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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO DE ECONOMIA
MARIA CAROLINA FERREIRA CARNEIRO
DISSERTAÇÃO
OS LEILÕES DE LONGO PRAZO DO NOVO MERCADO
ELÉTRICO BRASILEIRO
Rio de Janeiro 2006
OS LEILÕES DE LONGO PRAZO DO NOVO MERCADO ELÉTRICO
BRASILEIRO
Maria Carolina Ferreira Carneiro
Dissertação submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Economia.
Orientador: Prof. Helder Queiroz Pinto Jr.
Junho/2006
OS LEILÕES DE LONGO PRAZO DO NOVO MERCADO ELÉTRICO
BRASILEIRO
Maria Carolina Ferreira Carneiro
Dissertação submetida ao Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Economia.
Aprovada por: ________________________________________________________________ Prof. Dr. Helder Queiroz Pinto Junior (UFRJ - orientador) ________________________________________________________________ Prof. Dr. João Lizardo Rodrigues Hermes de Araújo (UFRJ) ________________________________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Granville (Stanford) ________________________________________________________________ Prof. Dr. Ronaldo Goulart Bicalho (UFRJ)
Rio de Janeiro, junho de 2006
“Learn from yesterday, live for today, hope for tomorrow. The important thing is not to stop questioning.”
Albert Einstein.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço ao Prof. Helder pela ajuda, dedicação, amizade,
inúmeros conselhos, conhecimento e paciência. Espero que o trabalho esteja à altura de
sua preciosa orientação.
Aos amigos da turma de 2004 do Mestrado do Instituto de Economia, futuros
pensadores do país, pelos momentos de descontração, aprendizado e discussões. Pelos
almoços no Sujinho, os encontros mensais e pela ajuda em tantas horas.
Agradeço especialmente aos professores Ronaldo Bicalho, Mariana Iootty,
Rolando Gárciga, Ronaldo Fiani, Luiz Façanha e Hugo Boff, pelo incentivo, infindáveis
conselhos e contribuições à pesquisa.
Para as queridas Joseane e Daisy. Além dos inúmeros cafés, vocês são pessoas
maravilhosas e me ajudaram muito nesses dois anos. Aos amigos e professores do
Grupo de Energia, Maurice, Marcelo, Paula, Letícia, Mariana, Edmar, Helder, Zé Vitor
e Bicalho, aos quais serei sempre muito grata.
A meus companheiros de longa data, amigos do Santa Mônica, que estão sempre
comigo para compartilhar minhas alegrias ao longo de tantos anos. Sem vocês, não teria
chegado a terminar esse trabalho.
A Gustavo Taouil, meu grande amor. A distância não significa nada comparada
a tudo que você representa. Obrigada pelo apoio, pelo carinho, pelos conselhos, enfim,
por ser a pessoa tão maravilhosa que é.
A minha mãe, Kátia, e irmãos, Juliana e Vinícius, minha família querida, que me
apoiaram, ensinaram e estiveram presentes sempre. Vocês são muito importantes para
mim.
RESUMO
O objetivo desta dissertação é, com base na teoria dos leilões e nas experiências internacionais com leilões de eletricidade, descrever e analisar os leilões de longo prazo utilizados no novo modelo do setor elétrico brasileiro. Observando os cinco leilões brasileiros, constatou-se que falhas na estruturação das regras permitiram comportamentos indesejados por parte dos agentes vendedores. Os objetivos de crescimento da oferta de energia futura e de modicidade tarifária foram alcançados. Entretanto, o objetivo de atendimento da demanda não foi atingido. Apesar disso, o mecanismo parece ser apropriado para a venda de eletricidade, dadas as características que tentam preservar o planejamento e a coordenação do setor. Para que os resultados posteriores sejam melhorados, contudo, deve haver modificação da formatação de algumas das regras dos leilões.
Palavras-chave: Leilões, Mercados de Eletricidade, Reforma Regulatória
ABSTRACT
This study sheds lights on the long-term auctions implemented in the new Brazilian electricity sector model. It is based on auction theory and international experiences with electricity auctions. The study demonstrated that there can be found some flaws in the design of the rules of the five Brazilian auctions. These flaws had allowed undesirable behavior of the sellers. The aims of expanding energy supply in the future and of securing low charges for consumers had been obtained. However, the security of supply was not attained. Overall, the Brazilian mechanism seems to be appropriated for electricity commercialization due to model considerations about planning and coordination issues. In spite of that, changes have to be implemented in the design of the rules.
Key-words: Auctions, Electricity Markets, Regulatory Reforms.
Índice
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 13 CAPÍTULO I – A TEORIA DOS LEILÕES .................................................................................................... 16
1.1 DEFINIÇÕES E NOTAÇÕES.................................................................................................................... 18 1.1.1 Definições Básicas......................................................................................................................... 18 1.1.2 Notações Matemáticas Básicas e Conceitos Iniciais..................................................................... 21
1.2 MODELOS E TIPOS DE LEILÃO ............................................................................................................. 23 1.2.1 Os Modelos Básicos de Valor........................................................................................................ 25 1.2.2 Os Tipos de Leilão Padrão............................................................................................................ 27
1.3 RELAXANDO AS HIPÓTESES INICIAIS................................................................................................... 34 1.4 O RESULTADO MÁXIMO DA TEORIA: LEILÕES ÓTIMOS ...................................................................... 46 1.5 COMPARAÇÕES ENTRE LEILÕES .......................................................................................................... 49
CAPÍTULO II – A REESTRUTURAÇÃO INTERNACIONAL DO SETOR ELÉTRICO E OS LEILÕES............................................................................................................................................................................... 55
2.1 A REFORMA DO SETOR ELÉTRICO....................................................................................................... 55 2.2 OS LEILÕES DE ENERGIA NO MUNDO.................................................................................................. 57
2.2.1 Confiando nas Forças de Mercado ............................................................................................... 60 2.2.2 Contratando no Longo Prazo e Atraindo a Competição ............................................................... 72
2.3 CONCLUSÕES SOBRE O USO DE LEILÕES NO SETOR ELÉTRICO ............................................................ 85 CAPÍTULO III - O NOVO MODELO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO......................................... 87
3.1 A “REFORMA DA REFORMA” E O NOVO MODELO .............................................................................. 87 3.1.1 A Lei 10.848................................................................................................................................... 89 3.1.2 O Decreto 5.163 ............................................................................................................................ 92
3.2 A NOVA ESTRUTURA .......................................................................................................................... 94 3.3 CONCLUSÕES SOBRE O NOVO MODELO............................................................................................... 97
CAPÍTULO IV – ANÁLISE DOS LEILÕES DE LONGO PRAZO DE ENERGIA EXISTENTE ............ 99 4.1 PRIMEIRO LEILÃO DE ENERGIA EXISTENTE....................................................................................... 101
4.1.1 Primeira Fase.............................................................................................................................. 103 4.1.2 Segunda Fase............................................................................................................................... 114
4.2 SEGUNDO LEILÃO DE ENERGIA EXISTENTE....................................................................................... 121 4.2.1 Primeira Fase.............................................................................................................................. 122 4.2.2 Segunda Fase............................................................................................................................... 125
4.3 TERCEIRO E QUARTO LEILÕES DE ENERGIA EXISTENTE.................................................................... 132 4.3.1 Primeira Fase.............................................................................................................................. 135 4.3.2 Segunda Fase............................................................................................................................... 145
4.4 CONCLUSÕES SOBRE OS LEILÕES DE ENERGIA EXISTENTE................................................................ 150 CAPÍTULO V – ANÁLISE DO LEILÃO DE LONGO PRAZO DE ENERGIA NOVA ........................... 154
5.1 PRIMEIRA FASE ................................................................................................................................. 160 5.2 SEGUNDA FASE ................................................................................................................................. 166 5.3 TERCEIRA FASE................................................................................................................................. 173 5.4 CONCLUSÕES SOBRE O LEILÃO DE ENERGIA NOVA........................................................................... 182
CONCLUSÃO ................................................................................................................................................... 186 APÊNDICE A .................................................................................................................................................... 190 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................ 203
10
Índice de Ilustrações
Figuras
Figura 1 – Ganho Esperado do Jogador ...................................................................................23 Figura 2 – O Leilão do Pool .....................................................................................................62 Figura 3 – Leilão da CALPX....................................................................................................67 Figura 4 – Leilão de New Jersey ..............................................................................................78 Figura 5 – Leilão Texas ............................................................................................................81 Figura 6 – Leilão da EDF .........................................................................................................84 Figura 7 – Periodicidade dos Contratos....................................................................................93 Figura 8 – Nova Estrutura do Mercado Elétrico.......................................................................96 Figura 9 – Processamento dos Lances....................................................................................106 Figura 10 – Exemplo ..............................................................................................................109 Figura 11 – Exemplo ..............................................................................................................110 Figura 12 – Funcionamento da 1ª Fase...................................................................................111 Figura 13 - Exemplo ...............................................................................................................115 Figura 14 - Exemplo ...............................................................................................................116 Figura 15 - Exemplo ...............................................................................................................126 Figura 16 - Exemplo ...............................................................................................................128 Figura 17 - Exemplo ...............................................................................................................138 Figura 18 - Exemplo ...............................................................................................................139 Figura 19 – Processamento da Primeira Fase.........................................................................140 Figura 20 - Exemplo ...............................................................................................................141 Figura 21 - Exemplo ...............................................................................................................141 Figura 22 – Funcionamento da 1ª Fase...................................................................................143 Figura 23 – Estrutura do Leilão..............................................................................................155 Figura 24 – Funcionamento da 1ª Fase...................................................................................164 Figura 25 – Funcionamento da Segunda Fase ........................................................................172 Figura 26 – Funcionamento da Terceira Fase ........................................................................177 Gráficos
Gráfico 1 – Lances no Pool ......................................................................................................63 Gráfico 2 – Evolução de Preços Médios Anuais do Pool.........................................................65 Gráfico 3 – Lances na CALPX.................................................................................................68 Gráfico 4 – Evolução dos Preços no CALPX ..........................................................................69 Gráfico 5 – Curva de Oferta Térmica.......................................................................................70 Gráfico 6 – Contratos do Novo Modelo ...................................................................................95 Gráfico 7 – Evolução dos Preços............................................................................................112 Gráfico 8 – Participação do Capital na Venda de Energia .....................................................120 Gráfico 9 – Evolução dos Preços............................................................................................123 Gráfico 10 – Participação do Capital na Venda de Energia ...................................................131 Gráfico 11 – Evolução dos Preços..........................................................................................144 Gráfico 12 – Participação por Tipo de Capital na Vendas de Energia ...................................148 Gráfico 13 – Participação por Tipo de Capital na Vendas de Energia ...................................149 Gráfico 14 – Participação por Tipo de Capital na Potência Instalada ....................................166
11
Gráfico 15 –Fonte (MW) em cada Produto ............................................................................180 Gráfico 16 –Tipo de Hidro (MW) em cada Produto ..............................................................180 Gráfico 17 –Tipo de Termo (MW) em cada Produto .............................................................181 Gráfico 18 – Energia (MW) em cada Ano .............................................................................182
Quadros
Quadro 1 – Modelos de Valor ..................................................................................................50 Quadro 2 – Estratégias Básicas e Casos Especiais ...................................................................52 Quadro 3 – Estratégias Básicas do Caso Multi-Unidade..........................................................52 Quadro 4 – Comparação entre Receitas ...................................................................................53 Quadro 5 – Preço Inicial.........................................................................................................104 Quadro 6 – Preço de Encerramento da 1ª Fase.......................................................................112 Quadro 7 – Resumo do Resultado do Leilão..........................................................................118 Quadro 8 – Atendimento da Demanda ...................................................................................119 Quadro 9 – Preços Iniciais......................................................................................................122 Quadro 10 e 11 – Processamento da Primeira e da Última Rodada .......................................123 Quadro 12 – Resumo do Resultado do Leilão........................................................................129 Quadro 13 – Atendimento da Demanda .................................................................................130 Quadro 14 – Dinâmica de Preços ...........................................................................................136 Quadro 15 e 16 – Preços Iniciais do Terceiro e do Quarto Leilões........................................136 Quadro 17 – Preço de Encerramento da 1ª Fase do 3º Leilão ................................................144 Quadro 18 – Resumo do Resultado do Leilão........................................................................147 Quadro 19 – Resumo do Resultado do Leilão........................................................................148 Quadro 20 – Atendimento da Demanda .................................................................................149 Quadro 21 – Características e Resultados dos Leilões ...........................................................151 Quadro 22 – Resultado da 1ª Fase ..........................................................................................165 Quadro 23 – Preços Iniciais da Terceira Fase ........................................................................174 Quadro 24 – Características e Resultados do Leilão ..............................................................182
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Lista de Siglas
ACL - Ambiente de Contratação Livre ACR - Ambiente de Contratação Regulada ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica CAISO - California Independent System Operator CALPX - California Power Exchange CCEAR - Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado CCEE - Câmara de Comercialização de Energia Elétrica CEC – Custo Econômico de Curto Prazo CML – Custo Marginal do Leilão CMO - Custo Marginal de Operação CMR - Custo Marginal de Referência CMSE - Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico COP – Custo de Operação da Térmica EDF - Electricité de France EPE - Empresa de Pesquisa Energética GF - Garantias Físicas ICB - Índice de Custo Benefício IEB – Indústria Elétrica Brasileira MAE - Mercado Atacadista Elétrico MME - Ministério de Minas e Energia MW – Megawatt MWh – Megawatt - hora NETA - New Energy Trade Agreements OFFER - Office of Electricity Regulation ONS – Operador Nacional do Sistema PCH - Pequena Central Hidrelétrica PL - Preço do Lance PLD - Preço de Liquidação das Diferenças PND - Programa Nacional de Desestatização PPP - Pool Purchase Price PROINFA - Programa de Incentivo às Fontes Alternativas PUC - Public Utility Comission PV - Preço de Venda QL - Quantidade de Lotes RF - Receita Fixa SIN - Sistema Interligado Nacional SMP - System Marginal Price TER - Teorema de Equivalência da Receita UBP - Uso do Bem Público UBPorig - UBP da Licitação Original
UBPref - UBP de Referência
UHE - Usinas Hidrelétricas UTE - Usina Termelétrica VPI – Valor Privado Independente VPP - Virtual Power Plants
13
INTRODUÇÃO
Durante a década de 90, uma série de reformas foram implementadas nas indústrias de
infra-estrutura de vários países. Essas reformas incluíram modificações nas dimensões
legislativas, regulatórias e de comercialização desses setores.
Qual foi o ponto de convergência entre essas reformas realizadas nas mais diversas
localidades? Segundo Cramton (2003), a desregulamentação das diversas indústrias de infra-
estrutura acabou valorizando em todos os casos o uso de métodos de alocação de recursos
baseados na estrutura de governança de mercado.
Dessa maneira, o objetivo primordial das reformas era buscar a introdução de pressões
competitivas nessas indústrias. Assim, as mudanças nas dimensões legislativas e regulatórias
estabeleceram regras gerais para que pressões concorrenciais pudessem ser introduzidas. Da
mesma forma, foram criadas infra-estruturas técnicas e de comercialização para
operacionalizar as transações de forma competitiva (Glachant, 2002).
Entre as estruturas de comercialização capazes de introduzir a competição, pode-se
destacar o mecanismo de leilões. Nesse sentido, o uso de leilões tem crescido tremendamente.
Em especial, diversos países adotaram os leilões como mecanismos de comercialização nos
setores elétricos.
Contudo, verificou-se que a introdução da concorrência com a implementação dos
primeiros mecanismos de leilão criados não trouxe nem a competição perfeita nem os
benefícios esperados. De fato, diversas crises puderam ser observadas. Os problemas
encontrados nas primeiras reformas e nos primeiros tipos de leilões inseridos nos mercados
elétricos geraram discussões profundas sobre a qualidade das reformas e dos tipos de
mecanismos escolhidos.
O Brasil também enfrentou problemas com a primeira reforma no setor elétrico e
optou por reformular o mercado de eletricidade instaurado na década de 90, criando um novo
modelo para o setor. Nesse modelo, foram introduzidos leilões de longo prazo como os
principais mecanismos de comercialização de energia elétrica.
14
Entre os objetivos da adoção do novo modelo brasileiro estão: a contratação de oferta
adequada para o atendimento da demanda, o aumento dos investimentos em geração de
energia elétrica e modicidade tarifária para os consumidores. A análise dos resultados desse
novo modelo de leilões brasileiro tem gerado bastante polêmica e avaliações controversas.
Dessa forma, o objetivo da presente dissertação é responder a seguinte pergunta: o
modelo brasileiro de leilões é capaz de atender aos objetivos a que se propõe? Além disso,
atendendo ou não a esses objetivos, que falhas podem ser encontradas no mecanismo e qual a
opção para mitigá-las?
Para responder a essas perguntas, a dissertação irá descrever e analisar os leilões de
longo prazo inseridos no novo modelo do setor elétrico brasileiro. Nesse sentido, além do
detalhamento das regras e do ambiente de comercialização, pretende-se utilizar os conceitos
da teoria dos leilões para fundamentar uma análise crítica da escolha das regras de cada leilão.
Também serão detalhados e avaliados os resultados obtidos nos leilões realizados até
dezembro de 2005.
Com o intuito de cumprir o objetivo a que se propõe, a dissertação foi organizada em
cinco capítulos, além dessa introdução e da conclusão. O primeiro capítulo destaca as
principais definições e especificações dos tipos de leilão mais simples. Cada especificidade,
contudo, é muito importante nas implicações dessa modalidade de compra e venda de objetos.
Na medida do possível, algumas dessas especificidades serão também explanadas.
A seguir, o segundo capítulo apresenta algumas experiências internacionais de uso de
leilões no setor elétrico. Como existe grande variedade nas formas de leilão encontradas em
cada país, foram escolhidos cinco exemplos de leilões utilizados1. Na medida em que são
evidências do desempenho real de leilões de eletricidade, procurou-se responder a seguinte
pergunta: que lições podem ser apreendidas a partir dessas experiências? Essas lições serão
fundamentais para traçar expectativas em relação ao caso brasileiro e também para sugerir
modificações no mecanismo escolhido para o Brasil.
1 Foram escolhidos os leilões de curto prazo do Pool inglês, já modificado, o leilão de curto prazo da Califórnia, extinto, o leilão de longo prazo de Nova Jersey, o leilão de capacidade do Texas e o leilão de capacidade da EDF, francesa.
15
O terceiro capítulo procura abordar resumidamente a confecção do novo modelo,
contextualizando a implementação dos leilões dentro da nova estrutura institucional do setor
elétrico brasileiro. Deve-se destacar que, nesse novo modelo, o mecanismo de leilões é o
instrumento fundamental para a compra de eletricidade e para a expansão dos investimentos.
Por sua vez, o quarto capítulo trata da análise do conjunto de regras dos leilões,
também chamado de Sistemática do Leilão, da energia classificada como existente, bem como
de seus resultados2. A energia existente, como será visto adiante, é a energia oriunda de
plantas de geração que possuem concessão e que já estão construídas.
Finalmente, o quinto capítulo analisa a sistemática e os resultados do leilão de energia
nova, quinto e último leilão realizado até dezembro de 2005. A energia nova, que também
será propriamente definida posteriormente, é a energia proveniente de geradores sem
concessão ou que não possuíam contratos de energia registrados até o dia 15/03/2004.
2 Serão analisados apenas os leilões efetivamente realizados até dezembro de 2005 dentro do novo modelo estrutural do setor. Com isso, encontram-se fora da análise os leilões de ajuste, os leilões de editais de propostas de sistemáticas que não foram aprovadas e quaisquer outros leilões realizados anteriormente ao novo modelo.
16
Capítulo I – A Teoria dos Leilões
Muito embora a literatura sobre os desenvolvimentos da teoria dos leilões seja
extensiva, o presente trabalho exigirá, para melhor argumentação, uma fundamentação teórica
sobre leilões. Não será intenção detalhar todo o conhecimento deste campo de pesquisa, mas
apenas será proposta uma revisão que permita o entendimento da essência do tema. Nesse
sentido, pretende-se destacar as principais definições e especificações dos tipos de leilão mais
simples. Na medida do possível, alguns casos particulares serão também explanados.
Antes de iniciar a revisão da teoria, pode-se tentar especular sobre as razões que
levaram a tantos desenvolvimentos literários. Na década de 90, os economistas tiveram a
oportunidade de tomar responsabilidade pela formação de regras detalhadas para mercados
complexos. Esses mercados deveriam ser criados principalmente para os casos em que
anteriormente se observasse provisão de bens regulada pelo Estado ou no caso de produção
direta dos bens pelo mesmo.
Desejava-se introduzir pressões concorrenciais nesses mercados, pois a teoria
econômica afirma que a competição é mais efetiva do que a regulação para cortar custos, com
intuito de melhorar a eficiência produtiva, e para alinhar preços com custos, melhorando a
eficiência alocativa.
Newbery, em seu trabalho de 2000, percebe que se os preços dos bens essenciais
devem ser trazidos para baixo pelo regulador, ou definidos pelo governo, então, existe uma
tensão inevitável entre os incentivos para promover a eficiência e a credibilidade do
compromisso de não tomar posse destes ganhos de eficiência. Este é o caso, por exemplo, dos
mercados de energia elétrica.
Entre as várias formas de introduzir a competição e formar preços nos mercados, está
a instituição de leilões que coordenem as compras / vendas. Segundo Klemperer (2003),
existe uma conexão clara entre os leilões e os mercados competitivos: os leilões podem ser
modelados de forma a incentivarem a entrada de grande número de agentes, aproximarem os
preços de venda dos custos marginais de produção e impedir, ou dificultar, a colusão.
17
Nesse sentido, Wilson (1977) e Milgrom (1979) desenvolveram condições sob as
quais o preço de venda de um objeto que tem quase o mesmo valor para todos os compradores
do leilão converge para este valor dos compradores. Isso irá ocorrer se o número de
participantes do leilão for suficientemente grande, mesmo nos casos em que este valor seja
apenas estimado pelos compradores, dependendo das informações dos outros participantes.
A maior dificuldade na introdução da estrutura organizacional de mercado está na
existência de assimetria de informação em inúmeras atividades econômicas. Em uma troca,
um indivíduo quase sempre sabe de alguma coisa de que outros não têm conhecimento.
Quando a assimetria de informação é muito relevante, os termos da troca podem gerar
resultados não eficientes. Dessa forma, o problema econômico da sociedade não é apenas de
como alocar um recurso dado; é um problema de como garantir o melhor uso dos recursos
conhecidos por cada membro da sociedade, para usos de importância relativa entre os
indivíduos; é um problema de utilização do conhecimento que não é dado totalmente a
nenhum indivíduo específico.
No caso de bens considerados públicos e essenciais ao desenvolvimento, o tema
estratégico para a formação de um mercado seria a introdução de um mecanismo que fizesse
os agentes revelarem as suas informações privadas, auxiliando assim a provisão eficiente de
bens públicos.
Nesse sentido, os leilões são formas interessantes de organizar mercados. Os leilões
constituem uma descrição útil de como os mercados que têm poucos participantes, tanto na
oferta quanto na demanda (caracterizados pela assimetria de posições no mercado),
funcionam ou podem funcionar.
A formulação de leilões provê um conjunto de questões com as quais começa um
rigoroso exame das implicações do sistema de preços com assimetrias de informação. A teoria
dos leilões fornece um modelo explícito da formação de preços, mesmo que seja um modelo
restrito, em que se ignoram alguns dos aspectos da barganha presente em um mercado puro
comum. Além disso, estudos têm mostrado que os resultados da teoria podem explicar a
existência de certas instituições de comércio ou sugerir melhoras nas instituições existentes.
18
Por que usar leilões ao invés de fixar o preço? Segundo Cassady (1967), alguns bens
não têm um valor padrão. Isso pode acontecer quando o preço depende das condições de
oferta e de demanda em um momento específico do tempo, onde os preços são recalculados a
cada transação.
Por esses e outros motivos, os leilões se tornaram populares. Os governos se mostram
os mais interessados, usando-os para vender licenças, operar mercados descentralizados,
privatizar estatais, etc. Dessa maneira, os leilões adquiriram também uma grande significância
empírica.
Feitas essas primeiras conjecturas, podemos dar continuidade ao ponto principal do
capítulo: revisar a teoria.
1.1 Definições e Notações
1.1.1 Definições Básicas
É necessário encontrar uma definição adequada para os leilões. Utilizando a definição
de McAfee e McMillan (1987), um leilão é uma instituição com um conjunto explícito de
regras que determinam a alocação de recursos e preços com base nos lances feitos por
participantes do mercado.
Deve-se usar o termo leilão para descrever tanto a oferta de venda ou de compra de
algum item que ocorra nestes termos. Podemos, portanto, concluir que o leilão é um
mecanismo pré-especificado de compra e venda, no qual os participantes vendem e compram
objetos por meio de lances. Nesse contexto, um lance é uma proposta de compra ou de venda
para os recursos transacionados, proposta essa que pode ser de preço ou quantidade, ou de
ambos.
Segundo Klemperer, em seu trabalho de 2003, os leilões são, basicamente, “ambientes
econômicos simples e bem definidos”. O termo “simples” deverá ser usado, contudo, com
alguma cautela, pois, como será visto adiante, a derivação dos resultados exige determinados
conceitos matemáticos que estão longe de serem simples.
19
Além da definição do leilão propriamente dito, devemos ainda propor duas definições
básicas: a de leiloeiro e a de licitante. O leiloeiro é quem coordena e avalia os lances e, a
partir deles, define o resultado segundo as regras. Os licitantes são os agentes que competem
entre si por meio de lances para ganhar o leilão. Os licitantes podem ser também chamados de
jogadores, uma vez que um leilão pode ser caracterizado como um jogo, o que veremos a
seguir. A literatura foca em um número fixo de licitantes para facilitar a análise.
Como era de se esperar, tendo um conjunto de regras explícito, qualquer mudança nas
regras de um leilão resulta em diferentes estratégias de lances (regras de decisão) dos
licitantes. Neste sentido, cada diferente tipo de leilão especificado pode gerar resultados
completamente inesperados, ou até mesmo opostos aos desejados, se as devidas considerações
sobre o mercado e o produto não forem corretamente analisadas. Para que um leilão tenha
sucesso ou fracasso, dessa forma, o contexto é importante. Por exemplo, para o caso do setor
elétrico, as empresas são muito diferentes entre si, atuando em mercados elétricos diferentes,
com configurações patrimoniais distintas e utilizando diferentes insumos para a produção da
eletricidade. Essas e outras peculiaridades deveriam ser incorporadas à análise.
Existe uma clara analogia entre leilões e jogos. Em um leilão, as regras são dadas e, a
partir delas, os licitantes decidem como fazer seus lances (também chamados de ofertas). O
conjunto dos lances dados por todos os licitantes em um leilão, dentro das regras, irá produzir
um resultado em termos de alocação e de preço. Para fazer a analogia, basta perceber que em
um jogo, da mesma maneira que nos leilões, as regras também são definidas e, dentro das
regras, os jogadores podem tomar determinadas ações para interagir com os participantes.
Cada uma dessas ações possíveis para um jogador pode ser vista como um determinado lance
(ou oferta) escolhido pelo jogador dentro de suas possibilidades e vontades, de maneira que a
similaridade com os leilões fica aparente.
A presença de um leiloeiro não é necessária em um jogo, mas esse poderia ser
introduzido sem maiores problemas, uma vez que ele apenas garante que as regras serão
cumpridas e determina o resultado a partir da avaliação das ações dos participantes. É trivial
também perceber que os jogadores, bem como os licitantes, traçam regras de decisão
(estratégias) a partir das ações possíveis para si mesmo e para os outros.
20
Assim, analisar um leilão é analisar um jogo. No entanto, os leilões só podem ser
analisados como jogos de informação incompleta. Essa afirmação é feita porque uma
característica fundamental dos leilões é a existência de assimetria de informação em suas
modelagens: os licitantes, inicialmente, não têm a mínima noção do quanto seus rivais estão
dispostos a pagar por um bem (ou oferecer preço para venda), porque desconhecem as
valorações subjetivas que cada um dos licitantes dá ao bem leiloado. Dessa maneira, um leilão
poderá ser encarado apenas como um jogo de informação incompleta.
Ao longo da teoria de leilões utiliza-se a noção de equilíbrio Nash-Bayesiano definida
por Harsanyi (1967). A abordagem de Harsanyi transforma um jogo de informação
incompleta em um jogo de informação imperfeita. A utilização do conceito de equilíbrio
Nash-Bayesiano em leilões advém de um dos insights de Vickrey (1961, 1962): as decisões
tomadas pelo licitante com uma valoração particular são essencialmente estáticas, isto porque
ele toma a decisão antes mesmo de o leilão começar. Logo, embora o jogo seja dinâmico, ele
pode ser analisado de forma estática3.
Será mais fácil começar a explicação observando o caso de leilões de apenas um item,
e assim será feito inicialmente, embora possam ser leiloados mais de um bem ao mesmo
tempo. Assume-se que o licitante, que agora também poderá ser chamado de jogador, está
incerto em relação às valorações dadas pelos outros jogadores para o item leiloado. Muito
embora não saiba essa valoração, o licitante racional será “agraciado” com o conhecimento
das distribuições de probabilidades das valorações dos outros indivíduos.
A “natureza”, o “acaso”, ou qualquer terceira parte, poderá sortear, dentro da
distribuição, antes que o jogo seja iniciado, a valoração exata que cada indivíduo dá ao bem.
Essa informação real (o valor exato dado ao item leiloado) será dada exclusivamente para o
próprio indivíduo. Os outros, de posse de suas respectivas valorações, acabam apenas tendo
que inferir os possíveis valores de seus concorrentes através da distribuição de probabilidades.
Dentro da literatura existente se estuda mais amplamente o leilão de venda de um
item, ao invés de leilões de compra de algum item. Nos leilões de venda, os jogadores fazem
3 Se admitíssemos que a análise é dinâmica, o conceito correto de equilíbrio não poderia ser Nash-Bayesiano; Uma definição sobre conceito de equilíbrio pode ser obtida em Gibbons (1992) e Binmore (1992).
21
lances de preço ou de quantidade4 para bens que desejam comprar. Nos leilões de compra,
também conhecidos como leilões reversos, os jogadores fazem ofertas de preços ou de
quantidade para bens que desejam vender ao leiloeiro. Existe também o leilão duplo, em que
tanto vendedores como compradores fazem lances.
Dada a importância teórica, a revisão seguirá a abordagem da maioria dos textos,
analisando prioritariamente os leilões de venda. Mesmo assim, esse desenvolvimento poderá
ser relacionado aos leilões de compra; basta apenas inverter o raciocínio nos tipos de leilão
apresentados. Algumas especificações do caso reverso serão destacadas quando for
necessário. Em relação ao leilão duplo, basta agregar o raciocínio de ambos, analisando cada
parte envolvida na troca com o foco mais adequado, de venda ou de compra. Esse caso será
melhor analisado com os exemplos internacionais dados no próximo capítulo dessa
dissertação.
Por fim, deve-se destacar que, em geral, o objetivo principal do leiloeiro é arrecadar a
maior receita possível com a venda de um objeto, ou, para leilões reversos, realizar o menor
gasto possível com a compra de um objeto5. Embora possa não ser o único objetivo, deve-se
ter essa meta como base para a escolha do tipo ideal de leilão para cada situação.
1.1.2 Notações Matemáticas Básicas e Conceitos Iniciais
Serão usadas algumas notações matemáticas ao longo do texto e no Apêndice A que
irão facilitar o entendimento da teoria. Portanto, estas notações serão especificadas nesta
subseção.
O conjunto de jogadores/licitantes será caracterizado como I = {1,2,...,n}. O conjunto
de valorações possíveis para cada jogador i será um intervalo . A distribuição
conjunta de probabilidades das valorações será denotada por
⎥⎦⎤
⎢⎣⎡=
−
−vvX i ,
( ).F , que será estimada para
. nXXXX ×××= ...21
4 As ofertas podem ser de preço, quantidade, ou ambas. Isso não interfere inicialmente na análise. 5 Esse objetivo irá remeter ao conceito de Leilão Ótimo, apresentado posteriormente.
22
O conjunto de estratégias possíveis de cada jogador i será conhecido como , onde
é a função de decisão do jogador i. Isso quer dizer que, a cada valoração
sorteada, o jogador toma uma função de decisão em relação ao lance que dará no jogo. Essa
função será nada mais nada menos do que a estratégia do jogador no leilão, a sua
racionalização para obter o melhor resultado possível dada a sua valoração sobre o objeto.
iS
iii SXs →:
A função representará os ganhos do jogador i ao conhecer a sua
valoração sorteada no intervalo . A variável representa a valoração dos
outros jogadores que não são o jogador i; raciocinando da mesma maneira, é a estratégia
dos outros jogadores.
),,,( iiiii xxssu −−
ix ⎥⎦⎤
⎢⎣⎡=
−
−vvX i , ix−
is−
Matematicamente, um jogo Bayesiano G é definido como:
(.)],...,(.)}{,}{,[ 1 FXXuSIG nIiiIii ××≡ ∈∀∈∀ (1)
Essa expressão significa que o jogo é um conjunto composto por todos os jogadores, o
conjunto de estratégia que vai ser usado por cada jogador individualmente, o lucro desses
jogadores, dadas as suas valorações e suas estratégias, o conjunto de valorações possíveis para
os jogadores e a distribuição de probabilidades das valorações possíveis.
Nesse contexto, um equilíbrio Nash-Bayesiano6 será a n-upla de funções de decisão de
equilíbrio ( ) tal que (.)(.),..., **1 nss Ii∈∀ e ii Ss ∈∀ :
)/(),,,( **ii
Xxiiiiii xxFdxxssu
ii
−∈
∧
−−∫−−
≥ )/(),,,( *ii
Xxiiiiii xxFdxxssu
ii
−∈
∧
−−∫−−
(2)
Note que a única diferença entre as duas integrais apresentadas na desigualdade acima
está no termo , componente da função da integral do lado esquerdo. A integral do
lado direito considera uma estratégia do jogador i que não é de equilíbrio, . Essa expressão
*is (.)iu
is 6 Os equilíbrios Nash-Bayesianos serão simétricos quando todos os jogadores escolherem as mesmas funções de decisão; a escolha de equilíbrios simétricos, quando utilizada, será feita apenas para facilitar as conclusões.
23
significa que a escolha da estratégia feita pelo jogador é tal que gera a maior utilidade
possível para ele. Ou seja, a estratégia ótima de equilíbrio do jogador i, , é tal que gera uma
utilidade maior ou igual a utilidade gerada por qualquer outra estratégia que não é de
equilíbrio.
*is
(.)iu is
Cada jogador formará a melhor estratégia possível (função resposta) dadas as
melhores respostas dos outros jogadores. Ou seja, o jogo se baseia na crença de que todos os
jogadores estarão fazendo o melhor possível dentro do jogo e acreditando que todos fazem o
mesmo. Esta é a noção de equilíbrio de Nash. A função é a distribuição de
probabilidades das valorações dado que o jogador i já conhece a sua valoração . Isso
significa que cada jogador irá adaptar as informações sobre a probabilidade das valorações
dos outros jogadores usando a regra estatística de Bayes. O equilíbrio encontrado acima
também significa que os jogadores escolhem suas estratégias condicionadas à suas valorações,
ou seja, usam uma função de decisão Bayesiana.
)/(^
ii xxF −
ix− ix
Na prática, o que o cada jogador estará fazendo é maximizar seus ganhos em termos
de utilidade, o que poderia ser representado pelo seguinte esquema:
Figura 1 – Ganho Esperado do Jogador
Ganho esperado dojogador
Valor de Reserva
Probabilidade de
ganhar
Pagamento esperado
=
-
x
Fonte: Elaboração Própria.
1.2 Modelos e Tipos de Leilão
De posse das definições básicas, das notações a serem usadas e do instrumental inicial
da teoria, passa-se para a tipologia dos leilões. O objetivo desta subseção é identificar os
leilões e captar qual comportamento será induzido dentro de regras de leilão diferentes.
24
Existem dois modelos básicos para caracterizar a valoração de um bem em um leilão:
o modelo de valor privado e o modelo de valor comum. Os modelos de valor do leilão tratam
das hipóteses que se tem sobre as valorações dos indivíduos e sobre como a informação que
possuem, e que vierem a adquirir, afetará suas decisões. Esses modelos podem ser derivados
de um modelo geral desenvolvido por Milgrom e Weber (1982). O modelo geral permite que
se avaliem esses dois casos particulares e também permite que se avaliem casos
intermediários, que misturam características de ambos. De fato, no mundo real, as valorações
seriam casos intermediários.
Independente do modelo de valor verificado para um item leiloado, quatro tipos
padrão de leilão são largamente analisados na literatura: os Leilões Ascendentes (também
chamado de aberto, oral, ou leilão Inglês), os Leilões Descendentes (usados na venda de flores
da Holanda e também chamado de leilão Holandês pelos economistas), os Leilões de Primeiro
Preço Selado e os Leilões de Segundo Preço Selado (também chamado de leilão de Vickrey).
Os tipos padrão de leilão representam regras diferentes de leilão e, portanto, funcionam de
forma distinta.
Os dois primeiros tipos, Inglês e Holandês, são leilões abertos, ou seja, uma vez feito
um lance no leilão, todos o conhecem. No caso dos outros dois, o de Primeiro e de Segundo
Preço Selado, os jogadores não verificam nenhum lance feito ao longo do leilão, sendo, por
isso, chamados de leilões fechados.
Com o intuito de melhor analisar cada um desses tipos padrão, primeiramente serão
apresentados os modelos de valor. Após isso, um conjunto de hipóteses básicas, incluindo a
escolha do modelo de valor privado, será apresentado para que se analisem os tipos padrão de
leilão dentro desse contexto; feita esta análise, as hipóteses serão relaxadas e poderemos
analisar o comportamento dos leilões em cada caso particular e em um modelo de valor
comum.
25
1.2.1 Os Modelos Básicos de Valor
a) Modelo de Valor Privado
No modelo de valores privados e independentes cada jogador conhece a sua valoração
subjetiva e essa informação é privada, ou seja, a informação da valoração de um indivíduo é
disponível apenas para esse indivíduo em questão. Essa valoração subjetiva do objeto, bem
como a decisão sobre o lance a ser feito, não será afetada pelas informações de outros
jogadores7.
Mais precisamente, a valoração individual independe da valoração e das informações
recebidas pelos concorrentes. Os valores de um jogador são estatisticamente independentes
dos valores de outros jogadores.
Este tipo de modelo poder ser adotado no caso dos leilões de aquisição de insumos
pelo governo8, em que cada jogador que deseja um contrato com o governo conhece suas
próprias funções de custo de produção, mas não precisa saber a função de custo de outros
jogadores para poder avaliar seus ganhos e seus lances.
b) Modelo de Valor Comum Puro
O valor do objeto será único, o mesmo para todos os jogadores. Existe um valor de
mercado, ou de revenda, único, mas cada jogador recebe apenas um sinal privado que lhe
ajudará a estimar esse valor. Quando se fala em sinal privado, está se falando de uma
indicação sobre qual é o valor do bem para a sociedade, que pode ser um palpite pessoal, um
conhecimento prévio do assunto, ou qualquer variável individual que tem ligação direta com o
valor real do objeto. Nesse caso, a valoração do objeto é estimada por cada jogador de acordo
com o que ele espera que sejam os sinais dos outros jogadores.
7 Muito embora as valorações dos outros jogadores afetem o resultado final do leilão. 8 Esse é também um exemplo de Leilão Reverso.
26
O modelo de valores comuns é tal que se os jogadores tivessem acesso a diferentes
informações, teriam diferentes palpites sobre o valor do bem. Isso quer dizer que, se
pudessem aprender os sinais alheios, mudariam as suas estimações sobre o valor do item.
Um exemplo fácil de modelo de valor comum é o encontrado na venda de licenças
para exploração de campos de petróleo, que tem um valor definido de acordo com as
características geológicas e com o preço futuro do barril, ou o caso de compra de obras de arte
por comercializadores, que têm intenção de revender os itens e não o consumo próprio.
c) Modelo Geral
Um modelo geral que permite correlação entre os valores dos jogadores, incluindo
esses modelos anteriores como casos particulares, foi desenvolvido por Milgrom e Weber
(1982).
O modelo geral assume que todos os indivíduos recebem sinais privados, mas a
valoração de cada um pode ser representada como uma função dos sinais distribuídos. No
caso de valor privado, a função será dependente apenas do sinal do próprio indivíduo; no caso
do valor comum, será função de todos os sinais ao mesmo tempo.
A noção de que os valores dos jogadores estão de alguma forma correlacionados é
capturada de forma geral pelo conceito matemático de afiliação: um vetor de variáveis
aleatórias (s , x) é afiliado se, resumidamente, o aumento de uma das variáveis ocasionar o
aumento da chance de que as outras variáveis também sejam maiores. Em um leilão, se as
valorações forem afiliadas, elas estariam positivamente correlacionadas.
Pode-se resumir o modelo geral dessa forma: cada jogador i recebe um sinal privado,
totalizando n sinais privados, , distribuídos na população; o valor do objeto para cada
jogador i é muito embora ele só receba o sinal , logo, ele estima os outros
sinais. No caso particular de valor privado:
ntt ,...,1
),...,( 1 ni ttvv = it
)( ii tvv = . No caso particular de valor comum
puro: , para todos os . ),...,( 1 ni ttvv = it
27
1.2.2 Os Tipos de Leilão Padrão
Como mencionado, partiremos para a descrição dos tipos padrão. Para que o conjunto
de regras seja pontuado, assume-se que todos os leilões irão ocorrer adotando sete hipóteses
iniciais. Essas hipóteses servem apenas para facilitar o entendimento dos mecanismos e são as
hipóteses comumente levantadas nos diversos artigos. As hipóteses básicas são as seguintes:
1) Os jogadores são neutros ao risco;
2) O modelo de valor é o de valores privados independentes;
3) Os jogadores são simétricos;
4) Os pagamentos serão funções apenas dos lances dos jogadores;
5) Trata-se da venda de um único item;
6) O leiloeiro não dá valor algum ao bem e não cobra taxas de entrada;
7) Nenhuma estratégia de colusão será feita.
As atitudes dos jogadores em relação ao risco também irão influenciar as decisões de
lances, por isso a hipótese sobre essa atitude é necessária. Para iniciar, escolhe-se o jogador
do tipo neutro (hipótese 1). A escolha inicial do modelo de valor privado independente
(doravante VPI) é também questão de simplicidade do instrumental. Consideram-se os
jogadores simétricos (hipótese 3) quando eles retiram seus valores de uma mesma distribuição
de probabilidades e no caso assimétrico, as funções de distribuição de probabilidades são
diferentes. Os pagamentos pelo bem leiloado poderiam incorporar algum royalty das
atividades futuras relacionadas ao bem, mas isso será por enquanto ignorado (hipótese 4). A
venda de um item apenas facilita as derivações iniciais (hipótese 5). O leiloeiro ainda poderia
cobrar tarifas de entrada ou estabelecer valores mínimos de venda, mas isso será verificado
posteriormente (hipótese 6). A colusão só poderá ser analisada depois (hipótese 7).
O leilão que possuir essas hipóteses básicas será considerado “modelo referencial”.
Assume-se também que cada jogador conhecerá as regras do leilão que o vendedor escolheu
para se comprometer antes que o jogo inicie. Além disso, o jogador i conhece sua valoração
real, retirada da distribuição de probabilidade conhecida por todos. Os jogadores também
conhecem o número de participantes do leilão, suas atitudes quanto ao risco e as funções de
iv
28
distribuição de probabilidades dos valores, sabendo que os outros sabem que eles tem essa
informação, e os outros sabem que eles sabem que os outros tem essa informação e assim por
diante9.
a) Leilão Inglês
Nesse leilão, o preço é sucessivamente aumentado até que apenas um comprador
permaneça e o vencedor ganha o objeto pagando o último preço anunciado. Esse leilão pode
ser representado de várias formas. Pode ocorrer com o vendedor anunciando os preços, ou
com os licitantes dizendo seus próprios preços, ou tendo um sistema eletrônico submetendo os
lances e selecionando o melhor. A forma mais comumente usada pelos teóricos é a forma do
“modelo de botões Japonês”, que será também a escolhida nesse trabalho. Nesse formato, os
preços sobem continuamente enquanto os licitantes vão desistindo do leilão.
O leiloeiro aumenta o preço continuamente, enquanto os compradores que desejam
comprar o bem permanecem apertando um botão aceitando os preços correntes anunciados
pelo leiloeiro. Quando os preços em voga não forem mais atrativos para um jogador, este deve
deixar o leilão liberando o botão que estava apertando. A permanência nos botões significa
que ainda se deseja comprar o bem. Quando um competidor desiste, não há mais como voltar
ao leilão. Os licitantes vêem quando os seus concorrentes desistem do leilão. O caso do leilão
reverso seria qualificado pela diminuição contínua do valor do bem pelo leiloeiro.
A estratégia mais proveitosa será permanecer no leilão até que se atinja o valor que se
dá ao bem (segundo as suas preferências), ou seja, até se estar justamente indiferente entre
ganhar e não ganhar o objeto. Comprova-se essa afirmação apenas observando a lógica do
jogo10.
Suponha que todos os jogadores, menos dois, deixaram o leilão. Seguindo as regras, o
leiloeiro continua aumentando os preços. Suponha que se atinge um preço para o bem
exatamente igual à valoração que um desses dois jogadores dá ao bem. Depois desse valor, se
nenhum jogador sair, o leiloeiro continua a aumentar o preço. A partir de então, para
infelicidade do jogador que teve a sua valoração “coberta” pelo valor do item, ganhar o leilão
9 Essa é uma necessidade para estudar o jogo; esse conceito é conhecido como “common knowledge”. 10 A prova matemática do caso básico, feita com base nos resultados apresentados nos papers clássicos da literatura, é exatamente a mesma proposta no item II do Apêndice A. Fica a critério do leitor analisá-la.
29
tornará sua utilidade negativa, porque ele deve pagar mais do que o bem parece valer. Nesse
caso, se o outro jogador sair do leilão antes do que ele, será obrigado a comprar o bem a um
preço que lhe parece desvantajoso.
Por outro lado, se o jogador desistir antes que se atinja o seu valor estimado, não
ganhando o leilão e ficando insatisfeito, outro jogador que dá menos valor ao objeto poderá
ganhar o leilão. Ora, se tivesse permanecido no leilão, veria seu oponente, que não deseja
tanto o bem, sair antes de si mesmo, podendo, enfim, ser vencedor e pelo menos ficar
indiferente (com utilidade zero) entre ter ou não o objeto.
É por isso que dizer a verdade, ou seja, se comprometer em sair apenas quando se
atingir o verdadeiro valor dado ao bem, é o melhor que se pode fazer, independente da
estratégia dos outros jogadores. Os resultados do leilão satisfazem, portanto, um critério de
equilíbrio rígido: são equilíbrios dominantes, ou seja, cada jogador tem uma melhor estratégia
que é independente da expectativa que ele tem em relação as melhores jogadas dos outros
jogadores; não há nada melhor que ele possa fazer.
