes costumes eram, portanto,
um mal generalizado, próprio dos paulistas.
Se, aos olhos da principal autoridade da capitania, o trabalho ficava a cargo tão
somente dos escravos, fossem africanos, crioulos ou índios, em outra ocasião D. Luiz Antonio
de Souza reclamava que “nestas terras não há povo, e por isso não há quem sirva ao Estado:
exceto muito poucos mulatos, que usam de seus ofícios, todos os mais são senhores ou
escravos”. As mulheres, por sua vez, não exerciam ocupação alguma, segundo o governador,
“poucas costuram e fiam, exceto algumas mulatas”. 79 Nestes termos, houve algum destaque
para a representatividade da crescente camada constituída por pessoas livres de cor, aquela que
75 Cf. “Sobre o atrazo da lavoura em S. Paulo e suas cauzas”. D.I. Vol. XXIII, p. 374-377. São Paulo, 30 de janeiro 1768. 76 Cf. idem. 77 Cf. “N. 6. Sobre os costumes publicos de S. Paulo”. D.I. Vol. XXIII, p. 377-382. São Paulo, 31 de janeiro 1768. 78 Cf. “Sobre dificuldades de fundar povoações e lemites da Capitania ao Sul”. D.I. Vol. XXIII, p. 204-206. São Paulo, 7 de julho de 1767. 79 Cf. “N. 6. Sobre os costumes publicos de S. Paulo”. D.I. Vol. XXIII, p. 377-382. São Paulo, 31 de janeiro 1768.
31
nesta época representava cerca de 20% da população total de São Paulo, como observado
anteriormente. Isso não quer dizer, contudo, que este grupo era bem visto à autoridade.
Acusando a intensificação do tráfico de cativos africanos para a capitania, morgado de Mateus
apresentou a Pombal suas reflexões acerca dos danos, a longo prazo, que a presença destes
indivíduos ocasionaria tanto ao caráter da população do Estado do Brasil quanto aos cofres
portugueses:
Ainda que o Brasil cada vez se vai mais descobrindo, e carecendo mais número de negros para se laborar, contudo poderia vir a perder por tempo o assento deles, porque vão-se fazendo tantos casamentos de negros, e negras, e povoações nas fazendas, e lavras particulares que já multiplicam muito nas mesmas terras sem que precisem de vir de fora, e além de se ir povoando o Estado de má gente, poderá vir a ter todos os necessários e arruinar o comércio, e os direitos de Sua Majestade. 80
Dois aspectos desta fala, ao menos, são de especial interesse: em primeiro lugar, há
indícios da transformação pela qual passava a dinâmica da escravidão na capitania. Fez-se
menção ao padrão de reprodução escrava até a época, ou seja, através do crescimento natural –
o que caracterizaria esta população cativa como predominantemente crioula e sustentaria a
ampliação da classe dos homens livres de cor. Por outro lado, D. Luiz Antonio de Souza
apontou para a constante e larga entrada de africanos em São Paulo, um processo que tinha
início neste mesmo momento e chegaria a seu ápice no século XIX. O segundo aspecto a ser
notado é a própria qualificação extremamente pejorativa aos negros, a demonstração de
repugnância em relação a estas pessoas, que, independente da situação jurídica, chegavam a
representar quase 45 por cento dos habitantes da referida capitania em 1772. Tratar estas
pessoas como humanamente inferiores, de fato, não era novidade. O que se pretende chamar
atenção aqui é para a intercalação de discursos sobre a população em questão, no contexto da
guerra luso-castelhana.
A partir de 1774, como já foi notado, os investimentos na guerra aumentaram de lado a
lado. Aos administradores de São Paulo já havia sido transmitida a ordem para concentrarem
seus esforços no Sul da América portuguesa, e não mais no Oeste. Uma série de
correspondências trocadas entre as altas autoridades lusitanas – dentre os quais Pombal, o
vice-rei Lavradio e os capitães-generais – vinha a detalhar o plano geral de guerra. Nesse
contexto houve especial destaque ao imemorável caráter guerreiro dos paulistas. Por ocasião
80 Cf. “[Carta para o Conde de Oeiras] N. 5”. D.I. Vol. XIX, p. 282-284. São Paulo, 22 de fevereiro de 1769.
32
da comparação entre as forças terrestres disponíveis aos contendores, Pombal via vantagens
dos portugueses nas tropas já estacionadas no Rio Grande, bem como
nas muitas companhias de aventureiros, de caçadores e de sertanistas das capitanias de São Paulo e de Santos [sic], que se têm levantado e podem levantar, e sendo todos eles por si mesmos valorosíssimos e filhos e netos de pais e avós dotados daqueles heróicos espíritos que lhes ganharam a fama de serem nestas partes o terror [...].81
Toda esta retórica que fazia remontar à ação dos bandeirantes no século XVII foi
empregada neste momento visando o empenho tanto das autoridades quanto dos demais
habitantes de São Paulo. E o discurso acaba por se inverter: se D. Luiz Antonio justificava-se a
respeito do malogro de alguns de seus projetos mediante a desqualificação dos paulistas –
homens que vivem no ócio, metidos pelos matos e insubordinados – Pombal buscava
convencer e animar ao próprio Lavradio de que as forças militares luso-brasileiras, baseadas
em parte naqueles temíveis paulistas, eram suficientemente superiores às tropas espanholas
formadas por índios e habitantes de Corrientes. É evidente que, como se verá adiante, as
necessidades próprias de uma época extremamente conturbada deram margem a soluções
imediatas, que nem sempre levavam em conta qualquer retórica acerca dos paulistas.
Entretanto, até pela esperança da coroa depositada nestes homens, os governadores eram
instruídos “para os animar; por uma parte com estímulos da vaidade, que é neles genial,
prometendo-lhes, que serão atendidos por Sua Majestade com a mesma distinção dos grandes
serviços, que espera que lhe façam”, e por outra, através da permissão ao saque feito aos bens
dos inimigos.82 Sob esta tensão entre vícios e virtudes operou-se o recrutamento em São Paulo
para a guerra.
Já em relação a participação de negros nas batalhas, Pombal pouco indicou os
caminhos a serem seguidos por morgado de Mateus e Martim Saldanha. Entusiasmava-se mais
com o amplo contingente de homens livres de cor das Minas Gerais e Pernambuco83, ao que
vinha somar a tradição, sempre resgatada, dos feitos dos negros pernambucanos durante as
guerras contra os holandeses, em meados do século XVII. Alertou a Lavradio que Sua
Majestade “estima tanto aqueles vassalos pretos e pardos, que no ano passado, despachou com
81 Cf. “Ofício do marquês de Pombal ao marquês do Lavradio”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século
XVIII, op.cit., p. 617-619. Lisboa, 18 de setembro de 1774. 82 Cf. “Ofício do marquês de Pombal ao marquês do Lavradio”. In: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século
XVIII, op.cit., p. 613-615. Lisboa, 8 de agosto de 1774. 83 Cf. ALDEN, Dauril. O período final do Brasil colônia (1750-1808), p. 529.
33
o Hábito de Santiago a um mestre de campo de um dos segundos deles”. Ademais, tendo em
vista o falatório no sentido de que “aos mesmos espanhóis europeus causam outro grande
terror e pânico os negros, de sorte que na ocasião em que fugiram de Vila Real, davam por
motivo da sua fugida, que vinha contra eles marchando um grande número de negros”84,
houve a convocação, em 1775, para que os terços dos pretos Henriques e o dos Pardos de
Pernambuco fossem destacados à Santa Catarina. Sabe-se, contudo, que apesar de mobilizados,
os pernambucanos não embarcaram para esta ilha em 1775.85 O vice-rei Lavradio, por sua vez,
orientava a Saldanha para que este formasse corpos de infantaria auxiliares, “sem exceção de
casados e solteiros, nem escolha entre brancos, mulatos e índios, contanto que sejam homens
fortes, robustos e desembaraçados”.86 O interessante é ter em vista que esta avaliação referente
aos paulistas enquanto valorosos homens de armas a combater nos sertões e matos, que se
reporta a um contexto bastante diverso, o do século XVII, era uma tradição recriada na
conjuntura da guerra luso-castelhana. A ela agregava-se, neste momento, o elemento africano
ou afro-americano. Os homens de cor da capitania, por certo, estavam no grupo dos paulistas e
partilhavam das mesmas qualidades. Além disso, é de se notar que este discurso não
funcionava pura e simplesmente como retórica para o recrutamento, parecia de fato estar como
certo na mente dos administradores portugueses, a despeito da marginalização daqueles
sujeitos. Em agosto de 1775, portanto após as conversações que teve com Lavradio acerca das
virtudes militares dos habitantes de São Paulo, Saldanha ordenava ao capitão-mor de
Paranaguá que este mantivesse prontas as ordenanças, “nas quais é preciso compreender os
administrados, e mulatos forros solteiros, e ainda fuscos, pois estes quero eu para a minha
Companhia do Coronel, porque são bons soldados para as campanhas da América”.87
Certamente que a realidade da capitania, com a dinamização recente do tráfico de
escravos africanos e o predomínio de uma economia de subsistência, por exemplo, teve
relações diretas com a enunciação destes discursos sobre seus habitantes. O esforço de guerra
caracterizou, de forma semelhante, a retórica acerca das qualidades militares dos paulistas. Por
conseguinte, tais fatores moldaram as formas específicas da incorporação de negros de São
84 Cf. “Carta do marquês de Pombal ao marquês do Lavradio”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século
XVIII, op.cit., p. 635-639. Lisboa, 9 de maio de 1775. Grifo no original. 85 PAULA, L. F.; SILVA, L. G.; SOUZA, F. P. de. Op. cit. 86 Cf. “Carta do marquês do Lavradio para Martim Lopes Lobo de Saldanha”. In.: MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Século XVIII, op.cit., p. 640-645. Rio de Janeiro, 27 de maio de 1775. 87 Cf. “P.a o Sarg.to Mor de Auxiliares da V.a de Parnaguá”. D.I. Vol. LXXIV, p. 81-82. São Paulo, 31 de agosto de 1775.
