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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS
DA NATUREZA
JULIANA MENDES DA SILVA
REFLEXÕES PARA UM ENSINO INCLUSIVO EM AULAS DE QUÍMICA:
APORTE NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL
Niterói
2015
JULIANA MENDES DA SILVA
REFLEXÕES PARA UM ENSINO INCLUSIVO EM AULAS DE QUÍMICA:
APORTE NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós Graduação em Ensino de Ciências da
Natureza da Universidade Federal
Fluminense - Mestrado Profissional, como
requisito para a obtenção do título de
Mestre. Área de Concentração: Ensino de
Química. Linha de Pesquisa: Ensino-
Aprendizagem.
Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Luiza Rodrigues de Oliveira
Niterói, RJ
2015
JULIANA MENDES DA SILVA
“REFLEXÕES PARA UM ENSINO INCLUSIVO EM AULAS DE QUÍMICA:
APORTE NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL”
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós Graduação em Ensino de Ciências da
Natureza da Universidade Federal
Fluminense - Mestrado Profissional, como
requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre. Área de Concentração: Ensino
de Química. Linha de Pesquisa: Ensino-
Aprendizagem.
Aprovada em 27 de novembro de 2015.
BANCA EXAMINADORA
Profª. Drª. Luiza Rodrigues de Oliveira – UFF
Orientadora
Profª. Msc. Lucia da Cruz de Almeida – UFF
Profª. Drª. Rose Mary Latini – UFF
Profª. Drª. Maria Luisa Furlin Bampi – FAFIMA
2015
AGRADECIMENTOS
A Deus, pois sempre foi aquele a quem também recorri quando o coração apertava e/ou
se expandia. Por Ele toda a minha gratidão.
Aos meus pais, que mesmo sem entenderem muito as minhas opções na vida, se
mantiveram ao lado, apoiando e incentivando para que eu pudesse ir sempre além.
As minhas Tchucas (Ju Barreto, Ju Bouzon e Lili) e às meninas do CPII (Cecília, Erika,
Ju Mariano, Ju Gelmini, Kate e Laís), a vocês me faltariam palavras para agradecer a
parceria, o ombro amigo, os ouvidos e as palavras de apoio! Foram as asas quando as
minhas, por vezes, falharam ou não tinham forças.
Aos meus amigos de sempre: Augusto, Percy, Rê, Ric. Vanessa, Karine, Nathy, Carla,
Gaby, Dani, Gui, Caio, Panda, Valiate, Danilinho, Flayza, Fran, Bruno, Luiz, Rapha,
Michel, Vivi, Déia, Amine, Fe e Be.
A Luiza, sim a Luiza! Foi mais do que minha orientadora. Aconselhou-me, me orientou,
ouviu (pacientemente) meus “dramas”. Dividiu histórias, dietas e seu amor por alguém
que ainda estou aprendendo a cultivar bons sentimentos. Respeitou meus tempos de
desânimo, de busca por outros caminhos. Obrigada por tudo!
A Professora Sonia, por ser quem é e por jamais abandonar os seus. Tenho e sempre
terei muito orgulho de você.
A Professora Lucia, por ter me aceitado na disciplina da Física e por permitir que seus
alunos não sejam mais um no grupo de professores de física, permitindo que eles
também tenham um olhar mais reflexivo e ativo sobre a diversidade que nos cerca.
A Professora Cida, pois desenvolve com serenidade um belíssimo trabalho no NAPNE.
Minha eterna admiração e gratidão, por todas as ajudas.
A Dra. Rosana, que cuidou não só do meu corpo, mas da minha alma.
A minha turma do mestrado, a melhor que já existiu neste programa, a mais dedicada e
a mais parceira. Aos amigos que fiz, obrigada por tudo!
Ao Colégio Pedro II que oportunizou o meu encontro com a real licenciatura e de como
um bom trabalho de ensino-aprendizagem também pode ser feito, injetando mais amor,
mais atenção, mais escuta, mais sentimentos...
Aos professores da Equipe de Química (Edson, Fernanda, Hallan, Raphael e Tangela),
que foram pacientes, importantes e fundamentais para que o trabalho ao longo desses
dois anos de contrato fosse eficaz. Agradeço, também, aos demais professores:
Rommel, Diego, Fernando, Luziana, Bruna, Vivi, Raphael, Márcio, Fred, João,
Alexandre, Giovane, Anderson, Daniela, Renata, Angélica Arthur, Natasha e Vanessa.
Obrigada pela experiência.
Aos meus alunos (diretos ou indiretos) do CPII, que me permitiram ser a cada dia
melhor e buscar o melhor para eles e por eles. Fizeram-me extremamente feliz e
realizada. Faltam palavras e agradecimentos para tudo o que vocês representam para
mim.
Acho que o quintal onde a gente brincou é maior do que a
cidade. A gente só descobre isso depois de grande. A gente
descobre que o tamanho das coisas há que ser medido pela
intimidade que temos com as coisas. Há de ser como acontece
com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso quintal são sempre
maiores do que as outras pedras do mundo.
Manoel de Barros.
RESUMO
Esta Dissertação teve por objetivo tratar da prática inclusiva nas escolas regulares a partir do
ensino de Química para alunos com deficiência visual (DV). Para isso, foi realizada uma
pesquisa qualitativa, com observação participante, na qual se analisou a prática da professora
na sala de aula regular e no NAPNE (Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades
Especiais) na aplicação de uma metodologia de ensino em Química Orgânica. O aporte
teórico desta Dissertação foi a Teoria da Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski, pois este
autor além de ter constituído a formação do conceito científico como um de seus objetos de
estudo, também, realizou pesquisas sobre o ensino de crianças com deficiências e transtornos
globais de desenvolvimento. Foi percebido que a inclusão de alunos não se reduz à simples
aplicação de recursos adaptados, mas, sobretudo, a mudanças nas práticas metodológicas e
também na forma de relação.
Palavras-Chave: inclusão, ensino de química, psicologia histórico-cultural.
ABSTRACT
This thesis aimed to address the inclusive practice in mainstream schools from the Chemistry
teaching for students with visual impairment (DV). For this, a qualitative survey was
conducted with participant observation, which examined the practice of teacher in the regular
classroom and NAPNE (Center for Assistance to People with Special Needs) in the
application of a teaching methodology in organic chemistry. The theoretical basis of this
dissertation was the Theory of Psychology Historical Cultural Vigotski, as this author in
addition to having been the formation of the scientific concept as one of its objects of study,
also conducted research on teaching children with disabilities and global disorders of
development. It was realized that the inclusion of students can‟t be reduced to the simple
application of adapted resources, but above all to changes in methodological practices and
also in the form of relationship.
Key words: inclusion, chemistry teaching, historical cultural psychology.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO, p. 11
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA E APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA DE
PESQUISA, p. 11
1.2 PROBLEMA DE PESQUISA, p. 13
1.3 JUSTIFICATIVA, p. 13
1.4 OBJETIVOS, p. 14
1.4.1 Objetivo geral, p. 14
1.4.2 Objetivos específicos, p. 14
2 INCLUSÃO: UM NOVO OLHAR, p. 15
2.1 A QUESTÃO DA DIFERENÇA, p. 15
2.1.1 Afirmação da existência da diferença: concepções deterministas, p. 15
2.1.2 Negação da importância da diferença, p. 16
2.1.3 Recuperação da ideia da diferença, p. 17
2.2 A INCLUSÃO ESCOLAR, p. 18
2.3 CONHECENDO OS ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA VISUAL, p. 23
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA - PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL,
APLICADA AO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA DV, p. 25
3.1 A FORMAÇÃO DO CONCEITO CIENTÍFICO SEGUNDO VIGOTSKI, p. 28
3.2 A DEFECTOLOGIA DE VIGOTSKI, p. 34
3.3 ENSINO DE CIÊNCIAS E SUAS POSSIBILIDADES NA INCLUSÃO, p. 37
4 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA, p. 42
4.1 TIPO DE PESQUISA, p. 42
4.2 CENÁRIO DA PESQUISA, p. 43
4.3 ANÁLISE SOBRE OS ARTIGOS PESQUISADOS, p. 44
4.4 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS, p. 45
4.5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS, p. 45
4.5.1 Apresentação, análise e interpretação das Cenas do Diário de Campo, p. 47
5 PROPOSTA PARA O PRODUTO FINAL, p. 57
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 71
7 OBRAS CITADAS, p. 73
8 ANEXO, p. 79
11
1 INTRODUÇÃO
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA E APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA DE
PESQUISA
Observamos um crescente número de documentos sejam leis, políticas educacionais,
declarações, planos estratégicos, entre outros que indicam uma clara preocupação com os
caminhos que a educação deve tomar em nosso país. E, muito tem se discutido sobre as
possibilidades e alternativas para efetivação de uma prática educativa comprometida com a
construção de uma sociedade mais justa e democrática.
A educação, segundo Glat (2007, p. 15):
é uma condição formadora essencial ao desenvolvimento humano, e um dos
principais espaços sociais possíveis para sua construção é a Escola. Garantir ao
indivíduo o direito à educação, entretanto, é uma responsabilidade que vai muito
além da oferta de um lugar de transmissão de conhecimentos e regras. Significa a
oferta de uma escola de qualidade, que seja capaz de proporcionar a socialização dos
saberes e garantir a todos – incluindo-se nesse contexto os portadores de
necessidades educativas especiais – o acesso ao conhecimento e aos valores sociais
que possibilitem uma vida autônoma e crítica.
Com relação à legitimidade exposta por Glat, tem-se a Constituição Federal de 1988
(BRASIL, 1988) que relata que a educação é um direito de todos, com igualdade de condições
de acesso e permanência na escola, logo é dever do Estado oferecer também atendimento
educacional especializado.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996), por sua
vez, no seu art. 59, recomenda que os sistemas de ensino devam assegurar aos alunos
currículo, métodos, recursos e organização específicos para atender às suas necessidades.
Nesse mesmo contexto, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
(Resolução CNE/CEB n°2/2001), no artigo 2, determina que as escolas devem matricular
todos os alunos, cabendo a esta, organizar-se para atender educandos com necessidades
educacionais especiais, garantindo condições necessárias para uma educação de qualidade.
Nesse contexto, surgem nas escolas regulares questionamentos do tipo: como atender
estes alunos? Como, quais e onde deveriam ocorrer essas mudanças? Uma vez que nestas
instituições o recurso humano especializado ainda é escasso.
12
A inclusão de alunos com necessidades especiais é garantida por Lei há quase 30
anos, mas apenas há pouco tempo este assunto se tornou foco de atenções. Embora se observe
a tentativa de alguns docentes em adaptar-se a esta nova realidade, buscando informações
e/ou complementando sua instrução através dos cursos de formação continuada, ainda existem
escolas e professores com ações excludentes, os quais insistem em não reconhecer as
diferenças entre os alunos, enquanto sujeitos principais do processo de ensino-aprendizagem.
Tais posturas não favorecem às mudanças necessárias para reverter este quadro. A formação
de recursos humanos especializados para lidar com a inclusão de pessoas com necessidades
especiais não deve ser, porém, uma prática individual, mas uma ação do campo das políticas
públicas em Educação.
Atualmente, há, em alguns municípios, cursos de qualificação para profissionais
docentes. Porém, só isso não é suficiente, por exemplo, nas licenciaturas em ciências são
poucos os cursos das universidades públicas no estado do Rio de Janeiro que possuem em
suas grades curriculares disciplinas obrigatórias voltadas para esta forma de ensino1. Observa-
se que nos cursos de licenciatura de Química, Física, Matemática e Biologia de todas essas
universidades, apenas a UERJ possui uma disciplina (Práticas Pedagógicas em Educação
Inclusiva), no curso de Química, que promove uma reflexão e aplicações sobre este tema.
Para os licenciandos em Química da UFF, é oferecida uma disciplina optativa que trata da
educação especial de forma geral, no entanto, são oferecidas poucas vagas e há pouca procura
por parte dos licenciandos em Química, deixando sua formação deficiente.
Ensina-se a teoria, a didática, mas os conhecimentos não são relacionados com o
exercício da teoria, ou seja, a prática. Os currículos são distanciados da prática pedagógica, e
não enfatizam a preparação do profissional da Educação no sentido de capacitá-lo para
trabalhar com a diversidade encontrada no universo dos educandos (SILVA, 2010, p. 90).
Com base no exposto, essa dissertação objetiva tratar da prática inclusiva nas escolas
a partir de um recorte que versa sobre o ensino de Química para alunos com deficiência visual
(DV). Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, com observação participante, na qual
se analisou a prática da professora2 na sala de aula regular e no NAPNE (Núcleo de
Atendimento às Pessoas com Necessidades Especiais) na aplicação de uma metodologia de
ensino em Química Orgânica.
1 Realizou-se consultas as grades curriculares das universidades UERJ, UFF, UFRJ e UFRRJ, dos cursos
descritos. 2 A pesquisadora, autora desta Dissertação, é a professora sujeito da pesquisa.
13
O aporte teórico desta Dissertação é a Teoria da Psicologia Histórico-Cultural de
Vigotski3, pois este autor além de ter constituído a formação do conceito científico como um
de seus objetos de estudo, também, realizou pesquisas sobre o ensino de crianças com
deficiências e transtornos globais de desenvolvimento, que à sua época, eram nomeadas
crianças anormais.
1.2 PROBLEMA DE PESQUISA
Diante do exposto, esta Dissertação foi desenvolvida a partir da seguinte questão
central: como contribuir para a inclusão de alunos com deficiência visual na Educação Básica,
a partir do desenvolvimento de uma metodologia de ensino de Química?
1.3 JUSTIFICATIVA
Dados do Censo Escolar de 2013 (BRASIL, 2013), em relação à Educação Especial
(que engloba alunos de escolas especiais, classes especiais e incluídos), mostram que nos
próximos quatro anos, haverá uma quadruplicação do número desses alunos no Ensino Médio,
considerando os Estados e os Munícipios da Federação. Esses dados mostram a necessidade
que os processos educacionais sejam revistos. As legislações que asseguram uma educação
igualitária para todos estão há décadas sancionadas. Não é possível mais esperar que os
professores e escolas se conscientizem para que a Educação Inclusiva (EI) se torne mais
evidente, é preciso assumir que a educação possui uma nova vertente e que está urge por
modificações. Várias pesquisas indicam que a presença do aluno com deficiência em uma
classe regular contribui positivamente, conforme aponta Camargo (2011, p. 15), pois “permite
o desenvolvimento de valores de caráter colaborativo, de respeito às diferenças, ligados à
construção de uma sociedade menos excludente e para a identificação de uma natureza
humana heterogênea”.
Junto a esta questão, têm-se as condições do ensino das ciências no país, que não
promove o letramento científico, ou seja, as pessoas passam pela escola sem internalizar
conceitos que são fundamentais para o seu dia a dia (VILELA-RIBEIRO; BENITE, 2010, p.
587). Sendo assim, associar estas categorias, inclusão e ensino de ciências, torna-se relevante.
3 Esta dissertação seguirá a orientação da Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento para a escrita
do nome do autor, que considera esta com dois “i”. Em algumas citações literais o nome do autor aparecerá de
acordo com a escrita privilegiada pelo autor do texto.
14
Com isso, esta Dissertação desenvolveu uma estratégia de ensino que possibilita
maior participação dos alunos, nas aulas de Química, a fim de que sejam incluídos nos saberes
científicos dessa disciplina, usando materiais adaptados como recurso educacional.
1.4 OBJETIVOS
1.4.1 Objetivo Geral
O objetivo deste trabalho é propor uma metodologia em Ensino de Química na
Educação Básica, visando à inclusão de alunos com DV.
1.4.2 Objetivos Específicos
Consideram-se objetivos específicos desta pesquisa:
- levantamento bibliográfico acerca do tema da inclusão em artigos científicos da
área de Ensino de Ciências;
- estudo sobre os principais conceitos da teoria de Vigotski;
- elaboração do produto final: proposta de metodologia de ensino para alunos com
DV, a partir da teoria de Vigotski;
O texto desta Dissertação está assim apresentado:
Capítulo 1 - aborda as questões acerca da inclusão, apresentando esclarecimentos
pertinentes e reflexivos quanto ao assunto.
Capítulo 2 - discute a formação do conceito científico a partir da obra de Vigotski,
com destaque dado ao que o autor chamou de Defectologia, estudo das crianças com
diferenças no desenvolvimento dos aspectos cognitivos.
Capítulo 3 - apresenta, analisa e interpreta os dados oriundos da pesquisa de campo
realizada.
Capítulo 4 - apresenta o Produto Final, que se constitui por um recurso e uma
metodologia de ensino.
Considerações Finais – apresenta uma síntese do que a Dissertação desenvolveu,
bem como apresenta perspectivas futuras para o tema abordado.
15
2 INCLUSÃO: UM NOVO OLHAR4
2.1 A QUESTÃO DA DIFERENÇA
A compreensão das diversas concepções sobre diferença, a luz da psicologia, permite
entender o processo de construção do conhecimento, assim como, suas consequências na
educação. Pode-se citar três grandes modelos de pensamento: um que afirma a existência da
diferença, outro que nega a sua presença e um que vai resgatar essa ideia, mas com outro
enfoque. Tais modelos são:
2.1.1 Afirmação da existência da diferença: concepções deterministas
Segundo Oliveira (1997), pode-se estabelecer dois tipos de análise da diferença, uma
sob o aspecto dos indivíduos e outra sobre o aspecto cultural, que confluem para um mesmo
ponto.