Por conta dessa estratégia, a penúltima pessoa sai no momento em que foi alcançada a
sua valoração marginal. Logo, a última pessoa que permanece ganhará o bem pagando esse
exato valor em que houve a saída do concorrente, ou seja, a valoração marginal do
concorrente que saiu. Dessa maneira, pode-se perceber que, se houver diferença entre as
valorações dos jogadores, o vencedor consegue auferir alguma renda econômica apesar do
poder monopolista do vendedor. Mais uma vez, utiliza-se a lógica do jogo para entender a
situação.
Supondo que a valoração do vencedor é e que a valoração do penúltimo jogador
seja , o vencedor ganha uma renda igual a - , ou seja, sua valoração ( ) menos o
quanto paga, o que corresponde ao preço em que o penúltimo jogador saiu do leilão ( ). A
esperança dessa renda a ser auferida pelo vencedor é chamada também de renda
informacional. A renda informacional é aquela que advém do desconhecimento do real valor
do jogador ganhador na hora que o leiloeiro estipula a regra do leilão. O jogador vencedor tem
uma vantagem sobre o leiloeiro, que desconhece a valoração real deste jogador. Como
desconhece a valoração, o leiloeiro perde uma parte da renda.
1v
2v 1v 2v 1v
2v
30
Numericamente, o valor da renda informacional seria igual a )(
))(1(
1
1
vfvF− 11. Dessa
maneira, o pagamento esperado feito pelo vencedor (a ser chamado de ) é o valor
esperado de =
)( 1vJ
)( 1vJ)(
))(1(
1
11 vf
vFv −− , que, teoricamente, representa o valor esperado para a
segunda maior valoração entre os participantes do leilão ( ). 2v
Dessa maneira, através de algumas manipulações, pode-se afirmar que a receita
esperada do leiloeiro será 12∫−
−
−−−=v
v
n dYYfYFYFnnYR )()()).(1)(1(. 2 . Esse resultado
resulta do pagamento esperado do jogador que possui a segunda maior valoração no leilão,
ponderado pelas probabilidades dos possíveis valores para esse segundo maior valor.
Conclui-se que o jogador deveria escolher o lance igual a sua valoração, porque na
realidade não estará pagando o valor que escolher. A quantidade efetivamente paga pelo
ganhador está longe do seu controle, pois depende da segunda maior valoração do leilão.
b) Leilão Holandês
No Leilão Holandês, o leiloeiro começa com um preço inicial alto e vai diminuindo-o
continuamente, até que algum jogador se manifeste aceitando comprar o bem pelo preço
anunciado em um determinado momento. O primeiro jogador que aceitar o preço em voga, ou
seja, que se manifestou diante do preço, levará o objeto a este mesmo preço. A dinâmica
reversa seria a de começo com um preço bem baixo, que seria elevado até que alguém se
manifestasse.
Cada jogador deve escolher em qual momento irá se manifestar, condicionado ao fato
de que nenhum jogador tenha se manifestado ainda (pois isso teria encerrado o leilão). Dessa
maneira, o jogador que escolher o maior preço para se manifestar irá acabar vencendo.
11 Não caberá derivar esse resultado aqui, pois tornará muito extensa a revisão. Ele poderá ser obtido através do conhecimento da teoria de estatísticas de ordem e pela aplicação da maximização da utilidade do vencedor. 12 Esse resultado pode ser obtido de acordo com o desenvolvimento no Apêndice A, Item IV, Parte II.
31
No início do leilão, os jogadores desconhecem os lances dos oponentes. Mesmo assim,
ao longo do jogo, eles não poderão conhecer os lances dos rivais; apenas será conhecido o
lance do jogador vencedor, que será aquele que se manifestou primeiro no leilão. Após esse
lance, o leilão se encerra. Os jogadores sabem que terão de pagar o preço ao qual se
comprometerem se vierem a ganhar o leilão.
Se houver uma diferença entre o lance que o vencedor der ao bem, que será no
máximo a sua valoração pelo bem, e o segundo maior lance, que não chegará a se manifestar
no leilão, existe um desincentivo para revelar a verdade, ou seja, para apostar na valoração
subjetiva real que se dá ao bem. Isto ocorre porque, se a diferença existe, o vencedor ainda
poderia ganhar o leilão ofertando menos que sua valoração, desde que não menos que o
segundo maior lance.
Existe um trade-off entre a probabilidade de ganhar, que é crescente com o valor do
lance, e o lucro para o jogador condicionado ao fato de ganhar o leilão, que irá decrescer
conforme o valor do lance, uma vez que o jogador pagará o que ofertar se ganhar o leilão.
Dizer a verdade pode não ser a melhor estratégia dadas as funções de distribuição e o número
de jogadores, porque o jogador deve pagar o lance que ofertar.
Para resolver qual a melhor estratégia no jogo, o método direto é examinar a condição
de primeira ordem de um jogador hipotético, função que explicita o trade-off já comentado
acima.
Otimizando a utilidade de cada jogador, a regra de decisão será13:
)(
)(
)( 1
1
in
v
v
n
ii vF
dyyF
vvB
i
−
−∫−−= , i = 1, ..., n (3)
Ou seja, é o lance ótimo do jogador i. Ao escolher seu lance, cada jogador faz
uma otimização assumindo que seu lance será o maior
)( ivB14, porque este tipo de comportamento é
13 A otimização e a prova matemática para esse tipo de leilão é oferecida no Apêndice A, item I, e toma como base os resultados dos papers da literatura clássica de leilões.
32
sem custo se estiver incorreto, no caso dos perdedores não pagarem nada15. Com isso em
mente, pode ser mostrado também que é igual ao valor esperado pelo jogador i para o
segundo maior valor entre os jogadores. Dessa maneira, dentro do “modelo referencial”,
pode-se afirmar que = .
)( ivB
)( ivB )( ivJ
A receita para esse caso é equivalente à ∫∫−
−
− −−
−
=v
v
nn
Y
v
n
dYYfYFnYF
duuFu
R ).().(..)(
))'(.(1
1
1
16. Esse
resultado também é gerado a partir da estimação do segundo maior valor do leilão de acordo
com os possíveis valores numéricos que este poderá assumir.
Não existe equilíbrio dominante, uma vez que a função de decisão depende das
expectativas sobre as valorações dos outros jogadores. Ao invés disso, esse leilão atende ao
critério de equilíbrio de Nash: cada jogador formará a melhor estratégia possível, dadas as
melhores respostas dos outros jogadores.
Concluindo, o jogador irá apostar em um lance menor do que sua valoração, pois sabe
que irá pagar esse lance que ofertar. Ele tenta estimar o lance que será suficiente para cobrir a
segunda maior oferta, pois essa segunda maior oferta não chegará a ser anunciada no leilão.
c) Leilão de Primeiro Preço Selado
Em relação ao Leilão de Primeiro Preço Selado, também existem várias formas de
representação. Adotaremos o formato de “envelopes”, mas os lances secretos poderão ser
computados em um sistema eletrônico ou por outros meios. Cada jogador terá direito a fazer
uma única oferta, sem conhecer as ofertas dos outros, que ficará lacrada em um envelope.
Quando todos tiverem feitos os lances, abrem-se os envelopes e não se pode mais fazer
ofertas. A maior oferta irá ser declarada vencedora. O vencedor irá pagar exatamente o lance
14 Assumindo que não é o maior, ele simplesmente não participaria do leilão, já que, neste caso, não iria conseguir ganhar o leilão de maneira nenhuma. 15 Exclue-se, portanto, um leilão que exige taxas de inscrição, ou, se preferir, assume-se que estas são irrisórias diante do valor do bem. Também se exclui o leilão chamado leilão “all-pay”em que os jogadores pagam os lances que ofertarem. 16 Esse resultado pode ser derivado de acordo com a Parte I do Item IV do Apêndice A.
33
que ofertou para receber o objeto. Obviamente, no caso reverso, a oferta vencedora seria a de
menor preço de venda.
Estrategicamente, nas condições e hipóteses já mencionadas, este jogo é equivalente
ao Leilão Holandês. Isto quer dizer que o conjunto de estratégias disponíveis para os
jogadores é o mesmo. Escolher qualquer lance irá gerar os mesmos lucros dos jogadores como
funções dos lances dos outros jogadores.
Em ambos os casos, no início do leilão, os jogadores desconhecem os lances dos
oponentes. Ao longo do jogo, eles não poderão conhecer os lances dos rivais; apenas será
conhecido o lance do jogador vencedor. Em ambos os casos, os jogadores sabem que terão de
pagar o preço ao qual se comprometerem se vierem a ganhar o leilão. A otimização é a
mesma e o pagamento esperado do vencedor será , gerando a mesma receita esperada
para o leiloeiro.
)( ivB
As conclusões que podem ser retiradas são, portanto, idênticas. Da mesma forma,
existe um desincentivo para revelar a verdade. Existe um trade-off entre a probabilidade de
ganhar e o lucro para o jogador condicionado ao fato de ganhar o leilão. Por isso, também não
existe equilíbrio dominante; o critério de equilíbrio é o de Nash.
d) Leilão de Segundo Preço Selado
O Leilão de Segundo Preço Selado é bem semelhante ao de Leilão de Primeiro Preço
Selado. Cada jogador terá direito a fazer uma única oferta, sem conhecer as ofertas dos outros,
que ficará lacrada em um envelope. Quando todos tiverem feitos os lances, abrem-se os
envelopes e não se pode mais fazer ofertas. A maior oferta irá ser declarada vencedora.
Contudo, o vencedor irá pagar a segunda maior oferta e não a sua própria oferta.
Dentro das hipóteses iniciais escolhidas, esse tipo de leilão é estrategicamente
equivalente ao Leilão Inglês17. Entretanto, no caso do Leilão de Segundo Preço Selado, os
lances são desconhecidos ao longo do leilão.
17 A prova matemática das afirmações de estratégia de lance de ambos está proposta no item II do Apêndice A.
34
Considere que o jogador disposto a pagar mais pelo bem no leilão avalia o bem em v.
Imagine que ele pretende mentir no lance, ofertando v – x. Supondo que, logo abaixo de v, o
segundo maior valor que pertence a outro jogador seja w e que esse outro jogador pretenda
falar a verdade, ofertando w, existe risco de o jogador que daria maior ao bem (v) perder o
leilão. Para tanto, basta que w > v – x. Se w > v – x, muito embora w < v, o jogador com
maior valor perde o leilão, pois apostou menos do que devia. Se tivesse dito a verdade,
ganharia.
Da mesma forma, podemos pensar em um jogador que avalie o bem por v, mas resolve
apostar mais do que este valor, por exemplo, v + x. Se o segundo maior lance fosse menor do
que v, o jogador mentiroso iria ganhar de qualquer forma, mesmo se falasse a verdade.
Contudo, basta que o segundo maior lance do leilão seja maior que v, por exemplo, w > v,
para que o mentiroso entre em apuros. Isso porque, ao ganhar o leilão, irá pagar mais do que
desejaria, terminando insatisfeito com sua compra (utilidade negativa).
O lance ótimo é a própria valoração de cada licitante, independente do que os outros
jogadores estiverem fazendo, ou seja, “falar a verdade” é uma estratégia dominante de
equilíbrio.
Como a lógica é a mesma da apresentada no Leilão Inglês, a equivalência está
provada. Neste caso, a mesma renda informacional é auferida e o pagamento esperado para o
vendedor é o mesmo valor esperado de . A receita esperada também será a mesma. )( 1vJ
Posto isto, basta afirmar que, como todos deveriam dizer a verdade, o vencedor será o
jogador que dá mais valor ao objeto. O fato de pagar o segundo maior lance faz com que os
jogadores possam “arriscar” dizer a verdade, podendo sair com resultado positivo em termos
de utilidade.
1.3 Relaxando as Hipóteses Iniciais
Feitas as respectivas caracterizações no “modelo referencial”, parte-se para o estudo
dos resultados com diferentes hipóteses. Entre esses resultados, serão resumidamente
35
apresentados os casos de leilão multi-unidade, leilão com preço de reserva e taxa de entrada e
a possibilidade de colusão.
a) Jogadores Avessos ao Risco
Agora, mantendo as outras hipóteses intactas, excluí-se a hipótese 1 de neutralidade do
risco. Quando os jogadores forem avessos ao risco, a extensão dessa aversão irá afetar a forma
de fazer os lances.
Usando o Leilão Inglês e o de Segundo Preço, continua-se a observar o jogador
permanecer no leilão até que atinja a sua valoração. Dessa maneira, a receita esperada do
vendedor será a mesma nos dois casos. O vendedor, contudo, pode estar estritamente melhor
quando utiliza a modalidade de Primeiro Preço Selado no caso de jogadores avessos ao risco,
pois esta modalidade produz uma receita esperada maior do que no caso do Leilão Inglês ou
do de Segundo Preço Selado (Riley e Samuelson, 1981).
No Leilão de Primeiro Preço Selado e também no Holandês, os jogadores avessos ao
risco serão mais agressivos nos lances para evitarem o risco de perder o leilão. Esse tipo de
leilão irá fazer com que eles aumentem os lances, pois o aumento na probabilidade do ganho
do leilão decorrido de um aumento no lance mais do que compensa a pequena perda de
utilidade ocasionada pelo lance maior, dadas as características das funções de utilidade com
aversão ao risco. Dessa forma, o jogador aumenta a sua utilidade esperada, pois prefere
ganhar o leilão de forma mais categórica do que no caso de neutralidade ao risco. Assim, o
jogador acaba favorecendo o vendedor.
Contudo, o Leilão de Primeiro Preço Selado não será o leilão que realmente extrai o
máximo de receita para o leiloeiro. O vendedor não está explorando ao máximo a sua
vantagem comparativa do risco. Se ele tornar os lances mais altos menos arriscados em
relação à perda do bem, ele irá encorajar esse comportamento. Pode fazer um leilão aonde
lances baixos sempre pagam o lance e lances altos não.
O leilão que proporciona a maior receita possível é muito complicado nesse caso.
Porém, algumas de suas características mais marcantes podem ser descritas. Ele envolverá o
subsídio de lances altos e a penalização de lances baixos (Maskin e Riley, 1984).
36
Dentro desse ambiente de aversão, não é adequado assumir que os jogadores sabem o
número de participantes que estão na competição. Isto porque o comportamento diante do
conhecimento do número de jogadores é diferente daquele na ausência desse conhecimento.
Na presença de aversão ao risco constante ou decrescente, em um Leilão de Primeiro Preço
Selado, a receita esperada é estritamente maior no caso de os jogadores não saberem o
número de rivais que tem (McAfee e McMillan, 1987). Se o leiloeiro puder esconder essa
informação, ele deverá fazer isso. A justificativa está na maior probabilidade de perder o
leilão no caso de haverem mais jogadores, fato que irá ser levado em consideração pelo
jogador em sua regra de decisão.
No caso do leiloeiro ser avesso ao risco e dos jogadores serem neutros ao risco, obtem-
se um novo resultado. Observe que o vencedor paga um preço desconhecido igual à segunda
maior valoração no Leilão de Segundo Preço Selado, enquanto que acaba pagando o valor
esperado dessa segunda maior valoração no Leilão de Primeiro Preço Selado e no
Descendente. Condicionalmente em relação às informações dos jogadores, o preço é fixado
no Leilão de Primeiro Preço e no Descendente e é uma variável aleatória no caso do Leilão de
Segundo Preço Selado. Logo, sem saber as informações dos jogadores, ao leiloeiro parecerá
mais arriscado coordenar um Leilão de Segundo Preço Selado e ainda mais arriscado conduzir
um Leilão Inglês, em que os jogadores têm chances de fazerem mais de uma oferta ao longo
do leilão.
b) Valores Correlacionados
A partir de agora, relaxa-se a hipótese 2 do modelo referencial, de valores
independentes privados, permitindo uma maior interação entre a valoração dos diferentes
jogadores.
Nesse caso, a incerteza é ainda maior. Dizer que os valores são correlacionados é
afirmar que os jogadores, tendo acesso a novas informações e aos lances dados pelos rivais,
irão ter uma estimativa diferente sobre o valor real do bem. Esse conceito significa que existe
algum componente na valoração que remete ao caso do valor comum. O caso extremo é o do
modelo de valor comum puro.
37
Dentro desse contexto poderá surgir o “winner’s curse”. O jogador que ganha um
leilão é aquele que deu o maior lance para o bem, ou seja, aquele que compôs a maior
estimativa para o valor comum. Com isso, ganhar pode não ser tão bom se o vencedor
descobre que todas as estimativas eram muito menores que as suas, significando que o valor
comum do bem era menor do que o previsto por ele. Daí a denominação de “winner’s curse”.
As proposições sobre o “winner’s curse” poderiam levar a uma falsa idéia de que os
jogadores serão sempre surpreendidos pelos resultados dos leilões dentro desse contexto, o
que violaria os princípios de racionalidade. Uma interpretação desse fenômeno que desvia
dessa idéia afirma que os jogadores, ao decidirem sobre seus lances, levam em conta a
possibilidade desse tipo de problema ocorrer. Dessa maneira, os lances seriam feitos de forma
muito cautelosa por jogadores racionais. O jogador racional evita se tornar vítima do evento
presumindo que sua estimativa será a maior estimativa para o bem, ou seja, presumindo que
será o vencedor do leilão ao fazer seu lance (Smith, 1981).
Ainda em relação ao valor comum, aqui se pode introduzir a conclusão que faz a
analogia entre leilões e mercados competitivos. Se a informação estiver suficientemente
dispersa entre os diversos licitantes, em um modelo de valor comum, então o preço de venda
irá convergir para o valor verdadeiro do item à medida que o número de jogadores se torna
arbritariamente grande (Milgrom, 1979 e Wilson, 1977). Passa-se agora para a formulação
mais geral, como a proposta por Milgrom e Weber (1982). Relembre o conceito de afiliação já
citado.
O Leilão Inglês irá proporcionar maior fluxo de informação para os licitantes. Isso
ocorre porque os jogadores que permanecem no leilão observam os lances dos que saem e tem
possibilidade de apreender, portanto, novas informações. Esse leilão tem a propriedade de
tornar pública parte das informações, diminuindo a probabilidade de ocorrência do “winner’s
curse”. Logo, quando as informações forem afiliadas, o Leilão Inglês gera uma receita
esperada mais alta do que os outros modelos básicos (Milgrom e Weber, 1982).
Ainda com informação afiliada, o Leilão de Segundo Preço Selado gera receita
esperada maior do que o de Primeiro Preço, que por sua vez levará ao mesmo resultado, na
média, que o Leilão Holandês.
38
Cabe ainda destacar que o vendedor poderá elevar a sua receita esperada ao tornar
pública qualquer informação que possuir sobre o valor comum do item. Isso porque ao supor
jogadores racionais, no caso de suas estimativas estarem excessivamente baixas, elas
poderiam ser adequadamente corrigidas a partir das informações do leiloeiro. Agora, olhando
pelo lado do licitante, qualquer informação privada deve permanecer privada, ou, do
contrário, a renda informacional passará a ser zero (Milgrom e Weber, 1982). Esconder sua
informação pode ser mais importante do que ser preciso na estimativa do valor do bem.
c) Jogadores Assimétricos
Esse é ocaso em que se relaxa a hipótese 3 de simetria dos jogadores. Ao invés de uma
única distribuição de probabilidades para a valoração de todos os jogadores, podem existir
outras, ou seja, podem existir jogadores de classes distintas, capacidades de produção
diferentes, etc.18
No caso do Leilão Inglês e do Leilão de Segundo Preço Selado, o leilão iria operar
basicamente como antes; os lances ainda seriam feitos até que se atingisse a segunda maior
valoração, restando apenas o jogador vencedor no leilão. O vencedor, portanto, continuará
sendo o jogador com a maior valoração, sendo assim eficiente.
O Leilão de Primeiro Preço Selado e o Descendente irão gerar resultados diferentes
dos outros, pois a função resposta dos jogadores (regra de decisão) depende das distribuições
de probabilidades dos outros jogadores. Nem sempre a maior valoração sairá vencedora,
justamente por causa da regra de decisão dependente das funções de distribuição. Logo, esses
leilões poderão gerar um resultado ineficiente.
Logo, conclui-se que o resultado poderá ser melhor ou pior para o vendedor,
dependendo da função de distribuição. Supondo que existam k tipos de distribuição
diferentes, para o vendedor de um objeto, pode-se afirmar que o leilão que maximizará o
preço de venda será aquele que der o item para o jogador que possuir o maior valor para
(Myerson, 1981), onde: )( kik vJ
18 Os resultados irão se restringir para o caso em que existem m “classes” de jogadores, cada classe com uma distribuição diferente, onde m ≤ n, sendo n o número de jogadores participantes.
39
)()](1[
)( kik
kikk
ikik vf
vFvvJ
−−= ; k = 1,2,..., n (4)
Esse teorema mostra que, quando os jogadores são assimétricos, o leilão que gera o
melhor resultado deve ser discriminatório entre as diferentes classes de jogadores. Existe a
possibilidade de que um jogador ganhe mesmo que não possua a maior valoração pelo bem. O
maior não é necessariamente o correspondente ao maior de todos os v. )( kik vJ
O leiloeiro deve se prevenir para que o jogador vencedor do leilão não tenha chance de
revender o bem para o jogador que dá mais valor pra ele. Se a arbitragem fosse possível, ela
iria sabotar a política discriminatória do vendedor.
d) Royalties
Estaremos agora relaxando a hipótese 4 de pagamento como função exclusiva do lance
dado. Em muitas circunstâncias, pode haver chance do vendedor obter algumas informações
adicionais sobre os jogadores e suas valorações. É do interesse do vendedor condicionar o
pagamento pelo item a qualquer informação adicional. Nesses casos, o vendedor acaba
fazendo uma função de pagamento linear, onde se inclui alguma variável que tem correlação
com a valoração do item para o jogador, fazendo com que o pagamento seja também
relacionado com esta variável.
Esse tipo de relação da variável de informação adicional com o pagamento é chamada
muitas vezes de royalty. Os royalties servem para transferir parte da renda informacional
auferida pelo jogador vencedor. Por exemplo, no caso de leilão de um campo de exploração
de petróleo pode-se fazer com que, além de função do valor do lance dado no leilão, os
pagamentos também sejam função da produção futura de petróleo.
Os royalties, contudo, não devem ser fixados em 100%, porque a distribuição dessa
nova variável não é exógena. O vencedor, através de suas ações, acaba por afetar, após o
leilão, esta variável sobre a qual serão fixados royalties. Logo, existe um problema de moral
40
hazard19 nessa variável. Esse peso do problema do moral hazard deve ser pesado contra os
efeitos da competição efetiva no leilão na hora de escolher o nível ótimo de royalties.
Fazer os pagamentos estarem condicionais às observações ex post serve não apenas
para estimular a competição nos lances, pois para se vencer a melhor proposta de pagamento
ex ante (o lance propriamente dito) tem menor importância com a presença da parcela
variável ex post, mas também a transferir riscos do jogador para o vendedor, que dependerá de
um resulto posterior para obter os ganhos. No caso dos jogadores serem avessos ao risco e o
vendedor neutro, essa transferência de risco será benéfica para ambos. Quanto mais avessos
ao risco forem os jogadores relativamente ao vendedor, mais ótimo será aplicar o royalty
(McAfee e McMillan, 1986).
e) Leilões Multi-Unidade
Continuando nosso propósito, elimina-se a hipótese 5 de venda de um único item.
Existem inúmeras dificuldades para desenvolver uma teoria geral no caso de venda de mais de
um objeto. A dificuldade é originada não da natureza das valorações (se os valores são
independentes privados ou se são afiliados de alguma maneira), mas sim das novas relações
estratégicas que surgem da escolha de combinações dos objetos vendidos. Novas
considerações devem ser feitas pelos jogadores, pois um lance em um objeto poderá afetar
não apenas a alocação específica desse objeto, mas também a alocação dos outros. No caso da
venda de um único objeto, o jogador poderia se preocupar apenas com o lance do oponente
que teria o segundo maior valor; no caso multi-unidade, o jogador deve se preocupar com
vários lances.
Quando vários objetos são vendidos, a permissão de compra de mais de um item por
um mesmo licitante trás ainda outra complexidade: o consumo da cesta de objetos gera uma
utilidade diferente da utilidade no caso do consumo de apenas um deles. As valorações dos
objetos podem estar correlacionadas de forma positiva ou negativa. Uma correlação positiva
significaria que obter os dois objetos é melhor do que obter apenas um deles. Já a correlação
negativa implicaria que o consumo conjunto de objetos não é desejado.
19 O moral hazard é um problema de assimetria informacional pós contratual. Ao se firmar acordo com um agente para que ele execute um serviço, pode ser que este acabe se comportando de forma indesejada no futuro. Ele poderá, através de suas ações, prejudicar a outra parte do contrato, diminuindo seus lucros.
41
No contexto de leilões multi-unidade, o formato altera os resultados de maneira
considerável em termos de comportamento estratégico na regra de decisão e também na
receita esperada. Os objetos podem ser vendidos seqüencialmente ou simultaneamente.
Leilões seqüenciais são mais difíceis de avaliar porque apresentam uma complicação
mais severa do que a dos simultâneos: o primeiro leilão de uma seqüência de leilões irá gerar
informações sobre as valorações dos jogadores, que poderão ser utilizadas nos leilões
posteriores. Pelo menos o lance vencedor deverá ser anunciado, por questão de clareza do
leilão, e, a partir dessa informação, se poderá estimar a valoração do vencedor. Pode não ser
do interesse dele que isso ocorra; a informação privada é um trunfo de cada jogador.
Essa complicação da revelação de informação tornará a análise muito mais
interessante, pois os jogadores devem fazer os lances sabendo dessa abertura final, mas, ao
mesmo tempo, isso torna mais penoso derivar os resultados básicos.
Em leilões simultâneos dois ou mais bens são vendidos ao mesmo tempo; os licitantes
podem dar lances para todos os bens. Para nossa análise posterior do mercado elétrico, vale
destacar um tipo especial de leilão simultâneo: os Leilões Ingleses Simultâneos. Esse leilão
foi proposto por Paul Milgrom, Robert Wilson e Preston McAfee para o leilão de espectros de
rádio e televisão pela Comissão Federal de Comunicação dos Estados Unidos em 1994, sendo
estendido mais recentemente para o caso da comercialização nos mercados de eletricidade e
gás natural.
O mecanismo é o mesmo do Leilão Inglês para um bem, mas vários bens são vendidos
ao mesmo tempo. Na maioria das vezes, o processo de lances deve continuar até que nenhum
participante manifeste desejo de aumentar lance em nenhum dos bens vendidos, ou, no caso
de leilão reverso, diminuir o lance. Apesar de garantir importante revelação de informação
que possibilita aproximação ao preço de concorrência ideal, algumas ressalvas podem ser
feitas, segundo Cramtom (2004). Um problema básico desse leilão é que ele pode ser
vulnerável à manipulação de preços e à colusão se não houver participantes em número
suficiente, ou se alguns participantes têm grande poder de mercado.
42
Uma importante extensão do Leilão Inglês Simultâneo é o clock auction. Nesse leilão
existe um “relógio de preços”, ou seja, um mecanismo que modifica e indica os preços para
cada um dos bens. Os jogadores observam o preço dado e indicam as quantidades que
desejam comprar, ou vender no caso reverso, aos preços dados. Ou seja, os lances são de
quantidade e não de preços.
No leilão de venda, se houver excesso de demanda dos licitantes em relação à oferta
de bens do leiloeiro, os preços são aumentados. Simetricamente, para o leilão reverso, quando
existe excesso de oferta dos licitantes em relação à demanda de bens do leiloeiro, os preços
são diminuídos. A variação do preço no “relógio de preços”, para cima no leilão de venda e
para baixo no leilão reverso, vai sendo feita até que se atinja o equilíbrio entre demanda e
oferta.
Os leilões simultâneos podem ainda ser separados em dois grupos: leilões de preço
uniforme ou leilões de preço discriminatório. No tipo uniforme, todos os jogadores irão pagar
a mesma quantia, que geralmente será ou o último lance que conseguiu ganhar o leilão (o
menor dos lances que ganhou) ou o primeiro lance que perdeu (o maior dos lances
perdedores). Já no tipo discriminatório, os vencedores pagam os seus próprios lances.
Os leilões discriminatórios são estrategicamente similares aos Leilões de Primeiro
Preço, no sentido de que cada jogador pagará exatamente o que ofertar. Os leilões uniformes
podem ser comparados aos Leilões de Segundo Preço Selado, pois se pagam as ofertas
perdedoras ou então a menor oferta ganhadora. Essa analogia, contudo, não é perfeita. No
caso uniforme, os jogadores não irão revelar a verdade por razões estratégicas. Esse formato
de leilão tem propriedades diferentes do Leilão de Segundo Preço Selado no caso de
correlação negativa entre os objetos (Menezes e Monteiro, 2004).
Considerando o caso de correlação positiva entre dois objetos idênticos sendo
vendidos e escolhendo um equilíbrio simétrico no modelo VPI, o indivíduo com maior
valoração irá ganhar ambos os objetos. Nesse caso, a analogia poderá ser feita. No caso de
correlação negativa, contudo, os jogadores que maximizam suas utilidades não devem revelar
a informação, pois corre o risco de ganhar dois objetos que em conjunto não lhe darão
máxima satisfação. Para o jogador, ganhar apenas um dos objetos é bom. Isso é perigoso se a
estratégia for repetida por todos os jogadores, pois diminui a receita esperada do vendedor.
43
Segundo a teoria, geralmente, leilões discriminatórios não são superiores aos leilões
uniformes no caso de modelo de valores independentes privados. Contudo, para alguns bens
específicos, como a eletricidade, essa comparação tem se tornado complexa. Para entender o
problema, torna-se necessária a introdução de mais alguns conceitos: leilões de partes e
leilões discretos.
Os leilões de partes são leilões em que se podem fazer lances para partes de um item,
ao invés de condicionar o lance a um item inteiro. Essa classificação é derivada da noção de
ofertas contínuas, mais especificamente do conceito de “função de oferta” dado por Wilson
(1979). Os leilões discretos retratam a venda de objetos apenas em unidades discretas dos
itens, ou seja, retrata a venda de objetos que serão considerados não divisíveis.
Como notado por Klemperer (2001), se um item for retratado como infinitamente
divisível, podendo-se associar ofertas de proporções diversas de um mesmo item vendido, ao
invés de se vender o item por inteiro, o leilão uniforme poderá apresentar equilíbrios
colusivos, porque os custos de oportunidade de capturar uma parte do bem adquirida pelo
concorrente serão altos. Como o preço é uniforme, no caso do leilão de venda, ganhar a parte
do oponente significa ofertar um preço maior. Contudo, o preço colusivo será mais baixo do
que o preço necessário para desbancar um oponente. Logo, a estratégia colusiva pode ser
dominante em relação à competitiva. Em se tratando de um leilão reverso, o preço colusivo de
venda é maior do que o preço necessário para deslocar a oferta do oponente, portanto, a
estratégia competitiva não seria interessante para os jogadores.
Quando falando de bens no caso discreto, abordagem adotada por von der Fehr e
Harbord (1993) e Kahn et al. (2001), os leilões discriminatórios não se mostram superiores
aos leilões uniformes. Muito pelo contrário; segundo Kahn et al., especialmente nos mercados
atacadistas de eletricidade, leilões uniformes geram fortes incentivos para que se revelem os
verdadeiros custos marginais. Segundo esse autor, os leilões discriminatórios geram erros de
estimação por parte dos licitantes, que acabam provocando resultados ineficientes.
Assim, para avaliar leilões multi-unidade, torna-se necessário primeiro classificar os
bens corretamente, já que os resultados podem diferir significantemente dentro das diferentes
44
classificações20. Mesmo assim, a teoria diverge em relação aos tipos superiores de leilão
multi-unidade, dada a complexidade da análise desses leilões.
f) Preços de Reserva e Taxas de Entrada
Preços de reserva e taxas de entrada são instrumentos utilizados pelo leiloeiro para
selecionar a classe de agentes que realmente deseja que participe do leilão. Antes excluídos
pela hipótese 6, que eliminava a presença de preço de reserva e de taxa de entrada, pode-se, a
partir de agora, avaliar algumas características marcantes. O estudo dos preços de reserva, em
especial, será de importância para avaliar os leilões brasileiros, que possuem o mecanismo de
preço de reserva em seu conjunto de regras.
O preço de reserva é o valor mínimo de lance que será aceito como válido para a
aquisição de um item. Esse valor significa que o vendedor atribui algum valor mínimo para o
item que está vendendo. No caso do leilão reverso, o preço de reserva representa o preço
máximo que o leiloeiro irá aceitar para comprar o bem. Esse tipo de mecanismo do leilão
reverso permite que o comprador que realiza o leilão possa controlar o máximo de custos que
deseja ter com a compra. Por sua vez, a taxa de entrada será o valor cobrado de cada agente
que deseja participar do leilão.
Esses dois instrumentos têm dois efeitos básicos: eles reduzem o incentivo de
participação de agentes considerados “fracos”, ou seja, cuja valoração é baixa (no caso do
leilão reverso, cujo custo é alto demais); mas, de certa forma, podem aumentar a receita do
leiloeiro. Esse efeito de aumento de receita é possível porque os agentes que participam do
leilão tem de antemão maior possibilidade de serem agressivos nos lances. Por terem
valorações mais altas, têm condição de fazer lances mais altos. Pensando em um leilão
reverso, o fato de terem custos mais baixos permite que os lances de preço sejam também
menores. No caso da taxa de entrada, ainda existe a própria receita extra derivada de sua
cobrança.
20 Deve-se destacar que as análises teóricas feitas por todos os autores citados se basearam em análises de Leilões de Primeiro Preço Selado com preços uniformes e discriminatórios. Os resultados dos diversos autores divergem substancialmente, principalmente na classificação da eletricidade. Alguns resultados são diferentes até mesmo quando se faz a mesma classificação.
45
O preço de reserva ainda pode ser utilizado como um importante instrumento nos
casos em que se observa competição limitada (Ausubel e Cramton, 2004). Primeiro, porque é
capaz de reduzir os incentivos a qualquer tipo de colusão, já que limita os ganhos dos
jogadores que adotam essa estratégia. Em um leilão de venda, os jogadores devem pagar no
mínimo o preço de reserva para poderem ganhar o leilão, mesmo que tenham feito acordo de
manipulação de preços com outros jogadores. No leilão reverso, o preço de reserva impõe um
limite máximo de preço, ou seja, mesmo que não queiram, o poder de um acordo de redução
de oferta, que aumentaria os preços, tem alcance limitado. Além disso, um preço de reserva
bem definido garante que grande parte do valor do objeto seja deslocada para o organizador
do leilão (Ausubel e Cramton, 2004).
O leiloeiro poderá iniciar o leilão sem anunciar o preço reserva, ou oferecer
primeiramente esse preço como preço inicial. Pode simplesmente escolher um valor próximo
a ele e mantê-lo em segredo. Nesse caso, o item não poderá ser declarado como vendido até
que se atinja o preço desejado ou um valor superior no leilão venda, ou um valor inferior para
o leilão reverso.
Assim como é o caso dos impostos em uma economia, existe uma taxa de entrada e
um preço de reserva ótimos para cada tipo de leilão21. Esses valores serão ótimos no sentido
de que irão permitir que se extraia renda máxima dos jogadores. Eles também irão depender
do número de jogadores participantes e do valor que o vendedor/comprador dá ao bem.
A desvantagem de estabelecer um preço de reserva é que, mesmo que existam valores
positivos atribuídos para o bem, pode-se não vender o objeto. Em geral, o valor monetário que
equivale ao valor subjetivo do vendedor dentro da regra do leilão deve ser o preço de reserva.
Em outra seção, de Leiloes Ótimos, algumas outras características desse valor ótimo serão
explicadas.
g) Colusão
Em todo o estudo assumiu-se a hipótese 7 de que os jogadores atuam de forma não
cooperativa, ou seja, inexiste colusão. Mas pode haver casos em que isso não representa a
realidade, especialmente quando os jogadores se reencontram em leilões sucessivos e 21 A derivação de um exemplo básico de determinação desses valores ótimos é dada no item III do Apêndice A.
46
repetitivos. Num jogo repetido, o resultado de equilíbrio cooperativo poderia ser sustentado se
um dos oligopolistas adotar a estratégia de punir qualquer desvio dos arranjos colusivos,
evitando ações não cooperativas futuras.
Para que essas estratégias de retaliação sejam manejadas, deve-se poder observar ou
inferir as ações passadas dos outros jogadores envolvidos. Nesse sentido, as informações
postas a público em um leilão bem organizado, que dariam credibilidade ao processo,
poderiam ser utilizadas para a confecção da estratégia e a determinação da punição dos atores
que quebram um acordo colusivo. Mais nocivo ainda perceber que os jogadores que quebram
a colusão e reportam fatos verdadeiros sobre seus lances serão os mais prejudicados dentro da
punição, o que poderia desencorajar a honestidade no fornecimento de informações.
O Leilão Inglês, na prática, é o mais vulnerável à colusão e pode gerar forte
impedimento à entrada. Um leilão deste tipo que seja multi-unidade simultâneo (vários
objetos vendidos ao mesmo tempo) facilita a colusão porque permite que haja um mecanismo
de punição de rivais pelos lances em um objeto através de lances aplicados em outros objetos.
Na realidade, em muitos leilões os lances não são aumentados de forma contínua pelo
leiloeiro e os lances podem ser dados pelos próprios jogadores. Assim, pode-se manter uma
ameaça de fazer uma grande oferta, que elimine qualquer competidor, mesmo em bens não
desejados, que estão sendo vendidos simultaneamente, se não houver cooperação.
Uma vez que esse leilão é aberto, ou seja, pode-se verificar os lances, várias formas de
sinalização, além das ameaças, poderiam ser combinadas por meio dos lances.
1.4 O Resultado Máximo da Teoria: Leilões Ótimos
Diante da possibilidade de realizar diversos tipos de leilão, o vendedor monopolista ou
o comprador monopsionista estaria com o problema de escolher qual tipo de leilão seria
melhor. Dentro deste questionamento, vários teóricos derivaram conclusões sobre como
estipular o melhor leilão em cada caso. Define-se o leilão ótimo como sendo aquele que
maximiza a receita esperada do vendedor do objeto.
47
Na escolha entre os quatro tipos de leilões padrão, o resultado chave da teoria é o
Teorema de Equivalência da Receita (TER), estabelecido primeiramente por Vickrey. O TER,
sob as hipóteses do “modelo referencial”, nos diz que o vendedor pode esperar lucros iguais,
na média, de todos os tipos padrões de leilões (e também de muitos não-padrão) e que os
compradores também serão indiferentes entre esses tipos22.
Na média, o preço alcançado em um Leilão de Primeiro Preço Selado e no Holandês é
o mesmo de um Leilão Inglês ou de Segundo Preço Selado, dentro do “modelo referencial”,
justamente por conta dos pagamentos esperados representarem as segundas maiores
valorações em todos os casos. Isso não implica que os resultados dos quatro tipos sejam
sempre exatamente os mesmos. No Leilão de Segundo Preço Selado e no Inglês, o preço pago
é exatamente o segundo maior valor (lance) dado, que é uma variável aleatória conhecida
apenas ao fim do leilão. No Leilão de Primeiro Preço Selado e no Holandês, o preço será o
valor esperado do vencedor para a segunda maior valoração condicionada ao seu próprio valor
( ) ). Esse valor esperado será, antes do início do leilão, fixo. ( ivB
Myerson (1981) e Riley e Samuelson (1981) generalizaram os resultados do TER de
Vickrey. Myerson é quem oferece o tratamento mais geral para o teorema e usa a prova
matemática para mostrar que o TER pode ser extendido a ponto de se derivar o leilão ótimo
em qualquer caso.
A ferramenta usada por ambos os trabalhos de 1981 para achar o melhor dos
mecanismos para vender um objeto do ponto de vista do vendedor é o Princípio da Revelação.
A palavra mecanismo é usada para descrever qualquer processo que tome como insumos os
lances e produza como resultado as decisões de qual jogador deve receber o item e de quanto
deverá ser pago pelos jogadores.
Por sua vez, um mecanismo direto é aquele onde os jogadores são convidados a
revelar suas verdadeiras valorações. Dentro desse tipo de mecanismo, existem os mecanismos
compatíveis de incentivo. Um mecanismo compatível de incentivo é aquele que é estruturado
de tal forma que cada jogador irá achar que é de seu interesse reportar o seu verdadeiro valor
22 Uma prova para este teorema é dada no item IV do Apêndice A.
48
e não outro. Em troca da informação verdadeira, o leiloeiro assume o compromisso de fazer
com que o leilão gere o melhor resultado para o jogador que revela a verdade.
O Princípio da Revelação afirma o seguinte: para qualquer mecanismo, existe um
mecanismo direto, compatível de incentivo, que gera os mesmo resultados. Esse princípio
alcança a revelação honesta dos valores por meio de um mecanismo direto já que é formulado
de forma a tornar os pagamentos mais atrativos quando a verdade é revelada. A significância
deste princípio está no fato de que o modelador do leilão poderá limitar sua procura por
mecanismos ótimos dentro do campo dos mecanismos diretos e compatíveis com incentivo, o
que é bem mais fácil. Contudo, poucos mecanismos utilizados no mundo são diretos.
Os mecanismos diretos ótimos são achados como solução de uma programação
matemática que envolve dois tipos de restrição: a primeira é a restrição compatível de
incentivos ou de auto-seleção, que determina que os jogadores não ganham quando mentem
sobre seus valores; a segunda é a de racionalidade individual ou de livre saída (participação),
que determina que os jogadores não estariam melhores se simplesmente não participassem do
leilão. O leiloeiro maximiza a receita do leilão em relação à escolha de uma regra de alocação
de venda, que depende dos valores informados, dados a probabilidade de cada jogador vencer
o leilão e o pagamento que cada jogador fará se vencer, ou seja, os lances.
Assumindo n licitantes neutros ao risco, que tem sinais privados independentemente
retirados de uma distribuição comum, estritamente crescente, contínua ou discreta apenas em
pontos desprezíveis, qualquer mecanismo no qual (i) o objeto leiloado sempre vai para o
jogador com o maior sinal e (ii) qualquer jogador que tem o menor sinal possível tem
excedente esperado de zero, gera a mesma receita esperada. Nesse caso, cada jogador terá em
cada um desses mecanismos a mesma receita esperada, função de seu próprio sinal. Isso vale
para os modelos de valor privado e para os modelos de valor comum mais gerais, que tem os
sinais dos jogadores independentes.
A aplicação do Princípio de Revelação resulta na seguinte constatação: para o “modelo
referencial”, mas deixando que o vendedor possa avaliar o bem em (preço de reserva), o
leilão que maximiza o preço esperado para o bem terá as seguintes características:
0v
49
(a) Se < para todos os jogadores, então o vendedor se negará a vender o
objeto;
)( ivJ 0v
(b) No caso contrário, ele oferece o objeto para o jogador que tem o maior valor a
um preço igual a .
iv
)( ivB
Por conta do fato de que os quatro tipos básicos são essencialmente equivalentes no
“modelo referencial” em questão (adicionado do preço reserva), pode-se concluir que todos
esses tipos de leilão básicos serão mecanismos ótimos, embora nem sempre diretos sob estas
hipóteses, desde que se possa atribuir um preço de reserva também ótimo para cada um deles.
O preço de reserva ótimo será . (Myerson, 1981 e Riley e Samuelson, 1981). )( 01 vJr −=
Dentro desses padrões ótimos, o leiloeiro poderia fazer inúmeras variações nos
modelos básicos; mas nenhuma das estratégias mais complicadas, dentro das hipóteses
padrão, poderia melhorar os preços e as receitas. As formas simples de leilão são as melhores
e mais interessantes dentro do conjunto de mecanismos possíveis para o modelador.
1.5 Comparações entre Leilões
Neste capítulo foram apresentados diversos conceitos e tipos de leilões, dentro de
hipóteses variadas. Para finalizar, portanto, apenas serão recapitulados os resultados
interessantes e destacadas algumas conclusões sobre os leilões.
O modelo de valor privado é mais facilmente aplicado nos casos em que se leiloam
bens de consumo não duráveis, onde a possibilidade de revenda é muito remota e o consumo
será para uso próprio. A derivação da satisfação do consumo desse tipo de bem é
razoavelmente classificada como um problema individual e permite que cada jogador tenha
um valor diferente para esse tipo de bem.
Considerando o caso de bens que tem possibilidade de revenda, ou com valor de
mercado dependendo de alguma característica desconhecida, como qualidade e custo de pay-
back, o modelo anterior se torna inadequado. Deve-se, então, usar o modelo de valor comum.
Esse é o caso de bens que tem um valor único, ou praticamente idêntico, para todos os
licitantes no mercado. O que irá realmente fazer diferença entre os jogadores é que esse valor
50
será estimado com base em apenas parte da informação sobre o valor de mercado, o que
permite que as estimações sejam diferentes entre os diferentes jogadores.
Quadro 1 – Modelos de Valor
Modelo de Valor Aplicação Tipo de Valor
Modelo Privado Independente bens de consumo não duráveis valor individual
Modelo Comum Puro
bens para revenda; depende de alguma característica
desconhecida
valor único para todos os licitantes
Fonte: Elaboração Própria.
Em Leilões Ingleses e de Segundo Preço Selado, a melhor estratégia será sempre
ofertar a própria valoração. O pagamento do ganhador será determinado, portanto, pelos
lances dados pelos perdedores. Ainda em relação a esses leilões, o resultado de equilíbrio
dominante é ótimo de Pareto. Ou seja, o ganhador vai ser sempre aquele que dá maior valor
para o objeto. Isso não depende da simetria das distribuições de probabilidade. A regra de
decisão desses leilões impede que outro resultado venha a ocorrer.
Contudo, a equivalência entre o Leilão Inglês e o Leilão de Segundo Preço Selado só
vale para o modelo de valores privados ou se houverem apenas 2 jogadores. Em um modelo
de valor comum, as informações apreendidas em um Leilão Inglês afetam a regra de decisão
dos agentes. Eles modificam seu valor pelo bem e sua oferta uma vez que conheçam as ofertas
dos jogadores que saem desistindo do leilão dado o preço corrente. Esse tipo de informação
que se apreende não é possível no leilão selado, pois neste não há como conhecer os lances
dos outros jogadores antes do término do leilão.
Considerando os Leilões de Primeiro Preço Selado e o Holandês, o jogador irá apostar
em um lance menor do que sua valoração, pois sabe que irá pagar esse lance que ofertar. Ele
tenta estimar o lance que será suficiente para cobrir a segunda maior oferta. O caso do leilão
Holandês e o de Primeiro Preço Selado será ótimo de Pareto apenas com simetria de
distribuições; do contrário, podemos ter resultados ineficientes.