34
Paulo na estrutura militar. Tendo em vista estas oposições entre exaltação e desqualificação,
inserção e exclusão desta população, os tópicos que seguem visam abordar, primeiramente,
algumas possibilidades de ascensão social aos negros da América portuguesa anotadas pela
historiografia, e, mais detalhadamente, casos de mobilidade social ascendente a homens de cor
na capitania de São Paulo no contexto da guerra luso-castelhana.
3.3 Os negros da América portuguesa e possibilidades de mobilidade social
Em um universo no qual era fundamental a associação entre “ser” e “parecer” à
definição e constituição de indivíduos e grupos, marcas como cor e escravidão a muito custo
eram suprimidas. E os homens de cor da América portuguesa carregavam consigo os estigmas
do cativeiro, constantemente reiterados – e reconstruídos –, tanto a partir de estatutos jurídicos
que os colocavam em condição de nítida inferioridade aos brancos, cerceando-os em vários
aspectos, quanto em atitudes cotidianas, como as referências à cor que invariavelmente
acompanhavam o nome destes indivíduos. Este tópico visa a um exame das possibilidades e
estratégias dos homens de cor para a mobilidade social ascendente nesta sociedade de Antigo
Regime.
O antigo regime foi classificado por Hespanha como um “mundo social indisponível,
ossificado e de mudanças lentas e prefixadas”, no qual operava, de fato, uma lógica fundada
na associação de conceitos como honra, honestidade e justiça, visando a ordenação dos grupos
e indivíduos na sociedade.88 A condição social ocupada era considerada, pois, obra da natureza,
logo, justa. Mudanças poderiam acontecer, mas de duas formas bem distintas: paulatinamente,
com aquisição honesta de riqueza e aplicação de pecúlio em obras para o reino, ou por
intervenção direta e dramática do rei, o grande distribuidor de poder. Hespanha problematiza a
mobilidade social tendo em vista somente a nobilitação.
A integração e ascensão social destes sujeitos, na América portuguesa, eram
deliberadamente obstruídas pela política da Coroa portuguesa, segundo Russel-Wood.89 O
historiador afirma que “os libertos de ascendência africana eram discriminados por leis que
deixavam, freqüentemente, de distinguir escravos de libertos”. Estes eram impedidos de portar
88 HESPANHA, António Manuel. A mobilidade social na sociedade de Antigo Regime. Tempo, Niterói, v. 11, n. 21, pp. 121-143, 2006, p. 138. 89 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Op. cit. p. 107.
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armas, não sendo militares, e de se vestir com roupas luxuosas. “No nível local, a justiça para
os libertos de cor era arbitrária e, freqüentemente, violenta. Havia um conjunto de leis e
punições para brancos e outro para pessoas de cor”. 90 Considera, ademais, que “o serviço
público da Coroa, da municipalidade, do judiciário, a Igreja e as ordens religiosas estavam
fechadas a qualquer negro”.91 Após construir este quadro bastante generalizante, no qual
destaca a discriminação e marginalização sofrida pelos homens livres de cor, Russel-Wood
aponta para uma flexibilidade e certo grau de tolerância, variável de região para região, no que
concerne ao efetivo acesso de negros a cargos públicos. Sobressaiam aí as nomeações e
militares.92
Hebe Mattos, por sua vez, esforçou-se por demonstrar que esta política da Coroa em
relação aos negros do Brasil passou por mudanças consideráveis na virada do século XVII
para o XVIII. 93 Acompanhando a trajetória de oficiais do Terço dos Henriques que se
dirigiram de Pernambuco para Lisboa, na segunda metade do dezessete, a reivindicar o
reconhecimento de seus feitos nas batalhas contra índios, quilombolas dos Palmares e
holandeses, Mattos constatou que estes oficiais negros foram atendidos em seus pedidos e
receberam altas condecorações militares. Cabe salientar que os requerentes foram submetidos
às provanças sobre pais e avós, de modo que teriam que provar não serem descendentes de
cristãos-novos ou gentios. Seus “defeitos” acabaram sendo dispensados por ordem régia,
todavia, o que os facultou ao recebimento de comendas de Ordens Militares. Entretanto, a
partir de 1690 os pareceres em relação aos pedidos de títulos de nobreza da parte dos homens
de cor da América portuguesa cambiaram a direção. Passou-se então a rejeitar tais solicitações
sob um principio implícito de que os negros tampouco poderiam ser considerados cristãos-
velhos. Inaugurava-se um “novo padrão de impedimento para o recebimento das ordens
militares, o impedimento da cor”.94
Parece que uma ampla conjugação de fatores possibilitou a tamanha mobilidade social
daqueles poucos homens de cor. O apoio incontestável que estes indivíduos prestaram à
90 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Op. cit. pp. 108-109. 91 Ibidem. p. 110. 92 Ibidem. pp. 112-113. 93 MATTOS, Hebe. Da guerra preta às hierarquias de cor no Atlântico Português. In: XXIV Simpósio Nacional de História, 2007, São Leopoldo. História e Multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. Anais Complementares, 2007. 94 Ibidem. p. 6.
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manutenção da soberania portuguesa, comandando seus militares em momentos de guerra
extremamente tensos, combinaram-se a “uma economia política de privilégios” que se
dinamizava e era “viabilizada pela concessão de mercês e privilégios dispensados tanto ao
Brasil [...] quanto aos homens inter-relacionados pelo conjunto de políticas então articuladas
pela Coroa e seus vassalos”.95 Por outro lado, Mattos sugere que a consolidação de uma
sociedade escravista nas Américas levou a dissociação da idéia de “cor preta” em relação aos
padrões africanos. Não se trata mais de reconhecer a existência de elites africanas, mas de
atender ou indeferir a demandas de homens de cor do Brasil. “Em finais do século XVII, a
simples menção da cor preta passava a denotar presunção de origem escrava”.96 Claro está que
Mattos trata de estratégias individuais direcionadas para a nobilitação, e, evidentemente,
poucos foram os negros da América portuguesa que solicitaram diretamente ao rei o
reconhecimento de seus serviços, ainda mais quando se tratava de graças tão notáveis.
Em uma perspectiva diferente, Klein aborda a inserção social dos homens livres de cor
na sociedade escravista brasileira97, ou seja, não se restringe às condições e balizas temporais
do antigo regime. O processo de mobilidade, igualmente lento, tinha inicio antes mesmo da
emancipação, quando o indivíduo encontrava-se em cativeiro. Deste modo, o casamento de
cativos com pessoas forras, acompanhado pela geração de filhos, possibilitava certa
acumulação de bens graças ao trabalho familiar extra, e estes eram empregados na compra da
liberdade. Para os livres, já em condição social intermediária entre senhores e escravos, o
alistamento em unidades militares de segunda ou terceira linhas podia funcionar aos mais
destacados como “uma importante avenida de mobilidade social”.98 Além disso, o historiador
indica que muitas pessoas deste grupo passaram por um processo de mobilidade ocupacional,
pois encontrou significativas referências a indivíduos livres de cor desempenhando
importantes, complexos e reconhecidos ofícios naquela sociedade. 99 Marinheiros, oficiais
militares, pescadores, artesãos, professores, músicos e demais artistas negros são exemplos
95 GOUVÊA, M. F. S. Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1645-1808). In: GOUVEA, M. F.; FRAGOSO, J.; BICALHO, M. F. (Org.). O Antigo Regime nos Trópicos. A dinâmica
imperial portuguesa (séc.s XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 293. 96 MATOS, Hebe. Op. cit., p. 7. 97 KLEIN, Herbert. Os homens livres de cor na sociedade escravista brasileira. Dados – Revista de Ciências
Sociais, n. 17, pp. 3-27, 1978. 98 Ibidem, p. 4. 99 Ibidem, pp. 18-23.
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mais comuns de mobilidade, dependente sobretudo do trabalho, experiência e estratégias
desenvolvidas pelos sujeitos, e que resultavam no reconhecimento social a nível local.
Luiz Geraldo Silva, de sua parte, aborda o aspecto da mobilidade social de homens de
cor, em Pernambuco, entre 1776 a 1814, através da inserção de cativos e livres em
corporações étnicas e profissionais, na medida em que era no interior destas, além das
irmandades religiosas, que fundamentalmente as pessoas de cor organizavam-se. 100 O
estabelecimento de laços e redes por meio destes corpos culminava na constituição
institucionalizada de rigorosas hierarquias encabeçadas pelos “bons negros”, aos quais as
autoridades passavam cartas-patentes reconhecendo a autoridade destes indivíduos sobre os
subordinados na corporação. Estas instituições, sob o ponto de vista dos negros, eram
importantes por propiciar identidade e auto-organização, ao passo que aos olhos das
autoridades elas funcionavam como meios de controle social.101 Por conseguinte, estas pessoas
não se preocupavam somente em melhorar de vida financeiramente, já que a perspectiva de
ocupar cargos de destaque entre os negros, enfim, de alcançar os bens simbólicos advindos de
uma posição privilegiada, era um fator tão ou mais importante para dar sentido as suas vidas.
Considerando a posição dos historiadores aqui em questão, pode-se notar uma base
comum em suas análises: a compreensão de que o estudo das possibilidades de ascendência
social dos negros da América portuguesa deve atentar para as múltiplas perspectivas dos
agentes envolvidos nestas relações, onde tanto os homens de cor quanto as autoridades
portuguesas desempenhavam papéis relevantes.
3.4 Mobilidade social a partir dos corpos militares: o caso do pardo Caetano Francisco Santiago.
Que a coroa portuguesa foi levada a recorrer aos habitantes de suas colônias para a
defesa destas regiões, e que, por conseguinte, este era um daqueles “princípios invariáveis”
através dos quais seus administradores gerenciariam as coisas da guerra, já foi notado neste
trabalho. Do mesmo modo, indicou-se aqui algumas das estratégias aplicadas por negros na
América portuguesa objetivando a ascendência social. A existência de uma camada de homens
livres de cor na capitania de São Paulo, sempre crescente ao longo da segunda metade do
100 SILVA, Luiz Geraldo. Da festa à sedição: sociabilidades, etnia e controle social na América portuguesa (1776-1814). In: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 30, pp. 83-110, 1999. 101 Ibidem, p. 86.