A diferença entre os indivíduos é postulada como dado prévio, sendo analisada
através dos testes de inteligência (como aptidão ou capacidade intelectual), associados à
lógica matemática, em que há uma separação daqueles mais e menos capacitados. As
diferenças percebidas tendem a ser atribuídas a questões inatistas, ou seja, estariam com os
sujeitos desde o seu nascimento.
Na perspectiva das diferenças culturais, observa-se a formação de um padrão e tudo
aquilo que foge a norma, é tido como desconhecido, não sendo compreendidas a partir de seu
próprio ponto de vista. A origem dessas diferenças não está associada a causas internas dos
indivíduos, como a exposta acima, embora seja igualmente determinista, pois ao pertencer a
certa cultura, há uma definição dos limites e possibilidades de desempenho dos sujeitos.
Nesse modelo, é possível observar o reconhecimento da diferença, porém ela é
estabelecida de forma estática. Não há a flexibilização com o processo de formação da pessoa
enquanto sujeito de sua própria história e agente da sociedade.
Nesses aspectos, eis que duas questões aparecem em destaque no ambiente escolar:
do erro (na sala de aula) e do fracasso (na escola), as quais demonstram que a criança
4 Fez-se a opção por elaborar este capítulo a partir da análise das condições de possibilidade para o surgimento
do conceito de inclusão. Portanto, as leis e os fatos históricos aparecem somente quando justificam estas
condições.
16
apresenta algum tipo de deficiência, pois seu desempenho não foi satisfatório para sua idade
ou série.
Essas deficiências podem ser hipotetizadas como tendo origem na constituição
individual ou na experiência cultural, mas a implicação para a educação é a mesma:
compensação ou remediação. Ao supor a existência de padrões de desempenho
melhores e piores, os desvios da norma adequada são considerados, de certa forma,
patológicos, e devem ser corrigidos (OLIVEIRA, 1997, p. 49).
Este modelo de pensamento institui uma educação compensatória, em que se
pretende fornecer às crianças com dificuldades na escola oportunidades para que elas
desenvolvam as capacidades que lhes faltavam, a fim de diminuir ou eliminar as diferenças
que foram identificadas, havendo uma tentativa de normalização da mesma.
2.1.2 Negação da importância da diferença
O enfoque deste modelo, diferentemente do anterior, está em buscar a compreensão
daquilo que é semelhante aos seres humanos, um sujeito universal. A inteligência passa a ser
definida como modo de funcionamento intelectual e, não mais, como uma aptidão ou
capacidade intelectual, ocorrendo da mesma forma para todos os indivíduos.
Para Oliveira (1997, p. 51), “essa abordagem, se não nega explicitamente a
existência de diferenças entre os indivíduos, de certa forma nega a relevância das diferenças
para a compreensão do funcionamento psicológico”. Sendo assim, a busca por um sujeito
universal, não permite que as histórias individuais sejam centrais para uma avaliação
psicológica.
Neste segundo modelo, há grandes diferenças quanto análise feita em relação à
educação, conforme descrito no trecho a seguir.
dentro desse contexto, o fracasso escolar aparece como um fracasso da escola,
fracasso este localizado: a) na incapacidade de aferir a real capacidade da criança; b)
no desconhecimento dos processos naturais que levam a criança a adquirir o
conhecimento; c) na incapacidade de estabelecer uma ponte entre o conhecimento
formal que se deseja transmitir e o conhecimento prático do qual a criança, pelo menos em parte, já dispõe (CARRAHER5 et al, 1988, p. 42 apud OLIVEIRA, 1997,
p 52 e 53).
5 CARRAHER, T. et al. Na vida dez, na escola zero. São Paulo: Cortez. 1988.
17
O fracasso da criança na escola é entendido como sendo uma incompatibilidade entre
as características dela e a proposta da escola. Desenvolve-se a ideia da integração, a qual
professores e escola implementariam estratégias de ensino que contemplassem as diferenças
individuais e grupais.
Se esta abordagem for levada ao extremo, pode-se conduzir a um relativismo radical
e a uma postura espontaneísta, na qual não haveria possibilidade de mudança do
funcionamento do sujeito, uma vez que todos, individualmente ou em grupo, teriam o mesmo
comportamento.
2.1.3 Recuperação da ideia da diferença
Os dois modelos apresentados anteriormente são antagônicos, pois um reconhece a
diferença existente nos indivíduos e no grupo e o outro nega a relevância dessas diferenças,
buscando um sujeito universal. Já o terceiro, traz de volta a ideia da diferença, porém
fundamenta-se em uma abordagem histórico-cultural, a qual acredita que o desenvolvimento
do sujeito está associado às suas relações sociais, entre o indivíduo e o mundo exterior.
A imensa quantidade de situações que ocorrem ao longo da vida de um indivíduo
gera um complexo processo de desenvolvimento que será especial para cada sujeito. A cada
momento de interação com o meio externo, o indivíduo encontra-se em um determinado
momento de sua trajetória particular, tendo suas próprias possibilidades de interpretação e
ressignificação do material que se obtém dessa fonte externa.
Quanto à escola esta análise diferencia-se demasiadamente das outras duas, pois “a
transformabilidade do sujeito ao longo do processo de desenvolvimento, a importância da
intervenção educativa e a relevância da escola como instituição na sociedade letrada, ocupam
lugar central na abordagem histórico-cultural” (OLIVEIRA, 1997, p. 58-59).
Observa-se a importância da intervenção educativa, na qual os outros, em especial os
professores, serão responsáveis por apresentar à criança as características da sociedade e, por
possuírem uma plasticidade cerebral, essas serão capazes de compreender e aprender as novas
informações. Crianças com deficiência de origem orgânica também terão essa capacidade,
porém seus processos de desenvolvimento ocorrerão por caminhos alternativos, com
aproveitamento do potencial dos órgãos, processos e mecanismos que estão completos nesses
sujeitos (VIGOTSKI, 2011, p.869).
18
Cabe aqui trazer a diferença entre as terminologias para fazer referência à pessoa
que, temporária ou permanentemente, possui determinada necessidade especial, consequência
de sua condição atípica. Sassaki (2010, p. 15) esclarece que o termo „necessidades especiais‟
não deve ser entendido como sinônimo de „deficiências‟ (intelectual, auditiva, visual, física ou
múltipla), pois este tem um sentido mais amplo.
Em seu artigo intitulado Vida Independente: história, movimento, liderança,
conceito, filosofia e fundamentos (2003), Sassaki esclarece que não há somente um termo
correto, pertinente à todos os tempos e espaços. Este fato deve-se “a cada época são utilizados
termos cujo significado seja compatível com os valores vigentes em cada sociedade enquanto
esta evolui em seu relacionamento com as pessoas que possuem este ou aquele tipo de
deficiência” (SASSAKI, 2003, p. 12-16).
Na Convenção Internacional para Proteção e Promoção dos Direitos e Dignidade das
Pessoas com Deficiência, sendo ratificada no Brasil através na Portaria nº 2.344, de 3 de
novembro de 2010, que o termo correto a ser utilizado é „pessoa com deficiência‟.
Segundo Sassaki (2003, p. 12-16), foram sete os princípios para que os movimentos
tivessem definido essa terminologia, sendo eles:
1. Não esconder ou camuflar a deficiência; 2. Não aceitar o consolo da falsa ideia de
que todo mundo tem deficiência; 3. Mostrar com dignidade a realidade da
deficiência; 4. Valorizar as diferenças e necessidades decorrentes da deficiência; 5.
Combater neologismos que tentam diluir as diferenças, tais como “pessoas com
capacidades especiais”, “pessoas com eficiências diferentes”, “pessoas com
habilidades diferenciadas”, “pessoas deficientes”, “é desnecessário discutir a questão
das deficiências porque todos nós somos imperfeitos”, “não se preocupem, agiremos
como avestruzes com a cabeça dentro da areia”(i,é, aceitaremos vocês sem olhar
para suas deficiências”); 6. Defender a igualdade entre as pessoas com deficiência e
as demais pessoas em termos de direitos e dignidade, o que exige a equiparação de
oportunidades para pessoas com deficiência atendendo às diferenças individuais e necessidades especiais, que não devem ser ignoradas; 7. Identificar nas diferenças
todos os direitos que lhe são pertinentes e partir daí encontrar medidas específicas
para o Estado e a sociedade diminuírem ou eliminarem as “restrições de
participação” (dificuldades ou incapacidades causadas pelos ambientes humano e
físico contra as pessoas com deficiência) (SASSAKI, 2003, p. 12-16).
2.2 A INCLUSÃO ESCOLAR
Um dos maiores desafios educacionais vigentes, é o atendimento das diferentes
necessidades educacionais dos alunos com e sem deficiência, tanto para os docentes quanto
para a escola (RODRIGUES, 2003, p. 13). Para Camargo (2012, p. 15), “a busca por uma
19
didática inclusiva6 não é simples, deve superar os modelos pedagógicos tradicionais
enfatizando o impacto de varáveis específicas na implantação de uma educação para todos”.
Para isso tem que haver uma ressignificação do papel da escola, onde os atores desse
processo são alunos, professores, pais, comunidades interessadas e instalando, no seu
cotidiano, formas mais solidárias e plurais de convivência. É a escola que deve mudar para
receber esses alunos e não o processo inverso (MANTOAN, 2003, p.6).
O direito à educação para todos é assegurado desde a Constituição de 1988, em seu
artigo 205, o qual informa que é dever do Estado e da família, promover e incentivar, com a
colaboração da sociedade, o pleno desenvolvimento da pessoa, preparando-a para o exercício
da cidadania e qualificando-a para o trabalho (BRASIL, 1988).
Mantoan é bem enfática em relatar quais deveriam ser as “novas” características
dessa escola:
[..] instituições abertas incondicionalmente a todos os alunos e, portanto, inclusivas.
Ambientes humanos de convivência e de aprendizado são plurais pela própria
natureza e, assim sendo, a educação escolar não pode ser pensada e realizada senão a
partir da ideia de uma formação integral do aluno, segundo suas capacidades,
talentos e de um ensino paticipativo, solidário e acolhedor. A perspectiva de se
formar uma nova geração dentro de um projeto educacional inclusivo é fruto de um
exercício diário de cooperação e da fraternidade, do reconhecimento e do valor das
diferenças, o que não exclui a interação com o universo do conhecimento em suas
diferentes áreas. [...] uma escola para todos não desconhece os conteúdos
acadêmicos, não menospreza o conhecimento científico, sistematizado, mas não se
restringe a instruir os alunos a “dominá-los”, a todo custo (MANTOAN, 2003, p. 6).
Estas novas características propostas por Mantoan se contrapõem à escola moderna.
Segundo Guirado (1996, p. 63), na sociedade moderna - que se inaugura com a Revolução
Industrial e toma a Ciência como saber oficial - as novas relações de poder, de saber e de
produção „inventaram‟ uma escola para atender à nova ordem pautada na Razão. A escola,
por exemplo, acabou, aos poucos, com a palmatória, isto é, com o castigo corporal. A
substituição veio por meio de práticas que cerceiam os movimentos e a comunicação com os
demais, estas não permitem que as pessoas possam controlar o seu próprio tempo e seu lazer;
o denominado poder disciplinar.
6 Define-se por didática inclusiva o conjunto de procedimentos educacionais interacionais adequado ao
atendimento da diversidade humana. Em outras palavras, a didática inclusiva orienta-se por saberes
organizativos e teórico-práticos cujo objetivo é favorecer participação efetiva de todos os alunos, com e sem
deficência, em uma determinada atividade educacional.
20
Guirado acrescenta, ainda, que, essa forma de relação típica da sociedade moderna
representa uma reeducação. Seria através desse poder disciplinador que haveria uma
vigilância, uma sanção normalizadora, garantindo assim a ordem social. Disciplinarizar prevê
a repetição de determinada tarefa até a exaustão (prática corriqueira nas escolas), aquele que
consegue dar conta dessa demanda é classificado como “bom”, já aquele que não corresponde
às expectativas é tido como “ruim”. A Sociedade Moderna, para atender a nova ordem social
pautada na Razão, produziu uma divisão entre aqueles que podem e aqueles que não podem se
adaptar a esta ordem, aqueles que são eficientes e aqueles que são deficientes e que, portanto,
devem ser afastados da sociedade; esta é a ordem da exclusão. A escola moderna esteve
sempre a serviço da manutenção desta divisão.
Os fundamentos do movimento da inclusão estão na ruptura com a ordem típica da
sociedade moderna. Para este movimento, a diferença não deve ser excluída, como é a prática
da sociedade moderna, mas respeitada e incluída, pois ela nos ensina formas de organização
diferentes, mais solidárias. Um rompimento de base com a estrutura organizacional da
modernidade, como proposto pelo movimento da inclusão, talvez seja o melhor caminho para
que o ambiente escolar volte a fluir, divulgando sua ação formadora para todos os que dela
participam (MANTOAN, 2003, p.11).
Na concepção da inclusão na escola, as diferenças individuais são identificadas e
aceitas, constituindo o pilar para a elaboração de uma inovadora abordagem pedagógica. Não
há mais espaço para exclusões e segregações, e todos os alunos, com ou sem deficiência,
participam de fato (CAMARGO, 2012, p. 18).
Cabe aqui esclarecer a diferença entre inclusão e integração, que são geralmente
entendidas, de forma incorreta, como sinônimas. Integração, segundo Mantoan (2003, p. 14)
refere-se à inserção do aluno com deficiência nas escolas regulares, podendo ter seu emprego
usado para designar alunos agrupados em escolas especiais para pessoas com deficiência e
utiliza-se de uma metáfora para que haja um melhor entendimento sobre esse conceito.
[...] integração escolar, cuja metáfora é o sistema de cascata, é uma forma
condicional de inserção em que vai depender do aluno, ou seja, do nível de sua
capacidade de adaptação às opções do sistema escolar, a sua integração, seja em uma
sala regular, uma classe especial, ou mesmo em instituições especializadas. Trata-se de uma alternativa em que tudo se mantém, nada se questiona do esquema em vigor
(MANTOAN7, 1997 apud BORGES; PEREIRA; AQUINO, 2012, p. 2).
7 MANTOAN, M. T. E. A inclusão escolar de deficientes mentais: contribuições para o debate. In. Revista
Integração, Brasília, ano 7, n. 19, p. 8
21
Mantoan (2003) relata, ainda, que os movimentos em favor da integração de
crianças com deficiência iniciaram quando se questionaram as práticas sociais de segregação,
após a Segunda Guerra Mundial, com o surgimento do movimento dos Direitos Humanos. A
integração fundamenta-se no princípio de normalização. No caso, da instituição escolar, o
aluno tem acesso à escola, aos seus espaços, porém ele deve se adaptar aos recursos já
existentes, ou seja, não há uma aceitação da diferença.
Já a inclusão, diferentemente da integração, “prevê a inserção escolar de forma
radical, completa e sistemática. Todos os alunos, sem exceções, devem frequentar as salas de
aula do ensino regular” (MANTOAN, 2003, p. 16). Devem ter igualdade de oportunidade,
mesmo que tenham objetivos e processos diferentes (MANTOAN, 2003, p. 16 e SILVA,
2009, p. 18). Na inclusão, a sociedade deve ser transformada em prol do sujeito, pois não há
uma cultura que seja superior à outra que faça com que o sujeito se adapte a essa cultura. A
metáfora utilizada agora nesse contexto é
[...] o caleidoscópio precisa de todos os pedaços que o compõem. Quando se retira
pedaços dele, o desenho se torna menos complexo, menos rico. As crianças se
desenvolvem, aprendem e evoluem melhor em um ambiente rico e variado
(MANTOAN8, 1998 apud BORGES; PEREIRA; AQUINO, 2012, p. 5).
Desta forma, “se antes a integração defendia o discurso da igualdade abstrata entre
os homens, afirmando que todos são iguais, agora, o princípio da inclusão afirma que todos
nós somos diferentes, e por isso, devemos permanecer juntos” (BORGES; PEREIRA;
AQUINO, 2012, p. 6). Ou seja, sob o ponto de vista inclusivo a igualdade vem através das
diferenças existentes.
A Figura 01 apresenta a evolução do processo de inserção da pessoa com deficiência
na sociedade até chegar à inclusão. Na exclusão, a pessoa com necessidades especiais não
recebia nenhum tipo de atendimento. Diferentemente, na segregação havia um atendimento a
parte, porém este nem sempre tinha um cunho escolar. Aqueles que se mostravam mais hábeis
permaneciam na escola ou no meio social (integração). Já na inclusão, o direito é igual para
todos. A escola se adapta ao aluno.
8 MANTOAN, M. T. E. Ensino Inclusivo / Educação (de qualidade) para todos. In. Revista Integração, Brasília,
ano 7, n. 19, p. 32
22
Figura 01 - representatividade das questões sobre a diferença entre exclusão, segregação, integração e
inclusão.
Fonte: www.filosofiahoje.com
Dessa maneira, para que a inclusão ocorra, tanto na escola quanto em todos os
segmentos da sociedade, é necessária uma mudança, que não se dá apenas no espaço formal
da escola, pois não se restringe apenas aos alunos com deficiência e aos que apresentam
dificuldade de aprender, porém a diversidade dos grupos culturais excluídos (indígenas,
quilombolas, em situação de risco e/ou de violência e/ou de exploração, negros, pobres,
moradores do campo ou de comunidades ribeirinhas ...), para que obtenham êxito no processo
educativo e, sobretudo, para que se tornem sujeitos nas práticas sociais.