Mesmo em um modelo referencial, com hipóteses restritas, existe uma diferença
prática entre o Leilão Inglês ou o de Segundo Preço Selado e o Holandês ou de Primeiro
Preço Selado. Nos primeiros, cada jogador pode decidir facilmente o quanto irá ofertar; no
51
caso específico do Inglês, ele permanece no leilão até alcançar o seu valor, e no de Segundo
Preço Selado ele oferta o seu próprio valor. No caso do Holandês e no de Primeiro Preço
Selado, os jogadores oferecem menos do que o valor que possuem; a quantidade exata de
quanto menos irão ofertar em relação ao seu valor irá depender da distribuição de
probabilidades dos outros jogadores e do número de competidores. Dessa forma, achar um
equilíbrio para estes tipos de leilão é muito mais complexo.
O Leilão Inglês, na prática, é vulnerável à colusão e pode gerar forte impedimento à
entrada. Um leilão deste tipo que seja multi-unidade e simultâneo facilita a colusão porque
permite que haja um mecanismo de punição de rivais pelos lances em um objeto através de
lances aplicados em outros objetos. No mundo real os lances não são aumentados
continuamente pelo Leiloeiro. Pode-se manter uma ameaça de fazer uma grande oferta, que
elimine qualquer competidor, para evitar a não cooperação. Uma vez que o leilão é aberto, ou
seja, pode-se observar os lances, várias formas de sinalização, além desta de ameaça,
poderiam ser combinadas por meio dos lances.
Em um Leilão Inglês, a tendência é que o jogador com maior valor pelo bem ganhe o
leilão, já que poderia cobrir qualquer oferta proposta dos outros jogadores. Como resultado,
um jogador mais fraco que conheça um potencial jogador forte, que deve ou pode pagar muito
mais pelo bem, não teria incentivos para entrar no leilão. Além disso, as estratégias possíveis
de punição reforçam esta barreira à entrada. O Leilão de Segundo Preço Selado, embora bem
parecido com o Inglês em termos de resultado, é um leilão fechado, o que permite que as
estratégias de punição sejam desencorajadas.
No caso de jogadores simétricos e informações afiliadas, os leilões fechados tenderiam
a resultar em menor lucro. Este é o caso apresentado por Milgrom e Weber no modelo de
1982.
Porém, no caso de aversão ao risco e orçamento limitado, o leilão fechado pode
resultar em maior receita de fato (Klemperer, 2000). Nesse caso, o Leilão Holandês e o de
Primeiro Preço Selado serão estritamente preferíveis aos outros.
52
Quadro 2 – Estratégias Básicas e Casos Especiais
Colusão Entrada Maldição Afiliação Aversão ao Risco Alocação
InglêsPermanecer até alcançar
sua valoraçãoMuito vulnerável Forte barreira
Fraca ou inexistente
Alto desempenho Baixo desempenho Ótima de Pareto sempre
HolandêsFazer lance menor que
valoraçãoPouco vulnerável Média Barreira Forte
Baixo desempenho
Alto desempenho Depende do modelo de valor
Primeiro Preço Selado
Fazer lance menor que valoração
Pouco vulnerável Média Barreira ForteBaixo
desempenhoAlto desempenho Depende do
modelo de valorSegundo Preço
SeladoPermanecer até alcançar
sua valoraçãoPouco vulnerável Média Barreira Forte
Médio desempenho
Baixo desempenho Ótima de Pareto sempre
Estratégia Básica Casos EspeciaisTipo
Fonte: Elaboração Própria.
Deve-se lembrar que para os casos multi-unidade existe muita controvérsia para o
ranking de resultados. Muito embora, em geral, os tipos de preço uniforme não sejam
inferiores aos de preço discriminatório, na presença de jogadores com grande poder de
mercado, os leilões de preço uniforme podem ter alguma tendência à manipulação de preços.
Vale lembrar também que os leilões multi-unidade podem ser fechados ou abertos, de
preços que ascendem ou descendem, podendo ser comprados aos tipos equivalentes de leilão
para apenas um bem, desde que feitas algumas ressalvas.
Pode-se dar destaque também ao tipo de leilão clock auction, onde os jogadores fazem
lances de quantidade enquanto os preços são dados. Esse leilão, que é uma adaptação do
Leilão Inglês multi-unidade, é muito utilizado para a alocação de contratos que possuem
complementaridades. A vantagem desse tipo de leilão é a condução da escolha dos preços dos
objetos leiloados feita diretamente pelo leiloeiro. Esse leilão, portanto, induz comportamentos
de leilões Ingleses, que são equivalentes ao leilões de Segundo Preço Selado, guardadas as
devidas ressalvas de contexto multi-unidade.
Quadro 3 – Estratégias Básicas do Caso Multi-Unidade
Preço Uniforme Todos pagam mesmo preço
Comportamento próximo ao de Segundo Preço Selado
Preço Discriminatório
Cada um paga seu preço
Comportamento próximo ao de Primeiro Preço Selado
Leilões Multi-Unidade
Simultâneos
Seqüênciais
Fonte: Elaboração Própria.
53
Outro importante destaque advém dos papers que derivam os modelos ótimos de
leilão. Como conclusão dos estudos, percebeu-se que as quatro formas serão todas escolhas
ótimas.
Fora do “modelo referencial”, contudo, quando se admitem diferentes atitudes em
relação ao risco e correlação entre as valorações, os resultados dos leilões irão divergir. No
caso de valores correlacionados e neutralidade ao risco, o Leilão Inglês é o melhor tipo e o de
Segundo preço Selado tem segundo melhor desempenho. Os Leilões de Primeiro Preço
Selado e Holandês apresentam desempenho superior aos outros quando os jogadores são
aversos ao risco e valoração independente.
Quadro 4 – Comparação entre Receitas
Neutro ao Risco Averso ao Risco
Independentes Inglês = 1°Preço = 2°Preço = Holandês 1°Preço = Holandês > Inglês = 2°Preço
Correlacionadas Inglês > 2°Preço > 1°Preço = Holandês Ambíguo; depende das distribuições
Atitude de Risco do LicitanteValoração
Ranking do Leiloeiro
Fonte: Adaptação de Menezes e Monteiro, 2004.
Por último, devem-se fazer alguns comentários em relação a temas competitivos não
abordados anteriormente. Esses resultados podem ser concluídos analisando as derivações
matemáticas de todos os modelos apresentados anteriormente, sendo bastante plausíveis.
Quanto mais jogadores houver em um leilão, maior, na média, o segundo maior valor
do leilão. Desta forma, um número maior de jogadores gera uma receita maior para o leilão. O
caso reverso obedece a lógica inversa: quanto mais jogadores, menor o custo do leiloeiro-
comprador. Desde que o número de jogadores seja finito, o jogador vencedor paga um preço
menor do que o seu próprio valor pelo bem que ganhou, ganhando uma renda econômica
positiva. Mas se houver competição perfeita entre os jogadores, todos os ganhos do jogo irão
parar nas mãos do leiloeiro. Ao aumentar o número de jogadores, o segundo maior valor se
aproxima ao máximo do primeiro maior valor, extraindo o excedente informacional do
vencedor do leilão.
Ainda devemos lembrar que uma das decisões iniciais para a escolha do design do
mercado é a escolha entre os tipos que melhor se encaixam na realidade de cada setor.
54
Questões práticas, como restrições de orçamento, concentração setorial, características de
elasticidade da oferta e da demanda, devem ser levadas em consideração nessa escolha.
Alguns produtos vendidos em conjunto possuem correlação, como no caso de venda de
contratos de eletricidade com duração para períodos diferentes. O poder de mercado é uma
consideração, em especial, muito importante no caso do setor elétrico. Embora os leilões
consigam, em alguns casos, trazer regras de decisão próximas das de concorrência perfeita, a
utilização de tipos errados para as peculiaridades de cada setor pode ser desastrosa.
O design de leilões para o mercado elétrico é bastante complicado e não muito bem
entendido. Não se deve confiar nos designs construídos através de consenso apenas entre
algumas das partes envolvidas. Para ter credibilidade, o mercado deve ser concebido por
especialistas que entendam do setor, e que foquem no objetivo traçado para o mesmo. Para os
setores essenciais, isto quer dizer tentar refletir objetivos competitivos ao invés de buscar
comprometimento com conflitos de interesse. Esses objetivos só poderão ser alcançados por
meio de um organismo com poder de impor regras que possam ser aceitas como de interesse
de todos os grupos sociais. Essa legitimidade para escolher as regras adequadas para a
sociedade é possuída apenas pelo Estado23.
No caso da eletricidade, o objetivo das reformas parecia ser o de obtenção de maior
eficiência, competição e confiança na produção de forma a satisfazer a demanda. Isto inclui
tanto elementos de curto prazo, como o menor custo diário de produção, como elementos de
longo prazo, como as decisões de investimento eficientes.
Estruturas de coordenação e comercialização de baixo desempenho surgiram de
tentativas de simplificar demais o problema de montagem de uma estrutura de mercado para a
eletricidade. Algumas lições sobre que tipos de leilão que melhor se adaptam ao mercado
elétrico poderão ser tiradas da observação dos erros e acertos das diversas estruturas de
mercado que surgiram adotando os leilões como mecanismos de comercialização. Com esse
propósito, parte-se para a análise das experiências internacionais no próximo capítulo.
23 Obviamente, a questão da legitimidade em cada país é de escopo muito maior do que o pretendido pela dissertação. Trata-se de buscar o agente mais capacitado para refletir os interesses de todos os grupos sociais.
55
Capítulo II – A Reestruturação Internacional do Setor Elétrico e os Leilões
O propósito desse capítulo é apresentar algumas experiências internacionais de uso de
leilões no setor elétrico. Antes de tratar dessas experiências, irá se apresentar um aspecto geral
e simplificado das reformas dos setores de infra-estrutura e as características essenciais do
setor elétrico para contextualizar a implementação e análise dos leilões.
Como existe grande variedade nas formas de leilão encontradas, serão escolhidos
apenas alguns exemplos de leilões importantes utilizados. Por serem evidências do
desempenho real de leilões no caso da eletricidade, essas experiências serão úteis para traçar
expectativas em relação ao caso brasileiro e desenvolver aprendizado em relação ao uso dos
leilões nesse setor.
2.1 A Reforma do Setor Elétrico
Historicamente, os setores de infra-estrutura foram organizados com forte presença do
Estado, que participou da construção desses setores com empresas estatais ou através de
regulação forte das empresas privadas. Em geral, as empresas desses setores eram
verticalizadas e monopolistas regionais.
A partir das transformações ideológicas, econômicas e sociais que ocorreram com o
início da década de 80, o papel do Estado como instituição fundamental para o crescimento
foi modificado, especialmente no que tange ao fornecimento dos serviços públicos (Evans,
1997).
Além disso, na maioria dos países em desenvolvimento, os setores de infra-estrutura
sofreram severa crise financeira, especialmente porque esses países passaram por inúmeras
dificuldades após os choques do petróleo. Nesse contexto, as empresas públicas foram
acusadas de fornecerem serviços de péssima qualidade e de aplicarem tarifas inadequadas.
Nesses países, as empresas de serviço público não possuíam mais recursos internos e externos
para promover a expansão dos investimentos necessária para o atendimento da demanda.
56
Nesse momento, a onda ideológica liberal sustentou politicamente a proposta de
reorganização dessas indústrias com a introdução de estruturas de governança de mercado e a
retirada do Estado das atividades produtivas (Pinto Jr., 1998). Dessa forma, projetos de
liberalização da entrada para investimentos privados e de reforma geral dos fundamentos
dessas indústrias surgiram por todos os lugares, propondo a modificação da estrutura desses
setores.
O processo de reforma significou essencialmente a substituição da regulação rigorosa
das estruturas verticalmente integradas pela regulação leve de firmas separadas e
especializadas atuando em ambientes de mercado (Wilson, 2002).
Segundo a corrente econômica e ideológica do liberalismo, a reestruturação deveria
ser aplicada em busca do alcance de melhor eficiência produtiva, de um sistema de
precificação próximo ao de mercado e dos incentivos de investimento eficiente presentes nas
estruturas de mercados competitivos. Entre outras razões, apregoava-se que o Estado deveria
ser retirado das atividades produtivas, pois não conseguiria atender esses princípios de
eficiência. Dessa maneira, os países que adotaram as reformas consideravam a liberalização e
a privatização como necessárias para superar a inércia organizacional, viabilizando novos
investimentos de infra-estrutura.
Para alcançar as características das estruturas de mercado, haveria a desverticalização
das indústrias e o fim do monopólio. Além de estabelecer a privatização das empresas
estatais, portanto, as reformas também deveriam incluir a definição de novas formas de
comercialização para esses bens, porque anteriormente as empresas eram verticalizadas e
monopolistas, logo, o comércio era intra-firmas ou entre consumidores e firmas apenas. Com
o advento da entrada de novos agentes nos setores, seria necessário definir as formas de
interação entre as firmas que iriam surgir.
As formas de comércio escolhidas deveriam reproduzir o sistema de governança de
mercado ao alocar esses recursos essenciais. Por conta disso, em inúmeros casos, os leilões
foram escolhidos como os métodos de comercialização dos bens e de alocação de direitos de
propriedade. Como já afirmado no capítulo anterior, os leilões podem induzir alocações
eficientes e replicar a competição da estrutura de mercado, desde que atendendo determinadas
condições específicas. Portanto, as reformas incorporaram os leilões para introduzir
57
principalmente a competição, substituindo os processos regulatórios comuns que eram
aplicados anteriormente.
2.2 Os Leilões de Energia no Mundo
No que diz respeito ao setor elétrico, a presença de importantes características
constituem limitantes a organização da produção segundo uma estrutura de mercado livre: (i)
a oferta de eletricidade é considerada fundamental para a economia; (ii) a presença de
externalidades, ou seja, as transações afetam terceiros; (iii) existência de três etapas
produtivas, a geração, a transmissão e a distribuição; (iv) apresenta monopólios naturais nas
etapas de transmissão e distribuição; (v) vultosos investimentos, com longos prazos de
maturação; (vi) ativos específicos, com custos irrecuperáveis; (vii) a eletricidade não é
estocável24.
Essas características implicam a necessidade de operação com um determinado nível
de sobrecapacidade planejada e antecipação da demanda de longo prazo. Esta situação
raramente permite que as empresas em expansão possam contar apenas com o
autofinanciamento com fonte de recursos para os investimentos. Essas características devem
ser lembradas nas análises que serão feitas posteriormente.
No setor elétrico, a presença de leilões é verificada desde o início das reformas. Em
especial, os leilões foram aplicados diferentemente ao longo do tempo. Pode-se identificar
que o uso desse mecanismo foi modificado juntamente com a observação do funcionamento
inicial das estruturas pioneiras e com a modificação dos objetivos dos governos e agências
reguladoras.
Como já se verificou, a escolha da formatação do leilão deverá ser adequada aos
objetivos a se alcançar e aos problemas encontrados (Arriaga, 2005). Ao longo do tempo, os
objetivos para o uso dos leilões foram bastante diversificados, ocasionando, portanto, a
modificação dos tipos utilizados.
24 Existem técnicas para estocagem que ainda são economicamente inviáveis, dado o altíssimo custo.
58
Basicamente, pode-se separar o uso dos leilões na eletricidade em duas etapas: o uso
na primeira onda de reformas do setor, que perdurou até os problemas na Inglaterra,
Califórnia, entre outras localidades; e o uso na segunda onda de reformas e “reformas das
reformas”, que aconteceram após esses problemas verificados em diversos países.
Na primeira onda de reformas dos setores elétricos, iniciada pela Inglaterra, a
eletricidade foi classificada e encarada como uma commodity (Arriaga, 2005). Segundo a
teoria econômica, a estrutura de mercado seria suficiente para dar os sinais adequados aos
investidores no caso de comercialização de commodities.
Logo, se tudo fosse perfeito, a resposta racional dos geradores ao observarem os
preços dos mercados puros e livres a serem criados seria uma resposta de investimento
correta, instalando capacidade de forma eficiente. Contudo, algumas dificuldades práticas,
derivadas das características do setor elétrico, acabaram impedindo que essas respostas
eficientes pudessem se concretizar tão facilmente como nos mercados de commodities
financeiras.
Partindo do princípio que a eletricidade era uma commodity e do desejo de retirar o
Estado das atividades produtivas, o uso de leilões no setor de eletricidade se concentrou
inicialmente na privatização de ativos, na alocação de direitos de transmissão e na criação da
comercialização de curto prazo em mercados atacadistas25.
O detalhamento dos leilões de privatização e de alocação da transmissão não será
utilizado nesse trabalho, embora sejam de importância teórica e empírica para outras
pesquisas. Pode-se obter informação sobre esses leilões analisando os trabalhos de Masili
(2004 e 2003) e Newbery e McDaniel (2002), entre outros.
Nessa primeira fase, os mercados atacadistas são mais interessantes para o objetivo
desse trabalho. Em especial, os mercados atacadistas de curto prazo nada mais seriam que
estruturas especiais de leilões para comercializar energia (em geral, leilões multi-unidade de
25 Muito embora se estabelecesse também ambientes de comercialização de longo prazo em diversos países, esses eram inicialmente de negociação livre e bilateral entre os agentes. Os métodos para a negociação bilateral nesses ambientes eram definidos pelos próprios agentes participantes, podendo ou não envolver leilões. Os leilões só passam a caracterizar os ambientes de negócio de longo prazo na próxima etapa.
59
preço uniforme), conjugadas ou não com alguns outros métodos e ambientes de
comercialização26.
A segunda onda de reformas se beneficiou das experiências anteriores com os leilões
de curto prazo. Entre os problemas verificados, estavam a manipulação de preços e a
concentração de mercado que causava poder para manipular preços. Várias formas de
contornar esses problemas foram implementadas, inclusive com a modificação da formatação
dos leilões de curto prazo (leilões de preço discriminatório ao invés de leilões uniformes) e a
introdução de outros tipos de leilão que pudessem ser utilizados para aumentar artificialmente
a competição (leilões de venda de capacidade das incumbentes)27.
Pode-se também perceber que o uso de leilões, após os primeiros fracassos, buscou
atingir novos objetivos. Foi verificado que a energia contratada bilateralmente ou em curto
prazo não estava sendo adequada para garantir o suprimento de longo prazo e prevenir as
crises energéticas. Segundo alguns autores, como Wilson (2003) e Borestein (2002), para os
investidores do mercado elétrico, que são avessos ao risco, as rendas voláteis do curto prazo
também não pareceriam justificar investimentos nos níveis eficientes. Dessa forma, a
segurança do abastecimento estaria ameaçada. Dentro do conjunto de propostas para atender
essa adequação do atendimento, outros tipos de leilão foram utilizados para a comercialização
de energia no longo prazo (leilões de compra de energia para as distribuidoras).
Uma vez contextualizada a utilização desses leilões na reforma do setor elétrico, parte-
se para a análise de alguns exemplos. Primeiramente, apresentam-se alguns dos leilões
inseridos na primeira fase de reformas, com algumas características marcantes de suas
estruturas. Depois, analisam-se alguns tipos de novos usos de leilões dentro do setor, na
tentativa de superar os problemas verificados anteriormente.
26 Geralmente, os mercados atacadistas são compostos de vários mercados conjugados, entre os quais se encontram alguns organizados como leilões. Uma boa referência nesse tema é o trabalho de Masili, 2004. 27 A adequação da estrutura de concentração industrial também foi realizada por pressões de venda de ativos de geração das empresas, como ocorreu na Inglaterra. Em relação a esse tema, uma referência é Losekan, 2005.
60
2.2.1 Confiando nas Forças de Mercado
O esquema de leilões de curto prazo pra a comercialização de energia foi instaurado
pioneiramente na Inglaterra pela Offer28, na reforma do setor elétrico de 1990. As mudanças
introduzidas nesse país serviram de inspiração para a reestruturação em diversos outros
lugares. Basicamente, esses leilões buscavam imitar a estrutura de venda de commodities
financeiras e agrícolas. Dessa maneira, pode-se afirmar que essas primeiras formulações
significaram a total confiança nas estruturas de mercado para conduzir as negociações no
setor elétrico.
A maioria dos mercados atacadistas de eletricidade são leilões multi-unidade para o
comércio de energia elétrica no curto prazo, em sua maioria selados, pois os participantes não
trocam informações entre si, e de preço uniforme29. Nesse leilão, os lances estabelecem
preços e quantidades. Dessa maneira, há sempre o objetivo de formar curvas de oferta, através
dos lances dados pelos geradores de energia, para serem confrontadas com as curvas de
demanda, que podem ser dadas ou que podem também ser formadas por lances de demanda,
se estes forem permitidos. Esses leilões são conhecidos também como “mercados spot de
energia”, porque comercializam em tempo real ou próximo do tempo real, tentando
representar preços em cada ponto do tempo.
Embora esses leilões de curto prazo adotados em diversos países sejam profundamente
parecidos na essência, cada mercado adotou alguma variação no formato originalmente
adotado na Inglaterra. Em alguns casos, os leilões são duplos, ou seja, permite-se a colocação
de lances tanto de oferta como de demanda de energia. Dessa maneira, são formadas curvas
de oferta e curvas de demanda. Contudo, em muitos países prevaleceram apenas leilões
reversos. A curva de demanda, nesse caso, é conhecida pelo sistema sem influências externas.
Esses leilões são geralmente efetuados em mercados conhecidos como “mercados do
dia seguinte” (day-ahead markets): os lances seriam válidos para a comercialização a ser
efetuada em um determinado período de tempo no dia posterior ao do leilão. O período de
28 Offer é a sigla para “Office of Electricity Regulation”, órgão regulador específico do setor elétrico até 2001. O Offer foi substituído pela Ofgem com a publicação do Utilities Act de 2000. O Ofgem resultou da fusão entre o regulador de Gás Natural, Ofgas e do Offer (Roxo, 2005). 29 O novo mercado de curto prazo do Brasil (organizado pela CCEE) opera em um sistema diferente, de formação de preços através de um sistema de otimização de todas as usinas, e o preço é determinado sem ser por esquemas de lances dados por jogadores.
61
tempo de validade do lance varia muito, podendo ser para o dia inteiro, para cada hora do dia
seguinte, para cada meia hora, ou outros períodos mais curtos de tempo.
Para melhor entender esse tipo de leilão, e o porquê das modificações feitas, serão
apresentados dois casos importantes de aplicação de leilões de curto prazo que geraram muita
polêmica: o caso do Pool da Inglaterra e o caso da CALPX da Califórnia. As variações de
leilões encontradas em outros lugares poderão ser compreendidas através desses dois
exemplos.
a) Reino Unido e o Pool Como já especificado anteriormente, o esquema de leilões de curto prazo para a
comercialização de energia foi instaurado pioneiramente na Inglaterra. Entre todas as
modificações adotadas, foi instaurado o mercado atacadista de energia elétrica. Esse mercado
atacadista ficou conhecido como Pool. O Pool era um mercado que incluía todos os agentes
geradores e comercializadores licenciados na Inglaterra para a venda de energia elétrica.
Nem toda a energia era comercializada via leilões, porque existia um ambiente de
comercialização bilateral, além do ambiente de leilão. Mais de 90% da eletricidade era
contratada por meio da negociação bilateral. Contudo, o despacho era realizado
exclusivamente pelo Pool. Logo, o Pool era o organismo responsável pela organização do
leilão de curto prazo e pelo despacho centralizado de toda a energia, mesmo a que não era
comercializada no leilão.
O leilão de curto prazo operado pelo Pool era um leilão diário fechado, de preço
uniforme e que permitia que o operador do sistema casasse a demanda com a oferta ao preço
de equilíbrio que conciliava as duas quantidades (market clearing price). Além disso, o leilão
era apenas reverso. A curva de demanda era fixada pelo sistema.
62
Figura 2 – O Leilão do Pool Leilão Reverso
Geradora 1
Geradora 2
Geradora 3
POOL
Fonte: Elaboração própria
Assim, apenas os ofertantes efetuavam lances, que especificavam intervalos de
disponibilidade de geração de energia e o preço para cada intervalo. Os lances eram feitos para
cada meia hora do dia seguinte. Deve-se ressaltar que os lances não constituíam
compromissos firmes de venda da carga exata declarada pelos geradores, pois esses poderiam
ter problemas. A disponibilidade poderia ser afetada por diversos fatores, modificando a carga
efetivamente entregue no dia seguinte. Isso constituiu um problema sério, que será retratado
posteriormente.
Mais especificamente, os lances eram compostos por cinco elementos: um preço de
partida (start-up price), que é a remuneração requerida para simplesmente iniciar a produção;
preço sem carga (no-load price), a remuneração por hora para manter a planta pronta para
gerar; e três preços incrementais estipulados para três intervalos de produção, em libras por
MWh, pela energia a ser gerada. Em períodos de demanda baixa, somente os preços
incrementais eram considerados no lance.
Os lances seriam ordenados e contrapostos à previsão de demanda, adicionada de uma
margem de reserva, pelo operador do sistema. Igualando oferta e demanda, era obtido o Preço
Marginal do Sistema (System Marginal Price, ou SMP). O SMP era o custo unitário calculado
do gerador necessário marginal, ou seja, o mais caro necessário para operar atendendo
completamente a demanda prevista.
O operador do sistema escolhia o conjunto de geradores com o custo (lance) financeiro
mais barato, até atingir o valor do SMP, e dava ordens de operação para essas plantas. Todos
os geradores chamados para operar deveriam receber o mesmo valor (SMP) mais um
63
pagamento pela capacidade disponível30. O SMP mais esse pagamento pela capacidade
constituíam o Preço de Compra do Pool (Pool Purchase Price, ou PPP).
Gráfico 1 – Lances no Pool
O1
O2
D
P
Q
Q ofertada por 1
Q ofertada por 2
SMP
Fonte: Elaboração própria
A figura acima representa um exemplo simplificado do cálculo feito pelo Pool, com 2
geradores e sem incluir o encargo de capacidade, o preço de partida e os preços sem carga.
Cada trecho representa o lance do gerador, composto de um preço incremental e de um
intervalo de quantidade. Os trechos claros, que estão mais abaixo, são os lances do ofertante 1
(O1). Os trechos em negrito, que estão em patamar superior, são os lances do ofertante 2 (O2).
No total, cada gerador oferece três preços incrementais, ou seja, três semi-retas que
representam sua curva de oferta. O preço do sistema é o preço de encontro entre a curva de
oferta necessária para o alcance da demanda e a curva de demanda (D). O primeiro gerador,
com preços mais baixos, é selecionado inteiramente e o segundo é selecionado para atender a
demanda residual.
Primeiramente, dadas as características estruturais desse leilão, pode-se já tirar
algumas conclusões, mesmo antes de entender o que realmente veio a acontecer. Esse leilão é
simultâneo, multi-unidade, de preço uniforme, porém fechado, originalmente com três lances
30 A remuneração pela capacidade objetivava estimular investimentos, aumentando a remuneração dos geradores em momentos de escassez de capacidade e não era determinada pelo leilão. O encargo de capacidade era calculado pela seguinte fórmula: Encargo de Capacidade = LOLP × [VOLL − max(SMP, lance de preço)]. LOLP (Loss of Load Probability) é a probabilidade de que a oferta não seja suficiente para atender a demanda. VOLL (Value of Lost Load) é uma estimativa do custo social gerado pela falta de eletricidade (demanda superior à oferta).
64
por jogador. Contudo, o jogador poderá mudar a disponibilidade do lance até o momento da
entrega, o que o deixa com possibilidades infinitas de lance.
Dessa maneira, como já afirmado no Capítulo 1, a abordagem que parece mais correta
para analisar a questão do preço uniforme parece a de Klemperer (2001), de bens
infinitamente divisíveis, que forma curvas de oferta completas. Segundo esse ponto de vista,
os leilões de preço uniforme podem sustentar equilíbrios colusivos. Os benefícios dessa
estratégia poderiam ser atenuados pelo fato do leilão ser fechado no momento em que é feito,
mas como existe a possibilidade de redeclaração das quantidades disponíveis após a
realização do preço, na realidade a informação é aberta, possibilitando o equilíbrio colusivo.
Se os lances fossem abertos no leilão e o número de licitantes fosse grande, o fluxo de
informações poderia até ser benéfico para que se alcançasse o valor justo da energia, que deve
ter características do modelo de valor privado e do modelo de valor comum. De qualquer
forma, não havia concorrentes suficientes para garantir que se extraíssem os benefícios de
uma abertura de informações no leilão. Muito pelo contrário, a concorrência se mostrou
insatisfatória. Nesses casos, para Cramton (2004), o controle de informações dos licitantes
pode ser uma boa estratégia.
Assim fica mais fácil entender porque o regulador britânico atuou constantemente para
limitar o poder de mercado das empresas estabelecidas (National Power e PowerGen),
envolvendo a contínua correção de rumo, que culminou com o desenvolvimento do New
Energy Trade Agreements (NETA).
A estrutura industrial para a geração de eletricidade que se seguiu à reforma não
induzia a pressões competitivas suficientes para estimular a eficiência. Ao realizar a reforma,
as autoridades assumiam que as decisões relevantes seriam tomadas de forma descentralizada
através do mercado, restando ao regulador um papel complementar. No entanto, não foi isso
que se observou. As intervenções do regulador foram contínuas, principalmente para enfrentar
o problema de poder de mercado.
Por oferecerem uma capacidade em standy by, as geradoras acabavam ganhando o
preço do Pool, mesmo sem ofertar realmente nenhum lance com quantidade positiva,
contribuindo para o aumento do preço (McDaniel e Newbery, 2002). Se todas as geradoras
65
resolvessem zerar as quantidades, o preço tenderia a infinito. De fato, sabiam que possuíam
grande poder de influenciar os preços dessa forma. Os geradores tinham liberdade para
redeclararem a disponibilidade de suas unidades até o momento do despacho, pois não
assumiam um compromisso firme de carga a ser gerada no momento do leilão.
Essa redeclaração podia ser resultado não só de falhas operacionais, mas também de
interesses comerciais. Alguns geradores podiam deliberadamente se declararem indisponíveis
em algumas unidades de produção em momentos de demanda elevada para aumentar sua
remuneração através de encargos de capacidade ou forçar o despacho de unidades com lances
de preço mais elevados.
O primeiro ano de atividade do Pool foi caracterizado por preços baixos. Os contratos
iniciais, adotados para o momento de transição do modelo velho para o novo, subsidiavam o
carvão e desvinculavam o preço do Pool das receitas das geradoras. Esses contratos iniciais
eram considerados os principais motivadores da manutenção de preços baixos.
Nos quatro anos que se seguiram, os preços aumentaram continuamente (Gráfico 2) ,
muito embora não somente por conta do SMP, mas também pelos encargos de capacidade e
serviços complementares31. A diminuição do preço no mercado atacadista, peça chave para
atender as premissas que justificaram a reforma, não se confirmava até então. Ficava claro
que as empresas estavam exercendo seu poder de mercado (Losekann, 2005).
Gráfico 2 – Evolução de Preços Médios Anuais do Pool
Fonte: Losekann, 2005
31 O uplift, presente no gráfico, era uma renda derivada dos ancillary services, alterações de programação das geradoras, que aumetavam o preço, e da capacidade disponível, mas não programada para o despacho.
66
A competição potencial não restringia a conduta das firmas dominantes. O ponto final
da série de intervenções do regulador foi a introdução do NETA, que substitui o Pool como
ambiente para a comercialização de energia.
b) Califórnia e a CALPX
No final de 1996 foi aprovada uma legislação na Califórnia que propunha a
reorganização do setor elétrico e a introdução de competição no varejo. O arranjo criado em
1996-1998 trazia dois ambientes de comercialização, um bilateral e outro de curto prazo, e
duas importantes instituições para facilitar as negociações principalmente no novo mercado de
curto prazo da Califórnia: o mercado atacadista de curto prazo, California Power Exchange
(CALPX); e um operador do sistema, California Independent System Operator (CAISO).
Embora existisse o ambiente de negociação bilateral, nos quatro primeiros anos do
mercado todas as três empresas de serviço público de energia da Califórnia, que agora tinham
as atividades concentradas na distribuição32, deveriam comprar sua energia por meio do
mercado de curto prazo. Por conta disso, o mercado bilateral não chegou a atingir volume de
negócios significante (Borenstein, 2002).
A CALPX era responsável pela comercialização em leilões de curto prazo do dia
seguinte e da hora seguinte (lances eram realizados 2 horas antes de a usina estar
disponível)33. A CAISO era responsável pelo balanço em tempo real, pelo mercado de
transmissão e pelos mercados de serviços complementares (ancillary services)34.
Vamos concentrar a análise nos leilões do dia seguinte, porque este era o mercado
mais relevante da CALPX em termos de volume de negócio e também porque os leilões da
hora seguinte eram apenas repetições desse mecanismo35. No mercado do dia seguinte,
32 A reforma fez com que a capacidade de geração que possuíam fosse vendida quase integralmente. 33 Posteriormente modificados para leilões de blocos de energia. 34 Operava quatro mercados de capacidade de reserva e um de direitos de transmissão no congestionamento. Para saber sobre esses mercados, ver Cameron e Cramton (1999).35 No mercado da hora seguinte (hour-ahead), o propósito era dar a seus participantes a oportunidade de ajustar seu planejamento para o dia seguinte, minimizando seus desequilíbrios em tempo real. Esse leilão tinha pouco volume. Por conta disso, foi trocado, em janeiro de 1999, por um leilão para blocos de energia para períodos de horas seguinte, chamado de day-of market. Esses eram três leilões separados, realizados em horas diferentes, para blocos de energia de períodos diferentes.
67
agentes enviavam lances de oferta ou demanda para cada hora do dia seguinte. Como aceitava
também lances de demanda, este leilão era duplo, diferentemente da Inglaterra, mas também
fechado, multi-unidade e de preço uniforme.
Figura 3 – Leilão da CALPX Leilão Duplo
CALPX
Comprador 1
Comprador 2
Comprador 3
Vendedor 1
Vendedor 2
Vendedor 3
Fonte: Elaboração Própria
O estabelecimento de lances nesse mercado era de preços e quantidades para cada hora
do dia seguinte, não incluindo outros parâmetros (Cramton, 2003). Os licitantes submetiam
lances com até 15 pares de preços e quantidades, pontuais e não em intervalos. Esses pontos
iriam formar as curvas de demanda e de oferta totais do mercado.
Portanto, segundo Salant (2003), os lances representavam pontos de funções de
oferta/demanda, diferentemente da Inglaterra. A CALPX validava e ordenava os lances para
formar as curvas agregadas de oferta e demanda e, assim, determinar o preço de fechamento
do mercado para cada hora. As curvas produzidas eram confrontadas e os preços de equilíbrio
para cada hora eram estabelecidos.
68
Gráfico 3 – Lances na CALPX
DP
Q
O2
O1
P*
Q fornecida por 1
Q fornecida por 2
Fonte: Elaboração própria.
O leilão da CALPX era um leilão multi-unidade, simultâneo, fechado, duplo e de
preço uniforme. Havia 15 lances possíveis, o que melhora teoricamente a estimativa dos
agentes do componente de valor comum e reduz o risco no lance dos agentes. Nesse caso,
existe uma possibilidade melhor de se aproximar do verdadeiro valor marginal do que quando
existem apenas 3 lances.
A falha fundamental do caso da Califórnia, segundo Cramton (2003), foi impedir que
as empresas já instaladas no mercado pudessem comercializar a energia em contratos mais
longos do que os estabelecidos no mercado do dia seguinte. Este impedimento de estabelecer
contratos de mais longo prazo para a maior parte da energia comercializada fez com que as
geradoras estivessem muito expostas ao risco e tornassem o mercado de curto prazo sujeito à
sérias manipulações de preço.
Recapitulando o resumo teórico de leilões, em ambientes com agentes avessos ao
risco, um leilão que não estipulasse o lance do próprio agente como pagamento não poderá
extrair a renda informacional adequadamente. O leilão de preço uniforme induz um
comportamento próximo ao comportamento do Leilão de Segundo Preço Selado, feitas as
ressalvas do capítulo anterior. Bastava apenas que houvesse uma restrição de oferta, o que
realmente ocorreu, para que se iniciassem os problemas.
69
Um ano mais seco do que o normal, que reduziu a produção hidrelétrica36, combinado
com um verão de temperaturas mais altas do que o normal e com um forte crescimento
econômico da região oeste dos EUA, produziu uma mudança no balanço entre oferta e
demanda, causando um problema de oferta restrita. Além disso, os custos das plantas térmicas
aumentaram neste período. Um número grande de estudos concluiu que os geradores
exerceram forte poder de mercado sobre o preço do mercado atacadista37.
O mercado californiano era altamente concentrado. Teoricamente, o leilão de preço
uniforme não é inferior ao de preço discriminatório, mas é fato que a restrição de oferta
causou preços exorbitantes, por conta desse tipo de precificação, uma vez que as unidades
marginais mais caras especificavam o preço do sistema. O volume de transações realizado no
curto prazo não poderia ser sustentado a patamares de preço tão elevados quanto os
verificados.
Gráfico 4 – Evolução dos Preços no CALPX
0
100
200
300
400
500
600
700
800
1/1/99 4/1/99 7/1/99 10/1/99 1/1/00 4/1/00 7/1/00 10/1/00 1/1/01 4/1/01 7/1/01 10/1/01
$/MWh
P_Cap: $750/MWh
P_Cap: $500/MWh
P_Cap: $250/MWh
S_Cap: $150/MWh
P_Cap: $92.87/MWh
P_Cap: $250/MWh
Fonte: Energy Market Report 2001, CAISO.
O fato do leilão ser duplo pouco contribuiu para a extração de renda das geradoras,
porque a demanda praticamente não poderia responder aos preços na contratação para o dia
seguinte.
36 Cabe lembrar que o sistema californiano é composto tanto de plantas térmicas como hídricas. 37 Por exemplo, Joskow e Kahn (2001), que citam outros estudos também.
70
A crise ocorreu, principalmente, porque não se focou, no momento da reformulação da
estrutura de mercado, no principal problema da indústria da eletricidade: em praticamente
todos os setores elétricos do mundo é difícil estimar a demanda e essa é praticamente
insensível às flutuações de preço; enquanto isso, a oferta está sujeita às restrições de
capacidade nos momentos de pico de demanda e a estocagem de energia tem custo
praticamente proibitivo.
A situação de oferta inelástica foi piorada porque o mercado tinha poucos agentes
competindo na Califórnia. Essa situação aumenta a probabilidade de uso de poder de
mercado, porque existe pouca elasticidade da parte da demanda associada à impossibilidade
da ameaça de aumento de oferta por outras firmas concorrentes (Borenstein, 2002).
Gráfico 5 – Curva de Oferta Térmica
Fonte: Borestein, 2002
O que se pode apreender desse episódio californiano é que os mercados de mais longo
prazo têm um papel importante na redução dos riscos enfrentados pelos participantes do
mercado elétrico e também são importantes para reduzir o incentivo ao uso do poder de
mercado dos grandes oligopólios (Cramton, 2003).
Os mercados que atendem mais próximos ao tempo real são tanto mais voláteis quanto
manipuláveis pelos participantes. Dessa maneira, tanto ofertantes quanto demandantes têm
incentivos para estabelecer preços muito antes da hora da entrega. Logo, a formação de
71
mercados elétricos deve privilegiar a contratação no longo prazo, pelo menos para a maior
parte do volume transacionado.
Uma segunda característica que complica a formação do mercado por leilões de curto
prazo está na estrutura quase vertical da demanda. No caso dos mercados de dia seguinte e de
tempo real, há pouco espaço para que a demanda possa responder de forma adequada aos
preços nos mercados apresentados. Isso se torna um problema especialmente complicado
diante da oferta altamente concentrada na maioria dos casos. O setor está vulnerável ao
exercício do poder de mercado do lado da oferta no curto prazo e a demanda está
praticamente inapta para responder aos preços altos. Quanto mais no curto prazo, mais
vertical se torna a curva de oferta, piorando a possibilidade de resposta da demanda.
A manipulação de preços, segundo autores que consideram o leilão elétrico de preços
uniforme vulnerável, ocorre porque, com a capacidade de oferta limitada no curto prazo,
grandes vendedores podem simplesmente reduzir a quantidade ofertada, mesmo que associada
a um preço não tão alto quanto o desejado, de forma a conseguir preços de equilíbrio de
mercado mais altos.
O preço de equilíbrio será muito alto, pois outros geradores com lances maiores de
preço associados a suas ofertas de energia deverão ser aceitos, dado que a oferta foi reduzida,
até que se atenda a toda a demanda. Como os geradores recebem os preços de equilíbrio e não
os preços que oferecem com o lance, essa estratégia colusiva de corte de oferta por alguns
agentes é factível. Se todos os grandes produtores tomarem a mesma iniciativa, no curto
prazo, o preço será bastante elevado, uma vez que a oferta total deverá ser suficiente para
cobrir a demanda.
Segundo Cramton (2003), mesmo mercados de curto prazo com preços
discriminatórios podem sustentar alguma espécie de tratado colusivo, tácito ou explícito. Com
isso, os contratos de longo prazo representam importante instrumento para diminuir os
incentivos ao uso do poder de mercado.
Quando os geradores têm grande parte de sua capacidade comprometida em contratos
de longo prazo, existirá pouco incentivo para manipular os preços de longo prazo, pois os
preços de longo prazo costumam ter regras fixas de indexação. Para os demandantes, a baixa
72
volatilidade dos preços poderá ser boa, pois traz previsibilidade de gastos e diminui os riscos
de que se tenha uma falta de energia (black-out). Ambas as partes podem fazer ajustes em
relação às posições contratadas nos mercados de longo prazo. Idealmente, os preços spot de
energia, imprevisíveis por diversos fatores, deveriam servir apenas para os desvios de posição
em tempo real ou para indexar parte dos preços de longo prazo, e não a totalidade dos preços
verificados. Dessa maneira, os incentivos para manipular preços iriam diminuir.
Cabe destacar que foi o lado da demanda que não recebeu atenção na maioria dessas
primeiras reformas, mesmo nos casos onde se adotaram leilões com lances de demanda, ou
seja, leilões duplos. Mesmo antes da reestruturação, a maioria dos esforços estava concentrada
na obtenção do despacho da energia de menor custo necessária para abastecer uma demanda
fixa. Nos formatos criados, a oferta foi capaz de exercer ainda grande poder de mercado, ou
seja, de se apropriar de suas rendas informacionais. Os reguladores não conseguiram alcançar
o verdadeiro custo marginal das firmas. Também não puderam estabelecer a competição
necessária sem intervir nas estruturas de capital das firmas ou tentar impor limites de preço.
Diversas alternativas para evitar a exposição à volatilidade foram então adotadas,
ocasionando um período diferente de reformas e adequação das reformas anteriores. Muitas
das soluções apresentadas envolvem novos tipos de leilões. Partiremos, portanto, para alguns
exemplos desses novos tipos de leilões de eletricidade.
2.2.2 Contratando no Longo Prazo e Atraindo a Competição
A primeira grande modificação no uso de leilões foi introduzida pela Inglaterra em
2001. O regulador britânico passou a adotar o leilão de preço discriminatório, pois acreditava
que esse leilão poderia ser superior ao de preço uniforme em seu mercado. A mudança foi
motivada pela verificação da Ofgem, o novo regulador após 2000, de que os preços do
mercado spot estavam sendo manipulados. No meio acadêmico existe muita controvérsia em
relação à veracidade dessa constatação38.
O NETA surgiu em 27 de Março de 2001. O objetivo do programa NETA é prover
mecanismos para liquidação e determinação, em tempo real, dos desequilíbrios entre posições
38 A discussão está resumida no Capítulo 1.
73
física e contratual de compradores, vendedores, produtores e consumidores de energia
elétrica. O Pool que operava o mercado atacadista foi trocado pelo Mecanismo de
Balanceamento (Balancing Mechanism).
Não entraremos em muitos detalhes desse novo sistema da Inglaterra justamente
porque se trata apenas de um mecanismo de liquidação de diferenças para estabelecer o
balanço real do sistema e não mais um mercado de comercialização propriamente dito.
Resumidamente, os participantes devem submeter lances de preço, para compra e para venda,
especificando os preços para cobrir as diferenças de posições em relação a posição declarada.
O processo que determina quais das propostas podem ser aceitas para que o sistema
esteja em equilíbrio é complexo. Esse esquema de leilão gera dois preços diferentes39. Os
preços são determinados por um leilão discriminatório no qual as ofertas que aumentam a
disponibilidade do sistema e os lances para diminuir essa disponibilidade são aceitos pelos
valores e quantidades propostos, ou seja, se paga e se recebe o valor do lance, desde que se
vença. Isso acaba gerando sempre diferença entre os fluxos pagos e recebidos. O custo das
diferenças é distribuído por todos os participantes.
Além dessa mudança no mercado da Inglaterra, a crise energética da Califórnia
precipitou a reformulação do uso dos leilões no mercado elétrico. A confiança nos
mecanismos simples de mercado de commodities ficou abalada. Embora os leilões de curto
prazo apresentassem os sinais econômicos corretos em relação às necessidades de
investimento, as características do setor impediam que apenas esses mecanismos fossem
suficientes para que a coordenação e o funcionamento da indústria fossem perfeitos. Dessa
maneira, novos leilões foram introduzidos para atender às novas necessidades.
39 Dois preços uniformes serão calculados: O preço de compra do sistema, que é determinado pela ponderação média das propostas de oferta para contribuição no sistema (fluxos positivos) e o preço de venda do sistema, determinado pelas necessidades que irão atrapalhar o sistema, excesso de demanda e insuficiência de oferta (que precisam do fluxo positivo para se equilibrarem). Quem tem posição negativa, ou seja, o gerador que ofertou menos do que devia ou o consumidor que consumiu mais do que deveria, deve pagar o preço de compra do sistema. Quem teve energia sobrando no sistema, ou seja, contribuiu com um fluxo positivo, recebe o preço de venda do sistema. Infelizmente os preços de compra e venda são diferentes na maioria da venda, com mais freqüência do preço de compra ser maior que o de venda. Essa diferença de renda é distribuída, ou cobrada, proporcionalmente aos fluxos dos agentes no sistema. Para entender melhor, ver Newbery e McDaniel, 2002.
74
Atualmente, a maioria dos países tende a estabelecer obrigação de negociação mais
ampla em contratos de longo prazo. Contudo, a negociação bilateral ainda prevalece nesses
ambientes de contratos de longo prazo, preocupando muitos reguladores. A razão da
preocupação está no fato de que a negociação bilateral em si não garante o nível de
investimentos necessários, a competição que diminui preços, muito menos níveis de preços
suportáveis pelos consumidores.
É praticamente impossível enumerar todas as propostas de solução para esses dilemas.
A resposta dos reguladores aos desafios encontrados é bem variada. Atualmente, inúmeras
propostas foram formuladas para modificação dos leilões atuais e criação de novos formatos,
se concentrando na questão da adequação de investimentos e promoção da competição.