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século XVIII, foi outro aspecto considerado. Passo agora a problematizar alguns casos em que
o contexto de beligerância entre portugueses e espanhóis aventou possibilidades de sucesso e
mobilidade a alguns homens de cor da referida capitania, entre os anos 1765 e 1777.
Em uma correspondência enviada a Pombal, em 1765, vê-se o morgado de Mateus
informar a intenção para a constituição de uma tropa de pardos forros na vila de Santos. Para
este propósito, negociou com Caetano Francisco Santiago, então capitão dos aventureiros
pardos, a institucionalização desta companhia. Ao capitão Santiago competia reunir cem
homens, os quais deveriam por ele ser fardados e armados, formando assim uma tropa de
homens livres e pardos. Ademais, o trato previu a concessão de uma patente de capitão de
auxiliares ao dito Caetano, com a graduação de tenente. Ocorreu que, durante o período de
negociação, o capitão dos pardos não conseguiu juntar em sua companhia mais que sessenta
homens. De outra parte, não obstante a promessa feita pelo capitão-general no sentido de
passar-lhe uma “patente de capitão de auxiliares pardos, com graduação de tenente de
infantaria paga”, esta não lhe foi concedida, a princípio, pois o morgado de Mateus considerou
que isto “não podia ser do agrado de Sua Majestade”.102 Finalmente, D. Luis Antonio de
Souza aguardou o parecer do marquês de Pombal em relação à declaração de que “também
tenho esperança de formar outra [companhia] do mesmo modo na vila de São Vicente porque
já tenho outro capitão com o mesmo desejo”.103
À descrição do processo devem-se acrescentar algumas observações. Em primeiro
lugar, trata-se de um processo de institucionalização de companhias paramilitares, ou melhor,
unidades organizadas em torno de um indivíduo e dotadas, por isso mesmo, de um caráter
pessoal. Não por acaso a negociação se deu entre o governador e o chefe deste corpo militar.
Outro dado interessantíssimo é que houve, de fato, uma negociação. Diferentemente dos
demais processos para formação de companhias militares compostas por homens de cor,
baseadas no recrutamento forçado, como se verá adiante, aqui parece ter prevalecido – mais
que uma imposição – um acordo. Se Caetano Francisco Santiago não conseguiu incorporar
mais que sessenta e seis homens, dos cem requeridos, é “por não se descobrirem outros
capazes de servir nesta vila e suas vizinhanças”, e porque a violência não foi empregada para
102 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras sobre formação de Companhias e diversos outros assuntos militares”. D.I. Vol. LXXII, p. 51-52. Santos, 10 de setembro de 1765. 103 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765.
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isso. Ao contrário, muitos dos soldados desta tropa possivelmente tinham interesses em
permanecer no grupo. Como verificou Silva, ao tratar de corporações paramilitares étnicas e
de trabalho em Recife e Olinda durante a segunda metade do século XVIII, os indivíduos que
estavam à frente das rigorosas hierarquias no interior destes corpos haviam, anteriormente,
passado por cargos inferiores.104 Tais associações serviam eficazmente para a organização
destas pessoas, homens sem senhor, recém egressos do cativeiro, ou, ao menos,
marginalizados e estigmatizados pelos brancos. Através delas criavam e legitimavam-se
rígidas hierarquias entre os homens de cor.
As respostas de Caetano Francisco Santiago, bem como a do outro individuo
mencionado por morgado de Mateus, o capitão dos pardos da vila de São Vicente, foram
positivas à perspectiva de receberem patentes militares com graduações nada menosprezáveis.
Segundo o capitão-general, ele, Santiago, “ficou muito satisfeito”. Recebeu, porém, uma carta-
patente provisória semelhante à concedida aos capitães de homens pardos do Rio de Janeiro.105
O preço a ser pago foi duplo: por um lado, Santiago foi encarregado de custear as despesas de
sua tropa e organizá-la rapidamente a fim de que D. Luis Antonio de Souza a inspecionasse. O
reconhecimento de sua cor, parda, por outro, foi um custo que pagou a si mesmo. Ora, se havia
a busca da parte destes homens de cor em destacarem-se no interior das corporações
compostas por pessoas de semelhante condição social, existia igualmente, sem dúvida, grande
interesse em transcender do ‘mundo dos negros’ e gozar dos mesmos privilégios e direitos dos
brancos. Nesta sociedade movediça há claros exemplos nesse sentido. O historiador Russell-
Wood cita a conversação entre Henry Koster – que esteve no Brasil no começo do século XIX
– e um mulato. Koster perguntou “se o capitão-mor do local também era mulato, e recebeu
como resposta: ‘ele era, mas não é mais’. Ao lhe pedir explicações, o informante acrescentou:
‘e pode lá um capitão-mor ser mulato?’”. 106 De modo análogo, Ferreira acompanhou a
trajetória de vida de Joaquim Barbosa das Neves, um pardo alfaiate que viveu na
capitania/província de São Paulo entre 1780 até a década de 1830, aproximadamente. Com o
104 SILVA, Luiz Geraldo. Da festa à sedição: sociabilidades, etnia e controle social na América portuguesa (1776-1814). In: História: Questões & Debates, Curitiba, n. 30, pp. 83-110, 1999, p. 91. 105 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765. 106 RUSSEL-WOOD, A. J. R. Escravos e libertos no Brasil colonial. Trad. Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, pp. 113-114. apud KOSTER, Henry. Travels in Brazil (Londres, 1816), p. 391.
40
passar do tempo este sujeito tornou-se soldado miliciano e ascendeu ao cargo de alferes,
chegou a ter 41 escravos e abandonou seu oficio, passando a dedicar-se, paralelamente, ao
comércio. Tão ou mais importante que estes cargos e bens, Joaquim Barbosa das Neves, em
1820, foi considerado um homem branco na lista nominativa.107
É coerente, sendo assim, considerar a aceitação da cor parda por Caetano Francisco
Santiago, em uma sociedade que lhe conferia perspectivas de alcançar o branqueamento social,
não apenas como uma contrapartida aos benefícios angariados com o posto de comando da
companhia de pardos forros de Santos, mas, para além disso, como uma estratégia visando
ascensão social. Tal como Joaquim Barbosa Neves no século XIX, Caetano Francisco
Santiago era, em 1765, um homem de “cabedais e de préstimo [...] homem pardo, e rico”.108
Nessa mesma linha, em uma década depois, entre outubro e novembro de 1776, o capitão-
general Saldanha lidou com curiosas questões envolvendo o tenente dos pardos da vila de
Santos, Inácio Francisco Lustoza. Primeiramente, indicou as providências quanto ao
“particular do tenente” 109; em seguida, após a notícia do seu falecimento, há todo um esforço
para dar conta das dívidas contraídas por Inácio Lustoza. O embaraço da situação não parou
por aí, uma vez que, diante das suspeitas de que a morte do tenente teria sido ocasionada por
um feitiço – “e que um preto seu já confessa” – o capitão-general ordenou que “se tire devassa,
fazendo auto, e corpo de delito”.110 Por ora é suficiente destacar que Lustoza além de ter sido
um militar pardo era senhor de escravos, e que contraiu dívida de alguma proporção, a ponto
de haver necessidade de intervenção do governador neste assunto.
Estes dois militares da companhia dos pardos de Santos – Santiago e Lustoza – eram
também comerciantes, tal como Barbosa Neves. Ambos investiram algum capital e tornaram-
se sócios de uma empresa de vulto, em 1767, ao lado de mais dezesseis homens. Tratava-se de
uma companhia de comércio situada em Santos. Caetano Francisco Santiago e Inácio
Francisco Lustoza mantinham vínculos fortes, através desta associação, com personalidades
107 FERREIRA, R. G. Trabalho, família, aliança e mobilidade social: estratégia de forros e seus descendentes. Vila de Porto Feliz, São Paulo, século XIX. In: V Congresso Brasileiro de História Econômica e VI Conferência Internacional de Empresas, 2003, Caxambu (MG). Anais... ABPHE, 2003. Caxambu: Associação Brasileira dos Pesquisadores de História Econômica, 2003, pp. 15-23. 108 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765. 109 Cf. “P.a o Com.e da Praça de Santos [Francisco Aranha Barreto]”. D.I. Vol. LXXVI, p. 111-113. São Paulo, 14 de outubro de 1776. 110 Cf. “P.a o Com.e da V.a de Santos Fran.co Ar.a Barreto”. D.I. Vol. LXXVI, p. 158-160. São Paulo, 8 de novembro de 1776.
41
eminentes da capitania, dentre as quais o sargento-mor João Ferreira de Oliveira – o maior
investidor da companhia de comércio –, o sargento-mor Manoel Ângelo Figueira e o capitão
Bonifácio José de Andrade. Neste mesmo ano, os dezoito integrantes participaram a D. Luis
Antonio de Souza a intenção de ampliarem a empresa, mediante a inclusão dos comerciantes
da cidade de São Paulo. Pretendiam, ainda, o incentivo governamental através da
implementação de algumas monumentais “condições” propostas, entre as quais figuravam a
reforma do caminho que ligava Santos a São Paulo e o “não virem fazendas da Europa de
outros portos para este sem faculdade dos caixas das tais sociedades”.111 Em suma, até aqui se
reuniu algumas informações sobre a ocupação de dois oficiais da tropa dos pardos de Santos,
no período da guerra luso-castelhana, donde se conclui que, concomitantemente aos
importantes cargos militares que ocupavam, eles estavam entre os principais comerciantes da
região litorânea da capitania.