Fazendo um recorte e analisando a inclusão especificamente no espaço formal da
escola, embora os alunos com deficiência constituam uma grande preocupação para os
educadores inclusivos, é sabido que a maioria dos que fracassam na escola não é constituída
por esses alunos, oriundos do ensino especial. Porém, dentre estes que não obtém um sucesso
escolar e não são ditos deficientes, muitos acabam frequentando o ensino especial para tentar
uma melhoria no processo de ensino-aprendizagem.
Nessa perspectiva, a Educação Especial (EE) vem estabelecendo suas características
no Brasil desde a primeira LDB, em 1961, e, em especial, nos anos de 1990, após a Abertura
Política no país e a promulgação da Constituição de 1988. Além disso, a Declaração de
Salamanca (UNESCO, 1994) foi um marco, pois ratificou o compromisso da Educação para
todos, a fim de desenvolver as mudanças necessárias para que a educação fosse inclusiva.
23
Sendo assim, a EE é uma parte da Educação Inclusiva, sendo definida, em termos legais,
como “a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de
ensino para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotação” (BRASIL, 2013). Sendo indicados serviços de apoio
especializado, quando necessário, na escola regular, a fim de atender às especificidades da
clientela de educação especial.
Ainda que haja uma grande preocupação por parte dos educadores, por uma parcela
do público da educação inclusiva, não se questiona mais a presença desses alunos com
deficiência nas classes regulares. Conforme exposto nos dados do INEP (BRASIL, 2013),
estes estão sendo inseridos a cada ano em maior número. Há uma necessidade, cada vez mais
crescente, de reflexão e ação para que estes possam ser incluídos verdadeiramente.
2.3 CONHECENDO OS ASPECTOS GERAIS DA DEFICIÊNCIA VISUAL
Visando contribuir para uma prática inclusiva, esta dissertação também vai ao
encontro da questão do deficiente, em especial, o visual. Para isso, faz-se necessário entender
alguns aspectos dessa deficiência. De acordo com o Decreto n. 5296, consideram-se
deficientes visuais aqueles possuem baixa visão ou cegueira (BRASIL, 2004 e CARMARGO,
2012, p. 31).
A cegueira ou a perda total da visão pode ser adquirida ou congênita. Para isso, o
indivíduo deve ter acuidade visual igual ou menor que 0,05 (20 / 400) no melhor olho, com a
melhor correção óptica, ou seja, essa pessoa vê a 20 metros de distância aquilo que uma
pessoa de visão comum veria a 400 metros de distância (BRASIL, 2004, CARMARGO,
2012, p. 31 e SILVA, 2009, p. 20).
Em uma pessoa com baixa visão ou visão subnormal há uma alteração da capacidade
funcional devido a fatores como diminuição significativa da acuidade visual, menor
percepção do campo visual e aos contrastes, assim como limitação de outras capacidades.
Esse indivíduo terá uma acuidade visual entre 0,3 e 0,05 (20 / 70 e 20 / 400, respectivamente)
no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do
campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de
quaisquer das condições anteriores. Ou seja, ele não será capaz de contar, com clareza, os
dedos de uma mão que esteja a uma distância de três metros, à luz do dia (BRASIL, 2004 e
SILVA, 2009, p. 20).
24
As causas mais frequentes para a deficiência visual são: retinopatia da prematuridade
(consequência de um parto prematuro ou de excesso de gás oxigênio na incubadora, causando
uma má formação da retina), catarata congênita (devido à rubéola ou outras infecções na
gestação), glaucoma congênito (pode ser hereditário ou causado por infecções), atrofia óptica
e outras decorrentes de diabetes, descolamento da retina ou traumatismos oculares (SILVA,
2009, p. 20).
É preciso compreender que a deficiência visual está associada a uma perda ou
redução de capacidade visual em ambos os olhos em caráter definitivo, que não possa ser
melhorada ou corrigida com o uso de lentes, tratamento clínico ou cirúrgico. Os aspectos
cognitivos estão preservados, desde que não haja outra deficiência ou distúrbio associado, ele
será capaz de aprender como qualquer outro sujeito, desde que sejam fornecidos instrumentos
necessários para a sua progressão.
25
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA - PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL,
APLICADA AO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA DV
A Psicologia é um dos principais aportes da área de Ensino de Ciências na discussão
da formação do conceito científico. Nesta dissertação é feita a opção teórica pela Psicologia
Histórico-Cultural, cujo principal representante é L. Vigotski, o que dá ainda mais relevância
a escolha feita, pois o autor fez, entre os seus estudos, análises da formação do conhecimento
em pessoas com deficiência.
Esta opção teórica se dá pelo fato de que além de estudar os temas que são categorias
desta dissertação – formação do conceito científico e sujeitos com necessidades especiais,
Vigotski apresenta, em sua obra, uma abordagem que traz à cena a importância da diversidade
cultural, pois a cultura é um dos planos constitutivos do sujeito. Há, segundo o autor, uma
dialética entre o universal e o cultural, que afirma a não superioridade de uma cultura sobre a
outra (OLIVEIRA, 1997, p. 57); esta é uma aproximação relevante da obra de Vigotski com o
conceito de inclusão.
Assim, pode-se perceber que Lev S. Vigotski é um pensador e pesquisador
importante devido a sua contemporaneidade. Seus “escritos” datam mais de 70 anos e são
atuais neste tempo. É considerado um autor versátil, como descreve uma das analistas da obra
do autor no Brasil, Teresa Cristina Rego, pois escreveu sobre diversas áreas de conhecimento,
tendo como eixo central o sujeito e sua relação com a cultura.
Vygotsky foi capaz de agregar diferentes ramos de conhecimento em um enfoque
comum que não separa os indivíduos da situação cultural em que se desenvolvem.
Esse enfoque integrador dos fenômenos sociais, semióticos e psicológicos tem uma
capital importância hoje em dia, transcorrida meio século desde sua morte
(WERTSCH9, 1988 apud REGO, 2013, p. 16).
Devido a esta diversidade em seus trabalhos, em especial aqueles desenvolvidos para
contribuir no entendimento dos processos de pensamento, esta dissertação discorrerá sobre
alguns conceitos da obra do autor, que são importantes para o estudo do tema de investigação
proposto: a formação dos conceitos científicos, a questão da diferença, a plasticidade cerebral,
a mediação, a defectologia e a imaginação. Todos estes conceitos só podem ser entendidos a
partir da análise da questão central da obra de Vigotski, a Linguagem. Sendo assim, será
9 WERTSCH, J.V. (org). Vygotsky y la formación social de la mente. Barcelona: Paidós, 1988, p.34
26
possível compreender como ocorre a construção dos conceitos na mente da criança e como o
processo de aprendizagem não está relacionado somente a questões orgânicas ou somente a
uma determinação externa ao sujeito.
Vigotski e seus colaboradores, fundamentados nas hipóteses de Marx e Engels,
buscaram, a partir das premissas do materialismo histórico-dialético10
, progredir e reforçar a
caracterização do psiquismo humano. Consideraram que não existe, a priori, uma
imutabilidade do ser humano, com isso, investigaram como é a relação do homem com o
mundo, sua relação com os demais indivíduos, a formação das estruturas de seu pensamento e
a construção do conhecimento. Conseguindo, assim, esclarecer como a cultura torna-se parte
da natureza humana em um processo histórico, a qual contribui para formar o funcionamento
psicológico do indivíduo e como este também contribui para transformá-la.
A Linguagem, preocupação central para Vigotski, despertava-lhe interesse, pois
acreditava que esta era constituidora do sujeito; sendo assim, seus estudos foram focados na
relação existente entre o pensamento e a linguagem. Acreditava-se, no início do século XX,
que essa relação não se alterava ao longo do desenvolvimento. Porém, para o autor, ela evolui
durante desenvolvimento humano em um processo dinâmico e dialético.
Quando as crianças são muito pequenas, mesmo a fala mais primitiva é social, pois
pensamento e linguagem se entrelaçam da seguinte forma: há um momento, que Vigotski
denomina de estágio pré-intelectual do desenvolvimento da fala. Por exemplo, os balbucios
iniciais, o choro, as expressões faciais, entre outras, não indicam apenas sensações biológicas,
mas são também formas de comunicação da criança, que não têm significado até que o outro,
que está há mais tempo nas regras do jogo social, dê sentido a essas expressões.
Há, ainda, o estágio pré-linguístico do desenvolvimento do pensamento, no qual a
criança age, mas não sabe descrever como agiu, é uma inteligência prática sem a mediação da
fala. É também o outro mais maduro da cultura que dá sentido a ação da criança. São estas
intervenções do outro que fazem com que pensamento e fala comecem a se encontrar,
aparecendo uma nova função, a linguístico-cognitiva. Nesse momento, o pensamento torna-se
verbal e a linguagem racional (FREITAS, 1995, p. 93). Vigotski fala em estágio não no
sentido de momentos do desenvolvimento que uma vez atravessados não retornam mais, mas
no sentido de processo constitutivo do sujeito. Ou seja, toda vez que o sujeito está diante de
um conceito novo este processo se dá.
10 O que se pretendia buscar com os mestres do marxismo, não era a solução de uma questão, tão pouco uma
hipótese de trabalho, mas como se deu o método de sua construção. Saber de que modo a ciência tem que ser
elaborada para abordar o estudo da mente (FREITAS, 1995, p. 108).
27
O pensamento verbal é entendido como o significado das palavras. Freitas (1995, p.
94) diz que o significado é um fenômeno da fala, ou seja, palavras sem sentido representam
apenas um som vazio. E, é um fenômeno do pensamento, o significado de cada palavra, pois
permite fazer uma generalização, formular um conceito, que são atos do pensamento.
O conceito inserido em cada palavra evolui, muda a própria estrutura do significado
e sua natureza psicológica. O pensamento verbal, iniciado a partir de generalizações
primitivas, alcança o patamar dos conceitos mais abstratos, segundo Vigotski. O que se altera
não é o conteúdo de uma palavra, mas a forma pela qual a realidade é generalizada e refletida
em uma palavra (FREITAS, 1995, p. 94).
Há mais diferenças do que semelhanças entre pensamento e palavra, à luz de
Vigotski. A condição da fala não é uma simples resposta da estrutura do pensamento. Esse
passa por inúmeras modificações até chegar à fala. “Não é só expressão que ele encontra na
fala, mas sua realidade e sua forma” (FREITAS, 1995, p. 95).
A relação entre pensamento e linguagem não pode ser entendida sem a compreensão
da natureza psicológica da fala interior e dos seus vínculos com a fala exterior. Fala interior e
fala exterior possuem estruturas diferentes e processos contrários, mas constituem o sujeito e
as funções psicológicas superiores no mesmo processo. A fala interior não consiste em uma
fala propriamente dita, mas de uma atividade intelectual e afetivo-volitiva. É uma fala que se
forma a partir de uma fala exterior e de uma fala voltada para si mesmo (egocentrismo). Ela
interioriza-se em pensamento, que retorna ao social (FREITAS, 1995, p. 95).
Para Vigotski, há uma relação genética entre a fala interior e a fala egocêntrica. Esta
última seria momento passageiro do desenvolvimento da fala exterior para a fala interior,
transição das funções interpsíquicas (relaciona-se ao social) para as funções intrapsíquicas
(relaciona-se ao individual). A fala egocêntrica está atrelada ao pensamento. Agora a ação do
pensar as palavras precede a pronuncia das mesmas, tem-se a fala interior sendo processada
com a semântica e não com a fonética. O significado destas passa a ter um lugar de destaque.
Vigotski identificou três particularidades sobre a fala interior. A primeira consiste em
um predomínio do sentido de uma palavra sobre o seu significado. Este sentido altera-se em
função das vivências e da mente de quem a usa. A segunda fala sobre capacidade de agregar
palavras para que seja possível expressar uma ideia. Já a terceira, retrata a forma pela qual os
sentidos se harmonizam e se unificam. Uma palavra pode ter diversos sentidos.
A linguagem ganha destaque no desenvolvimento mental da criança, pois além de
cumprir “uma função organizadora e planejadora de seu pensamento, ela tem também a uma
28
função social e comunicativa” (FREITAS, 1995, p. 98). É a partir da linguagem que a criança
é inserida no conhecimento humano e adquire os conceitos sobre o mundo a sua volta. Com
isso, através das relações sociais estabelecidas, é permitido a criança construir a sua própria
individualidade.
Ao dar importância à intervenção do outro, Vigotski inaugura uma forma de pensar o
processo de aprendizagem que pode ser denominado de interacionista.
3.1. A FORMAÇÃO DO CONCEITO CIENTÍFICO SEGUNDO VIGOTSKI
A importância de se entender o desenvolvimento dos conceitos científicos, é que a
partir da compreensão dos mesmos poder-se-á criar métodos mais eficientes para ensinar as
crianças em idade escolar, métodos estes que visam uma aprendizagem plena, os quais
permitem uma internalização dos conceitos, possibilitando sua aplicação na vida cotidiana.
Para isso, há duas diferentes correntes que tentam explicar esse desenvolvimento.
A primeira corrente da Psicologia a influenciar o Ensino de Ciências, fundamentada
no Behaviorismo, expõe que os conhecimentos científicos não possuem nenhuma história
interna, isto é, o homem seria uma “folha em branco”, em que o aprendizado é absorvido
mediante os processos de condicionamento e treinamento.
Com relação ao exposto, temos os grandes projetos de educação científica, como, por
exemplo, o PSSC (Physical Science Study Committe). Esses projetos consideravam que “a
produção de material instrucional, baseada principalmente na competência científica, na
experiência de magistério e na sensibilidade pedagógica de seus autores, deveria ser suficiente
para a preparação e realização de atividades didáticas de qualidade no ensino de Ciências”
(VILLANI, 2001, p. 172). Ou seja, a partir de uma atividade experimental, a aprendizagem se
daria, o aluno teria a possibilidade de simular o papel do cientista e a função/atuação do
professor era extremamente restrita (GASPAR, 1997, p.1 e VILLANI, 2001, p. 172).
Ao examinar essa teoria com mais cuidado, ela se torna inconsistente, pois:
o conceito é mais do que a soma de certas conexões associativas formadas pela
memória, é mais do que um simples hábito mental; é um ato real e complexo de
pensamento que não pode ser ensinado por meio de treinamento, só podendo ser
realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já tiver atingido o
nível necessário (VIGOSTKI, 2001, p.104).
29
Independentemente de qualquer idade, a formação de um conceito é um ato de
generalização, ou seja, é um ato de desenvolver o pensamento, pois só assim a criança será
capaz de contextualizar, de ampliar o pensamento lógico-formal. Ao desenvolver os conceitos
(ou o significado das palavras), admite-se que ocorra uma ampliação de muitas funções
intelectuais, tais como: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para
comparar e diferenciar. Ou seja, a aprendizagem desenvolve o pensamento e não é uma forma
de modelagem do sujeito, como defendia o Behaviorismo.
Por isto, a prática realizada pela Psicologia Histórico-Cultural expõe que o ensino
direto de conceitos é inviável e ineficaz. E, quando um professor segue por esse caminho, ele
apenas obterá um verbalismo vazio, uma repetição de palavras, ocultando um vácuo
(VIGOTSKI, 2001, p. 104).
Outra abordagem, que também teve destaque na área de Ensino de Ciências,
sobretudo nos anos de 1980, e que se contrapôs ao ensino vazio do Behaviorismo, é aquela
fundamentada na teoria piagetiana. A Teoria da Epistemologia Genética de Piaget, diferente
do Behaviorismo, não ignora a existência de um processo de desenvolvimento na mente da
criança em idade escolar, porém é espontaneísta e não reconhece a importância da
aprendizagem, da intervenção do outro, pois o centro está no desenvolvimento das estruturas
psicológicas.
Pensando em como esta perspectiva explica a formação do conceito científico e a
aprendizagem científica, pode-se dizer que mesmo Piaget compreendendo que, ao construir
um conceito, a criança acrescenta nele as suas características e vivências pessoais, ele defende
a ideia de que isso ocorre apenas nos conceitos espontâneos. Segundo esta perspectiva, a
aprendizagem oriunda da escola não traria nenhuma modificação interna (VIGOTSKI, 2001,
p. 106), apenas facilitaria o desenvolvimento do pensamento que já estaria constituído.
Para explicar o processo de formação do conceito científico, Piaget (VIGOTSKI,
2001, p. 109) se fundamenta em duas leis da psicologia. A primeira é a lei da percepção, a
qual afirma que a “percepção da diferença precede a percepção da semelhança” (VIGOTSKI,
2001, p. 110). Relatando que a criança age de forma natural frente a objetos que se
assemelham, não havendo necessidade desta se conscientizar sobre suas formas de reação,
porém aquilo que é diferente causa na criança um estado de inadaptação que conduz à
percepção. Afirmando também, que quanto mais usamos uma relação de ação, menos
consciência temos dela e esta é formada a partir das dificuldades que são vivenciadas, pois é a
partir destas que há uma adaptação para alguma situação.