Escolheu-se a análise detalhada de dois problemas que serão bastante interessantes: a
questão da contratação para distribuidoras no longo prazo e a questão da criação da
competição no mercado de eletricidade. Para avaliar uma opção de uso de leilão para a
contratação de longo prazo das distribuidoras, analisamos o leilão de Nova Jersey. Em relação
ao uso de leilões para tentar criar competição e diminuir o poder de mercado das firmas,
estuda-se o Leilão do Texas e o Leilão da EDF.
a) Nova Jersey e o Serviço Básico de Geração Nova Jersey participa do Pool PJM40, que opera mercados do dia seguinte e de tempo
real, além de estabelecer ambientes de contratação bilateral e de mercados de futuros. O
funcionamento desse mercado é bem parecido com os dos outros mercados atacadistas de
curto prazo já mencionados.
Desde agosto de 1999, os consumidores de Nova Jersey têm a opção de escolher entre
os fornecedores de energia elétrica diretamente, sem o intermédio de uma terceira parte. Os
consumidores que preferirem não escolher seus próprios fornecedores são servidos pelas
distribuidoras locais através do Serviço de Geração Básica. Geralmente, apenas
consumidores industriais e comerciais de grande porte preferem a negociação livre.
40 Mercado interconectado da Pennsylvania, New Jersey e Maryland, criado em 1998.
75
Em Nova Jersey existem apenas quatro empresas de serviço público de distribuição.
Para que os consumidores pequenos que preferem permanecer com as distribuidoras não
sofressem com os riscos dos mercados spot, a Public Utility Comission (PUC)41, em 2001,
resolveu definir um mecanismo de compra de energia competitivo para essas distribuidoras. O
mecanismo foi um leilão de compra, organizado pela própria PUC e as distribuidoras.
O primeiro desses leilões foi realizado em Fevereiro de 2002, com contratos de um
ano de duração42. Os grandes consumidores que recorrem ao serviço das distribuidoras
também participam do mecanismo, mas separadamente. Para tanto, existe uma divisão nesse
grupo de leilões entre grandes e pequenos consumidores. Os contratos desses dois grupos
diferenciados concorrem no mesmo leilão.
Toda a demanda de todas as distribuidoras deverá ser atendida simultaneamente nesses
leilões. Para tanto, essas anunciam a carga estimada, tanto para as horas de ponta e para as
fora de ponta. O formato escolhido para o leilão é o de clock autcion reverso, ou seja,
lembrando o capítulo anterior, é simultâneo, com múltiplas rodadas, onde o leiloeiro anuncia
os preços para cada produto e os jogadores respondem com quantidades. Contudo, ao invés
das informações serem abertas, o que é comum nos clock auctions, elas são fechadas. Como é
reverso, o leiloeiro abaixará os preços a cada nova rodada.
Vamos detalhar melhor o leilão em questão. Como será visto, esse leilão será muito
útil para a análise do caso brasileiro, pois parece ter servido de inspiração para o leilão de
longo prazo adotado no Brasil, dada a grande similaridade dos mecanismos.
O leilão irá oferecer produtos que são tranches de 100MW identificados com o nome
das distribuidoras a que se referem. Cada distribuidora deve comprar energia separamente,
portanto, cada tranche de 100 MW estará devidamente relacionada a apenas uma das
distribuidoras. Dessa maneira, a oferta de energia em bloco para uma determinada
distribuidora é um produto, enquanto a de outra distribuidora é um produto diferente43.
41 PUC é a sigla para Public Utility Comission, órgão regulador dos serviços públicos, existente em cada Estado nos EUA. 42 Já ocorreram também contratações para dois, três e cinco anos. 43 Esse esquema é diferente do brasileiro, que não identifica qual distribuidora está comprando a energia ofertada pelas geradoras nos produtos. No Brasil, como será visto mais adiante, a oferta é dividida proporcionalmente entre todas as distribuidoras.
76
Quando os geradores forem fazer seus lances estarão escolhendo para qual distribuidora
querem vender.
O coordenador do leilão anuncia um preço máximo e mínimo pretendido para o início
do leilão já no edital do leilão. Nesse anúncio também são explicitadas as regras do leilão.
Dadas essas informações, duas semanas antes do leilão ocorrer, os geradores fazem garantias
financeiras e anunciam ofertas indicativas ao preço máximo e mínimo anunciados no edital,
ou seja, se aquele preço valesse como preço inicial do leilão, quanto pretenderiam apostar.
Além disso, dentro dessa quantidade pretendida que as geradoras divulgam antes do leilão,
será especificada a quantidade de tranches que se pretende alocar em cada distribuidora.
Após obter a resposta de intenções dos licitantes, o leiloeiro compara a quantidade que
seria ofertada com a que precisa comprar. Se verificar que existe pouca oferta ou pouca
concorrência, o volume a entrar efetivamente no leilão será ajustado para impedir poder de
mercado. Três dias antes do dia do leilão são anunciados os verdadeiros preços iniciais para
cada tranche de cada distribuidora.
No dia do leilão, antes do início do mesmo, as regras são novamente anunciadas para
os vendedores de energia. O leiloeiro inicia com os preços escolhidos para cada tranche de
cada distribuidora. Os lances dos jogadores são quantidades de tranches de determinado tipo
que pretendem oferecer ao preço anunciado. Ao observar esta quantidade oferecida por cada
jogador, o leiloeiro avalia se precisa diminuir ou não o número de tranches a comprar (corte
na demanda) de acordo com o total de ofertas das geradoras para cada distribuidora. Além
disso, anuncia o preço para a próxima rodada, que será menor que o preço da rodada anterior.
Os lances serão feitos à cada rodada e os preços serão diminuídos a cada rodada,
enquanto a oferta de energia para cada distribuidora for maior do que a demanda total de
tranches de cada distribuidora. Durante o leilão os jogadores só sabem seus lances e o preço
anunciado. Os licitantes não podem se comunicar ao longo do leilão. Por isso, o leilão não é
aberto, porque não existe troca de informações entre os jogadores. Embora percebam que o
bem ainda não atingiu o valor certo, não possuem indícios de que estão fazendo estimativas
certas dos outros jogadores.
77
A decisão de redução de um licitante é permanente, ou seja, uma vez que reduza a
quantidade de tranches em um produto, não poderá mais voltar atrás. O jogador, contudo,
pode reduzir a quantidade desejada em um produto para aumentar a quantidade desejada em
outro produto. Essa troca de produtos, que não afeta a sua energia total oferecida no leilão,
não é sempre permitida. A troca só é aceita pelo leiloeiro se a oferta global para o produto que
ele está diminuindo (reduzindo o lance) ainda permanecer maior do que a demanda de energia
daquele produto. Dessa forma, a troca não pode deixar uma distribuidora sem energia
garantida para atender suas necessidades em prol de excesso de energia para outra
distribuidora.
Os geradores também podem definir um preço de saída (exit price) para cada produto.
Ele especifica em qual preço o jogador deixará de fazer lances em um determinado produto no
leilão, mantendo as quantidades desejadas fixas. Esse preço deve estar abaixo do preço da
rodada anterior a que o jogador se manifesta e acima do preço da rodada corrente.
O leilão de um produto estará terminado quando se verifica que na rodada corrente a
demanda necessária para o atendimento daquela distribuidora for igual à oferta na rodada. Os
outros produtos continuarão a ter seus preços diminuídos em novas rodadas até que esse fato
também se verifique. Nesse momento em que termina o leilão, ou seja, não haverá mais
diminuição de preços, todos os jogadores que estiverem com lances correntes positivos nos
produtos serão declarados vencedores aos preços correntes. O preço corrente para o produto é
pago por todos que o conquistaram, significando que a precificação de cada produto é
uniforme.
78
Figura 4 – Leilão de New Jersey
Preço Inicial Máx e Mín Indicativo
Ofertas Indicativas
Preço Inicial
Lances da 1ª Rodada
Acerto no Volume de Demanda (se
necessário) Anúncio dos
Preços 2ª Rodada Lances da 2ª Rodada
Anúncio de preços de saída dos geradores a
qq hora
Demanda atingida e sem trocas = FIM
Anúncio dos Vencedores e dos Preços Finais
Fonte: Elaboração própria.
A quantidade de tranches oferecida por cada geradora deve ser entregue em qualquer
hipótese, mesmo que tenha de ser adquirida em mercados spot. Contudo, os pagamentos
efetivamente realizados para as geradoras estarão ligados à carga realmente entregue, medida
pelo coordenador do sistema PJM.
Em leilões do tipo clock autcion normais, se espera que as informações trocadas sejam
as maiores vantagens. Isso porque esses leilões geralmente são usados para venda de bens
com complementaridades. Contudo, como foi verificado, os leilões de Nova Jersey não
permitem o fluxo de informações. Em um ambiente de competição limitada, essa estratégia é
correta, segundo Cramton (2004), porque impede a manipulação de lances e a sinalização.
Alguns críticos discordam dessa conclusão e afirmam que o fluxo de informações é necessário
para que as decisões de alocação sejam mais corretas.
Interessantemente, a estratégia de divulgação das intenções de preço inicial é uma
forma de colher informações do mercado, ou seja, é um compromisso com os agentes, que
podem ou não revelar a verdade. A possibilidade de mentir poderá ser punida com um corte
de demanda que ajuste os preços.
A grande dificuldade do regulador foi garantir que as trocas de produtos não
ocasionassem preços muito diferentes para produtos parecidos ou esvaziassem algum produto,
no sentido de a oferta ser deslocada tornando-se menor do que a demanda. Por conta disso, as
regras de troca vêm sendo aprimoradas.
79
Até agora não se verificaram problemas no sistema. Os leilões realizados têm obtido
sucesso entre os teoristas de leilões e entre as autoridades reguladoras. Como a carga
comprometida deve ser entregue em qualquer hipótese, mesmo que tenha de ser adquirida em
mercados spot, os consumidores estariam protegidos de qualquer falha das geradoras por meio
de obrigações contratuais delas. As garantias financeiras dadas pelos licitantes ficam
comprometidas até a entrega da energia e são usadas para compra no mercado spot nos casos
em que não ocorre a entrega da energia de alguma geradora.
b) Texas e os Leilões de Capacidade
Em 2001, a PUC do Texas instituiu a realização de leilões de venda de capacidade das
grandes companhias de geração do Texas, começando em 23 de agosto de 2001. O plano da
PUC especificava que toda produtora de energia que possuísse capacidade de geração
superior a 400 MW da região deveria vender 15% de sua capacidade total.
Dessa maneira, as grandes geradoras AEP, Reliant e TXU deveriam participar desse
mecanismo. A medida visaria, sobretudo, a constituição de maior concorrência no mercado,
através da introdução de novos agentes que pudessem oferecer energia. Como a construção de
novas usinas é demorada e tem alto custo de capital, o que constitui barreira à entrada, a idéia
era possibilitar primeiro a venda de energia já existente por outros agentes, para que, depois
de estabelecidos no mercado, esses pudessem construir também novas plantas.
São realizados quatro leilões por ano, um em cada trimestre. O mecanismo de leilão
foi bem especificado pela PUC: seria um clock auction de venda, ou seja, com preços
ascendentes. Os leilões de venda de capacidade de cada geradora são simultâneos.
Os produtos são direitos de utilização de 25 MW de capacidade para gerar energia,
definindo a zona (Norte, Sul, Oeste e Houston), o tipo de energia (de ponta, de base), o
vendedor (AEP, TXU ou Reliant) e a duração do contrato (2 anos, 1 ano, 1 mês).
80
Os compradores potenciais da capacidade devem ser pré-qualificados em relação à
capacidade de crédito, fornecendo garantias financeiras. Cada geradora vai dar um limite de
crédito para cada licitante, fornecendo uma lista com os jogadores aprovados e seus limites de
crédito para o leiloeiro. O coordenador do leilão, que representa o regulador e as geradoras,
determina os preços iniciais e as regras para os incrementos de lances elegíveis antes do leilão
começar.
Todas as rodadas do leilão são compostas de duas fases: uma fase para que se façam
os lances e outra onde se reportam a avaliação dos lances. Na fase de avaliação, o leiloeiro
reporta os resultados e também anuncia os preços para a próxima fase, um preço para cada
produto.
Os lances devem indicar um número de tranches para cada produto que o jogador
deseja adquirir ao preço corrente. No fim da fase de lances de uma rodada, o último lance
aceito no sistema se torna um compromisso de compra. Os lances poderão ser modificados ou
revisados desde que a fase de lances esteja ainda aberta Apenas o último dado enviado antes
da fase fechar será aceito. Os lances não poderão ser modificados ou cancelados na fase de
avaliação.
Os lances feitos devem obedecer a três regras: elegibilidade, limite de crédito e não
causar o esvaziamento de um produto. O critério de elegibilidade é simples: uma decisão de
redução da quantidade demandada global, no caso de ser aceita, será permanente.
O limite de crédito dá o limite máximo que poderá ser comprometido no leilão por
cada jogador, logo, os lances não podem ultrapassar esse limite. Por último, nenhum jogador
poderá diminuir o lance para um produto se não houver excesso de demanda por esse produto.
Além disso, se não existe esse excesso, o preço do produto não será alterado na próxima
rodada. Essa regra impede que um produto, anteriormente com demanda suficiente, fique
vazio.
Uma redução de quantidade deve apresentar quais reduções representam trocas de
demanda por produtos diferentes e quais realmente apenas representam a redução definitiva
na demanda. No início da implementação do leilão não havia regras específicas para as trocas
dos produtos. Como foi percebido que isso poderia prejudicar a venda da capacidade, foram
81
estabelecidas avaliações rígidas das trocas a serem feitas. No caso de haverem muitas trocas
de demanda por outros produtos, deve-se dar uma lista de ordem de prioridade dessas trocas,
para que o leiloeiro possa avaliá-las.
Na fase de avaliação, o leiloeiro informa privadamente a cada jogador: se seus lances
foram legítimos e aceitos; a sua quantidade de tranches em cada produto; o preço dos
produtos; o número de reduções negadas e de trocas também negadas, informando o produto
em que foram mantidas e a que preço. Contudo, não informa para um jogador informações
sobre outros jogadores.
Ainda nessa fase, se existe excesso de demanda para um produto, o preço dele será
aumentando de acordo com o incremento definido pelo leiloeiro. No caso da demanda por um
produto estiver igual ou menor que a oferta de tranches desse produto, o preço é mantido na
próxima rodada. Os outros produtos que ainda possuírem excesso de demanda permanecem
sendo vendidos.
O leilão termina quando não há mais excesso de demanda em nenhum produto e
quando não há nenhuma troca a ser feita. Todos os licitantes que ganham um mesmo produto
pagam o preço do vetor de preços anunciado na última rodada do leilão, comprando a
quantidade a qual se comprometeram. O esquema abaixo identifica simplificadamente como
ocorre o processo do leilão, segundo a descrição anterior.
Figura 5 – Leilão Texas
Preço Inicial
Lances da 1ª Rodada
Validação dos Resultados
Anúncio dos Preços 2ª Rodada
Lances da 2ª Rodada
Oferta atingida e sem trocas =
FIMAnúncio dos Vencedores e dos
Preços Finais
Pré-qualificação de crédito
Os preços são aumentados até
se atingir a Oferta
Fonte: Elaboração Própria.
82
As mesmas características básicas verificadas no clock auction de Nova Jersey podem
ser revisitadas, desde que se lembre que neste caso o leilão é de venda. Não se permite o fluxo
de informações. No caso específico de venda de diversos contratos com complementaridades,
contudo, para ampla concorrência de comercializadores e futuros investidores em geração, o
fato do leilão ser fechado pode ser prejudicial. Isto porque se os jogadores sabem que podem
não atingir um mix de contratos perfeito, com as complementaridades certas, tendem a não
revelar a verdade.
Neste leilão não há a fase de anúncio de informações para coleta como no caso
anterior. Provavelmente isto não seria necessário, pois não se farão cortes de oferta para se
ajustar a demanda. Toda a capacidade deve ser vendida para garantir que haja competição no
mercado. Partindo desse pressuposto, a tomada de informações das intenções iniciais seria
desnecessária.
Aparentemente, segundo a PUC do Texas, o único problema apresentado nos
primeiros leilões seria a questão da grande diferença de preços alcançados para produtos
basicamente idênticos, mas de distribuidoras distintas. Em alguns casos, a diferença chegou a
50%. Esse problema foi enfrentado pela PUC a partir de 2004 com a adoção das regras de
troca.
c) França e os Leilões da EDF
Em 2001, a Electricité de France (EDF) se comprometeu com a Comissão Européia a
realizar uma venda de ativos com capacidade de geração equivalente a 6000 MW por conta da
aquisição da Energie Baden-Württemberg AG da Alemanha. Essa quantidade representaria
10% da oferta total de energia da EDF. Essa medida foi tomada para facilitar a entrada no
mercado da França, dominado pela EDF.
Não seria necessário vender as plantas de geração reais, mas vender as “plantas
virtuais” (Virtual Power Plants - VPP). Na verdade, A EDF deveria vender opções de compra
sobre parte da capacidade de produção de energia de suas plantas. Para promover essa venda,
a Comissão estabeleceu a utilização de leilões. O leilão utilizado é o clock-auction aberto.
83
A EDF deve promover leilões a cada três meses, por cinco anos a partir da decisão de
2001. Podem participar do leilão qualquer empresa de energia e comercializadoras que
tenham interconexão com o mercado francês.
Dois tipos de contrato são vendidos: VPP de carga de base (base-load), podendo
exercer a opção de compra a qualquer momento do ano; e VPP de carga de pico (peak-load),
para ser exercida apenas em momentos de pico. Esses contratos são oferecidos em várias
durações. Além disso, um terceiro produto é também oferecido, um Power Purchase
Agreement (PPA) de energia de plantas de co-geração.
Foi autorizada a definição de um preço mínimo de venda, não necessariamente o preço
inicial, não divulgado no leilão. A justificativa desse Preço de Reserva estaria tanto na
inexperiência da EDF com o mecanismo, como na tentativa de recuperar parte dos custos de
investimento. No início do leilão, o leiloeiro anuncia um vetor de preços para cada um desses
produtos enquanto os licitantes fazem lances de quantidade para cada um dos produtos, em
MW, limitando cada participante a adquirir no máximo 45% do total de oferta global.
O leiloeiro calculava a demanda agregada para cada produto, comparando com a
demanda total para os tipos de produto disponíveis e a oferta total desses produtos. Se a
demanda, ou seja, o total dos lances de quantidade, excede a oferta de energia, os preços são
aumentados, isso sendo feito até que se alcançasse equilíbrio em todos os tipos de contrato.
Os jogadores ainda podem fazer lances conjugados, ou seja, um mix entre contratos de
ponta e fora de ponta das distribuidoras, podendo tirar seus lances do leilão no final se não
conseguirem contratar o conjunto preferido. Essa prática permite que a existência de
correlação entre os contratos seja levada em conta, o que teoricamente melhora a revelação
das informações e a obtenção de receita para o leiloeiro.
O esquema abaixo representa simplificadamente o mecanismo de venda das VPPs.
84
Figura 6 – Leilão da EDF
Preço InicialLances da 1ª
Rodada
Validação dos Resultados
Anúncio dos Preços 2ª Rodada
Lances da 2ª RodadaOferta atingida
e sem trocas
Anúncio dos Vencedores e dos Preços Finais
Define Valor de Referência
Pode existir Preço Reserva.É aberto
Avalia mix (se houver)
Fonte: Elaboração Própria.
O leilão da EDF continua sendo realizado, com avaliações positivas da parte do
regulador e das empresas participantes. Como vários produtos que têm complementaridades
óbvias estão sendo vendidos, o leilão aberto parece ser adequado. A colusão não é
considerada tão perigosa pelas autoridades, principalmente porque observa-se ampla
concorrência no leilão.
Esse leilão gera resultados que devem ser eficientes na alocação. Por não exigir a
construção de capacidade nova, a aversão ao risco é menor, indicando que o leilão fechado de
primeiro preço não é necessário. Além disso, o fato de ser uma opção a ser exercida também
permite menor aversão ao risco, uma vez que pode ser realocada em mercados secundários.
A regra que limita o percentual de oferta total a ser adquirido por cada licitante no
leilão é também uma forma limitar o poder de mercado a ser exercido. Outra vantagem é a
possibilidade de fazer lances conjugados, permitindo que os jogadores possam realizar
estratégias de revelação de informações verdadeiras sem se prejudicarem.
A principal desvantagem desse leilão é que, assim como no caso do Texas, os VPP
não implicam investimento real dos novos participantes do mercado. Com isso, persiste o
problema da adequação dos investimentos. Além disso, uma vez que esses leilões não sejam
mais realizados, o mercado continuará concentrado, porque a maior parte dos ativos de
geração é da EDF.
85
2.3 Conclusões sobre o Uso de Leilões no Setor Elétrico
Nesse capítulo foi verificado o uso dos leilões dentro do setor elétrico em diversos
casos. No entanto, os tipos de leilões utilizados foram bastante variados. As diferenças
encontradas podem ser atribuídas a uma série de fatores, como a estrutura organizacional do
mercado, o grau de atuação dos reguladores, os tipos de geração em cada localidade e os
objetivos a serem atingidos com a implementação dos novos mercados.
Como foi observado, nem todas as experiências foram bem sucedidas e, mesmo nos
casos considerados exemplares, existe controvérsia entre as avaliações dos mecanismos
escolhidos. Como exemplo, pode-se citar as diversas discussões teóricas sobre a adequação de
mecanismos de preço uniforme e de preço discriminatório. Em relação aos novos tipos de
leilões usados para a contratação de longo prazo, também não existe consenso entre as opções
propostas. De toda forma, quais lições podem ser apreendidas dos exemplos apresentados?
A principal conclusão do estudo das experiências internacionais é a de que devemos
entender a natureza dos problemas setoriais e aprender com os problemas nas formatações de
leilões anteriores para especificar mecanismos melhores. Esses mecanismos devem ser
capazes de atender aos objetivos de adequação de investimentos, modicidade tarifária e
segurança do atendimento. Os mercados atacadistas de curto prazo, necessários na presença
de novos agentes investidores no setor, não são suficientes para manter o perfeito
provisionamento da eletricidade.
Além disso, é importante lembrar que as especificidades do mercado elétrico exigem
que o investimento seja planejado e a contratação da energia para as distribuidoras seja feita
no longo prazo. De qualquer maneira, em todos os casos apresentados pode-se perceber que o
papel dos reguladores é preponderante para contribuir com o bom funcionamento do setor
elétrico.
Como exemplo de aprendizado nas novas configurações do setor, podemos citar os
leilões que tentam diminuir a concentração do mercado, com realocação de capacidade de
produção. Da mesma maneira, o pequeno mercado de Nova Jersey apresenta um clock auction
adaptado para compra de energia no longo prazo para suas quatro distribuidoras. Esse
exemplo de compra de energia no longo prazo pretende diminuir a exposição dos agentes à
volatilidade do curto prazo, ao mesmo tempo em que busca a segurança do atendimento.
86
As experiências aqui demonstradas serão importantes para a avaliação da realidade
brasileira. Essas experiências serão úteis, pois fornecem exemplos de tipos de leilões que
foram utilizados no setor e as conseqüências dessa utilização.
87
Capítulo III - O Novo Modelo do Setor Elétrico Brasileiro
Com a intenção de melhor analisar os leilões de energia no setor de energia elétrica
brasileiro, será primeiramente apresentado um resumo da reforma do ano de 2003. Essa
reforma definiu o novo modelo institucional do setor elétrico, no qual os leilões de energia
para contratação no longo prazo estão inseridos.
3.1 A “Reforma da Reforma” e o Novo Modelo
O cenário do setor elétrico mudou radicalmente com o início do governo de Luís
Inácio Lula da Silva. Os efeitos econômicos e políticos negativos gerados pela crise de 200144
fizeram com que o novo governo revisasse completamente a organização institucional e o
aparato regulatório da Indústria Elétrica Brasileira (Almeida e Pinto Jr., 2004).
Assim como os governos de outros países que enfrentaram crises nos mercados de
eletricidade recém-criados, o governo brasileiro tomou a iniciativa de realizar uma “reforma
da reforma”. Essa nova reforma buscava a criação de um desenho setorial capaz de manter os
princípios de competição e eficiência produtiva priorizados nas estruturas de mercado puro ao
mesmo tempo em que pudesse garantir o atendimento adequado da demanda e a coordenação
observada na estrutura verticalizada anterior.
Dessa forma, pode-se afirmar que o novo desenho institucional deveria recuperar parte
da cooperação e do planejamento descartados com a reforma da década de 90. Entre os
objetivos da reforma estaria: i) a criação de um modelo setorial capaz de garantir o nível de
investimentos adequados, ii) permitir a precificação adequada da eletricidade e iii) realizar o
atendimento adequado da demanda, evitando novas crises como a de 2001.
44 Um resumo do desenvolvimento do setor elétrico e da crise de 2001 está no Box abaixo.
88
Box 1 - As Motivações da “Reforma da Reforma” do ano de 2003.
O pilar central das reformas da década de 90 foi a política de privatizações. Além da elaboração
desse processo de privatização de ativos, houve a formulação paralela de um contexto institucional que
viabilizasse a sustentação de um modelo capaz de sustentar o investimento privado. A competição
passou a ser encarada como benéfica, capaz de trazer eficiência produtiva ao setor. Os mecanismos a
serem introduzidos deveriam estruturar a indústria elétrica brasileira com uma organização via mercado.
A coordenação dos investimentos seria feita pelos próprios agentes, extinguindo o papel do
planejamento estatal (Bicalho, 2005).
A comercialização e a precificação deveriam ser feitas através de negociação bilateral entre os
agentes compradores e vendedores. Os preços da energia gerada seriam fixados através na negociação
entre distribuidoras e geradores. Foi criado um ambiente de negociação bilateral livre e um Mercado
Atacadista Elétrico (MAE).
Segundo Almeida e Pinto Jr. (2004), com a crença anterior de que conseguiria privatizar os seus
ativos de geração na década de 90, o Estado havia suspendido o seu programa de investimentos. Da
mesma forma, os capitais privados estavam esperando para tomar decisões de investimento somente
após o processo de privatizações estar completo. Entretanto, o processo foi incompleto e concentrado no
segmento de distribuição. Como conseqüência, os níveis de investimento da Indústria Elétrica Brasileira
(IEB) caíram substancialmente em relação aos níveis históricos.
Dessa forma, assim como em outros países, o ano de 2001 deflagrou a crise de abastecimento
de energia no Brasil. A gravidade da crise de 2001 impôs um retorno a uma forte coordenação das
empresas e das instituições do setor, ausente desde o começo das privatizações. As medidas adotadas
contornaram o momento de crise, mas não foram suficientes. A profundidade da crise de 2001
desencadeou uma necessidade de revisão completa do marco legal instituído no governo FHC. Essa
revisão culminou em 2003, na elaboração de um novo desenho institucional para o setor (Roxo, 2005).
A proposta de nova reforma que foi divulgada em julho de 2003 buscava estabelecer a
construção de um aparato institucional mais centralizado, aumentando a participação do
governo no setor. Essa participação deveria ocorrer através da atuação mais forte da Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e do Ministério de Minas e Energia (MME). Nesse
sentido, o programa de privatizações da década de 90 foi oficialmente paralisado e as
geradoras não privatizadas deveriam permanecer definitivamente com o governo, voltando a
89
investir no setor. Entretanto, a comercialização de eletricidade ainda deveria conter
componentes competitivos de mercado.
A configuração do novo modelo foi praticamente toda definida em dois instrumentos
legais: a lei 10.848 de 15 de março de 2004 e o decreto 5.163 de 30 de julho de 2004. Todos
os documentos criados para a atual estrutura do setor tomam como base a legislação presente
nesses dois instrumentos. Portanto, para entender o novo modelo e o papel dos leilões nessa
nova configuração, analisaremos essa legislação com mais detalhe.
3.1.1 A Lei 10.848
A lei 10.848 estabeleceu regras gerais de comercialização e criou novas instituições no
setor para garantir o bom funcionamento da estrutura.
Segundo essa lei, foram criados dois ambientes para a negociação de energia elétrica:
o Ambiente de Contratação Livre (ACL) e o Ambiente de Contratação Regulada (ACR). Os
agentes vendedores de energia elétrica (Geradores, Importadores, Produtores Independentes e
Comercializadores) podem participar de ambos os ambientes. A diferença está na forma de
comercialização e no tipo de consumidor de energia que participa de cada ambiente.
As relações comerciais entre os agentes no ACL são livremente pactuadas e regidas
por contratos bilaterais de compra e venda de energia elétrica, nos quais estão estabelecidos
prazos e volumes. A escolha dos fornecedores é exclusiva dos agentes consumidores de
energia. Nesse sentido, o ACL constitui um mercado de contratos bilaterais, regido pelas leis
da livre concorrência, praticamente idêntico ao ambiente de livre negociação bilateral
anterior. As barreiras institucionais existentes ressumem-se ao preenchimento dos requisitos -
em termos de potência, tensão e prazos de migração mínimos - necessários para que um
agente possa participar.
Os consumidores que podem participar do ACL são aqueles com carga acima de 3
MW. Esses consumidores são chamados de potencialmente livres. Isso significa que, com
certo aviso prévio, podem realizar suas próprias compras de energia ao término dos contratos
com distribuidoras. Os consumidores que optam por exercerem o seu direito de serem livres
90
passam a comprar energia no ACL, respeitando determinados prazos de migração e seus
contratos ainda existentes.
Já em relação ao ACR, a negociação de energia elétrica ocorre através dos leilões de
energia de longo prazo. Os agentes que compram a energia são as distribuidoras, para o
consumo dos seus clientes, também chamados de consumidores cativos. Através dos leilões,
as distribuidoras passaram a ter obrigação de contratar 100% da demanda para períodos de
tempo determinados pelo MME. Dessa maneira, estão proibidas de realizar qualquer comércio
no ACL.
Nesse ambiente, as distribuidoras compram energia em conjunto para um mesmo
período de tempo, como se houvesse apenas um único grande comprador com demanda igual
ao somatório das necessidades de todas essas distribuidoras. Dessa forma, seria construído um
esquema de Pool, onde todos compram energia ao mesmo tempo. Entretanto, esse Pool é
diferente do extinto Pool da Inglaterra ou da Califórnia, pois aqui a contratação é feita no
longo prazo.
A competição do ACR se dá em torno da disputa entre os vendedores de energia pela
exclusividade do suprimento de todas essas distribuidoras durante um dado período de tempo.
Os vendedores capazes de oferecer melhor condição de preço saem vencedores. Nesse
sentido, a competição só opera na fase da licitação da energia, para permitir a escolha dos
vendedores com custo mais barato. Para formalizar a compra são celebrados contratos
bilaterais específicos com cada vencedor do leilão, denominados de Contratos de
Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR).
Para a realização desses leilões, as distribuidoras passaram a ter a obrigação de
informar as quantidades de energia necessárias para o atendimento de seus mercados ao
MME.
De acordo com a lei, a energia elétrica passou a ser classificada em Energia Existente
ou Energia Nova. A Energia Existente seria aquela proveniente dos empreendimentos de
geração já com concessão ou autorização para operar, ficando conhecida entre os agentes do
setor como “energia velha”. A Energia Nova seria aquela proveniente dos novos
empreendimentos de geração, ou seja, ainda sem concessão, ou de projetos de ampliação de
91
empreendimentos já existentes45. Essa separação em tipos de energia seria útil para
estabelecer tanto o melhor planejamento energético do país como para introduzir mecanismos
capazes de promover incentivo aos investimentos novos.
Não há detalhamentos sobre as regras dos leilões no texto da lei. Algumas regras de
periodicidade da realização dos leilões já estavam previstas, mas foram mais bem
especificadas no decreto 5.163.
O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) e a Câmara de
Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) foram criados também no âmbito dessa lei.
O CMSE tem como finalidade o acompanhamento e avaliação permanentemente da
continuidade e da segurança do suprimento energético em todo o território nacional. Para
atingir esse objetivo, é responsável pelo acompanhamento do desenvolvimento das atividades
de geração, transmissão, distribuição, comercialização, importação e exportação de energia
elétrica, gás natural e petróleo e seus derivados.
A CCEE substituiu o Mercado Atacadista de Energia Elétrica (MAE)46 e sua
finalidade principal seria viabilizar a comercialização de energia elétrica no Sistema
Interligado Nacional (SIN). Entre as responsabilidades da CCEE estaria a de implantação e
divulgação das regras e dos procedimentos de comercialização do ACR, bem como a
realização desses procedimentos. Como substituiu o MAE, tomou para si a tarefa de apuração
das infrações e cálculo de penalidades por variações de contratação de energia e de apuração
do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD).
Por último, essa lei revogou a inclusão de empresas elétricas no Programa Nacional de
Desestatização (PND), excluindo desse programa a Eletrobrás e as suas subsidiárias. Essas
empresas permaneceriam sob controle estatal, o que significava a manutenção de atuação
direta do Estado nas atividades produtivas de eletricidade. Assim, ao invés de procurar
estabelecer uma estrutura de capital totalmente privada para a IEB, ficava implícito que a
estrutura de capital continuaria mista e que o Estado voltaria a realizar investimentos.
45 Mais adiante veremos que essa classificação foi levemente modificada para permitir que alguns empreendimentos considerados existentes pudessem operar também como energia nova. 46 Ver Box 1.
92
3.1.2 O Decreto 5.163
O decreto 5.163 regulamenta a comercialização da eletricidade no ACR, no ACL e no
mercado de curto prazo. Dessa forma, é de muita relevância para o estudo e análise dos
leilões. Esse decreto estipula características básicas dos leilões de energia e dos potencias
participantes em cada leilão.
Segundo esse decreto, os agentes distribuidores deveriam, a partir de 1º de janeiro de
2005, apresentar lastro de 100% para o atendimento de seu mercado. O atendimento seria
feito através das cotas de compra de energia de Itaipu, de geração distribuída, de usinas do
Programa de Incentivo às Fontes Alternativas (PROINFA)47 e com a energia adquirida
exclusivamente nos leilões de compra de longo prazo.
As aquisições de energia por meio de leilões serão realizadas através de três leilões no
ACR: de energia existente, de energia nova e de ajuste. Para permitir que esse mecanismo
realmente funcione, as distribuidoras estão obrigadas a apresentar declaração anual de
previsão de consumo de seus mercados para os próximos cinco anos subseqüentes até o dia 1°
de agosto de cada ano.
Especificamente em 2004, se promoveriam leilões de compra de energia elétrica
proveniente de empreendimentos existentes. Esses leilões ficaram conhecidos como “leilões
de transição”. O prazo para realização dos leilões de transição foi depois extendido para 2005,
pois diversos problemas ocorreram no segundo leilão de transição.
Estipulou-se que haveria “leilões de transição” para cobrir a demanda de energia
descontratada a partir dos anos de 2005, 2006, 2007, 2008 e 2009. Os contratos adquiridos
deveriam ter o prazo mínimo de vigência de oito anos para o início do suprimento a partir de
2005, 2006 e 2007. O prazo mínimo de vigência seria de cinco anos para o início do
47 As cotas de compra energia de Itaipu foram acordadas para pagas os custos de investimento e operação da usina, estabelecidas desde o início de funcionamento da mesma. A geração distribuída é aquela oferecida por pequenos geradores através do sistema. O Programa, coordenado pelo MME, estabelece a contratação de 3.300 MW de energia no Sistema Interligado Nacional (SIN), produzidos por fontes eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), sendo 1.100 MW de cada fonte.
93
suprimento a partir de 2008 e 2009. Como iremos identificar na análise posterior, esses prazos
tiveram de ser modificados para que a demanda descontratada fosse atendida.
Excetuando-se os casos dos leilões de transição e considerando como "A" o ano base
de previsão para o início do suprimento da energia elétrica adquirida no ACR, os leilões de
compra de energia elétrica passariam a ocorrer sempre nos anos (A-1), (A-3) e (A-5). Os
leilões para energia existente serão realizados no ano anterior ao ano base (A – 1). Os leilões
de energia nova serão realizados no terceiro ano anterior ao ano base (A – 3) e no quinto ano
anterior ao ano base (A- 5). Para esses leilões, os contratos para a energia nova teriam prazo
de 15 a 30 anos e os de energia existentes de 5 a 15 anos.
Ainda estão previstos leilões de ajuste, para compra de energia limitada a 5% da carga
total de cada distribuidora. A função desses leilões é permitir cobrir ao máximo a demanda
das distribuidoras, reduzindo ao mínimo a sua necessidade de compra de energia em tempo
real. Para tanto, os contratos decorrentes desses devem prever o início de entrega da energia
elétrica no prazo máximo de quatro meses a contar da realização do leilão. A duração máxima
desses contratos será de 2 anos.
Figura 7 – Periodicidade dos Contratos
ACR
A-5 A-4 A-3 A-2 A-1 A
Contratação de Geração Existente Prazo: 3/15 anos
Ano de Iníciode Suprimento
Contratação deGeração Nova
Prazo: 15/35 anos
Ajuste: Prazoaté 2 anos
Fonte: Elaboração Própria.
Esse decreto instituiu também que, até 31 de dezembro de 2007, a energia proveniente
de usinas que iniciaram operação a partir de 01/01/2000 e que não tinham contratação até
15/03/2004 poderia participar dos leilões de energia nova. Essas usinas podem, com essa
permissão, participar tanto de leilões de energia nova como de leilões de energia velha. Dessa
maneira, esse tipo de energia foi apelidado pelos agentes do mercado de energia “Botox”.
94
Ainda sobre os contratos demandados nos leilões, o decreto estipulou a existência de
duas modalidades de contratação: por quantidade ou por disponibilidade de energia. No caso
dos contratos de quantidade de energia, os riscos hidrológicos são assumidos pelos
vendedores; no caso dos contratos de disponibilidade de energia, os riscos hidrológicos são
assumidos pelos compradores.
O decreto ainda delegou diversos papéis importantes à recém criada Empresa de
Pesquisa Energética (EPE)48: de aprovação de empreendimentos vendedores candidatos à
participar de cada leilão a ser feito, da avaliação da capacidade assegurada dos novos
empreendimentos, de proposição de percentuais mínimos de energia de origem hidrelétrica
que deveriam ser contratados no ACR, entre outros.
Por último, deve-se destacar que dentro desse decreto é reafirmado o papel da ANEEL
de estabelecer mecanismos de regulação e de fiscalização para fazer cumprir a obrigação de
separação das atividades de distribuição das de geração e transmissão, obrigação instituída
desde o período de privatização. Nesse sentido, a contratação automática de geração própria
por parte de cada distribuidora para atendimento dos consumidores cativos será reduzida
gradualmente, sendo substituída naturalmente pela compra de energia via leilões ao fim dos
contratos de transição.
3.2 A Nova Estrutura
Para facilitar o entendimento da reforma, basta apenas explicitar como ocorre o
funcionamento do Novo Mercado Elétrico.
Simplificadamente, pode-se resumir a situação que será alcançada com o novo
esquema de comercialização e contratação desenhado por esses dois aparatos legais
mencionados anteriormente através do esquema abaixo.
48 A EPE foi criada lei 10.847. A EPE teria por finalidade prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética, dentre outras.
95
Gráfico 6 – Contratos do Novo Modelo
Fonte: Adaptação de Barreto, 2004.
Os contratos anteriores à nova estrutura serão gradualmente substituídos pelos
contratos com energia nova e com energia velha, por meio de leilões realizados com certa
antecedência da data de entrega de energia. O ajuste da curva de energia contratada à curva de
demanda efetiva será feito tanto por leilões de ajuste quanto por contratos de ajuste no
mercado de curto prazo, em tempo real.
Dentro do Novo Mercado, três importantes instituições foram criadas, a EPE, a CCEE
e a CMSE. A criação da EPE e do CMSE foi claramente uma resposta aos fatos que
ocasionaram o racionamento de eletricidade em 2001. Através do planejamento e da
monitoração, procura-se controlar de uma forma mais efetiva a evolução do setor. A CCEE
surge no Novo Modelo com o papel de câmara de compensação e liquidação em curto prazo e
de promotora dos leilões de longo prazo.
A ANEEL continuou como agência reguladora e poder concedente, sendo responsável
direta pela CCEE e a coordenação dessa sobre os leilões de energia. O MME tem papel
preponderante no planejamento e coordenação da IEB, avaliando e aprovando as medidas,
regulamentações e documentos produzidos pela EPE e CCEE.
Basicamente, a energia elétrica é vendida através de dois mercados, o ACR e o ACL.
No ACL, a energia é livremente negociada entre os participantes, que são consumidores
livres, e todos os vendedores de energia elétrica. Já no ACR, a energia é negociada
96
especificamente por leilões de longo prazo para atender às distribuidoras, que representam os
consumidores cativos.
Para contabilizar as diferenças e realizar as compras de ajuste em tempo real do
mercado, a energia é negociada na CCEE. Os preços de curto prazo são semanais, calculados
para as semanas que se iniciam aos sábados e terminam na sexta-feira, podendo conter dias de
dois meses adjacentes. Esses preços servem para a liquidação de toda a energia não contratada
entre os agentes.
Figura 8 – Nova Estrutura do Mercado Elétrico
Ambiente de Contratação
Regulada(ACR)
Ambiente de Contratação
Livre(ACL)
Distribuidoras (Consumidores
Cativos)
Geradores, Produtores
Indepententes, Comercializadores
Consumidores Livres
Mercado de Curto Prazo
Preços dos Contratos resultantes de leilões
Preços dos Contratoslivremente negociados
Preços resultantes das Diferenças entre Oferta e
Demanda
CURTO PRAZO
CONTRATOS ACL e ACR
ENERGIA VERIFICADA
Fonte: Elaboração Própria.
Dentro do ACR, que é o ambiente de maior interesse para o objetivo desse trabalho,
podemos destacar a existência de três tipos de leilão: leilões de energia existente, leilões de
energia nova e leilões de ajuste.
97
No futuro, com o modelo consolidado, a intenção é estabelecer um cronograma de
contratação de energia para um ano hipotético (A) com leilões realizados com cinco anos de
antecedência (A-5), três anos de antecedência (A-3) e um ano de antecedência (A-1) da data
de entrega. A carga contratada em cada um desses leilões é escolhida de acordo com as
necessidades das distribuidoras e o planejamento do MME. De qualquer maneira, ao longo de
2004 e 2005 ocorreram leilões para o período de transição de estabelecimento desse novo
cronograma de compra de energia.
Em nenhum dos aparatos legais ficou estipulada regra fixa para esses leilões. Apenas
características gerais foram definidas. Dessa maneira, a CCEE, que estipularia as regras de
comercialização no ACR, teria responsabilidade pelo bom funcionamento do novo modelo.
Nesse sentido, as atuações do MME, que participará mais ativamente da condução do
planejamento, da EPE, que realizará estudos importantes para a coordenação do setor e dos
leilões, e da ANEEL, que continua como poder concedente e reguladora dos agentes do setor,
são também fundamentais, pois afetarão diretamente os resultados dos leilões de longo prazo
do ACR.
3.3 Conclusões sobre o Novo Modelo
A estrutura atual do setor elétrico foi implantada objetivando garantir modicidade
tarifária associada ao investimento eficiente e ao atendimento adequado da demanda. Para
alcançar essas metas, o papel das instituições governamentais e reguladoras é central, tanto
que as funções de coordenação e planejamento abolidas na reforma da década de noventa
foram resgatadas na nova configuração.
Na nova estrutura, o instrumento que viabiliza o suprimento adequado aliado à
modicidade é o leilão. O mercado das distribuidoras, de grande volume e importância, só
poderá ser atendido através dos leilões do ACR. Esse é o mercado dos consumidores cativos,
que não lidam adequadamente com sinais de preço, tendo as tarifas ainda reguladas e o
repasse limitado de custos. Como esses consumidores não possuem poder de barganha nem
participação direta na compra de sua própria energia, a escolha da forma de comercialização é
fundamental para impedir o poder de mercado das geradoras e possibilitar o atendimento de
toda a demanda.
98
Além disso, o Novo Modelo do setor elétrico brasileiro apresenta uma alternativa para
solucionar o grande desafio dos governos de todo o mundo: estabelecer o aumento dos
investimentos do setor no futuro, garantindo a oferta adequada.
Como foi visto, não existem regras fixas estipuladas para os leilões definidas já nas
leis. Essas regras foram estabelecidas a posteriori, através de documentos publicados pela
ANEEL e pela CCEE. De fato, não havia obrigatoriedade nem de que as regras de todos os
leilões a serem realizados fossem as mesmas. Assim, regras diferentes foram estabelecidas
para os leilões que se realizaram. Parte-se, portanto, para o detalhamento das regras dos
leilões brasileiros e a análise das conseqüências e resultados desses leilões.
99
Capítulo IV – Análise dos Leilões de Longo Prazo de Energia Existente
O objetivo do presente capítulo será desenvolver a análise dos leilões de energia
existente aplicados no novo modelo49 e avaliar os seus resultados. Ao todo, serão analisados
quatro leilões. O leilão de energia nova, quinto e último leilão a ser analisado, será
apresentado apenas no próximo capítulo.
Resumidamente, os dois primeiros leilões foram leilões de energia existente para o
período de transição e tinham o objetivo essencial de garantir o suprimento da demanda
descontratada, aos menores preços possíveis, com contratos de oito anos. O primeiro leilão
deveria comprar energia com início de suprimento em 2005, 2006 e 2007, e o segundo, com
início de suprimento em 2008 e 2009. Como será visto, as regras do segundo leilão foram
ligeiramente diferentes das regras do primeiro.
O terceiro e o quarto leilão ocorreram no mesmo dia. O terceiro leilão pode ser
considerado um leilão dentro do esquema de leilão com um ano de antecedência (A-1) para
energia existente, mas o contrato teria duração de apenas 3 anos50. O quarto leilão, por sua
vez, foi um leilão realizado por conta do fracasso do segundo leilão de energia, pois
objetivava a compra de energia para 2009, com contratos de 8 anos. O terceiro e o quarto
leilão adotaram as mesmas regras, diferentes das dos dois primeiros leilões realizados.
Para realizar a análise das regras dos leilões em questão, as principais referências
foram os documentos oficiais denominados de “Detalhamentos das Sistemáticas de Leilão”.
Esses documentos foram formulados pelo MAE e pelo CCEE, seu sucessor, e são,
explicitamente, os conjuntos de regras estabelecidas para cada leilão de energia específico.
Dessa forma, o conjunto de regras de cada leilão será chamado, doravante, de sistemática.
O objetivo dos leilões de energia existente no novo modelo é comprar oferta de
energia elétrica para atender às necessidades de mercado das distribuidoras. Logo, à luz dos
aportes teóricos, os leilões seriam necessariamente reversos. 49 Serão analisados apenas os leilões efetivamente realizados até dezembro de 2005 dentro do novo modelo estrutural do setor. Com isso, encontram-se fora da análise os leilões de ajuste, que não foram realizados, e os leilões de editais de propostas de sistemáticas que não foram aprovadas. 50 Modificação excepcional introduzida pelo Decreto 5499 para atendimento do planejamento energético do MME.