Estas questões todas são de suma importância, sobretudo quando se tem em vista
afirmações como a de Elisabeth Rabello, quando asseverou afirmou que “raramente
encontramos um ‘pardo’ desempenhando atividades econômicas importantes”. Para todo o
período que compreende a segunda metade do século XVIII, a autora cita apenas o caso do
pardo Manuel da Costa, um negociante em atividade no ano de 1798.112 Rabello constatou
também, por meio dos recenseamentos efetuados entre 1765 e 1798, que era freqüente a
associação entre o exercício de uma função militar a outras atividades agrícolas ou
comerciais. 113 Esta era uma realidade percebida pelos administradores portugueses e até
mesmo incentivada, como o demonstra a resolução do governador Martim Saldanha:
O serem os capitães de auxiliares negociantes, é assim forçoso em quase todo o Brasil, especialmente nesta Capitania onde uns são mercadores, outros traficantes, outros tropeiros, outros condutores, e poucos serão os isentos destes manejos, e se por isso não houverem de gozar dos privilégios da nobreza dos postos, e de tais regalias [...] poucos seriam os capitães, e nem uns quereriam tais postos [...] em uma palavra, eles não têm soldos e indispensavelmente hão de negociar, e traficar como Sua Majestade não ignora.114
111 Cf. “Cartas sobre o estado actual dos negocios desta Capitania”. D.I. Vol. XXIII, p. 389-392. Santos, 5 de julho de 1767. 112 RABELLO, Elisabeth Darwiche. As elites na sociedade paulista na segunda metade do século XVIII. São Paulo: Comercial Safady, 1980, p. 84. 113 Ibidem, p. 99. 114
Cf. “Para o D.or Juiz de Fora da Villa de Santos”. D.I. Vol. LXXV, p. 7-8. São Paulo, 2 de abril de 1776. Os grifos são meus.
42
De sua parte, Karina da Silva sugere que a partir de 1765 houve uma união de interesses entre
a Coroa e os grandes comerciantes locais. Para o poder central esta aliança era válida tanto
para otimizar o controle e a disciplina da população colonial, quanto para diminuir o poder
regional. Aos mercadores que investiriam seus capitais nas tropas, seriam concedidos
privilégios e isenções, além da elevação do status social e a possibilidade de nobilitação.115 E
isso era, fundamentalmente, o que buscavam Caetano Francisco Santiago e Inácio Francisco
Lustoza, ou seja, a vinculação desses sujeitos à tropa dos pardos, como oficiais, servia para
conferir-lhes um reconhecimento social elevado entre os homens de cor, um status não
proporcionado pela atividade econômica que desempenhavam com sucesso. Talvez as relações
que mantinham com pessoas influentes política, econômica e militarmente fossem por eles
direcionadas no sentido de eliminarem de si mesmos o pesado fardo do estigma social que
carregavam, e a cor parda pudesse, enfim, ser deixada de lado, trocada por outra. Fosse como
fosse, o certo é que ambos mantinham uma posição de destaque entre os homens de cor da
capitania. Aqueles que, muito ao contrário, não ficavam nada satisfeitos com o recrutamento
militar.
115 SILVA, Karina da. Os recrutamentos militares e as relações sociedade-estado na capitania/província de São
Paulo (1765-1828). Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista, 2006, p. 69.
43
4 – A INCORPORAÇÃO DOS LIVRES DE COR NA ESTRUTURA MLITAR PAULISTA
4.1 Os homens de cor na estrutura militar paulista.
Uma extraordinária mobilização militar foi promovida em São Paulo a partir de 1765.
Sua reestruturação militar e os trabalhos para levantar tropas durante a guerra luso-castelhana,
em termos gerais, tiveram três fases. A primeira teve início já em 1765, com o desembarque
de D. Luis Antonio de Souza na capitania e sua estadia provisória, ainda que por mais de um
ano, na vila de Santos. Em relatório enviado ao marquês de Pombal, em janeiro de 1767, dava
conta de ter concluído a atividade recrutadora na capitania, na medida em que “no estado atual
da sua possibilidade não se pode aumentar mais sem violência, e é a que basta para a
defesa”. 116 Entretanto, o plano de guerra do capitão-general, assentado sobremaneira na
militarização ao Oeste, no Iguatemi, fez com que ainda mais pessoas alistadas nas ordenanças
fossem incorporadas às tropas destinadas aquela fortaleza. Além das seis companhias pagas e
dos seis regimentos de auxiliares formados entre 1765 e 1766 e referidos no relatório
supracitado, houve a constituição de dezenas de companhias militares compostas por
sertanistas. Esta segunda fase encerrou-se por volta de 1774, quando então a coroa
rigidamente passou a censurar o envio de homens para o Iguatemi. A partir deste período a
postura portuguesa tornou-se mais enérgica, assim como a guerra no Sul. Aqui se entrelaçaram
as ordens para o envio de tropas ao Rio Grande e Santa Catarina com os cuidados defensivos
para a própria capitania. É o famoso período da “recruta grande”,117 que vai desde o final do
governo de morgado de Mateus até o término dos conflitos, em 1777, já na administração de
Martins Lopes Lobo de Saldanha.
Durante seu primeiro ano de governo na capitania de São Paulo, em 1765, D. Luis
Antonio de Souza comunicou ao conde de Oeiras a formação de uma companhia de pardos
forros na vila de Santos, uma de mulatos em São Sebastião, além da intenção de criar outra
tropa de pardos em São Vicente.118 Tais medidas, como se vê, foram tomadas antes da carta
116 Cf. “N. 3. Sobre ser sufficiente a força armada da Capitania”. D.I. Vol. XXIII, p. 100. São Paulo, 2 de janeiro de 1767. 117 BURMESTER, Ana Maria de Oliveira. Estado e população. O século XVIII em questão. In: Revista
Portuguesa de História, Coimbra, v. 33, pp. 113-151, 1999, p. 138. 118 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765; “Carta ao Conde de Oeiras sobre formação de Companhias e diversos outros
44
régia de 1766, o que leva a crer que o morgado de Mateus já partira de Lisboa com a ordem de
alistar homens de cor nos corpos militares de São Paulo. Entre 1765 e 1777, encontramos
referências a outros semelhantes corpos, como as companhias de mulatos de Taubaté e de
Pindamonhangaba (1767), a tropa de pardos de Jundiaí (1772), as “companhias dos Pretos”, na
vila de Paranaguá (1776), e, principalmente à tropa de pardos de Santos.119 Em relação às
companhias de ordenanças, constatou-se a presença da companhia dos pardos na cidade de
São Paulo (1772), com 66 homens alistados, bem como a ordem para se formar uma de
mulatos forros e para que se remeta a lista dos mais capazes para os postos de oficiais
(1775).120
A transformação de escravos particulares em soldados ‘em potencial’, embora tratada
marginalmente nas obras que lidam com a militarização da capitania, foi um aspecto
importantíssimo e recorrente nos diversos momentos tanto da guerra luso-castelhana quanto da
reestruturação militar paulista. É bem verdade que a documentação referente ao alistamento de
escravos nesse contexto é escassa, mas, de outro lado, há referências suficientes para que se
afirme que eram os cativos armados um componente indispensável na estratégia de guerra. Em
momento algum, entretanto, julgou-se viável a participação de cativos enquanto corpo militar
nos conflitos no Rio Grande de São Pedro, Santa Catarina ou mesmo no Iguatemi, que, apesar
de ser palco de conflito apenas em 1777, quando então foi tomado pelos espanhóis, era tido
como um ponto de batalha iminente. Empregar-se-iam os escravos de São Paulo, como último
recurso, à defesa do litoral em caso de invasão.
Morgado de Mateus esclareceu já no início de seu governo que “os escravos não
devem, por causa da sujeição a que são obrigados, e menos em razão da sua cor, ser isentos de
pegar em armas quando a ocasião for tal que a isso seja necessário chegar, o que deve desde já
assuntos militares”. D.I. Vol. LXXII, p. 51-52. Santos, 10 de setembro de 1765; “Carta para o Conde de Oeyras, dando conta da primeira expedição da Companhia de Aventureiros Paulistas para Viamão, e outros assuntos de guerra e militares”. D.I. Vol. LXXII, p. 201-215. Santos, 30 de março de 1766. 119 Cf. “Carta descriptiva dos corpos existentes nesta capitania de S. Paulo”. D.I. Vol. XXIII, p. 87. São Paulo, 2 de Janeiro de 1767; “Para o Cap.m Mór de Jundiahy”. D.I. Vol. VII, p. 143-144. São Paulo, 16 de dezembro de 1772; “Para o Cap.m Francisco Aranha Barreto, Comandante da Praça de Santos”. D.I. Vol. LXXV, p. 27-28. São Paulo, 13 de abril de 1776. 120 Cf. “Lista da Compa. da Ordenança desta Cide. [São Paulo, 1772]”. In.: Revista do Instituto Histórico e
Geographico de São Paulo, Vol. XXXIV, p. 505-526. São Paulo, 6 de outubro de 1772; “Ordem para se formar nesta Cidade huma Companhia de Mulatos forros”. DI. Vol. XXXIII, p. 180-181. São Paulo, 4 de janeiro de 1775.
45
estar prevenido”.121 É bastante esclarecedor o fato de que idêntica consideração foi feita em
1775, o último ano de governo de D. Luis Antonio de Souza. Daí as ordens expedidas entre
1765 e 1775 no sentido de os proprietários armarem com dardos ou chuços todos os escravos
das regiões litorâneas e até mesmo da cidade de São Paulo, formando companhias,122 de tal
modo que listas com os dados dos escravos armados deveriam prontamente chegar às mãos do
capitão-general. Como medida de precaução, alertava-se aos senhores que a eles, e não a seus
escravos, competia a guarda das armas, que consistiam em nada mais que “chuços ou dardos
de ferro com haste de pau, de sorte que o tamanho desta com o dito chuço faça o número de
quatorze palmos”. Porém, é enganoso subestimar ou ignorar a força militar em potencial
destes cativos alistados. Haja vista que suas armas, por exemplo, eram semelhantes às da
maioria dos soldados das ordenanças, os quais podiam carregar consigo armas “de fogo ou de
pau ferrado [...] segundo as possibilidades que cada um tiver”.123
Com o governo de Martim Lopes Lobo de Saldanha intensificou-se o apelo ao
exército de reserva composto por cativos. Nos momentos mais tensos do conflito entre
portugueses e espanhóis, durante 1775 a 1777, diante do temor a uma invasão maciça de
espanhóis pelo Atlântico, reiterava-se a ordem de se mobilizar conjuntamente assim os
auxiliares e as ordenanças, como os escravos.124 Examinando esta documentação percebemos
que nestes vários momentos em que se considerou como último recurso a participação de
escravos nas batalhas, não se lhes ofertou nunca a liberdade. Ao contrário, estes pobres pardos,
pretos e mulatos cativos foram constantemente empregados em obras públicas, na infra-
estrutura militar. São inúmeros os indícios da atuação de escravos negros no transporte de
alimentos, armas e tropas. Da mesma forma, nas obras em fortalezas e na abertura de
caminhos pelo sertão. Entretanto, há exemplos da contribuição voluntária por parte destas
pessoas, o que se pode afigurar como interesses e estratégias naquelas contribuições: em 1777,
dois escravos residentes em São Sebastião informaram, espontaneamente, terem visto cerca de
121 Cf. “Bando do governador e capitão-general da capitania de São Paulo, D. Luis António de Sousa, ordenando a todos os senhores moradores na vila de Santos e seu termo, que tenham escravos tanto mulatos como negros, que mandem fazer cada um chuço ou dardo de ferro”. AHU-SP, cx. 23, doc. 2255. Santos, 7 de setembro de 1765. 122 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765. 123 Cf. “Ordem para se armarem os corpos das Ordenanças”. D.I. Vol. XXXIII, p. 181-182. São Paulo, 3 de janeiro de 1775. 124 Cf. “P.a o Cap.m Com.e de Santos [Francisco Aranha Barreto]”. D.I. Vol. LXXVII, p. 68. São Paulo, 31 de dezembro de 1776; “P.a o Sarg.to Mor de Aux.es de Parnagua Francisco Jozé Monteyro”. D.I. Vol. LXXVII, p. 87-89. São Paulo, 15 de janeiro de 1777.