30
Piaget, portanto, não identifica relação entre o conceito espontâneo e o conceito
científico, partindo da premissa que o conceito espontâneo tem que desaparecer para que o
científico possa se estruturar. E que é a inadaptação provocada pela diferença imposta pela
realidade que permite a passagem de um ao outro. Assim, para Piaget, entre os 7 e os 11
anos, as operações mentais estão em conflito com o pensamento adulto, com as concepções
científicas; seria exatamente esse conflito que geraria a necessidade de adaptação.
A segunda lei refere-se ao respeito à transferência ou deslocamento, e Piaget diz que
“tornar-se consciente de uma operação mental significa transferi-la do plano de ação para o
plano da linguagem, isto é, recriá-la na imaginação de modo que possa ser expressa em
palavras” (VIGOTSKI, 2001, p. 112). Por exemplo, explicar para alguém como se faz para
descer uma escada. A pessoa deve ter uma boa organização mental para ser capaz de
descrever quais seriam os movimentos necessários para que o outro completasse a ação. Isto
deixa claro que é preciso que o desenvolvimento do pensamento se dê para que um conteúdo,
um conceito possa ser aprendido, segundo Piaget.
Vigotski critica esta forma com que Piaget explica a relação entre conceitos prévios e
conceitos científicos, pois entende que as crianças se conscientizam das diferenças mais cedo
do que das semelhanças, não porque as diferenças levem a um mau funcionamento, mas
porque a percepção da semelhança exige uma estrutura de generalização e de conceitualização
mais avançada do que a consciência da dessemelhança.
Vigotski, então, diz que não se trata de ruptura entre os dois tipos de conceitos por
causa de uma inadequação dada pela realidade. Expõe, ainda, que Piaget não foi capaz de
perceber a relação entre esses dois tipos de conceitos e quão fundamentais eles são para o
desenvolvimento intelectual da criança. Essas falhas, de acordo com Vigotski, enfraquecem a
teoria exposta por Piaget, tanto em termos teóricos quanto práticos.
Logo, a Psicologia Histórico-Cultural se opõe as premissas da Teoria da
Epistemologia Genética de Piaget e defende a ideia de que os dois conceitos (espontâneo e
não-espontâneos) fazem parte de um único processo, que é afetado por diversas condições
externas e internas, sem se caracterizar como um conflito entre formas de entendimento
antagônicas e mutuamente excludentes.
Como dito acima, os conceitos são formados e desenvolvidos sob condições internas
e externas completamente diferentes, dependendo se estes são formados em sala de aula ou
pela experiência de cada criança. A diferença entre os conceitos reside na relação com a
experiência da criança e a atitude da mesma para com os objetos. O fato de existir essa
31
diferenciação possibilita uma diversidade de caminhos para o seu desenvolvimento, desde o
seu início até a sua forma final.
As leis expostas por Piaget conseguem, no máximo, explicar por que uma criança em
idade escolar não é consciente de seus conceitos, porém elas não são capazes de trazer um
entendimento sobre como a criança atinge essa consciência.
A Psicologia Histórico-Cultural interpreta os enunciados de Piaget de outra maneira.
Concorda que a criança se conscientiza das diferenças mais cedo do que das semelhanças
porque a percepção da semelhança exige uma estrutura de generalização e de conceitualização
mais avançada do que a consciência da dessemelhança, como dito acima.
A passagem para um novo tipo de percepção interior significa também a passagem
para um tipo mais elevado de atividade interior, uma vez que uma nova forma de ver
as coisas cria novas possibilidades de manipulá-la (VIGOTSKI, 2001, p.114).
É a partir da apresentação dos conceitos científicos que a criança tem seu
desenvolvimento favorecido, sendo mais tarde esta forma de pensar transferida a outros
conceitos e a outras áreas do pensamento. Entende-se que um conceito possa atrelar-se à
consciência e ao controle deliberado somente quando começa a fazer parte de um sistema.
Se consciência significa generalização, a generalização, por sua vez, significa a
formação de um conceito supra-ordenado que inclui o conceito dado como um caso
específico [...] quanto aos conceitos científicos que a criança adquire na escola, a
relação com um objeto é mediada, desde o início, por algum outro conceito. Assim,
a própria noção de conceito científico implica uma certa posição em relação a outros
conceitos, isto é, um lugar dentro de um sistema de conceitos (VIGOTSKI, 2001,
p.116).
Esta maneira de explicar as relações entre as concepções espontâneas e as
concepções científicas revela uma aproximação entre a epistemologia dialética materialista e a
perspectiva proposta por Vigotski. Na filosofia marxista, o homem é entendido “como sujeito
ativo que cria o meio, a realidade (age na natureza) e como produto deste meio (a natureza
age sobre os homens)” (REGO, 2013, p. 101). O indivíduo é constantemente estimulado pelo
mundo externo e, consequentemente, internaliza os conceitos, valores e significados
construídos pelos homens ao longo da história. Partindo deste princípio, Vigotski enuncia que
é na atividade prática, no convívio entre homens e natureza que as funções psíquicas iniciam-
se e desenvolvem-se. É o que ele diz sobre a formação do conceito científico: o pensamento
32
só se desenvolve a partir da intervenção do outro e do saber sistematizado. Logo, não haverá
uma ruptura entre o conceito espontâneo e o científico a partir da ruptura entre os níveis de
desenvolvimento cognitivo, como dizia Piaget. As relações entre os dois tipos de conceitos
são dialéticas e dependentes da mediação da Cultura. É a aproximação do conceito científico
que faz com que o pensamento se desenvolva.
A mediação, uma das sustentações das teses vigotskianas, também apresenta
influência do método do materialismo dialético. Essa herança, tanto material quanto
simbólica, consiste em valores, conhecimentos, esquemas de representação, técnicas, formas
de pensar e etc que foram produzidas pela humanidade ao longo de sua história. Para que a
criança apreenda esses conhecimentos é necessária à mediação de indivíduos, sendo,
normalmente, atribuição do mais competente do seu grupo cultural.
Contudo, para que essa apropriação ocorra é preciso que também ocorra
internalização, a qual está associada a uma modificação dos processos externos (efetivado nas
relações entre as pessoas), em um processo intrapsicológico (reconstrução pessoal). O
caminho percorrido para o desenvolvimento humano direciona-se do social para o individual
(REGO, 2013, p. 109).
Percebe-se que analisando a evolução dos conhecimentos, segundo a ótica de
Vigotski, a construção desse saber é uma ação partilhada, uma vez que é através dos outros
que as relações entre indivíduo e objeto de conhecimento são estabelecidas.
Deve haver um novo olhar entre essas interações sociais (aluno-professor e aluno-
aluno) no contexto escolar. Uma vez que, são entendidas como “condição necessária para a
produção de conhecimentos por parte dos alunos” (REGO, 2013, p. 110), em especial aquelas
que favoreçam o diálogo, a colaboração e troca de informações mútuas, o confronto de
diferentes pontos de vista e etc. Cabendo ao professor a função de estabelecer esse elo e a
ocorrência do mesmo.
[...] a heterogeneidade, característica presente em qualquer grupo humano passa a
ser vista como fator imprescindível para as interações em sala de aula. Os diferentes ritmos, comportamentos, experiências, trajetórias pessoais, contexto familiar,
valores e níveis de conhecimento de cada criança (e do professor) imprimem ao
cotidiano escolar a possibilidade de trocar de repertórios, de visão de mundo,
confrontos, ajuda mútua e consequente ampliação das capacidades individuais
(REGO, 2013, p. 110).
33
Nesse panorama, é o aprendizado que permite e movimenta o processo de
desenvolvimento: “o aprendizado pressupõe uma natureza social específica e um processo
através do qual as crianças penetram na vida intelectual daqueles que as cercam”
(VYGOTSKY11
, 1984 apud REGO, 2013, p. 71). Dessa forma, o aprendizado é um fator
universal e importante, seria uma garantia de que houve o desenvolvimento de certas
características psicológicas especialmente humanas e culturalmente organizadas.
Essas correlações entre desenvolvimento e aprendizagem destacam-se na Psicologia
Histórico-Cultural, pois esse complexo elo é analisado sob dois pontos de vista: um que fará
referência ao entendimento geral entre esses dois aspectos e outro, às características dessa
relação no período escolar. As diferentes formas de análises são importantes, já que se
acredita que a criança aprenda antes de frequentar a escola, ainda que esta forneça novos
elementos para o seu desenvolvimento.
Vigotski descreve dois tipos de desenvolvimento: um que se refere às questões já
conquistadas (nível de desenvolvimento real ou efetivo) e o outro, que se refere às questões
que estão prestes a acontecer (nível de desenvolvimento potencial).
O primeiro modelo de desenvolvimento compreende as questões já apreendidas pela
criança, que ela consolidou, possui total domínio, consegue fazer sozinha, sem a ajuda de
alguém mais competente do seu grupo cultural (pais, professores, criança mais velha e etc).
Indicando que os processos mentais da criança se estabeleceram.
Já o nível de desenvolvimento potencial se refere àquilo que a criança é capaz de
desenvolver, só que mediante a ajuda de outro indivíduo com mais vivência. Nesse caso, a
criança se torna capaz de realizar tarefas e solucionar problemas mediante o diálogo, a
colaboração, a imitação, a experiência compartilhada e os sinais que lhe são apresentados.
Para Vigotski, esse nível é o melhor indicativo do desenvolvimento mental do que aquele que
ela consegue fazer sozinha (REGO, 2013, p. 73).
O espaço entre aquilo que a criança é capaz de fazer independentemente e o que ela
realiza a partir da contribuição do outro caracteriza aquilo que Vigotski intitulou de “zona de
desenvolvimento proximal ou potencial (ZDP)”. O desenvolvimento da mesma é visto de
forma prospectiva, pois a ZDP delimita aquelas funções que ainda não se aprimoraram, que
estão em vias de amadurecer.
O aprendizado é principal motivador por criar a ZDP, uma vez que, em convivência
com outras pessoas, possibilita a criança colocar em prática vários processos de
11 VYGOTSKY, Lev. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984, p. 99.
34
desenvolvimento que, se fossem deixados a própria sorte, seria pouco provável que ela
progredisse.
É sabido que “o que a criança pode fazer hoje com o auxílio dos adultos poderá fazer
amanhã por si só” (VYGOTSKY12
, 1988 apud REGO, 2013, p. 126). Isso é possível, devido à
área de desenvolvimento potencial, a qual permite prever os caminhos a serem percorridos
pela criança, assim como a dinâmica do seu desenvolvimento e analisarmos não só o
desenvolvimento que produziu, mas também o que produzirá no processo de amadurecimento.
Esse conceito sobre ZDP é extremamente importante nas questões relacionadas à
escola, já que possibilita a apreensão do funcionamento interno do indivíduo. Além de
permitir a análise de ciclos de desenvolvimentos já completos, é possível observar aqueles
que estão perto de acontecer, o que permite traçar as competências da criança e de suas
futuras conquistas, assim como a elaboração de estratégias pedagógicas que auxiliem nesse
processo (REGO, 2013, p. 74).
Devido ao objeto de estudo desta Dissertação, a questão sobre a aprendizagem do
conceito científico será no próximo item relacionada à aprendizagem e ao desenvolvimento de
pessoas com necessidades especiais, com ênfase na área da deficiência visual.
3.2 A DEFECTOLOGIA DE VIGOTSKI
Este item está fundamentado, basicamente, no artigo de Vigotski (2011) intitulado A
defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal. Este texto
do autor russo trata da defectologia, que é um campo que estuda as pessoas que apresentam
algum tipo de anormalidade - seja uma condição física, seja uma condição psicológica. Os
termos defectologia e criança anormal, utilizados no título e ao longo do artigo, foram
mantidos na tradução feita por Denise Regina Sales, Marta Kohl de Oliveira e Priscila
Nascimento Marques, pois corresponderem à terminologia utilizada no início do século XX,
quando Vigotski produziu o texto. O texto aborda especificamente como o desenvolvimento
de uma criança com deficiência acontece a partir da mediação do outro da cultura.
É inegável que o pertencimento a uma espécie biológica é o substrato para o
desenvolvimento (filogênese), por exemplo, não é possível pensar em desenvolvimento para
um indivíduo da espécie humana (ontogênese) se não há cérebro. No entanto, os estudos de
12 VYGOTSKY, Lev; et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone/Edusp, 1988, p. 113-
115.
35
Vigotski sobre a parte biológica do funcionamento psicológico também se fundamentam no
modelo materialismo-dialético. Ele dá importância ao estudo do cérebro, pois compreende
que este é o órgão material da atividade mental. “O cérebro é visto como um sistema flexível
capaz de servir a novas e diferentes funções, sem que sejam necessárias transformações no
órgão físico” (REGO, 2013, p. 101). Devido à plasticidade cerebral este órgão é capaz de se
remodelar em função das experiências vividas pelo indivíduo. A evolução das pesquisas sobre
o cérebro permitiu descobrir que ele é muito mais maleável do que se imaginava,
transformando-se através das práticas, das percepções, das ações e dos comportamentos.
Com isso, pode-se dizer que a relação que o ser humano estabelece com o meio
produz grandes modificações no seu cérebro, permitindo uma constante adaptação e
aprendizagem ao longo de toda a vida. Esse processo de plasticidade cerebral transforma o
sujeito em um ser mais capaz.
Ao ter acesso à cultura, a criança não apenas toma algo dela, adquire algo, incute em
si algo de fora, mas também a própria cultura reinventa todo o comportamento natural da
criança e refaz de modo novo todo o caminho do desenvolvimento, é o que Vigotski
denomina sociogênese (VIGOTSKI, 2011, p. 866).
Ao analisar esse desenvolvimento cultural da criança, pode-se concluir que, em
relação à sua educação, esta “cumpre sempre enfrentar uma subida onde antes se via um
caminho plano; ela deverá dar um salto onde até então parecia ser possível limitar-se a um
passo” (VIGOTSKI, 2011, p. 867), ou seja, a pesquisa desenvolvida por Vigotski tira a
criança da zona de conforto, proporcionando a ela uma situação mais complexa, para que ela
possa se desenvolver, aprender.
Neste momento, o cenário parece mudar quando se fala da criança com deficiência13
,
pois esta se afasta dos padrões estabelecidos de normalidade, com o agravante de uma
deficiência na organização psicofisiológica. Toda a nossa cultura que é alicerçada para as
pessoas que possuem certos órgãos e de certas funções cerebrais e todos os instrumentos, toda
a técnica, todos os signos e símbolos foram planejados para um tipo “normal” de sujeito,
causam uma falsa situação de convergência (VIGOTSKI, 2011, p. 867).
Ainda que pelos olhos de um sujeito leigo, aquilo que parecia ir ao encontro a um
mesmo ponto é substituído por um enorme abismo, o qual não encontra sentido no
desenvolvimento da criança, tanto cultural e quanto naturalmente. Por si só, considerando
13O termo utilizado por Vigotski na época era anormal.
36
apenas o seu desenvolvimento natural, a criança com deficiência auditiva14
não aprenderá a
falar, assim como a com deficiência visual15
não dominará a escrita. “A educação surge em
auxílio, criando técnicas artificiais, culturais, um sistema especial de signos e símbolos
culturais adaptados às peculiaridades da organização psicofisiológica da criança com
deficiência” (VIGOTSKI, 2011, p. 867).
A sociedade moderna16
habituou-se à ideia de que o homem só pode ler com os olhos
e falar com a boca e, através de um experimento cultural, foi possível divulgar que é possível
ler com os dedos (usando o Sistema Braille) e falar com as mãos (usando a LIBRAS),
mostrando-nos toda a convencionalidade e a mobilidade das formas culturais de
comportamento.
Por si só, mesmo privada de qualquer instrução, a criança ingressa no caminho do
desenvolvimento cultural; em outras palavras, é no desenvolvimento psicológico
natural da criança e no seu meio circundante, na necessidade de comunicação com
esse meio, que se encontram todos os dados necessários para que se realize uma
espécie de autoignição do desenvolvimento cultural, uma passagem espontânea da
criança do desenvolvimento natural ao cultural (VIGOTSKI, 2011, p. 868).
A essência das formas complexas de comportamento da criança é desenvolvida por
uma trajetória indireta, a qual colabora quando a operação psicológica da criança apresenta-se
impossível pelo caminho direto. Contudo, uma vez que esses sentidos indiretos são adquiridos
pela humanidade no desenvolvimento cultural, histórico, e como o meio social, desde o
princípio, oferece à criança diversos percursos indiretos, logo, frequentemente, não nos damos
conta de que esse progresso ocorreu por esse caminho indireto (VIGOTSKI, 2011, p. 864).
O olhar produzido pela sociedade moderna considera que a deficiência é algo
negativo, defeituoso, com falha, que vai limitar e estreitar o desenvolvimento desse sujeito,
devido à ausência de uma determinada função. Isto produziu práticas excludentes e
posteriormente (sobretudo com a declaração de Direitos Humanos pós II Guerra Mundial)
práticas de integração.
Vigotski, já em torno de 1930, propõe a substituição da análise e do tratamento da
pessoa com deficiência: ele afirmou o desenvolvimento dessas pessoas. Ele disse que “o
14O termo utilizado por Vigotski na época era surda-muda 15O termo utilizado por Vigotski na época era cega 16 É a sociedade constituída a partir da Revolução Científica, que traz à cena a Razão como grande forma de
conhecimento do mundo, instituindo a polaridade razão-desrazão e suas conseqüências ordem-desordem,
normalidade-anormalidade, eficiente-deficiente entre outras (GUIRADO, 1996, p. 63-64).