100
Nesses leilões reversos, os compradores são as distribuidoras, representadas pelo
leiloeiro: a CCEE e o sistema eletrônico. Os vendedores de energia, que são os jogadores que
realizam os lances no leilão, são os geradores, importadores e comercializadores autorizados a
produzir e/ou vender energia elétrica.
Segundo a teoria dos leilões, sabe-se que um leilão pode ser usado para compra ou
venda de um ou mais objetos. No caso dos leilões brasileiros de eletricidade, vários objetos
são comprados. Mais especificamente, a cada leilão são comprados vários lotes de 1 MW de
energia associados a um período de suprimento específico. Logo, podemos concluir que, além
de reverso, o leilão é necessariamente multi-unidade.
Leiloando megawatts de energia para suprimento em diferentes períodos de tempo em
um mesmo leilão, o leilão continuaria sendo multi-unidade, mas o bem eletricidade deixaria
de ser homogêneo, pois estaria associado a datas diferentes de suprimento. Para facilitar a
venda dessa energia em lotes com prazos diferentes em um mesmo leilão, o conjunto de MW
de energia associada a um mesmo prazo de suprimento seria chamado de Produto, tendo um
nome associado a esse prazo. Os Produtos seriam identificados no jogo por códigos
numéricos únicos. O formato padrão do código dos leilões ocorridos foi AAAA-BB, onde os
quatro primeiros dígitos (A) representaram o ano de início da entrega de energia e os dois
últimos dígitos (B) representam a duração de anos do contrato, ou seja, o prazo do CCEAR.
Não houve identificação de qual distribuidora específica estava comprando a energia,
como é feito nos leilões de Nova Jersey. No leilão brasileiro a energia é comprada em
conjunto para todas as distribuidoras e depois repartida proporcionalmente entre essas
distribuidoras, de acordo com as declarações de necessidade de energia feitas por elas.
Deve-se lembrar que, para os jogadores, a decisão de lances será baseada no seu
próprio custo de produção e também no custo de oportunidade representado pelos preços de
curto prazo e de negociação bilateral no ACL. Dessa maneira, existe um componente de valor
privado e um forte componente de valor comum na valoração desses vendedores de energia,
representado pelos custos de oportunidade de vender energia de maneiras alternativas.
101
Cabe ainda destacar que foram elaboradas sistemáticas diferentes para os leilões de
energia existente realizados. As mudanças observadas nas sistemáticas devem ser atribuídas
principalmente à tentativa de adaptação das regras de acordo com o aprendizado com os
resultados dos leilões. Deve-se lembrar, contudo, que, do ponto de vista teórico, a
modificação de regras para um jogo que deve ser repetido inúmeras vezes é adequada, uma
vez que jogos repetidos podem gerar acordo colusivo entre os jogadores.
De posse dessas informações, iremos partir para a análise separada de cada uma dessas
sistemáticas mencionadas. Após o detalhamento das sistemáticas, serão apresentados os
resultados de cada leilão.
4.1 Primeiro Leilão de Energia Existente51
O primeiro leilão de energia deveria adquirir três Produtos para as distribuidoras:
energia com início de suprimento em 2005, energia com início de suprimento em 2006 e
energia com início de suprimento em 2007. O objetivo era comprar a energia necessária com
os vendedores de energia capazes de oferecer os preços mais baixos. Para tanto, o leilão teria
duas fases: a primeira de cunho classificatório e a segunda para definir os reais vencedores do
leilão.
Ao ofertar cada lote de energia, os vendedores escolhiam que tipo de energia estavam
ofertando, ou seja, escolhiam uma data de início de suprimento. As ofertas dos vendedores de
energia deveriam ser números positivos e inteiros de lotes de 1MW médio. Por ora, cabe
apenas destacar que a quantidade de energia que deveria ser comprada por Produto, ou seja, a
quantidade de lotes desejada pelo leiloeiro por Produto, não foi divulgada aos jogadores.
Como já mencionado, os Produtos foram identificados no jogo por códigos numéricos,
cujo formato padrão do código era AAAA-BB. Logo, os Produtos foram: 2005-08, 2006-08 e
2007-08.
O edital do leilão, a sistemática e as minutas dos CCEAR foram publicadas no dia
5/11/2004. Os agentes vendedores que se mostrassem interessados em participar do leilão
51 A análise desse leilão está baseada no “Detalhamento da Sistemática de Leilão 0001/2004”.
102
precisariam se submeter a um processo de pré-qualificação detalhado nesse edital.
Basicamente, a pré-qualificação seria feita com a entrega de documentação sobre situação
jurídica, fiscal, econômico-financeira e de regularidade dos encargos do setor, além da
comprovação do lastro físico para venda de energia.
Além desses documentos, os vendedores de energia deveriam apresentar também um
documento chamado de intenção de venda. Nessa intenção, cada jogador declarou as
quantidades de energia que pretendia ofertar no leilão para cada um dos Produtos, com o
respectivo lastro para o período de vigência dos contratos. De posse desse documento de
intenção de venda e das pré-qualificações, a CCEE definiria quais agentes poderiam participar
do leilão, estipulando também a quantidade máxima de lotes que cada vendedor estaria apto a
ofertar.
O próximo passo para os vendedores aprovados na pré-qualificação foi o depósito de
garantias financeiras. De fato, todos os compradores e vendedores deveriam apresentar
garantias financeiras para que o leilão fosse confiável. Cada agente deveria depositar R$
2.000,00 para cada lote de energia que pretendesse adquirir ou ofertar no leilão. Dessa
maneira, o número máximo de lotes a ser negociado efetivamente no leilão estaria limitado ao
valor depositado como garantia.
Para facilitar o entendimento do mecanismo, e permitir a melhor preparação dos
agentes, foi feita uma simulação no dia 03/12/2004 com os agentes aprovados na pré-
qualificação. Essa simulação permitiu que os participantes treinassem as regras usando o
próprio sistema do leilão.
No dia do leilão, 07/12/2004, as informações cruciais foram cadastradas no sistema
eletrônico. O custodiante das garantias financeiras registrou os valores de garantias de cada
agente participante. A partir dessa informação, o sistema converteu as garantias em número
equivalente de lotes de energia máximo por agente52. Cada agente vendedor poderia acessar o
sistema e ver seu próprio número de lotes permitido pelas garantias depositadas, mas não
saberia a quantidade de lotes dos outros vendedores.
52 A obtenção do número de lotes seria feita dividindo o valor das garantias por 2.000. Um melhor entendimento será obtido ao retornar ao parágrafo que discorre sobre o depósito de garantias.
103
Em seguida, o MME inseriu o fator de referência, o parâmetro de decremento para os
preços do relógio de preços, as quantidades declaradas de cada distribuidor, o preço inicial de
cada produto e o preço de reserva de cada produto. Dessas informações inseridas pelo MME,
apenas o preço inicial por produto foi divulgado aos vendedores53.
O fator de referência foi um percentual estabelecido pelo MME para garantir uma
margem acima da demanda total declarada pelas distribuidoras. Esse fator aplicado sobre a
demanda total geraria um resultado chamado de oferta de referência, a oferta que deveria ser
adquirida para atender à demanda com certa margem de segurança54. Por sua vez, o parâmetro
de decremento para os preços do relógio de preços seria um fator que reduziria os preços a
partir do preço inicial colocado no sistema. O preço inicial foi o preço escolhido para o início
do leilão, específico para cada produto. O preço de reserva, como já explicado no capítulo
teórico, era o preço máximo ao qual se pretendia comprar energia.
A última a inserir informações prévias ao leilão no sistema foi a CCEE. A entidade
inseriu a disponibilidade de lastro comprovada por cada vendedor, em lotes de energia, para
cada produto.
O leilão iniciou precisamente às 11:00 h. Participaram do leilão 53 empresas, sendo 35
compradoras e 18 vendedoras. Como já foi adiantado, o leilão foi composto de duas fases.
Pode-se considerar que cada uma dessas fases representa um leilão simultâneo de tipo
diferente. Dessa maneira, poder-se-ia afirmar que ocorreram dois leilões simultâneos, de
forma seqüencial, que, combinados, produziram o resultado final de alocação.
Apresentaremos a descrição detalhada dessas fases.
4.1.1 Primeira Fase
O leilão seria simultâneo para os três produtos. Recapitulando a teoria dos leilões, essa
primeira fase pode ser descrita como um leilão multi-unidade e multi-rodada, mais
53 Trinta minutos antes de o leilão iniciar, a informação sobre os preços iniciais por produto foi liberada para observação no sistema. 54 Vale lembrar que o fator de referência seria um número maior que 1, para permitir que a oferta fosse superior à demanda.
104
especificamente um clock auction reverso de informação limitada. Para entender a
classificação dada, nada melhor do que descrever com mais cautela as suas especificidades.
O leilão deveria ter diversas rodadas, em número necessário para atingir determinadas
quantidades de lotes e determinados preços para a energia. Simplificadamente, a demanda
deveria ser atingida com preços considerados razoáveis.
Cada uma das rodadas a serem realizadas poderia ser dividida em 3 etapas distintas:
uma para que se fizessem os lances, outra para que se processassem os lances e os resultados
do processamento e a última para divulgar os resultados para cada agente.
O tempo total de inserção do lance seria de quinze minutos. Ao longo de cada rodada,
cada um dos vendedores poderia ver o código e o preço de cada um dos produtos. Também
poderia ver um contador regressivo do tempo de inserção do lance e as suas próprias
disponibilidades de lastro em cada produto. Não seriam vistas as disponibilidades de lastro de
outros agentes.
Um preço para cada produto é liberado pelo sistema a cada rodada. Esses preços
seriam chamados de preços correntes. O lance na primeira fase seria a quantidades de lotes
que se desejassem alocar em cada um dos produtos oferecidos aos preços correntes
anunciados pelo sistema. Os lances deveriam ser feitos em números inteiros positivos.
Na primeira rodada, os lances seriam feitos aos preços iniciais. Isso significa que os
preços correntes da primeira rodada seriam iguais aos preços iniciais anunciados. O quadro
abaixo mostra os preços iniciais do leilão.
Quadro 5 – Preço Inicial
ProdutoPreço
Corrente (R$/MWh)
2005-08 80
2006-08 86
2007-08 93
Rodada 1
Fonte: CCEE
105
Na primeira etapa, cada vendedor poderia alocar a totalidade de seus lotes disponíveis
no lastro por produto, respeitando o limite total de lotes dado por suas garantias financeiras.
Uma vez que se submetesse um lance, o sistema iria processar o lance comparando a
quantidade ofertada com o lastro disponível por produto e a garantia física de cada vendedor.
Estando dentro dos limites, os agentes confirmariam o lance como válido e não poderiam
mais cancelar ou alterar a quantidade escolhida durante aquela rodada55.
Na segunda etapa, o sistema compararia a quantidade total ofertada no leilão
(somatório das ofertas para todos os produtos) com a quantidade total demandada no leilão
(somatório das demandas declaradas para todos os produtos). Mais especificamente, o sistema
dividiria a oferta total pela demanda total do leilão e compararia com o fator de referência.
Poderiam ocorrer três resultados: (caso 1) a divisão resultaria em um número maior que o
fator de referência; (caso 2) a divisão resultaria em um número menor ou igual ao fator de
referência, mas maior ou igual a 1; (caso 3) a divisão geraria um número menor do que 1.
O esquema abaixo permite vislumbrar essas três possibilidades e o processamento das
etapas de acordo com esses resultados. Desde já, é possível perceber a complexidade desse
processamento. A explicação de cada um dos casos será feita a seguir.
55 Se os lances ultrapassassem algum limite, o sistema informaria a inadequação do lance. Havendo ainda tempo para inserção de lance, o agente poderia fazer nova tentativa. Caso contrário, o agente estaria simplesmente excluído do leilão. Uma vez aceitos os lances da primeira rodada ou terminado o tempo de inserção de quinze minutos, o que ocorresse primeiro, seria iniciada a segunda etapa da rodada.
106
Figura 9 – Processamento dos Lances Detalhamento do processamento de lances
Lances = quantidade
de lotes
Etapa 1
Processamento dos lances
FRDTOT
> FRDTOT
≤≤1 1<DTOT
Existe Preço Corrente > Preço
Reserva
Preço Corrente Preço Reserva
≤ Existe Preço Corrente > Preço Reserva
Corte de Demanda
Conclui Primeira Fase
Preço Corrente Preço Reserva
≤
Conclui Primeira Fase
Independente do Preço
Segunda FaseNova Rodada
PRODUTO ABERTO
⇒≥ ii DPOPPRODUTO FECHADO
⇒< ii DPOP
Preço Diminui Preço Constante
Lote Livre Lote Comprometido
PRODUTO ABERTO
⇒≥ ii DPOPPRODUTO FECHADO
⇒< ii DPOP
Lote Livre Lote Comprometido
Etapa 2
Etapa 3: Divulgação de Resultados
Caso 1: Caso 2: Caso 3:
PC = Preço Corrente PR = Preço Reserva OT = Oferta Total DT = Demanda Total FR = Fator de Referência OPi = Oferta do Produto i DPi = Demanda do Produto i
Fonte: Elaboração própria.
Se a divisão da oferta total pela demanda total se encontrasse acima do fator de
referência (caso 1), o sistema partiria para a comparação entre oferta e demanda produto a
produto, qualificando os produtos em Abertos ou Fechados. Um produto seria chamado de
Aberto quando a quantidade total de lotes ofertada para esse produto fosse maior ou igual à
quantidade de lotes demandada para esse mesmo produto. Caso contrário, quando a
quantidade ofertada fosse menor que a demandada, o produto seria chamado de Fechado.
Feita essa classificação dos produtos em Abertos ou Fechados, os lotes de cada
vendedor seriam classificados pelo sistema como Livres, Excluídos ou Comprometidos. Um
107
lote que foi alocado a um Produto Aberto seria chamado Livre. Isso significaria que esse lote
poderia ser realocado para outro produto na próxima rodada, ou mantido no mesmo produto.
Um lote do lastro que não tivesse sido alocado em nenhum produto na primeira rodada seria
considerado Excluído do leilão, ou seja, não poderia mais ser oferecido em nenhum produto.
Os lotes alocados em Produtos Fechados, isto é, produtos que não tiveram oferta suficiente,
não poderiam ser deslocados desse produto na próxima rodada, sendo chamados de Lotes
Comprometidos. Os lotes chamados de Comprometidos, portanto, estariam “presos” ao
Produto Fechado na próxima rodada.
Para um Produto Aberto, se aplicaria o decremento ao preço inicial e se calcularia o
preço da segunda rodada56. Para os Produtos Fechados, o decremento não seria aplicado: o
preço dessa rodada seria mantido na próxima rodada.
Quando o resultado da divisão fosse menor ou igual ao fator de referência, mas ainda
maior ou igual a 1 (caso 2), significaria que a demanda total foi atingida com certo nível de
segurança. O objetivo do leilão estaria em parte alcançado e bastaria atingir o preço de
reserva. Portanto, o sistema compararia o preço de cada produto com o preço de reserva
respectivo.
Caso houvesse algum produto com preço corrente superior ao respectivo preço
reserva, o sistema iria classificar os produtos em Abertos e Fechados, da mesma forma já
apresentada, bem como realizaria a classificação dos lotes, e iria realizar nova rodada,
abaixando os preços dos produtos ainda Abertos.
No caso de todos os preços correntes estarem iguais ou menores que os preços de
reserva, não seria necessário realizar mais rodadas, pois os dois objetivos estariam alcançados
(quantidade e preço iguais ou abaixo dos limites). Os produtos seriam então classificados em
Abertos e Fechados, os lotes em Livres, Excluídos e Comprometidos, e estaria encerrada a
primeira fase do leilão.
Finalmente, se o resultado da divisão entre oferta total e demanda total resultasse em
um valor menor do que um (caso 3), significaria que a demanda global não estaria sendo
56 Cabe destacar que os decrementos dos variados produtos poderiam ser diferentes uns dos outros.
108
plenamente atendida. O sistema iria verificar então a relação dos preços correntes com os
preços reservas.
No caso em que todos os preços correntes fossem menores do que os preços de
reserva, os produtos seriam devidamente classificados em Abertos e Fechados, com os lotes
também sendo classificados, e a primeira fase estaria encerrada.
Contudo, se ainda houvesse preços maiores que os de reserva, o sistema
automaticamente iria reduzir a quantidade demandada dos produtos em que o preço estivesse
acima do de reserva, tentando ajustar a demanda à oferta. Após esse corte pro rata na
demanda, os produtos seriam reclassificados, considerados os cortes, e os preços seriam
recalculados de acordo com a classificação (diminuídos em Produtos Abertos e mantidos em
Produtos Fechados). A existência desse corte de demanda significava que, acima de tudo, a
modicidade tarifária deveria ser preservada. Esse mecanismo poderia, portanto, gerar um
problema futuro de como conseguir cobrir a demanda que ocasionalmente não fosse atendida
por conta de um corte, se os preços não fossem considerados atraentes pelos agentes
vendedores.
Ao fim dessa avaliação da segunda etapa, que é bastante complicada, dado o número
de casos possíveis, iniciaria a terceira e última etapa. A etapa final de uma rodada consistia
apenas na divulgação individual dos resultados de cada participante sobre seus lotes Livres,
Excluídos e Comprometidos, e a atualização de todas as informações referentes aos produtos
(classificação em Aberto ou Fechado) e preços correntes para a próxima rodada, excluídos os
casos em que a primeira fase é encerrada.
Nas próximas rodadas a dinâmica seria praticamente a mesma. Na primeira etapa, os
lances seriam feitos utilizando os lotes considerados Livres, ou seja, os lotes que foram
alocados em produtos classificados como Abertos na rodada anterior. Esses lotes poderiam ser
alocados no próprio produto, em outros Produtos Abertos, ou nos produtos Fechados.
Assim, a partir da segunda rodada, o sistema consideraria, além dos limites das
garantias e das disponibilidades de lastro, um novo limite: para cada vendedor, o número de
lotes totais alocados em todos os produtos deveria ser menor ou igual ao somatório de lotes
dos lances válidos ofertados por ele em todos os produtos na rodada anterior. Dessa maneira,
109
uma redução na quantidade total ofertada do leilão por um determinado agente é irreversível.
Isso é fácil de perceber se lembrarmos que os lotes que não foram alocados em nenhum
produto na rodada anterior foram simplesmente Excluídos do leilão.
Na prática, isso significaria que os vendedores poderiam oferecer em cada rodada uma
quantidade total menor ou igual à quantidade ofertada na rodada anterior. Os lances que não
atendessem simultaneamente aos critérios de limite das garantias, disponibilidades de lastro
por produto e de quantidade menor ou igual à quantidade da rodada anterior, não seriam
válidos. Por conta das possibilidades de troca de lotes de um Produto Aberto para quaisquer
outros produtos, haveria possibilidade de se aumentar a quantidade ofertada em um
determinado Produto apenas se fosse feita uma transferência de lotes entre Produtos.
Trataremos agora de esboçar um exemplo prático do funcionamento da primeira fase.
Em um leilão hipotético, com a mesma sistemática apresentada nessa subseção, existem cinco
vendedores disputando apenas um produto. O lance de cada vendedor é a quantidade de lotes
escolhida, representada pela largura dos retângulos abaixo. A altura de cada retângulo
representa o preço dado pelo sistema, de forma que a área do retângulo nada mais é do que o
valor financeiro do lance de quantidade dado pelo vendedor.
Na primeira rodada chama-se o preço inicial de PI, que é exatamente igual ao primeiro
preço corrente, PC1. No processamento dessa rodada, que constitui a segunda etapa da
rodada, verifica-se que há excesso de oferta (caso 1) de energia e há necessidade de realizar
nova rodada.
Figura 10 – Exemplo Rodada 1
PI = PC1
V1 V2 V3 V4 V5PR
QD OR
FRDTOT
>Com os preços iniciais, os vendedores escolhem a quantidade de lotes que desejam ofertar. O sistema avalia os lances, compara oferta e demanda e os preços. A oferta ainda é maior que a de referência.
P
Q
Fonte: Elaboração Própria
110
Na segunda rodada, o processamento demonstra que a oferta está igual à oferta de
referência (se enquadrando no caso 2), mas o preço (PC2) está acima do de reserva (PR),
sendo necessária nova rodada. Finalmente, na terceira rodada, o preço corrente (PC3) é
inferior ao de reserva (PR) e a oferta é menor do que a de referência, mas ainda maior do que
a demanda. Portanto, relembrando os casos possíveis e os procedimentos de cada caso, pode-
se concluir que a primeira fase do leilão hipotético deve ser encerrada.
Figura 11 – Exemplo Rodada 2 Rodada 3
V1 V2 V3 V4 V5
PR
QD OR
PC2
FRDTOT
≤≤1
PC2 > PR
Um novo preço é anunciado e os vendedores escolhem novas quantidades. O sistema compara oferta e demanda e verifica que a oferta é igual à de referência, mas maior que a demanda e os preços ainda são maiores que os de reserva.P
Q
V1 V2 V3 V4
PR
QD OR
PC3
FRDTOT
≤≤1
PC3 ≤ PR
FIM DA 1ª FASE
Na terceira rodada o preço já é menor que o de reserva e a oferta é menor do que a de referência. Note que o vendedor 5 desistiu do leilão. Encerra a 1ª Fase.
P
Q
Fonte: Elaboração Própria
Ao observar o exemplo e verificar atentamente as possibilidades de processamento dos
lances já apresentadas, conclui-se que a primeira fase só terminou quando a oferta total dos
vendedores do leilão foi menor ou igual à oferta de referência e os preços por produto
estavam iguais ou menores que os preços de reserva escolhidos. Enquanto essas duas
condições não fossem alcançadas ao mesmo tempo, a primeira fase continuaria com novas
rodadas. Os preços da rodada em que fosse declarado o fim da primeira fase seriam chamados
de preços de encerramento de cada produto e seriam transportados para a segunda fase como
preços iniciais.
Por último, deve-se perceber que o processo de redução de preços de Produtos Abertos
em inúmeras rodadas poderia fazer com que os preços alcançassem patamares muito baixos
com permanência de excesso de oferta. Para dar conta dessa possibilidade, o MME definiu
como limite mínimo de preço o valor chamado PMAE_min57, de R$ 18,59/MWh, que
correspondia ao preço mínimo do mercado atacadista na época. Quando o preço de algum
57 A saber, Preço Mínimo do MAE. Em dezembro de 2004, o MAE ainda estava em processo de substituição pela CCEE.
111
produto atingisse um valor inferior a esse patamar, o produto seria simplesmente Excluído do
leilão, sendo que os lotes alocados nele seriam considerados todos Livres.
Com o intuito de consolidar o entendimento do funcionamento da primeira fase, o
esquema abaixo interpreta resumidamente os procedimentos descritos anteriormente.
Figura 12 – Funcionamento da 1ª Fase
Preços Iniciais anunciados
Primeira Rodada iniciada
Lances = quantidade
de lotes
Processamento dos lances
Divulgação do Resultado
Segunda Rodada
Conclui Primeira Fase
PC PR
+
≤
FRDTOT
≤
PC = Preço Corrente PR = Preço Reserva OT = Oferta Total DT = Demanda Total FR = Fator de Referência
Fonte: Elaboração própria.
É importante perceber que, como existe um “relógio de preços”, ou seja, os agentes
tomam os preços como dados e ofertam apenas quantidades, e os preços são modificados ao
longo de várias rodadas, até o cumprimento do objetivo do leilão, essa primeira fase é uma
espécie de clock auction.
Porém, existe grande limitação de informações: as únicas informações disponíveis
para os jogadores são os preços correntes, a situação dos produtos (Aberto e Fechado) e a dos
seus lotes (Livres, Excluídos ou Comprometidos). Dessa maneira, não se pode considerar a
fase como um clock auction perfeito, pois se o fosse, as informações dos agentes seriam
abertas, vistas pelos outros agentes. Por isso, denominamos o leilão de clock auction limitado.
Dado que o leilão é um leilão de compra, o leilão é reverso. Assim, justifica-se a classificação
dessa fase como um clock auction reverso e limitado.
A primeira fase foi completada com 21 rodadas. Apenas o produto 2007-08 terminou a
primeira fase classificado como Aberto. Pode-se perceber pelo Gráfico 7 que a queda de
preços foi suave.
112
Quadro 6 – Preço de Encerramento da 1ª Fase
ProdutoPreço
Corrente (R$/MWh)
Situação
2005-08 62,1 Fechado
2006-08 71 Fechado
2007-08 77,7 Aberto
Rodada 21
Fonte: CCEE
Gráfico 7 – Evolução dos Preços
62,1
80
71
86
93
77,7
30
35
40
45
50
55
60
65
70
75
80
85
90
95
100
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
Produto 2005-08
Produto 2006-08
Produto 2007-08
PF
PF PF
PFPF
PF PFPF
PF PF PF
PF =Produto Fechado
Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE. Nota: Os trechos dos gráficos que não estão
assinalados correspondem aos momentos em que os respectivos produtos estavam classificados como Abertos.
A quantidade de agentes vendedores, 18 habilitados, pode indicar tanto o excesso de
oferta (descontratada) no sistema, bem como a atratividade da apresentação de mais de um
produto em um mesmo leilão.
O fato da informação ter sido limitada indica uma redução do poder de mercado de
grandes agentes vendedores, o que, em tese, aumenta a competição e incentiva a entrada de
jogadores no leilão. Pode-se, dessa maneira, também justificar o número de 18 agentes
vendedores.
Em termos teóricos, a venda de mais de um contrato ao mesmo tempo (blocos de
energia multi-unidade, com períodos de fornecimento diferentes) é perfeitamente coberta
pelas características do tipo de leilão clock auction. Além disso, a avaliação de componentes
113
de valoração comum do bem eletricidade pode ser bem coberta através desse tipo de leilão, já
que ele possui fortes características do Leilão Inglês em contexto multi-unidade.
Contudo, a falta de informação prejudica a avaliação correta de complementaridades
dos Produtos. Isso reduz a probabilidade da alocação ser ótima. Essa dificuldade na avaliação
de complementaridades pode ser verificada ao se observar que todos os Produtos foram
classificados como Abertos e Fechados por mais de uma vez no leilão, mostrando que
provavelmente houve grande redistribuição da oferta nos Produtos ao longo do leilão. Quanto
maior a dificuldade de avaliar as complementaridades e o valor comum correto dos contratos,
maior o número de rodadas necessário para terminar o leilão.
É interessante, portanto, destacar que existe um trade-off entre a redução do poder de
mercado, que permite preços menores, e a alocação ótima do produto, no sentido de que o
vendedor com melhores condições de oferta realmente ganha o contrato e a oferta é adequada.
Esse trade-off é originado das características do clock auction somadas à informação limitada.
A força de cada um desses aspectos no resultado final não é facilmente determinada e
dependeria de inúmeras variáveis desconhecidas, como custos reais dos vendedores e
intenções de venda no início do leilão de cada um dos agentes participantes.
Além disso, o complicado mecanismo de processamento, que implicava consideração
de quantidade e de preço em relação aos preços de reserva, tenderia a tornar o número de
rodadas extenso. O número de rodadas também seria extendido se fossem necessários
diversos cortes de demanda, no caso da oferta ser insuficiente. Nesse leilão, contudo, deve-se
destacar que o número de rodadas não foi muito extenso, principalmente se for considerada a
venda simultânea de três Produtos. Logo, nesse caso, o esquema de processamento complexo
não chegou a prejudicar a condução do leilão.
Cabe também ressaltar que a classificação dos Produtos em Abertos e Fechados é a
definição da regra de troca de produtos nesse leilão. No caso brasileiro, os lotes associados a
Produtos Abertos podem ser transferidos, em parte ou em sua totalidade, para quaisquer
outros produtos, serem novamente alocados no Produto Aberto em que estavam, ou ainda
Excluídos do Leilão.
114
Essa regra de troca, entretanto, poderia fazer com que, de uma rodada para outra, a
oferta de um Produto Aberto fosse completamente transferida, tornando a oferta insuficiente.
Não havia limitações quanto a transferência de lotes entre produtos. Apenas em um Produto
momentaneamente Fechado, o lote estaria Comprometido. No caso do leilão de Nova Jersey,
por exemplo, a troca de lotes entre produtos era limitada até o ponto em que a oferta ficasse
igual à demanda. Dessa maneira, controla-se melhor a adequação da oferta em Nova Jersey.
Independente dessa possibilidade de falha na regra de troca, considera-se o resultado
dessa primeira fase do primeiro leilão bastante satisfatório, dado que os objetivos de preço e
quantidade foram alcançados em tempo razoável, por meio de 21 rodadas, sem necessidade de
exclusão de produtos e sem problemas com a regra de troca. A análise adequada dos
resultados do leilão só poderá ser feita a partir do entendimento da segunda fase, que será
feito na próxima subseção.
4.1.2 Segunda Fase
A segunda fase pode ser caracterizada como um leilão multi-unidade simultâneo de
uma única rodada, fechado e de preço discriminatório. Assim, na realidade, relembrando as
exposições do Capítulo 1, o comportamento deveria ser bem próximo dos leilões de Primeiro
Preço Selado, feitas as considerações devidas aos contextos multi-unidade. Essa fase iniciou
após um intervalo de 30 minutos decorridos do encerramento da primeira fase, exatamente às
17:51 h.
Ao início da fase, os vendedores sabiam a situação de seus lotes alocados em cada
produto e seus respectivos preços. Sabiam também quais produtos estavam Abertos e quais
estavam Fechados, ou seja, onde existia excesso de oferta e onde existia excesso de demanda.
Da mesma forma, teriam ainda visíveis suas disponibilidades e limites dados pelas garantias.
Os lances foram lances de preço. O tempo para inserção desse lance de preço foi de 15
minutos. Cada vendedor deveria escolher um preço para cada produto no qual depositou lotes.
Para cada produto onde possuísse lotes, o preço escolhido deveria ser menor ou igual ao
respectivo preço de encerramento desse produto na primeira fase. Continuando o exemplo
115
desenvolvido anteriormente na Figura 10, os quatro vendedores selecionados para a segunda
fase realizam lances de preço menores ou iguais os preços de encerramento da primeira fase.
Figura 13 - Exemplo 2ª FASE
V1 V2 V3 V4
QD OR
PC3
V1 V2V3 V4
QD OR
PC3
Nessa fase os vendedores devem fazer lances de preço menores ou iguais ao preço de encerramento da 1ª Fase para seus lotes.P
Q
P
Q
Fonte: Elaboração Própria
O preço escolhido para cada produto representava, portanto, uma proposta de preço
único para todos os lotes do agente alocados naquele produto. Na ausência de formalização de
lance, o sistema consideraria o preço de encerramento da primeira fase. O agente que não
tivesse lotes alocados em um determinado produto não poderia formalizar lance de preço para
esse produto.
Além disso, cada vendedor poderia apresentar uma proposta adicional de preço para
alocar lotes de Produtos Abertos em Produtos Fechados, também com preços inferiores ou
iguais aos preços correntes desses Produtos Fechados em questão. Em nosso exemplo,
nenhum agente fez proposta adicional.
Feitas as propostas, ou encerrado o tempo de lance, o que ocorreu primeiro, o sistema
ordenou primeiramente as propostas para cada um dos Produtos Abertos. As propostas foram
classificadas em ordem crescente de preços. Em caso de empate na classificação, foi feita uma
seleção aleatória para o desempate e ordenamento dos lances.
Em cada um dos Produtos Abertos, foram consideradas vencedoras, total ou
parcialmente, as propostas de menor preço associadas às quantidades de lotes necessários para
o atendimento da quantidade total demandada em cada produto.
116
As quantidades que não foram selecionadas nesse processo, mas que eram objeto de
propostas adicionais, passaram a concorrer nos Produtos Fechados com essas propostas
adicionais.
O sistema passou a ordenar, então, as propostas de preços para Produtos Fechados,
incluindo agora as propostas adicionais. Da mesma maneira que no caso de Produtos Abertos,
foram selecionadas as ofertas de menor preço necessárias para que se atendesse a demanda
para cada Produto Fechado. No caso de empate na classificação de propostas, a prioridade foi
das propostas originais e não das adicionais. Persistindo o empate, o critério de desempate
também foi o de seleção aleatória pelo sistema.
Em nosso exemplo, havia apenas um produto, que foi classificado como Fechado. O
sistema ordenou, então, as quatro propostas. Para atender a demanda, todos os vendedores
foram selecionados, sendo que o vendedor 1 teve sua proposta parcialmente atendida, já que
havia excesso de oferta em relação à demanda.
Figura 14 - Exemplo
V1V2V3V4
QD OR
PC3
Q
P
O sistem classifica os lotes por ordem crescente de preços. Os lotes necessários para completar a demanda são selecionados. Os outros são excluídos
Lotes Excluídos: Perdedor
Fonte: Elaboração Própria
Os preços de encerramento da segunda fase foram discriminatórios, ou seja,
corresponderam aos valores ofertados. No caso de aceitação de proposta inicial e adicional de
um mesmo vendedor em um mesmo produto fechado, o sistema definiu como preço de
fechamento desse produto para esse vendedor como sendo a média ponderada das propostas
atendidas.
Recapitulando a teoria dos leilões, segundo Klemperer (2001), os preços
discriminatórios são recomendados quando existe possibilidade de colusão, porque são
capazes de inibi-la. Entretanto, observamos que a validade de suas conclusões estavam
117
associadas a um ambiente de lances ilimitados, que tornavam a oferta de energia infinitamente
divisível. Essa realidade não se aplica a essa segunda fase, embora a primeira fase não tenha
número de lances definido.
Mesmo assim, com a presença de fontes de oferta de energia diversa, com custos
distintos e o mercado ainda concentrado, pode-se afirmar que os preços discriminatórios são
adequados à luz da teoria dos leilões. Lembre-se que o sistema ordena as ofertas segundo os
preços, de forma crescente, selecionando prioritariamente as ofertas com preço mais baixo.
Fazer um lance com preço muito distante do custo de produção aumenta a renda
informacional auferida pelo jogador ao mesmo tempo em que aumenta o risco de se perder o
leilão, pois não se conhecem os custos dos demais jogadores. Os custos de fontes diversas são
diferentes, aumentando a incerteza da estratégia que não revela a verdadeira informação.
Além disso, os mercados concentrados, na presença de preços uniformes, são mais
facilmente manipuláveis, uma vez que não existe risco na estratégia que não revela a verdade,
pois o preço de equilíbrio é único. Sendo assim, a discriminação dos preços parece evitar que
os lances sejam diferentes dos custos reais.
A definição dos vencedores concluiu a segunda fase do leilão. Essa conclusão foi dada
às 18:06 h. Encerrada a definição dos vencedores, o rateio dos lotes de energia entre as
distribuidoras foi iniciado. O rateio significaria a distribuição dos lotes conseguidos por
produto segundo a proporção de participação de cada distribuidora na demanda declarada em
cada produto58. Com isso, todos os vencedores do leilão em um produto contratariam com
todas as distribuidoras que demandaram aquele produto.
Após o encerramento desse rateio, cada vendedor teve acesso a um relatório de suas
negociações59. Os vencedores tiveram, então, que indicar o percentual das quantidades de
energia vendidas relativas a cada submercado de energia. Dessa maneira, o leilão foi
efetivamente encerrado com a definição de submercados às 18:36h.
58 Para que essa distribuição fosse feita, primeiramente se faria a conversão dos valores de MW médio para MWh, com 3 casas decimais. 59 Contento o código dos produtos conseguidos, a identificação das distribuidoras compradoras em cada produto, a energia total que seria contratada em cada produto, o preço de fechamento de cada um desses produtos e as garantias que foram dadas, associadas aos lotes negociados.
118
O quadro abaixo apresenta o resultado final de preços da segunda fase, com os
respectivos lotes obtidos de cada vendedor vencedor no leilão. Dos 18 vendedores, 11 saíram
vencedores do leilão, totalizando 17.008 MW de energia vendidos. Dessa energia, 9054 MW
estavam associados ao Produto 2005-08, quantia que revela grande quantidade de energia
descontratada para esse período de transição. O restante da energia contratada está quase
integralmente alocado no Produto 2006-08 (6782 MW).
Quadro 7 – Resumo do Resultado do Leilão
Total
Lotes Vendidos
Preço de Fechamento
Lotes Vendidos
Preço de Fechamento
Lotes Vendidos
Prego de Fechamento
Lotes Vendidos
BREITENER P - - - - - - - - - -
CDSA P - - - - - - - - - -
CEC P - - - - - - - - - -
CEEE E 260 57,47 7,5% 152 67,87 4,4% - - - 412
CEMIG E - - - 927 69,58 2,0% - - - 927
CERAN P - - - - - - - - - -
CESP E 800 62,1 0,0% 1178 68,37 3,7% 20 77,7 0,0% 1998
CGTEE E - - - - - - - - - -
CHESF E 2500 52,79 15,0% 1054 60,35 15,0% 138 66,05 15,0% 3692
COPEL GERAÇÃO E 980 57,5 7,4% 368 67,62 4,8% 81 75,44 2,9% 1429
DUKE P 214 59,98 3,4% 58 69,98 1,4% 218 75,98 2,2% 490
ELETRONORTE E 672 56 9,8% 328 63,9 10,0% 550 77 0,9% 1550
EMAE E 85 60,84 2,0% 33 69,21 2,5% 5 75,75 2,5% 123
ESCELSA P 87 57 8,2% 27 64 9,9% - - - 114
FURNAS E 3076 60,94 1,9% 2527 69,58 2,0% 150 77,7 0,0% 5753
LIGHT P 380 51,73 16,7% 130 61,12 13,9% - - - 510
TEC P - - - - - - - - - -
TRACTEBEL P - - - - - - 10 70,89 8,8% 10
TOTAL 9054 - 6782 - 1172 - 17008
Decremento PI = R$ 71
Decremento PI = R$ 77,7
Vendedor
2005-08 2006-08 2007-08Decremento PI = R$ 62,1
Estrutura de Capital
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do site www.ccee.org.br. As empresas com classificação de estrutura
de capital “P” são empresas com maior parte do capital votante pertencente à iniciativa Privada, enquanto as empresas com classificação “E” são consideradas Estatais, com a maior parte do capital votante pertencente ao Estado.
Recapitulando a análise teórica do primeiro capítulo, a segunda fase foi claramente
confeccionada para extrair a renda informacional dos agentes avessos ao risco. Quanto maior
a aversão ao risco, maior a perda ocasionada pela incerteza do leilão de Primeiro Preço
Fechado, fazendo com que os agentes sejam mais agressivos em seus lances. Nessas
condições, preços menores serão alcançados, a custa de uma alocação que pode não ser ótima.
Observando os lances ganhadores e comparando-os com os preços de encerramento da
primeira fase, ou seja, os decrementos em relação aos preços iniciais, pode-se perceber que o
objetivo de extração da renda informacional foi bem alcançado. Com exceção de quatro casos,
todos os lances do leilão apresentaram decrementos consistentes.
Deve-se lembrar que as estruturas de custo e de financiamento dos agentes do setor
elétrico são diversas, influenciando sobremaneira a aversão ao risco. Esse fato é comprovado
119
quando se observa a diversidade dos preços finais de venda na segunda fase. Comparando o
preço do final da primeira fase de cada produto com o preço de fechamento da segunda fase,
observa-se que os decrementos de cada vencedor foram bastante variados e que a maioria das
reduções, inclusive de empresas de capital privado, foi significativa.
Muito embora a principal variável de avaliação dos jogadores seja seu próprio custo,
sabe-se que existe um componente de valor comum. Observando a grande diferença entre os
preços dos lances, pode-se afirmar que os jogadores devem ter vivenciado a “maldição do
vencedor” ao descobrir os preços dos seus oponentes. Para os agentes vendedores, essa
descoberta geraria expectativas negativas, mesmo se os preços do ACL e de venda de curto
prazo fossem essencialmente menores que o preço conquistado no leilão.
A análise do objetivo de adequação da oferta é limitada dada a falta de estatísticas
claras e oficiais sobre a quantidade demandada no leilão. Com base nas estatísticas divulgadas
pelo MME e pelas distribuidoras, por meios de comunicação, os percentuais de atendimento
para 2005, 2006 e 2007 foram de 98,92%, 91,5% e 100%, respectivamente. Obviamente, o
atendimento de menos de 100% da demanda não é satisfatório, mas os altos índices, acima de
90%, devem ser ponderados aos preços considerados baixos, que garantiram o objetivo de
modicidade tarifária. O quadro abaixo resume as estatísticas de atendimento.
Quadro 8 – Atendimento da Demanda
AnoDemanda Estimada
(MW)
Oferta Contradada
(MW)
Déficit (MW)
2005 9152,85 9054,00 98,85
2006 7412,02 6782,00 630,02
2007 1172 1172 0 Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados do MME e ONS.
Por último, podem-se classificar os vencedores em privados e estatais60. O gráfico
abaixo representa o percentual em relação ao total de energia adquirida no leilão. A
predominância foi de vencedores estatais.
60 Adotando como critério de classificação os percentuais acionários do estado e de capitais privados; o maior acionista define a classificação.
120
Gráfico 8 – Participação do Capital na Venda de Energia
Participação nas Vendas
Estatal93,4%
Privada6,6%
Fonte: Elaboração Própria
Pode-se especular sobre as causas dessa participação majoritária de empresas estatais,
mas a falta de dados sobre as ofertas de quantidade de lotes nos lances de cada competidor ao
longo do leilão, os seus reais custos e as alternativas de preço no ACL (custo de oportunidade)
impedem uma conclusão realmente sólida.
Entre as causas propagadas por vários agentes vendedores privados que não colocaram
ofertas no leilão, estaria o nível de preços, considerado exageradamente baixo. Essa afirmação
poderia ser contestada em parte pelo menos para o ano de 2005, ao se observar os níveis de
preços da energia praticados no mercado de curto prazo, que ao longo do ano obtiveram
média simples de R$ 26,9561, com pequena variância. Deve-se, contudo, entender que a falta
de dados sobre os preços praticados nos contratos no ACL (atuais e futuros) e sobre os custos
verdadeiros dos agentes não permite descartar a hipótese de preços baixos62.
Independente na participação das vendas, deve-se enfatizar que a oferta foi adequada à
demanda no ano de 2007 e quase totalmente atendida no ano de 2005, com menos de 2% da
demanda não atendida. Pra 2006, o déficit é bem próximo de 10%, valor que é realmente
significativo. Entretanto, os preços ficaram consideravelmente abaixo dos preços de
encerramento da primeira fase. Em média, para o ano de 2005, 2006 e 2007, os decrementos
foram de 7,2%, 6,3% e 4%, respectivamente, muito embora a variância dos decrementos seja
significativa.
61 Média de preços mensais de energia nos quatro submercados. 62 Além disso, os preços de curto prazo futuros refletirão situações de oferta e demanda pontuais, que podem ser bem diferentes das condições atuais.
121
Como já foi observado, mesmo que houvesse regras que poderiam complicar o
sucesso do leilão, o número de rodadas da primeira fase não foi extenso e houve um excesso
inicial de oferta no leilão na primeira fase (mais de um Produto Aberto). Entretanto, a
demanda não foi completamente atendida e o atendimento era um objetivo crucial proposto
pelo modelo.
Efetivamente, a vantagem do primeiro tipo de leilão adotado foi a retirada de parte da
renda informacional dos agentes através da segunda fase, proporcionando o atendimento do
objetivo de modicidade tarifária. Logo, pode-se afirmar que foi estabelecido um processo
capaz de introduzir forças competitivas na venda de energia elétrica, que reduziram o preço da
eletricidade. A magnitude da competição artificialmente alcançada e as implicações do nível
de preços para as expectativas e investimentos futuros, contudo, não podem ser efetivamente
discutidas dada a limitação de dados disponíveis sobre os custos reais das empresas e seus
lances ao longo do leilão.
4.2 Segundo Leilão de Energia Existente63
O segundo leilão de energia deveria adquirir dois tipos de Produtos para as
distribuidoras: energia com início de suprimento em 2008 e energia com início de suprimento
em 2009. Os Produtos seriam identificados no jogo com o mesmo formato padrão AAAA-
BB, ou seja, eram oferecidos os produtos 2008-08 e 2009-08. Algumas novidades forem
implementadas na sistemática, embora ela fosse essencialmente igual a do primeiro leilão.
Analisaremos essa diferença no momento oportuno.
Os agentes vendedores que se mostrassem interessados em participar do leilão
precisariam se submeter ao mesmo processo de pré-qualificação do primeiro leilão e de
depósito de garantias financeiras. No dia do leilão, 02/04/2005, as mesmas informações
cruciais foram inseridas no sistema do leilão. Apenas o preço inicial por produto foi divulgado
aos vendedores.
O leilão iniciou precisamente às 10:30 h. Participaram do Leilão 50 empresas, sendo
34 compradoras e 16 vendedoras. Esse leilão também foi composto de duas fases: a primeira
63 A análise está baseada no Detalhamento da Sistemática de Leilão 001/2005.
122
para classificação dos vendedores mais aptos para atender a oferta de referência e a segunda
para definir quais vendedores seriam menos custosos para atender à demanda de cada
produto.
4.2.1 Primeira Fase
A primeira fase do segundo leilão foi exatamente igual à primeira fase do primeiro
leilão. Logo, pode ser descrita também como um leilão multi-unidade e multi-rodada, mais
especificamente um clock auction reverso de informação limitada. Cada uma das rodadas a
serem realizadas poderia ser dividida nas mesmas 3 etapas distintas. Na primeira rodada, os
lances seriam feitos aos preços iniciais. Esses preços iniciais estão apresentados no quadro
abaixo.
Quadro 9 – Preços Iniciais
Produto
Preço Corrente
(R$/MWh)
2008-08 99
2009-08 104
Rodada 1
Fonte: CCEE
Da mesma forma, o lance na primeira fase seriam as quantidades de lotes que se
desejassem alocar em cada um dos produtos oferecidos aos preços correntes anunciados pelo
sistema e o processamento dos lances é exatamente a mesma da do primeiro leilão; por isso,
os detalhamentos desse processamento serão omitidos aqui. Basta apenas retornar à primeira
sistemática e observar a Figura 9 para observar o esquema de processamento dos lances da
segunda etapa.
A diferença dessa primeira fase para a primeira fase do primeiro leilão estava no preço
mínimo, definido anteriormente como PMAE, que passou a ser o PLD_min64 de R$
18,33/MWh. Abaixo desse nível de preços, os produtos seriam excluídos.
64 Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) mínimo. O PLD substituiu o PMAE com o surgimento da CCEE e a extinção do MAE.
123
A primeira fase foi completada com o número impressionante de 59 rodadas. Por
conta disso, a fase que iniciou às 10:30 h da manhã do dia 02/04/2006, terminou às 03:06 h da
madrugada do dia 03/04/2006.