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quarenta embarcações espanholas em direção ao Rio de Janeiro. 125 Em outra situação
emblemática houve a petição de três escravos fugidos, pertencentes à coroa, feita diretamente
ao governador Saldanha. Segundo o capitão-general “os três pretos de Sua Majestade aqui
vieram apresentar-se, dizendo estavam prontos para servirem em toda parte a seu senhor, mas
de nenhuma sorte ao comandante da fortaleza”, que os empregou numa fazenda sua. 126
Portanto, mesmo com o sucesso da fuga e sem se excluir o peso das penas impostas aos
cativos fujões, estes indivíduos optaram por se apresentar a uma autoridade superior, à qual
reivindicaram um emprego melhor.
Após esse percurso marcado pela tentativa de indicar algumas das tropas de segunda e
terceira linhas compostas por homens livres de cor, formadas e presentes no período da guerra
em questão, bem como apontar para a forma como os cativos foram incluídos neste esforço de
guerra, é necessário examinar os métodos de recrutamento operantes e a função do
enquadramento de indivíduos em corpos militares não apenas como mão-de-obra armada, mas
como mecanismo de controle social.
4.2 Violência no recrutamento.
Atendendo às demandas relacionadas à militarização portuguesa coordenada pelo
capitão-general de São Paulo na fronteira Oeste, nas proximidades do Paraguai – a segunda
fase da atividade recrutadora na capitania, como foi indicado anteriormente –, formaram-se
nas vilas de Jundiaí e Mogi Mirim, em 1772, companhias com “mulatos, bastardos e carijós
arranchados no sertão”.127 Em fins do mesmo ano reiterou-se a ordem para a formação de
tropas de sertanejos, retirados das companhias de auxiliares, das de pardos e ordenanças de
Jundiaí, Mogi Mirim e Mogi Guaçu. Nesta ocasião, o capitão José Gomes de Gouvêa foi
encarregado de “dar caça ao Gentio Cayapó no sertão do Rio Pardo e margens do Tietê”, com
125 Cf. “P.a o Sarg.to Mor Com.de de Santos [Francisco Aranha Barreto]”. D.I. Vol. LXXVII, p. 124-125. São Paulo, 7 de fevereiro de 1777. 126 Cf. “P.a o Sargento Mor Comandante de Santos [Francisco Aranha Barreto]”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 180-181. São Paulo, 16 de maio de 1777; “Para o Sargento Mor Comandante de Santos [Francisco Aranha Barreto]”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 194-196. São Paulo, 22 de maio de 1777. 127 Cf. “Ordem q.’ foy ao Sarg.to Mór de Jundiahy p.a formar huma comp.a de mulatos bastardos e carijós”. D.I. Vol. XXXIII, p. 60. São Paulo, 11 de maio de 1772; “P.a a Camr.a de Mogi Mirim”. D.I. Vol. LXIV, p. 55-56. São Paulo, 17 agosto de 1772.
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a finalidade de desembaraçar o comércio com Cuiabá.128 Algum tempo depois, em janeiro de
1773, morgado de Mateus enviava uma missiva às principais autoridades do presídio do
Iguatemi instruindo-os como obrar quando da chegada do capitão-mor José Gomes Gouvêa
com seu corpo de tropas que ali devia estabelecer-se. Ordenou a reorganização militar do
presídio a partir de suas nove companhias, entre auxiliares, aventureiros e ordenanças. A
sétima companhia devia ser aquela dos pardos, conduzida por José Gouvêa.129 É bem provável
que a quase totalidade destes indivíduos fora recrutada à força, não tendo eles sequer idéia de
para onde estavam sendo conduzidos. O negro Joaquim Lopes, por exemplo, foi preso na
Paranaíba e enviado ao Iguatemi em 1770, por “não ter domicílio certo, viver metido pelos
matos, aparecer só de noite, e andar amancebado, como também não dar naturalidade nem
dizer se é cativo ou forro”.130 Sem hesitar, em abril de 1772 o mesmo governador advertia aos
capitães responsáveis pela tarefa do recrutamento sobre as resistências de suas caças e
indicava caminhos para um empreendimento eficaz, porque dissimulado. Para o capitão
Balthezar Reis Borba o morgado de Mateus foi explícito: “constando-lhe que os povos estão
sobressaltados com a notícia de se passar mostra para tirar gente para o Iguatemi: [...] cuide [...]
em sossegar a todos, tirando-lhes semelhante receio”.131 Deste modo autoritário é que a
maioria das pessoas foi parar ali, no inóspito Iguatemi.
Uma outra leva de presos, dezesseis desta vez, partiu para o para o presídio em 1773,
guiada pelo capitão Francisco Aranha Barreto. Seis deles eram forros e seriam empregados
como remadores ou agricultores, os demais foram listados sem qualquer informação além de
seus nomes.132 Ao cruzar estes dados com uma lista para o pagamento dos soldados do
Iguatemi é possível verificar que alguns destes presos foram incorporados à sétima companhia,
128 Cf. “Para o Cap.m Mór de Jundiahy”. D.I. Vol. VII, p. 143-144. São Paulo, 16 de dezembro de 1772. 129 Cf. “Ordens, e instrucçoens q.’ se dirigirão ao Ten.e Coronel João Miz Barros e ao Sarg.to Mor D. Jozé de Macedo sobre o estabelecimento de Guatemy q.’ novam.te se dão por copia ao Cap.m Mor Reg.e Jozé Gomes de Gouvêa com outras q.’ juntam.te lhe são expedidos por escripto; e de palavras p.a em virtude della fazer dar a sua devida, e cabal exc.am”. D.I. Vol VII, p. 160-163. São Paulo, 11 de janeiro de 1773. 130 Cf. “Relação dos prezos que se achão no corpo da guarda pela culpas que constão do 1.º da sala, e irão por ordem de S. Exc.a p.a Nova Povoação do Guatemy”. D.I. Vol. VI, p. 132-133. São Paulo, 31 de outubro de 1770. 131 Cf. “Para o Cap.m Balthezar Reis Borba pelo expediente de ordens”. D.I. Vol. VII, p. 96. São Paulo, 13 de abril de 1772. 132 Cf. “Rellação dos prezos, q.’ recebe o Capitão Francisco Ar.a Barreto deste Corpo da G.a dos quaes passa recibo, em que se obriga conduzilos p.a a Praça de Guatemy com toda a segurança em 26 de Fever.o de 1773”. D.I. Vol. VIII, p. 30-32. São Paulo, 26 de fevereiro de 1773.
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agora comandada pelo capitão Caetano Francisco de Passos.133 Um dado bastante revelador
quanto a participação de homens de cor neste posto militar indica que a presença deles como
soldados extrapolava em muito a companhia dos pardos: no Diário da viagem que fez o
brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, entre 1774 e 1775, consta que “tiradas as duas
companhias de tropa de infantaria, as mais são compostas de negros, mulatos e criminosos,
que têm pouco que perder, e a quem a honra não interessa e só a conveniência pôde
obrigar”.134 Aqui, pode-se perfeitamente substituir a palavra “conveniência” por “força”.
De fato, as violências e punições contra aqueles que, quando instados a se apresentar
nas ocasiões de formação de tropas, desertassem, foram componentes típicos do recrutamento
militar à época. Atingiam não apenas negros e pobres, mas ainda os membros das famílias
com maior prestígio social. Não somente aos desertores. Em verdade, era comum o
aprisionamento de familiares até que o fugitivo se apresentasse. Em 1776, alguns pais de
desertores estavam detidos na cadeia de Paranaguá e seriam remetidos à prisão de São Paulo.
Sabendo que se tratava de indivíduos “velhos e decrépitos”, Saldanha ordenou, portanto, que
não fossem enviados para tão longe, “porque assim se evita o invencível incomodo à velhice
deles, e a vossa mercê a despesa [...] para mandá-los”. Atendendo ao bem estar destes pobres-
diabos, a recomendação foi para que “os conservasse na cadeia desta vila, e não os
remetesse”.135 Semelhante expediente devia ser cumprido na circunstância do recrutamento
dos sertanejos que acompanharam José Gomes Gouvêa ao Iguatemi.136 Algum tempo depois,
em março de 1777, o capitão dos pardos Caetano Francisco de Passos, que já havia se retirado
com sua tropa do Iguatemi, recebeu uma proposta bastante instigante da parte do próprio
governador Martim Saldanha. Em breve carta, Saldanha expôs que “vossa mercê está em
ocasião de fazer uma grande fortuna, se acaso, imediatamente [...] aprontar os soldados
aventureiros de sua Companhia e a faz[er] bem numerosa para marchar a incorporar-se ao
133 Cf. “Relação do que importa o pagamento de seis meses de soldo para os Oficiais e Soldados das duas Companhias da Tropa Paga, e das cinco Companhias de Aventureiros, Vigários, dois Coadjutores, e Almoxarife que se acham na Praça de Yguatemy”. D.I. Vol. VIII, p. 118-133. São Paulo, 24 de junho de 1774. 134 Cf. “Diário da viagem que fez o brigadeiro José Custódio de Sá e Faria da Cidade de São Paulo à Praça de Nossa Senhora dos Prazeres do rio Iguatemy (1774-1775)”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Tomo 39, 1876, p. 218-219. 135 Cf. “Para o Sarg.to Mor Francisco José Monteiro. Em Paranaguá”. D.I. Vol. LXX, p. 294. São Paulo, 2 de abril de 1776. 136 Cf. “Para o Cap.m Joze Gomes de Gouvêa”. D.I. Vol. VII, p. 142-143. São Paulo, 16 de dezembro de 1772.