37
defeito exerce uma dupla influência em seu desenvolvimento” (VIGOTSKI, 2011, p. 869).
Por mais que essa deficiência produza obstáculos ou dificuldades no desenvolvimento, ela
também se constitui como “estímulo ao desenvolvimento de caminhos alternativos de
adaptação, indiretos, os quais substituem ou superpõem funções que buscam compensar a
deficiência” (VIGOTSKI, 2011, p. 869) buscando um novo estado de equilíbrio.
Este autor enuncia a tese de que o desenvolvimento cultural é o principal caminho
possível para compensar a deficiência. Se não houver mais possibilidade de avançar no
desenvolvimento orgânico, o desenvolvimento cultural é um caminho sem limites, pois é
nessa relação com o meio circundante que se encontrarão todos os dados necessários para que
seja realizado um “start” nesse desenvolvimento.
O desenvolvimento das funções psíquicas superiores é possível somente pelos
caminhos do desenvolvimento cultural, seja ele pela linha do domínio dos meios
externos da cultura (fala, escrita, aritmética), ou pela linha do aperfeiçoamento das
próprias funções psíquicas (elaboração da atenção voluntária, da memória lógica, do
pensamento abstrato, da formação de conceitos, do livre-arbítrio e assim por diante)
(VIGOTSKI, 2011, p. 869).
É exatamente esta proposta de Vigotski que perpassa esta Dissertação, que teve como
objetivo o desenvolvimento de uma metodologia em Ensino de Química na Educação Básica,
visando à inclusão de alunos com DV, a partir da abordagem vigotskiana. Produziu-se, assim,
um sistema especial de signos ou símbolos culturais (metodologia de ensino) de acordo com
as especificidades da organização psicofisiológica da criança.
3.3 ENSINO DE CIÊNCIAS E SUAS POSSIBILIDADES NA INCLUSÃO
O Ensino de Ciências tem crucial importância na vida de todo e qualquer cidadão,
pois, frequentemente, há a necessidade de tomar decisões que envolvam assuntos científicos.
A relevância do estudo de ciências deve-se, sobretudo, ao fato de oportunizar, ao indivíduo, o
desenvolvimento de uma visão crítica sobre a realidade ao seu redor, permitindo, dessa
maneira, aplicar seu conhecimento adquirido no cotidiano, ponderar as diversas situações e ter
condições para examinar assuntos de interesse pessoal para melhoria da qualidade de vida
(VILELA-RIBEIRO; BENITE, 2010, p. 587).
Assim, acredita-se que o ensino de ciências é a base de uma educação para a
cidadania, visto que a real participação na sociedade é aquela realizada de forma consciente,
38
independentemente ter ou não alguma deficiência, conforme exposto nos PCN (BRASIL,
1998), que se baseiam no princípio da igualdade.
Segundo Habermas17
apud BENITE; VILELA-RIBEIRO; BENITE (2011, p. 2) “a
ciência não se ocupa dos conteúdos do mundo da vida dos grupos sociais e dos sujeitos
socializados construídos em termos perspectivas”, ou seja, precisa-se procurar uma forma de
tornar essa linguagem mais acessível à sociedade, não tem como os conceitos científicos
serem relevantes, se não forem mediados.
Do mesmo modo que as relações socioculturais necessitam de mediação, isso não é
diferente quando o processo é referente ao desenvolvimento das ciências. A linguagem
científica tem como característica uma simbologia apoiada em dados empíricos e que só se
torna acessível no momento em que a comunidade que a representa ajuda a descodificar numa
perspectiva de conhecimentos espontâneos.
Caberá ao professor de ciências, a divulgação desses conhecimentos para os diversos
níveis de ensino, através do processo de mediação. Será ele o responsável por inserir os
alunos nessa cultura que foi produzida socialmente e acumulada ao longo da história,
transformando esses conceitos científicos em linguagem acessível (respeitando o seu nível de
ensino), conduzindo-o à apropriação dos mesmos, respeitando a diversidade em sala de aula,
inclusive daqueles que demandam necessidades educativas especiais (BENITE; VILELA-
RIBEIRO; BENITE, 2011, p. 3).
Falar em necessidades educacionais especiais, portanto, deixa de ser pensar nas
dificuldades específicas dos alunos e passa a significar o que a escola pode fazer
para dar respostas às suas necessidades, de um modo geral, bem como aos que
apresentem necessidades específicas muito diferentes dos demais. Considera os
alunos, de um modo geral, como passíveis de necessitar, mesmo que
temporariamente, de atenção específica e pode requerer um tratamento diversificado
dentro do mesmo currículo (BRASIL, 2003, p. 28).
Dessa maneira, o trabalho inclusivo é conduzido pela ideia de que todos os alunos
são capazes de aprender, de acordo com o tempo e a maneira de cada um, que lhes são
peculiares. A dimensão, a profundidade e a maneira de adaptar as tarefas representam-se
desafiadoras para o professor com uma prática inclusiva trabalhar com os conteúdos
(TAVARES; CAMARGO, 2010, p. 3). Porém, já existem algumas estratégias de ensino que
auxiliam esse novo caminho da educação.
17 HABERMAS, J. Técnica e ciência como ideologia. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2006.
39
No ensino de ciências esses desafios esbarram sempre na questão de que para
conhecer é preciso ver, ouvir, isto é, ter todas as capacidades sensoriais, pois o ensino de
ciências, em suas práticas cotidianas, baseia-se, ainda hoje, nos ideais empiristas, segundo os
quais a aprendizagem se dá pela impressão que os estímulos externos causam. Segundo
Atkins, a imaginação, tão negada no modelo empirista, pode ser um recurso importante para a
promoção de outro tipo de ensino. Sobre isto, o autor diz: “você precisa começar a pensar
como um químico: quando olhar um objeto comum ou uma amostra de um produto químico,
precisa estar apto a imaginar os átomos que o formam” (ATKINS, 2001, p.135).
Com isso, torna-se necessária a descendência da concepção científica, ou seja, tais
conceitos científicos se aproximam daquilo que a criança já sabe para que ela possa
desenvolvê-los e ampliá-los a fim de que ocorra uma ascendência da concepção espontânea.
Para Vigotski, a imaginação tem um caráter positivo e construtivo, pois é a partir
dela que se dá a criação daquilo que é novo em toda a vida cultural e que permite a ampliação
dos conhecimentos. Entende o quão necessária, importante e complexa ela é (BALMANT,
2004, p. 262).
A Psicologia Histórico-Cultural compreende que o cérebro possui duas
especificidades: uma referente à „atividade conservadora‟, que é a memória; e outra que se
refere à capacidade de combinação, criação, construtiva, que é a imaginação. A imaginação
conta com a memória para suas construções e “toda atividade humana que não se limita a
reproduzir acontecimentos e impressões vividas, pertence a essa segunda função criadora ou
combinatória” (BALMANT, 2004, p. 263).
A criatividade e a imaginação devem ser estimuladas desde cedo e quanto maior o
número vivências de um indivíduo, maior será a sua capacidade de criação. Trata-se de um
processo complexo, essa evolução acontece da forma mais simples para a mais profunda, e
está presente no dia a dia das pessoas. Porém, Vigotski salienta que não há uma boa
percepção para identificar e diferenciar a existência desse processo no cotidiano.
[...] existe creación no sólo allí donde da origen a los acontecimientos históricos,
sino también donde el ser humano imagina, combina, modifica y crea algo nuevo,
por insignificante que esta novedad parezca al compararse con las realizaciones de
los grandes genios. Si agregamos a esto la existencia de la creación colectiva que agrupa todas esas aportaciones insignificantes de por si de la creación individual,
comprenderemos cuán inmensa es la parte que de todo lo creado por el género
humano corresponde precisamente a la creación anónima colectiva de inventores
anónimos. Se desconoce el nombre de los autores de la gran mayoría de los
descubrimientos, como justamente ha advertido Ribaud, y la comprensión científica
de esta cuestión nos hace ver en la función creadora más bien una regla que una
40
excepción [...] en la vida que nos rodea cada día existen todas las premisas necesarias para crear y todo lo que excede del marco de la rutina encerrando siquiera
una mínima partícula de novedad tiene su origen en el proceso creador del ser
humano (VYGOTSKY18, 1990 apud BALMANT, 2004, p. 265).
Segundo Vigotski, a imaginação torna possível o desenvolvimento, permitindo a
ampliação de suas capacidades individuais e sociais, conforme seu relato a seguir.
[...] La imaginación adquiere una función de suma importancia un la conducta y en
el desarrollo humano, convirtiéndose en medio de ampliar la experiencia del hombre que, al ser capaz de imaginar lo que no ha visto, al poder concebir basándose en
relatos y descripciones ajenas lo que no experimentó personal y directamente, no
está encerrado en el estrecho circulo de su propia experiencia, sino que puede
alejarse mucho de sus limites asimilando, con ayuda de la imaginación, experiencias
históricas o sociales ajenas (VYGOTSKY19, 1990 apud BALMANT, 2004, p. 267).
Sendo assim, ao buscar desvincular os fenômenos da observação visual, e assim,
tentar associá-los a referenciais táteis ou auditivos, bem como a interações sociais, ou seja,
explorar as questões multissensoriais para a construção desse conhecimento mostra-se um
caminho eficaz para promover um ensino inclusivo na área das ciências da natureza
(TAVARES; CAMARGO, 2010, p. 5).
O tato, a audição, a visão, o paladar e o olfato, podem atuar como canais de entrada
de informações cientificamente muito valiosas na observação. Estes dados
informativos, apesar de terem entrado por canais sensoriais distintos, tem um destino
comum: nosso cérebro; é aqui onde estas informações se inter-relacionam
adquirindo um significado único que é o que aprendemos (SOLER20, 1999 apud
TAVARES; CAMARGO, 2010, p. 5).
O caminho por uma prática que explore os mais diversos sentidos, que não está
apenas centrada no visual, permite que alunos deficientes visuais (cegos ou com baixa visão),
bem como os alunos videntes, possam construir um conhecimento científico mais completo e
uma aprendizagem com mais significados.
Assim, pois, tudo o que é captado pelos sentidos gera conhecimentos; uma pessoa
que possua uma série de conhecimentos adequados e suficientes, pode realizar qualquer tipo de operações mentais: formular hipótese, experimentar, generalizar,
18 VYGOTSKY, L. S. La imaginación y el arte en la infância. 2ª ed., Madrid: Ediciones AKAL S. A, 1990, p. 11 19 VYGOTSKY, L. S. La imaginación y el arte en la infância. 2ª ed., Madrid: Ediciones AKAL S. A, 1990, p. 20 20 SOLER, Miquel-Albert. Didáctica multissensorial de las ciências: Um nuevo método para alunos cegos,
deficientes visuales, y también sin problemas de visión. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1999, p. 18.
41
induzir, deduzir, etc., todas elas de vital importância nos processos científicos. Tudo isso ratifica o fato de uma pessoa cega, que se tem uma ampla percepção sensorial,
pode realizar estudos em matérias científicas (SOLER21
, 1999 apud TAVARES;
CAMARGO, 2010, p. 6).
Com isso, é importante conhecer as características de cada um dos alunos, sendo eles
deficientes ou não, pois só assim será possível identificar suas habilidades e seus limites. E,
quando julgar necessário, adaptar a proposta curricular a fim de atender as especificidades de
cada um dos discentes. Vale salientar que a prática multissensorial não é uma mudança de
conteúdos, mas uma possibilidade de reestruturação das atividades, das estratégias
metodológicas ou didáticas, em nada afeta os conteúdos pretendidos pela escola.
Pensar em estratégias de ensino que englobem tanto Ensino de Ciências quanto
Educação Inclusiva, em uma perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural, não é algo distante
da nossa realidade, pois é possível observar essa união de fatores nos diversos trabalhos
produzidos pelo Professor Éder Pires de Camargo e seus colaboradores, por exemplo.
Não obstante, a inclusão do deficiente visual junto à classes regulares de ensino,
além de representar um avanço sob aspectos sociais, ganha destaque a partir de uma óptica sócio-interacionista, visto que, a construção do conhecimento, é resultado de
uma ação social interativa entre sujeitos e o objeto. Em outras palavras, durante o
processo de aprendizagem, a interação sensorial e social, torna-se indispensável. [..]
O estado de desenvolvimento mental de um indivíduo só pode ser determinado se
forem revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real e a zona de
desenvolvimento proximal. Nesta perspectiva, (desenvolvimento e aprendizagem),
são fundamentais. Quando se fala em ação inter-psíquica compartilhada, está se
falando de experiências de aprendizagem entre sujeitos. São estas experiências de
aprendizagem, que vão gerando a consolidação e autonomização das formas de ação.
Desta forma, é a aprendizagem, que vai gerando o domínio sobre os objetos, sob os
conteúdos da cultura, em direção à autonomia, através da zona de desenvolvimento proximal. [..] Contudo, acerca da relação desenvolvimento-aprendizagem, é
fundamental o esclarecimento de que aprendizado não é desenvolvimento,
entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento
mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra
forma, seriam impossíveis de acontecer (CAMARGO, 2001, s/p).
Percebe-se que a aprendizagem é uma característica necessária e universal para que
haja o progresso das funções psicológicas, que são especificidades do ser humano e estão
organizadas de acordo com a cultura em que o sujeito está inserido.
21 SOLER, Miquel-Albert. Didáctica multissensorial de las ciências: Um nuevo método para alunos cegos,
deficientes visuales, y también sin problemas de visión. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, 1999, p. 24-25.
42
4 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
4.1 TIPO DE PESQUISA
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, pois não há uma preocupação
com representatividade numérica devido a uma objetivação do fenômeno humano/social
(SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009, p. 31), mas, sim, com a explicação de que este fenômeno só
pode ser desenvolvido a partir do contexto no qual está inserido.
Conforme Despret22
(apud Moraes 2010, p. 29), “pesquisar com o outro implica
tomá-lo não como „alvo‟ de nossas intervenções. Não se trata de tomar o outro como um ser
respondente, um sujeito qualquer que responde às intervenções do pesquisador”. Nesse
contexto, o outro que investigamos é um expert, que a partir dele e com ele é que farão existir
outras coisas, outros modos de atuação, tornando-se ativo do processo.
Neste tipo de abordagem, a pesquisa é
um dispositivo de intervenção que se faz com o outro na medida em que é
construído em articulação com aquilo que interessa ao outro. [...] é que em ambos os
casos a relação pesquisador / pesquisado implica um processo de transformação. O
que diferencia um modo ou outro de lidar com esta transformação é o que ele inclui
e faz valer como positivo, como realidade, e o que ele exclui como parasita, como erro a corrigir (MORAES, 2010, p. 30).
Sendo assim, este modo de ação permite que o pesquisador possa atuar de outras
formas, uma vez que o tira da zona de conforto do lugar de especialista. Ao investigar ocorre
um processo de modificação que não acontece apenas sobre o outro, que está no campo
analisado, mas, também, para aquele que investiga.
A pesquisa realizada foi, então, do tipo diagnóstico-intervenção, pois, ao mesmo
tempo em que foram levantados dados para analisar e construir alternativas para o ensino de
Química para deficientes visuais, produziu-se, também, intervenção na relação professor-
aluno estabelecida como cenário. A autora da Dissertação é também a professora do cenário
analisado.
22 DESPRET, V. Lecture ethnopsychologique du secret. Deux parties. Texto apresentado no Ciclo de
Conferências As Ciências da Emoção e a Clínica na Contemporaneidade. UERJ, MIMEO, 2009.
43
4.2 CENÁRIO DA PESQUISA
O Colégio Pedro II23
é uma tradicional instituição de ensino público federal no
estado do Rio de Janeiro. Fundado na época do império, sua história se confunde com a
história do país, o que mostra sua grande relevância e influência no estudo pretendido. Além
disso, há anos recebe alunos com necessidades especiais, contando, em seus diversos campi,
com uma Diretoria de Ações Inclusivas e Assuntos Estudantis24
, evidenciando sua
preocupação com o assunto.
Em 2009, a autora desta Dissertação esteve no Colégio Pedro II – Campus São
Cristóvão para a coleta de dados para a realização da monografia de final de curso em
Licenciatura em Química (SILVA, 2009). A análise realizada através de questionários, estes
aplicados a professores e alunos com e sem deficiência, mostrou, dentre os vários resultados,
que os alunos com deficiência visual (maioria no grupo pesquisado) sentiam-se „perdidos‟ e,
de acordo com suas próprias falas, necessitam de mais recursos tanto materiais quanto
humanos, além dos que eram ofertados. Para tanto, elaborou-se um recurso, que foi aplicado
aos alunos com deficiência visual desta instituição e estes relataram que materiais adaptados,
com a escrita em Braille, ajudavam a elucidar o que tinha sido exposto pelo professor em sala
de aula (SILVA, 2009, p. 77 - 80).
No entanto, após estudos realizados sobre a Educação Inclusiva e sobre o Ensino de
Ciências, sobretudo, durante a realização deste Mestrado, foi possível perceber que o ensino
para pessoas com necessidades especiais não se resume apenas à construção de recursos. No
caso do ensino para deficientes visuais, não se trata apenas de recursos produzidos com a
escrita em Braille. Mas, trata-se de uma nova forma de construir uma ação de ensino, diz
respeito, assim, a uma proposta metodológica.