Logo no processamento da primeira rodada, o Produto 2008-08 foi classificado como
Fechado, permanecendo com essa classificação até a quadragésima quinta rodada. O Produto
2009-08, contudo, permaneceu até essa mesma rodada classificado como Aberto, sendo
excluído no processamento da quadragésima sexta.
Quadro 10 e 11 – Processamento da Primeira e da Última Rodada
Produto
Preço Corrente
(R$/MWh) Situação
2008-08 99 Fechado
2009-08 102,1 Aberto
Resultado do processamento da 1ª Rodada
Produto
Preço Corrente
(R$/MWh) Situação
2008-08 83,5 Fechado
2009-08 -- Excluído
Rodada 59
Fonte: CCEE
Gráfico 9 – Evolução dos Preços
83,5
99
63,3
104
0
20
40
60
80
100
120
1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 53 55 57 59
Produto 2008-08
Produto 2009-08
Excluído
Produto Fechado
Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE. Nota: Os trechos dos gráficos que não estão assinalados
correspondem aos momentos em que os respectivos produtos estavam classificados como Abertos.
124
Deve-se atentar para o fato de que a classificação inicial dos Produtos não foi alterada
mesmo após várias reduções de preço do Produto 2009. Seria racional esperar que, se
houvesse oferta suficiente, a diminuição de preços provocaria a migração de lotes, que
poderia alterar essa classificação. Entretanto, não existem dados de oferta disponíveis na
CCEE para que se possa verificar se realmente houve oferta suficiente para o ano de 2009,
enquanto faltava oferta para 2008, ou se cortes de demanda foram usados, alterando a
classificação dos Produtos.
Da mesma maneira, não existe evidência clara sobre a motivação da exclusão do
Produto 2009-08. No dia do leilão, a CCEE alegou que a exclusão foi feita já que a demanda
estava maior do que a oferta, impedindo que o processo continuasse. Entretanto, se este fosse
o único empecilho, deveria haver, segundo a sistemática, um corte de demanda. O corte de
demanda só não poderia ser feito se a demanda já estivesse quase nula ou se não houvesse
mais oferta.
Sabe-se que a exclusão de um Produto só era prevista na sistemática se o PLD_min
fosse atingido. Esse fato não ocorreu. Dessa forma, várias especulações podem ser feitas para
estipular a causa da exclusão do produto.
A exclusão poderia ter sido resultante da retirada total da oferta pelos agentes, que
após as inúmeras reduções de preço poderiam ter optado por migrar para o Produto 2008-08.
Para analisar essa possibilidade é pertinente recordar a regra de troca do leilão brasileiro, que
era a mesma do primeiro leilão. De uma rodada para outra, a oferta de um Produto Aberto
poderia ser completamente transferida, tornando a oferta insuficiente. Não havia limitações
quanto à transferência de lotes entre produtos, desde que não se transferissem Lotes
Comprometidos.
Os cortes de demanda, podendo criar artificialmente Produtos Abertos, poderiam
também aumentar a probabilidade de que a transferência tornasse a oferta de algum Produto
nula, já que a quantidade de lotes negociada, a cada corte, seria cada vez menor. Logo, pode-
se especular que essa falta de limite para transferência entre Produtos, associada aos cortes de
demanda, pode ter sido a razão da exclusão do Produto 2009-08.
125
Como não há dados sobre os lances, ou sobre os cortes de demanda, devemos lembrar
que a exclusão pode ter sido uma iniciativa do próprio leiloeiro. Pode-se formular a hipótese
de que, por exemplo, a falta de oferta suficiente no leilão poderia ter ocasionado diversos
cortes de demanda ao longo das rodadas. A magnitude do corte na demanda pode ter sido
considerada elevada demais pelo leiloeiro, que pode ter optado por excluir um Produto na
tentativa de garantir a demanda do outro de maneira mais adequada.
Sabe-se que as ações do leiloeiro são bastante livres, desde que não desrespeitem a
regra divulgada na sistemática. Essa exclusão espontânea acarretaria a transferência
automática de lotes alocados no Produto excluído para o Produto ainda em negociação. De
qualquer forma, nenhuma hipótese pode ser comprovada, dada a falta de informações (e as
informações imprecisas divulgadas na imprensa) sobre os lances dos agentes e sobre as
escolhas do leiloeiro ao longo do leilão.
A pequena oferta inicial no Produto 2008-08, e talvez também no Produto 2009-08,
pode tanto significar uma reação negativa dos agentes em relação aos preços iniciais e à
presença do preço reserva, não divulgado, quanto uma esperança de que os preços de curto
prazo futuros para 2008 fossem efetivamente mais elevados.
Deve-se destacar que um fator adicional que pode ter contribuído para essa falta de
oferta global suficiente no leilão foi a possibilidade das usinas “Botox” descontratadas
poderem ser inseridas nos leilões de energia nova. Assim, os vendedores de energia estariam
dispensando as oportunidades de negócio desse leilão de energia existente na esperança de
que os preços dos leilões de energia nova fossem maiores. Essa brecha para a arbitragem de
preço entre tipos de energia deve ter sido uma influência muito grande sobre o
comportamento dos agentes.
4.2.2 Segunda Fase
A segunda fase pode ser caracterizada como um leilão simultâneo de uma única
rodada, fechado e de preço discriminatório, mas com dois lances possíveis. Assim, na
realidade, relembrando as exposições do Capítulo 1, o comportamento deveria ser próximo
dos Leilões de Primeiro Preço Selado, modificado pela possibilidade de se fazerem duas
126
propostas de lance. Essa fase iniciou após um intervalo de 30 minutos decorridos do
encerramento da primeira fase, exatamente às 03:36 h.
Ao início da fase, os vendedores sabiam a situação de seus lotes alocados em cada
produto e seus respectivos preços. Saberiam também quais produtos estavam Abertos e quais
estavam Fechados, ou seja, onde existia excesso de oferta e onde existia excesso de demanda.
Da mesma forma, teriam ainda visíveis suas disponibilidades e limites dados pelas garantias.
Os lances foram lances de preço, mas cada vendedor pôde segregar os Lotes Livres e
os Lotes Comprometidos alocados em seus respectivos produtos no fim da primeira fase em
até duas quantidades associadas a dois preços distintos, ainda mantidas nos mesmos produtos
que estavam. Ou seja, o jogador poderia separar os lotes de um produto em dois conjuntos,
cada um com uma oferta de preço para aquele produto. Os lances distintos foram avaliados de
forma independente na classificação do sistema. Essa foi a novidade que diferenciou
efetivamente o segundo leilão do primeiro. Obviamente, os preços ainda deveriam ser
menores ou iguais aos preços correntes do término da primeira fase para cada produto. O
tempo de inserção de lance seria de quinze minutos.
Relembrando o exemplo apresentado para o primeiro leilão a partir da Figura 10,
podemos estipular o andamento da segunda fase seguindo o novo critério, que permite a
separação dos lotes em duas quantidades. Em nossa continuação do exemplo, dois vendedores
resolveram explorar a utilização da regra de segregação, o vendedor 1 e o vendedor 3.
Figura 15 - Exemplo
V1 V2 V3 V4
QD OR
PC3
QD OR
PC3
V2V4
V3V 1
Nessa fase os vendedores devem fazer lances de preço menores ou iguais ao preço de encerramento da 1ª Fase para seus lotes.
Os vendedores podem separar seus lotes em dois conjuntos com preços diferentes.
Fonte: Elaboração Própria
127
Nesse leilão também poderia ser feita uma proposta adicional para alocar em Produtos
Fechados os lotes livres não atendidos em Produtos Abertos. Da mesma forma inovadora,
poder-se-ia segregar os lotes livres em duas quantidades com dois preços distintos. Isso
significaria que se poderiam fazer dois lances distintos também na proposta adicional. Essa
possibilidade não será incluída no exemplo.
Na ausência de formalização de lance, não inserindo preços para um ou mais produtos
onde possui lotes alocados, o sistema considerou o preço corrente de encerramento da
primeira fase.
Teoricamente, a possibilidade de fazer mais de uma proposta torna o jogo menos
arriscado para os jogadores. Isso porque um jogador mais avesso ao risco torna-se propenso a
fazer uma proposta menos ousada, que não reflete seus custos reais, conjugada a uma segunda
proposta mais agressiva, para recuperar parte da renda que perderia com a “maldição do
vencedor”.
Anteriormente, com apenas um lance, uma proposta pouca agressiva poderia não ser
selecionada, mesmo que o jogador tivesse custo baixo o suficiente para ser selecionado. O
jogador com aversão ao risco descarta o lance menos agressivo e revela, portanto, sua
verdadeira informação, perdendo renda, pois prefere ganhar o leilão e ter contrato do que ficar
descontratado e não ter renda nenhuma. A possibilidade de fazer mais um lance permite que o
jogador faça uma estratégia mista: um lance que revela sua informação e pode ganhar o leilão
se seu custo for realmente baixo e outro lance de preço mais alto, que pode ser selecionado e
auferir uma renda extra para o vendedor, compensando em parte o lance de preço mais baixo.
Com isso, a revelação total de informação seria prejudicada.
Obviamente, a possibilidade de se observarem propostas menos agressivas, com pouca
redução de preço em relação ao preço inicial da segunda fase, poderia ser atenuada se a oferta
de energia elétrica fosse reconhecidamente maior do que a demanda.
Pode-se concluir que o excesso de oferta ajudaria na revelação da verdade porque um
maior número de jogadores em um determinado leilão tende a aumentar o risco da estratégia
de não revelação da verdade. Quanto maior a concorrência, menor a probabilidade de ganhar,
mesmo que se tenha custos baixos, quando se fazem lances de preço muito distantes ou sem
128
muita correlação com os verdadeiros custos de produção. Para os jogadores com mais aversão
ao risco, a menor probabilidade de vencer o leilão acaba levando aos lances mais agressivos.
Deixando de lado as observações sobre os comportamentos possíveis, quando todas as
propostas foram feitas, ou o tempo de lance foi encerrado, o processamento foi semelhante ao
da segunda fase do primeiro leilão: o sistema ordenou, por ordem crescente de preços, as
propostas dos Produtos Abertos, selecionando as necessárias para completar a demanda, e
depois fez o mesmo com os Produtos Fechados, incluindo as propostas adicionais para os
lotes não atendidos em Produtos Abertos. A diferença foi a possibilidade de existirem duas
propostas de um mesmo vendedor, propostas essas que foram consideradas
independentemente na ordenação dos lances e na escolha das propostas vencedoras.
Retornando ao exemplo com os vendedores que colocaram propostas na Figura 15, o
sistema ordenaria por ordem crescente de preços as propostas dos quatro vendedores,
avaliando separadamente as propostas de um mesmo vendedor que segregou as quantidades.
Nesse processo, partes dos lotes dos vendedores 1 e 3 foram excluídas.
Figura 16 - Exemplo
QD OR
PC3
V2V4V 3V1
O sistem classifica os lotes de forma independente, por ordem crescente de preços. Os lotes necessários para completar a demanda são selecionados. Os outros são excluídos. Lotes Excluídos:
Perdedores
Fonte: Elaboração Própria
Os preços de encerramento da segunda fase foram discriminatórios, ou seja,
corresponderam aos valores ofertados com os lotes. Nesse sentido, valem os mesmos
comentários sobre preços discriminatórios feitos no primeiro leilão. A definição dos
vencedores concluiu a segunda fase do leilão. Essa conclusão foi dada às 03:51 h. O leilão foi
efetivamente encerrado após o rateio dos lotes e a definição de submercados, o que ocorreu às
04:21 h.
129
O quadro abaixo apresenta o resultado final de preços da segunda fase, com os
respectivos lotes obtidos de cada vendedor vencedor no leilão. Dos 16 vendedores, 10 saíram
vencedores do leilão, totalizando 1.325 MW de energia vendidos. Com a exclusão do Produto
2009-08 na primeira fase, essa oferta se refere apenas ao Produto 2008-08.
Quadro 12 – Resumo do Resultado do Leilão
2008-08 2009-08
(MWh) ( MWh)
lotes vendidos
preçolotes
vendidospreço
CDSA P 133 83,48 0,02% - - 133
CEC P - - - - - -
CELPA P 23 83,50 0,00% - - 23
CEMIG GERACAO
E 105 83,50 0,00% - - 105
CERAN P - - - - - -
CESP E 170 83,50 0,00% - - 170
CGTEE E 104 83,50 0,00% - - 104
CHESF E 450 83,50 0,00% - - 450
COPEL GERACAO
E 80 82,32 1,41% - - 80
DUKE ENERGY P - - - - - -
ELETRONORTE E 90 83,47 0,04% - - 90
ENERSUL P 20 78,50 5,99% - - 20
FURNAS E - - - - - -
TEC P 150 81,55 2,34% - - 150
TERMOPE P - - - - - -
TRACTEBEL P - - - - - -
TOTAL 1.325 - 1.325
VendedorDecremento PI = R$83,5
Total lotes vendidos
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do site www.ccee.org.br. As empresas com classificação de estrutura de capital
“P” são empresas com maior parte do capital votante pertencente à iniciativa Privada, enquanto as empresas com classificação “E” são consideradas Estatais, com a maior parte do capital votante pertencente ao Estado.
Muito embora esta segunda fase tenha tido o mesmo propósito da segunda fase do
primeiro leilão, ou seja, de extrair a renda informacional dos agentes e explorar a aversão ao
risco dos mesmos, essa estratégia não foi tão efetiva nesse segundo leilão.
Os preços de encerramento da segunda fase ficaram muito próximos do preço final da
primeira fase e apenas três agentes apresentaram propostas com reduções de mais de 1% em
relação a esse preço. Mesmo nos casos em que houve redução maior que 1%, os valores das
reduções são bem inferiores aos observados no primeiro leilão, não ultrapassando 6% de
decréscimo. Desta vez, o decremento médio do preço final em relação ao preço inicial da
segunda fase foi de 0,98%.
130
Esse resultado não é absurdo ou inesperado, devido às considerações já feitas em
relação a possibilidade de dois lances serem feitos por cada agente. A existência de dois
lances torna o jogo menos arriscado. Além disso, o fato do Produto 2009-08 ter sido excluído
do leilão e do Produto 2008-08 ter sido classificado na última rodada da primeira fase como
Fechado gerou informação para os agentes: a competição era insuficiente. Essa informação
deve ter tido influência sobre a escolha de pequenos decrementos em relação ao preço inicial.
Outro fator que deve ter contribuído para as pequenas reduções observadas seria o resultado
do primeiro leilão de energia, onde a “maldição do vencedor” esteve presente. Um jogador
preparado estimaria seu lance com mais precisão a partir das informações geradas pelo
primeiro leilão.
Mais uma vez, deve-se destacar a falta de dados oficiais sobre a demanda para cada
Produto, principalmente porque, após o leilão, o MME declarou que cobriria a demanda
através dos próximos leilões. Em declaração para imprensa, o MME afirmou que cerca de
50% da demanda de 2008 foi atingida. Usando dados de demanda estimados pela ONS e pela
Eletrobrás, conclui-se que esse percentual de atendimento deve ter sido de 42%, não tão perto
dos 50% declarados. De qualquer maneira, o atendimento da demanda declarada não foi
satisfatório. Utilizando o valor de 42%, podem-se obter os dados colocados no quadro abaixo.
Quadro 13 – Atendimento da Demanda
AnoDemanda Estimada
(MW)
Oferta Contradada
(MW)
Déficit (MW)
2008 3154,00 1325,00 1829,00 Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da ONS.
É também possível classificar os vendedores em privados e estatais65, da mesma
maneira apresentada no primeiro leilão de energia. O gráfico abaixo representa o percentual
de cada tipo de empresa em relação ao total de energia adquirida no leilão.
65 Adotando como critério de classificação os percentuais acionários do estado e de capitais privados; o maior acionista define a classificação.
131
Gráfico 10 – Participação do Capital na Venda de Energia
Participação nas Vendas
Privada 24,6%
Estatal 75,4%
Fonte: Elaboração Própria.
Mais uma vez, observa-se a predominância dos empreendimentos estatais na venda da
energia; entretanto, o percentual de participação de agentes privados no segundo leilão foi
maior do que no caso do primeiro leilão. Esse resultado deve ser relativizado, já que no
primeiro leilão três Produtos foram vendidos, enquanto nesse, apenas um Produto foi
negociado.
Cabe destacar que a falta de informação sobre os lances da primeira fase de cada
agente, seus custos de produções e sobre os preços futuros da energia para os anos de 2008 e
2009 não permitem a formalização de uma conclusão robusta sobre o resultado alcançado.
Entretanto, a exclusão do Produto 2009, já analisada anteriormente, por motivação do
leiloeiro ou dos próprios agentes, por si só já revela que essa regra não foi capaz de atrair
competição suficiente para o leilão aos preços escolhidos. Nesse sentido, o objetivo do leilão
não foi amplamente atingido, uma vez que o atendimento da demanda para o ano de 2009 não
pôde ser alcançado.
A existência de uma brecha para arbitragem de preços entre leilões de energia
existente e energia nova, com a permissão da energia Botox participar dos leilões de energia
nova, deve ter contribuído para que a oferta tenha sido pequena. Além dessa possibilidade, o
“esvaziamento” de produtos através das regras de troca, identificado na primeira fase do
leilão, conjugado ao mecanismo de corte de demanda que pode ter induzido a exclusão do
produto, representam falhas na regra do leilão.
Independente da magnitude com que prejudicaram o atendimento da demanda, a
existência da falha desqualifica a regra para nova utilização em outros leilões de energia
132
existente, porque implica na não credibilidade no poder do leiloeiro estabelecer um
mecanismo compatível de incentivo.
Relembrando a análise teórica dos leilões, os mecanismos compatíveis de incentivo
são aqueles em que a revelação da verdade é a melhor estratégia para cada jogador. Ou seja, a
partir dos resultados, à luz da teoria dos leilões, pode-se afirmar que a regra do segundo leilão
não induziu a revelação dos verdadeiros custos de produção dos agentes e não deveria ser
utilizada pelo leiloeiro. Se os agentes não acreditam que a regra leva ao melhor resultado com
a revelação dos verdadeiros custos, nunca irão revelar a verdade, destruindo o objetivo de
modicidade tarifária.
Cabe também destacar que, muito embora a regra coopere no estabelecimento de
algum nível de competição, a oferta realmente colocada no leilão, ou seja, a competição real
do processo, é decisão exclusiva dos agentes vendedores. Por conta disso, é importante
estabelecer que os incentivos dados no leilão, juntamente com as restrições dadas pela energia
já contratada no ACL, representam limitantes à competição verificada em cada leilão, mas
não determinam qual será a verdadeira oferta observada no leilão.
Como atenuante para essa possível desqualificação inicial de algumas das regras do
segundo leilão, pode-se citar, como será visto no quarto leilão e no leilão de energia nova, que
o Produto 2008 foi novamente leiloado, com regras diferentes. De fato, principalmente para o
período de transição, as questões relativas aos tipos de produtos presentes em cada leilão são
bastante flexíveis. O regulador pode aproveitar da elaboração de sistemáticas sem regras
fixadas previamente para poder tentar cumprir os objetivos de atendimento ao longo de vários
leilões, testando e adaptando os mecanismos livremente, desde que atendendo a determinados
quesitos básicos, presentes na lei 10.848 e no decreto 5.163.
4.3 Terceiro e Quarto Leilões de Energia Existente66
O terceiro e o quarto leilão tinham propósitos diferentes. O terceiro leilão teria uma
função de ajuste à carga ainda descontratada; a energia seria contratada com início de
suprimento em 2006, em um contrato de suprimento de apenas três anos. O quarto leilão
66 A análise feita está baseada no “Detalhamento da Sistemática de Leilão 003/2005”.
133
deveria alocar o Produto 2009, que foi excluído do segundo leilão. Embora com Produtos tão
diferentes, a sistemática dos dois leilões foi a mesma e os dois leilões ocorreram no mesmo
dia. Por conta disso, os leilões são apresentados juntos nessa subseção. Essa sistemática
apresentou modificações profundas em relação à anteriores, sendo, então, fundamental
analisá-la detalhadamente.
Como só um produto estava sendo vendido por leilão, os vendedores não tinham
problemas para escolher entre Produtos, nem havia necessidade de regras de troca. Embora os
leilões fossem no mesmo dia, não seriam simultâneos. Os dois leilões eram processos
separados. Mesmo assim, os Produtos permaneciam com o esquema de códigos anterior aos
outros leilões.
O edital do leilão a sistemática e as minutas dos CCEAR foram publicadas no dia
22/08. Os agentes vendedores que se mostraram interessados em participar do leilão
precisaram se submeter ao mesmo processo de pré-qualificação e de entrega de intenção de
venda. O esquema de depósitos de garantias foi o mesmo dos anteriores. Para facilitar o
entendimento do mecanismo e permitir a melhor preparação dos agentes, foram feitas
simulações dos dois leilões no dia 07/10.
No dia dos leilões, 11/10/2005, as informações cruciais foram cadastradas no sistema
eletrônico. Primeiramente ocorreria o terceiro leilão e apenas após o seu encerramento,
decorrido um intervalo, iniciaria o quarto leilão.
Antes de cada leilão, um custodiante registrou os valores de garantias de cada agente
participante. O MME inseriu no sistema, em segredo, para cada leilão, a quantidade
declarada, o fator de referência, o parâmetro de decremento e o preço inicial. A partir dessas
informações, o sistema calculou a quantidade total demandada, que nada mais era do que a
soma das quantidades declaradas. É importante perceber que não havia mais a figura do preço
reserva.
Acusado de ter sido o responsável pelo fracasso do segundo leilão, o preço reserva foi
abolido da nova sistemática. Entretanto, o preço inicial passaria a figurar como o novo teto
para compra de energia. Esse preço inicial foi efetivamente definido como o preço máximo de
aquisição de energia, cumprindo, portanto, o papel do preço reserva.
134
Dessa forma, trocou-se o preço inicial diferente e maior do que o preço de reserva pelo
preço inicial definido como sendo o próprio preço de reserva. Como conseqüência dessa
troca, os preços iniciais nesses dois novos leilões foram essencialmente menores que os
preços iniciais dos produtos com mesma data de início de suprimento licitados
anteriormente67. Assim, na verdade, apenas se trocava o preço de reserva implícito,
desconhecido ao longo do leilão, por um preço de reserva explícito, conhecido a partir do
início do leilão.
A última a inserir informações prévias ao leilão no sistema foi a ANEEL, declarada a
nova coordenadora do leilão. Em relação a essa mudança institucional, deve-se perceber que a
responsabilidade pela condução do processo era já de posse da ANEEL, mas nos leilões
anteriores essa responsabilidade foi repassada à CCEE. Nesses novos leilões, a ANEEL
assumiu um papel mais ativo no processo, ainda apoiada pela CCEE, mas efetivamente
tomando decisões dentro do leilão.
Nesse sentido, durante a primeira fase dos leilões, a coordenadora poderia alterar o
tempo de inserção de lance, a seu critério, interrompendo o leilão após uma rodada para
realizar a mudança, que valeira para a próxima rodada. Dessa maneira, a coordenadora
poderia adaptar o leilão de acordo com as informações reveladas aos agentes, diminuindo o
tempo total do leilão quando a inserção de lances fosse rápida ou aumentando o tempo de
inserção de lance se sentisse alguma dificuldade ou quisesse permitir melhor cálculo dos
vendedores.
A ANEEL também ficou responsável pela inserção da disponibilidade de lastro
comprovada por cada vendedor, em lotes de energia, para cada leilão. Essa quantidade foi
também limitante para os lances. Além disso, inseriu o tempo entre cada fase do leilão e o
tempo da única rodada da segunda fase do leilão.
Começando com o terceiro leilão, os vendedores puderam acessar o sistema a partir
das 8:00 h para validar suas garantias e lastros. O preço inicial do Produto 2006 foi divulgado
às 8:30 h. O quarto leilão começou após um intervalo dado ao fim do terceiro leilão, com
67 Para tanto, basta ver os preços iniciais do Produto 2006-08 do primeiro leilão e do Produto 2009-08 do segundo leilão.
135
verificação de garantias e lastros às 14:00 h. O preço inicial do Produto 2009 foi divulgado às
14:30 h.
O terceiro leilão iniciou precisamente às 09:15 h. Participaram do leilão 13 vendedores
e 5 distribuidoras. O quarto leilão foi iniciado às 15:00 h. No quarto leilão participaram 15
vendedores e 17 distribuidoras. Os leilões também foram compostos de duas fases: a primeira
para classificação dos vendedores mais aptos e a segunda para definir quais vendedores
seriam menos custosos para atender à demanda de cada produto.
4.3.1 Primeira Fase
Recapitulando a teoria dos leilões, essa fase pode ser descrita como um leilão multi-
unidade e multi-rodada, mais especificamente um clock auction reverso de informação
limitada. Essa é a mesma classificação dada para as primeiras fases dos outros leilões.
Contudo, existe uma diferença crucial na dinâmica dessas fases: foram disponibilizados dois
preços como referência para que se fizessem os lances de quantidade. Para entender essa
diferenciação, parte-se para a descrição das especificidades dessa nova sistemática.
O leilão continuaria diversas rodadas, mas em número necessário apenas para atingir a
quantidades de lotes desejada pela coordenadora. O objetivo de preço estava já garantido, uma
vez que o preço reserva era igual ao preço inicial. Cada uma das rodadas a serem realizadas
poderia ser dividida nas mesmas 3 etapas distintas: uma para que se fizessem os lances, outra
para que se processassem os lances e os resultados e a última para divulgar os resultados para
cada agente. O tempo de inserção do lance inicial seria de apenas cinco minutos, lembrando
que esse tempo poderia ser alterado a qualquer momento no leilão.
Contudo, existiriam dois tipos de preço ao longo dessa fase: o preço corrente e o preço
de lance. O preço de lance era o preço ao qual as quantidades de energia deveriam ser
escolhidas. Esse era o preço sobre o qual se aplicava o decremento a cada rodada em que se
verificasse excesso de oferta. Dessa forma, as ofertas seriam feitas condicionadas ao preço de
lance anunciado no sistema. O preço corrente foi definido como igual ao preço de lance da
136
rodada imediatamente anterior. Excepcionalmente na primeira rodada, o preço de lance foi
igual ao preço corrente. O quadro abaixo resume a definição desses preços68.
Quadro 14 – Dinâmica de Preços
Rodada12 PL2 = PL1*d PC2=PL1
3 PL3 = PL2*d PC3=PL2
PL = preço de lancePC = preço corrente
PL1 = PC1
Relação de Preço
d = Decremento * = sinal de multiplicação
Fonte: Elaboração Própria
Ao longo de cada rodada, cada um dos vendedores poderia ver o código, o preço de
lance e preço corrente do produto. Também veria um contador regressivo do tempo de
inserção do lance e as disponibilidades de lotes. Abaixo, pode-se observar os preços iniciais
tanto do terceiro como do quarto leilão.
Quadro 15 e 16 – Preços Iniciais do Terceiro e do Quarto Leilões
3º Leilão
Produto
Preço Corrente
(R$/MWh)
Preço de Lance
(R$/MWh)
2006-03 73 73
Rodada 1
4º Leilão
ProdutoPreço
Corrente (R$/MWh)
Preço de Lance
(R$/MWh)
2009-08 96 96
Rodada 1
Fonte: CCEE
O lance na primeira fase foi composto das quantidades de lotes que se desejavam
alocar no Produto ao preço de lance anunciado. O limite para o lance continuou sendo a
garantia e o lastro disponível na primeira rodada. A partir da segunda rodada também se
68 É fácil perceber pelo quadro ** que uma maneira alternativa de calcular o preço de lance de uma rodada é aplicar o decremento sobre o preço corrente dessa mesma rodada em questão, já que esse preço corrente é exatamente o preço de lance da rodada anterior.
137
considerou como limitante o número de lotes oferecidos nas rodadas imediatamente
anteriores.
Os lances foram feitos em números inteiros positivos. Uma vez que se submetesse um
lance, o sistema iria processar o lance comparando a quantidade ofertada com o lastro
disponível por produto e a garantia física de cada vendedor. Estando dentro dos limites, os
agentes confirmariam o lance como válido e não poderiam mais cancelar ou alterar a
quantidade escolhida durante aquela rodada.
De acordo com a alocação dos lotes, os lotes seriam classificados pelo sistema como
Lotes Atendidos ou Lotes Excluídos. Um lote seria chamado de Atendido quando estivesse
alocado no lance e, portanto, estaria disponível para oferta na rodada posterior. Um lote seria
considerado Excluído quando não fosse incluído no lance.
A diferença de classificação dos lotes em relação aos outros leilões se dá porque agora
só se vendia um produto por leilão, que ainda foi multi-unidade69. Como só haveria um
Produto em cada leilão, acabava a complicação da avaliação de complementaridade dos
contratos de um mesmo leilão, fato que possivelmente facilitaria o cálculo dos lances ótimos
dos agentes.
Para poder melhor entender o mecanismo, fornecemos um exemplo simplificado do
sistema. Supõe-se que quatro vendedores estão disputando o leilão. Ao início do leilão, são
divulgados o preço corrente e o preço de lance, que são iguais. Os lotes colocados no lance
por cada vendedor de energia foram considerados Lotes Atendidos. Na figura abaixo, todos os
retângulos representam o valor dos lances de quantidade dos jogadores, que são a largura
desse retângulo.
69 São comprados vários lotes de energia, mas os lotes não são mais diferenciados no tempo.
138
Figura 17 - Exemplo
V1 V2 V3 V4
Pre
çoQuantidade
PI = PC1 = PL1
QD OR
Legenda: PI = Preço Inicial PC = Preço Corrente PL = Preço de Lance QD = Quantidade Demandada OR = Oferta de Referência
Rodada 1 – 1ª Etapa
Fonte: Elaboração Própria
Na segunda etapa da rodada, aceitos os lances, o sistema compararia a quantidade total
ofertada no leilão (somatório das ofertas nos lances) com a quantidade total demandada no
leilão (somatório das demandas declaradas). Mais especificamente, o sistema iria dividir essa
oferta total pela demanda total e comparar com o fator de referência. Desta vez, poderiam
ocorrer apenas dois resultados: (caso 1) a divisão dá um número maior que o fator de
referência; (caso 2) a divisão dá um número menor que o fator de referência.
Essa dinâmica era, portanto, mais simples que a dos primeiros leilões. Esse fato seria
reforçado pela presença de apenas um Produto por leilão. Provavelmente, o número de
rodadas tenderia a ser menor, uma vez que a comparação seria apenas entre oferta e demanda
e não incluiria questões de preço. De fato, pode-se concluir que a questão da modicidade
ganhou um pouco menos de importância, embora estivesse presente no preço inicial menor,
para abrir mais espaço à questão do atendimento.
No caso em que o resultado da divisão fosse maior que o fator de referência (caso 1),
concluir-se-ia que existia excesso de oferta. Dessa maneira, o sistema iria classificar os lotes
em Atendidos e Excluídos e aplicaria o decremento sobre o preço de lance, definindo, então, o
preço de lance para a próxima rodada. Seria calculado também o novo preço corrente para a
próxima rodada, que seria exatamente igual ao preço de lance dessa rodada atual. Cabe
lembrar que na primeira rodada dessa fase o preço de lance inicial foi igual ao preço corrente
inicial; logo, a partir da segunda rodada é que surgiriam as diferenças entre esses dois preços.
139
Continuando o exemplo apresentado na Figura 17 acima, supomos que o caso 1
realmente ocorreu. Dessa forma, um novo preço de lance (PL2) foi calculado para a próxima
rodada através da aplicação do decremento e o um preço corrente novo (PC2) será exposto,
sendo igual ao preço de lance anterior (PL1).
Figura 18 - Exemplo
V1 V2 V3 V4
Pre
ço
Quantidade
PI = PC2
QD OR
PL2
Rodada 1 – 2 ª Etapa
Legenda: PI = Preço Inicial PC = Preço Corrente PL = Preço de Lance QD = Quantidade Demandada OR = Oferta de Referência
Fonte: Elaboração Própria
Já no caso em que a divisão resultasse em número menor ou igual ao fator de
referência (caso 2), o sistema iria considerar a primeira fase concluída. Não haveria mais
rodadas e o preço de encerramento da fase seria o preço corrente dessa rodada.
O esquema abaixo apresenta o detalhamento dos resultados possíveis de
processamento (caso 1 e caso 2) e o conseqüente resultado (realização de nova rodada ou
encerramento da fase). Em resumo, a primeira fase termina quando a oferta do leilão é menor
ou igual à oferta de referência.
140
Figura 19 – Processamento da Primeira Fase Detalhamento do Processamento
Lances = quantidade
de lotes
Etapa 1
Processamento dos lances
FRDTOT
>
Conclui Primeira Fase
Segunda FaseNova Rodada
Etapa 2
Etapa 3: Lotes Atendidos e Lotes Excluídos
FRDTOT
≤
Novos Preços CorrentesNovos Preços de Lance
Fonte: Elaboração Própria
Aqui cabe uma maior atenção à sutileza do mecanismo que determina o fim da
primeira fase (caso 2). Quando o somatório dos lotes totalizasse uma quantidade menor ou
igual à de oferta de referência, o sistema retornaria à situação de alocação da rodada anterior:
todos os Lotes Atendidos da rodada anterior, ou seja, associados ao preço de lance igual ao
preço corrente dessa rodada, seriam considerados classificados para a próxima fase.
Utilizando novamente o exemplo, podemos demonstrar a peculiaridade do mecanismo.
Na segunda rodada são expostos os novos preços já calculados (PC2 e PL2). Os vendedores
têm nova oportunidade de fazer lances e a quantidade de lotes supera novamente a oferta de
referência. Dessa maneira, serão calculados novos preços na segunda etapa e a terceira rodada
será iniciada com um novo preço corrente e um novo preço de lance (PC3 e PL3).
141
Figura 20 - Exemplo
V1 V2 V3 V4
Pre
ço
QuantidadeQD OR
PI = PC2
PL2
V1 V2 V3 V4
Pre
ço
QuantidadeQD OR
PC3
PL3
Etapa 2
Rodada 2
Etapa 1
Fonte: Elaboração Própria
A terceira rodada, então, é iniciada. Os vendedores fazem lances e, finalmente, na
segunda etapa se verifica que o total de lotes é inferior à oferta de referência. Com isso, não
haverá cálculo de novos preços na segunda etapa dessa rodada. O sistema resgatará a situação
de Lotes Atendidos da rodada anterior a esta, ou seja, a segunda rodada, e a primeira fase será
dada como encerrada. Todos os vendedores forem selecionados às quantidades dos lances da
segunda rodada.
Figura 21 - Exemplo
V1 V2
Pre
ço
QuantidadeQD OR
PC3
PL3
V3 V1 V2
Preç
o
QuantidadeQD OR
PC3
PL3
V3
V1 V2 V3 V4
Pre
ço
QuantidadeQD OR
PC3
Rodada 3 Etapa 1 Etapa 2
Fim da Primeira Fase
Fonte: Elaboração Própria
142
Obviamente, na primeira rodada não existiam lotes da rodada anterior. Com isso, se
logo na primeira rodada fosse verificado que a oferta de lotes era menor que a oferta de
referência, todos os lotes alocados nos lances dessa primeira rodada seriam considerados
classificados para a segunda fase.
Na terceira etapa seriam divulgados os resultados de processamento dos dados: a
classificação dos lotes e o anúncio dos preços para a próxima rodada, se houvesse próxima
rodada.
Nas próximas rodadas a dinâmica foi praticamente a mesma. Na primeira etapa, se
fariam os lances utilizando os lotes considerados Atendidos. Logo, a partir da segunda rodada
o número de lotes totais alocados em todos os produtos deveria ser menor ou igual ao
somatório de lances válidos ofertados por ele na rodada anterior.
Poderia acontecer que depois de sucessivas reduções de preço o preço de lance
acabasse atingindo um valor muito baixo. Para definir um limite mínimo de preços, foi
escolhido o PLD_min70 de R$ 18,33/MWh. No caso de se obter um preço de lance inferior a
esse limite, o sistema iria desconsiderar o preço e a primeira fase seria encerrada, não havendo
mais rodadas. Todos os lotes associados ao preço de lance anterior a esse valor mínimo
seriam considerados na segunda fase. Ou seja, não haveria mais exclusão de produtos.
Para facilitar o entendimento e identificar as diferenças em relação aos outros leilões,
fornecemos abaixo o esquema simplificado da dinâmica geral da Primeira Fase.
70 Preço de Liquidação de Diferenças (PLD) mínimo. O PLD substituiu o PMAE com o surgimento da CCEE e a extinção do MAE.
143
Figura 22 – Funcionamento da 1ª Fase
Preço Inicial= Preço Máximo
Primeira Rodada
Lances = quantidade
de lotes
Processamento dos lances
Divulgação do Resultado
Segunda Rodada
Conclui Primeira Fase
FRDTOT
≤
Fonte: Elaboração Própria
Também é importante perceber que, como existe um “relógio de preços”, essa
primeira fase é também uma espécie de clock auction, com grande limitação de informações.
Por isso, nesse caso, pode-se também denominar o leilão de clock auction limitado. Assim,
essa fase constitui um clock auction reverso de informação limitada.
Embora oficialmente inexista a figura do preço de reserva, o MME e a CCEE
continuavam atribuindo valor ao bem eletricidade. Quando o agente que deseja fazer o leilão
atribui valor ao bem, existe um preço de reserva (basta verificar o Capítulo 1 para perceber
essa noção), implícito ou explícito.
Para transmitir esse valor de reserva nesse leilão, foi definido o preço inicial como o
novo preço máximo de venda, ou seja, o preço inicial passou a ser igual ao preço de reserva.
Entretanto, o estabelecimento desse preço inicial mais baixo do que o esperado pelos
vendedores, já que esse passaria a ser o teto efetivo de preço, deve ter implicado pouca oferta
nos produtos desde os primeiros lances.
O terceiro leilão teve 19 rodadas. O preço de fechamento foi o preço corrente de
R$64,3/MWh. Esse número de rodadas, bem próximo ao número de rodadas do primeiro
leilão, reflete certo excesso de oferta inicial e que os agentes preferiram garantir o suprimento
através desse mecanismo, mostrando que a escolha de preços não estava sendo tão baixa.
Pode-se afirmar isso porque se os preços fossem muito distantes da realidade, os agentes iriam
144
preferir esperar os preços de liquidação de curto prazo, pois o início de entrega dessa energia
já estava bem próximo (2006, sendo que o leilão foi feito em 2005).
Quadro 17 – Preço de Encerramento da 1ª Fase do 3º Leilão
Produto
Preço Corrente
(R$/MWh)
Preço de Lance
(R$/MWh)
2006-03 64,3 63,8
Rodada 19
Gráfico 11 – Evolução dos Preços
64,363,8
73
60
65
70
75
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19
Preço Corrente
Preço de Lance
Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE. Nota: Os trechos dos gráficos que não estão assinalados
correspondem aos momentos em que os respectivos produtos estavam classificados como Abertos.
Cabe destacar que, mais uma vez, o Produto 2009 do quarto leilão apresentou oferta
insuficiente e a negociação foi encerrada logo na primeira rodada. Dessa vez, como não havia
necessidade de se fazerem inúmeras rodadas para alcançar o preço reserva, o leilão encerrou
assim que se verificou que a oferta era pequena. Fica aqui, portanto, a dúvida: a insuficiência
seria devida ao preço de reserva igual ao preço inicial, às possibilidades de arbitragens futuras
da energia “Botox” nos leilões de energia nova ou deveria ser atribuída a ambos os fatores?
O fato dos agentes fazerem lances em relação ao preço de lance e serem classificados
ao preço corrente provavelmente deve ter induzido ofertas menores. Em termos teóricos,
como seriam alocados todos os lotes associados ao preço de lance anterior, que era o novo
preço corrente, não haveria lógica em diminuir as ofertas de equilíbrio. Contudo, a incerteza
sobre para qual preço estavam sendo associadas as ofertas pode ter induzido maior cautela no
lance.
145
Portanto, por um lado, a mudança da regra permitiu que o número de rodadas
necessários para a obtenção do resultado de adequação fosse menor. Esse menor número de
rodadas foi também conquistado já que cada leilão ofereceu apenas um Produto por leilão,
eliminando as complicações das avaliações de complementaridades dos contratos. Entretanto,
o fato do preço reserva ter sido igual ao preço inicial, o que significou na prática preços
iniciais menores do que os esperados pelos vendedores, levou a diminuição dos lances dos
agentes vendedores, principalmente para o Produto 2009, que preferiram esperar o leilão de
energia nova.
4.3.2 Segunda Fase
A segunda fase é um leilão simultâneo de múltiplos blocos de energia, de mesma data
de entrega e duração de suprimento, com uma única rodada, fechado e de preço
discriminatório, com dois lances possíveis. Assim, na realidade, o comportamento estaria
próximo dos leilões de Primeiro Preço Selado, feitas as devidas ressalvas dos contextos multi-
unidade, modificado pela possibilidade de se fazerem duas propostas de lance. Essa fase
iniciou após um intervalo de 30 minutos decorridos do encerramento da primeira fase,
exatamente às 11:15 h para o terceiro leilão e às 15:35 h para o quarto leilão.
Os vendedores teriam conhecimento do código do produto, do tempo de inserção de
lance dessa fase, do preço corrente de encerramento da primeira fase, dos seus lotes Excluídos
e dos lotes disponíveis para a nova fase. Os vendedores que não tiveram nenhum Lote
Atendido na última rodada da primeira fase estariam impossibilitados de submeter lances
nessa segunda fase.
Com base nessas informações, os vendedores deveriam submeter lances de preços com
um tempo de inserção que passaria a ser de quinze minutos. Os preços escolhidos deveriam
ser menores ou iguais aos preços correntes do término da primeira fase e agora se exigia
formalmente que fossem superiores ao preço de PLD_min. Na ausência de proposta, seria
considerado o preço corrente do fim da primeira fase. Também só poderia ser emitido um
lance válido, irrevogável, dentro do tempo de inserção de lance.
146
Da mesma maneira que ocorreu no segundo leilão de energia, cada vendedor poderia
segregar os lotes Atendidos no fim da primeira fase em até duas quantidades associadas a dois
preços distintos. Com isso, o jogador poderia separar os lotes em dois conjuntos, cada um
com uma oferta de preço diferente. Os lances distintos seriam avaliados de forma
independente na classificação do sistema.
Após o tempo de quinze minutos, o sistema classificou os lotes em ordem crescente de
preço, escolhendo os de menor preço necessários para atender a demanda. Em caso de empate
de propostas, foi feita uma seleção aleatória pelo sistema. Todas as propostas selecionadas
total ou parcialmente para atender à demanda foram consideradas as vencedoras do leilão.
Note que aqui não existiria a possibilidade de se fazerem propostas adicionais.
Mais uma vez os preços de fechamento foram discriminatórios, correspondendo aos
valores ofertados na segunda fase por cada vendedor. Para os vendedores que tiveram duas
propostas de preço aceitas, o sistema definiu o preço de fechamento como média ponderada
das propostas. A definição dos vencedores concluiu a segunda fase do leilão. A conclusão do
terceiro leilão foi dada às 11:30 h. Por sua vez, a conclusão do quarto leilão se deu às 15:50 h.
Dessa forma, o exemplo para essa fase deverá ser o mesmo da segunda fase do
segundo leilão, iniciado a partir da Figura 15. Bastaria replicar a situação final da primeira
fase para iniciar a segunda fase.
Encerrada a definição dos vencedores, o rateio dos lotes de energia entre as
distribuidoras foi iniciado. Após o encerramento desse rateio, cada vendedor teve acesso a um
relatório de suas negociações. Os vencedores tiveram, então, que indicar o percentual das
quantidades de energia vendidas relativas a cada submercado de energia. Dessa maneira, o
terceiro leilão foi efetivamente encerrado com a definição de submercados às 12:00 h e o
quarto leilão às 16:20 h.
O quadro abaixo apresenta o resultado final de preços da segunda fase do terceiro
leilão, com os respectivos lotes obtidos de cada vendedor vencedor. Dos 13 vendedores,
apenas 5 saíram vencedores do leilão, totalizando 102 MW de energia vendidos.
147
Quadro 18 – Resumo do Resultado do Leilão
2006-03Preço de
Fechamento
Lotes Vendidos (R$/MWh)
CDSA P - -
CEB E 12 62,98 2,05%
CEEE E 9 63 2,02%
CEMIG GERAÇÃO E - - -
CESP E - - -
CHESF E - - -
COPEL GERAÇÃO E - - -
DUKE PARANAPANEMA
P 66 62,76 2,40%
ELETRONORTE E - - -
EMAE E 3 63,24 1,65%
ENGEBRA P - - -
FURNAS E - - -
LIGHT P 12 63,89 0,64%
TOTAL 102
Decremento PI = R$ 64,30
Estrutura de Capital
Vendedor
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do site www.ccee.org.br. As empresas com classificação de estrutura
de capital “P” são empresas com maior parte do capital votante pertencente à iniciativa Privada, enquanto as empresas com classificação “E” são consideradas Estatais, com a maior parte do capital votante pertencente ao Estado.
Na segunda fase do terceiro leilão pode-se verificar que houve aversão ao risco, dadas
as reduções de preço em relação ao preço inicial. Entretanto, mais uma vez se verifica que a
média das reduções foi de 1,75%, menor que a do primeiro leilão. A maior redução foi de
2,40%. Segundo declarações do MME, o terceiro leilão atendeu 100% da demanda do
Produto 2006-03. Dessa maneira, o objetivo de atendimento da demanda foi alcançado.
É interessante também perceber que o número de lotes vendidos por agentes privados
é maior do que os lotes dos vencedores estatais. Um vencedor privado sozinho arrematou 66
lotes. Dessa maneira, o quadro abaixo apresenta a participação de cada tipo de capital na
venda de lotes do Produto 2006-03.
148
Gráfico 12 – Participação por Tipo de Capital na Vendas de Energia
Participação nas Vendas
Estatal 23,5%
Privada 76,5%
Fonte: Elaboração Própria.
Agora, apresentamos o quadro resumo dos resultados do quarto leilão. Dos 15 agentes
participantes do leilão, 10 saíram vencedores, sendo que foram negociados 1.166 MW de
energia.
Quadro 19 – Resumo do Resultado do Leilão
2009-08Preço de
Fechamento
Lotes Vendidos
(R$/MWh)
CDSA P - -
CEB E 12 94,49 1,57%
CEEE E 9 94,28 1,79%
CEMIG GERAÇÃO E - - -
CESP E 120 93,43 2,68%
CGTEE E 35 91,8 4,38%
CHESF E 80 96 0,00%
COPEL GERAÇÃO E 245 95,95 0,05%DUKE
PARANAPANEMAP - - -
ELETRONORTE E - - -
EMAE E 3 96 0,00%
FURNAS E 281 96 0,00%
LIGHT P - - -
TEC P 190 94,96 1,08%
TRACTEBEL P 191 93,03 3,09%
TOTAL 1166
Decremento PI = R$ 96,00
Estrutura de Capital
Vendedor
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do site www.ccee.org.br. As empresas com classificação de estrutura de capital
“P” são empresas com maior parte do capital votante pertencente à iniciativa Privada, enquanto as empresas com classificação “E” são consideradas Estatais, com a maior parte do capital votante pertencente ao Estado.