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exército do Rio Grande de São Pedro, para rebatermos aos nossos inimigos”.137 Não obstante a
participação ativa do governador e capitão general na reorganização desta tropa, a amenização
das hostilidades entre portugueses e espanhóis tornou desnecessária a marcha da companhia de
Caetano Francisco de Passos. Daí as ordens para se pôr em liberdade três mulatas, mães de
soldados considerados desertores deste corpo militar.138 Se, por um lado, ao capitão haveria a
possibilidade de enriquecer e aumentar seu prestígio, de outro, aos homens de cor
selecionados caberia a dura realidade do recrutamento forçado e do aprisionamento de
familiares em caso de deserção.
4.3 Recrutamento e controle social.
Como já se observou, entre os sujeitos passíveis de recrutamento destacavam-se os
homens considerados brancos, maioria naquela população. Entretanto, além desta grande
diferença numérica entre os homens brancos e os de cor livres, havia na percepção das
autoridades certos grupos em que se congregavam brancos pobres, bastardos, pardos e mulatos,
aquelas pessoas, enfim, classificadas não apenas como “de cor”, mas ainda como vadios,
vagabundos, valentões, agitadores, criminosos e facinorosos. Estes grupos, formados por
descendentes diretos de índios, africanos, crioulos e brancos pobres, à margem do Estado, da
religião e do mercado, tornaram-se igualmente outro alvo da atividade do recrutamento.
Poucos eram os homens de cor que gozavam de status semelhante ao de Caetano Francisco
Santiago ou Inácio Francisco Lustoza. Este tópico visa analisar o recrutamento como
mecanismo propiciador de controle social, amplamente utilizado pelas autoridades em São
Paulo, durante os anos 1765 e 1777.
Havia duas formas não concorrentes, em termos gerais, através das quais a
incorporação de indivíduos aos corpos militares contribuiria para a manutenção da ordem a
nível local. Por um lado, a vivência militar inculcaria nos indivíduos certos padrões de
comportamento desejáveis pelas autoridades, como a disciplina, o respeito às hierarquias e o
137 Cf. “Para o Cap.m de Aventureiros Caetano Francisco de Passos = de Juquery”. D.I. Vol. LXXVII, p. 201. São Paulo, 27 de março de 1777. 138 Cf. “Para o Sargento Mor de Jundiahy, Antonio Jorge de Godoy”. D.I. Vol. LXXIX, p. 112. São Paulo, 28 de agosto de 1777.
50
costume pelo trabalho. Como militares explicitariam fidelidade ao rei. De outra parte, havia
um método para eliminar as ameaças internas bastante distinto daquela iniciativa de lapidar as
pessoas paulatinamente, através de exercícios e mostras militares. Em verdade, o método
consistia em retirá-las do seio da boa sociedade, deslocando-as para regiões onde pudessem
ser úteis ou, ao menos, para onde não pudessem causar desordens e contaminar com seus
exemplos a outros habitantes.
Em 1797 o capitão-general Antonio Manoel de Mello Castro e Mendonça informava ao
secretário de Estado D. Rodrigo de Souza Coutinho a formação de um regimento de sertanejos
em Itu, composto predominantemente por mulatos, “assim para ter em respeito os sertões
daquela vizinhança onde vem desembarcar a Estrada do Sul, ou Curitiba, como para
domesticar, e fazer sociáveis estes homens sujeitando-os à disciplina dos seus respectivos
cabos, com o que serão de grande importância na ocasião de algum rompimento de guerra”.139
Apesar de estarem em um contexto já diferenciado, estas palavras do governador
exemplificam o que foi dito anteriormente, ou seja, o recrutamento militar destes sujeitos teve
funções muito mais extensas do que simplesmente a preparação destes como soldados.
Com efeito, os projetos para a fundação de povoamentos estratégicos nos sertões
previam o deslocamento de pessoas consideradas incômodas ou inúteis em suas vilas para
estas fronteiras.140 Em 1773, o governador morgado de Mateus ordenou que se “convoque [...]
todos os forros, vadios, e vagabundos que [...] andam dispersos e não tem casa, nem domicílio
certo, nem são úteis à Republica, e os obrigue a ir povoar as ditas terras da Barra da
Paraybuna”.141 Para Francisco Barreto Leme, responsável por fundar a povoação de Campinas,
recomendava-se que obrigasse “todos os forros, carijós e administrados” a “ir povoar as ditas
terras” e para que os dirigisse “com paz e quietação”.142 As referências são ainda mais diretas
e explícitas quando se trata especificamente da inclusão desta camada social nos corpos
militares. Evidencia-se, pois, que o recrutamento forçado não se justificava apenas pela
necessidade de formar corpos militares numa situação de guerra. Aliás, travava-se na América 139 Cf. “N.º 47. Para o mesmo [Secretário de Estado, D. Rodrigo de Souza Coutinho]”. D.I. Vol. XXIX, p. 61. São Paulo, 26 de abril de 1798. 140 TORRÃO FILHO, Amílcar. O “Milagre da onipotência” e a dispersão dos vadios: política urbanizadora e civilizadora em São Paulo na administração do morgado de Mateus (1765-1775). In: Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. 31, n. 1, pp. 145-165, jun./2005. 141 Cf. “Ordem para ser fundada a povoação de Parahybuna”. D.I. Vol. XXXIII, p. 92-93. São Paulo, 23 de junho de 1773. 142 Cf. “P.a Francisco Barreto Leme ser Fundador e Director da nova Povoação das Campinas do Mato Grosso, Destr.o da V.a de Jundiahy”. D.I. Vol. XXXIII, p. 160. São Paulo, 27 de maio de 1774.
51
portuguesa, paralelamente, uma guerra pretensamente civilizatória, “pois é útil limpar-se a
capitania de vagabundos”, dizia Saldanha.143
Em 1776, Martim Saldanha demonstrou estar bastante atento ao comportamento dos
habitantes da capitania. Ordenou que o sargento-mor Francisco José Monteiro, de Paranaguá,
prendesse e remetesse “ao Benedicto Barbosa [...] já que é valentão, e bom para soldado”. Ao
mesmo ano, o capitão-general fez semelhante pedido em relação à “Matheus, pardo claro,
liberto”. Aos olhos da autoridade, este indivíduo foi classificado como “revoltoso, e
inquietador da vizinhança”.144 Aprovou-se, do mesmo modo, a ação do capitão-mor de Atibaia
em prender “aos vadios que na recruta passada se refugiaram” e o mesmo lhe foi recomendado
para com os “solteiros capazes de pegar em armas em que devem entrar todos os mal casados,
turbulentos e desinquietadores bastardos e ainda negros robustos, até alguns de papo”.145 O
caso já citado do negro Joaquim Lopes, preso na Paranaíba e enviado ao Iguatemi, em 1770, é
paradigmático da maneira encontrada pelas autoridades para exercer o controle social
mediante recrutamento. Nesta situação, por “não ter domicílio certo, viver metido pelos matos,
aparecer só de noite, e andar amancebado, como também não dar naturalidade nem dizer se é
cativo ou forro”, Joaquim foi enviado para um longínquo posto militar, de tal forma que
permaneceria distante de Parnaíba, onde provavelmente era alvo de olhares atentos quanto a
sua conduta, e, no entanto, se enquadraria em alguma companhia militar, prestando seus
serviços ao Estado e se emendando.146
Do lado oposto, é possível encontrar casos altamente peculiares de isenção da
prestação dos serviços militares a alguns homens de cor. Assim, “o mulato que [...] ajuda o
prático dos fumos” foi declarado isento, da mesma forma como o mulato Manoel Francisco
Fernandez, “vista a utilidade com que vive no Arrayal de Parnampanema”.147 Em suma,
143 Cf. “P.a o D.r Ouv.or de Parnaguá, Antonio Barbosa de Mattos Coutinho”. D.I. Vol. LXXIV, p. 295. São Paulo, 10 de novembro de 1775; TORRÃO FILHO, Amílcar., loc cit. 144 Cf. “P.a o Cap.m de Orden.a do Bairro N. Snr.a do Ó, Manoel Cavalheyro Leyte”. D.I. Vol. LXXVII, p. 37. São Paulo, 7 de dezembro de 1776. 145 Cf. “Para o Sarg.to mor Fran.co Jozé Montr.o de Parnagua”. D.I. Vol. LXXVI, p. 45-46. São Paulo, 22 de agosto de 1776; “P.a o Cap.m de Orden.a do Bairro de N. Snr.a do Ó Manoel Cavalheyro Leyte”. D.I. Vol. LXXVII, p. 37. São Paulo, 7 de dezembro de 1776; “Para o Cap.m Mor Lucas de Siqueira Franco = de S. João de Atibaya”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 39. São Paulo, 10 de abril de 1777. 146 Cf. “Relação dos prezos que se achão no corpo da guarda pela culpas que constão do 1.º da sala, e irão por ordem de S. Exc.a p.a Nova Povoação do Guatemy”. D.I. Vol. VI, p. 132-133. São Paulo, 31 de outubro de 1770. 147 Cf. “Para o Juis, e mais oficiais da Camera de Ubatuba”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 109-111. São Paulo, 24 de abril de 1777; “Para o Tenente Jozé Pereyra da Silva, S. Jozé dos Pinhaes”. D.I. Vol. LXXIX, p. 44-45. São Paulo, 7 de julho de 1777.