Em 2013, ao retornar ao Colégio Pedro II como professora contratada, a autora
iniciou o curso de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da Natureza na UFF, tendo
como objetivo a inclusão de alunos com deficiência visual no Ensino de Química, com o
objetivo de construir uma proposta metodológica. Para tanto, foi necessário o estudo de como
se dá a formação do conceito científico, com a especificação para alunos com DV.
23 A autorização para a realização da pesquisa neste cenário encontra-se apresentada em documento anexo à esta
Dissertação. O Campus de pesquisa foi modificado, pois o Campus de Duque de Caxias recebeu no ano de 2015
um discente com deficiência visual, sujeito principal para essa pesquisa. 24 Informação obtida no site da instituição. Consultado em 26/09/2014. Disponível em: http://www.cp2.g12.br
44
O NAPNE (Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais
Especiais) no Colégio Pedro II “se caracteriza como um espaço pedagógico, responsável pelo
atendimento a estudantes que são público–alvo da Educação Especial, conforme legislação, e
a estudantes com necessidades educacionais específicas” (BRASIL, 2012).
4.3 ANÁLISE SOBRE OS ARTIGOS PESQUISADOS
Realizou-se um levantamento bibliográfico a fim de se analisar como a Área de
Ensino de Ciências vem discutindo o tema da Educação Inclusiva no Ensino de Ciências. Para
tanto, foi feita uma busca em um periódico do WebQualis da Capes, do estrato A1, Revista
Ciência e Educação, entre os anos de 2004 e 2014, a fim de analisar os resultados das
pesquisas acadêmicas sobre o tema proposto.
Nos últimos dez anos, a pesquisa sobre artigos que envolvessem as palavras-chave –
Ensino de Ciências, Ensino de Química, Educação Inclusiva e Deficiência Visual, foi quase
nula nos cinco primeiros anos e teve um discreto aumento nos anos finais, indicando um
início de reflexão sobre o tema.
Esta análise mostra que os estudos realizados relacionam-se com os seguintes
assuntos: O ensino de física no contexto da deficiência visual: análise de uma atividade
estruturada sobre um evento sonoro – posição de encontro de dois móveis (CAMARGO,
2006); A comunicação como barreira à inclusão de alunos deficientes visuais em aulas de
mecânica (CAMARGO, 2010); A educação inclusiva na percepção dos professores de
Química (VILELA; BENITE, 2010); Educação científica no ensino fundamental: os limites
dos conceitos de cidadania e inclusão veiculados nos PCN (PIASSI, 2011); Formação inicial
de professores de Física: a questão da inclusão de alunos deficientes visuais no ensino
regular (LIMA; CASTRO, 2012); Inclusão de uma aluna cega em um curso de licenciatura
em Química (REGIANI; MÓL, 2013) e Alfabetização Científica e Educação Inclusiva no
discurso de professores formadores e professores de Ciências (VILELA; BENITE, 2013).
Observa-se uma predominância de trabalhos da área de ensino de física, voltados para
estratégias de ensino de alunos com deficiência visual. Dos poucos trabalhos na área de
Química, há a reflexão sobre a formação dos professores e sobre a formação daqueles que
formam esses professores para a escola básica. É notória a carência de trabalhos que reflitam
sobre os saberes dos docentes para a preparação e a realização de metodologias de ensino
inclusivistas.
45
4.4 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS
A coleta de dados foi realizada com a utilização da técnica da observação
participante, pois esta tem sido considerada um significante recurso nas pesquisas de âmbito
educacional e com abordagem qualitativa, uma vez que possibilita ao pesquisador maior
proximidade com o fenômeno estudado. Ao fazer uma descrição minuciosa das cenas,
procura-se compreender os processos e acontecimentos a partir da “perspectiva dos sujeitos”
(VIÉGAS, 2007, p. 111). Este tipo de instrumento faz da pesquisa uma ação de investigação e
de intervenção, pois ao mesmo tempo em que levanta dados acerca do tema estudado
promove, a partir destes dados, uma ação que visa à transformação do cenário estudado.
Essas observações foram anotadas em um diário de campo, no qual foram relatadas
todas as situações ocorridas no atendimento do NAPNE e na dinâmica de sala de aula, com
uma única turma, de forma assistemática. As observações foram feitas durante o primeiro
semestre de 2015.
4.5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
A forma de construção do texto da dissertação atende a uma perspectiva formal,
tradicional de se apresentar dados de pesquisa, com a discussão teórica anterior à coleta e à
análise dos dados. Porém, é importante ressaltar que nesta Dissertação a elaboração do texto
teórico e a realização pesquisa de campo (levantamento e análise dos dados) se deram
concomitantemente. Dizer isto é importante, pois houve uma reciprocidade entre teoria e
prática, pois uma ajudou a construção da outra.
Os dados a seguir são oriundos do Diário de Campo da pesquisadora25
e foram
analisados a partir de uma aproximação com a teoria e da técnica da Análise do Discurso
(AD)26
. Foi feita a opção de tomar como aporte teórico a Filosofia da Linguagem de Bakhtin,
pois este filósofo apresenta um conceito de Linguagem tal como o conceito de Linguagem da
Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski.
25
No tipo de pesquisa realizada, o instrumento de coleta de dados denominado Diário de Campo é bastante
utilizado, pois permite a re(construção) de cenas vivenciadas pelo pesquisador e pelos sujeitos da pesquisa no
cenário investigado. 26 O que se realizou nesta Dissertação foi somente uma aproximação de alguns conceitos da Análise do Discurso.
Sendo assim, foi priorizada a ideia fundante de que o discurso não pode ser tratado pela sua aparência, mas há
que se ter uma técnica e uma teoria para analisá-lo
46
Não há registro de que houve um encontro entre esses teóricos, porém a
contemporaneidade dos seus textos permite um diálogo entre eles. Tiveram a mesma base
teórica, o materialismo dialético. Através da dialética, formaram uma visão abrangente, que
não se desvencilha do que é real, que considera as questões históricas e que compreende o
indivíduo como resultado do seu meio cultural (FREITAS, 1995, p. 157).
Vigotski e Bakhtin procuraram “encontrar a dialética do subjetivo e do objetivo,
mediada pelo fenômeno da linguagem. [...] Na linguagem, no diálogo, na interação, estão o
tempo todo o sujeito e o outro” (FREITAS, 1995, p. 158). Buscaram o lugar do indivíduo, no
embate contra a alienação.
Ambos deram ênfase à consciência. Vigotski preocupou-se com a estruturação da
consciência e formação do sujeito, destacando à linguagem como formadora do pensamento
(evidência da função da fala interior). Bakhtin também contemplou a linguagem como parte
estruturante da vida mental e fundamental na formação da consciência e do indivíduo,
destacando o papel do discurso interior. “Consciência e pensamento são tecidos com palavras
e ideias que se formam na interação, tendo o outro um papel significativo” (FREITAS, 1995,
p. 159).
Assim, foi feita uma breve análise, apresentando as categorias bakhtinianas
fundamentais para a AD, para tanto, fez-se uma seleção de alguns conceitos da obra do autor,
tais como: polifonia, réplica e tipos de gênero de discurso.
Para Bakhtin, a polifonia é a parte imprescindível de toda enunciação, visto que em
um mesmo texto percebe-se a presença de várias falas que se expressam, sem que nenhuma
domine a outra. Entender a enunciação do outro corresponde direcionar-se em relação a ele e
situar o lugar correspondente dele em determinado contexto.
A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos
corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais
numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão
(BAKHTIN; VOLOCHÍNOV27, 2009 apud OLIVEIRA; SANTOS; CANESIN,
2015, p.6).
Sendo assim, somente é possível compreender algum enunciado quando aquelas
palavras nos tocam de alguma maneira e provocam reflexões ideológicas referentes à vida. “O
ser, refletido no signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata. O que determina
27 BAKHTIN, M; VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 13ª ed. São Paulo: Editora
Hucitec, 2009, p. 137
47
essa refração do ser no signo ideológico? O confronto de interesses sociais no limite de uma
só e mesma comunidade semiótica” (BAKHTIN28
, 1999 apud PIRES; TAMANINI-
ADAMES, 2010, p. 67).
No conceito de gênero discursivo, a linguagem é produto das questões sociais,
históricas e ideológicas. Com isso, os gêneros do discurso são maneiras estáveis de
enunciados produzidas em função das condições específicas de cada área da comunicação
verbal. Tal descrição nos lembra da situação sócio-histórica de relação que envolve o tempo,
o espaço, os indivíduos, o propósito discursivo e a mediação. Pode-se identificar e diferenciar
dois tipos de gêneros de discurso, o primário (que está associado a um contexto de fala verbal
espontânea) e secundário (que é formado em situações sociais de produção mais complexas, o
qual é absorvido e modificado, ao longo de sua formação) (OLIVEIRA; SANTOS;
CANESIN, 2015, p.6; SALETE, 2006, p. 2).
Segundo Bakhtin, é inviável assimilar qualquer um dos tipos de discurso, sem levar
em consideração as várias vozes (polifonia) presentes nele. Por isso, que foi feita a opção da
análise do discurso, por alguns conceitos da Filosofia da Linguagem de Bakhtin.
4.5.1 Apresentação, análise e interpretação das Cenas do Diário de Campo29
A seguir são apresentadas e analisadas cenas do Diário de Campo. Denomina-se cena
aos recortes feitos nos relatos registrados no Diário de Campo e que circunscrevem categorias
da pesquisa – formação do conceito científico; ensino de Química e ensino de alunos com
DV.
CENA 1: “... reunião de planejamento ... foi informado a todo corpo docente
presente, que B ... irá fazer parte do núcleo da escola...”
CENA 2: “Houve um certo espanto e inconformismo por boa parte dos docentes,
pois não houve uma „preparação‟ para receber B...”
As cenas acima descrevem ações de uma reunião de planejamento na qual foi
„informada‟ a chegada de um aluno, com DV, denominado neste texto de B. Estas cenas
28 BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na
ciência da linguagem. São Paulo: Editora Hucitec, 1999, p. 132. 29 Para preservar a identidade dos alunos descritos nas cenas do Diário de Campo, o discente com espectro do
quadro de Autismo será identificado pela letra A, o discente deficiente visual será identificado pela letra B e o
discente em situação de carência será identificado pela letra C.
48
podem ser analisadas como evidência do conflito nas práticas cotidianas escolares entre os
dois gêneros discursivos descritos por Bakhtin, o primário e o secundário. Pois as cenas
remetem ao conflito entre a „forma‟ mais complexa (o saber científico), e a forma do gênero
primário, baseada em comunicação espontânea (o senso comum), de lidar com os alunos com
necessidades especiais. Como está no Diário de Campo e na fala dos professores, não houve
„preparação‟ para receber B, o que pode indicar que a escola estava lidando com a inclusão
produzindo ações espontaneístas.
A réplica a esta ação espontaneísta da escola está na fala que remete ao espanto e ao
inconformismo dos professores. Esta, uma forma já instituída de lidar com a inclusão pelas
escolas, foi réplica também a pesquisa realizada nesta Dissertação, pois inicialmente pensou-
se em aperfeiçoar tecnicamente o produto educacional (recurso) que já havia sido feito no
trabalho de conclusão de curso da autora. Entretanto, a fala dos professores que remeteu à
necessidade de uma preparação fez com que houvesse o entendimento, nesta Dissertação, da
importância dos gêneros discursivos secundários, isto é, de conhecimentos acerca do tema que
tornem os professores mais „preparados‟. Foi entendido, então, que é fundamental a
explicação de como um recurso pode ser de fato mediador na construção do conceito
científico para alunos DV. A perspectiva é que, no caso dos alunos DV não haja apenas a
„tradução‟ de um recurso para ao Braille, mas que especificidades da mediação entre
professor e aluno com DV sejam enfatizadas na construção do conhecimento. Este será,
portanto, um dos indicativos da elaboração do produto final desta Dissertação.
Cada docente, nas diferentes áreas, juntamente com a contribuição de B,
desenvolveram formas de atuação para que o processo de ensino-aprendizagem ocorresse.
Embora não tivesse ocorrido uma „preparação‟ inicial, os mesmos não foram omissos no
processo.
CENA 3: “ ... primeiro dia com a turma... turma em que estão A e B... propus que
fizéssemos uma „forca química‟ ... foram separados em grupos... A e B ficaram em grupos
diferentes... essa turma gosta muito de participar e, para isso, um falava mais alto do que o
outro, prejudicando, as vezes, que B ouvisse as dicas...”
A cena 3 é uma réplica à sala de aula cotidiana, pois remete a uma perspectiva de
mudança na dinâmica da turma e na prática docente, pela réplica que B faz, pois pediu a
turma que falasse mais baixo para que pudesse ouvir também.
49
Oliveira (1997, p. 59) expõe a relevância de outros sujeitos no desenvolvimento
individual, pois o aprendizado é resultado das relações sociais. Na escola, as formas regulares
de atuação, tais como: demonstração, apoio, fornecimento de pistas, informação, entre outros,
são extremamente importantes para que o ensino possa ser desenvolvido. A dinâmica, inicial,
da turma não permitia que B pudesse participar efetivamente das atividades. Isto nos alerta
para o fato de que a inclusão de alunos não se reduz à simples aplicação de recursos
adaptados, mas, sobretudo, a mudanças nas práticas metodológicas e também na forma de
relação. Este será, também, um dos indicativos da elaboração do produto final desta
Dissertação.
CENA 4: “... primeira aula de conteúdo ... me propus escrever toda aula em uma
folha para que eu colocasse no quadro tudo exatamente igual ao que tinha no arquivo de B.
Preocupei-me em exemplificar com situações que não fossem tão visuais, que remetessem a
outras percepções. Também escrevi em Braille todas as reações ... o programa de leitura do
arquivo não „lê quimicamente‟”.
CENA 5: “... no dia em questão, eles observaram que eu estava olhando para a tal
folha para escrever no quadro e fizeram algumas gracinhas do tipo: „Professora, por que não
fez cópia da folha pra gente‟, „Empresta a folha que a gente copia mais rápido‟ ”.
CENA 6: “Os alunos perceberam que eu estava com „coisas estranhas‟ sobre a
mesa... se aproximaram pra ver o que era e como „funcionava‟. Expliquei que transcrevia
para que B pudesse acompanhar a aula também...”
CENA 7: “No final da aula, enquanto guardava o material, uns cinco alunos se
aproximaram e disseram que eu tinha ganhado o respeito deles ... tive espaço para explicar a
questão da folha...”
Estas cenas remetem à réplica feita à prática docente empirista, pois naquele
momento tratava-se apenas de uma simples transcrição, com abordagem empírica, para
Braille. Com a réplica dos alunos, a professora precisou explicar o que estava sendo feito
para eles e foi durante este processo que ela entendeu que não podia se tratar apenas de uma
simples adaptação.
Com prosseguimento dos estudos teóricos nesta Dissertação, foi possível perceber
que a Imaginação é função mental fundamental para o ensino de alunos com DV, será através
50
dela que novas construções irão surgir, expandindo o conhecimento e colaborando para o
desenvolvimento do sujeito.
Segundo Vigotski30
(apud BALMANT, p.263) “Todo descubrimiento grande o
pequeno, antes de realizarse en la practica y consolidarse, estuvo unido em la imaginación
como una estrutura erigida en la mente mediante nuevas combinaciones o correlaciones”, ou
seja, a imaginação não é algo inato, característica de um sujeito mais evoluído, mas, sim, uma
reordenação de informações que levará a um novo estado.
O resultado de uma prática criativa é sempre produto do seu tempo, das experiências
vividas, do cenário social que o sujeito está inserido e das atuações desse tempo e da cultura
sobre o indivíduo.
Com isso, retomamos a um ponto já exposto nesta Dissertação, que é a formação de
um conceito, uma vez que este não pode ser considerado apenas como uma simples
organização de dados da memória e não pode ser realizado sob a forma de treinamento. Ao
constituir um conceito, o pensamento está sendo desenvolvido (generalização) e ao se tornar
plenamente consciente dele, o indivíduo será capaz de ampliá-lo (contextualização).
Ambos os processos de imaginação e generalização/contextualização são
fundamentais para o desenvolvimento do sujeito e a vivência de diferentes experiências,
pessoais e culturais, permitem que haja uma ampliação das possibilidades de aprendizagem.
CENA 8: “... E, para completar o mal estar, entreguei no final das aulas as listas de
exercícios e me virei para B e disse „a sua vai chegar depois, pois foi para São Cristóvão‟31
e
B me respondeu „poxa! Eu sou sempre o último‟. Aquilo me partiu o coração, pois as listas
foram enviadas a tempo para serem transcritas.”
CENA 9: “... o atendimento do NAPNE será individual ... foi a vez de A32
... no meio
do atendimento ... ele diz que não sabe o „porquê‟ de estar ali se ele não tem deficiência...
dissemos a A que aquele era um espaço para que A se sentisse mais a vontade e para que
tivesse mais atenção na hora de executar as tarefas.”
Estas cenas remetem a réplicas dos alunos com necessidades especiais à escola da
modernidade que, na sua incapacidade de incluir os alunos com necessidades educativas
30 VYGOTSKY, L. S. La imaginación y el arte en la infância. 2ª ed., Madrid: Ediciones AKAL S. A, 1990, p. 10 31 A impressão em Braille é feita unicamente nesse Campus. 32 Os alunos A e C fazem parte das descrições das cenas, pois são sujeitos presentes na dinâmica da sala de aula
e do NAPNE e que propõem uma reflexão sobre como a escola ainda acolhe aqueles que necessitam de um
atendimento educacional especial.