De fato, embora a oferta fosse insuficiente em relação à oferta de referência no quarto
leilão, dado que a primeira fase só teve uma rodada, foram feitas reduções de preço em
relação ao preço inicial. Esse fato demonstra que o mecanismo fechado acaba sempre
induzindo alguma extração de renda dos agentes elétricos. De todo modo, as reduções não
149
ultrapassaram 5%. A média das reduções verificadas ficou em 1,46%, muito inferior às
reduções do primeiro leilão.
Em relação a questão do atendimento da demanda, a estimativa feita tomando como
base as informações do MME, 59% da demanda de energia foi atendida. O quadro abaixo
revela as informações sobre atendimento.
Quadro 20 – Atendimento da Demanda
AnoDemanda Estimada
(MW)
Oferta Contradada
(MW)
Déficit (MW)
2009 1969 1166 803 Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados do MME e da ONS.
Entretanto, poucos agentes privados (apenas dois) fizeram ofertas e saíram
vencedores. Essas ofertas, contudo, foram significativas em relação ao total de energia
vendida.
Gráfico 13 – Participação por Tipo de Capital na Vendas de Energia
Participação nas Vendas
Privada 32,7%
Estatal 67,3%
Fonte: Elaboração Própria.
Dessa forma, o objetivo de modicidade tarifária se sobrepôs sobre o de atendimento da
demanda no caso do quarto leilão de energia existente. De fato, a oferta verificada no leilão
deve ter sido reduzida tanto por conta do preço escolhido como pelo fato de que as empresas
com alguma energia classificada como energia nova, ou “Botox”, estariam esperando por
melhores oportunidades no leilão de energia nova.
Em si, o mecanismo contou com dois instrumentos que afetaram o resultado, além
dessa abertura para arbitragem futura das geradoras: a continuação da possibilidade de
150
segregação dos lotes em duas quantidades, que diminuiu o risco para os vendedores,
resultando em pequenas reduções de preço; a colocação do preço reserva como preço inicial,
ou seja, de um preço de reserva explícito, que acabou por diminuir a concorrência desde o
início do leilão.
De todo modo, a questão da complicação das complementaridades e do difícil
processamento de lances, observado no primeiro e segundo leilões, foi eliminada. Deve-se
destacar que, por conta da venda de mais de um Produto, a oferta inicial de um leilão deve ser
bem maior e pode-se, com isso, obter maior competição. Logo, com menos Produtos
vendidos, o terceiro e quarto leilão possuíam uma regra de processamento mais simples, mas
devem ter atraído menos agentes vendedores por Produto.
4.4 Conclusões sobre os Leilões de Energia Existente
Para finalizar esse capítulo, podemos apresentar um resumo das principais
características das sistemáticas apresentadas nos quatro leilões analisados. Três sistemáticas
foram utilizadas nos quatro leilões de energia existente, sendo a terceira utilizada tanto no
terceiro quanto no quarto leilão.
Como pode ser verificado através da análise do quadro abaixo, a classificação teórica
do leilão, e os comportamentos esperados a partir dessa classificação, poderiam ter evitado
alguns dos problemas identificados nos resultados do leilão. De fato, muito embora a teoria
não deva ser o único pilar para o estabelecimento de um modelo sólido que tenha
funcionamento adequado no mundo real, a utilização dos conceitos teóricos poderia ter
melhorado a qualidade dos leilões.
151
Quadro 21 – Características e Resultados dos Leilões Primeira Fase Segunda Fase
Classificação
"Clock Auction" Reverso de Informação Limitada com Preço de
Reserva ≠ Preço Inicial e com Regra de Troca Fraca
Leilão Fechado Multi-Unidade de Preço Discriminatório com Única
Rodada e Único Lance
Comportamento esperado
Oferta inicial forte, número de rodadas razoável, mas possíveis problemas
com regra de troca
Grande redução de preços, dada a aversão ao risco de gerados
elétricos
Comportamento verificado
Oferta final adequada para quase todos os Produtos, sem problemas
com regra de troca.
Grande redução de preços, dada a aversão ao risco de gerados
elétricos
Classificação
"Clock Auction" Reverso de Informação Limitada com Preço de
Reserva ≠ Preço Inicial e com Regra de Troca Fraca
Leilão Fechado Multi-Unidade de Preço Discriminatório com Única Rodada e Dois Lances Possíveis
Comportamento esperado
Oferta inicial forte, número de rodadas razoável, mas possíveis problemas
com regra de troca
Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances
Comportamento verificado
Oferta final pequena, inadequada, problemas com regra de troca que
levaram a número de rodadas extenso
Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances
Classificação
"Clock Auction" Reverso de Informação Limitada com Preço de Reserva = Preço Inicial; para Um
produto
Leilão Fechado Multi-Unidade de Preço Discriminatório com Única Rodada e Dois Lances Possíveis
Comportamento esperado
Oferta inicial fraca, número de rodadas razoável
Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances
Comportamento verificado
Oferta final adequada, número de rodadas razoável.
Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances
Classificação
"Clock Auction" Reverso de Informação Limitada com Preço de Reserva = Preço Inicial; para Um
produto
Leilão Fechado Multi-Unidade de Preço Discriminatório com Única Rodada e Dois Lances Possíveis
Comportamento induzido
Oferta inicial fraca, número de rodadas razoável
Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances
Comportamento verificado
Oferta final fraca, inadequada, apenas uma rodada
Redução de preços menor, dada a possibilidade de dois lances
Leilão
Leilão 2
Leilão 3
Leilão 4
Leilão 1
Fonte: Elaboração Própria
Primeiramente, deve-se notar a venda da energia sempre em duas fases. Cada uma
dessas fases caracteriza um tipo de leilão diferente. A junção de um leilão clock auction, com
características do Leilão Inglês para o caso reverso, com um leilão com características do
Leilão de Primeiro Preço Selado, também reverso, poderia ser tanto benéfica, como
Klemeperer afirma em seu texto de 1998, quanto deletéria, como afirma Binmore, Fehr e
Harbord em seu texto de 2004.
Segundo Klemperer (1998), essa junção seria benéfica, pois permitiria obter as
melhores características do Leilão Inglês, que seriam a de revelação da verdade e a alocação
ótima de Pareto. Ao mesmo tempo, segundo esse autor, o Leilão de Primeiro Preço Selado
152
impediria que a colusão, possível em ambientes concentrados com leilões do tipo Inglês,
ocorresse.
Em relação a Binmore, Fehr e Harbord (2004), sua análise afirma que a junção desses
dois tipos de leilão, em especial para o caso da primeira fase ser um clock auction, é deletéria,
pois induziria à baixa performance de ambos os leilões. Esses autores analisaram
especificamente o primeiro leilão brasileiro, identificando também uma falha na regra de
troca.
Independente da abordagem adotada, muito embora se reconheça que dois leilões
seqüenciais geram resultados diferentes desses leilões tomados em isolado, afirma-se que a
venda da energia em duas fases é mais provavelmente benéfica do que deletéria, pois além de
concentrado, o mercado elétrico brasileiro possui agentes muito avessos ao risco.
A primeira fase serviu para adequar a oferta de acordo com os produtos. A segunda
fase serviu para explorar a aversão ao risco e tornar arriscada a estratégia colusiva. Entretanto,
da mesma forma que Binmore, Fehr e Harbord (2004), identifica-se que a regra de troca foi
falha, permitindo resultados indesejados. Essa falha na regra de troca existiu tanto no primeiro
quanto no segundo leilão, sendo abolida no terceiro e quarto leilões porque esses leilões
possuíam apenas um Produto sendo leiloado.
A análise das regras permite perceber que os objetivos de modicidade tarifária foram
mais favorecidos que os objetivos de adequação da oferta em todas as sistemáticas. Essa
escolha está corroborada na determinação de preços de reserva considerados rígidos e que
determinariam efetivamente a duração da primeira fase de cada leilão. Entretanto, essa
escolha foi ligeiramente modificada na terceira sistemática, mas não abandonada. A
determinação de que o preço de reserva seria igual ao preço inicial acabou por diminuir a
oferta inicial do leilão logo na primeira rodada da terceira sistemática.
Deve-se também ponderar a questão da escolha dos preços de reserva, que podem ter
sido um grande impedimento para a participação nos leilões. Como não existem informações
sobre os custos reais das firmas, é difícil avaliar a adequação da escolha desses preços de
reserva.
153
Pode-se afirmar que a determinação do nível de preços de reserva sempre afetará o
objetivo de adequação da oferta. Isso ocorre porque, na realidade, são os agentes vendedores
de energia que determinam a oferta colocada efetivamente no leilão, baseando suas escolhas a
partir dos preços apresentados. O objetivo das firmas racionais é sempre atingir lucro
máximo. Dessa forma, a única maneira de atrair a oferta é oferecer preços em patamares
considerados atrativos.
Entretanto, o abandono desse preço de reserva só seria justificável à medida que o
mercado elétrico seja constituído de muitos agentes com pouco poder de mercado, que não
pretendem estabelecer equilíbrios colusivos. De outra forma, com um mercado concentrado, a
ausência do preço de reserva simplesmente implicaria o abandono do objetivo de modicidade
tarifária.
De fato, o maior problema das sistemáticas, que provavelmente intensificou as falhas
das regras dos leilões ocorridos, foi a possibilidade de arbitragem entre leilões, com os tipos
de energia sendo redefinidos para permitir que parte da energia existente fosse deslocada para
os leilões de energia nova. A decisão das firmas de energia está pautada principalmente na
variável de preço, comparada com seus próprios custos. Com expectativas de preços maiores
no leilão de energia nova, a decisão racional seria esperar para vender pelo menos uma parte
de sua energia nesse leilão.
Para terminar a análise do novo modelo de leilões de longo prazo, portanto, devemos
partir para a qualificação do último leilão: o leilão de energia nova. A análise dessa última
sistemática e de seus resultados será feita no próximo capítulo.
154
Capítulo V – Análise do Leilão de Longo Prazo de Energia Nova
Nesse capítulo será feita a análise da sistemática e dos resultados do leilão de energia
nova. A análise realizada nessa seção está baseada no “Detalhamento da Sistemática de Leilão
de Energia Nova”. O primeiro leilão de energia nova é o quinto e último leilão a ser analisado.
O leilão de energia nova teve um objetivo bem mais complexo do que o dos outros
leilões: outorgar concessão a novos empreendimentos e vender a energia desses
empreendimentos no leilão. Dessa maneira, a estruturação do leilão de energia nova deveria
promover o aumento dos investimentos no setor elétrico no novo mercado de eletricidade.
Retornando à análise do Capítulo 2, podemos afirmar que esse é o maior desafio dos
novos modelos dos setores elétricos do mundo inteiro: que tipo de mecanismo é capaz de
induzir o aumento dos investimentos, garantindo a adequação da oferta futura? Nesse sentido,
a proposta brasileira, ao longo dos próximos anos, irá gerar resultados importantes, que
poderão servir de base para os modelos a serem criados em outros países.
O leilão possuiu três fases para atender a seus objetivos. A primeira seria para alocar a
outorga de concessão dos novos empreendimentos hidráulicos estudados pelo governo e
adquirir o direito de participação nas outras fases. A primeira fase poderia ainda ser dividida
em duas etapas: a etapa inicial e a etapa contínua.
A segunda e terceira fases serviriam para a venda de energia elétrica, que continuaria a
ser negociada em lotes de 1 MW médio. Mais especificamente, a segunda fase serviria para a
classificação das ofertas mais competitivas que permitissem o atendimento da demanda com
alguma margem de segurança. A terceira fase caracterizaria a venda efetiva de energia e
definiria os vencedores do leilão. A terceira fase também poderia ser dividida em duas etapas:
etapa inicial e etapa de prorrogação. O detalhamento de cada fase será feito nas próximas
subseções.
155
Figura 23 – Estrutura do Leilão
Etapa Inicial
Etapa de Prorrogação
1.ª Rodada
2.ª Rodada
3.ª Rodada
Etapa Inicial
Etapa Contínua
1ª Fase Direito de
Participação
2ª FaseClassificatória
3ª FaseFechamento
O vencedor, para cada Novo Empreendimento hidro, terá o Direito de Participação na 2.ª fase.
Classificará as ofertas de todos os Proponentes Vendedores nos seis Produtos para a competição na 3ª fase.
Disputa entre os Proponentes Vendedores do direito de assinatura dos CCEAR’s
Fonte: Apresentação Apine.
Como um novo complicador do leilão, os empreendimentos que foram chamados de
energia “Botox”, poderiam participar da venda de energia elétrica nesse leilão, competindo
com os novos empreendimentos pelos contratos de energia. Logo a disputa serviria para
comprar energia nova, alocando concessões nesse caso, e “semi-nova”, que já possuía
concessão.
Inicialmente, 13 projetos de usinas para outorga de concessão estavam dispostos no
edital para serem alocadas na primeira fase. Apenas sete destas usinas puderam entrar no
leilão: Baguari, Foz do rio Claro, Passo São João, Paulistas, Retiro Baixo, São José e
Simplício. Para todos esses novos empreendimentos, a contratação final de energia da terceira
fase daria outorga de concessão de uso de bem público para exploração de usinas hidrelétricas
(UHE).
Para esses empreendimentos havia um preço máximo para a venda de energia,
chamado de Custo Marginal de Referência (CMR), definido em R$ 116,00/MWh pela EPE e
o MME. Assim como no terceiro e quarto leilões, o preço máximo era o preço de reserva e
também o preço inicial.
Genericamente, o critério de seleção dos vencedores de cada concessão seria igual ao
critério de venda de energia: seriam selecionados os agentes capazes de oferecer as menores
tarifas. Os vencedores desses novos empreendimentos hidráulicos não seriam obrigados a
156
comercializar toda a energia dos empreendimentos nesse leilão, ou seja, na segunda e terceira
fase. Esse fato poderia atrair mais investidores ao leilão.
Contudo, os vencedores da primeira fase deveriam comercializar no mínimo 30% de
sua capacidade de geração garantida71 para a comercialização na segunda e terceira fase do
leilão. Esse percentual foi chamado de percentual mínimo de ACR. Essa medida foi tomada
visando garantir parte do objetivo de modicidade tarifária ao assegurar que alguma energia
hidráulica fosse ofertada no ACR. O uso do percentual mínimo será mais bem especificado
posteriormente.
O primeiro leilão de energia nova deveria adquirir três tipos de Produtos de fonte
hidráulica e três Produtos de fonte térmica a partir da segunda fase, totalizando seis Produtos
a serem adquiridos. Para empreendimentos de fonte hidráulica, todos os contratos teriam
duração de 30 anos, sendo três possíveis contratos: 2008, 2009 e 2010. Para as usinas de fonte
térmica, os contratos seriam de 15 anos, com início de suprimento também em 2008, 2009 e
2010.72.
Para separar as fontes de energia, o código dos produtos seria diferente. Além de
conter o ano de início de suprimento e o número de anos do contrato, o código teve uma
especificação da fonte de energia específica, se hidráulica ou térmica. O código passou a ser
AAAA-BCC, onde os quatro primeiros dígitos (A) se referem ao ano de início de suprimento,
o quinto dígito (B) representa a fonte de energia (H para hidráulica ou T para térmica) e os
dois últimos dígitos (C) ainda se referem ao prazo de duração em anos do contrato.
Dessa forma, uma hidrelétrica não competiria diretamente com uma térmica. Assim,
eram ofertados para hidrelétricas: 2008-H30, 2009-H30 e 2010-H30. Já para as termelétricas
foram ofertados: 2008-T15, 2009-T15, 2010-T15. Fica claro que a definição de quantidade de
energia a ser contratada de cada fonte representaria uma escolha de política energética do
MME.
71 A Garantia Física, a ser vista adiante, definida pela EPE. 72 Dessa maneira, percebe-se que além de ocorrer com três (A-3) e cinco (A-5) anos de antecedência da data de início de suprimento, esse leilão também incluiu compra de energia nova com quatro anos de antecedência. Essa foi uma modificação excepcional para o leilão de energia nova de dezembro de 2005 para atendimento da demanda descontratada para o ano de 2009.
157
Os agentes vendedores interessados em participar do leilão foram classificado em três
casos: (caso 1) as empresas que desejam participar da concorrência pelas novas UHE’s; (caso
2) as empresas que desejavam participar para obter autorização de Usina Termelétrica (UTE),
Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) ou Projeto de Ampliação ou Importação; (casos 3) os
empreendimentos que se encaixam nos termos da Lei n° 10.848 e do decreto 5.163, a saber, as
usinas “Botox”. Para todas as empresas, uma série de documentos foi exigida para a etapa de
pré-qualificação dos interessados.
A EPE iria calcular as garantias físicas de cada novo empreendimento, térmico ou
hídrico, a participar do leilão, auxiliado pelos documentos entregues para o caso 2 e pelas
características dos empreendimentos do caso 1. Esse valor de garantia física representava a
disponibilidade máxima de energia que poderia ser comprovada e comercializada em cada
empreendimento. Para os empreendimentos Botox (caso 3), as empresas solicitariam inclusão
de montantes de energia segundo seus desejos e a EPE julgariam se esses montantes seriam
completamente ou parcialmente aprovados, ou se simplesmente não deveriam ser aprovados.
Todos os participantes que desejassem obter concessão para novos empreendimentos,
térmicos ou hidráulicos, deveriam depositar garantias chamadas de Garantias da Proposta73.
Para os empreendedores que desejaram participar especificamente da concorrência por
empreendimentos hídricos da primeira fase, as Garantias de Proposta para cada
empreendimento em que se desejasse concorrer foi de 1% do valor de investimento do
empreendimento desejado. O valor do investimento de cada projeto foi estipulado pela EPE e
divulgado anteriormente.
Para os agentes que desejavam habilitar novos empreendimentos térmicos ou PCH
ainda sem autorização ou Projeto de Ampliação ou Importação, as Garantias de Proposta foi
de 1% do valor do investimento para o (s) qual (is) tivessem sido credenciados. O valor do
investimento foi aprovado pela EPE.
No caso dos agentes que se credenciaram com empreendimentos do caso 3, mas que
ainda não se encontravam em operação comercial ou que não possuíam garantia de contrato
73 Essas tais garantias estão estipuladas no inciso III do art. 31 da Lei n° 8666, de 1993.
158
depositada junto à ANEEL, foi exigido depósito de Garantia de Proposta correspondente a 1%
do valor do montante da energia habilitado pela EPE.
Os vendedores credenciados e aprovados que já estavam em operação e possuíam
garantia contratual depositada na ANEEL só precisaram depositar a Garantia Financeira usual
de R$ 2.000,00 por lote que pretendessem comercializar, respeitando o limite permitido à
comercialização anunciado pela EPE.
Foram estabelecidas datas específicas também para o treinamento da sistemática,
realizadas do dia 1/12/2005 ao dia 10/12/2005. Neste leilão permaneceria proibida a
comunicação entre os competidores, tanto os que participam da disputa pelos
empreendimentos hidráulicos quanto os que participam apenas da segunda e terceira fase.
No dia do leilão, 16/12/2005, as informações cruciais foram cadastradas no sistema
eletrônico. Antes do início do leilão, um representante do MME inseriu no sistema o CMR de
R$ 116/MWh, o Percentual Mínimo de Comercialização no ACR, estabelecido no edital
como de 30%, as quantidades declaradas pelas distribuidoras por ano de início de suprimento
dos produtos, o submercado das distribuidoras, a ordem das licitações das usinas e os valores
de custo COP e CEC de cada um dos geradores térmicos, embora essas empresas só
participassem na segunda fase do leilão.
O COP é o valor esperado do custo de operação da térmica. Esse valor correspondeu
ao custo variável unitário de cada usina multiplicado pela diferença entre a geração da usina
térmica em cada mês, em cada possível cenário, e a medida de inflexibilidade mensal74.
A CEC é o valor esperado do custo econômico de curto prazo da térmica. Esse valor
corresponde ao custo econômico de curto prazo. Ele resulta das diferenças mensais apuradas
entre o despacho efetivo da usina e sua garantia física total. Teoricamente, corresponde ao
valor acumulado das liquidações do mercado de curto prazo baseado no Custo Marginal de
74 A medida de inflexibilidade deriva dos limites mínimos de geração para iniciar a operação da térmica. Para o cálculo da EPE foi feita uma simulação estática de 60 meses utilizando uma amostra com 2000 cenários de afluências futuras do SIN.
159
Operação (CMO), que é o custo da usina mais cara a operar no SIN75. É também baseado no
nível de inflexibilidade do despacho e no custo variável unitário.
Após essa inserção de informações, um representante da ANEEL inseriu no sistema: o
fator alfa, o valor de investimento de cada empreendimento, a garantia física dos novos
empreendimentos (térmicos e hídricos), o montante de energia estipulado para os
empreendimentos do caso 3, o valor do Uso de Bem Público (UBP) de usinas com contatos de
concessão que incluíam esse valor como variável e o ano estimado para o início da
geração/suprimento de energia dos novos empreendimentos.
O fator alfa foi o fator para correção do preço final de venda para os novos
empreendimentos hidráulicos vencedores do leilão que não destinassem toda a energia
potencial para o ACR.
O valor de UBP seria inserido para os empreendimentos do caso 3 que tivessem sido
licitados segundo o critério de máximo pagamento de UBP. Dessa forma, o preço final de
venda incluiria uma correção para evitar que as usinas que estivessem incluídas nesse caso
tivessem desvantagens na competição por troca de critério de escolha76. Esse ajuste será visto
mais adiante, dado que é feito apenas ao fim do leilão.
O ano estimado para o início da geração/suprimento de energia dos novos
empreendimentos seria baseado no tempo necessário para o término das construções das
usinas e o início das atividades.
Um representante da CCEE, por sua vez, introduziria no sistema a relação dos
competidores da primeira fase, a relação das distribuidoras compradoras de energia e a
relação de todos os empreendimentos confirmados para participar do leilão a partir da
segunda fase. Também deveria inserir, em nome do agente custodiante, os valores relativos às
garantias da proposta de cada competidor da primeira fase e da segunda fase, bem como os
valores das garantias financeiras aportadas pelos outros empreendimentos que entrarariam no
leilão a partir da segunda fase.
75 Para o cálculo da EPE foi feita uma simulação estática de 60 meses utilizando uma amostra com 2000 cenários de afluências futuras do SIN. 76 Passou-se a adotar o menor preço como critério, e não o UBP máximo, nesse novo modelo.
160
Os vendedores puderam acessar o sistema a partir das 9:34 h para verificar se as
informações sobre as suas garantias estavam corretas. O leilão iniciou precisamente às 10:00
h. Como já explicitado, o leilão foi composto de três fases. Partiremos para a descrição
detalhada dessas fases.
5.1 Primeira Fase
Como já afirmamos, a primeira fase poderia ser dividida em duas etapas: a etapa
inicial e a etapa contínua. A etapa inicial seria um Leilão de Primeiro Preço Selado. A etapa
contínua seria um Leilão Inglês. Ao descrever as características dessas etapas poderemos
entender essas classificações. O objetivo dessa fase era de alocar cada empreendimento para o
jogador que oferecesse o menor preço e que possuísse garantias suficientes para cobrir sua
proposta.
As informações individualmente disponibilizadas para os competidores nessa fase
foram: o saldo das garantias de proposta, os detalhes dos empreendimentos a serem licitados,
como código, ordem na licitação, valor de investimento, garantia da proposta exigida por
empreendimento, suas garantias físicas e o ano de início de suprimento de cada usina, bem
como o CMR do leilão, já anunciado no edital.
Além dessas informações básicas, os empreendedores tiveram acesso à relação dos
empreendedores que foram pré-qualificados. Somente essa informação sobre os outros
competidores seria liberada ao longo do leilão. Esse tipo de informação, segundo a teoria dos
leilões, em ambientes de aversão ao risco, não deveria ter sido revelada. O desconhecimento
do número de agentes na disputa poderia ter melhorado os lances.
As licitações foram leiloadas individualmente, de forma seqüencial. Para tanto, foi
disponibilizada uma ordem de licitação e o leilão de cada empreendimento seria feito apenas
após o fim do leilão do empreendimento anterior. Os empreendimentos em ordem de licitação
foram: UHE Baguari, UHE Retiro Baixo, UHE Passo São João, UHE Simplício, UHE São
José, UHE Foz do Rio Claro e UHE Paulistas.
161
Em cada licitação foi verificada, para cada competidor participante da disputa, a
existência de garantias suficientes para obter o empreendimento da ordem. Se um competidor
não possuísse garantias suficientes para um determinado empreendimento, o sistema
informaria ao mesmo que não estaria apto a disputar esse empreendimento em questão.
Não foi permitido que um mesmo empreendimento fosse disputado por dois ou mais
consórcios que possuíssem em sua composição uma mesma empresa disputando. Também
não foi permitida a disputa de um empreendedor isolado com um consórcio do qual fizesse
parte.
Como já especificado, o CMR foi definido como o preço máximo de aquisição da
energia de fonte hidráulica. O CMR foi o preço inicial para todos os empreendimentos. Dessa
forma, o CMR foi efetivamente o preço de reserva e o preço inicial para os novos
empreendimentos de fonte hidráulica. O CMR foi estipulado pela EPE e aprovado pelo MME,
sendo uma estimativa do custo de geração mais caro dos empreendimentos a serem licitados.
O leilão iniciou às 10:00 h. Dentro de um tempo de 5 minutos, os competidores com
garantia suficiente puderam inserir um único lance válido para o primeiro empreendimento da
lista de ordem de licitações. Como o lance foi único e não se viam os lances dos outros, pode-
se afirmar que o leilão é de Primeiro Preço Selado. O lance deveria ser uma oferta de preço
em R$/MWh menor ou igual ao CMR, sem especificação de quantidade.
Essa etapa inicial, classificada como um Leilão de Primeiro Preço Selado, serviu para
explorar a aversão ao risco dos empreendedores. Contudo a agressividade do lance deve ter
sido afetada por conta da existência da segunda etapa.
Ao fim do tempo de inserção, ou quando todos os competidores validaram os lances, o
que ocorreu primeiro, a etapa inicial foi dada como encerrada. O sistema classificou, então, os
lances válidos em ordem crescente de preço. Para processar os resultados, foram comparados
os dois menores preços oferecidos.
Se a diferença entre os dois menores preços fosse igual ou maior do que 5%, o
proponente que tivesse ofertado o menor dentre os preços seria o vencedor da licitação do
empreendimento em questão. Dessa forma, a escolha do vencedor do primeiro
162
empreendimento estaria feita e seriam feitos os preparativos para o leilão do próximo
empreendimento da ordem da lista de empreendimentos.
No caso em que a diferença entre esses dois menores preços fosse menor que 5%,
todos os proponentes que fizeram lances a esses dois preços menores disputariam uma outra
etapa de lances, chamada de etapa contínua. Dois ou mais de dois competidores poderiam ser
selecionados dentro dessa regra, pois poderiam ocorrer propostas empatadas, ou seja, mais de
um jogador com mesma oferta em cada um desses dois menores preços de lance.
A etapa contínua, que ocorreria apenas nesse caso de empate ou “quase empate” de
lances, procederia como um leilão eletrônico que ocorre em algum sites da internet. Esse tipo
de leilão é um leilão Inglês, que não identifica participantes, mas em que os melhores lances
são de conhecimento público; portanto a informação é parcialmente limitada.
Nesses processos, a cada momento o leiloeiro eletrônico seleciona o melhor lance e dá
um tempo para os outros participantes cobrirem o melhor lance. A cada nova melhor oferta,
um novo tempo para manifestação de novas ofertas é dado. O leiloeiro anuncia qual a melhor
oferta a cada momento, para que os participantes possam cobri-la se quiserem. Até que, na
ausência de manifestações dentro do tempo, o leilão encerra. Nesse sistema eletrônico, o
tempo de inserção de lance vai sendo reiniciado pelo sistema a cada momento que um lance é
aceito, ou seja, a cada momento que uma oferta é melhor para o leiloeiro. Iremos explicar
melhor esse esquema na sistemática brasileira.
Ao iniciar a etapa contínua, um preço corrente, correspondente ao menor preço de
lance da etapa inicial recém terminada, seria anunciado. Foi estipulado um percentual de
decremento mínimo para validar os lances. O decremento em R$/MWh deveria ser aplicado
sobre cada preço corrente para determinar os lances válidos. Um lance só seria aceito como
válido se fosse menor ou igual ao preço corrente diminuído desse valor do decremento.
Os competidores teriam 2 minutos para inserir um lance a partir do início da contagem
do tempo. Com a inserção de pelo menos um lance válido, o preço corrente seria atualizado
no sistema, passando a ser igual ao lance válido inserido (obviamente menor que o preço
corrente) a partir do início da contagem do tempo de inserção. O competidor que inseriu esse
menor preço, que passa a ser o novo preço corrente, seria considerado momentaneamente
163
classificado e seria avisado pelo sistema. Os outros competidores veriam que um novo preço
foi selecionado, sendo transformado em um novo preço corrente, e que sua oferta não foi
classificada.
A partir dessa determinação de um novo preço corrente, e da classificação preliminar
de um competidor, o sistema reinicia a contagem do tempo de 2 minutos e os jogadores
poderiam continuar a fazer lances, desde que lances menores que o novo preço corrente
diminuído do decremento. Dessa maneira, a cada inserção válida dentro do tempo, o preço
corrente seria atualizado e começaria um novo período para inserção de lances.
A etapa terminaria quando nenhum novo lance fosse feito dentro do tempo limite de 2
minutos após o último lance válido ter sido declarado como preço corrente. Isso significaria
que se existisse inatividade (não se fizessem lances) em um período de tempo, a etapa
encerraria.
Esse esquema reproduz quase que fielmente o Leilão Inglês, sendo diferente apenas
pelo fato de que os jogadores não identificam de qual participante veio a melhor oferta, que,
nesse caso, é o menor preço de lance válido a cada momento. Dessa forma, a alocação tende a
ser ótima e diminui o problema da “maldição do vencedor”, uma vez que se observam sinais
de preço de outros jogadores. Como não há identificação dos participantes, a possibilidade de
colusão é reduzida.
Obviamente, com a etapa contínua encerrada, o vencedor seria o proponente que
determinou o preço corrente final, isto é, que fez a menor oferta de preço para a licitação do
empreendimento. As outras licitações seriam então feitas, seguindo essas mesmas regras.
O esquema abaixo representa a dinâmica resumida dessa primeira fase.
164
Figura 24 – Funcionamento da 1ª Fase 1ª Fase
Preço Inicial= CMR
Etapa Inicial Lances = P ≤ CMR
Classificação: Comparação entre 2
menores P
Etapa Contínua
Tempo de Inserção Esgostado sem Novos
Lances
Lances = P ≤ PC - D
Processamento dos lances e Classificação
Lances = P ≤ PC - D
Pmin 2 ≥ 105% x Pmin1
Pmin 2 < 105% x Pmin1
Próxima Licitação
P = Preço PC = Preço Corrente D = Decremento Pmin 1 = Menor Preço Pmin2 = Segundo Menor Preço CMR = Custo Marginal de Referência
Fonte: Elaboração Própria.
Se não houvesse mais empreendimentos a leiloar, partir-se-ia para a definição da
quantidade de energia a ser vendida. Os vencedores das licitações, ou seja, que detiveram
direitos de participar das próximas fases, deveriam então definir que percentual da energia
total da garantia física dos empreendimentos destinariam ao ACR.
De fato, a definição dos vencedores foi encerrada às 11:14 h, iniciando
automaticamente o período de definição do percentual de ACR. Para definir o percentual do
ACR, os vencedores tiveram 10 minutos. Todos os empreendimentos deveriam escolher
percentuais iguais ou superiores a 30%. Esse percentual seria aplicado sobre a quantidade das
garantias físicas de cada empreendimento, ou seja, as capacidades de geração estipuladas para
cada projeto, definidas pela EPE e MME. Os proponentes que não definissem um percentual
dentro desses 10 minutos ficariam automaticamente obrigados a destinar o percentual mínimo
de 30%.
Terminado o tempo de 10 minutos e definidos os percentuais, o sistema multiplicou o
percentual escolhido pela garantia física de cada empreendimento. O resultado dessa
multiplicação definiu a quantidade de lastro para venda de energia nas próximas fases. Desta
maneira, a primeira fase foi encerrada às 11:24 h. Nenhum competidor desta fase poderia
165
deixar as suas respectivas salas antes do início da segunda fase ou aviso prévio da ANEEL,
para evitar trocas de informação entre os concorrentes.
O quadro abaixo apresenta os vencedores do leilão em cada uma das licitações com os
respectivos preços de lance vencedores e o decremento dos lances em relação ao preço inicial,
ou seja, o CMR.
Quadro 22 – Resultado da 1ª Fase
Nome do Empreendimento
LocalizaçãoPotência Mínima
InstaladaEmpreendedor
Preço de Venda
Decremento %
UHE Baguari Minas Gerais 140 BAGUARI R$ 115,10 0,78%
UHE Foz do Rio Claro Goiás 68,4 ALUSA R$ 108,20 6,72%
UHE Passo São JoãoRio Grande do Sul 77 ELETROSUL R$ 112,55 2,97%
UHE PaulistasGoiás e Minas Gerais 52,5 FURNAS R$ 114,37 1,41%
UHE Retiro Baixo Minas Gerais 82 ORTENG R$ 114,86 0,98%
UHE São JoséRio Grande do Sul 51 ALUSA R$ 115,80 0,17%
UHE SimplícioMinas Gerais e Rio
de Janeiro333,7 FURNAS R$ 115,38 0,53%
Fonte: Elaboração própria, a partir dos dados do site www.ccee.org.br.
Não existe informação sobre o número de ofertas colocadas na etapa inicial para cada
empreendimento, nem existem informações sobre para quais empreendimentos foi realizada a
etapa contínua, nem o número de rodadas dessa etapa. Dessa forma, não se pode determinar
com certeza se houve, ou não, disputa acirrada pelos empreendimentos.
Contudo, ao se comparar o preço de encerramento da primeira fase em relação ao
CMR, o preço inicial, pode-se inferir que provavelmente a UHE Foz do Rio Claro foi o
empreendimento com maior concorrência. Isto porque o decremento calculado foi de 6,72%,
muito superior aos outros casos.
Em relação à estrutura de capital dos novos empreendimentos, pode-se dizer que a
participação ao fim da primeira fase foi bastante igualitária. Das sete licitações, três foram
alocadas para capitais privados, três foram alocadas para empresas estatais e uma foi
adquirida por um consórcio de capital misto, composto de empresas estatais e privadas77.
77 A saber, o Consórcio Baguari, formado pela Cemig, Furnas e Neoenergia.
166
Entretanto, em termos de MW instalados, a maior parte foi adquirida por empresas estatais,
como pode ser visto no gráfico abaixo.
Gráfico 14 – Participação por Tipo de Capital na Potência Instalada
Participação na Potência Instalada da Primeira Fase
Estatal 57,6%
Privada 25,0%
Consórcio Misto 17,4%
Fonte: Elaboração própria.
Independente do tipo de capital que adquiriu cada empreendimento, todas as licitações
foram alocadas na primeira fase, o que é um resultado positivo. Existia a possibilidade de que
houvesse ausência de ofertas dado o preço inicial da energia. Essa possibilidade não foi
concretizada e as licitações foram todas alocadas, possibilitando que a energia hidráulica
realmente nova participasse das segunda e terceira fases.
Por último, deve-se também atentar para o fato de que o CMR foi definido como preço
máximo de compra para todos os empreendimentos, independente da localização, da escala e
das características específicas de cada projeto. O preço único não influiria no resultado se a
concorrência em cada projeto fosse considerável. Contudo, pelos decrementos observados em
cada projeto, a concorrência não foi forte o bastante para que se atingisse o verdadeiro valor
de custo dos projetos. Como essa era a primeira de uma série de três fases de venda de
energia, cabe esperar a análise dos resultados finais do leilão para avaliar a adequação da
escolha do CMR único para os sete projetos.
5.2 Segunda Fase
Esta fase poderia ter no máximo 3 rodadas. Poder-se-ia classificar a fase inteira como
um leilão multi-rodada (embora com rodadas limitadas), multi-unidade e de preço
167
discriminatório. Contudo, essa classificação não é muito adequada, dadas as inúmeras
modificações e limitação de informações.
Na realidade, com esse número reduzido de rodadas somado às informações fechadas,
cada vendedor deveria se comportar proximamente como que diante de três Leilões de
Primeiro Preço Selado seqüenciais. Cada jogador tentaria adivinhar como cobrir a melhor
oferta de seus oponentes, feitas as ressalvas coerentes aos contextos multi-unidade.
Nessa fase passaram a concorrer os empreendimentos credenciados e habilitados de
fonte térmica, as PCH’s e as usinas chamadas de “Botox”, além dos concorrentes de fonte
hidráulica selecionados na primeira fase.
Os lastros para venda desses empreendimentos já tinham sido inseridos antes do início
do leilão. No caso dos concorrentes com novos empreendimentos que não participaram da
primeira fase, o lastro foi determinado pelo MME, sendo a própria garantia física de cada um
dos empreendimentos, calculada de acordo com as informações dadas no credenciamento.
Para as usinas “Botox “, o lastro foi definido pelas garantias financeiras aportadas e a
comprovação de lastro físico.
Os empreendimentos validaram as informações de disponibilidades de lastro e
garantias a partir das 11:24 h. A segunda fase só teve início às 14:37 h. O sistema tornou
disponível os três produtos de cada fonte.
Os lances nessa fase constituíram a quantidade de lotes que se desejou alocar em cada
produto, respeitada a fonte dos empreendimentos, e um preço de venda para cada um desses
produtos onde se alocaram os lotes. Dependendo da fonte de energia, os lances foram feitos
de formas distintas.
Especificamente para os empreendimentos de origem hidráulica que participaram da
primeira fase, os preços de lance foram valores escolhidos pelos empreendedores menores ou
iguais ao preço que classificaram esses empreendimentos no fim da primeira fase. A
quantidade de lotes por produto para o lance foi igual ao lastro de venda, definido pelo
percentual de ACR escolhido, como exposto anteriormente. Dessa maneira, todos os lotes de
um empreendimento se direcionaram a um único produto.
168
Os jogadores poderiam escolher em qual Produto desejavam ofertar. Se desejassem
ofertar energia para anos anteriores ao de início de operação previsto para as suas usinas, os
jogadores deveriam arcar com o suprimento dessa energia se saíssem vencedores do leilão. Na
ausência de lance de algum competidor, o sistema aplicou a totalidade de lotes do lastro no
produto correspondente ao início de suprimento estimado dos empreendimentos, ao preço
com que venceram a primeira fase.
No caso das vendedoras térmicas, os lances de preço ao longo dessa fase e também da
próxima, foram lances de Receita Fixa (RF, em R$/ano) que elas escolheram. Esses valores de
receita seriam convertidos automaticamente pelo sistema no Índice de Custo Benefício (ICB).
Esse índice era um valor em R$/MWh calculado pela seguinte fórmula:
ICB = horasanonGF
CECCOPhorasanonQL
RF°×+
+°×
)( (5)
, onde QL é a quantidade de lotes que são ofertados no lance e a GF são as Garantias
Físicas, em MW médio, que cada empreendimento possuía.
Obviamente, a quantidade de lotes por produto das térmicas deveria respeitar a
quantidade de lastro. Os lotes do lastro, contudo, poderiam ser divididos e associados a
produtos diferentes; nesse caso, dever-se-ia também arcar com o fornecimento de energia
antecipado, ou seja, em produto de data anterior ao de início de suprimento previsto das
plantas.
Para o caso da energia “Botox” e das PCH’s, as quantidades de lotes estavam
limitadas por seus lastros de venda. Os preços seriam feitos de acordo com a fonte apropriada:
em R$/MWh para as hidráulicas e em RF/ano para térmicas. Não havia um limite formal de
preço.
Na primeira rodada, o sistema apresentou a lista dos empreendimentos habilitados para
a segunda fase. Em todas as rodadas, cada competidor teve 25 minutos para formular e validar
169
seu lance. Ao fim deste tempo, ou quando todos os jogadores realizaram lances, o que ocorreu
primeiro, a rodada foi encerrada.
O sistema então classificou os lances por produto, em ordem crescente de preço. Com
base nessa classificação, o representante do MME pôde avaliar a oferta total por produto e
compará-la com as quantidades declaradas por produto. Esse representante classificou, então,
os produtos em Produtos Destino ou Produtos Origem.
Um produto seria denominado de Produto Destino quando a quantidade ofertada de
energia fosse menor ou igual à oferta de referência, a saber, a demanda multiplicada pelo fator
de referência. Por outro lado, um produto seria chamado de Produto Origem quando a oferta
fosse maior do que a oferta de referência.
O representante do MME, de posse das informações sigilosas de demanda e de oferta
por produto, deveria escolher no mínimo um dos produtos78 de cada fonte para denominar de
Produto Origem, inserindo a quantidade demandada e o fator de referência desses produtos
escolhidos no sistema. Obviamente, essas quantidades não seriam reveladas aos jogadores.
Aqui surge o primeiro enigma da sistemática: nada garantiria que haveria excesso de
oferta para algum produto, ou seja, que existiriam Produtos Origem. Logo, conclui-se que
cortes de demanda poderiam ser feitos arbitrariamente pelo representante para atender esse
propósito de definir excesso de oferta para pelo menos um dos produtos. Os Produtos Destino,
por sua vez, não teriam suas quantidades demandadas e fator de referência inseridos no
sistema no decorrer das rodadas, mas apenas ao fim da segunda fase. Cabe destacar que, dessa
maneira, o papel do MME foi muito importante nesse leilão, diferentemente dos outros
leilões.
Além disso, quando um produto fosse classificado como Produto Origem não poderia
mais ser alterado nas próximas rodadas para Produto Destino, ou seja, dessa vez não se
permitiria um esvaziamento total do produto. Por outro lado, o Produto Destino poderia
passar a Produto Origem. Um produto com excesso de oferta deveria permanecer com algum
excesso de oferta nessa fase, permitindo realocações mais direcionadas entre produtos.
78 Essa especificação de definição de no mínimo um Produto Origem está no detalhamento da sistemática, item 6.4.9, pág 30.
170
Definidos os produtos como Destino ou Origem, o sistema passaria a classificar todos
os lotes associados a Produtos Destino como Lotes Classificados no leilão. Para os Produtos
Origem, os lotes estariam Classificados se estivessem dentro da quantidade de oferta
referência estipulada no sistema, associada aos menores preços possíveis. Ou seja, do
ordenamento por preços crescentes, seriam selecionados todos os lotes necessários para
igualar a oferta de referência com os menores preços possíveis para os produtos origem. Os
lotes não selecionados seriam identificados como Lotes Não Classificados pelo sistema. Os
lotes não associados aos lances seriam Excluídos.
Dessa maneira, a primeira rodada seria encerrada e cada competidor saberia qual
produto foi considerado Origem, qual produto foi considerado Destino, quantos de seus lotes
em cada produto foram classificados, e quais não foram, e a que preços estavam associados.
Se não houvesse nenhum Lote Não Classificado ou se não houvesse Produtos Destino
(todos os produtos fossem Origem), não haveria mais rodadas e a segunda fase seria encerrada
(caso 1).
No caso específico de só haverem Produtos Origem (ou seja, não exissem Produtos
Destino), a segunda fase terminaria e apenas os lotes chamados de Classificados iriam para a
próxima fase; os lotes Não Classificados seriam excluídos do leilão. Se houvesse lances de
preço iguais de duas (ou mais) ofertas de concorrentes distintos, sendo que apenas uma dessas
ofertas era necessária para igualar a oferta de referência, a escolha seria aleatória e os lotes
necessários da oferta selecionada seriam dados como Classificados.
Caso existissem, ao fim da primeira rodada, Lotes Não Classificados em Produto(s)
Origem ao mesmo tempo em que existisse algum Produto Destino, produto este que precisa
de ofertas para completar a de referência, nova rodada seria iniciada (caso 2). Pode-se dizer
que essa era uma tentativa de se alocar o excesso de oferta relativo de um produto para o
produto que possuísse oferta abaixo do esperado.
Em qualquer caso, o sistema anunciaria os resultados do processamento da rodada,
informando a situação dos produtos e dos lotes.
171
Na segunda rodada, supondo que ocorresse o caso 2, os proponentes deveriam
submeter lances de preço e quantidade para os seus Lotes Não Classificados para os Produtos
Destino de mesma fonte energética. Caso o competidor tivesse Lotes Classificados em algum
Produto Destino, poderia agregar todos ou parte dos Lotes Não Classificados ao preço dos
lotes já classificados nesse Produto Destino. O tempo de inserção seria novamente de 25
minutos. O leilão realmente teve uma segunda rodada, que iniciou às 17:30 h.
Todo o processo de classificação dos produtos e dos lotes, iniciado por nova avaliação
do representante do MME, seria feito novamente. Os produtos seriam reclassificados, não
esquecendo o fato de que o Produto Origem continuaria sempre classificado como Produto
Origem, mas o Produto Destino poderia se tornar Produto Origem, se o deslocamento de
ofertas fosse suficiente. As trocas possíveis poderiam até mesmo gerar um excesso de oferta
além do necessário no Produto Destino, deslocando algum lote anteriormente Classificado.
Depois dessa classificação, se existissem apenas Produtos Origem ou se todos os lotes
estivessem Classificados, o leilão encerraria nessa segunda rodada, pois se teria garantido a
oferta para cada produto (caso 1). Da mesma maneira, com o encerramento, apenas Lotes
Classificados seguem para a terceira fase e o critério de desempate é o mesmo. Porém, se
ainda existissem Lotes Não Classificados e houvesse Produto(s) Destino, uma terceira rodada
seria iniciada, seguindo a mesma dinâmica da segunda.
A terceira rodada seria a última, não importando as situações de classificação de lotes
e produtos. Os lances seriam novamente feitos para os Lotes Não Classificados, dirigidos aos
Produtos Destino. O tempo de inserção também seria de 25 minutos e, após o término desse
período, seria feita a classificação dos lotes e dos produtos. Nesse leilão também houve
necessidade de realizar a terceira rodada, que iniciou às 18:20 h.
Excepcionalmente na terceira rodada, se houvesse lances de preço iguais de duas (ou
mais) ofertas de concorrentes distintos, sendo que apenas uma dessas ofertas seria necessária
para completar a oferta de referência, a seleção não seria mais aleatória: todos os lotes
empatados seriam considerados classificados para a terceira fase.
Apresenta-se a seguir um esquema dos procedimentos dessa fase.
172
Figura 25 – Funcionamento da Segunda Fase
2ª Fase
Rodada 1 Lances: P e Q
Valida e Classifica
Produto Origem
Produto Destino
Lotes Classificados
Lotes Classificados
Lotes Não Classificados
Rodada 2 Lances: P e Q
Valida e Classifica
Produto Destino
Produto Origem
Lotes Classificados
Lotes Classificados
Lotes Não Classificados
Rodada 3 Lances: P e Q
Valida e Classifica Produto
Origem
Produto Destino
Lotes Classificados
Lotes Classificados
Lotes Não Classificados
P = Preço Q =Quantidade
Fonte: Elaboração Própria.