52
enquanto que os “vadios” deveriam ser irrevogavelmente presos e enquadrados nas tropas,
aqueles indivíduos que exercessem atividades econômicas consideradas relevantes poderiam
mesmo ser isentos.
Além de corpos militares destinados a defesa das fronteiras, as tropas de auxiliares
exerciam na prática outras funções. Ao lado das ordenanças e capitães do mato, eram
incumbidas de combater a índios, destruir quilombos, patrulhar caminhos, dar conta aos
inúmeros mandados de prisão, sobretudo a desertores, nesta época. E o ciclo se fechava: a caça
virava caçador. Todavia, estes grupos sociais não foram passivos em relação a estas prisões e
transmigrações forçadas. Alguns sujeitos se valiam de artifícios desde fingir ser surdo até o
extremo de mutilar-se148, mas o mais constante era a fuga para “os matos”, as deserções.
Exemplar a este respeito foi a ordem para que os auxiliares de Juquery efetuassem a prisão de
um casal formado pelo desertor Manoel João de Oliveira e a mulata Florência. Seus destinos
seriam abruptamente separados: ele ficaria retido na cadeia de São Paulo, enquanto Florência
seria enviada ao Iguatemi, para que o potencial de seu ventre fosse, enfim, utilizado para
ampliar aquela povoação.149 Florência provavelmente faria companhia a algumas mulheres
“fadistas que com escandaloso procedimento anda[va]m perturbando o sossego público” em
Sorocaba, e que em 1771 foram capturadas e remetidas ao Iguatemi, “porque será útil à terra e
serviço de Deus mandá-las ao Iguatemi, onde podem casar, e viver como Deus manda, sem
andar em tão estragada vida”.150 Passa-se, agora, a análise do recrutamento militar destinado
ao Iguatemi, para onde vários destes indivíduos indesejáveis foram enviados, fossem homens
ou mulheres.
4.4 Negros ao lado de brancos. A formação de tropas mistas.
Além das tropas específicas para homens de cor, já citadas anteriormente, como as de
auxiliares e as de aventureiros formadas por pardos forros, é de se notar que estes sujeitos
148 Cf. “P.a o Cap.m Aux.ar de pé da V.a de Ytú Fran.co X.er de Azevedo e Sylva”. D.I. Vol. LXXIV, p. 60-61. São Paulo, 23 de agosto de 1775; “P.a o Cap.m Mor de Guaratinguetá, Manoel da Silva Reys”. D.I. Vol. LXXIV, p. 232. São Paulo, 18 de outubro de 1775. 149 Cf. “Para o Cap.m Antonio da Silva Ortiz, em Juquiry”. D.I. Vol. LXX, p. 178-179. São Paulo, 3 de fevereiro de 1776. 150 Cf. “Para o Capitão Mor de Sorocaba”. D.I. Vol. VII, p. 47. São Paulo, 18 de novembro de 1771, apud
BURMESTER, Ana Maria de Oliveira. Estado e população. O século XVIII em questão. In: Revista Portuguesa
de História, Coimbra, v. 33, pp. 113-151, 1999, p. 133.
53
eram também enquadrados em companhias “mistas”. Este dado provoca uma série de questões
concernentes à forma com que estes indivíduos foram inseridos nos corpos e a implicação
desta participação, lado a lado, de homens de cor nascidos livres, daqueles emancipados, de
índios, bastardos e brancos.
Pelo que foi dito, o contexto de beligerância propiciou não apenas mudanças na
organização militar da capitania, mas mudanças sensíveis em seus habitantes. Ora, alguns
pardos receberam patentes militares através das quais desfrutariam das honras militares, outras
pessoas, porém, em quantidade muito superior, foram aprisionadas. Destas, outras tantas
sofreram com a transmigração forçada. Mesmo a classificação dos indivíduos em relação a cor
ia-se complexificando. Em 1768, D. Luiz Antonio aduzia que “não havia outra graduação até
o tempo que se levantaram as tropas senão a de branco, mulato, e negro: porque dentro destas
três diferenças ninguém se reconhecia”.151
Com efeito, Muriel Nazari analisou a composição, em termos de “raça”, da companhia
de ordenança do bairro de Santa Ana, pertencente a cidade de São Paulo, em 1768.152 Na lista
da companhia, os 206 homens foram divididos em quinze esquadras com número irregular de
indivíduos. Estes, quanto à cor de pele, foram agora classificados em cinco categorias, quais
sejam, brancos, bastardos, carijós, pardos e pretos. Os tidos como brancos eram maioria,
oitenta e uma pessoas, enquanto pretos e carijós eram em número de dez e seis pessoas apenas,
respectivamente. Já na lista nominativa referente aos bairros de Santa Ana e Nossa Senhora do
Ó, alguns destes sujeitos classificados como bastardos ou carijós aparecem como mulatos.
Vários pesquisadores escreveram sobre os critérios – bastante arbitrários, geralmente – destas
atribuições de cor às pessoas. O que se depreende destas reflexões é que, talvez mais
interessante que a tentativa de estabelecer números absolutos de pessoas divididas por cor, é
apreender as múltiplas funções sociais desempenhadas por estas “catalogações” de pessoas.
Nesta perspectiva, através da tabela 1.1, vê-se claramente que havia apenas três
esquadras da companhia de Santa Ana formadas exclusivamente por indivíduos de mesmo
grupo em relação a cor, duas delas eram compostas somente por brancos, ao passo que os
sujeitos que compunham a outra esquadra homogênea eram os dez pretos forros referidos. Em
oito esquadras havia uma mescla entre brancos e bastardos, enquanto que a combinação entre
151 Cf. “N. 6. Sobre os costumes publicos de S. Paulo”. DI. Vol. XXIII, p. 377-382. São Paulo, 31 de janeiro 1768. 152 NAZZARI, Muriel. Vanishing Indians: The social construction of race in colonial São Paulo. The Americas, v. 57, n. 4, pp. 497-524, abr./2001.
54
brancos, bastardos e pardos forros ocorreu apenas uma vez, com os brancos sempre sendo
minoria nestes últimos casos. Em verdade, não havia esquadras compostas apenas por brancos
e carijós, brancos e pardos, ou brancos e pretos. Aqui se está diante de um bom exemplo
acerca do modo como a organização militar servia para marcar as posições sociais. E os
brancos faziam questão de indicar a sua. Estas esquadras não se diferenciavam no que diz
respeito à profissão de seus membros, posto que a grande maioria destes homens aplicava-se a
agricultura. A recusa por parte dos brancos em serem alistados ao lado de forros é evidente,
mas o que mais chama a atenção é marginalização do grupo dos pretos através das fronteiras
definidas pela sua esquadra. Haja vista que tampouco os homens de cor classificados como
pardos e pretos, que tinham em comum as marcas ainda recentes do cativeiro, não se
misturavam nestas esquadras. E o fato dos pretos forros terem sido listados no último entre os
quinze grupamentos certamente não foi obra do acaso. Nota-se, por fim, que mesmo com a
composição mista de uma companhia de ordenanças, ocorriam rígidas diferenciações nas
esquadras.
TABELA 1 – COMPOSIÇÃO “RACIAL” DAS ESQUADRAS DA COMPANHIA DE ORDENANÇA DE
SANTANA/SP, 1798.
Raça (cor) Número de Esquadra Branco Bastardo Carijó Pardo Preto
Raça do Corpo Militar
1 17 Branco 2 10 2 4 Bastardo 3 9 6 Branco 4 1 12 1 Bastardo 5 7 4 Bastardo 6 1 2 9 Carijó 7 2 14 Pardo 1 14 Branco 2 14 1 Branco 3 1 12 Bastardo 4 14 1 Bastardo 5 10 3 Branco 6 13 3 Bastardo 7 1 2 6 Pardo 8 10 Preto Total 81 68 6 41 10 206
FONTE: NAZZARI, Muriel. Vanishing Indians: The social construction of race in colonial São Paulo. The
Americas, v. 57, n. 4, pp. 497-524, abr./2001, p. 507.
55
Este caráter das companhias de ordenanças estava já previsto na carta-circular,
expedida em 1767, visando a formação de mais companhias, “sem exceção de pessoas,
capazes de tomar armas”.153 Entretanto, logo após esse trecho onde se recomenda a inclusão
de todos os capazes, segue-se o “debaixo de diferentes esquadras”. O texto, em verdade, dava
margem a diferentes interpretações acerca da composição das esquadras, pois, em seu fim,
retoma a idéia de que entrariam nas ditas esquadras “toda a pessoa capaz de tomar as armas”,
mas agora agregando o texto “sem distinção de cor, ou qualidade de pessoa”. O certo é que a
carta fechava de modo muito claro ao indicar que “porém se advertirá que depois de
conduzidos ao campo dos exercícios, só então no dito campo separará os nobres dos que o não
forem”.
Com o agravamento dos conflitos no sul, a partir de 1774, e, sobretudo, após os
espanhóis tomarem para si a Ilha de Santa Catarina, já em 1777, inúmeras cartas foram
enviadas pelos capitães-generais às autoridades locais, transmitindo ordens para o
recrutamento de todos os súditos “capazes de pegar em armas”, fossem “brancos, pardos,
mulatos, e negros, e ainda os papudos” robustos. Saldanha buscava levantar tropas
rapidamente para remetê-las à Santa Catarina e, igualmente, defender sua capitania.154 Como
se vê, chegou-se ao ponto de recrutar os “papudos”, homens doentes, com bócio. A esta época,
no esforço de guerra, as autoridades recorriam a todo tipo de improvisos, gerando inúmeras
controvérsias entre camaristas, militares e os próprios capitães-generais. A esse respeito,
Saldanha acordou com o vice-rei Lavradio o retorno das quase quatro mil recrutas que, em
meados de 1777, das Minas Gerais atravessavam São Paulo rumo ao Rio Grande, por “ser
mais proveitoso ao Real Serviço fazê-las retroceder do que infestar a campanha do sul, com
um troço de gente quase inútil para o ministério da guerra”.155 Estes, em sua maioria pardos e
pretos, marchavam “inteiramente nus, sem mais que umas ceroulas e camisas, com muitas
153 Cf. “Carta-Circular para os Capitães-mores das vilas de Serra-acima, e para os da marinha”. D.I. Vol. XIX, p. 104-105. São Paulo, 27 de julho de 1767. 154 Cf. “Para o Sargento Mor Bento Lopes de Leão, de Taubaté”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 8-9. São Paulo, 4 de abril de 1777; “Para o Sargento Mor Antonio Pacheco da Silva, de Itu”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 24-25. São Paulo, 7 de abril de 1777; “Para o Sargento Mor Antonio Jorge de Godoy de Jundiahy”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 25. São Paulo, 7 de abril de 1777. 155 Cf. “Para o Capitão Mor Antonio Correya Pinto, das Lages”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 204. São Paulo, 2 de junho de 1777.