51
especiais nas salas regulares, cria espaços físicos para realizar este tipo de atendimento.
Porém, se há uma garantia na Constituição de uma educação para todos, esses espaços, por
vezes, são entendidos como locais de segregação e não de inclusão.
Oliveira (1997, p. 60) sinaliza o quão importante é a escola em sociedade que é
letrada e essa importância deve-se à intervenção do modo letrado, escolarizado, científico,
para que possam existir as transformações dos indivíduos em certo caminho, escolhido como
meta, nessa sociedade, pela definição das características de seus membros.
Mantoan (2003, p. 19) propõe uma reflexão sobre a questão Ética acerca da direção
de uma escola para todos, questionando se realmente as propostas e políticas educacionais,
quando avaliadas, levam em consideração a valorização das diferenças, enquanto condição
para que exista progresso, transformação, desenvolvimento e aperfeiçoamento da educação
escolar.
Há a existência de um direcionamento para essas condições, nas propostas
inclusivistas, porém elas estão no campo da tolerância e pelo respeito ao outro, sentimentos
que devem ser analisadas cuidadosamente. A tolerância pode gerar certa superioridade de
quem tolera. Já o respeito, pode compreender as diferenças como algo imutável, restando ao
outro apenas respeitar.
Assim, as deficiências passam a ser enxergadas como máculas no indivíduo, marcas
que não poderão sofrer qualquer alteração. Aliado a isso tem as questões estatísticas: os graus
de comprometimento, as categorias educacionais, os quocientes de inteligência, a capacidade
para o trabalho, entre outras. Para remediar, são criados espaços educacionais protegidos, à
parte, para certas pessoas. (MANTOAN, 2003, p. 20).
A inclusão, de verdade, é aquela que convive com as diferenças, é um processo no
qual a aprendizagem se dá através das relações pessoais, de forma participativa, produzindo
sentido para o aluno, pois considera a singularidade de cada um, mesmo sendo elaborada na
pluralidade da sala de aula.
Mais um ponto a ser observado na construção da metodologia do produto, e que
evidencia a imprevisibilidade do campo de pesquisa, pois a discussão acerca das condições
efetivas de inclusão nas escolas não estava prevista no início desta Dissertação.
CENA 10: “... primeiro dia de B no NAPNE. Fui revisar o conteúdo... quando B
contou que não conhece as funções inorgânicas... Relatou que um professor não sabia
explicar esse conteúdo para ele e, por isso, não o fez... Precisei mudar o foco desse
52
atendimento... ele também não sabe grafia química em Braille... precisei solicitar a Equipe de
Química a mudança do dia do teste dela...”
Esta cena apresenta uma réplica agora à escola concreta e foi também um marco no
estabelecimento da metodologia que fundamenta o recurso elaborado em Braille (produto
final desta Dissertação). Isto é, as dificuldades da escola moderna se traduzem nas práticas
cotidianas da sala de aula. Assim, ouvir falas tais como a de B ” (...) um professor não sabia
explicar esse conteúdo”, sobretudo quando se trata da Educação Inclusiva, não é
surpreendente, pois se a escola não está preparada, os seus atores também não estão.
CENA 11: “A programação da aula era para corrigir as listas de exercícios. B não
fez, pois alegou problemas com o leitor... passei as reações de uma das listas para o Braille...
Juntamente com o outro professor da disciplina, foi o dia de redigir uma mensagem para a
equipe... resposta positiva... Algumas situações nessa aula chamaram a minha atenção. A fez
toda a lista e foi tão específico... ele tem progredido muito... C me chamou num momento... o
raciocínio estava incorreto, então falei para C que ficasse comigo no intervalo... o estado da
lista não estava bom... C relatou que não consegue estudar em casa”.
CENA 12: “Pensei em trabalhar bases e ácidos, trazendo o conteúdo em Braille...
depois me surgiu outra ideia, já que B tinha lido o livro dessa parte. Fiz cartas grandes (7 cm
x 7 cm, azuis) com as principais bases e ácidos e, cartas menores (5 cm x 5 cm), com os
respectivos cátions (em vermelho) e ânions (em preto) dessas substâncias, assim como os
números (em verde) para fazer o balanceamento. Essas espécies foram escritas com
colorações diferentes para explorar, também, os 2% de visão de B. Foi possível trabalhar:
nomenclatura, NOX, dissociação/ionização, força, solubilidade, tipos de ácidos e
balanceamento... B teve o calendário de provas especial, uma prova por dia”.
Além das cores presentes nas cartas que B recebeu, também havia a escrita em
Braille, com isso, foi possível explicar e diferenciar cada uma das substâncias. B usa um livro
que está transcrito para o Braille, então, foi possível além de explicitar o conteúdo sobre as
funções inorgânicas, dialogar sobre as informações que B leu, dando mais sentido à leitura
feita.
Foram apresentadas todas as cartas sobre as substâncias e à aluna foi perguntado qual
era a semelhança e a diferença entre elas. E foi pedido que as separasse por semelhança e, a
53
partir daí, começou-se a explicar as características de cada grupo e suas respectivas
nomenclaturas.
Para explicar a ionização do ácido clorídrico (HCl), foi dito à B que quando este
composto está em água (explorando o conceito que ela leu sobre Arrhenius), se ioniza e forma
os íons H+ e Cl
- e que é através da quantidade de íons H
+ que podemos dizer se uma solução é
muito ou pouco ácida. Explorou-se a questão da proporção das espécies, para falar sobre
balanceamento.
A relação entre semelhança e diferença é um fenômeno importante para a formação
do conceito científico, pois, segundo Vigotski a percepção da diferença precede a percepção
da semelhança, pois esta última carece de maior sistematização do pensamento, de estrutura
de generalização e de conceituação mais elaborada (VIGOTSKI, 2001, p. 111). Assim é
fundamental no desenvolvimento das metodologias de ensino utilizar recursos que
possibilitem a vivência desta relação. Pois é isto que permite afirmar que
(...) os rudimentos de sistematização primeiro entram na mente da criança, por meio
do seu contato com os conceitos científicos, e são depois transferidos para os
conceitos cotidianos, mudando a sua estrutura psicológica de cima para baixo (VIGOTSKI, 2001, p. 116).
No caso citado, a imaginação foi fundamental, pois se tratava de um aluno com
deficiência visual. Logo, “foi possível além de explicitar o conteúdo sobre as funções
inorgânicas, dialogar sobre as informações que B leu, dando mais sentido à leitura feita”
(Diário de Campo). A imaginação, associada à dialogicidade, foi, portanto, mediadora do
processo de formação do conceito ensinado, pois a esta função psicológica permite o
estabelecimento do vínculo entre a realidade que a criança já apreendeu com a realidade a ser
apreendida. Isto é,
A atividade criadora da imaginação depende diretamente da riqueza e da diversidade
da experiência anterior da pessoa, porque essa experiência constitui o material com
que se criam as construções da fantasia [...] a segunda forma de relação entre
fantasia e realidade é diferente [...] esses produtos da imaginação consistem de
elementos da realidade modificados e reelaborados [...] nesse sentido, a imaginação
adquire uma função muito importante no comportamento e no desenvolvimento humano. Ela transforma-se em meio de ampliação da experiência de um indivíduo
porque, tendo por base a narração ou a descrição de outrem, ele pode imaginar o que
não viu, o que não vivenciou diretamente em sua experiência pessoal (VIGOTSKI,
2009, p. 22-25).
54
B tinha a definição sobre as substâncias correta (conforme a descrição teórica
exposta no livro), mas, inicialmente, não era capaz de ampliar aquilo que havia lido, tão
pouco associar a situações cotidianas. Ao apresentar as cartas e correlacionar as propriedades
dos compostos a situações que B já havia vivido, começou a fazer mais sentido os conceitos
científicos e aquelas definições. B correspondeu de forma extremamente positiva, pois a
mediação realizada permitiu que B fosse capaz de generalizar e contextualizar aqueles
conceitos científicos.
A partir desse momento houve uma percepção da mudança de abordagem do produto
e uma complementação da prática docente da professora/ autora desta Dissertação. É a
reflexão de que não adianta criar um recurso didático ou um material adaptado, se não houver
a intervenção docente, para mediar a construção, desenvolvendo junto com o aluno o saber
científico, que é tão específico.
Vigotski, ao estudar as crianças com deficiência, relata que através da plasticidade
cerebral pessoas com problemas orgânicos são capazes de se desenvolver, por caminhos
alternativos, havendo o aproveitamento máximo dos órgãos, processos e mecanismos que
estão íntegros (OLIVEIRA, 1997, p. 60).
CENA 13: “Dia de aplicar a prova para B... B fez melhor a prova da minha parte,
até este dia não tínhamos conseguido revisar todo o conteúdo do outro professor... B
apresenta um grande déficit de conteúdo nessa parte, mesmo sendo conteúdo da série
anterior... usei os recursos didáticos produzidos no NAPNE (cena 12) e transcrevi as reações
de forma simultânea ao longo da prova”.
CENA 14: “Inicio o conteúdo referente ao segundo ano, Química Orgânica,
preparei um material adaptado (com bolas de isopor, espeto de churrasco, canudo e fita
vermelha) para explicar a geometria e hibridação dos carbonos... os alunos da turma
gostaram e a assimilação do conteúdo foi positiva, mas B não estava nessa aula”.
CENA 15: “Hoje a aula é sobre cadeias orgânicas... apresentei o conteúdo até a
metade da aula... na outra metade propus a turma que fizemos o inverso do exposto, que a
partir de uma fórmula condensada, pudéssemos montar sua fórmula estrutural plana e em
bastão... a turma ficou dividida em grupos... Entreguei uma parte de um recurso didático que
foi produzido na aula da Lucia (no mestrado)... precisei adaptá-lo para que o trabalho fosse
cooperativo. Para isso, diminui o tamanho das peças, levei os elementos, as ligações e os
grupamentos... para montar a cadeia em bastão, levei jujuba e palitos de dente... As peças
55
eram adaptadas, tinha o Braille e uma orientação... Vários grupos montaram as cadeias sem
se importar com a orientação... dizia que estava incorreto e reforçava a ideia de que eles
precisavam lembrar de B (neste dia, B também faltou)... o resultado foi extremamente
positivo, fiquei feliz, embora B não tivesse participado... Já tem quase um mês que B não
aparece nas aulas tanto minhas (e no NAPNE) quanto do outro professor.”
CENA 16: “Chegaram os dois dias de apresentação da „2ª Feira de Línguas
Estrangeiras‟... a feira foi sobre contos, cada turma ficou com um e a proposta era de ela
também fosse uma feira inclusiva (eu fiquei com a parte de orientação dos alunos quanto a
isso)... O primeiro dia foi dos estandes, aberto para os pais, alunos e convidados... os alunos
cumpriram com excelência a proposta inclusivista, exploraram diversos sentidos e formas de
atender todo e qualquer aluno e/ou visitante com alguma necessidade especial... O segundo
dia foi do musical... restrita aos alunos, professores e demais funcionários da escola... A e B
participaram do musical.... A representou e B cantou... sentimento de dever cumprido.”
Até a cena 12, as modificações foram gradativas. O exercício da escuta, seja
professor-aluno quanto aluno-aluno, aumentou. O respeito às diferenças também,
compreender o outro e suas necessidades tornaram essa sala de aula mais humanizada. As
abordagens deixaram de ser menos expositivas para serem mais participativas, cooperativas.
Houve uma maior preocupação em pensar formas de articular os conteúdos, dentro daquela
diversidade em sala de aula. Consequentemente, tudo aquilo que foi pensado e feito em
função de B foi transformador também para os outros alunos.
A presença de um aluno com necessidade educativa especial transforma a dinâmica
da sala de aula, conforme já exposto por Camargo (2011, p. 15), pois “permite o
desenvolvimento de valores de caráter colaborativo, de respeito às diferenças, ligados à
construção de uma sociedade menos excludente e para a identificação de uma natureza
humana heterogênea”. Porém, essa transformação só será possível se o docente, assim como
os outros atores da cena escolar, também estiver disposto a refletir e modificar a sua prática
docente.
Inicialmente, o recurso didático foi pensado para ser apresentado de forma
expositiva, as peças eram maiores, ao longo do semestre, nas aulas e com o apoio teórico de
Vigotski, foi percebido que os alunos aprendiam mais e melhor quando estavam juntos, que
não tinha como fazer essa dissociação entre a aprendizagem e o social.
56
A metodologia proposta nessa Dissertação, embora inicialmente pensada para alunos
com deficiência visual, não se aplicará apenas a este grupo ou àqueles com necessidades
educacionais especiais, mas a todos os alunos, pois foi elaborada levando em consideração
aspectos do desenvolvimento inerentes a qualquer indivíduo, tais como: imaginação,
generalização, cooperativismo, senso crítico, respeito à diferença.
57
5. PROPOSTA PARA O PRODUTO FINAL
O produto final visa à construção do conhecimento científico sobre Química
Orgânica, tendo como tema gerador Petróleo, em que a metodologia inclusivista proposta para
alunos com deficiência visual, está baseada nos princípios da Psicologia Histórico-Cultural.
Trata-se, portanto, de uma metodologia que será divulgada inicialmente em formato impresso.
E posteriormente será divulgada por meios eletrônicos.
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O PRODUTO
Estratégias para um
ensino inclusivo em
Química Orgânica: estudo
de hidrocarbonetos a
partir do Petróleo como
tema gerador
59
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências da Natureza
Estratégias para um ensino inclusivo em
Química Orgânica: estudo de hidrocarbonetos
a partir do Petróleo como tema gerador
Ensino Médio – 2º Ano
1º Semestre
Autora:
JULIANA MENDES DA SILVA
Niterói, RJ
2015
60
Descrevemos a seguir uma metodologia elaborada que contempla o conteúdo
programático do 1º Trimestre do 2º Ano do Ensino Médio do Colégio Pedro II, na parte de
Química Orgânica, os quais estão descritos a seguir: O Átomo de Carbono: valência, número
de oxidação, hibridação, geometria, ângulo e polaridade; Cadeia Carbônica: classificação; e,
Hidrocarbonetos Acíclicos: estrutura, classificação, nomenclatura e radicais.
A metodologia elaborada, fundamentada na Teoria da Psicologia Histórico-Cultural de
Vigotski, foi estruturada para alunos com deficiência visual (baixa visão e cegueira) para que
estes também possam participar efetivamente das aulas de Química. Para tal, foi escolhido
como tema gerador, o Petróleo, que possibilita uma problematização da prática de vida dos
alunos.
O Ensino de Ciências tem importância na vida de todo e qualquer indivíduo, pois, com
frequência, há a necessidade de refletir sobre assuntos científicos. Com isso, os estudos de
ciências devem, sobretudo, oportunizar ao sujeito, o desenvolvimento de uma visão crítica
sobre a realidade ao seu redor, permitindo, dessa maneira, aplicar seu conhecimento adquirido
no cotidiano, analisando as diversas situações e tendo condições para examinar assuntos de
interesse pessoal para que exista uma melhoria da qualidade de vida (VILELA-RIBEIRO;
BENITE, 201033
).
Portanto, acredita-se que o ensino de ciências seja o pilar principal de uma educação
para a cidadania, uma vez que a real participação na sociedade é aquela realizada de forma
consciente, independentemente ter ou não alguma deficiência, conforme exposto nos PCN
(BRASIL, 199834
), que se baseiam no princípio da igualdade.
A escolha feita por propor uma metodologia baseada na Teoria da Psicologia
Histórico-Cultural de Vigotski teve duas motivações: uma devida aos estudos realizados, pela
professora e autora, para a elaboração da Dissertação do Mestrado em Ensino de Ciências da
Natureza na Universidade Federal Fluminense; e porque este autor além de ter constituído a
formação do conceito científico como um de seus objetos de estudo, também, realizou
33
VILELA-RIBEIRO, Eveline Borges; BENITE, Anna Maria Canavaro. A Educação Inclusiva na percepção
dos professores de Química. Separata de: Ciência e Educação, v. 16, n. 3, p. 585-594, 2010.
34 BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília: MEC/SEF,
1998.
APRESENTAÇÃO
61
pesquisas sobre o ensino de crianças com deficiências e transtornos globais de
desenvolvimento.
Além disso, Vigotski apresenta, em seus trabalhos, uma perspectiva que traz à cena a
importância da diversidade cultural, posto que é através da cultura que o indivíduo se
constitui. Não há, segundo ele, uma superioridade de uma cultura sobre a outra (OLIVEIRA,
199735
), esta é uma aproximação relevante da obra de Vigotski com o conceito de inclusão.
A metodologia proposta está planejada para ocorrer em seis momentos: abordagens
do conteúdo e do tema gerador, delimitações do problema, investigação de soluções para o
problema, articulação de conteúdo, ordenação dos conceitos - subconceitos e supraconceitos e
sociabilização dos conceitos construídos. Ao final, há uma conversa com os professores sobre
assuntos intrínsecos a questão da educação inclusiva e sugestões de leitura que auxiliem o
desenvolvimento de outras propostas metodológicas.