A segunda fase seria finalmente encerrada e as ofertas Não Classificadas estariam
excluídas no leilão. No ordenamento, mais uma vez seriam selecionadas as ofertas de lotes
necessárias para igualar a oferta referência com menor preço possível.
Cabe destacar que o leilão incorporou uma pequena e importante vantagem para os
empreendimentos realmente novos e para as PCHs. Em qualquer das três rodadas, poderia
acontecer que o último preço aceito tivesse mais lotes do que o necessário para igualar o total
de lotes requeridos pelo MME. Nesse caso, os lotes em excesso seriam normalmente
chamados de Lotes Não Classificados, como foi observado.
Contudo, para os empreendimentos cuja construção não tivesse sido iniciada ou PCHs
que se encontrassem nessa situação em um determinado Produto, todos os seus lotes
associados ao derradeiro lance aceito seriam dados como Classificados79. Teoricamente, seus
Lotes deveriam ser Classificados e Não Classificados de acordo com a oferta. Com essa
brecha, todos os lotes do último lance necessário seriam chamados de Classificados, desde
que o autor do lance fosse um empreendimento cuja construção não tivesse sido iniciada ou
uma PCH.
79 Essa regra está especificada no item 6.4.5 da Sistemática, versão 05/12/2005, pág. 30.
173
Para as usinas hidrelétricas advindas da primeira fase isso seria lógico por conta do
fato de essas usinas terem de alocar toda a quantidade de lotes do percentual garantido ao
ACR em um único lance. De fato, essa possibilidade compensaria em parte o fato de não
poderem arbitrar preços diferentes com as partes de seus lotes80. Para as outras usinas, isso
seria um real incentivo ao investimento.
No caso dos outros vendedores, cujas usinas já estivessem em fase de construção ou já
construídas, não haveria essa possibilidade. Logo, foi dada a opção de que se tivessem Lotes
Classificados e Não Classificados em um mesmo Produto, poderiam fazer um lance único de
preço agregando os dois tipos de lotes. Isso poderia ou não ser vantajoso, dependendo da
situação do Produto e da posição dos outros competidores.
Cabe destacar que nessa segunda fase apenas as novas usinas hidrelétricas da primeira
fase tiveram limitação de preço. Essa estratégia provocaria a alocação quase-certa desses lotes
nos Produtos, pois forçava preços hidráulicos mais baixos, principalmente porque a concessão
só seria aprovada se efetivamente vendesse energia no leilão.
Não existem dados sobre essa segunda fase, nem dados de posição final dos agentes,
nem dados sobre demanda ou oferta, ou a possível classificação dos Produtos. Portanto, a
eficácia do mecanismo não poderá ser testada.
5.3 Terceira Fase
A dinâmica dessa fase foi praticamente idêntica à dinâmica da primeira fase. Surgiria
novamente a figura do preço corrente. Da mesma maneira que na primeira fase, haveria
possibilidade de ocorrerem duas etapas distintas: uma etapa inicial, obrigatória, e uma etapa
de prorrogação, se necessária. A classificação dessas etapas é idêntica a das etapas da
primeira fase: a etapa inicial seria um Leilão de Primeiro Preço Selado; a etapa de
prorrogação seria um Leilão Inglês, levemente limitado.
80 Ver item 6.3.3 e 5.5.4 da Sistemática, versão 05/12/2005, pág. 28 e 25, respectivamente.
174
Antes de iniciar a terceira fase, o representante do MME inseriu no sistema um preço
inicial para cada um dos produtos. Esse processo de definição de preços teve início às18:58 h
e se extendeu até às 19:26 h. O sistema passou a anunciar o preço corrente, que nesse início
foi exatamente igual ao preço inicial divulgado. O quadro abaixo apresenta os preços iniciais.
Deve-se observar que o Produto 2010-T15 estava com preço inferior aos dos anos 2008 e
2009. Esse fato poderia indicar: um excesso de oferta verificado pelo MME para o ano 2010;
e/ou uma escolha de política energética que visava privilegiar a fonte hidráulica para 2010.
Quadro 23 – Preços Iniciais da Terceira Fase
ProdutoPreço Inicial da
3º Fase
2008-H30 116
2009-H30 116
2010-H30 116
2008-T15 139
2009-T15 139
2010-T15 124,67 Fonte: CCEE.
Os lotes que foram Classificados na segunda fase seriam reclassificados em Lotes
Atendidos ou Lotes Não Atendidos. Um lote estaria Atendido quando estivesse dentro do
limite de quantidade total demandada em um produto, a um preço inferior ou igual ao preço
inicial. Todos os lotes em excesso em relação à demanda e com preço associado de lance
acima do preço inicial seriam considerados Lotes Não Atendidos. Note que anteriormente os
lotes eram classificados segundo sua posição em relação à oferta de referência, e agora as
classificações foram dadas segundo a posição em relação à demanda.
O sistema, então, informou a cada proponente a relação de seus próprios lotes de cada
empreendimento em cada produto e a nova situação dos lotes, em Atendido ou Não Atendido.
Para a classificação, foi preservada a ordenação com os preços de encerramento da segunda
fase, só que atendendo ao novo critério de limitação à quantidade total de demanda e não à
oferta de referência.
Os competidores que tivessem Lotes Não Atendidos poderiam, assim, submeter um
lance único por empreendimento, para todos ou parte dos seus lotes não atendidos desse
empreendimento, desde que permanecendo no mesmo produto a que estavam associados no
fim da segunda fase. Dessa forma, não há possibilidade de migração para outros produtos.
175
Iniciou então a etapa inicial dessa fase, exatamente às 19:34 h.Os lances continuaram
sendo de preço e de quantidade, lembrando que as térmicas realizariam ofertas de receita fixa
ao invés de ofertas de preço propriamente dito. Os preços escolhidos para o lance deveriam
ser menores ou iguais ao preço corrente, que na etapa inicial foi exatamente o preço inicial. O
tempo para a inserção de lance foi de 15 minutos.
Os Lotes Não Atendidos que não foram associados a esse lance estavam
automaticamente Excluídos do leilão. Uma vez encerrado o tempo de inserção, ou se todos os
jogadores tivessem feitos seus lances, o que ocorresse primeiro, a etapa estaria encerrada. O
sistema, então, ordenou os lances por ordem crescente de preços.
Para os produtos onde a quantidade total ofertada foi menor ou igual à quantidade total
demandada (caso 1), foi encerrada a negociação. Se este fato ocorresse para todos os
produtos, estaria encerrada a terceira fase.
Já se houvesse produtos onde fosse verificada quantidade total ofertada maior do que a
demandada (caso 2), seria inicia a etapa de prorrogação. O MME poderia acrescentar toda ou
parte da demanda residual dos produtos não completamente atendidos, para os quais a
negociação estaria encerrada, nos outros produtos de outra fonte que fossem disputar etapa de
prorrogação, desde que tivessem mesmo ano de início de suprimento. Dessa maneira, ainda
haveria chance de atender a demanda de energia para este ano específico, só que com uma
quantidade por fonte de energia diferente da planejada.
A etapa inicial teve fim às 19:49 h. Efetivamente, houve necessidade de etapa de
prorrogação, que teve início às 19:57 h.
Na etapa de prorrogação novamente os lotes foram inicialmente classificados em
Atendidos ou Não Atendidos. O preço corrente inicial dessa etapa de prorrogação foi igual ao
menor preço de lance associado aos últimos lotes que completaram as necessidades de
demanda. Foi estipulado também um decremento mínimo para essa fase. Logo, os lances de
preço deveriam ser menores que o preço corrente diminuído desse decremento.
176
Com um tempo de inserção de lance de apenas 10 minutos, os vendedores que
possuíssem Lotes Não Atendidos puderam definir um novo preço para todos ou parte desses
lotes, desde que o preço fosse menor ou igual ao preço corrente anunciado subtraído do
decremento mínimo. A migração entre produtos seria ainda proibida.
Essa etapa foi muito similar à etapa contínua da primeira fase. Esse tipo de leilão é um
tipo de Leilão Inglês, que não identifica participantes. O leiloeiro eletrônico seleciona o
melhor lance e dá um tempo para os outros participantes cobrirem o melhor lance. A cada
nova melhor oferta, um novo tempo para manifestação de novas ofertas é dado. O leiloeiro
anuncia qual a melhor oferta a cada momento, para que os participantes possam cobri-la se
quiserem. Até que, na ausência de manifestações dentro do tempo, o leilão encerra.
Durante essa etapa de prorrogação, o sistema exibiu o contador regressivo indicando o
tempo de encerramento para a inserção de lance. A cada inserção de lance válido para um
determinado produto, o sistema atualizou a situação dos lotes, em Atendidos e Não
Atendidos, além de fornecer o preço desse lance válido como novo preço corrente, e reiniciou
o cronômetro com a contagem de 10 minutos para que novos lances fossem inseridos. A
negociação de cada produto seria encerrada automaticamente depois de transcorridos os 10
minutos sem que tivesse ocorrido novo lance válido. Dessa maneira, o encerramento foi
independente por produto.
Quando todas as negociações dos produtos parassem, o leilão seria dado como
encerrado. O leilão, de fato, foi encerrado às 20:08 h. Da mesma forma que na descrição das
outras fases, apresenta-se o esquema dos procedimentos dessa terceira fase.
177
Figura 26 – Funcionamento da Terceira Fase 3ª Fase
Preço Inicial = Preço CorrenteEtapa Inicial
Lances = P e Q
Compara com Demanda e Classifica
Tempo de Inserção Esgostado sem Novos
Lances
Lances = P ≤ PC - D
Lances = P < (PC - D)
e Q
Lotes Atendidos
Lotes Não Atendidos
Compara com Demanda e Classifica
Produto com QO ≤ QD
Produto com QO > QD
Encerrada Negociação
Lotes Atendidos
Lotes Não Atendidos
Etapa de Prorrogação
Compara com Demanda e Classifica
Lotes Atendidos
Lotes Não Atendidos
Reinicia Tempo de Inserção
Lances = P < (PC - D)
e Q
Compara com Demanda e Classifica
Lotes Não Atendidos
Lotes AtendidosLances =
P < (PC - D)e Q
Reinicia Tempo de Inserção
P = Preço Q = Quantidade PC = Preço Corrente QD = Quantidade Demandada QO = Quantidade Ofertada
Fonte: Elaboração Própria.
Cabe destacar que nessa fase vale a mesma vantagem dada na segunda fase para os
empreendimentos realmente novos e para as PCH’s. Para os empreendimentos cuja
construção não tivesse sido iniciada ou PCHs que se encontrassem nessa situação em um
Produto, todos os seus lotes associados ao derradeiro lance aceito seriam dados como
Atendidos81.
Ao fim do leilão, os Lotes Atendidos de cada empreendimento corresponderiam à
obrigação de assinatura de CCEAR. Caso contrário, ou seja, os lotes fossem Não Atendidos, o
empreendimento não sairia vencedor e não assinaria CCEAR.
81 Essa regra está especificada no item 7.2.5 da Sistemática, versão 05/12/2005, pág. 32.
178
Os preços finais de venda continuaram discriminatórios, iguais aos lances vencedores
já definidos na etapa inicial e de prorrogação da terceira fase. Para as usinas hidrelétricas,
contudo, esses preços sofreram alguns ajustes. Existiram dois tipos de ajustes: o do fator alfa
e o do diferencial de UBP.
Todos os novos empreendimentos hidrelétricos tiveram de fazer ajuste de fator alfa.
Para os empreendimentos que não escolhem o percentual de 100%, ou seja, para os que
destinaram parcela de energia para o ACL ou para o consumo próprio, o preço de lance
deveria ser diminuído. Esse ajuste teria como propósito o atendimento do princípio de
modicidade tarifária, desencorajando percentuais baixos de destinação ao ACR. O Preço de
Venda (PV) seria então:
PV = PL - )()1( horasanonGFx
V°××−
(6)
Onde,
V = FA . (GF x n°horasano) . (PMag – PL) ; É o valor auferido para favorecer a
comodidade tarifária;
PL = Preço do Lance;
GF = Garantia Física em MW médio;
x = fração da energia que vai ser destinada ao ACL ou consumo próprio;
PMag = menor valor entre o CMR e o Custo Marginal do Leilão (CML). Esse CML é
o valor em R$/MWh da proposta de lance mais cara que ganhou o leilão;
FA – Fator Alfa, que é igual a 0,7, segundo o Edital.
No caso específico dos empreendimentos hidráulicos que já possuíam concessão antes
do leilão, o ajuste seria para usinas com licitações onde o critério de escolha tivesse sido o de
máximo UBP. O Preço de Venda (PV) deveria ser ajustado de acordo com a diferença entre o
UBP da licitação e o UBP de referência desse leilão, limitada a diferença ao Custo Marginal
do Leilão (CML). O UBP do leilão seria determinado pela EPE. Dessa maneira, o PV
atenderia a seguinte fórmula:
179
PV = PL (UBPorig – UBPref) (7)
Mas PV CML. ≤
Onde,
PL = Preço do Lance;
UBPorig= UBP da licitação original em questão;
UBPref= UBP de referência do leilão;
CML = Custo Marginal do Leilão, que é o custo da usina mais cara do Leilão.
Definidos esses ajuste nos casos específicos e mantendo-se os preços finais como os
preços de lance nos outros casos, os CCEAR seriam assinados.
Os empreendimentos hidrelétricos celebraram, então, CCEAR na modalidade de
quantidade de energia elétrica. Por outro lado, os empreendimentos termelétricos celebraram
CCEAR na modalidade de disponibilidade de energia elétrica.
As concessões de novos empreendimentos foram também celebradas para os que
conseguissem efetivamente negociar energia elétrica na terceira fase. Para tanto, foram
também assinados os respectivos contratos de concessão, autorização e emissão de atos
competentes. Para os vendedores que não efetivaram nenhuma venda, embora tivessem
vencido a primeira fase do leilão, estaria esgotado o direito de concessão ou autorização
conseguido no leilão.
Partiremos agora para a análise dos resultados da terceira fase. O gráfico abaixo
apresenta um resumo da distribuição dos investimentos térmicos e hidráulicos ao longo dos
anos de 2008, 2009 e 2010. Percebe-se que a energia vendida no leilão foi
predominantemente térmica, por causa dos contratos de 2008 e 2009. Nesses anos, pouca
energia hidrelétrica foi negociada.
180
Gráfico 15 –Fonte (MW) em cada Produto
20082009
2010
HidroTermo
862855
561
889
4671 0
200
400
600
800
1000
MW
Fonte x Tempo
HidroTermo
Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE.
É importante analisar com mais cuidado a oferta da energia hidrelétrica nesse leilão.
Como era de se esperar, para 2008, houve oferta apenas da energia “Botox” construída, ou
seja, que além de possuir concessão já tinha iniciado a construção das usinas. Obviamente,
nenhum investimento hidráulico novo poderia ofertar energia para esse ano, dado o tempo de
construção das usinas. No total, apenas 71 MW de energia hidráulica foi negociado;
Surpreendentemente, para o ano de 2009 (Gráfico 16 abaixo), a maior parte da energia
negociada foi de energia realmente nova (36 MW), ou seja, sem concessão e sem obras
iniciadas. Por último, em 2010, a maior parte da energia negociada foi ainda de energia
“Botox” construída (423 MW). A energia efetivamente nova negociou 423 MW no leilão.
Gráfico 16 –Tipo de Hidro (MW) em cada Produto
Hidro 2010
Botox Construída
47,6%
Botox Não Construída
5,7%Nova
46,7%
Hidro 2009
Botox Construída
21,7%
Nova 78,3%
Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE.
181
Em relação à energia térmica negociada no leilão, também a energia “Botox”
Construída foi a maior vencedora dos leilões para todos os Produtos.
Gráfico 17 –Tipo de Termo (MW) em cada Produto
Termo 2010
Botox Não Construída
16,4% Nova 33,9%
Botox Construída
49,8%
Termo 2009
Botox Construída
57,2%
Nova 11,7%
Botox Não Construída
31,1%
Termo 2008
Nova 2,1%
Botox Construída
97,9%
Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE.
No Gráfico 18 abaixo, verifica-se a quantidade de MW comprada para cada ano nesse
leilão de energia nova. Ao analisar os valores, deve-se lembrar que já existe energia
contratada para os anos de 2008 e 2009. É difícil qualificar se houve excesso de oferta ou de
demanda em qualquer desses produtos uma vez que se desconhece para quais Produtos foram
realizadas etapas de prorrogação na terceira fase.
Segundo declarações obtidas ao final do leilão, a EPE divulgou que, com mais esse
leilão, as distribuidoras ficaram com déficit de demanda de 1,2% para 2008 e de 4,5% para
2009. Em 2010, houve contratação além do nível desejado, com oferta de 0,2% acima da
demanda estimada para o leilão.
Cabe destacar que houve um excesso de oferta notável em 2010, muito embora os
preços verificados para esse ano não justificassem esse comportamento. Pode-se especular,
portanto, que a maioria dos licitantes simplesmente alocou oferta em 2010 já no momento da
segunda fase, provocando um excesso de oferta nesse ano. Com isso, apenas os agentes que
colocaram preços muito elevados nas ofertas foram deslocados para outros Produtos (2008 ou
182
2009). Nesse sentido, os agentes que ficaram alocados no produto 2010 acabaram enfrentando
forte concorrência, que provocou preços mais baixos para esse ano.
Gráfico 18 – Energia (MW) em cada Ano
632901
1751
0
500
1000
1500
2000
MW
2008 2009 2010
Energia ao longo do tempo
Fonte: Elaboração Própria, com base nos dados da CCEE.
5.4 Conclusões sobre o Leilão de Energia Nova
Assim como no Capítulo 4, podemos resumir as conclusões teóricas e os
comportamentos esperados, de acordo com o Quadro 29.
Quadro 24 – Características e Resultados do Leilão
Primeira Fase Segunda Fase Terceira Fase
ClassificaçãoLeilão de Primeiro Preço Selado com Preço de
Reserva + Leilão Inglês de informação levemente limitada
Leilão Multi-Unidade, rodadas limitadas, de informação limitada, com regra de
troca e preço discriminatório
Leilão de Primeiro Preço Selado com Preço de Reserva + Leilão Inglês de informação levemente
limitada
Comportamento induzido
Explora aversão ao risco, mas não perfeitamente por conta da existência da etapa
contínua. Na etapa contínua, se houver concorrência suficiente, alocação será ótima e
valor verdadeiro é revelado.
Haverá exploração das complementaridades dos contratos,
mas alocação pode ser imperfeita por conta do número de rodadas limitado.
Depende fortemente dos resultados da segunda fase. Deve explorar
aversão ao risco e alocação pode ou não ser perfeita, dependendo da concorrência real e da alocação da
segunda fase.
Comportamento verificado
Houve aversão, pois preços foram menores que teto. Não há como avaliar nível de
competição.
Os resultados não foram divulgados. Pela análise da terceira fase conclui-se
que a alocação foi imperfeita, concentrada no ano 2010.
Resultado de alocação imperfeito. Houve aversão ao risco.
Leilão 5
Leilão
Fonte: Elaboração Própria.
Como são realizados diversos leilões seqüenciais, os resultados de cada leilão, em
separado, são modificados. O efeito dessa modificação, mais uma vez, pode ser considerado
benéfico ou deletério, dependendo do tipo de abordagem utilizada82. De toda forma, o
82 A discussão está colocada no Capítulo 4.
183
resultado final depende sempre da competição efetiva do leilão, ou seja, da existência de
número de agentes suficientes.
A análise das qualidades teóricas das fases permite inferir que o objetivo de
modicidade foi explorado, pela presença de preços de reserva, com os preços de reserva iguais
aos preços iniciais. Nesse sentido, a tentativa de obter o objetivo de modicidade estava na
escolha do nível de preços de reserva da terceira fase, determinado após a verificação da
oferta em cada produto da segunda fase.
De fato, o número de rodadas limitado da segunda fase deve ter induzido uma
alocação ineficiente. Pelos resultados da terceira fase, grande parte dos agentes deve ter
alocado lotes no ano de 2010 logo na primeira rodada da segunda fase. Apenas os que
alocaram esses lotes com preços muito altos, sendo assim Não Classificados, puderam ser
realocados para outros Produtos nas outras duas rodadas.
O excesso de oferta alocado em 2010 produziu um resultado tão ineficiente que, no
caso das térmicas, o nível de preços de 2010 chegou a ser inferior que o nível de preços de
2009 e 2008. Isso poderia ocorrer porque, em um leilão, o nível de preços é determinado pelo
nível de concorrência e a valoração subjetiva dos agentes. Com preços de reserva inferiores
ou superiores ao escolhido, a concorrência e o desejo de obter um contrato, ponderado aos
custos das usinas, determinariam qual o preço final do leilão.
O principal objetivo desse leilão era promover o crescimento da oferta de energia no
futuro, outorgando novas concessões e vendendo a energia dessas novas usinas. Como as
usinas licitadas na primeira fase conseguiram vender energia no fim do leilão e usinas
realmente novas conseguiram contratos na terceira fase, o objetivo de permitir o crescimento
da oferta foi atendido.
Contudo, a demanda para os anos de 2008 e 2009, e a partir dessas datas, a energia por
mais 15 e 30 anos, não foi completamente atendida, prejudicando o objetivo de adequação da
oferta mais uma vez. Dessa maneira, mais uma vez, o objetivo de adequação da oferta parece
ter sido prejudicado.
184
Observando os resultados publicados desse leilão, levando em consideração os
números já apresentados nos leilões de energia existente, deve-se perceber que uma vantagem
real da utilização desse mecanismo de leilões flexibilizado pela legislação é a existência de
espaço para distribuir a energia não contratada em um leilão para leilões futuros.
Há também algum espaço para as escolhas em relação ao tipo de fonte energética que
deve ser utilizada; a política pode ser revista, ao longo do leilão ou em outros leilões, uma vez
que se perceba que os agentes produtores de uma determinada fonte não se interessem pelos
Produtos oferecidos.
De fato, deve-se levar em consideração que as possibilidades de arbitragem de preço
entre leilões para agentes que podem participar de vários tipos de leilão, como a energia
“Botox”, abre um precedente contra a capacidade de extrair renda. Muito embora a oferta de
2009 e 2008 tenha sido em parte conseguida através de vários leilões, a falha na capacidade
do mecanismo é evidente. No futuro, a insistência em jogos que permitem arbitragem de
preços poderá ser cada vez mais deletéria, pois o organizador do leilão perde credibilidade e
isso afeta a concorrência efetiva em cada leilão83.
Dessa forma, conclui-se que o mecanismo é capaz de gerar crescimento da oferta de
energia, alocando concessões através de um processo competitivo, mas o atendimento da
demanda não foi alcançado.
De todo o modo, a escolha dos preços iniciais, que foram os preços de reserva da
terceira fase, só poderia ser avaliada com dados de custos de oportunidade do ACL e do
mercado de curto prazo futuro, bem como dados de custos operacionais e de investimento das
usinas novas e “Botox”.
A busca de estimativas de custos de oportunidade e custos de operação e de
investimento dessas usinas, para avaliar a escolha dos níveis de preço de reserva, não será
feita aqui, pois exigiria novos conceitos teóricos e práticos sobre o funcionamento das
empresas geradoras de energia. De toda forma, essa pesquisa seria de extrema importância
83 Lembre-se que existe sempre a possibilidade de montagem de contratos colusivos, que aumenta mais com um organizador de pouca credibilidade.
185
para avaliar a adequação da escolha dos níveis de preço e permitir o melhoramento do
mecanismo no futuro.
Por último, deve-se destacar que o processo de crescimento da oferta de energia futura
depende em grande parte do governo e dos reguladores, que determinam as concessões que
participam do leilão de energia nova. Dessa maneira, as condições de crescimento da oferta
passam a ser novamente parte de uma estrutura de planejamento, associada com os interesses
dos capitais que desejam investir no setor. Os incentivos dados pelo mecanismo, que
determina a participação dos agentes, irão contribuir para o sucesso do crescimento da oferta,
mas estão associados à capacidade de estimação da demanda futura pelos reguladores, à
estimação correta dos custos da energia e à colocação de novas concessões nos leilões.
186
CONCLUSÃO
Após duas décadas de reformulação dos setores de infra-estrutura, foram observadas
diversas modificações nas diferentes dimensões setoriais. No mundo todo, o principal
objetivo das reformas foi a introdução da competição verificada nas estruturas de governança
de mercado.
A busca pela competição dentro desses setores, que possuem diversas peculiaridades
que impedem a simples adoção da estrutura de mercado, fez com que o uso dos leilões
adquirisse cada vez mais importância. Os leilões são mecanismos de compra e venda por meio
de lances que podem reproduzir estruturas competitivas de comercialização, desde que
atendendo determinados requisitos. Além disso, os leilões também são mecanismos capazes
de tratar de temas relativos ao impedimento da colusão, a atração de agentes privados e à
precificação dos bens transacionados através das interações entre oferta e demanda.
O resumo da literatura sobre a teoria dos leilões permitiu compreender os principais
tipos de incentivos dados por cada conjunto de regras básicas escolhido. Destaca-se, entre
outras conclusões, a possibilidade de alocar contratos que possuem complementaridades
através dos leilões do tipo clock auction.
Nesse tipo de leilão, os agentes escolhem quantidades para preços anunciados pelo
leiloeiro. Os preços são modificados à medida que a oferta e a demanda dos bens não estão
em equilíbrio. Nesse leilão, as relações entre contratos são bem avaliadas e os componentes
de valor comum são bem estimados. Entretanto, por ser um leilão de informações abertas e de
preço uniforme, equilíbrios colusivos podem ser alcançados em mercados concentrados.
Dessa maneira, algumas modificações são sugeridas pela teoria, como o controle das
informações dadas para os agentes e a utilização de preços de reserva.
Da mesma forma, para os casos em que existe aversão ao risco, o Leilão de Primeiro
Preço Selado é mais adequado para extrair a renda informacional dos agentes. Os leilões do
tipo selado tornam a estratégia colusiva demasiadamente arriscada, aumentando os ganhos do
leiloeiro.
187
No caso do setor elétrico, a introdução dos primeiros leilões de curto prazo e a
confiança na capacidade do mercado agir livremente não foram bem sucedidas. No mundo
todo, crises se alastraram por conta da falta de planejamento e coordenação do setor, por
práticas abusivas e estratégias colusivas e pela grande concentração dos mercados elétricos.
Dentre as lições que puderam ser apreendidas por meio da análise das experiências
internacionais, destacam-se a necessidade de comercialização da energia em prazos mais
longos e a escolha de diferentes tipos de leilão, para impedir que as geradoras exerçam poder
de mercado e estabeleçam preços abusivos.
Além disso, destaca-se que o papel dos reguladores e das instituições governamentais
foi crucial para corrigir o rumo das reformas. De fato, em vários países, os reguladores
tiveram de atuar no mercado sobre as estruturas das empresas e através da criação de novos
tipos de leilão, para comercialização em prazos mais longos, auxiliando os ambientes de
comercialização bilateral.
Nesse sentido, diversos tipos de novos leilões estão sendo implementados e estão
presentes em propostas de reorganização dos arranjos contratuais em diferentes órgãos
reguladores e ministérios. Apenas a observação dos resultados desses leilões poderá julgar a
adequação ou não dos novos tipos às necessidades do setor elétrico.
É dentro dessa busca por novas formulações de mecanismos de comercialização de
energia elétrica que se inserem os leilões de longo prazo do novo modelo do setor elétrico
brasileiro. A análise desses leilões nos permitiu verificar que, em termos gerais, falhas na
estruturação das regras permitiram comportamentos indesejados por parte dos agentes
vendedores.
Os objetivos de modicidade tarifária foram privilegiados em relação aos objetivos de
atendimento no caso dos Leilões de Energia Existente. Além disso, pode-se afirmar que falhas
na regra de troca entre Produtos e brecha para arbitragem de preço em Leilões de Energia
Nova prejudicaram o atendimento da demanda.
Pode-se também afirmar que os formatos escolhidos, apesar de algumas falhas,
tentaram preservar importantes vantagens de cada tipo de leilão como: possibilidade de
188
avaliação da complementaridade dos contratos, revelação de informações através de preços
induzidos, exploração da aversão do risco dos agentes e impedimento de comportamentos
colusivos diante da presença de uma segunda fase com informação fechada. A maneira que
cada vantagem foi explorada e perfeitamente colocada na regra variou entre as sistemáticas
apresentadas.
Especialmente no caso do Leilão de Energia Nova, o objetivo de permitir o
crescimento da oferta foi atendido. Esse era o maior desafio a ser enfrentado pelos
organizadores do leilão.
Contudo, o crescimento da oferta, associado à oferta de energia “Botox”, não foi capaz
de atender completamente a demanda do leilão. Nesse sentido, em especial, a demanda de
2008 e 2009, e daí em diante, prevista por até 30 anos, não pode ser atendida com eficácia.
Essa precariedade do atendimento pode ser atribuída tanto ao número de rodadas limitado da
segunda fase, que não permitiu a alocação perfeita da oferta, quanto pela escolha dos níveis de
preço, que não pode ser testada por falta de informações.
Mesmo identificando falhas nas regras escolhidas, o mecanismo de leilão parece ser
apropriado para a venda de eletricidade, dadas as características que tentam preservar o
planejamento e a coordenação do setor. Nesse sentido, existe espaço para o planejamento
setorial, o controle do nível de preços, a flexibilidade que permite adaptação da regra e
alguma rigidez das regras gerais. Também se deve destacar a importância da credibilidade do
organizador do leilão, que deve anunciar regras claras e com pouca possibilidade para
comportamentos oportunistas.
Dessa forma, conclui-se principalmente que é necessário buscar entender a natureza
dos problemas setoriais, a estrutura de custos das firmas e aprender com os problemas nas
formatações de leilões anteriores. Esse aprendizado é importante para a especificação de
mecanismos melhores, que atendam aos objetivos de adequação de investimentos, modicidade
tarifária e segurança do atendimento. O formato de leilão escolhido deve preservar questões
de planejamento, coordenação, contratação no longo prazo e impedimento de colusão, para
que a competição seja realmente alcançada e para que as crises sejam evitadas.
189
Com isso, entende-se que, independente do tipo de leilão escolhido, o papel dos
reguladores e governantes é essencial. Neste sentido, o processo de organização de leilões
deve ser caracterizado pelo permanente processo de aperfeiçoamento das regras e aprendizado
institucional. O caso brasileiro do setor de eletricidade não constitui uma exceção.
190
Apêndice A84
I – Leilão de Primeiro Preço para VPI
O primeiro passo é maximizar a utilidade esperada de um jogador hipotético da seguinte
forma: maximizamos a valoração menos o lance a ser feito pelo jogador, condicionado à
probabilidade desse jogador ganhar. Supomos que b é a função de pagamentos, ou seja, a
regra de decisão do jogador. Para que o raciocínio seja feito, afirma-se que b é contínua e
estritamente crescente.
])(max[).(])([max).( xvbPxvMaxxvbPxvMax ijjixijjix≤−=≤− ≠≠
Supomos que:
],[)()()();(−
−
−
−∈⇒≤≤= vvwvbwbvbwbx
A afirmação acima pode ser provada pelo teorema do valor intermediário. Continuando,
)]()(max[)).(()(
wbvbPwbvMax jiwbx≤−⇒
= (a)
Sabemos que, se b é contínua e crescente:
wvwbvb jj ≤⇔≤ max)()(max
Dessa forma, temos:
=≤=≤≠ )(max)]()(max[ wvPwbvbP jijj ∏≠
=≤=≠∀≤=ij
jj wvPjwvP )()1;(
)(1 wF n−= (b)
Substituindo (b) em (a), a maximização da utilidade esperada será:
)()).((max 1 wFwbv ni
vwv
−
≤≤
−⇒−
−
Para descobrir que valor lance o jogador deve fazer, calcula-se a condição de primeira ordem:
84 Todas as provas aqui apresentadas foram feitas com cálculos e interpretações próprias, baseadas nos diversos artigos e trabalhos da literatura, além das notas de aula de diversas disciplinas cursadas ao longo do Mestrado.
191
0))'()).((()().(' 11 =−+− −− wFwbvwFwb ni
n (c)
Em equilíbrio simétrico, obteremos )()( ivbwb = . Essa igualdade no equilíbrio será mostrada
mais adiante. Substituindo o valor em (c), temos que a condição passa a ser:
))'()).((()().('0))'()).((()().(' 1111i
niii
nii
niii
ni vFvbvvFvbvFvbvvFvb −−−− −=⇒=−+−
))'().(()().('))'(( 111i
nii
nii
ni vFvbvFvbvFv −−− +==
))'().(())'(( 11i
nii
ni vFvbvFv −− =⇒
A equação acima é uma equação diferencial de primeira ordem. Para solucioná-la devemos
lembrar que, para uma equação diferencial, vale a seguinte análise:
∫=⇒= )()()()(' xgxxgx ϕϕ
Ou seja, basta integrar ambos os lados da equação diferencial anterior.
Resolvendo a equação diferencial que dá a condição de primeira ordem, obtemos:
∫ ∫− −
−− =i iv
v
v
v
nn dvvFvdvvFvb ))'(.())'().(( 11
∫−
−
−
−
−
− =−iv
v
nni
ni dvvFvvFvbvFvb ))'(()().()().( 111
Em se tratando de uma função distribuição acumulada sobre o intervalo , .
Com isso, chegamos ao resultado final que dá o lance ótimo do jogador i:
],[−
−vv 0)(1 =
−
− vF n
)(
))'(.(
)( 1
1
in
v
v
n
i vF
dvvFv
vb
i
−
−∫−=⇒
Integrando por partes a equação acima, temos:
192
)(
)(
)( 1
1
in
v
v
n
ii vF
dvvF
vvb
i
−
−∫−−=⇒
A prova está feita. Basta apenas mostrar que ivw = será um equilíbrio simétrico. Estamos
maximizando a utilidade do jogador i da seguinte forma:
)()).(( 1 wFwbvMax ni
vwv
−
≤≤
−−
−
Podemos chamar a função de utilidade esperada de )(wϕ . Assim:
)()()).(( 1 wwFwbv ni ϕ=− −
A derivada de primeira ordem dessa função será:
))'()).((()().(')(' 11 wFwbvwFwbw ni
n −− −+−=ϕ
De acordo com a condição de primeira ordem da maximização da utilidade obtida em (c)
anteriormente, sabíamos que . Logo, para 0))'()).((()().(' 11 =−+− −− wFwbvwFwb ni
n wvi = ,
temos que:
))'()).((()().(' 11 wFwbwwFwb nn −− −= (d)
Substituindo (d) na equação de )(' wϕ :
)(' wϕ ))'()).((())'()).((( 11 wFwbvwFwbw ni
n −− −+−−=
= ))'()].(()([ 1 wFwbvwbw ni
−−++−
> 0 se ivw <
)(' wϕ = ))'(].([ 1 wFvw ni
−+−
< 0 se ivw >
193
Para que a utilidade esperada seja maximizada )(' wϕ deve ser igual a 0. Dessa maneira, temos
que . ivw =
194
II – Leilão de Segundo Preço para VPI
Proposição : nivvb iii ,...,1;)( == é a melhor estratégia.
Prova:
Primeiramente, iremos supor que todos os jogadores menos i seguem a
estratégia ; Para o jogador i, a estratégia de jogo será . Devemos
supor também que . Definiremos a função Y da seguinte forma:
1;)( ≠= jvvb jjj xvb ii =)(
0≥x
jjvY
1max
≠=
Assim, iremos supor que x=Y com probabilidade igual a zero. Além disso, se x>Y a utilidade
do jogador i será:
Yvu −= 11
Seguindo o raciocínio, a utilidade esperada do jogador i será calculada da seguinte maneira:
)(xϕ = ∫≥
−=Yx
nnii dvdvvfvfYvuE ...)()....().()( 12
Se x> , poderemos reescrever a utilidade esperada da seguinte forma: iv
)(xϕ = +−= ∫>≥ 1
...)()....().()( 12
ivYxnnii dvdvvfvfYvuE ∫
≥
−Yv
nni
i
dvdvvfvfYv ...)()....().( 12
+−= ∫>≥ ivYx
nni dvdvvfvfYvx ...)()....().()( 12ϕ )( ivϕ
Com Y > na primeira integral, < 0 iv ∫>≥
−ivYx
nni dvdvvfvfYv ...)()....().( 12
Logo, )(xϕ < )( ivϕ e o individuo que mente estará pior do que no caso em que diz a
verdade.
Se x < , podemos tentar verificar a diferença entre as utilidades esperadas quando o lance x
e quando o lance :
iv
iv
)( ivϕ - )(xϕ = - ∫≥
−Yv
nni
i
dvdvvfvfYv ...)()....().( 12 ∫≥
−Yx
nni dvdvvfvfYv ...)()....().( 12
195
= > 0 , pois > Y na integral. Logo, a revelação da
verdade no jogo proporciona uma utilidade esperada maior também no caso em que x < .
∫>≥
−xYv
nni
i
dvdvvfvfYv ...)()....().( 12 iv
iv
196
III – Preços de Reserva Ótimos para VPI
Deriva-se apenas o caso do Leilão de Primeiro Preço, por ilustração. O raciocínio para
qualquer tipo de leilão acompanha a mesma lógica. Procura-se um equilíbrio simétrico.
Chame r de preço de reserva e δ da tarifa de entrada. Assume-se que o leiloeiro dá um valor
para o item que irá para leilão. Escolheremos r tal que: 0v
rb =)(ρ (a)
, onde ρ será o equivalente em termos de utilidade do preço de reserva do leiloeiro e a função
b(.) será a função de lances ótimos praticadas pelos jogadores. Dessa maneira, ρ é a menor
utilidade permitida no leilão. Ou seja, 0v=ρ , que era a valoração que o leiloeiro dava ao
objeto ( ). 0v
Para o agente com utilidade ρ , que será indiferente entre participar ou não do leilão, teremos
a seguinte conclusão:
E( ρ )= 0 = δρρ −− − )().( 1nFr
Logo,
δρρ =− − )().( 1nFr , supondo equilíbrio.
Para analisar o problema, escolhemos um jogador hipotético i. Suponha que o jogador i
resolve fazer um lance . Continuaremos utilizando a função Y como sendo: )(wbx =
jjvY
1max
≠=
Continuando o raciocínio, calcularemos
E( )=iu )]);()(()()).[(( ρρ ≥>+≤− YYbwbPYPwbvi =
= )]);()(()()).[(( 1 ρρ ≥>+− − YYbwbPFwbv ni
Supondo b contínua e estritamente crescente, temos:
197
= = ( )]()()).[(( 1 ρρ ≥>+− − YwPFwbv ni )]()()()).[( 111 ρρ −−− −+− nnn
i FwFFwbv
= )()).(( 1 wFwbv ni
−−
Maximizando para w ρ≥ , a condição de primeira ordem será:
0)]'().([)]'([ 11 =− −− wFwbwFv nni
Supondo equilíbrio, w = . O raciocínio será o mesmo do caso de equilíbrio apresentado no
Leilão de Primeiro Preço sem preço de reserva e taxa de entrada. Dessa forma, resolveremos:
iv
))'().(())'(( 11i
nii
ni vFvbvFv −− =⇒ , que é uma equação diferencial.
∫ −1
)]'().([ 1v
n dxxFxbρ
= ∫ −1
)]'(.[ 1v
n dxxFxρ
)().()().( 11 ρρ −− −⇒ ni
ni FbvFvb = ∫ −
1
)]'(.[ 1v
n dxxFxρ
Utilizando (a) na equação acima, obteremos:
)(.)().( 11 ρ−− −⇒ ni
ni FrvFvb = ∫ −
1
)]'(.[ 1v
n dxxFxρ
Logo,
)(
)]'(.[)(.)(
11
111
vF
dxxFxFrvb n
vnn
i −
−− ∫+= ρ
ρ
Integrando esse resultado por partes e lembrando que : δρρ =− − )().( 1nFr
)(
)]'([)( 1
1
in
vn
ii vF
dxxFvvb
i
−
−∫+−= ρ
δ (b)
, que será o lance ótimo para cada um dos jogadores i, cada qual com uma valoração no
lugar de .
iv
iv
Para achar o preço de reserva ótimo, temos de observar a maximização da receita do leiloeiro.
Isto será feito a partir de agora. Suponha },...,max{ 1 nvvz = Se ⇒< ρz , a receita será zero,
198
pois o leiloeiro não desejará vender o item. Se ⇒≥ ρz a receita será o valor do produto entre
( δ+)(zb ) e o número de participantes do leilão.
O número de participantes k no leilão será menor ou igual a n. Isto depende da probabilidade
de que os participantes tenham valoração maior do que a de reserva e suficiente para cobrir a
taxa de entrada. Logo, k será uma função de combinações possíveis dos n jogadores, onde se
atribuirão probabilidades de que n – k jogadores tenham utilidade menor que ρ , ao mesmo
tempo em que exatamente k jogadores terão utilidade maior ou igual a ρ . Matematicamente,
teremos de somar os possíveis valores combinatórios para k, de 0 até n, multiplicados pela
probabilidade de que exatamente k terão utilidade maior que ρ e n-k terão utilidade menor
que ρ . Então, poderemos escrever o número de participantes k de acordo com a seguinte
fórmula:
Número de participantes = ∑ =
−− −n
k
kknknkn FFC
0
))(1).((. ρρ
Usando algumas manipulações matemáticas, teremos que:
∑=
−− −n
k
kknknkn FFC
0))(1).((. ρρ = ))(1.( ρFn −
A partir dessa informação, poderemos calcular a receita esperada do leiloeiro. Além do valor
do pagamento esperado pelo bem, o leiloeiro recebe uma recenda derivada da taxa de entrada
para pelos jogadores que efetivamente participarão do leilão. Dessa forma, a receita esperada
do leiloeiro será:
∫−
−+= −v
n FndzzfzFnzbRρ
ρδ ))(1.(.).().(.).( 1
Utilizando a equação encontrada para o lance ótimo (b) e fazendo integrações por partes com
a integral acima, pode-se reescrever a receita, encontrando o seguinte resultado:
∫∫ ∫−− −
+−= −−v
nv v
nn dzzFndvvFndzzfzFznRρρ ρ
)(.)(.).().(.. 11
199
Com mais alguns rearranjos, a maximização da receita exigirá a seguinte condição de
primeira ordem:
)(.)(.)().(.. 11 ρρρρρρ
nnn FnFnfFnR−+−=
∂∂ −− = 0)}(1)(..{).(1 =−+−− ρρρρ FfnF n
Portanto,
)().(.)(.)(
**1
**1*
ρρρρρ
fFnFnFn
n
nn
−
− −+= =
)()(1
*
*
ρρ
fF−
Para resolver em r, basta lembrar que rb =)(ρ .
200
IV – Teorema da Equivalência da Receita
Para compararmos as receitas devemos defini-las segundo cada caso.
Parte I:
No caso do Leilão de Primeiro Preço, equivalente ao do Holandês, a receita será:
∫ ∫∫ ==≤≤
dYYfYbdvdvvfvfvbR nnini)().(...)()....().max(...
max111
1
, onde Y é o máximo dos valores de todos os licitantes. Se o niiv
≤≤ λmax , para um λ número
natural qualquer, então implica que ivi ∀≤ ,λ .
Para calcular essa receita, devemos achar a distribuição de probabilidades do valor máximo;
Afim de encontrar essa função, devemos lembrar a definição de função de distribuição
acumulada e também os conceitos de estatísticas de ordem. A partir dessas definições e
conceitos, poderemos remeter a seguinte igualdade:
)(),(]max[)(1max
λλλλ niini
FivPvPF =∀≤=≤=≤≤
)().(.)( 1
maxλλλ fFnf n−=⇒
Pode-se, então, reescrever a receita do Leilão de Primeiro Preço da seguinte maneira:
∫−
−
−=v
v
n dYYfYFnYbR ).().(.).( 11
Sabe-se ainda, da derivação da regra de decisão desse leilão, que:
)(
))'(.(
)( 1
1
in
v
v
n
i vF
dvvFv
vb
i
−
−∫−=
Portanto, para b(Y):
201
∫∫−
−
− −−
−
=v
v
nn
Y
v
n
dYYfYFnYF
duuFu
R ).().(..)(
))'(.(1
1
1
1
Parte II:
Feito isso, analisa-se a receita esperada do Leilão de Segundo Preço, equivalente ao Inglês:
∫ ∫= nnn dvdvvfvfvvR ...)()...(.},...,{... 11)2(
12
, onde a função { } significa a função que define o segundo maior valor do conjunto
apresentado. Será interessante calcular a probabilidade desse valor em questão, dado que é
esta a probabilidade que deverá constar na integral.
)2(...
)},...,({ )2(1 λ≤nvvP =
niivP≤≤≤
1)max( λ +
nini vvvP
≤≤≥≥
1
)2(1 )},...,{max( λ
O primeiro termo da soma encontrada no lado direito da equação poderá ser igualado a
, por razões óbvias. O segundo termo dessa soma, , será
igual a . Este resultado é derivado de propriedades probabilísticas das
estatísticas de ordem, devidamente manipuladas na equação. Como essa derivação é muito
extensa, será omitida.
)(λnFni
ni vvvP≤≤
≥≥1
)2(1 )},...,{max( λ
)()).(1.( 1 λλ −− nFFn
Portanto,
)},...,({ )2(1 λ≤nvvP = + )(λnF )()).(1.( 1 λλ −− nFFn
λλλ
∂≤∂
=⇒)},...,({)(
)2(1
max
nvvPf
= )()).(1).(1()().(.)().(. 211 λλλλλλ −−− −−+− nnn FFnnFfnfFn
= )()).(1).(1.( 2 λλ −−− nFFnn
Dessa maneira, reescrevemos a receita da seguinte forma:
202
∫−
−
−−−=v
v
n dYYfYFYFnnYR )()()).(1)(1(. 22
Recapitule que
∫∫−
−
− −−
−
=v
v
nn
Y
v
n
dYYfYFnYF
duuFu
R ).().(..)(
))'(.(1
1
1
1 (a)
Pode-se transformar esta equação (a) cortando o termo do denominador com o do
numerador. Assim,
)(1 YF n−
∫ ∫∫ ∫−
− −
−
− −
−− −==v
v
Y
v
nv
v
Y
v
n dYduYfnufuFnudYYfnduuFuR )).(..)()()1.(().(..))'(.( 211
Como , pode-se trocar os limites da integração da seguinte maneira: −
−<<< vyuv
∫∫ ∫−
−
−
−
−
=−−=−= −−v
v
nnv
v
v
u
RduufuFnnuuFdyduYnfufuFnuR 2221 )()()1.(.))(1()()()()1(
Com isso, a prova está terminada.
203
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