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poucas armas particulares, e estas desconcertadas”, segundo afirmava o governador de São
Paulo.156
Algumas medidas adotadas pelos governadores geraram amplo descontentamento em
determinadas camadas da sociedade paulista. Assim, as resistências por parte daqueles brancos
que serviriam nas tropas mistas, as quais se fez referência anteriormente, foram imediatas.
Entretanto, quando os soldados auxiliares de Itu protestaram pelo alistamento do filho de uma
mulata naquela companhia, Saldanha argumentou que “por Santa Lei novíssima de El Rey
nosso Senhor estão os mulatos forros habilitados para todas as honras civis, militares, e
eclesiásticas”, e que, por esta parte, tais procedimentos eram “inatendíveis e digno[s] de
castigo”.157 Provavelmente o governador se referia a lei de 16 de janeiro de 1773, a qual havia
libertado o ventre das mulheres escravas em Portugal. Contudo, Pombal e os governadores
coloniais procuraram deixar bastante claro que esta lei valia apenas para o Reino, e não para as
colônias. Utilizá-la no todo ou parte neste momento servia apenas para dar suporte a retórica
oficial do recrutamento.158
De outra parte, vê-se uma postura ativa destes sujeitos de cor, negociando a posição
dos indivíduos e do grupo, ainda que sob as condições do recrutamento baseado na violência.
Alguns moradores das proximidades de Taubaté, por exemplo, protestaram à Câmara local no
que diz respeito ao procedimento do alferes Francisco Matheus Christianes, dizendo “que
estavam prontos a virem voluntariamente servir a Sua Majestade, porém não em companhia
[...] [do dito alferes], porque lhes chamava de caboclos”.159
A partir da análise das fontes, foi possível notar que aspectos particulares da capitania,
como a dispersão de seus habitantes e o reduzido número de pessoas que compunham as vilas
e freguesias, pesaram, ao lado do esforço de guerra, para a conformação daquelas tropas
mistas. Além do “costume de mudar de sítio com muita facilidade e [do] vício de se meterem
pelos matos e viverem lá por muitos tempos”, morgado de Mateus apontava como outra
grande dificuldade à formação de tropas “as grandes distâncias em que estão as vilas e lugares 156 Cf. “Para o mesmo Vice-Rei, sobre a remessa de notícias, dos inimigos, prisão de trahidores e chegada de tropas vindas de Minas Gerais”. D.I. Vol. XLII, p. 244-247. São Paulo, 23 de abril de 1777. 157 Cf. “Oficio do General Martim Lopes Lobo de Saldanha para o Cap.am Romualdo Jozé de Pinho e Azevedo da V.a de Itu”. D.I. Vol. LXXVI, p. 37-38. São Paulo, 15 de agosto de 1776. Sobre a lei de 1773, ver SILVA, Luiz Geraldo. “Esperança de liberdade”. Interpretações populares da abolição ilustrada (1773-1774). Revista de
História. n. 144, 2001, pp. 107-149; e RUSSELL-WOOD, 2005, p. 139. 158 Cf. “Para o M.R.P.e e Sr. Jozé Correya Leite, em N. Snr.a do Rozario de Guaratinguetá”. D.I. Vol. LXXVIII, p. 30-31. São Paulo, 8 de abril de 1777. 159 Cf. “P.a o Alferes Fran.co Matheus Christianes”. D.I. Vol. LXXIV, p. 75. São Paulo, 27 de agosto de 1775.
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uns dos outros, havendo muito poucos em que se possa formar uma companhia inteira”.
Talvez uma solução para o caso fosse a inclusão de homens de cor, formando assim
companhias completas, por ser “muito desconveniente deixar uma companhia dividida”.160
Além disso, compreendendo a debilidade das forças militares do Estado do Brasil, a coroa,
através de instrumentos como a carta régia de 22 de março de 1766, estimulou a inserção de
homens de cor nas tropas, igualando-os em status aos militares das tropas pagas. Ordenou a
quebra de distinções em relação a cor para o serviço nas tropas de auxiliares, sem, contudo,
indicar se estes sujeitos deviam ser enquadrados em corpos à parte, ou junto aos brancos. A
presença de homens de cor em corpos militares ao lado de brancos, bastante polêmica, como
se viu, estava ligada menos a uma mudança na política portuguesa em relação aos negros ou a
uma condição social equivalente a dos brancos e mais as necessidades do momento.
160 Cf. “Carta ao Conde de Oeyras, sobre Fortaleza, e estado Militar da capitania”. D.I. Vol. LXXII, p. 45-47. Santos, 2 de agosto de 1765.
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5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Trilhado este longo caminho, algumas hipóteses e resultados foram esboçados. Os
homens de cor de São Paulo participaram ativamente da guerra luso-castelhana, mobilizados
para a defesa da capitania, em serviço na longínqua fortaleza do Iguatemi – próxima do
Paraguai – e foram mesmo instados a combater no Rio Grande. Homens e mulheres livres de
cor representavam cerca de 20% da população total de São Paulo em 1772, estimada em 110
mil indivíduos. Com efeito, a partir do último quartel do século XVIII o tráfico de escravos
para a referida capitania intensificou-se, paralelamente ao cultivo do açúcar. Tal como a
camada social formada por cativos, aquela constituída por forros e negros livres crescia ainda
mais. Constatou-se uma distorção na pirâmide etária por conta do reduzido número de pessoas
no grupo de homens entre 15 e 60 anos, justamente em idade de serviço militar. O
recrutamento militar e as fugas e deserções contribuíram para que estes homens não
aparecessem nas listas de população. Membros de companhias de auxiliares e de ordenanças
empreendiam verdadeiras caças a desertores, que, muitas vezes associados a escravos fugidos,
permaneciam arranchados “nos matos”, ou “aquilombados”. Nesta conturbada época, até
mesmo os familiares de homens que fugiam ao recrutamento eram presos, sobretudo suas
mães e esposas. O enquadramento em corpos militares funcionava como mecanismo de
controle social, fosse por inculcar nos indivíduos a disciplina militar, fosse por retirar da
sociedade os maus vassalos, conduzindo-os para regiões onde fossem militarmente úteis.
Havia corpos militares formados exclusivamente por homens de cor, e inclusive uma
espécie de “exército de reserva” formado por cativos armados com lanças para operar em
situações de emergência. Notou-se também que muitos homens de cor eram inseridos em
tropas mistas, ao lado de brancos e índios. Nos momentos mais tensos para os portugueses,
entre 1776 e 1777, quando se previa o ataque a Santa Catarina e invasões ao litoral paulista,
formaram-se várias companhias com esta composição mista. Logo apareceram resistências de
brancos que se indignavam por servir ao lado de negros. Estas reclamações, porém, não foram
atendidas pelo capitão-general Martim Saldanha. Parece mesmo que os improvisos marcaram
este esforço de guerra, pois também homens doentes, com bócio, foram incluídos nas tropas.
No Iguatemi é que predominaram os soldados pardos e mulatos, servindo em tropas
irregulares chamadas Aventureiros. Embora o nome de muitas delas não se referisse a cor de
seus componentes, no Diário da viagem de José Custódio de Sá e Faria, de 1775, consta que
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“tiradas as duas companhias de tropa de infantaria, as mais são compostas de negros, mulatos
e criminosos, que têm pouco que perder, e a quem a honra não interessa e só a conveniência
pôde obrigar”.161 Aqui, pode-se perfeitamente substituir a palavra “conveniência” por “força”.
Outro era o caráter da tropa de pardos de Santos. Examinou-se a negociação entre o capitão
pardo Caetano Francisco Santiago e o governador morgado de Mateus visando formação desta
companhia. O interesse de Santiago, ao contrário do que se disse daqueles soldados do
Iguatemi, certamente era gozar dos mesmos privilégios previstos aos oficiais militares pela
carta régia de 22 de março 1766, ou seja, o capitão pardo buscava apresentar-se à sociedade
com as mesmas honras que um oficial militar das tropas pagas. Cruzando algumas fontes, foi
possível ver que este indivíduo, bem como o tenente dos pardos daquele batalhão, esteve
envolvido em altos negócios comerciais na vila de Santos, paralelamente ao exercício de suas
funções militares. Sem dúvida procuravam consolidar uma posição social de destaque, já
obtida graças a atividades comerciais, através da aquisição de honras militares. Estes homens
eram poucos em relação ao restante dos homens de cor de São Paulo, ou uma elite dentre eles.
O número relativamente reduzido destes sujeitos certamente teve correspondências no
caráter das companhias militares nas quais foram enquadrados. Do mesmo modo, considerou-
se aqui que o recrutamento militar em situação de guerra não somente poderia reproduzir as
condições e divisões sociais, mas, de outro ponto de vista, propiciar mudanças. Estas, se foram
apenas provisórias ou se construíram duradouros padrões de inserção social para os homens
livres de cor, só podem ser apreendidas mediante ampliação do recorte temporal desta
pesquisa, o que de fato será proposto em um futuro projeto para o mestrado.
161 Cf. “Diário da viagem que fez o brigadeiro José Custódio de Sá e Faria da Cidade de São Paulo à Praça de Nossa Senhora dos Prazeres do rio Iguatemy (1774-1775)”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Tomo 39, 1876, p. 218-219.
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