35 OLIVEIRA, Marta Kohl de. Sobre diferenças individuais e diferenças culturais: o lugar da abordagem
histórico-cultural. IN: Aquino, Julio Groppa (Org.). Erro e Fracasso na Escola: alternativas teóricas e
Práticas. 5 ed. São Paulo: Summus, 1997.
62
1º MOMENTO: ABORDAGENS DO CONTEÚDO E DO TEMA GERADOR
Será a etapa em que haverá o contato inicial dos alunos com o tema a ser trabalhado.
Sugerimos a entrega de um texto acadêmico adaptado (Petróleo: um tema para o
Ensino de Química36
), em tinta e em Braille37
(quando necessário), para ser lido, interpretado
e discutido em sala de aula. Esse momento visa à máxima participação de todos os alunos. A
finalidade do texto é permitir a apresentação do tema, contribuindo para que o docente
consiga propor o problema e, sobretudo, para que haja uma sensibilização do aluno para a
atividade. No entanto, neste momento, é possível que a partir da discussão que o texto possa
gerar em sala de aula, seja possível que o professor perceba as concepções que os alunos têm
sobre o tema proposto.
2º MOMENTO: DELIMITAÇÕES DO PROBLEMA
Neste estágio é indicado o levantamento sistematizado do professor sobre o
conhecimento que os alunos já têm sobre o assunto, esse momento também é conhecido como
diagnóstico.
O professor fará questionamentos do tipo: Quais são os problemas obtidos pela
extração do petróleo? Quais benefícios? Quais são as consequências da queima dos derivados
do petróleo? Qual deles polui mais? Como seria um uso consciente desses derivados? Quais
as vantagens dos biocombustíveis em relação os derivados do Petróleo?
Todos os alunos deverão ser incentivados a participar, expressando e defendendo suas
ideias, sem julgamentos tanto do professor quanto dos demais alunos. Todas as ideias deverão
ser escritas pelo professor em um painel, o que permitirá que toda a classe retome a discussão
no final.
36 Disponível em: http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc15/v15a04.pdf 37 Os textos podem ser impressos em Braille nos Centros de Apoio Pedagógico Especializados (CAP).
63
3º MOMENTO: INVESTIGAÇÃO DE SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA
Como as ideias foram evidenciadas no momento anterior, o docente procurará
trabalhar os conceitos científicos de petróleo, através de imagens e de um vídeo (O que é
Petróleo?38
).
Primeiramente, o professor apresentará aos discentes imagens, que conterão a
descrição da mesma em Braille, as quais deverão ser selecionadas a partir do tema proposto, a
fim de consolidar as informações que já foram discutidas de forma mais ampla.
Será reproduzido um vídeo que visa apresentar o petróleo em todos os seus processos:
extração, pesquisa de perfuração, destilação, produtos obtidos através das frações e
fornecimento (na presença de alunos com deficiência visual, poderá ser feita uma
áudiodescrição das imagens ou pode-se pedir que o mesmo centre sua atenção no áudio). A
partir disso, poder-se-á explorar as diversas aplicações desses produtos e realizar uma
aproximação com as concepções espontâneas que os alunos possuem.
A criatividade e a imaginação devem ser estimuladas desde cedo e quanto maior o
número vivências de um indivíduo, maior será a sua capacidade para criar. Embora seja um
processo complexo, acontecendo da forma mais simples para a mais complexa, está presente
no dia a dia das pessoas. Para Vigotski, a imaginação tem um caráter positivo e construtivo,
pois é a partir dela que se dá a criação daquilo que é novo em toda a vida cultural e que
permite a ampliação dos conhecimentos (BALMANT, 2004, p. 262)39
.
38
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oOKPUBk1SUQ 39 BALMANT, Flávia Diniz Roldão. A imaginação em Vygotsky: princípio para novas construções, para a
expansão de conhecimentos e para o desenvolvimento. Paraná, 2004. Disponível em:
<http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2005/anaisEvento/documentos/com/TCCI053.pdf>. Acesso em:
29 ago. 2015.
64
4º MOMENTO: ARTICULAÇÃO DE CONTEÚDO
O conteúdo referente ao conhecimento das estruturas e representações, assim como as
respectivas nomenclaturas dos compostos e reações de combustão, será abordado a partir das
frações do petróleo. Para isso, será usado um recurso didático, na forma de cartões.
O material desenvolvido contém a Grafia Química em Braille, de acordo com a
apresentada em Brasil40
(2011), sendo possível aplicá-lo aos mais variados tipos de alunos,
com e sem deficiência.
Foram confeccionadas 7 grupos de peças que permitem através da sua utilização,
construir o conhecimento inicial sobre Química Orgânica, atendendo os tópicos do conteúdo
programático. Os grupos se dividiram em: elementos, ligações, grupamentos, prefixos,
infixos, sufixos e as numerações. Selecionou-se os elementos mais usuais na disciplina
(carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, cloro e iodo), cada qual com uma coloração
diferente (as cores foram definidas pela autora). Os grupamentos e as ligações possuem
coloração associativa com as partes que compõe a nomenclatura dos compostos. Em todas as
peças há a escrita em Braille no canto inferior direito e um corte no canto superior esquerdo.
Fez-se necessário o corte superior para que os alunos videntes saibam diferenciar as ligações
horizontais daquelas que são verticais.
As peças foram confeccionadas no computador, impressas em papel A4 branco com
gramatura igual a 180g/m2, colocou-se a escrita em Braille correspondente, aderidas a placa
adesiva de ímã e pode ser usado um quadro metálico para evitar que as peças se movimentem
ao serem tocadas pelos alunos. A relação elemento/cor e ligação/cor foi a seguinte:
Carbono (C) - Azul
Hidrogênio (H) – Vermelho
Nitrogênio (N) – Verde
Oxigênio (O) – Amarelo
Cloro (Cl) ; Iodo (I) – Roxo41
Ligação e Numeração (-; =; ≡) – Preto
40 BRASIL. Ministério da Educação. Grafia Química em Braille para uso no Brasil. Secretaria de Educação
Especial. Brasília: MEC, 2011. 41 utilizou-se a mesma coloração, pois estes elementos pertencem ao mesmo grupo da Tabela Periódica
65
As peças possuem dimensão 3cm x 3cm, a medida foi obtida empiricamente, visando
o trabalho cooperativo. As letras contidas nos elementos, nos grupamentos, nos prefixos, nos
infixos e nos sufixos foram produzidas com o programa Power Point, usando letras da fonte
Arial Narrow, diferentes tamanhos de letras foram usadas para que ocupassem o espaço da
peça, estes podem ser consultados na tabela abaixo:
Tabela 01 – Tamanho das letras nos tipos de peças
Elemento 66
Grupamento 44
Prefixo 44
Infixo 44
Sufixo 44
Numeração 44
Ligação 2 cm
Os grupos de peças podem ser observados nas figuras a seguir:
Figura 01 – Exposição das peças com as suas respectivas associações
66
Figura 02 – Apresentação da fórmula estrutural plana do etano
Figura 03 – Apresentação da fórmula condensada do etano
Figura 04 – Apresentação da nomenclatura do composto
Através das peças do recurso didático é possível estabelecer as relações entre
semelhança e diferença, primordiais para a formação de um conceito científico. O professor
67
pode trabalhar com a percepção da diferença, ao trabalhar as diferentes formas representar as
fórmulas químicas dos compostos ou de escrever as diversas nomenclaturas. Para que a
percepção da semelhança ocorra, o aluno deverá estar com uma maior sistematização do
pensamento, assim como a sua estrutura de conceitualização deverá estar mais elaborada. Isso
pode ser desenvolvido quando se faz a relação entre a correspondência das cores dos
elementos e/ou grupamentos com a escrita da nomenclatura.
Além disso, o trabalho com o recurso didático permite que os alunos trabalhem de
forma cooperativa, respeitando as diferenças, sendo capazes de construir uma sociedade que
será menos excludente e ainda desenvolvem os seus respectivos sensos críticos.
5º MOMENTO: ORDENAÇÃO DOS CONCEITOS - SUBCONCEITOS E
SUPRACONCEITOS
O professor buscará de forma organizada, compreender os conhecimentos que foram
construídos pelos alunos, baseando-se em todas as atividades que foram propostas. Assim
como, deverá avaliar o seu próprio trabalho.
O professor pedirá que os grupos elaborem um texto, a partir de todas as informações
colhidas. Após a confecção e discussão do escrito produzido por cada grupo, será solicitado
que eles montem um cartaz que sintetize as informações coletadas.
Através dessas atividades, espera-se que os alunos sejam capazes de responder aos
questionamentos iniciais, tenham formulado senso crítico sobre o assunto.
Vigotski42
(2001) fundamenta esta atividade, expondo a importância da escrita para a
sistematização de um conceito, pois a escrita exige uma estruturação maior do que a fala oral.
Com isso, ao escrever o pensamento torna-se ainda mais elaborado, é necessário um alto nível
de abstração.
42 VYGOTSKY, Lev. S. Pensamento e Linguagem. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
68
6º MOMENTO: SOCIABILIZAÇÃO DOS CONCEITOS CONSTRUÍDOS
A proposta é que os alunos façam uma comparação entre os conceitos formulados e
definidos no 2º momento em sala de aula, com os textos que foram produzidos 5º momento.
Aqui se instaura o momento de reflexão dos alunos sobre o seu próprio aprendizado e o
partilha com os outros alunos e o professor.
Após esse acontecimento, haverá o registro no painel confeccionado no segundo
momento, onde serão apresentados ao lado dos questionamentos iniciais. O professor, como
mediador, fará a socialização e discussão com toda a turma, buscando responder as perguntas
e, consequentemente, formulando o conceito de petróleo e como o conceito aprendido pode
ser aplicado ao dia a dia.
69
Este trabalho surge como produto da minha dissertação do Mestrado Profissional em
Ensino de Ciências da Natureza da Universidade Federal Fluminense, com a orientação da
Profª Luiza Oliveira. Foi pensado, elaborado e reestruturado a partir das minhas experiências,
positivas ou não, e reflexões acerca da questão da inclusão de alunos com necessidades
educativas especiais nas classes regulares.
Ao longo do mestrado e dos estudos realizados para escrever a dissertação, alguns
conceitos, tais como: imaginação, contextualização/generalização, inclusão escolar e respeito
à diferença, tornaram-se importantes para que fosse possível pensar em estratégias de ensino
inclusivas no ensino de Química.
O Ensino de Ciências, em especial o da Química, é muito abstrato. Com isso, surge a
importância da imaginação, será através dela e a partir dela que o aluno será capaz internalizar
conceitos tão específicos e não apenas memorizá-los, pois é sabido que não há aprendizagem
dessa forma. É preciso proporcionar a criança diversas vivências para que ela possa ampliar
sua estrutura cognitiva.
Com relação a isso, surge outra questão igualmente importante, que é a dialética entre
contextualização e generalização. Ao oportunizar a criança diferentes formas de experiência,
permitindo que ela seja capaz de generalizar e que haja o surgimento da contextualização e
ela, naturalmente, aplicará o conceito aprendido em seu dia a dia.
Esses processos de imaginação e generalização/contextualização são importantes para
todos os alunos, com ou sem deficiência. A presença de um aluno com necessidades
educativas especiais em uma classe regular transforma positivamente a dinâmica da sala de
aula, uma vez que é possível desenvolver o espírito de colaboração, o respeito às diferenças,
as questões Éticas, uma sociedade consciente e menos excludente. Além disso, proporciona ao
professor reflexões e ações sobre a sua própria prática docente, a fim de extrair dele, o seu
melhor.
CONVERSANDO COM OS PROFESSORES
70
Os textos do Professor Éder Pires de Camargo possuem tanto o caráter reflexivo sobre
uma prática inclusiva, como os procedimentos para implementá-la, sugiro: Ensino de óptica
para alunos cegos: possibilidades43
; Saberes docentes para a inclusão do aluno com
deficiência visual em aulas de Física44
e Considerações sobre o ensino de física para
deficientes visuais de acordo com uma abordagem sócio interacionista45
.
A professora Maria Teresa Mantoan traz a questão da inclusão escolar, no seu texto:
Inclusão escolar: o que é? por quê? como faz?. 46
Para a compreensão da questão psicológica que norteia o ensino inclusivo, proponho a
leitura dos textos referentes à Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski: Imaginação e
Criação na Infância47
; A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da
criança anormal48
e Pensamento e Linguagem49
.
43 CAMARGO, Eder Pires de. Ensino de óptica para alunos cegos: possibilidades. Curitiba, PR: CRV, 2011. 44 CAMARGO, Eder Pires de. Saberes docentes para a inclusão do aluno com deficiência visual em aulas
de Física. São Paulo, SP: Editora UNESP, 2012. 45 CAMARGO, Eder Pires de. Considerações sobre o ensino de física para deficientes visuais de acordo com
uma abordagem sócio interacionista. In: Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 3.,
Atibaia, 2001. Disponível em: <www.dfq.feis.unesp. br/dvfisica/artigo8-consideracoessobreensino.doc>. Acesso
em: 01 set 2015. 46
MANTOAN, Maria Teresa Egler. Inclusão escolar: o que é? por quê? como faz? São Paulo, SP: Moderna,
2003 47 VIGOTSKI, Lev. S. Imaginação e Criação na Infância. São Paulo: Editora Ática, 2009. 48 VIGOTSKI, Lev. A defectologia e o estudo do desenvolvimento e da educação da criança anormal.
Separata de: Educação e Pesquisa, v. 37, n. 4, p. 861-870, 2011. 49 VYGOTSKY, Lev. S. Pensamento e Linguagem
49. 10 ed. Petrópolis: Vozes, 2001.
ALGUMAS SUGESTÕES DE LEITURA
71
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão da diferença, existente entre todo e qualquer indivíduo, deve ser
reconhecida na diversidade da sala de aula, pois só assim o processo para a construção do
conhecimento e seus desdobramentos ocorrerá de acordo com o previsto na Constituição de
1988 – uma educação para todos.
Esse processo torna-se possível quando há um diálogo entre as partes envolvidas,
para que o exercício da escuta aconteça e formas de intervenção possam existir. Investigar o
que o outro traz de conhecimento e fazer com que os conhecimentos científicos se aproximem
dos conhecimentos prévios dessa criança, permite que ela possa ser capaz de ampliar seus
saberes, seus conceitos.
Através desta Dissertação e de todo o estudo envolvido, percebe-se que ensinar com
qualidade alguém com necessidades educativas especiais vai muito além do que só criar ou
gerar recursos didáticos específicos, adaptados, é preciso ouvir os sujeitos envolvidos e
desenvolver formas mais plurais de conhecimento. Essas formas devem explorar os mais
diversos sentidos e situações. Caso contrário, essas pessoas serão sempre vistas como Moraes
(2010, p. 28) descreve a situação em relação àquela bailarina “enquanto a bailarina lhe era
apresentada exclusivamente pelo referencial do vidente, a menina falhava, era ineficiente,
deficiente: ou fazia a bailarina tal como um vidente a faria, ou fracassava”.
Enquanto a pessoa com deficiência for tratada como doente, como era vista no século
XX, no modelo médico da deficiência, a educação desse grupo continuará lenta, haverá pouca
discussão a respeito e poucas práticas pedagógicas serão pensadas em função deles, não
havendo uma melhora significativa da educação.
A busca por uma metodologia fundamentada na Teoria da Psicologia Histórico-
Cultural de Vigotski é aquela que nos apresenta um direcionamento, um caminho a seguir de
que é possível promover a aprendizagem de conceitos científicos no ensino de Ciências a
todos, inclusive aqueles que com deficiência, através da mediação do professor e do estímulo
do imaginário.
Ainda que o número de pesquisas sobre esse assunto seja um pouco incipiente, no
campo da Química, já há uma reflexão sobre aqueles que serão os principais atores para
efetivar a educação inclusiva.
72
A perspectiva desse trabalho é que as pesquisas na área prossigam e que mais
contribuições possam surgir.
73
7 OBRAS CITADAS
ATKINS, Peter; JONES, Loretta. Princípios de Química: questionando a vida moderna e
meio ambiente. Porto Alegre: Bookman, 2001.
BALMANT, Flávia Diniz Roldão. A imaginação em Vygotsky: princípio para novas
construções, para a expansão de conhecimentos e para o desenvolvimento. Paraná, 2004.
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Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC, 2011.
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educação nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20
dez. 1996. p. 15. Capítulo 5, p. 20
74
_______. Decreto n° 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nº 10.048, de 8
de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e nº
10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a
promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade
reduzida, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 2004.
_______. Lei nº 12.796, de 04 de abril de 2013. Altera a Lei nº 9394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para dispor sobre a formação
dos profissionais da educação e dar outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 abr. 2013.
_______. Portaria nº 2344, de 03 de novembro de 2010. Esta portaria dá publicidade às
alterações promovidas pela Resolução nº 01, de 05 de outubro de 2010, do Conselho Nacional
dos Direitos da Pessoa portadora de Deficiência – CONADE em seu Regimento Interno.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 nov. 2010.
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de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais – NAPNE no Colégio
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_______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:
Adaptações Curriculares. Estratégias para a Educação de Alunos com Necessidades
Educacionais Especiais. Brasília: MEC/SEF/SEESP, 2003.
CAMARGO, Eder Pires de. Ensino de óptica para alunos cegos: possibilidades. Curitiba,
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Física. São Paulo, SP: Editora UNESP, 2012.
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